Regulação econômica em dia – 25.01.2025

Informativo semanal de regulação econômica no Brasil

1ª reunião do ano

Bandeira Tarifária Verde

“Rodovia da morte” concedida

Conhecida popularmente como “rodovia da morte”, a via é famosa pelo alto fluxo industrial e pelas pistas extremamente sinuosas, com baixa manutenção. A conexão entre Belo Horizonte e Governador Valadares também apresenta outros problemas estruturais, como a falta de iluminação e sinalização eficientes. Atravessando o Vale do Aço, o trecho é crucial para o escoamento de produtos industriais, interligando Minas Gerais aos estados de São Paulo e Espírito Santo.

Regulação econômica em dia

Concorrência pelo mundo – 25.01.2025

O informativo Concorrência pelo Mundo é publicado aos sábados e reúne as noticias das principais autoridades de defesa da concorrência do mundo (CADE, FTC, USDOJ, CMA, Autorité de la Concurrence etc).

Brasil

Autoridades da concorrência europeias movimentam mercado com aprovações e novas fusões em janeiro de 2025

Reguladores europeus

A autoridades antitruste europeias têm desempenhado um papel crucial na supervisão de fusões e aquisições estratégicas que movimentam setores-chave da economia, como telecomunicações, imobiliário e energia. Decisões importantes da Comissão…

Leia mais

Setor da saúde: CADE prorroga prazo em investigação de cartel

Imagem: Pexels.com

Foi publicado na manhã desta sexta-feira (24), no Diário Oficial da União (DOU), o despacho sobre o setor de saúde que concede a prorrogação do prazo de defesa em uma importante investigação conduzida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) sobre supostas práticas anticompetitivas no mercado brasileiro de órteses, próteses e equipamentos médicos. O prazo adicional de 10 dias, solicitado por um dos representados, foi estendido a todos os envolvidos no processo, reforçando o compromisso do órgão com os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Processo Administrativo nº 08700.002443/2017-14, instaurado em dezembro de 2023, tem como objetivo apurar condutas que podem violar o artigo 36 da Lei nº 12.529/2011, incluindo a formação de cartel. Entre os representados, destacam-se grandes empresas do setor, como Siemens Healthcare Diagnósticos e Philips Medical Systems, além de outras 11 companhias e dezenas de pessoas físicas.

Histórico e Relevância do Caso

A investigação tem origem em um Inquérito Administrativo Público instaurado em 9 de maio de 2017, conforme Nota Técnica nº 39/2017 e Despacho SG nº 20/2017. O caso aponta para a possível formação de cartel no mercado carioca de órteses, próteses e materiais especiais (OPME), com indícios de prejuízos à rede pública de saúde do Estado do Rio de Janeiro entre os anos de 2002 e 2013.

Para aprofundar as apurações, em 8 de maio de 2017, o CADE encaminhou à Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro (MPF/RJ) o Ofício nº 2115/2017, solicitando acesso a documentos relacionados à Operação Fatura Exposta. Essa operação foi conduzida pelo Ministério Público Federal, Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro e Receita Federal do Brasil, com base em colaboração premiada do ex-subsecretário de saúde César Romero Viana Junior. O objetivo era esclarecer irregularidades na aquisição de itens de OPME destinados ao Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO) e à Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ).

Em resposta, em 5 de junho de 2017, o MPF/RJ enviou ao CADE o Ofício nº 7636/2017, contendo os autos do Processo nº 0503104-75.2017.4.02.5101, em curso na 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, sob supervisão do juiz Marcelo Bretas. O material compartilhado incluiu mais de 1.000 páginas, abrangendo termos de colaboração premiada e evidências que sustentam as acusações de práticas anticompetitivas.

Após o decurso do prazo para apresentação de defesa, o processo segue em análise pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

CADE aprova 3 grandes fusões e mantém indeferimentos estratégicos

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) divulgou decisões importantes relacionadas a atos de concentração empresarial. Entre os destaques, está a aprovação sem restrições do Ato de Concentração nº 08700.010707/2024-24, que envolve empresas do grupo Coca-Cola, como Spal Indústria Brasileira de Bebidas S.A., Solar Bebidas e Cerpa Cervejaria Paraense S.A.

Leia mais

CADE reavalia operações de energia e investiga licenciamento de patentes 5G

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) divulgou importantes despachos relacionados a atos de concentração e recursos voluntários. Entre as deliberações, destaca-se o Despacho SG nº 99/2025, que anulou a decisão prévia de não conhecimento do Ato de Concentração nº 08700.000058/2025-34, envolvendo as empresas Athon Energia S.A., Athon Soleil Energia S.A. e Soleil Energia e Participações Ltda. …

Leia mais

CADE aprova atos de concentração em diversos setores da economia brasileira

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) anunciou a aprovação de oito atos de concentração sem restrições, com publicações em 17 e 20 de janeiro de 2025. Entre os …

Leia mais

CADE condena cooperativas médicas e aprova fusões de grandes empresas sem restrições

No Processo nº 08700.000694/2017-56, que tratava de práticas de infração à ordem econômica por cooperativas médicas baianas, o CADE determinou o arquivamento parcial das investigações. Entretanto, condenou as cooperativas CCP, Cardiotórax e Cooperonco por condutas anticompetitivas, conforme os critérios estabelecidos pela Lei nº 12.529/2011. Outras cooperativas envolvidas permanecerão sob monitoramento até o cumprimento de obrigações assumidas em Termos de Compromisso de Cessação (TCCs).  

Leia mais

Internacional

Golpe de alívio de dívidas: FTC devolve US$ 5 milhões a consumidores lesados

A Comissão Federal de Comércio (FTC) anunciou o envio de mais de US$ 5 milhões em reembolsos para consumidores prejudicados por um esquema fraudulento de alívio de dívidas, operado pela ACRO Services. A empresa, que utilizava nomes como American Consumer Rights Organization e Tri Star Consumer Group, enganou milhares de pessoas ao prometer redução significativa de dívidas em 12 a 18 meses. Além das promessas falsas, os consumidores eram obrigados a pagar taxas iniciais elevadas e mensalidades por serviços de monitoramento de crédito.  

