Katia Rocha

Colunista

Katia Rocha

Katia Rocha é Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), autarquia vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão desde 1997.

Doutora em Engenharia Industrial/Finanças, Mestre e Graduada em Engenharia Industrial e Elétrica pela Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora no Departamento de Engenharia Industrial (2002-2013).

Autora e revisora em diversos periódicos acadêmicos – Energy Policy, Journal of Fixed Income, Emerging Markets Review, Forest Policy and Economics, Pesquisa e Planejamento Econômico, Revista Brasileira de Finanças, Revista Brasileira de Economia, Economia Aplicada e Estudos Econômicos.

Atua no Planejamento, Desenvolvimento e Avaliação de Políticas públicas nas áreas de Investimentos em Infraestrutura , Economia da Regulação, Financiamento da Infraestrutura (Investidores Institucionais e Mercado de Capitais), Finanças Internacionais, Determinantes de Risco Soberano, IED e Fluxos de Capital para Economias Emergentes.

Risco Regulatório, Governança e o PDL 365 sobre a TUST User Avatar

Katia Rocha

Aagenda para transição energética Brasileira, ao contrário dos países desenvolvidos, já parte de uma posição de destaque.  

A matriz elétrica Brasileira, uma referência mundial, apresenta participação de 85% de fontes renováveis, enquanto o mundo sequer alcança os 30%. Aparece em quarto lugar de capacidade instalada em renováveis, atrás apenas de China, Estados Unidos e Índia segundo dados da EPE

No entanto, a tarifa de energia elétrica, de cerca USD 0,163 kWh em 2023, não acompanha esse cenário virtuoso. Está acima da média mundial e de diversos países desenvolvidos e pares emergentes como ilustra a Figura 1. Um paradoxo.

Figura 1 – Tarifas de Energia Elétrica Residencial (kWh, U.S. Dollar)

Fonte: https://www.globalpetrolprices.com/electricity_prices/

Diversos são os motivos que podem explicar esse paradoxo. Um deles consiste nos encargos setoriais e subsídios de diversas políticas públicas implementadas ao longo dos anos, que, se somados aos impostos alcança, praticamente um terço da conta. Para se ter uma ideia, de acordo com dados da Aneel, o montante total de subsídios para 2023 é estimado em R$ 35 bilhões, sendo cerca de 29% para fontes incentivadas, 27% para conta CCC dos sistemas isolados, 18% para GD e 13% para tarifa social.

A racionalização dos encargos e subsídios, e a avaliação criteriosa das respectivas eficiências (Acordão TCU 2877/2019), faz parte da agenda de modernização do setor elétrico, objeto de amplo debate desde 2017, cujo objetivo consiste no fornecimento de energia ao menor custo, considerando a abertura de mercado, sustentabilidade da expansão e eficiência na alocação de custos e riscos.

Nesse sentido, o aperfeiçoamento metodológico das tarifas de uso do sistema de transmissão (TUST) pela ANEEL, a partir de 2023, com gradual intensificação do sinal locacional, é mais que meritória. Visa atribuir maiores encargos para os agentes que mais oneram o sistema de transmissão. Trata-se de uma correção da distorção verificada nos últimos anos, já documentada pela EPE, de modo a possibilitar uma sinalização de uso eficiente do sistema, como estabelecido na própria lei que instituiu a agência.

Um aprimoramento regulatório, objeto de extenso debate ao longo de 5 anos e 3 relatórios de análise de impacto. Caminha em direção a uma sinalização eficiente de preços, que evita subsídios cruzados e favorece a otimização da expansão do sistema de transmissão e da operação do sistema ao menor custo.

Na prática, os consumidores do Norte e Nordeste, que hoje pagam os valores mais altos de energia no país, mesmo estando próximos aos geradores de fontes incentivadas, poderiam ter uma redução na tarifa de energia elétrica.

No entanto, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 365/2022, que susta as resoluções da ANEEL sobre sinal locacional, foi recentemente aprovado na Comissão de Serviços de Infraestrutura, e, segue tramitando com sucesso em direção a Comissão de Constituição e Justiça e ao Plenário. A controvérsia opõe os geradores de renováveis (eólicas e solares) do Nordeste à ANEEL, MME além de associações e representantes dos consumidores de energia.

Não é de hoje que experimentamos essa dicotomia. Cada vez mais o Executivo perde seu protagonismo na definição de políticas públicas. Oportuno lembrar as tentativas recentes da Emenda 54/2023 que previa criação de “conselhos” que retirava poder e autonomia das agências reguladoras, e, do PDL 94/2022 cuja finalidade era “impossibilitar homologações” da ANELL no tocante ao reajuste tarifário anual da ENEL Ceará. Apropriado relembrar o reconhecimento da ANEEL em maturidade, transparência, qualidade regulatória e competências técnicas no relatório por pares (peer review) da OCDE.

Iniciativas como o PDL 365 impactam nosso risco regulatório, seja inicialmente do setor elétrico, mas com efeitos deletérios em todos os demais setores regulados da economia e ao país como um todo[1]. Afetam negativamente os indicadores de Governança (qualidade regulatória) e diminuem o volume de investimentos privados no setor de infraestrutura[2]. Reduzem nossa competitividade e produtividade, seja via um aumento no custo de capital requerido pelos investidores ou através postergações e cancelamentos de programas de investimentos[3].

Importante ressaltar que essas iniciativas vão na contramão de toda uma agenda do Estado Brasileiro – Lei das Agências Reguladoras, Lei das Estatais, entre outras – em direção à consolidação de um arcabouço regulatório propício aos investimentos em infraestrutura com maior segurança jurídica e perseguindo maior eficiência e qualidade na prestação de serviços.

O próprio lançamento do Novo PAC, que sinaliza grande parceria público/privada, a agenda de redução do Custo Brasil e o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG) tem como eixo principal as estruturas de Governança, que abrangem aperfeiçoamentos nas estruturas regulatórias e legais, com estabilidade, previsibilidade, transparência, análises de impactos, e incentivos a competição e concorrência.

Iniciativas como a do PDL 365, nocivas à agenda de Governança, também ajudam a explicar o paradoxo colocado no início desse artigo. A agenda positiva, que fortalece e respalda as estruturas de Governança, potencializa o impacto em direção ao crescimento e desenvolvimento social de forma consistente e no longo prazo.


[1] Ver Carrasco, Gustavo e Pinho (2014) e Bragança, Pessoa e Rocha (2014)

[2] Ver Rocha (2020)Rocha (2021)

[3] Ver FMI (2020).


Disclaimer. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade da autora, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do IPEA.


KATIA ROCHA. é Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), autarquia vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão desde 1997.

Doutora em Engenharia Industrial/Finanças, Mestre e Graduada em Engenharia Industrial e Elétrica pela Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora no Departamento de Engenharia Industrial (2002-2013).

Autora e revisora em diversos periódicos acadêmicos – Energy Policy, Journal of Fixed Income, Emerging Markets Review, Forest Policy and Economics, Pesquisa e Planejamento Econômico, Revista Brasileira de Finanças, Revista Brasileira de Economia, Economia Aplicada e Estudos Econômicos.

Atua no Planejamento, Desenvolvimento e Avaliação de Políticas públicas nas áreas de Investimentos em Infraestrutura , Economia da Regulação, Financiamento da Infraestrutura (Investidores Institucionais e Mercado de Capitais), Finanças Internacionais, Determinantes de Risco Soberano, IED e Fluxos de Capital para Economias Emergentes.

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