Maio 17, 2024 03:21

Colunista

Kemil Raje Jarude

Requisitos para participação como terceiro interessado em Processos de Análise de Concentração Econômica no CADE

Kemil Raje Jarude

O Processo de Análise de Atos de Concentração Econômica no contexto da Lei 12529/11 (Lei de Defesa da Concorrência ou LDC) se insere enquanto mecanismo de atuação preventiva da autoridade antitruste quanto a proposta de alteração de uma determinada estrutura de mercado. Nesse sentido, a avaliação de dada estrutura de mercado se coloca sob o desafio de encontrar parâmetros os mais concretos possíveis para tal análise, o que só pode ser feito com a própria participação dos agentes de mercado envolvidos bem como os que possam a vir ser afetados pela alteração de uma estrutura de mercado.

Não à toa, a submissão de uma operação econômica perante o CADE conta com o papel primordial das partes, que trazem informações perante o órgão para a sua avaliação. Entretanto, o olhar da autoridade também se baseia em informações próprias e em informações de terceiros, que podem ser obtidos a pedido do CADE ou quando do pedido de tais terceiros em participar de todo o processo de análise de um ato de concentração.

Dada o maior poder de intervenção desse terceiro quando se habilita a participar do escrutínio de tal avaliação é que surge a necessidade da imposição de critérios objetivos para a sua participação, temática que será discutida a seguir.

Quando é possível ingressar com pedido de terceiro interessado?

Uma vez que os agentes envolvidos diretamente em uma operação econômica apresentam o seu pedido de análise de ato de concentração nos termos indicados na Resolução CADE nº 33/2022, então é publicado o edital dando publicidade a análise deste ato de concentração, nos termos do Art. 111, parágrafo único do Regimento Interno do CADE (RICADE)[1].

Portanto, a publicação do edital no Diário Oficial da União (DOU) é o gatilho que determina a contagem do prazo para que outros agentes econômicos venham a se apresentar como terceiros interessados. É preciso que se esclareça que a contagem do prazo se inicia no primeiro dia útil após a publicação do edital no DOU, nos termos Art. 62, I, RICADE[2].

E qual é o prazo? De acordo com o Art. 118 do RICADE é de 15 dias após a publicação do edital no DOU, no que se reitera aqui que tal prazo se inicia no primeiro dia útil posterior a sua publicação no DOU[3].

Como expresso anteriormente, o papel do terceiro interessado é justamente o de auxiliar a autoridade antitruste a ter maior clareza quanto aos impactos de uma operação econômica junto ao restante do mercado, no que se insere o próprio terceiro interessado. Assim, o Art. 118, §1º do RICADE determina que o terceiro interessado apresente documentos que demonstrem de que forma seus interesses serão afetados por uma dada operação econômica[4].

Caso o terceiro interessado entenda que no prazo dos 15 dias não terá plenas condições de levantar todas as informações que crê serem necessárias, então o que deve ser feito é a apresentação do pedido de ingresso como terceiro interessado conjunto com um pedido de dilação de prazo para o levantamento mais robusto de tais informações e documentos[5].

Uma exceção quanto a atos de concentração em rito sumário

Dessa forma, o que é possível observar é que após a publicação do edital, temos a possibilidade de ocorrência de uma situação em que o terceiro interessado tenha apresentado o seu pedido ao final dos 15 dias pós-edital e requerido mais 15 dias para levantamento do informações, totalizando 30 dias pós-edital. Porém, diante de atos de concentração submetidos em rito sumário, então há a possibilidade de que a Superintendência-Geral aprove o ato de concentração em prazo inferior a 30 dias[6].

Caso isso aconteça, impedindo uma eventual análise das informações a serem trazidas pelo terceiro interessado, caso a aprovação ocorra entre 15 e 30 dias, ou mesmo antes do próprio pedido de intervenção, caso ocorra antes dos 15 pós-edital. Nestes casos, o pedido de terceiro interessado deve ser apresentado não mais ao Superintendente-Geral, mas sim ao Presidente do CADE[7].

E quais ferramentas processuais são disponibilizadas ao terceiro interessado?