Após uma ação judicial iniciada em 2022, os responsáveis pelo esquema concordaram com um acordo que os proíbe de atuar nos setores de telemarketing e alívio de dívidas, além de entregar bens para reembolsar as vítimas. Parte dos fundos também veio de um caso contra a processadora de pagamentos BlueSnap, que se beneficiou das operações da ACRO Services. No total, 7.687 consumidores receberão os cheques de reembolso, que devem ser descontados em até 90 dias.  

A FTC reforça que nunca solicita pagamentos ou informações bancárias para liberar reembolsos e incentiva os consumidores a visitarem seu site oficial para mais informações. Em 2023, a entidade restituiu mais de US$ 330 milhões a vítimas de fraudes, reafirmando seu compromisso com a proteção dos direitos dos consumidores e a promoção de práticas de mercado justas.  

Fonte: FTC

CMA troca líder antitruste pela 5ª vez em busca de alinhamento estratégico

O governo do Reino Unido tomou uma decisão marcante ao substituir Marcus Bokkerink como presidente da Autoridade de Concorrência e Mercados (CMA). Sob a liderança de Bokkerink, a CMA enfrentou críticas por sua postura rígida em casos de fusões, incluindo o emblemático acordo de US$ 69 bilhões entre a Microsoft e a Activision Blizzard. A ministra das finanças, Rachel Reeves, justificou a decisão como parte de uma estratégia para remover barreiras ao crescimento e alinhar o órgão regulador à missão econômica do governo.  

A mudança ocorre em meio a pressões para que a CMA adote uma abordagem mais favorável aos negócios. No ano passado, o órgão permitiu a fusão de US$ 19 bilhões entre Vodafone e Three UK, enquanto bloqueou apenas 0,2% das 1.037 fusões analisadas. Reeves, no entanto, alertou que os reguladores precisam equilibrar a promoção de inovação com a proteção dos consumidores, especialmente em setores emergentes como inteligência artificial.  

Doug Gurr, ex-diretor da Amazon UK, assumiu interinamente a presidência da CMA, trazendo sua experiência no setor de tecnologia. Analistas temem que a substituição envie sinais de enfraquecimento regulatório em áreas estratégicas. A decisão também reforça o comprometimento do governo em ajustar sua abordagem, mirando crescimento econômico em um momento de desafios estruturais e competitivos no cenário global.  

Fonte: Reuters

Autoridades globais de concorrência intensificam investigações e avaliam fusões estratégicas

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autoridade da concorrência do Brasil, se destacou no primeiro balanço do Programa Desenrola Autarquias, sendo responsável por …

Leia mais

Fusões e operações de controle são aprovadas por autoridades da concorrência

Comissão Europeia aprovou ontem (20) duas fusões sob procedimento simplificado. A primeira envolve as empresas Apollo e Barnes Group, atuantes nos setores de maquinário especializado …

Leia mais

São tomadas medidas antitruste nos EUA e na Europa

Na última sexta-feira (17), a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos EUA divulgou um relatório com estatísticas de sua atuação entre 2015 e 2024, destacando esforços para aplicar as …

Leia mais

O cenário da concorrência internacional é marcado por novas diretrizes e por fusões estratégicas

Dos EUA à Europa, autoridades analisam práticas empresariais e aprovam fusões de impacto, com foco na concorrência justa, eficiência e transparência nos mercados financeiro, de viagens e recreação.

Leia mais

Processo contra Google avança nos EUA

A juíza distrital de São Francisco nos Estados Unidos, Rita Lin, negou o pedido do Google para encerrar um processo judicial que acusa a gigante da tecnologia de monopolizar o mercado de buscas online. O caso, iniciado em 2022, alega que a empresa firmou contratos exclusivos com a Apple para garantir que seu mecanismo de busca fosse o padrão em dispositivos da fabricante do iPhone, prejudicando o desenvolvimento de alternativas competitivas.

Embora algumas alegações relacionadas à publicidade tenham sido rejeitadas, Lin considerou que os consumidores apresentaram detalhes suficientes para argumentar que os acordos limitaram a concorrência, impedindo o surgimento de motores de busca com mais privacidade ou menos anúncios. 

A decisão segue um caso similar em Washington, D.C., onde outro juiz declarou ilegais os contratos do Google com empresas parceiras. A empresa contesta ambas as acusações, afirmando que são infundadas, e a Apple, apesar de mencionada, não é ré no processo.

A decisão segue uma derrota anterior do Google em agosto de 2024, quando um juiz federal em Washington, D.C., concluiu que contratos exclusivos entre a companhia e outras empresas, incluindo a Apple, contribuíram para a formação de um monopólio ilegal no setor de buscas. O Google contesta ambas as acusações, afirmando que são infundadas. Apesar de mencionada nos casos, a Apple não é ré nos processos. 

A próxima audiência está marcada para o dia 12 de fevereiro. O caso é acompanhado de perto devido ao impacto potencial no mercado digital e nas práticas de concorrência.

A empresa nega as acusações e até o momento não se pronunciou sobre a decisão mais recente.

Fonte: Reuters

Matérias de Alice Demuner

Temas relacionados

Acesse os clippings da concorrência

Concorrência pelo mundo – WebAdvocacy

A boa fé e seus aliados processuais no exercício da litigância elegante e cristalina dos operadores do direito em todos os seus segmentos

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.


Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayeg – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marco Aurélio Bittencourt – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutora em direito

Vanessa Vilela Berbel – Doutora em Direito

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


A boa fé e seus aliados processuais no exercício da litigância elegante e cristalina dos operadores do direito em todos os seus segmentos

Lorenzo Martins Pompílio da Hora e Durval Pimenta de Castro Filho

RESUMO: O presente artigo científico tem por propósito, em síntese, uma análise do exercício do direito probatório aliado ao princípio da boa-fé, como elementos processuais estruturantes de um procedimento potencialmente gerador de uma sentença com resolução de mérito seguramente justa e efetiva, de acordo com a norma fundamental do artigo 6º do Código de Processo Civil, conforme reclama o Estado Democrático de Direito, resguardado pela denominada Constituição Cidadã, promulgada em 5 de outubro de 1988.  

Palavras – chave: princípio da boa-fé; direito probatório; devido processo legal.

ABSTRACT: The purpose of this scientific article is, in summary, an analysis of the exercise of the right to evidence combined with the principle of good faith, as structuring procedural elements of a procedure potentially generating a sentence with a surely fair and effective resolution of the merits, in accordance with the fundamental rule of article 6 of the Civil Procedure Code, as demanded by the Democratic Rule of Law, protected by the so-called Citizen Constitution, promulgated on October 5, 1988.

Keywords: principle of good faith; evidentiary law; due process of law.

Propedêutica

A Boa-fé cresceu, superou todos os percalços da puberdade, da adolescência, atingiu a maioridade e atualmente se faz presente nos mais diferentes cenários cognitivos da vida jurídica.

Superou um momento clássico, sujeito a concepções preestabelecidas e ao mesmo tempo limitadoras do seu potencial de generosidade com o bom senso, a probidade na arte de litigar entre as partes.

O legislador processual civil  hodierno contemplou a boa-fé, colocando-a sob a égide das normas fundamentais, de acordo com a redação do artigo 5º do Código de Processo Civil, bem como elencou, no artigo 80 do precitado Estatuto, condutas reveladoras de uma litigância temerária, caracterizadoras de má-fé, entre as quais a que altera “a verdade dos fatos”.

Podemos afirmar que agir de boa-fé, é agir no paradigma da verdade, da evidência, alieno da sombra da subversão do que é certo, seja sob o aspecto objetivo e subjetivo, de modo que a intenção e o agir estejam inarredavelmente alinhados com a finalidade a que se propõe o benévolo agente alcançar.

Em termos, quem provoca a jurisdição para, segundo o disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil, afastar “lesão ou ameaça a direito”, tem o dever de fazê-lo com fundamento na legitimidade de sua pretensão, amparado em norma jurídica assecuratória da alegada titularidade, bem como na prova, pena de responsabilização reparatória pela temeridade da infundada litigância, conforme inteligência do artigo 79 do Código de Processo Civil. 

Desenvolvimento

Para o alcance de melhor abordagem do instituto, sob o aspecto preliminarmente conceitual, valem-se os articulistas de expressiva manifestação doutrinária, trazendo à lume, primeiramente, o magistério do atemporal civilista ORLANDO GOMES:

A expressão boa-fé não tem, no particular, o sentido em que é usada no Direito das Coisas. No Direito das Obrigações, significa, segundo BARASSI, referente a um modelo abstrato, ao qual deve adequar-se a execução da obrigação. Não é fácil enunciá-lo. Ao se estabelecer que as partes de uma relação obrigacional oriundas de contrato precisam agir com boa-fé, quer-se dizer que lhes cumpre observar comportamento correto, que corresponda à legítima confiança do outro contratante.[1] (Grifos no original).

As locuções reveladoras da boa-fé, segundo o precitado ensinamento, são a confiança, o comportamento fidedigno, a lisura, em suma, o empenho do agente em direção ao fim colimado pela avença, partindo-se do pressuposto restritivamente contratual.

A boa-fé como sinalizam ROSENVALD & FARIAS:

Demais disso, não se pode olvidar a boa-fé objetiva como princípio fundamental das relações civis, especialmente das relações negociais, obrigacionais e contratuais. Não prevista na estrutura codificada de 1916, a boa-fé objetiva materializa uma necessária compreensão ética das relações privadas. Aliás, já tivemos oportunidade de afirmar que a boa-fé objetiva “significa a mais próxima tradução da confiança, que é o esteio de todas as formas de convivência em sociedade”. A Lei Civil, inclusive, acolhe a boa-fé objetiva de forma expressa, como princípio fundamental das relações jurídicas privadas, mencionadas nos arts. 113 e 422, como regra interpretativa dos negócios jurídicos e das obrigações como um todo, como mecanismo de imposição de limites ao poder de contratar e para estabelecer deveres implícitos nas relações do mundo negocial (…).[2]

Acontece que esses visionários do Direito já antecipavam que os limites da boa-fé não ficariam apenas no Direito Civil. Ocupariam espaços legais em outros textos normativos, até porque em suas cuidadosas pesquisas de citações notificaram:

Valendo-se da advertência de PALOMA MODESTO, “todo o processo de descoberta da norma de decisão para a resolução dos casos passa, necessariamente, pelos princípios constitucionais – verdadeiros balizadores da realização e da concretização da Constituição – , não tendo pretensão de exclusividade (…).[3]

E assim aconteceu, na renovação da Lei Processual Civil, até o momento, juntamente com episódios institucionais consagrados de Lei Processual Penal integrativa para fazer companhia as conquistas constitucionais, também tivemos a boa-fé presente de forma substancial e expressa na Lei Processual. Restando claro que a sua presença também faz parte das metodologias de busca da verdade real, contraditório, ampla defesa substancial, devido processo legal, entre outros.

Dispensáveis maiores ilações para reconhecer que a boa-fé não é um ornamento legal, mas sim um princípio que veio para ficar nos momentos mais cruciais do Estado-Juiz em vários ritos normativos, no âmbito civil e penal, entre outros, a citar: NEGÓCIOS JURÍDICOS, HOLDING FAMILIAR, ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL, INVENTÁRIOS EXTRAJUDICIAIS, A DINÂMICA E AS FERRAMENTAS DE COBRANÇAS DECORRENTES DE INADIMPLEMENTOS, NARRATIVAS E ACUSAÇÕES SEM STANDARD PROBATÓRIO, INVESTIGAÇÃO POLICIAL VICIADA POR INQUISITÓRIOS PROVENIENTES DE ILAÇÕES, COLABORAÇÃO PREMIADA, ABUSO DE ATORIDADE, QUEBRAS DA CADEIA DE CUSTÓDIA, ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL.

O DIREITO A PRODUÇÃO PROBATÓRIA, CONTRADITÓRIO, MOTIVAÇÕES INTRÍNSECAS E EXTRÍNSECAS DAS DECISÕES JUDICIAIS e outros temas sensíveis que nos levariam a discorrer por inúmeras páginas, até porque a natureza humana ainda pode ser uma incógnita que carece do manto da boa-fé, ou seja, é preciso que haja entre as partes credibilidade mútua.

Assim, podemos nos defrontar, hipoteticamente, com uma simples investigação policial em que o agente da perquirição, depois de ter acesso preliminar a todas as medidas invasivas e cautelares de quebras de sigilo do investigado, faz uma narrativa desprovida da verdade, como, por exemplo, de que só teria descoberto determinado bem de propriedade deste após uma recente diligência de busca do imóvel do invadido, mesmo depois de ter minuciosamente averiguado toda a respectiva situação fiscal daquele que é alvo da persecução criminal preliminar.[4]

Vale dizer, uma típica inverdade que não resiste a um exame superficial na cronologia de eventos que precederam a buscar domiciliar. Ou seja, uma conduta de má-fé do agente público, aliena da legalidade constitucionalmente assegurada pela via principal da norma fundamental contida no artigo 5º, inciso LIV. 

O suporte e a assistência consolidadora é multidisciplinar, comunicação com todas as metodologias periciais, psiquiátricas, neuropsicológicas, psicológicas que por não poderem estar mais eclipsadas e distantes dos princípios constitucionais encontram o seu forte engajamento na Boa-fé.

Parceira incólume do processamento dos feitos judiciais para limitar os abusos irresponsáveis e descomprometidos em qualquer segmento institucional, desde a instauração do feito até o almejo da coisa soberanamente julgada.

Como afirma constantemente o Doutor e Professor da Universidade Federal de Santa Catariana, Juiz Federal Alexandre Moraes da Rosa em suas encantadoras obras e monografias: “NÃO VALE TUDO NO PROCESSO PENAL”.

A boa-fé pede emprestado a expressão: “NÃO VALE TUDO SEM BOA-FÉ”.

Na acepção da boa-fé objetiva temos uma contrapartida numa lide que envolve uma litigância com elegância, sem o slogan: saiba levar vantagem em tudo, que há alguns bons anos atrás era exposto pelo denominado “canhotinha de ouro”, considerado o melhor meio campista do mundo da irretocável Seleção Brasileira Tricampeão Mundial de Futebol na Itália – GERSON DE OLIVEIRA NUNES.

Um jogador de meio-campo taticamente inteligente, eficiente e tecnicamente talentoso, foi considerado o “cérebro” por trás da Seleção Brasileira que venceu a Copa do Mundo de 1970.

Além do análogo contexto futebolístico, também ficou famoso nos anos 70 por protagonizar uma campanha publicitária do produto cigarro Vila Rica, na qual dizia “Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também…“. Essa frase presumidamente resumiria a suposta, por assim dizer, malandragem brasileira[5] e acabou caindo na cultura midiática como o símbolo do jeitinho desonesto de ser e da corrupção, ficando conhecida como “Lei de Gérson“. Após a associação maliciosa e indevida, ele se lamentou publicamente, em diversas ocasiões, de ter seu nome ligado a esses defeitos morais associados pela cultura midiática ao povo brasileiro.

E certamente não merecia essa associação pelo valor de atleta que também representou o Brasil em todas as suas atuações.

Ocorre que esse slogan, além de ser reprimido pelo próprio GERSON, não deixou de traduzir uma situação em que as lides processuais se esmeravam eclipsando elementos e narrativas inoportunas e provas obtidas ilicitamente. Aí temos o bom local para a percepção da acepção da boa-fé como destacam, mais uma vez ROSENVALD & FARIAS:

Compreende a boa-fé objetiva um modelo ético de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizada por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não se frustrar a legítima confiança da outra parte (…)[6]

A boa-fé se impõe como um arquétipo capaz de conduzir o conteúdo geral da colaboração intersubjetiva, trazendo o princípio a ser combinado, conduzido de maneira coordenada às normas integrantes da também locução ritos processuais, no intuito de lograr própria concreção.[7]

Hodiernamente, há um limite que concorre para promover a cognição daqueles que decidem, podendo exercitá-la em sede sumária parcial ou mesmo exauriente numa percepção de um cognicismo justo. Não é por mero acaso legislativo que a norma fundamental contida no texto do artigo 6º do Código de Processo Civil dispõe que, além da cooperação dos sujeitos processuais para abreviação do procedimento, no que obviamente estiver alinhado com o devido processo legal, devem igualmente concorrer para que, ao fim e ao cabo, tenha lugar “decisão de mérito justa e efetiva”.

A propósito da centralidade judicial relativamente à condução do procedimento, oportuna é a lição de EMÍLIO SANTORO, Professor de Sociologia do Direito na Universidade de Florença, litteris:

O perfil do juiz ator fundamental do rule of law traçado por Dicey parece muito semelhante àquele do juiz ator fundamental do ‘Estado constitucional de direito’ desenhado por Luigi Ferrajoli. Também para ele, o juiz está caracterizado por uma ‘função e uma dimensão pragmática desconhecida à razão jurídica própria do velho juspositivismo dogmático e formalista’; atribui-se ao juiz a ‘responsabilidade civil e política’ de perseguir, através operações interpretativas ou jurisdicionais ‘a efetividade dos princípios constitucionais – contudo, sem que seja possível iludir-se que estes sejam alguma vez inteiramente realizáveis’.[8]   

RUI ROSADO DE AGUIAR JUNIOR, reportando-se ao revogado Código de Processo Civil de 1973, doutrina que a função limitadora “veda ou pune o exercício de direito subjetivo, quando caracteriza “abuso da posição jurídica (…)”:

{…} Outro exemplo está no art.22 do Código de Processo Civil, que não extingue o direito do réu que deixar arguir, na sua resposta fato, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor, dilatando o processamento da lide, mas faz recair sobre ele os ônus derivados de sua omissão (…).[9]

Numa situação hipotética, entretanto possível, teríamos na seara cível o cenário em que a parte ré promove juntada extemporânea de inúmeros documentos, acrescendo ser este momento posterior à réplica apresentada pela parte autora, com fundamento na redação do artigo 435, caput, do Código de Processo Civil, interpretando a locução “em qualquer tempo”, sob o palio da mais intensa literalidade. Nesse contexto, é de bom alvitre recordar a lição de CARLOS MAXIMILIANO, afirmando que “O processo gramatical, sobre ser o menos compatível com o progresso, é o mais antigo (único outrora).”[10] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES obtempera que “A lei, em princípio, deve ser entendida da maneira que melhor corresponda à consecução do resultado que o legislador teve em mira. A lei está para a ‘ratio iuris’ como o meio para o fim, e quem quer o fim quer o meio.”[11]

Quanto ao aspecto preliminarmente teórico, alusivo a decisão de saneamento do feito, acerca da manifestação do autor sobre os documentos coligidos pela ré, cumpre, primeiramente, resgatar o denominado princípio da preclusão consumativa, isto é, uma vez exercida validamente a respectiva faculdade processual, não mais estará assegurada à parte a possibilidade de realiza-la novamente, instituto que se revela por intermédio da redação do artigo 200, caput, do Código de Processo Civil.

