O Twitter e as demissões involuntárias e voluntárias: isso preocupa Elon Musk?

Editorial

As coisas não vão bem para algumas big techs!!!

Esta semana 1/3 dos trabalhadores do Twitter anunciaram a sua demissão voluntária da empresa e 1/3 já haviam sido demitidos pelo novo proprietário Elon Musk. Hoje a força de trabalho do Twitter tem apenas 1/3 dos colaboradores e o proprietário disse que seguirá em frente com a proposta de reformulação da empresa.

É, parece que as coisas não vão bem lá pelo Vale do Silício!!!

Afora a visível crise pela qual estão passando as big techs, discussão do nosso último editorial[1], chamou à atenção o fato de que um contingente razoável de pessoas pediu demissão voluntariamente.

A demissão voluntária nos reporta a discussão de desemprego voluntário da teoria econômica dos “clássicos”[2] vigente até a quebra da bolsa de NY em 1929, que postulava que a economia estava em pleno emprego e que todo e qualquer desemprego era voluntário. De acordo com os clássicos,

“… o ajustamento automático dos preços, dos salários e da taxa de juro, com total flexibilidade, seria capaz de manter o pleno emprego numa economia capitalista. Deste modo, o capitalismo seria um sistema auto-regulador onde o pleno emprego era considerado como a situação normal. Os desvios ao pleno emprego (mas apenas sectorialmente) seriam excepções, cuja duração seria curta em função apenas do tempo de ajustamento automático, não existindo necessidade da intervenção do Estado, sendo essa intervenção considerada ineficiente, pelo que a teoria clássica, que é actualmente seguida, com novas formas, pelos Novos Clássicos, traduz a essência do liberalismo, que se consubstancia no que é conhecido por laissez faire, laissez passer, frase que já vem do tempo dos fisiocratas franceses.” [Donário e Santos (2016), pags. 9 e 10][3].

            A crise da bolsa de N.Y. em 1929 colocou em xeque a teoria clássica de que o pleno emprego era a regra, que os trabalhadores decidiam voluntariamente a sua empregabilidade e que a intervenção do Estado era ineficiente para ajustar o mercado de trabalho.

O New Deal, que foi um plano implementado no governo norte-americano de Franklin Roosevelt, trouxe para a discussão econômica a importância do Estado como gerador de emprego e de demanda, ideias que deram origem ao livro “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” publicado por John Maynard Keynes em 1936[4]. Iniciava-se, então, o aprofundamento do estudo do mercado de trabalho e suas vicissitudes, de maneira que a evolução das teorias ao longo do tempo trouxe para a teoria econômica a ideia de que o mercado de trabalho não era único, que haveria mercados de trabalho e não mercado de trabalho, ou seja, de que haveria algum tipo de segmentação do mercado de trabalho.

Fernandes-Huerga (2009)[5] traz uma importante compilação daquilo que se convencionou chamar “Teoria da Segmentação do Mercado de Trabalho – TSMT”. Segundo o autor,

“A teoria da segmentação do mercado de trabalho é um conjunto de abordagens teóricas que surgiram do final da década de 1960, a fim de explicar os fenômenos como a presença de desigualdades salariais, discriminação, pobreza, desemprego, entre outros. A ideia central dessas abordagens é que o mercado de trabalho é formado por vários segmentos, com diferentes mecanismos de determinação de salário e designação e entre aqueles que existem barreiras à mobilidade. …” [Fernandes-Huerga (2009), Resumo].

Dentro da TSMT surgiu a “Teoria do Mercado de Trabalho Dual” e a partir dela foram classificados dois mercados: o mercado de trabalho primário e o mercado de trabalho secundário.

Souza (1978)[6], define o mercado de trabalho primário e secundário da seguinte forma, in verbis:

Os empregos que compõem o mercado de trabalho primário caracterizam-se por período integral, estabilidade, e salário e produtividade relativamente altos. As promoções e os salários são determinados por regras e procedimentos administrativos determinados no interior da empresa.2 Estes empregos são típicos de empresas de grande porte, que apresentam alta relação capital-trabalho, às vezes oligopolistas. Parte considerável do custo de mão-de-obra, neste segmento do mercado de trabalho, pode ser considerada para a empresa como custo fixo. (Grifo nosso).

Os empregos compreendidos no segmento secundário do mercado de trabalho requerem mínima qualificação, propiciam o mínimo de treinamento10 e não estão inseridos em cadeias promocionais. Os salários e produtividade são relativamente baixos, os hábitos de trabalho não são estáveis, a rotatividade é alta, e mudanças de emprego não correspondem à melhoria salarial.11 O contrato formal de trabalho é quase uma exceção. Os empregos do mercado secundário são oferecidos, em grande parte, por pequenas firmas competitivas que atuam em mercados restritos, e apresentam demanda instável, tendo ainda como agravante pouco acesso a capital e tecnologia, devido à pouca geração de lucros.12 (Grifo nosso).

Figura 1. Demanda por trabalhadores primários e secundários no ciclo de vida da empresa

Fonte: Saint-Paul (1996)

Saint-Paul (1996)[7] representa a dualidade do mercado de trabalho em relação ao desemprego por meio da figura 1. Os empregos dos trabalhadores do mercado de trabalho secundário são voláteis ao longo do tempo, embora representem a maior massa de emprego, ao passo que os empregos trabalhadores do mercado de trabalho primário, embora em menor quantidade, são estáveis ao longo do tempo.

Tendo por base a teoria do mercado dual de trabalho apresentada, o que se pode dizer do humor de Elon Musk? Nas semanas anteriores foram demitidos 1/3 dos trabalhadores do Twitter, nesta semana 1/3 dos trabalhadores se demitiram. Quem eram os primeiros 1/3 de trabalhadores e quem são os 1/3 que se demitiram?

Se a teoria do mercado de trabalho está correta, os que foram demitidos são os menos qualificados, ao passo que os que se demitiram são os mais qualificados. O primeiro grupo de trabalhadores são atomizados e dificilmente comporão as equipes dos concorrentes. Fato que não se pode dizer do segundo grupo de trabalhadores. Anos de treinamento podem ser transferidos para o concorrente em um passe de mágica.

Parece que Elon Musk está com um grande problema!!!


[1] Big techs pós-pandemia: é possível comparar este movimento ao Too Big to Fail? – WebAdvocacy

[2]O termo “clássicos” foi utilizado por Keynes para se referir aos economistas dos séculos XVIII e XIX e princípios do século XX, no seguimento da obra “Riqueza das Nações” de Adam Smith, publicada em 1736.”[Donário e Santos (2016)].

[3] DONÁRIO, Arlindo Alegre; SANTOS, Ricardo Borges dos Santos. Teoria Clássica e o Equilíbrio de Pleno Emprego. Universidade Autónoma de Lisboa. Mimeo. 2016. Disponível em: CAPITULO 1 -CLASSICOS -25-02-2016-ABDUL (ual.pt). Acesso em: 20.11.2022.

[4] Keynes, John Maynard (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money, London: Macmillan (reprinted 2007)

[5] FERNANDES-HUERGA, Eduardo. A teoria da segmentação do mercado de trabalho: abordagens, situação atual e perspectivas futuras. Faculdade de Ciências Econômicas e Negócios na Universidade de León. 2009. Mimeo. https://marbreriedelacotedazur.com/pt/a-teoria-da-segmentacao-do-mercado-de-trabalho-abordagens-situacao-atual-e-perspectivas-futuras/

[6] SOUZA, Maria Cristina Cacciamali de. Mercado de trabalho: abordagens duais. Rev. adm. empres. 18 (1) • Mar 1978. Disponível em: SciELO – Brasil – Mercado de trabalho: abordagens duais Mercado de trabalho: abordagens duais

[7] SAINT-PAUL, Gilles. Dual Labor Markets. A Macroeconomic Perspective. MIT. 1996

Big techs pós-pandemia: é possível comparar este movimento ao Too Big to Fail?

Editorial

Esta semana dois acontecimentos chamaram à atenção no mundo das big techs: (i) Elon Musk falou em possibilidade de falência do Twitter[1] e (ii) Zuckerberg anunciou a demissão de 11 mil funcionários do Facebook[2]. Estas seriam apenas notícias corriqueiras caso não fossem empresas Too Big, ou melhor, Big techs.

Como é sabido, as big techs detêm faturamentos superiores aos PIBs de muitos países e a capacidade de movimento econômico dessas empresas não encontra precedentes na história. A pandemia da Covid-19 acelerou o ingresso da população mundial no mundo digital e o faturamento das empresas de tecnologia avançaram para além do planejado. Negócios passaram a ser preferencialmente realizados pela via digital, o que trouxe redução de custos tanto para o setor empresarial quanto para os trabalhadores.

Reportagem da Revista Exame de julho de 2020[3] apontou que as empresas de tecnologia tiveram um boom na pandemia. Segundo a reportagem, o Facebook aumentou em 98% o lucro líquido no segundo trimestre de 2020 e a Samsung reportou um aumento de 23% no lucro líquido no mesmo período.

O ano de 2021 também representou crescimento considerável para as empresas de tecnologia. Segundo a reportagem da Revista Oeste, o valor de mercado das big techs cresceu US$ 2,5 trilhões em 2021[4], com o destaque para a Apple, em que o valor das ações aumentou 38%, o que também ocorreu com a Microsoft, que viu as suas ações aumentarem 51% no período.

A teoria Too Big to Fail [5]foi utilizada pelos EUA para tratar do setor financeiro e a ideia era a de que as instituições financeiras haviam atingido um tamanho muito grande em termos de movimentação financeira no mundo e a falência de uma destas instituições, por terem o capital como insumo, teria um efeito devastador sobre todo o sistema financeiro e, consequentemente, sobre toda a economia real. O exemplo da utilização da teoria Too Big to Fail ganhou evidência com a quebra do Banco Lehman Brothers entre os anos 2007e 2008.

A relevância da(s) empresa(s) para a desestabilização econômica mundial é o palavra-chave para a teoria Too Big to Fail.

As big techs se encaixariam no critério de relevância?

Bom, é cedo para dizer se estas empresas quebrarão e se a sua falência terá o efeito de risco sistêmico verificado quando da “quebra” de uma instituição financeira, principalmente porque podemos estar a observar oportunidade para o crescimento de startups de tecnologia.

No entanto, que são empresas Bigs são e que a natureza da economia digital, principalmente no que se refere a dependência que “corações e mentes” têm dessa nova forma de vida, impede que o to Fail dessas empresas passe ao largo da sociedade também é uma verdade.

Aguardemos os próximos episódios!!!  


[1] Elon Musk diz a funcionários que Twitter pode ‘ir à falência’ – Estadão (estadao.com.br)

[2] Mark Zuckerberg anuncia demissão de mais de 11 mil pessoas na Meta, dona do Facebook | Tecnologia | G1 (globo.com)

[3] Empresas de tecnologia crescem em meio ao caos da pandemia | Exame

[4] Valor de mercado das big techs cresceu US$ 2,5 trilhões em 2021 (revistaoeste.com)

[5] Too Big to Fail – O que é, conceito e mais | Termos Financeiros (maisretorno.com)

Transição de Governo e manutenção do Estado brasileiro: “vão-se os dedos e ficam-se os anéis”.

Editorial

Hoje é só o terceiro dia após o resultado das eleições majoritárias no Brasil e transição de governo foram as palavras mais faladas neste período. O Brasil, como resultado da sua institucionalização, possui uma Lei de Transição (Lei nº 10.609, de 20 de dezembro de 2022[1]), o que o faz caminhar no sentido da preservação do nosso maior bem, a democracia.

A Lei nº 10.609, de 20 de dezembro de 2022, publicada no governo Fernando Henrique Cardoso, impõe regras para que o governo que está deixando o cargo executivo garanta a transferência de todas as informações necessárias para a continuidade do Estado com o novo governo.

A mencionada Lei representa um avanço muito importante para a jovem democracia brasileira, na medida em que busca separar o Estado do Governo, pois o primeiro segue o seu curso regular e o segundo, conforme a regra republicana democrática presidencialista vigente no Brasil, tem o Chefe de Estado e o Chefe de Governo representados em um único Presidente da República, alterado a cada quatro anos, conforme regras de escolha popular do novo representante definidas em lei.

Montesquieu, na obra “O espírito das Leis[2]”, traz as concepções de Estado e de Governo[3]. Segundo Montesquieu, o Estado é a unidade administrativa de um território e se sustenta pela coexistência de “povo, território e poder”, enquanto o Governo, em sua forma pode se dar sobre os modos de República, Monarquia ou Despotismo, cujo objetivo principal é o de estabelecer regras sobre as relações entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, enquanto os sistemas de governo podem ser o presidencialismo ou o parlamentarismo.

Essa classificação conforma o Estado como algo perene diferentemente do que acontece com os governos que podem cambiar. O Estado, como o próprio Montesquieu nos ensina, é formado por instituições que apresentam uma lógica de mutação ao longo do tempo completamente distinta daquela que se observa nos governos.

Como as instituições têm como seu principal elemento o ser humano, também denominado de servidor público, não provocar abalos ao Estado advindos de governos significa garantir a preservação do espírito público por parte daqueles que mantém o Estado “inabalável”, e nisso há que se mencionar que as carreiras públicas, sejam elas quais forem, sempre cumpriram o seu dever na preservação do Estado.

É isso que se verá na transição para o novo governo!!! Servidores públicos, que conhecem a máquina estatal como ninguém, comprometidos com a transferência das “informações” e “avanços” do antigo governo para o novo governo, com o único objetivo de preservar as linhas mestras do “Estado”, pois bem sabem estes servidores que “vão-se os dedos e ficam os anéis”.


[1] L10609 (planalto.gov.br)

[2] MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

[3] Ler o artigo: SEVEGNANI, Ana Luísa. As concepções de Estado e de Governo na obra “O espírito das Leis” de Montesquieu. Disponível em: As concepções de Estado e de Governo na obra “O espírito da Leis”, de Montesquieu – Jus.com.br | Jus Navigandi. Acesso em: 02 de novembro de 2022.

Resultados semelhantes e distantes do efetivamente verificado são indícios de cartel capazes de merecer inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica? Vamos à teoria antitruste!!!

EditorialNa última quinta-feira (13.10.2022), a Presidência do CADE enviou o Ofício n.o 8333/2022/GAB-PRES/PRES/CADE  ao Superintendente-Geral...

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