De forma geral, pode-se dizer que o ingresso de terreiros interessados em processos de análise de ato de concentração econômica se dá pela discordância de tais interessados frente a operação econômica sob análise. Até o momento, já foi citado o primeiro instrumento disponibilizado a tais terceiros que é a apresentação de informações para SG ou mesmo para o Presidente do CADE, que também preside o Tribunal do órgão. Assim, caso o uso da primeira ferramenta não seja capaz de convencer a SG para impugnar o ato de concentração em tela, então ao terceiro interessado é dada uma segunda ferramenta, que é a apresentação de recurso caso a SG aprove o ato de concentração.

A possibilidade de apresentação de recurso é um mecanismo de provocação do Tribunal do CADE no sentido de reavaliar a decisão tomada pela SG[8]. Na hipótese de não haver terceiros interessados, então essa possibilidade só poderia ser exercida mediante avocação de algum dos Conselheiros do Tribunal[9] ou, ainda, por agência reguladora[10], caso tal ato de concentração envolvesse algum mercado regulado.

Interposto o recurso, então será sorteado um Conselheiro-Relator para o caso, que deverá, no prazo de 5 dias úteis, encaixar o recurso em umas das três hipóteses possíveis: I – determinar a inclusão do recurso já para julgamento, caso entenda que o recurso já possui robustez suficiente para tanto; II – determinar a execução de instruções complementares; ou III – não conhecer o recurso por entender que não possui pertinência, mantendo a decisão da SG e arquivando o recurso.

Critérios apresentados no Ato de Concentração nº 08700.003959/2022-35 quanto a admissibilidade de recursos apresentados por terceiros interessados

Como vimos, o ingresso como terceiro interessado prevê a utilização de duas ferramentas, de maneira geral, de maior intervenção no processo administrativo de análise de concentração econômica: (i) a entrega de documentos e informações quando do próprio pedido de ingresso; e (ii) a interposição de recurso quando da aprovação da operação pela SG para análise do caso pelo Tribunal do CADE.

Publicada a decisão da SG, os terceiros interessados devidamente habilitados têm o prazo de 15 dias para interporem seus recursos, no que determina o RICADE no seu artigo 122, I[11].

Quanto a essa segunda ferramenta, por assim dizer, é interessante analisar uma recente decisão do Conselheiro Luiz Hoffmann, sorteado relator, no AC nº 08700.003959/2022-35, que trata da fusão entre as operadoras de planos de saúde Rede D’Or e Sulamérica. Esse caso contou com o ingresso de 9 terceiros interessados, a saber: Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência, Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio Libanês, Hospital Alemão Osvaldo Cruz, Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein, Fundação Antônio Prudente – AC Camargo Câncer Center, Associação Beneficente Síria – Hospital do Coração, Hospital Mater Dei S.A., Supermed Administradora de Benefícios Ltda. e Benevix Administradora de Benefícios Ltda.

Em seu despacho, o relator indicou a necessidade de que os recursos apresentados deveriam obedecer aos requisitos do Direito Processual Civil. Interessante notar que, pelo menos nesse caso específico, o relator indica que a observância aos requisitos de Processo Civil se baseia em precedentes do CADE. De toda forma é sempre importante lembrar que se aplicam subsidiariamente a LDC o Código de Processo Civil, a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor[12].

Análise dos requisitos recursais apresentados no caso

O relator seguiu fazendo a análise a partir de “requisitos intrínsecos” e “requisitos extrínsecos”, sendo que: “requisitos intrínsecos de (i) cabimento; (ii) legitimidade recursal; (iii) interesse recursal; e (iv) inexistência de ato impeditivo de recurso; e os requisitos extrínsecos de (i) tempestividade; (ii) preparo; e (iii) regularidade formal.[13]” (grifos nossos)

A referência doutrinária utilizada para fins de interpretação da aplicação de tais requisitos foi o Curso de Direito Processual Civil dos professores Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro Cunha. [14]

No Despacho, o relator analisa o preenchimento de cada um destes elementos em relação aos recursos de cada terceiro interessado. A seguir, vamos identificar o que o relator buscou avaliar em relação a cada ponto[15]:

Requisitos intrínsecos

Cabimento: segundo indica o Conselheiro Hoffmann, o recurso é o mecanismo indicado pelo RICADE e pela LDC para questionar decisão de aprovação de ato de concentração e, por ser o meio adequado, então haveria então o cabimento.

Legitimidade recursal: para o relator, a legitimidade recursal decorre da previa habilitação do recorrente enquanto terceiro interessado.