Na hipótese em que a parte não exerce a faculdade que lhe compete durante o assegurado prazo legal e/ou judicial, cumpre reportar à preclusão temporal, vale dizer, tempus regit actum; logo, expirado o prazo, tal faculdade terá sido peremptoriamente acobertada pela preclusão temporal, exceto na hipótese ventilada no artigo 223 do Código de Processo Civil.

Assim, caso a ré não tenha, durante o prazo da contestação, coligido aos autos processuais toda a prova pré-constituída, isto é, pré-existente à instauração da demanda e ao seu alcance, e de cuja produção presumidamente haveria de tirar proveito, inferir-se-á que tal faculdade teria sido definitivamente acobertada pela preclusão temporal.

Entretanto, caso a ré tenha exercido o contraditório, na fase postulatória, promovendo a juntada aos autos de documentação presumidamente idônea e concernente ao objeto da ação, para provar a existência “de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (…)”, segundo informa a redação do artigo 373 do Código de Processo Civil, teve lugar a preclusão consumativa, razão pela qual eventual juntada posterior de documento, há que, necessariamente, ser enquadrada na categoria de documento novo, conforme estabelece a norma contida no texto do artigo 435, caput, do Código de Processo Civil. Outro não é o sentido da copiosa jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região, revelada pela v. decisão proferida em sede de Apelação Cível nº 0151933-02.2015.4.02.5109/RJ, Relatoria do Desembargador William Douglas Resinente dos Santos, amparada em sólida jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa é parcialmente transcrita:

De acordo com o art. 434, do Código de Processo Civil, incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações. Entretanto, tal comando pode ser excepcionado, quando surgem documentos novos decorrentes de fatos supervenientes, já alegados pela parte, mas que por algum motivo só foram produzidos ou conhecidos posteriormente. Nesse sentido:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTOS NA APELAÇÃO. DOCUMENTO NOVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A regra prevista no art. 396 do CPC/73 (art. 434 do CPC/2015), segundo a qual incumbe à parte instruir a inicial ou a contestação com os documentos que forem necessários para provar o direito alegado, somente pode ser excepcionada se, após o ajuizamento da ação, surgirem documentos novos, ou seja, decorrentes de fatos supervenientes ou que somente tenham sido conhecidos pela parte em momento posterior, nos termos do art. 397 do CPC/73 (art. 435 do CPC/2015).(Grifou-se).[12]

O v. e monocrático julgado acima retratado acompanha a sólida manifestação pretoriana do Colendo Superior Tribunal de Justiça, extraída dos autos do Agravo Interno no Recurso Especial nº 2034103/SP, Relatoria do Ministro Moura Ribeiro, integrante da Terceira Turma, e que a correspondente ementa segue parcialmente transcrita:

(…)

2. A invocação do art. 435, parágrafo único, do CPC não pode ser utilizada de forma indiscriminada pela parte com o intuito de juntar documentos em qualquer fase do processo, inclusive após a prolação de sentença, na tentativa de, por vias transversas, desconstituir a coisa julgada.[13]

No que diz respeito, ainda, à juntada de documento posteriormente à demanda (rectius, ao protocolo da petição inicial) ou à contestação cumpre observar tal admissibilidade expressa na redação do artigo 350 do Código de Processo Civil, quando o autor, se for o caso, manifestar-se em réplica,[14] haja vista que a norma em referência não restringe a modalidade probatória aplicável. Logo, presume-se que obtendo o autor documento novo a oportunidade de coligi-lo aos autos do processo seria, pena de preclusão, na ocasião da réplica, exceto, obviamente, na hipótese de posterior surgimento ou alcance pela parte.

Dessa forma, se os documentos coligidos pela ré, sobre os quais o autor foi judicialmente instado a se manifestar, não se revestem da qualidade albergada na redação do artigo 435, caput, do Código de Processo Civil, conforme a revelação pretoriana acima colacionada, eficácia probatória de nenhuma natureza terão, razão pela qual não poderão concorrer para a formação da convicção judicial, de modo a atender o predicado fundamental contido no artigo 6º do Código de Processo Civil. Ou seja, não poderá o prístino Julgador disponibilizar sua capacidade de percepção, acerca da verdade dos fatos, orientado por modalidade probatória ilegítima para o alcance da finalidade a que se presta a elevada atividade do Dignatário Judicial, isto é, o proferimento de inarredável “decisão de mérito justa e efetiva (…)”, segundo os termos da precitada norma fundamental processual civil.

Sabidamente que o ente público, independentemente da categoria republicana que ostentar, detém, justificadamente, prerrogativas funcionais na dinâmica processual, de acordo, por exemplo, com o disposto nos artigos 183, caput, e 345, inciso II, do Código de Processo Civil, sem, entretanto, deixar o albergue da lealdade processual e da paridade de armas, pena de franca violação ao preceito maior do devido processo legal, consoante a norma contida no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil.

No que concerne a uma decisão saneadora, ato judicial interlocutório cuja finalidade é, segundo a lição de GALENO LACERDA, “(…) desimpedir o caminho para a instrução da causa, seu objeto, certamente, há-de ser o exame da legitimidade da relação processual (…)”.[15] Dessarte, sob os auspícios da redação do artigo 357 do Código de Processo Civil, referentemente à justificativa da modalidade probatória a requerer, 02 (dois) temas precisam ser milimetricamente explorados pelo requerente: admissibilidade da prova e pertinência da prova.

A propósito, a juízo dos articulistas, a respeito do assunto, o melhor conceito, sem prejuízo da proficiência da destacada comunidade de intérpretes, é da lavra do atemporal EDUARDO COUTURE, ensinando que “Prova pertinente é aquela que versa sôbre as alegações e fatos que são realmente objeto de prova.”[16] (Grifo no original).

Referentemente à prova admissível, disserta o precitado autor que “está-se fazendo referência à idoneidade ou falta de idoneidade de um determinado meio de prova para demonstrar um fato.”[17]

C.J.A. Mittermayer, citado por LUIZ OTÁVIO DE OLIVEIRA AMARAL, disserta que “prova é o complexo dos motivos produtores da certeza. A prova consiste na demonstração da existência ou da veracidade daquilo que se alega em juízo. Alegar sem provar não tem valor.” [18] (Grifos no original).

Acerca do contexto probatório, assinala DURVAL PIMENTA DE CASTRO FILHO, inspirado na lição do memorável Eduardo Couture, verbis:

(…) o convencimento judicial acerca da verdade dos fatos não será formado com espeque na eloquência dos respectivos patronos, narrativa dos fatos sob a ótica autoral, ou conforme o engendramento da matéria de defesa por obra do réu, mas, necessariamente, segundo a lavra de EDUARDO COUTURE, mediante o ‘contrôle das proposições que os litigantes formulam em juízo (176)’. É o que se denomina prova. [19]

Em suma, a locução admissibilidade da prova concerne à modalidade da prova que se pretende produzir (documental, testemunhal, material, pericial), ou qualquer outro meio, ainda que não especificado no ordenamento, segundo informa a redação do artigo 369 do Código de Processo Civil; logo, a expressão prova admissível diz respeito à idoneidade do meio probandum, ou seja, o quanto a modalidade probatória requerida concorrerá efetivamente para a formação da convicção judicial, vale dizer, em que medida contém suficiente higidez para revelar a verdade dos fatos sob a ótica do sentenciante, que decidirá com fundamento nos princípios da livre investigação das provas e da livre convicção motivada, este último igualmente denominado persuasão racional e adstrição, conforme o disposto no artigo 371 do Código de Processo Civil.

No que diz respeito à locução pertinência da prova concerne ao fato probandum, isto é, se o que a parte pretende provar tem relação direta com o objeto da ação. A título de exemplo, a prova testemunhal em ação de responsabilidade civil por danos materiais, causados em razão de colisão de veículos na via pública, em horário de rush, seria, em tese, além de admissível, pertinente. É factível que, naquele horário e logradouro houvesse fluxo de transeuntes, aptos a descrever como os automóveis colidiram, que é o cerne da questão.     

Em apertada síntese, para que haja prova,[20] será necessário a conjugação de 02 (dois) elementos fidedignamente inarredáveis da instrução: meio (probandum) e fato (probandum), os quais, uma vez alinhados, revelarão a verdade dos fatos, ainda que formal ou relativa.

Dessarte, será preciso que no requerimento de produção de provas a parte conjugue simultaneamente a respectiva admissibilidade e pertinência, de modo a convencer o sentenciante que, tanto a modalidade probatória pretendida, como o fato a provar (objeto da prova), concorrem, no mesmo paradigma de instrução, para o seu convencimento, sem o que estará à míngua de elemento idôneo e revelador da verdade dos fatos, impedindo-o de atender a norma fundamental do artigo 6º do Código de Processo Civil, reiteradamente citada durante o curso da pesquisa. 

Nesse Standard processual e probatório, teremos uma perspectiva da exteriorização de conduta da boa ou má-fé[21] e é esta a avaliação que nos conforta, e não as intenções. O fluxo do processo sentirá deveras sucessivas interrupções e substancial prejuízo na sua construção. Uma ferramenta com inúmeros vazios em todos os sentidos, pois, segundo o magistério do atemporal ENRICO TULLIO LIEBMAN, “El mismo es derecho instrumental y dinámico, y pertenece al derecho público.”[22]

Conclusão

A boa-fé presente em nosso Código de Processo Civil de 2015, Diploma Legal que entrou em vigor no dia 18 de março do ano de 2016, veio para proporcionar mais segurança jurídica não só nas decisões, mas também na postura daqueles que buscam uma interação transparente e justa entre as partes, isto é, sob a égide da cooperação dos atores processuais, de modo a alcançar o desiderato do proferimento de uma “decisão de mérito justa e efetiva”, segundo a norma fundamental contida no artigo 6º do sobredito Estatuto Processual.

Para tanto, será preciso que a provocação da atividade jurisdicional, amparada no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, tenha por fundamento a credibilidade da parte referentemente à sua titularidade sobre determinado bem jurídico, credibilidade construída por uma conjugação de fatores que, a seu juízo, acabaram por erigi-la a condição de prejudicado pelo inadimplemento alheio, malgrado o Estado-juiz em sentido contrário possa vir a entender.

Em apertada síntese, o princípio da boa-fé aliado à dinâmica probatória tecnicamente admissível e pertinente, conforme expusemos no decorrer da pesquisa, concorrem sobremaneira para o desenvolvimento do denominado processo justo, terminologia reveladora de um conceito embora indeterminado, porém seguramente construtivo pelos atores processuais, quando, por exemplo, o juiz, ao detectar a presença de irregularidade sanável, determina a chamada do feito à ordem para recolocá-lo sob a égide da legalidade, mormente em se tratando de contraditório e ampla defesa, princípios sabidamente de índole constitucional fundamental, portanto, indene de violação de qualquer natureza. 

Referentemente aos aliados processuais, locução que intitula a pesquisa e concorre para o exercício da litigância com probidade e elegância, lastreada principalmente em contraditório regular e ampla defesa, potencialmente geradores do processo justo, mediante o deferimento e produção de prova admissível e pertinente, destaque-se, conclusivamente, que a relação jurídica instaurada em juízo (rectius, processual), entre outras características, autônoma, complexa, dinâmica e dialética, tem por exclusivo desiderato reanimar e consolidar a paz social, reconhecendo a quem de direito a almejada e valiosa titularidade sobre um bem da vida.  

Referências

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor: de acordo com o novo Código Civil, 2 ed. Rio de Janeiro: Aide, 2004.

AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria geral do direito, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 2034103/SP. Relator Ministro Moura Ribeiro. Terceira Turma. Julg.: 21.08.2023. Pub. DJe: 23.08.2023. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/. Acesso em: 23 jul. 2024.

CASTRO FILHO, Durval Pimenta de. Estudos preliminares de teoria geral do processo, 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023.

COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil, tradução de Benedicto Giaccobini, Campinas – São Paulo: RED Livros, 1999.

ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 0151933-02.2015.4.02.5109/RJ. Relator Desembargador William Douglas Resinente dos Santos. Julg.: 25.10.2021. Disponível em: https://juris.trf2.jus.br/. Acesso em: 23 jul. 2024.

FARIAS, Cristiano Chaves de & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral, 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

GOMES, Orlando. Obrigações, 2 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense, 1968.

LACERDA, Galeno. Despacho saneador, 2 ed. Porto Alegre: Fabris, 1985.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de derecho procesal civil, traducción de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: EJEA, 1976.

MARTINS-COSTA, Judith. BRANCO, Gerson. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2002.

SANTORO, Emílio. Estado de direito e interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do estado de direito, tradução de Maria Carmela Juan Buonfiglio e Giuseppe Tosi, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

TELLES, Inocêncio Galvão. Introdução ao estudo do direito, vol. I e II, 11 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. [Et al]. Primeiros comentários ao Código de Processo Civil, 3 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.


[1] GOMES, Orlando. Obrigações, 2 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense, 1968, p. 107-108.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves de & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral, 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 37.

[3] Idem, p. 36.

[4] Reportam-se os articulistas ao inquérito policial, previsto no artigo 5º do Código de Processo Penal.

[5] Locução que contém caráter inegavelmente pejorativo correspondente à uma conduta em que o agente, subvertendo o princípio da boa-fé, aufere vantagem, não necessariamente econômica, aproveitando-se da impercepção de outrem acerca daquela realidade. 

[6] FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. Op. cit., p. 127.

[7] Mesmo entendimento sinalizado por MARTINS-COSTA, Judith. BRANCO, Gerson. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro, São Paulo Saraiva, 2002, p.199.

[8] SANTORO, Emílio. Estado de direito e interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do estado de direito, tradução de Maria Carmela Juan Buonfiglio e Giuseppe Tosi, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 102.

[9] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor: de acordo com o novo Código Civil, 2 ed. Rio de Janeiro: Aide, 2004.

[10] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 121.

[11] TELLES, Inocêncio Galvão. Introdução ao estudo do direito, vol. I e II, 11 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 248.

[12] ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 0151933-02.2015.4.02.5109/RJ. Relator Desembargador William Douglas Resinente dos Santos. Julg.: 25.10.2021. Disponível em: https://juris.trf2.jus.br/. Acesso em: 23 jul. 2024.

[13] BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 2034103/SP. Relator Ministro Moura Ribeiro. Terceira Turma. Julg.: 21.08.2023. Pub. DJe: 23.08.2023. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/. Acesso em: 23 jul. 2024.

[14] Certo que não terá lugar a réplica se a dinâmica processual, in casu, contiver revelia.

[15] LACERDA, Galeno. Despacho saneador, 2 ed. Porto Alegre: Fabris, 1985, p. 57.

[16] COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil, tradução de Benedicto Giaccobini, Campinas – São Paulo: RED Livros, 1999, p. 158.

[17] Idem, p. 158.

[18] AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria geral do direito, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 515, apud MITTERMAYER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal, Campinas: Bookseller, 1996, p. 75.

[19] CASTRO FILHO, Durval Pimenta de. Estudos preliminares de teoria geral do processo civil, 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023, p. 236.

[20] Leia-se: elemento revelador da verdade dos fatos.

[21] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. [Et al]. Primeiros comentários ao Código de Processo Civil, 3 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

[22] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de derecho procesal civil, traducción de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: EJEA, 1976, p. 26.

Desigualdade e crescimento econômico: uma análise crítica das ideias de Stiglitz

Marco Aurélio Bittencourt

A desigualdade, um dos temas mais debatidos na economia globalizada, apresenta-se como um obstáculo para o crescimento e a estabilidade econômica. Joseph Stiglitz, renomado economista e laureado com o Prêmio Nobel, dedicou grande parte de sua obra acadêmica a essa questão complexa e multifacetada. Em seus trabalhos, ele desconstrói a crença de que o crescimento econômico, por si só, impactaria positivamente a vida de todos os cidadãos. Stiglitz argumenta que políticas que favorecem os ricos tendem a perpetuar a disparidade econômica, criando um ciclo vicioso que concentra riqueza e oportunidades nas mãos de uma minoria privilegiada. Ele retorna ao tema em seu artigo “Inequality and Economic Growth”, sobre o qual tecerei algumas considerações.

Stiglitz demonstra que a desigualdade de renda é um fenômeno generalizado nas economias mais desenvolvidas. É nesse contexto que ele enfatiza a busca por renda, definida como a obtenção de renda não pela criação de riqueza, mas sim pela apropriação de uma fatia maior da riqueza já existente. Essa captura do poder político pelos mais ricos, que implantam políticas em seu próprio benefício, invalida a hipótese do gotejamento, segundo a qual os benefícios concedidos aos ricos acabariam “pingando” para os demais agentes da economia. Pelo contrário, o que se observa é uma concentração de renda cada vez maior.

Concordo com Stiglitz que a busca desenfreada por renda é um dos principais motores da crescente desigualdade, impactando diretamente a alta dos rendimentos dos mais ricos e minando a teoria da produtividade marginal da distribuição de renda. Afinal, se a riqueza é apenas apropriada e não criada, a parcela que cabe aos menos favorecidos diminui, agravando a disparidade. No entanto, a análise de Stiglitz precisa ser complementada com uma investigação mais profunda sobre como a aversão ao risco, arraigada em diversas culturas, influencia a estagnação econômica e a nova estrutura produtiva que vem crescendo em favor do comércio e serviços onde se alojam multidões de baixa produtividade.

Culturas que privilegiam a estabilidade em detrimento da ousadia podem acabar favorecendo projetos conservadores e de baixo risco, o que, em última instância, pode prejudicar a inovação e, ironicamente, intensificar a busca por renda. Essa aversão ao risco se manifesta na resistência a investimentos em novas tecnologias, na preferência por setores tradicionais da economia e na dificuldade de implementar reformas estruturais. No Brasil, por exemplo, a aversão ao risco pode ser observada na alta concentração de investimentos em ativos de renda fixa e na relutância em investir em setores com maior potencial de crescimento, mas também com maior risco, como o setor de tecnologia.

Do lado da estrutura produtiva, é evidente que o padrão de emprego e de produção se alinha com a tendência global de terceirização da economia. Nos EUA, como mostra Parkin em seu livro de Economia, a produção agrícola representa cerca de 5% da produção americana, a indústria cerca de 20% e os serviços e comércio os restantes 75%. No lado do emprego, Parkin avalia o capital humano dos EUA: trabalhadores com ensino superior representam cerca de 23% da força de trabalho, aqueles com ensino médio completo cerca de 60%, enquanto os que não concluíram o ensino médio somam cerca de 10% e aqueles com menos de 5 anos de ensino fundamental cerca de 5%. É fácil deduzir que os profissionais de nível superior se concentram nas atividades mais produtivas, como a indústria e os serviços de alta tecnologia, enquanto a maioria dos trabalhadores com ensino médio se dirige ao setor de comércio e serviços, caracterizado por baixa produtividade e baixos salários. No Brasil, essa tendência de terceirização da economia e concentração de trabalhadores com baixa qualificação no setor de serviços contribui para a persistência crescente da desigualdade onde o piso seria o salário mínimo.