Interesse recursal: aqui, o interesse recursal decorreria da argumentação em oposição a decisão recorrida nos termos previsto pelo RICADE, Art. 122, §1º.

Inexistência de ato impeditivo: aqui é necessário observar se o recorrente não teria eventualmente de forma prévia expressado desistência, renúncia ou aquiescência. Em caso negativo, então cumprido o requisito.

Requisitos extrínsecos

Tempestividade: conforme até mesmo já indicado mais acima no texto, o prazo é de 15 dias contados da decisão de aprovação do ato de concentração pela SG/CADE nos termos da LDC, Art. 65 e RICADE, Art. 122, I.

Preparo: a constelação legal sobre o assunto não indica a necessidade de preparo como condicionante para esta espécie de recurso, portanto se trata de requisito nullus effectus, por assim dizer.

Regularidade formal: este requisito resume, de forma geral, os elementos anteriores, trazendo a necessidade da recorrente em utilizar a via adequada indicada pela lei ou regulamento, motivação adequada em relação aos pontos questionados, além de indicar de forma clara os pedidos pretendidos pelo recurso.

E caso um agente de mercado se manifeste mesmo não tendo se habilitado enquanto terceiro interessado?

Como vimos, a participação de terceiros em um processo de análise de concentração econômica tem também o papel de auxiliar a autoridade antitruste a avaliar uma operação econômica sobre bases mais sólidas e com uma referência mais ampla sobre uma dada realidade econômica, que pode não ser a mais precisa possível quando se leva em consideração apenas as informações trazidas pelas partes e pelo próprio CADE.

Entretanto, a participação de terceiros também levanta o risco de algo próximo a um “moral hazard” na medida em que tais terceiros possam estar atuando apenas de má-fé e, portanto, a existência de filtros como a prévia habilitação possuem o intuito de mitigar tal risco.

De toda forma, é importante que se mencione o fato de que manifestações de terceiros que não tenham se habilitado como interessados possam ser recebidos sob o Direito de Petição ao qual está obrigada a Administração Pública.

No caso em análise, Bradesco e o Real Hospital Português de Recife tiveram suas manifestações, que foram apresentadas na forma de recursos mesmo não tendo se habilitado devidamente, recebidas pelo relator sob exercício de direito de petição.

E qual a diferença? A diferença reside nos efeitos. Enquanto que as manifestações dos agentes que não foram devidamente habilitados possam a vir a influência a convicção do julgador, apenas as manifestações na forma de recurso dos agentes devidamente habilitados é que podem possuir efeitos em termos de terem seus pedidos acatados enquanto medidas de intervenção na instrução do caso de modo a terem seus argumentos comprovados em contraposição ao exposto pelas requerentes.

Conclusões

O tema da intervenção de terceiros interessados em processos de análise de atos de concentração econômica no CADE não é dos temas que mais instigam o fervor em debates no tema do antitruste.

Porém, como a experiência mostra, as grandes disputas são resolvidas nos detalhes. Conhecer e saber utilizar essa ferramenta de forma adequada pode ser a chave para que uma operação econômica sob análise do CADE tenha o seu destino completamente alterado, sobretudo em situações em que alguma das partes não esteja amparada por especialistas no tema.

Obviamente, o caso indicado acima representa a visão de um conselheiro e não de todo o plenário, pois o despacho, até o momento da finalização deste artigo, não fora ainda homologado pelo plenário. Ademais, a composição do plenário mudará significativamente no ano de 2023 com a entrada de 04 novos conselheiros.

Mesmo feito esse esclarecimento, é importante destacar que a posição do Conselheiro Hoffmann em pouco inova em relação a decisões anteriores e tenta dar parâmetros os mais objetivos possíveis para a análise desta questão, o que sempre é importante em termos de segurança jurídica.

Assim, embora a decisão analisada não possa ser tomada como “ex catedra”, ela se mostra como um referencial importante para advogados e pesquisadores que desejem ter uma noção técnica e objetiva deste assunto.


[1] RICADE. Art. 111. Parágrafo único. Após o protocolo da apresentação do ato de concentração, ou de sua emenda, a Superintendência-Geral fará publicar edital.