Stiglitz também se debruça sobre a relação complexa entre políticas monetárias e o valor dos ativos, defendendo que políticas que resultam em taxas de juros baixas podem inflar artificialmente o valor de ativos fixos “improdutivos”, como imóveis e ações. Embora concorde que essa valorização de ativos improdutivos possa exacerbar a desigualdade, permitindo que os mais ricos acumulem riqueza de forma desproporcional, discordo da afirmação de que a redução da taxa de juros, por si só, gere um aumento real da riqueza. Na verdade, o que impulsiona a economia de forma sustentável é o efeito relativo da taxa de juros, ou seja, a diferença entre as taxas para diferentes agentes e setores. É essa diferença que estimula o investimento produtivo, a inovação e, consequentemente, o crescimento econômico.

Outro ponto crucial na análise da desigualdade reside na influência das instituições e da política. Stiglitz acertadamente aponta que instituições e políticas distorcidas, que favorecem os ricos em detrimento da maioria da população, tendem a perpetuar a disparidade de renda, criando um sistema injusto e excludente. No entanto, sua análise peca ao negligenciar a importância da mudança estrutural na economia, especialmente o crescimento exponencial do setor de serviços, caracterizado por sua baixa produtividade, como um fator determinante na dinâmica da desigualdade. Esse crescimento desproporcional do setor de serviços, em detrimento de setores mais produtivos, pode gerar um desequilíbrio na economia, impactando a distribuição de renda e a geração de empregos de qualidade.

A desigualdade, como bem aponta Stiglitz, tem um alto custo, não apenas em termos de justiça social, mas também em termos de crescimento econômico e estabilidade. Nesse ponto, concordo plenamente com a necessidade de políticas públicas eficazes que busquem reduzir a disparidade econômica, promovendo a igualdade de oportunidades e garantindo que os frutos do crescimento sejam compartilhados de forma mais justa. Stiglitz cita ainda a diferença salarial entre trabalhadores, destacando o afastamento espetacular dos chamados Executivos (CEOs) em relação ao salário médio. Ele não consegue ver qualquer relação com a produtividade, que agora faz crer ser uma boa teoria, mas desconsidera os pactos legítimos entre o CEO e o dono da empresa. O caso dos CEOs ilegítimos não se trata de economia, mas de punição legal.

Em suas prescrições de política, Stiglitz indica: investimentos em educação, aumento do salário mínimo, fortalecimento dos sindicatos e controle salarial dos executivos. Todavia, tais medidas precisam ser implementadas com cautela e bom senso, sempre respeitando a liberdade econômica e o princípio da meritocracia. Nos EUA, o problema de inclusão social não parece ter a dimensão que aponte a necessidade de políticas inclusivas arbitrárias. Discordo, portanto, da intervenção desnecessária na remuneração de executivos, desde que esta seja “legítima e justa”, baseada na produtividade e no mérito individual, e que respeite as negociações entre executivos e donos das empresas, que certamente elevam a remuneração desses executivos muito além da sua “produtividade”. Quanto aos sindicatos, a nova estrutura produtiva explica em grande parte o enfraquecimento dos sindicatos. A globalização também seria mais uma razão para o enfraquecimento dos sindicatos. Afinal, a intervenção estatal excessiva pode sufocar a iniciativa privada, desestimular o empreendedorismo e, em última instância, prejudicar o crescimento econômico.

É preciso também questionar o sobreinvestimento em educação superior, sem que haja um redirecionamento adequado de políticas públicas para a melhoria da qualidade do ensino fundamental e médio. A distribuição do capital humano na economia, com um número crescente de graduados e um déficit de profissionais qualificados em áreas técnicas e de nível médio, demonstra um limite estrutural para a absorção de mão de obra com nível superior, embora também venha crescendo; o que faz sugerir que mais educação se associa a mais produtividade e que isso se espraie por todos os setores da economia. Diante dessa realidade, torna-se imperativo implementar políticas que promovam a ascensão de trabalhadores de nível médio para cargos de maior remuneração e que, ao mesmo tempo, garantam o acesso à educação superior de qualidade para aqueles que realmente demonstrarem aptidão e interesse.

Em síntese, concordo com a crítica contundente de Stiglitz à “economia de gotejamento” e à ilusão de que o crescimento econômico, por si só, é capaz de resolver o problema da desigualdade. No entanto, a análise dessa questão complexa precisa ser aprofundada e enriquecida, considerando fatores como a aversão ao risco, o efeito relativo das taxas de juros, a mudança estrutural na economia e o papel crucial das instituições. As políticas para combater a desigualdade devem priorizar a igualdade de oportunidades, mas sem sacrificar a liberdade econômica e a remuneração justa de executivos.

Por fim, no que concerne às propostas políticas de Stiglitz para combater a desigualdade, minha discordância é profunda. Embora abordem o problema, elas se aproximam perigosamente do autoritarismo, como a intervenção arbitrária no mercado de executivos e um apoio a um fortalecimento elusivo dos sindicatos. É fundamental combater a corrupção com rigor e imparcialidade, mas cortes indiscriminados em salários, sem o devido entendimento dos fatores envolvidos diretamente com a questão, são inadmissíveis. Em relação à educação, questiono a necessidade de maiores investimentos sem que haja uma reestruturação profunda do sistema educacional em suas prioridades. O desafio consiste em adequar o ensino médio e profissionalizante à realidade estrutural do país, formando profissionais qualificados para atender às demandas do mercado de trabalho. No mais fica a certeza que faço bem em me afastar de uma visão progressista que levanta questões pertinentes, mas endereçam suas políticas em direção ao arbítrio e autoritarismo.

Leia o outro artigo do autor:

Mercado Nervoso: você acredita? Sim, eu acredito!

Leia também a Carta de Conjuntura do IPEA (Desigualdade de renda):

Desigualdade de renda | Carta de Conjuntura


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb. Email. 0171969@etfbsb.edu.br