[2] RICADE. Art. 62. Aplicam-se aos prazos as disposições normativas estabelecidas na lei, em especial: I – os prazos começam a correr a partir do primeiro dia útil subsequente à publicação no Diário Oficial da União ou da juntada do instrumento, do aviso ou do comprovante cumprido nos autos, ou da confirmação de acesso eletrônico aos autos ou qualquer outra forma de ciência inequívoca do ato;

[3] RICADE. Art. 118. O pedido de intervenção de terceiro interessado cujos interesses possam ser afetados pelo ato de concentração econômica deverá ser apresentado no prazo de 15 (quinze) dias da publicação do edital previsto no parágrafo único do art. 111, e será analisado nos termos do art. 43.

[4] RICADE. Art 118. § 1º O pedido de intervenção deverá conter, no momento de sua apresentação, todos os documentos e pareceres necessários para comprovação de suas alegações, sob pena de indeferimento

[5] RICADE. Art. 118. § 2º A critério da Superintendência-Geral ou do Presidente, quando for o caso, poderá ser concedida dilação de até 15 (quinze) dias ao prazo referido no caput a pedido do terceiro interessado quando estritamente necessário para a apresentação dos documentos e pareceres referidos no § 1º.

[6] Vide Resolução CADE nº 33/2022. Art. 7º §2º. A Superintendência-Geral deve observar o prazo de 30 (trinta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda, para decidir os atos de concentração enquadrados em Procedimento Sumário e que não sejam reclassificados para análise em Procedimento Ordinário

[7] RICADE. Art. 118. § 5º Nos casos previstos no § 4º, em que a decisão da Superintendência-Geral for exarada antes do decurso do prazo previsto no caput, o pedido de intervenção de terceiros poderá ser dirigido diretamente ao Presidente do Tribunal, respeitado o prazo previsto no caput.

[8]  Lei nº 12.529/2011. Art. 65. No prazo de 15 (quinze) dias contado a partir da publicação da decisão da Superintendência-Geral que aprovar o ato de concentração, na forma do inciso I do caput do art. 54 e do inciso I do caput do art. 57 desta Lei: I – caberá recurso da decisão ao Tribunal, que poderá ser interposto por terceiros interessados (…).

[9] Lei nº 12.529/2011. Art. 65. II – o Tribunal poderá, mediante provocação de um de seus Conselheiros e em decisão fundamentada, avocar o processo para julgamento ficando prevento o Conselheiro que encaminhou a provocação.

[10] Lei nº 12.529/2011. Art. 65. I – (…) ou, em se tratando de mercado regulado, pela respectiva agência reguladora;

[11] RICADE. Art. 122. No prazo de 15 (quinze) dias contados a partir da publicação da decisão da Superintendência-Geral que aprovar o ato de concentração ou não conhecê-lo: I – caberá recurso da decisão ao Tribunal, que poderá ser interposto por terceiros interessados habilitados no processo, nos termos do art. 118, ou, em se tratando de mercado regulado, pela respectiva agência reguladora;

[12]Vide. Lei nº 12.529/11. Art. 115. Aplicam-se subsidiariamente aos processos administrativo e judicial previstos nesta Lei as disposições das Leis nºs 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, 7.347, de 24 de julho de 1985, 8.078, de 11 de setembro de 1990, e 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

[13] Vide Despacho Decisório 13/2022 no AC nº 08700.003959/2022-35 (SEI 1154190)

[14] Vide Nota 3 do Despacho supracitado: “DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Vol.3: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 8.ed. Salvador: Editora Jus Podium, 2010, p.44.”

[15] Vide Despacho 13/2022 supra.

 

Repositório

KEMIL RAJE JARUDE. Advogado e vice-presidente da Câmara Júnior Brasil-Alemanha. Bacharel pela FDUSP e especialista em Direito Alemão pela Ludwig-Maximilians-Universität de Munique (Alemanha). Alumni do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) e do PET (Programa Especial de Treinamento) do Ministério da Educação do Brasil. Foi professor convidado na I Escola Internacional de Verão em Direito Internacional dos Investimentos da Georg-August-Universität (Alemanha). É pós-graduando em direito concorrencial e regulatório pela FGV-SP.

SHS Quadra 6, Conjunto A, Torre C, Sala nº. 901, Business Office Tower – Brasil 21, Asa Sul, Brasília-DF, CEP: 70.322-915 – Tel (061) 3032-2733

Share this: