No mês de junho de 2022, foram publicadas importantes alterações legislativas relacionadas a comércio exterior. Em 8 de junho de 2022, foi publicado o Decreto nº 11.090, que alterou o artigo 77, do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 ao determinar que devem ser excluídos do valor aduaneiro os gastos incorridos no território nacional e destacados no custo do transporte, comumente denominados de capatazia. Já em 24 de junho, foi publicada a Instrução Normativa RFB nº 2090, de 22 de junho de 2022, que atualizou as regras de controle e valoração aduaneira de mercadorias e previu expressamente a exclusão da capatazia do valor aduaneiro.
As duas publicações foram comemoradas por entidades de classe, importadores e estudiosos do comércio internacional e do direito aduaneiro. Afinal, a legalidade da inclusão das despesas relativas à carga, à descarga e ao manuseio das mercadorias importadas, também conhecidas como “despesas de capatazia”, na base de cálculo do imposto de importação estava sendo questionada judicialmente há anos.
Com a publicação do Decreto nº 11.090/2022, de iniciativa do Ministério da Economia e motivada pela necessidade de redução do preço de bens essenciais importados em um cenário de alta de preços e inflação, prevaleceu a tese defendida pelos importadores e estudiosos do direito do comércio internacional, que havia sido rejeitada em 2020 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Entendimento equivocado que passamos a esclarecer.
As normas da Organização Mundial do Comércio (OMC), foro de caráter multilateral do qual o Brasil é parte, estabelecem parâmetros e critérios para o estabelecimento dos tributos que podem ser cobrados na importação de mercadorias.
Nesta linha, tanto o Poder Executivo, como o Legislativo brasileiro devem se ater ao que diz as normas da OMC para determinar quais itens integram a base de cálculo do imposto de importação. Em específico, ao Acordo sobre Valoração Aduaneira (AVA) do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) determina quais valores compõem o valor aduaneiro de um produto, ou seja, o que pode ser acrescentado ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas.
O AVA visa a criar um sistema equitativo, uniforme e neutro para a valoração de mercadorias para fins aduaneiros, que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios. Recordando que, o imposto de importação tem como base de cálculo o valor aduaneiro da mercadoria importada. Desta forma, o AVA estabelece que, sempre que possível, a base de valoração de mercadorias para fins aduaneiros deve ser o valor de transação das mercadorias a serem valoradas.
O artigo 8o do AVA autoriza a inclusão dos gastos relativos ao carregamento descarregamento e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação. Contudo, não há previsão de inclusão das despesas incorridas após a chegada do navio no porto, a exemplo do descarregamento e manuseio da mercadoria, por se tratarem de despesas incorridas após a chegada da mercadoria até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro.
No Brasil, o AVA foi internalizado à legislação pátria pelo Decreto Executivo nº 1.355/94 e, até 1º de julho de 2022, era regulamentado pela Instrução Normativa (IN) SRF nº 327/03. Contrariamente ao AVA, o artigo 4º, § 3º, da IN SRF nº 327/03 determinava que os gastos relativos à descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional serão incluídos no valor aduaneiro, independentemente da responsabilidade pelo ônus financeiro e da denominação adotada.
Em outras palavras, a IN nº 327/03 desconsiderava que somente integram o valor aduaneiro os gastos de carga e descarga associados ao transporte da mercadoria até o porto ou o aeroporto e determinava que fossem incluídos os gastos de descarga de mercadoria após a entrada no porto/aeroporto, contrariando o texto do artigo 8o do AVA.
A esse respeito, é importante ressaltar que o AVA e demais acordos da OMC são aplicáveis no Brasil e devem prevalecer sobre a legislação tributária interna, nos termos do artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal, assim como dos artigos 96 e 98 do Código Tributário Nacional (CTN).
Logo, teve início uma relevante discussão sobre a legalidade da inclusão dos custos de descarga da mercadoria na composição do valor aduaneiro no Poder Judiciário, que chegou ao STJ em 2014. Muitos anos depois, em abril de 2020, a Primeira Seção desse tribunal superior definiu, sob o rito dos recursos repetitivos, que os serviços de capatazia deveriam ser incluídos na base de cálculo do Imposto de Importação.
Segundo o ministro Francisco Falcão, cujo voto prevaleceu no julgamento, o GATT estabelece normas para a determinação de valor para fins alfandegários, prevendo a inclusão no valor aduaneiro dos gastos relativos à carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação.
Assim, segundo a interpretação do STJ, tais serviços integrariam a atividade de capatazia, de acordo com a Lei nº 12.815/2013, editando a instrução normativa RFB explicitando que eles deveriam fazer parte do valor aduaneiro.
Desse modo, desde 2020, os pedidos de exclusão dos serviços da base de cálculo do imposto de importação estavam sendo julgados improcedentes, não obstante a flagrante violação às normas internacionais e os prejuízos econômicos que essa medida trouxe ao país.
Em estudo de 2020, a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) projetou que o fim da inclusão da capatazia no valor aduaneiro contribuiria para um acréscimo de R$ 3,6 bilhões ao PIB no acumulado dos próximos 20 anos. No setor de alimentação, esse valor seria de R$ 2,4 bilhões e, no de siderurgia e construção, de R$ 1,8 bilhão. Outros setores que elevariam sua contribuição para o crescimento do PIB seriam os de têxtil e calçados, em R$ 1,4 bilhão; eletroeletrônicos, em R$ 861 milhões; químicos com R$ 832 milhões; perfumaria, cosméticos e farmacêuticos, R$ 824 milhões; petróleo, etanol e outros R$ 523 milhões; e madeira, papel e celulose, com R$ 173 milhões.
O referido estudo elencou, ainda, os 20 produtos que teriam maiores ganhos na produção até 2040 caso fosse retirado o custo da capatazia portuária. Em valores, os produtos com maiores altas na produção seriam automóveis e utilitários, com R$ 4 bilhões, e semiacabados e outros aços, com R$ 2,3 bilhões. Máquinas e equipamentos e vestuário ficariam em terceiro e quarto lugar, com R$ 2,2 bilhões e R$ 1,9 bilhão, respectivamente.
Segundo as projeções feitas, a indústria de transformação exportaria R$ 11 bilhões a mais, no acumulado dos próximos 20 anos, com a retirada da capatazia do custo aduaneiro. Os números mostram que o setor de construção e siderurgia teria o maior ganho em exportações nesse período, de R$ 3,5 bilhões ou 4,8%. Para o setor químico, o ganho seria de R$ 2,3 bilhões ou 9,8%. O setor de bens de capital seria o terceiro com o maior ganho em exportações, de R$ 1,7 bilhão ou 1,9%, seguido do de alimentação, de R$ 1,6 bilhão ou 1,3%.
Fato é, que as alterações legislativas em questão possibilitarão uma importante redução no valor pago por importadores a título de imposto de importação, com impactos positivos na competitividade e na integração do Brasil aos fluxos globais de comércio. Afinal, a inclusão dessa taxa contribuía para inflar o custo de importação, na contramão da agenda de competitividade e da melhoria do ambiente de negócios no Brasil, onerando a produção nacional, inclusive para a exportação.
Da mesma forma, também representa o alinhamento da legislação aduaneira brasileira aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil junto aos parceiros do Mercosul e à Organização Mundial do Comércio. Exatamente em linha com o que a sociedade precisa, de uma mais competitivo e mais integrado ao comércio internacional.
As permanentes discussões sobre o futuro do Direito da Concorrência e as disputas dogmáticas e narrativas quanto às suas finalidades têm há muito dominado a literatura antitruste, que constantemente se debruça sobre a dicotomia entre as premissas metodológicas tradicionalmente fixadas pelo direito norte-americano – baseadas, em larga medida, nos fundamentos estruturados pela Escola de Chicago e na teoria econômica neoclássica – e os entendimentos dissonantes advindos da Europa – com postura considerada mais intervencionista, na medida em que tende a limitar a concentração e a tomar decisões mais rigorosas no âmbito do controle de condutas.
No entanto, com a crescente integração da economia global, e especialmente com a avassaladora influência transnacional das chamadas big techs ou gigantes da internet – o que tem levantado preocupações relevantes inclusive nos Estados Unidos, notadamente com as autoridades nomeadas pelo governo Biden, marcadamente partidárias de visão crítica quanto às perspectivas dominantes que permitiram o grande movimento de concentração econômica das últimas décadas –, diversas vozes relevantes têm inclusive apontado ou para a necessidade de convergência de abordagens (perspectiva que também é potencialmente problemática, mas que será abordada em outra oportunidade), ou ao menos para problemas compartilhados que mereceriam a construção soluções holísticas. Pode-se mencionar, nesse sentido, recente discurso no qual a Comissária Europeia para a Concorrência Margrethe Vestager expressamente afirmou que mercados abertos e justos são um objetivo compartilhado por ambos os lados do Atlântico, de tal maneira que haveria forte convergência quanto às preocupações das duas jurisdições[1].
Por mais emocionantes que possam ser as disputas pelo protagonismo da defesa da concorrência, notadamente no que se refere aos mercados digitais, e por mais heroicas que sejam as iniciativas europeias e norte-americanas pelo controle do poderio econômico das big techs, tal narrativa insere o restante do mundo na plateia da exibição de um filme com legendas mal traduzidas. Causa inclusive alguma perplexidade que, apesar de os gigantes dos mercados digitais projetarem seu poder sobre todas as demais jurisdições, estas parecem estar, parafraseando-se a famosa carta de Aristides Lobo, assistindo bestializadas a tal processo, atônitas e surpresas, sem saber o que significa, acreditando seriamente estarem acompanhando mais um desfile de ideias.
No entanto, não somente há outros Direitos da Concorrência distintos daqueles ao norte, como há posturas firmes que desafiam diversas das premissas lá estabelecidas. Exemplo disso é o que vem ocorrendo na China, que desencadeou processo resumido pela manifestação do presidente Xi Jinping após sessão plenária da Comissão de Inspeção Disciplinar do Partido Comunista Chinês, segundo o qual “esforços deverão ser tomados para investigar e punir o comportamento corrupto por trás da expansão desordenada do capital e do monopólio das plataformas, e para cortar a ligação entre poder e capital”[2].
O pronunciamento vem na esteira da avassaladora condenação da gigante chinesa de tecnologia Alibaba, condenada em multa equivalente a 2.8 bilhões de dólares, em 2021, pela Administração Estatal de Regulação do Mercado da China (conhecida pela sigla em inglês SAMR), pela prática de conduta anticompetitiva consistente na criação de estrutura de incentivos que forçava vendedores a comercializarem seus produtos exclusivamente na plataforma da empresa. Conforme explica Sandra Colino, a rigorosa postura da autoridade concorrencial chinesa não consiste propriamente no ingresso do país asiático no movimento global de combate às big techs, mas no resultado de uma estratégia sui generis de controle do poder econômico, fundada na ideia de “observar e então agir” (observe-then-act)[3]. O caso da Alibaba, nesse sentido, é lapidar: após longo período de desenfreado e descontrolado crescimento, no qual o conglomerado liderado por Jack Ma conquistou habilmente mercados dominados por agentes ligados ao governo central (como ocorreu com a Alipay, braço financeiro do grupo Alibaba que rapidamente ocupou relevantes espaços dos pouco eficientes bancos chineses), vem sendo mais rigorosamente controlado pelas autoridades de regulação do mercado.
A distinção, aqui, não é meramente política e tampouco se trata tão somente de um novo golpe em uma complexa disputa por espaços de poder, mas diz respeito a uma forma particular de visualizar-se o desenvolvimento e a proteção de mercados. Isso porque, como explica Lillian Li, existe uma relação simbiótica entre as instituições públicas chinesas tradicionais e as instituições digitais privadas em ascensão, de tal maneira que a tecnologia se desenvolve da China a partir da premissa de que se trata de um país em desenvolvimento com instituições em desenvolvimento, de tal maneira que a tecnologia não está aprimorando instituições já existentes, mas verdadeiramente criando-as[4]. Trata-se, em síntese, segundo a autora, do processo enunciado por Deng Xiaoping ao propagar que “é preciso cruzar o rio sentindo as pedras sob os pés”: diante da ausência de consenso sobre a melhor forma de lidar com a inovação, pode ser interessante verificar como os agentes econômicos se comportam para então reequilibrar os mercados quando necessário.
Considerando que a inovação franca passou a dar lugar a uma série de abusos – como é o caso da conduta anticompetitiva perpetrada pela Alibaba, dentre outros exemplos[5] – o arcabouço regulatório e concorrencial chinês vem sendo robustecido com soluções originais, como a recente recomendação da Administração do Ciberespaço da China que vedou a utilização de algoritmos para a imposição de restrições indevidas sobre provedores da internet que obstem o regular funcionamento dos serviços informacionais ou produzam condutas monopolistas ou anticompetitivas[6].
A postura adotada pela China serve, assim, para questionar diretamente o recorrente truísmo segundo o qual as autoridades concorrenciais dos Estados Unidos teriam historicamente adotado postura mais contida em razão da circunstância de que os gigantes da internet encontram-se sediados em território americano, ao passo que a União Europeia teria a possibilidade de tomar decisões mais arrojadas por não seguir as mesmas tendências protecionistas – e, ao contrário, contaria com incentivos para proteger-se da dominância das big techs norte-americanas. Evidentemente que não se ignora que tanto Estados Unidos quanto União Europeia podem ser movidos por anseios protecionistas ou outras finalidades políticas (tendo em vista que o Direito da Concorrência é, invariavelmente, político).
No entanto, igualmente não se pode deixar de levar em consideração o fato de que se trata de posturas teórico-ideológicas em disputa sobre o Direito da Concorrência que dificilmente serão verdadeiramente efetivas (especialmente se carregarem o ônus de promover a convergência) se não dialogarem com as idiossincrasias daqueles que terão de segurar o Tchan.
[3] COLINO, Sandra Marco. The case against Alibaba in China and its wider policy repercussions. Journal of Antitrust Enforcement. v. 10, pp. 217-229, 2022.
Uncertainty must be taken in a sense radically distinct from the familiar notion of Risk, from which it has never been properly separated…. The essential fact is that ‘risk’ means in some cases a quantity susceptible of measurement, while at other times it is something distinctly not of this character; and there are far-reaching and crucial differences in the bearings of the phenomena depending on which of the two is really present and operating…. It will appear that a measurable uncertainty, or ‘risk’ proper, as we shall use the term, is so far different from an unmeasurable one that it is not in effect an uncertainty at all.” Frank Knight (Risk Uncertainty and Profit 1921 edition)
No momento em que escrevo este artigo, o Ministro Luis Roberto Barroso acaba de expedir decisão convocando audiência pública em setembro de 2022 para debater a taxatividade do rol de procedimentos da ANS, fruto de ADI recorrendo da decisão do STJ. Na própria decisão do Ministro Barroso, esclarece que “A matéria extrapola os limites do estritamente jurídico e exige conhecimento interdisciplinar apto a desvelar questões técnicas, médico-científicas, atuariais e econômicas relativas à definição da abrangência da cobertura dos planos de saúde, à previsibilidade de novos tratamentos, ao impacto financeiro de condenações judiciais ao fornecimento de terapias não incorporadas e ao processo de atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar.”
No dia 8/6, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS), não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos na lista. Contudo, o colegiado fixou parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos custeiem procedimentos não previstos na lista, a exemplo de terapias com recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.
Neste artigo, trago uma perspectiva econômica e atuarial com foco na precificação dos planos de saúde, atividade precípua dos atuários, registrados no Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) que devem elaborar Nota Técnica Atuarial (NTA) e submeter à aprovação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Sem a aprovação da NTA, a operadora não pode comercializar seus produtos. Antes de abordar a precificação propriamente dita, é importante retornar às bases técnicas do produto.
Fundamentos
O funcionamento da saúde suplementar é, sob vários aspectos, similar ao setor de seguros. Logo, é importante conhecer algumas definições aplicadas em ambos os mercados para aceitação e precificação de planos ou seguros. O seguro é um mecanismo de transferência de risco de uma pessoa ou empresa para uma seguradora, ou operadora, que assumirá esse risco. Pode-se dizer que a matéria-prima da indústria de seguros é o risco. Nas operações de seguro, risco é a possibilidade de ocorrência de um evento aleatório que cause danos de ordem material, pessoal ou ainda de responsabilidades. Ele é assumido pela seguradora, que se obriga a indenizar a importância segurada na ocorrência do risco coberto, mediante o pagamento do prêmio (custo do seguro) do seguro realizado. O risco é um evento incerto ou de data incerta que independe da vontade das partes contratantes e contra o qual é feito o seguro. Risco é expectativa de sinistro. Sob o ponto de vista legal, o risco constitui o objeto do seguro, pois o segurado transfere à seguradora, por meio do seguro, o risco e não o bem.
Mas saúde é diferente!
Os serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde são diferentes, lidam com um bem incomensurável, que é a vida, e tem características bem específicas e uma regulação complexa. As especificidades do nosso setor foram identificadas desde a década de 60 com o trabalho seminal do economista Keneth Arrow, laureado pelo prêmio Nobel em economia.
A natureza da demanda por saúde é irregular e há prevalência de ampla incerteza em relação à quando e ao que utilizar nos momentos de adoecimento. Nunca saberemos quando necessitaremos de uma internação ou de outro serviço de saúde. As relações no mercado são caracterizadas por problemas derivados da assimetria de informação entre médico e paciente, médico e operadora, cliente e operadora e assim por diante. Não à toa, esse é um setor extremamente regulado tanto no Brasil como no mundo. Como o acesso aos serviços públicos universais nem sempre é efetivo, os planos de saúde emergem como uma importante fonte de acesso tanto das pessoas quanto das empresas que os contratam para seus colaboradores. Em resumo:
A saúde não é um bem transferível de um indivíduo para o outro. É um bem meritório e, em geral, é necessária a certificação de um profissional especializado para indicar o produto ou serviço a ser consumido em cada caso específico assim como atestar sua qualidade. Dessa forma, na ausência de uma certificação pública reconhecida pelos consumidores como confiável, a reputação do provedor do bem ou serviço passa a ser relevante tanto para as decisões de consumo, por parte dos pacientes, quanto para a prescrição médica dos profissionais de saúde.
O consumo de produtos e serviços de saúde se caracteriza pela dissociação entre o consumidor final e o agente responsável pela indicação terapêutica. Quem escolhe o tratamento não é quem paga, diferentemente, dos outros setores onde você escolhe o que deseja consumir.
Alguns produtos e equipamentos do setor saúde se caracterizam por elevados gastos com pesquisa e desenvolvimento de novos processos e, sobretudo, de novos produtos. O acesso a determinados serviços médicos, em geral, e medicamentos, em particular, é considerado em diversos países como um direito de cidadania, resultando na classificação desses bens e serviços como meritórios, isto é, bens e serviços a que todos o cidadão deve ter acesso, sendo responsabilidade da política pública a garantia de acesso universal.
O valor do seguro decorre da imprevisibilidade dos gastos com saúde. As pessoas em geral optam pela segurança de ter acesso aos tratamentos contratados ao invés de carregarem consigo esses riscos. Em termos microeconômicos, sabemos que a demanda por seguro ocorre em um ambiente de escolha sob incerteza e agentes avessos a risco preferem arcar com o custo certo de pagar uma mensalidade a ter que incorrer na incerteza de precisar desembolsar elevadas somas financeiras quando ocorre a eventualidade de uma doença.
Mutualismo
Mutualismo é uma das principais características do seguro. Entende-se por mutualismo a reunião de um grupo de pessoas com interesses seguráveis comuns, que concorrem para a formação de uma massa estatística, com a finalidade de suprir, em determinado momento, necessidades eventuais de algumas daquelas pessoas do grupo ou de parte do grupo. Desse modo, o impacto financeiro de um evento, que poderia ser fatal ou catastrófico para um indivíduo ou uma empresa, é distribuído entre os integrantes de um grupo maior por custo relativamente baixo.
No caso da saúde suplementar, as operadoras reúnem todas as mensalidades (ou prêmios no caso do seguro) que recebem em um fundo mutual usado para pagar as despesas com os eventos aleatórios tais como uma internação hospitalar. Dificilmente, esses eventos de alto custo, como internações, são suportados individualmente. Mas coletivamente, pela aquisição de um plano, é possível ter acesso a essas coberturas por meio do mecanismo de solidariedade entre os contratantes que o plano possibilita. Cerca de ¼ da população brasileira é coberta por algum tipo de plano de saúde. Segundo dados da ANS, em dezembro de 2019 havia 47 milhões de beneficiários em planos privados de assistência médica com ou sem odontologia e 26 milhões de beneficiários em planos privados exclusivamente odontológicos. Esse contingente expressivo da população atendida pelo setor privado acessa o setor, principalmente, mediante os contratos coletivos. Em períodos em que a empregabilidade vai bem, a saúde suplementar tende a acompanhar. O inverso também é verdadeiro. Quando a economia e o emprego formal desaceleram, a capacidade de aquisição de planos de saúde também é afetada.
Segundo Maia (2018), o risco, no âmbito da saúde, é definido como a consequência financeira de uma alteração no estado de saúde do indivíduo. Tais alterações podem resultar em despesas com bens e serviços de saúde para recuperação ou tratamento da saúde, despesas com cuidados de reabilitação e até mesmo perda de renda em função da incapacidade laboral. Na saúde, o que se segura é o acesso aos tratamentos assistenciais decorrentes de alterações no estado de saúde, seja este acesso realizado pela rede própria da operadora, pela rede credenciada ou pela livre escolha do segurado mediante o reembolso, conforme o contrato.
Precificação
A precificação deve incluir o custo ou prêmio do risco que se está segurando além de incluir despesas administrativas e de comercialização. Falaremos de algumas regras para essa precificação. Para organizar toda essa operação, o plano de saúde deve contratar e remunerar funcionários das mais variadas especialidades como gestores, médicos, dentistas, atuários, estatísticos, advogados, administradores, economistas, dentre outros. Também deve remunerar corretores e vendedores que comercializam seus produtos. O preço deve incorporar uma margem de segurança estatística calculada a partir de metodologia adequada para garantir, com a maior probabilidade possível, que as ocorrências estarão cobertas no preço, de tal forma que a operadora siga solvente. Adicionalmente, como toda empresa privada, a operadora deve incorporar uma margem de lucros esperada. A arte é precificar o produto para ser ao mesmo tempo competitivo e economicamente sustentável. Veja a fórmula abaixo:
Preço do Seguro = Custo do Risco + Margem de Carregamentos de Despesas + Margem de Segurança Estatística + Margem de Lucro
As operadoras têm a função de organizar o mútuo, que envolve a avaliação do risco, a definição do preço do plano, a cobrança e gestão financeira dos recursos, a organização da rede de assistência à saúde, pagamento aos prestadores e a gestão de saúde de seus beneficiários.
Ressalta-se importante diferença da saúde suplementar para outros setores econômicos é que ao precificar um produto, a operadora não conhece os seus custos a priori, pois estes são aleatórios e estimados pelas técnicas da probabilidade. Uma indústria, por exemplo, precifica seus produtos após conhecer os seus custos de produção. Isso significa, na prática, que a operadora recebe as mensalidades, antecipadamente, para a cobertura de riscos no futuro.
Já em uma indústria tradicional, a firma recebe as receitas e paga os custos que já incorreram. Na saúde, esse fluxo financeiro é invertido. Daí a importância de um bom processo de precificação e contratação para que as receitas sejam suficientes para cobrirem os custos que ainda irão ocorrer. Errar na precificação pode levar uma operadora à falência!
O processo de judicialização que se agrava no Brasil faz com que, muitas vezes, as operadoras arquem com custos de procedimentos que não foram previstos nem precificados, ou por não estarem no contrato ou por não constarem no rol de procedimentos da ANS. Quando isso ocorre, toda a coletividade é chamada a contribuir com recursos adicionais em forma de maiores mensalidades. Logo, é necessário ter previsibilidade nos custos para que os planos possam ser oferecidos.
Devemos ressaltar que existem regras para a precificação segundo as faixas etárias definidas pela legislação. Basicamente, são três momentos: antes da lei 9.656/98, entre a lei 9.656/98 e o Estatuto do Idoso, e após o Estatuto do Idoso. É importante destacar que qualquer utilização feita que não tenha sido contratada, fora do contrato ou fora do rol, torna a previsibilidade e precificação uma tarefa absolutamente complexa, senão impossível.
A operadora consegue precificar os procedimentos que estão cobertos no contrato e no rol de procedimentos da ANS. Casos que extrapolam tais limites não são considerados no momento da precificação. Logo, se isso ocorre por algum motivo, como decisões judiciais ou um rol de procedimentos aberto, ou exemplificativo, esse custo é transferido para os demais participantes da mutualidade que devem incorrer em maiores despesas para assegurar o equilíbrio econômico do contrato. Em termos econômicos, trata-se de um caso de externalidade negativa, pois a ação de um indivíduo impõe custos sobre terceiros. A precificação pode ser feita segundo os seguintes métodos:
Community rating
Neste caso, o mutualismo se dá entre todos os indivíduos. O preço é único para toda a população e é baseado no custo médio desta mesma população. O problema com esse método é que ele funciona quando o seguro é obrigatório. Para seguros voluntários, como no caso do plano de saúde individual, esse método estimula a anti-seleção de riscos, ou seja, como é uma média, os indivíduos que se auto-avaliam como sendo de riscos superiores ao preço tendem a aderir ao contrato. Analogamente, os indivíduos de baixo risco, não tem interesse em aderir e preferem carregar o próprio risco.
Experience rating
Nessa metodologia, o preço baseado no custo per capita por idade. Por exemplo, o preço seria estimado para cada idade. Essa metodologia implica no mutualismo entre os indivíduos que possuem a mesma idade, mas será prejudicial para os indivíduos mais idosos. Para estes, o seguro ficaria inviável. O legislador brasileiro, seguindo ampla referência internacional, entendeu que deve haver solidariedade entre grupos de risco formado por faixas etárias. E assim, chega-se ao terceiro método, explicado a seguir.
Community rating modificado
Neste caso, o preço é baseado no custo médio por faixa etária que atualmente é segmentada de 5 em 5 anos conforme mostrado a seguir. O risco é, portanto, solidarizado entre os indivíduos que estão em uma mesma faixa etária.
O legislador brasileiro estabeleceu a divisão solidária do risco entre 7 (sete) faixas etárias na Lei 9.656/1998. Posteriormente, com o advento do estatuto do idoso, foi proibido o aumento de mensalidades após os 60 anos e a ANS revisitou as suas faixas etárias. São 10 atualmente. Adicionalmente, o legislador previu o pacto intergeracional, ou seja, os mais jovens devem pagar um pouco mais para que os mais idosos possam pagar um pouco menos do que o custo do seu risco. O pacto intergeracional é garantido pela regra que limita o preço da última faixa etária como sendo no máximo 6 vezes o preço da primeira. E a variação da 7ª a 10ª faixa etária deve ser menor ou igual ao valor da 1ª a 7ª faixa etária. São as condições de contorno para manutenção da solidariedade intergeracional.
Precificação sujeita a incertezas
A principal consequência de um rol exemplificativo para a precificação é a impossibilidade de cálculo do preço com base em dados. Vejamos a figura abaixo para tentar compreender esse ponto. Lembrando que o cálculo do preço deve ser feito por agrupamentos (clusters), segundo os grandes grupos de eventos: Consultas médicas – diversas especialidades, exames complementares, terapias, outros atendimentos ambulatoriais, internações hospitalares e demais custos assistenciais. Cada grupo desses é desdobrado em diversos subgrupos de coberturas e os procedimentos que são estabelecidos no rol da ANS servem para que as operadoras saibam previamente quais os riscos que está assumindo. A partir deste momento, irão avaliar a disponibilidade de rede assistencial, avaliar os preços praticados e incluir no cálculo do custo assistencial. Portanto, o quadrado superior da figura descreve os procedimentos cobertos pelo rol da ANS.
Para cada um dos 3379 procedimentos do rol, a operadora deve obter dados de frequência de utilização e o preço para se chegar ao custo médio (ou severidade média). Ressalta-se que pela legislação atualmente em vigor, os procedimentos devem ser submetidos à Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) a fim de verificar as evidências científicas que suportam a inclusão, sua eficácia e seu custo-efetividade. Não nos esqueçamos da fosfoetanolamina, tida como cura do câncer em um período no Brasil, mas que posteriormente demonstrou-se absolutamente ineficaz. Quantos recursos públicos e privados foram desperdiçados? Difícil prever. Em todo mundo desenvolvido, o processo de ATS é um requerimento necessário para que alguma nova tecnologia seja incorporada. No Brasil, o setor público faz a ATS na CONITEC. Na saúde suplementar, essa avaliação está a cargo da ANS.
As operadoras de planos de saúde são especializadas em precificar o risco atuarial se valendo de ciência para chegar nas melhores estimativas possíveis, dados os dados disponíveis. No entanto, ao se falar em rol exemplificativo, ou procedimentos extra-rol, saímos do campo do risco e adentramos no terreno da incerteza. Não é possível fazer previsões sobre quais procedimentos vão ser incorporados pois estes são frutos do desenvolvimento tecnológico da indústria de medicamentos, materiais, equipamentos etc. A incorporação automática no rol, além de inviabilizar o processo de precificação, também coloca sob risco a saúde da população tendo em vista que não passou pelo rigor científico do crivo da ATS.
É possível carregar na margem de segurança para tentar alcançar. Não obstante, quanto maior for a margem, maior será o preço. No limite, a operadora pode optar por não oferecer o produto pois não conseguirá fazer uma gestão adequada do risco. Cabe lembrar que é objetivo da precificação que o valor presente das receitas seja suficiente para pagar todos os compromissos assumidos. Se estes compromissos mudam ao longo do tempo, e o preço se mantém constante, haverá déficit na carteira. A ocorrência de déficit deve ser provisionada pois pelas regras prudenciais, baseadas em risco, a subscrição se tornará excessivamente elevada. Evidentemente, déficits irão demandar maior volume de capital das operadoras, reduzindo a rentabilidade do negócio e a atratividade para a entrada de investidores potenciais.
Sair do terreno do risco e adentrar o campo da incerteza não parece ser uma política pública sustentável. Alguns dirão que faz parte do risco do negócio. Mas se queremos mais eficiência da regulação a ponto de entrar para a OECD, esse pode ser um elemento de muita vulnerabilidade regulatória. Afinal, risco regulatório é até possível se precificar, mas incerteza não.
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NAZARENO, JOSÉ M. Jr. Precificação dos planos de saúde: apresentando alguns aspectos técnicos envolvidos. https://www.linkedin.com/pulse/precifica%C3%A7%C3%A3o-dos-planos-de-sa%C3%BAde-apresentando-alguns-maciel-junior/?originalSubdomain=pt
On Risk Classification. A Public Policy Monograph.American Academy of Actuaries Risk Classification Work Group. November 2011
RESOLUÇÃO IBA Nº 02/2019. Dispõe sobre os princípios gerais que devem nortear os trabalhos de formação e revisão de preços no âmbito da saúde suplementar no Brasil, em consonância com os Princípios Básicos Atuariais definidos pelo CPA nº 001 – IBA.
[*] Economista. Superintendente de Estudos e Projetos Especiais da FenaSaúde. Este artigo expressa a opinião do autor.
Os diversos efeitos da tributação na economia e os eventuais impactos de distorções tributárias no ambiente competitivo vêm ganhando espaço nos debates da comunidade antitruste.
Muito embora tais debates ainda necessitem de bastante aprofundamento, é possível identificar a formação de análises doutrinárias que buscam entender em que medida práticas tributárias (p. ex. sonegação fiscal e benefícios e incentivos fiscais) podem afetar a concorrência ao ponto de atrair a competência dos órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e, em especial, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Por outro lado, verifica-se que, historicamente, o Cade opta por afastar sua competência quando se depara com casos de ilícitos tributários como meio de infração à ordem econômica, seja sob o fundamento de que quaisquer distúrbios na concorrência seriam sanados após o enfrentamento da questão no foro competente (Poder Judiciário, Receita Federal e demais órgãos), seja sustentando a impossibilidade de penalizar agentes econômicos que fazem uso de benefícios ou isenções fiscais concedidos pelo poder público, que, embora gerem diferenciação de agentes, não seriam práticas evasivas e tratar-se-iam de medidas positivadas no ordenamento jurídico.[1]
Inclusive, logo após tomar posse na presidência da autarquia antitruste, Alexandre Cordeiro, em entrevista ao Jota, quando questionado qual deveria ser o posicionamento do Cade na hipótese de outras infrações, como a sonegação de impostos, terem impacto no direito concorrencial, afirmou seguramente que seria um equívoco atuar, uma vez que o órgão teria que “ficar na seara da concorrência”. Complementou, em seguida, que a solução seria o correto funcionamento do sistema tributário, não sendo possível se transferir para o Conselho a responsabilidade que não é dele.[2]
Assim, diante de um cenário em que, de um lado, o Cade apresenta um histórico, reafirmado por seu atual Presidente, de afastar sua competência para analisar os efeitos de práticas tributárias na concorrência e em que, de outro, a comunidade antitruste está cada vez mais atenta para tal discussão e vem cobrando posicionamentos da autarquia sobre o tema, haveria alguma expectativa de mudança de paradigma pelo Cade em sua atual formação?
Pois bem. A gênese da discussão do tema tributação e concorrência no Brasil está intimamente ligada à questão dos impactos concorrenciais da guerra fiscal, com inspiração no latente debate europeu sobre a harmful tax competition[3]na ordem jurídica europeia.
Ainda em 1998, na União Europeia, onde o estudo das questões relacionadas à tributação e seus efeitos sobre o mercado já parecia ter um elevado amadurecimento, ficou estabelecido o Código de Conduta de Fiscalidade das Empresas, reconhecendo a existência de uma concorrência fiscal prejudicial entre os países-membros capaz de distorcer os padrões de comércio e de investimento e outros defeitos na esfera concorrencial. Nesse sentido, diversos são os casos julgados pela Corte Europeia de Justiça envolvendo a concessão de incentivos fiscais e seus impactos na dinâmica do mercado comum europeu[4]. Além disso, a OCDE, tendo em conta o cenário europeu, desenvolveu o relatório “Guidelines on Harmful Preferential Tax Regimes” com o objetivo de desencorajar a guerra fiscal entre os países europeus e trazer diretrizes para mitigação dos paraísos fiscais.
Paralelamente a essa relevante discussão europeia acerca da concorrência fiscal, o Cade, nos autos da Consulta nº 0038/99, foi instado a se manifestar quanto à “nocividade ou não à livre concorrência da prática conhecida como guerra fiscal, realizada principalmente entre estados e através de mecanismos fiscais e financeiro-fiscais relacionados ao ICMS[5]”. Isto é, questionou-se se uma determinada empresa detentora de benefício fiscal estaria em situação de vantagem em relação às suas concorrentes, na medida em que teria condições de praticar um preço inferior ou obter maior lucratividade. A conclusão do Conselho foi de que a guerra fiscal prejudica a concorrência e ocasiona efeitos danosos ao bem-estar da coletividade.
Inspirada no parecer exarado pelo Cade, a comunidade antitruste brasileira voltou os olhos para o tema da guerra fiscal e dos benefícios e incentivos fiscais como vantagem competitiva, produzindo literatura e acionando a autarquia para analisar tal imbróglio. Ocorre que em diversas oportunidades[6], o Conselho optou por afastar sua competência por entender que tais questões deveriam ser levadas à análise do Judiciário, uma vez que não estariam no rol de condutas abarcadas pela legislação antitruste, não havendo como imputar, ademais, aos entes federados infração à ordem econômica.
Nesse ínterim, contudo, outras práticas tributárias ganharam espaço no debate da relação entre tributação e concorrência. Passou-se a defender que determinadas práticas de evasão fiscal, que consistem em condutas praticadas por particulares em descumprimento a obrigações tributárias, podem estar na origem de distúrbios concorrenciais e, portanto, deveriam ser caracterizadas como infrações à ordem econômica.
Nesse ponto, não há entendimento unitário na jurisprudência do Cade a respeito da competência da autoridade antitruste para tratar de tais casos. Vê-se que, em algumas oportunidades, o órgão optou por negar sua competência ao entender que as distorções no mercado provocadas pela sonegação fiscal eram delimitadas no tempo. Em outros casos, quando avançou a etapa de análise de sua competência e se engajou numa análise concorrencial da questão, comumente o fez sob a ótica de preço predatório, concluindo invariavelmente por sua inexistência devido às diversas dificuldades de configurar tal conduta em concreto.[7]
Ocorre que recentes manifestações de atuais conselheiros conferem razões para se crer em uma possibilidade de análises mais acuradas do Cade sobre os impactos de práticas tributárias na concorrência.
Após o despacho de arquivamento da Superintendência-Geral nos autos do inquérito administrativo nº 08700.002532/2018-33, o Conselheiro Luis Braido apresentou proposta de avocação pelo tribunal administrativo, sustentando a necessidade de instrução complementar para apurar suposta conduta anticompetitiva decorrente do não pagamento de tributos, o que conferiria a possibilidade de praticar, de forma indevida e sem relação com sua maior eficiência, preços inferiores aos dos concorrentes adimplentes com suas obrigações tributárias, de modo a incrementar participação no mercado relevante e a causar prejuízos à livre concorrência. Muito embora tenha concluído pela não avocação, o Conselheiro Sérgio Ravagnani confirmou a competência legal do Cade para analisar práticas tributárias que possam produzir danos à concorrência, uma vez que a prática de sonegação fiscal reiterada, referida como “macrodelinquência tributária reiterada[8]”, poderia ser caracterizada como infração à ordem econômica. No entanto, durante a 1ª Sessão Extraordinária de Julgamento, realizada no dia 20 de janeiro de 2021, o plenário, por maioria, não homologou o despacho de avocação.
Desfecho diferente se deu no caso do Procedimento Preparatório nº 08700.001571/2022-08, em que o tribunal administrativo homologou o despacho de avocação (Despacho Decisório nº 5/2022) proferido pelo Conselheiro Gustavo Augusto Lima para instaurar o inquérito administrativo e proceder com o prosseguimento das investigações com o objetivo de apurar possível prática de discriminação de preços no mercado de comercialização de combustíveis derivados do petróleo produzidos na Refinaria de Mataripe, localizada no Estado da Bahia.
Segundo o Presidente Alexandre Cordeiro, durante a 197ª Sessão Ordinária de Julgamento do Cade, realizada no dia 25 de maio de 2022, considerando que o setor econômico está em evidência e que sua abertura consiste em uma medida estrutural objetivada pela autarquia, a investigação pode originar trabalhos de advocacy no sentido de elaborar normas interessantes para o setor junto à regulação setorial e a importante discussão tributária relacionada ao preço de referência do petróleo e seus critérios de fixação previstos na Resolução ANP nº 874/2022.
Nesse sentido, a Conselheira Lenisa Prado também registrou “me anima muito saber que grande parte deste tribunal está inclinada a investigar questões tributárias que surtem reflexo no âmbito concorrencial”. A conselheira afirmou que a questão de diferenciação de preço a maior de combustível adquirido dentro da Zona Franca de Manaus sugere a possibilidade de utilização de algum tipo de benefício fiscal ou a adoção de regime especial de tributação para favorecer um determinado grupo econômico ou concorrente. Complementou, ainda, que o Cade, por vezes, apreciou questões em que, infelizmente, por motivos alheios, não foi possível aprofundar o tema tributário com o concorrencial, mas que nesse caso seria possível identificar uma “curva ótima entre tributação e concorrência”.
Assim, é possível concluir que a oxigenação do debate da relação entre tributação e concorrência no direito brasileiro indica uma tendência para a mudança de paradigma no histórico de análises do Cade acerca do tema. Todavia, a confirmação da tendência se encontra nas mãos do atual quadro de conselheiros da autarquia e são cenas para os próximos capítulos.
[1] CARVALHO, Vinicius Marque de; MATIUZZO, Marcela. Tributação e concorrência: uma análise da evasão fiscal como ilícito concorrencial. Revista de Defesa da Concorrência, vol. 9, nº 2, dez. 2021, p. 54.
[3] PEROTTO, Gabriella. How to cope with harmful tax competition in the eu legal order: going beyond the elusive quest for a definition and the misplaced reliance on state aid law. European journal of legal studies, 2021, Vol. 13, No. 1, pp. 309-340. Retrieved from Cadmus, European University Institute Research Repository. Disponível em: https://cadmus.eui.eu/handle/1814/71283
[4] C-173/73 (Italy v. Comission); C-259/87 (France v. Comission); C-465/20 (Commission vs. Ireland and others). In: CAMPANILE, Vinicius Tadeu. Livre concorrência, tributação e desenvolvimento econômico: utilização de legítimas vantagens tributárias em prejuízo da livre concorrência. Dissertação (mestrado). Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, 2017, p. 127.
[5] BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Consulta nº 0038/99, p. 1.
[8] Expressão cunhada pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski, no julgamento do RE 550.769, para práticas ilícitas perpetradas por devedores contumazes, que por meio da inadimplência reiterada e sistemática alcançam expressiva vantagem concorrencial.
[i] Polyanna Vilanova é ex-conselheira do Cade e sócia no Vilanova Advocacia.
[ii] Henrique Muniz é trainee no escritório Vilanova Advocacia.
Primeiramente gostaria de comentar que é uma honra ter a oportunidade de escrever nesta coluna para o Web Advocacy. Tratar sobre temas importantes relacionados à Administração Pública, mormente sobre o Tribunal de Contas da União, traduz-se em compromisso com o leitor de bem informá-lo e deixá-lo a par dos meandros do Estado e sua relação com a economia e as finanças públicas do Brasil. Inauguro o espaço com o texto abaixo, que versa sobre investimentos no Brasil e aquele tribunal. Espero que apreciem!
As contratações com a Administração Pública federal no Brasil estão submetidas à fiscalização do controle externo, realizado pelo Tribunal de Contas da União – TCU. Portanto, tanto o procedimento comum de contratação de produtos e obras ou de execução de serviços quanto o processo complexo de desestatização – incluindo todas as suas modalidades, a exemplo da concessão de serviços públicos ou da parceria público-privada (PPP) – estão submetidos ao acompanhamento da Corte de Contas.
O TCU, nos termos da Constituição Federal, é um tribunal administrativo vinculado ao Poder Legislativo e auxilia a Parlamento no controle externo da Administração Pública em âmbito federal.
Assim, o Tribunal, composto por 9 ministros (6 escolhidos pelo Congresso Nacional e 3 pelo Presidente da República) e 4 ministros-substitutos (selecionados por meio de concurso público), tem como função precípua o trato da coisa pública, além de possuir importantes competências constitucionais relacionadas às contas públicas.
Várias unidades técnicas temáticas (denominadas secretarias), compostas por servidores de carreira altamente especializados, realizam trabalhos sólidos e de alta tecnicidade em temas como finanças, tecnologia da informação, obras públicas e fiscalização de procedimentos de desestatização.
As decisões do TCU sobre matéria de sua competência costumam ser a palavra final sobre o tema, apenas podendo ser revistas pelo Poder Judiciário em casos excepcionais, como nas nulidades na tramitação de processo por inobservância a regras procedimentais.
Assim, considerando que o Governo Federal é o principal contratante de negócios no Brasil, seja no que diz respeito a sua capacidade orçamentária, seja por deter a titularidade dos principais e mais representativos ativos passíveis de serem concedidos à exploração pela iniciativa privada, o correto entendimento sobre seu funcionamento e procedimentos é fundamental para conferir segurança e previsibilidade aos investidores.
Em relação, especificamente, ao acompanhamento de processos de desestatização pelo TCU, ele ocorre na forma prevista na IN 81/2018, que veio a aprimorar a fiscalização desses processos, notadamente ao buscar dar seletividade aos acompanhamentos de concessão de serviços públicos.
Essa norma se aplica a todos os procedimentos de desestatização cujo edital tenha sido publicado a partir de 1º/1/2019, bem como a todos os contratos ou termos aditivos para prorrogação ou renovação de concessões ou permissões celebrados após aquela data; as instruções normativas anteriores sobre o tema foram revogadas.
Importante destacar que a citada IN 81/2018 disciplina a fiscalização dos processos de desestatização realizados pela Administração Pública federal, compreendendo as privatizações de empresas, as concessões e permissões de serviço público, as contratações das PPPs e as outorgas de atividades econômicas reservadas ou monopolizadas pelo Estado.
Esse normativo cuida também dos processos de outorga de concessão ou de permissão de serviços públicos que se enquadrem nos casos de inexigibilidade ou dispensa de licitação previstos em lei específica e prevê o fim dos múltiplos estágios de acompanhamento dos processos de desestatizações mencionados.
Esse novo formato de fiscalização permite que o TCU priorize relevância, materialidade e oportunidade, direcionando os escassos recursos humanos para desestatizações de maior risco ou relevância.
Quanto ao planejamento dos processos de acompanhamento de desestatizações no TCU, tem-se que, em até 150 dias de antecedência da data prevista para a publicação do edital, os órgãos gestores dos processos de desestatização deverão enviar ao Tribunal extrato contendo: i) descrição do objeto da licitação; ii) previsão de investimentos; iii) relevância; iv) localização dos empreendimentos; e v) cronograma do processo licitatório.
O mesmo ocorre com os casos de celebração de contratos ou termos aditivos para prorrogação ou renovação de concessões ou permissões, inclusive as de caráter antecipado. Assim, em até 150 dias que antecedem a data de assinatura dos contratos ou dos termos aditivos para prorrogação ou renovação de concessões ou permissões, inclusive as de caráter antecipado, os gestores deverão enviar ao TCU os extratos dos contratos ou termos aditivos com: i) descrição sucinta do objeto; ii) condicionantes econômicas; iii) localização; e iv) cronograma da prorrogação e normas autorizativas.
O envio da documentação à Corte de Contas deve ocorrer em até 90 dias antes da data de publicação do edital licitatório. Os gestores deverão encaminhar ao órgão: i) EVTEA – Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental; ii) minutas do edital, com anexos; iii) minuta do contrato e caderno de encargos; e iv) resultados das audiências públicas e demais documentos para formalização da desestatização.
A análise por parte da unidade técnica competente do TCU ocorrerá em até 75 dias do recebimento dos documentos do processo de acompanhamento da desestatização. Após, o autos serão encaminhados ao ministro relator, que se incumbirá de incluir o processo em pauta para julgamento com proposta de deliberação.
Quando atua no acompanhamento de desestatizações, caso entenda pela presença de irregularidades e ilegalidades, o Tribunal pode, por exemplo, determinar a realização de correção de falhas antes da continuidade do procedimento.
No que se refere à necessidade de investimentos privados em infraestrutura no Brasil, é certo que o País investe pouco e mal em infraestrutura.
Estudos apontam que o Brasil atualmente investe menos de 2% do PIB no setor, apesar de que, apenas para manutenção dos seus ativos, seria necessário investir cerca de 5%. Tal fato ocorre, entre outros fatores, por não haver recursos públicos suficientes para o setor de infraestrutura, necessitando-se de aportes de recursos do setor privado, principalmente de investidores internacionais com grande capacidade.
O País, por meio do aprimoramento do ambiente de negócios, aperfeiçoamento de medidas regulatórias e fortalecimento da segurança jurídica, precisa propiciar aos investidores ambiente propício e seguro para investirem em nosso atrativo portifólio de projetos de concessão de serviços públicos. Para tanto, é imprescindível que os investidores, sobretudo os internacionais, conheçam os marcos regulatórios e os órgãos de controle, como o TCU.
Elísio Freitas – Advogado especialista em TCU e em Regulação; Procurador do DF; Doutorando em Direito Constitucional pelo IDP; Mestre em Economia e em Administração Pública pelo IDP; MBA em Regulação pela FGV; Conselheiro da OAB/DF. Professor em cursos de Pós-Graduação.
Coerente à Estratégia Nacional de Segurança Cibernética (E-Ciber), regida pelo Decreto nº 10.222/2020, a Anatel editou a Resolução Normativa nº 740/2020, que contém o R-Ciber, regulamento que estabelece condutas e procedimentos para promoção da segurança nas redes e serviços de telecomunicações, incluindo a segurança cibernética e a proteção das infraestruturas críticas de telecomunicações.
Alguns dispositivos do R-Ciber aplicam-se a todas as prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, independentemente de seu porte, havendo, todavia, artigos que não alcançam os Prestadores de Pequeno Porte (PPP). São os artigos 6º ao 11º, os quais, resumidamente, definem as seguintes obrigações às prestadoras:
Art. 6º: elaborar, implementar e manter uma Política de Segurança Cibernética;
Art. 7º: utilizar produtos e equipamentos de telecomunicações provenientes de fornecedores que possuam política de segurança cibernética compatíveis com o R-Ciber;
Art. 8º: alterar a configuração padrão de autenticação dos equipamentos fornecidos em regime de comodato aos seus usuários;
Art. 9: notificar a Agência e comunicar as demais prestadoras e aos usuários incidentes relevantes que afetem de maneira substancial a segurança das redes de telecomunicações e dos dados dos usuários;
Art. 10: realizar ciclos de avaliação de vulnerabilidades relacionadas à Segurança Cibernética;
Art. 11: enviar à Anatel informações sobre suas Infraestruturas Críticas de Telecomunicações.
Por meio da recente Consulta Pública nº 63/2021, a Anatel propôs Instrução Normativa visando a ampliar a incidência destes artigos aos PPP e, assim, alcançar empresas que, independentemente de seu porte, detenham infraestruturas críticas de telecomunicações e incrementar o enforcement do Ato Anatel nº 77/2020, o qual define requisitos de segurança cibernética para equipamentos para telecomunicações e que possui recomendações não mandatórias de segurança cibernética.
A ampliação proposta baseia-se na premissa de que as infraestruturas, sistemas e equipamentos utilizados tanto por grandes empresas como pelos PPP são similares e amplamente conectados, já que incidentes cibernéticos ocasionados por quaisquer agentes podem resultar em danos sistêmicos.
A ampliação do alcance do R-Ciber aos PPP ocorrerá, todavia, de forma distinta, a depender dos tipos de infraestrutura que detém e dos mercados em que atuam. Os PPP que possuem infraestruturas críticas, como redes próprias para SMP, de suporte para transporte de tráfego interestadual e cabos submarinos com destino internacional[1] deverão cumprir as exigências dos artigos 6º a 11, igualando-se, portanto, às grandes empresas do setor, detentoras de Poder de Mercado Significativo (PMS).
Já as empresas que, dentre os PPP, são de menor porte, como os típicos ISP[2] que operam localmente e que não possuem infraestruturas críticas, deverão submeter-se apenas ao artigo 8º do R-Ciber, o qual exige a alteração na configuração padrão de autenticação dos equipamentos fornecidos em regime de comodato aos seus usuários, como os modens de acesso à banda larga e as antenas wifi. Por tal exigência, estes pequenos agentes deverão alterar as configurações de fábrica[3] dos equipamentos antes de entregá-los aos usuários, ampliando os códigos e protocolos de segurança neles inseridos. Igualmente, os aparelhos já instalados aos seus clientes também deverão ser atualizados.
Resta claro que esta exigência tem o condão de reduzir inúmeros incidentes cibernéticos com potencial de danos sistêmicos e ao usuário final, sendo este último um alvo constante de invasões por crackers[4]às suas informações e aplicações pessoais e financeiras, resultando em golpes e ampliando a desconfiança quanto à segurança das redes em geral. A própria Anatel bem explica:
“nestes equipamentos é comum que a configuração realizada pelos fabricantes, ou até mesmo pelo instalador, utilize credenciais (usuário e senha) padrão conhecidas ou facilmente identificáveis por atacantes. Pelo domínio ou acesso pelo atacante a estes equipamentos é possível realizar ataques à toda a rede de suporte de serviços, tais como Distributed Denial of Service (DDoS) ou alteração do cache de Domain Name System (DNS), possibilitando o redirecionamento de usuários para sites falsos onde são realizados o phishing de senhas de acesso ou a coleta de informações relevantes dos usuários.”[5]
Contudo, não se pode esquecer de que os PPP de menor porte atendem a franjas do mercado, principalmente em banda larga fixa por fibra ótica, em áreas periféricas de grandes cidades e municípios menores. Sua competitividade é ditada por sua capilaridade e pelos seus menores custos operacionais. Assim, em tese, o aumento das exigências de segurança cibernética aos equipamentos que venha a instalar e àqueles já em operação pode significar um aumento de seus custos, à medida em que será necessário o emprego de adicional de mão de obra e o investimento em sistemas para reduzir vulnerabilidades dos equipamentos que ofertam em comodato.
Tal preocupação, todavia, deve ser ponderada à luz dos benefícios sistêmicos – inclusive econômicos – que estas melhorias de segurança tendem a gerar tanto no médio quanto no longo prazo. A redução de incidentes cibernéticos favorece modelos de competição mais equânimes e com menor margem a free riders, reduz os imprevistos operacionais das próprias empresas e estimula à inovação de produtos e serviços. Favorece também a ampliação da percepção, pelo consumidor, de que produtos e serviços ofertados por estes agentes menores e menos conhecidos podem ter qualidade e segurança compatíveis, ou mesmo superiores, aos grandes agentes do mercado.
Desta forma, a ampliação do R-Ciber aos PPP pode, ao fim, representar uma redução de custos de transação a todos os agentes, à medida que diminuem os incidentes de segurança cibernética, minorando a necessidade de atendimentos e resolução de incidentes causados graças a vulnerabilidades do tipo ‘senhas fracas’, ‘acessos não autorizados’ ou ‘ausência de credenciais’, os quais têm grande potencial de danos econômicos.
Assim, a ampliação regulamentar proposta na Consulta Pública, se corretamente dosada – permitindo-se inclusive um vacatio legis adequado à adaptação destes agentes – é oportuna. Fundamental, neste sentido, que a Anatel aprecie as contribuições trazidas por empresas e associações especializadas, as quais vêm sistematicamente enriquecendo os debates sobre o ambiente concorrencial em mercados de telecomunicações.
Como já vem sustentando a Secretaria de Acompanhamento Econômico, Advocacia da Concorrência e Competividade do Ministério da Economia, são mercados que demandam ações regulatórias efetivas, mas discretas, permitindo o alcance de objetivos importantes sem ampliar desnecessariamente o seu ônus regulatório: a busca deste equilíbrio exige diálogo constante com múltiplos agentes e um olhar multidimensional sobre seus impactos, notadamente à segurança, sem relaxar no necessário estímulo à competitividade.
[1] Como ilustra o seguinte estudo: VICHI, L.P., PINTO, D.J.A., de SÁ, A.L.N. A defesa da infraestrutura de cabos submarinos: por uma interface entre a defesa cibernética e a segurança marítima no Brasil. 2020. In: Revista Escola de Guerra Naval. Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 326-346. maio/agosto. 2020. pp. 333-334.
[2]Internet Services Provider (“ISP”) ou Provedor de Serviços de Internet, é uma empresa que fornece acesso à internet a usuários que a contratam, podendo agregar outras soluções, como hospedagem de sites, armazenamento na nuvem, serviços de telefonia e pacotes de streaming
[3] Como bem o explica o Cyber Security Policy Guidebook, “these out-of-the box digital identities are called “generic IDs” because they do not belong to any one person. Often, generic IDs remain configured with the default password supplied by the technology vendor for the entire lifetime of the product. These Ids are well known to criminal elements and are often used to impersonate technology administrators.” In: BAYUK, J. L, Healey J., Rohmeyer P., Sachs M., Schmidt J. , Weiss J.. 2012. Cyber Security Policy Guidebook (1st. ed.). Wiley Publishing.
[4] Os crackers são indivíduos que praticam a quebra de segurança de softwares de forma ilegal, agindo de forma criminosa.
[5] ANATEL. Informe nº 200/2021/COGE/SCO (Doc. SEI Anatel nº 7040861)
Andrey Vilas Boas de Freitas. É Subsecretário de Advocacia da Concorrência na Secretaria de Acompanhamento Econômico, Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) do Ministério da Economia
Mariana Piccoli Lins Cavalcanti. É Coordenadora-Geral de Inovação, Indústria de Rede e Saúde na Secretaria de Acompanhamento Econômico, Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) do Ministério da Economia
Alessandro Guimarães Pereira. É Coordenador de Inovação e Telecomunicações na Secretaria de Acompanhamento Econômico, Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) do Ministério da Economia
As democracias são sempre frágeis[1], podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder[2] e a sua erosão é, para muitos, quase imperceptível.[3]
A democracia é dinâmica, é diária, é dialética. Exige um esforço hercúleo de autocontrole dos Poderes, demanda harmonia, independência, serenidade, responsabilidade, respeito irrestrito ao desenho institucional de atribuições de competências feito pelo legislador constituinte, reclama bom senso, razão, sabedoria.
A democracia se assemelha a um equilibrista e o seu exercício implora pelo desempenho nos estritos limites da legalidade dos três Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário –. Não permite excessos, abusos de poder, rompantes autocráticos. E, assim como um equilibrista, a democracia precisa caminhar diariamente pela corda bamba, com atenção, com vagar, com habilidade própria. Se assemelha ao tormento de Sísifo e de sua luta incansável para colocar “todo o esforço de um corpo tenso ao erguer a pedra enorme, empurrá-la e ajudá-la a subir uma ladeira cem vezes recomeçada”.[4] A autocontenção é diária porque o poder inebria, consome, embaralha as ideias, corrompe.
Esopo, escritor da Grécia Antiga (620 a.C a 564 a.C) em sua sabedoria nata narrou a fábula sobre “O javali, o cavalo e o caçador” que bem demonstram a sedução e o arrebatamento do “poder” sobre a natureza humana.
Surgira uma séria disputa entre o cavalo e o javali; então, o cavalo foi a um caçador e pediu ajuda para se vingar. O caçador concordou, mas disse: ‘Se deseja derrotar o javali, você deve permitir que eu ponha esta peça de ferro entre as suas mandíbulas, para que possa guiá-lo com estas rédeas, e que coloque esta sela nas suas costas, para que possa me manter firme enquanto seguimos o inimigo”. O cavalo aceitou as condições e o caçador logo o selou e bridou. Assim, com a ajuda do caçador, o cavalo logo venceu o javali, e então disse: ‘Agora, desça e retire essas coisas da minha boca e das minhas costas’. ‘Não tão rápido, amigo’, disse o caçador. ‘Eu o tenho sob minhas rédeas e esporas, e por enquanto prefiro mantê-lo assim’.[5]
O enevoamento provocado pelo poder e pela possibilidade e probabilidade de seu abuso é da natureza humana. Mas, como controlá-lo? Encontrar esses limites não é tarefa fácil. A primeira Constituição brasileira de 1824 previu o Poder Moderador em seu artigo 98[6], entendido como a chave de toda a organização política, delegado ao Imperador, com o objetivo de se alcançar a independência, o equilíbrio e a harmonia dos demais poderes políticos, tendo sido extinto logo após a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889.
A partir desse momento histórico, as Constituições brasileiras passaram a adotar a Teoria da Separação dos Poderes, também conhecida como sistema de freios e contrapesos (checks and balances systems) consagrada por Montesquieu, em sua obra, “O Espírito das Leis”, a partir dos ensinamentos deixados por Aristóteles (Política) e John Locke (Segundo Tratado do Governo Civil). O art. 2º da Constituição Federal de 1988 prevê que “[s]ão poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
O cerne do sistema de freios e contrapesos está em que cada poder seja autônomo e exerça a sua função típica nos limites de suas atribuições constitucionais. Para contrabalancear cada poder, sobretudo, apoiado na ideia de que só o poder controla o poder, a própria Constituição prevê o exercício das funções atípicas por cada um dos Poderes, controlando-se uns aos outros. Essa é a grande chave para o sucesso das democracias. Com a adoção dessa teoria, Montesquieu defendia que seriam evitados governos absolutistas, de modo que a teoria da separação dos poderes é princípio básico de organização da maioria dos Estados democráticos. De igual modo, J.J Gomes Canotilho diz que “[e]stado de direito é a da eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos com a consequente garantia de direitos dos indivíduos perante esses poderes”.[7]
A grande preocupação é, pois, a estabilidade do poder. Se, de um lado, a independência e a harmonia dos Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário)[8] são a chave para o sucesso da democracia, encontrar esse equilíbrio, na prática, apresenta-se como uma tarefa mais árdua do que se possa imaginar.
Levitsky & Ziblatt, ao escreverem o best-seller “Como as democracias morrem” chamam à atenção de como as democracias estão sendo enfraquecidas em dezenas de países – e de modo perfeitamente legal, com a utilização do próprio Direito, do mesmo modo em que ocorreu no nazifascismo alemão praticado sob a égide da República de Weimer de 1919, a primeira Constituição democrática alemã.
Georges Abboud registra que
“[d]urante o regime Nacional-Socialista, o direito produzido democraticamente foi manejado para fins diversos, subordinado aos interesses do partido de Hitler e à sua agenda genocida e autoritária. Ao contrário do que se imagina, o sangue derramado não se deu sob o império cego das leis positivistas. As ferramentas de degeneração agiram de forma escamoteada, tendo, nas decisões judiciais sem limites, o instrumento de consolidação daquele projeto político totalitário.”[9]
Entre a ditadura e a democracia, há uma distância. Entre o Estado de Direito e o Estado de não Direito também há. Em ambos os casos, trata-se de dois pontos de uma mesma reta e o Estado será mais democrático ou mais ditatorial, conforme uma confluência de fatores externos, sobretudo, como os Três Poderes exercem as suas competências e reconhecem seus limites.
Nesse ponto, registre-se que “[o] não direito não é a funcionalização da barbárie. O não direito produz a barbárie sob o signo do direito, mediante corrupção e apodrecimento de suas instituições.”[10] Além disso, “[p]reservar o direito, encará-lo como um produto democrático pelo qual todos temos de zelar, é preservar, sempre, a democracia em si mesma.[11]
O direito precisa ser preservado da degeneração. E a degeneração do direito não significa somente que novas leis – autocráticas – serão publicadas ou que uma nova ditadura virá por decreto como ocorreu na história brasileira em 1964 com o Ato Institucional nº 5. A sutileza está na interpretação e na aplicação das leis tidas como “legais”. É preciso separar o Estado de Direito do Estado de não-Direito e não permitir que não-direitos sejam produzidos sob a maquiagem de um Estado de Direito. Estejamos ainda mais atentos.
[1] LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2018, p. 13.
[4] CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Tradução: Ari Roitman e Paulina Watch. 9. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2017, p. 122.
[5] Esopo (620 a.C. – 564 a.C.), escritor da Grécia Antiga, foi o responsável pela criação e divulgação do gênero literário.
[6]Art. 98, Constituição de 1824. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos.
[7] CANOTILHO, J.J. Gomes. Estado de Direito, p. 3.
[8] Art. 2º, CRFB/1988. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
[9] ABBOUD, Georges. Direito Constitucional Pós-Moderno. São Paulo: Thompson Reuteurs Brasil, 2021, p. 37.
Quando vamos a um restaurante, não perguntamos ao garçom a marca do sal ou do açúcar consumido? No entanto, quando vamos ao supermercado costumamos pagar mais caro pelo sal e açúcar de marcas mais renomadas, como, por exemplo, o sal Cisne ou o açúcar União.
No mesmo sentido, usualmente há uma tendência maior dos consumidores de optarem por abastecer os veículos em um posto de bandeiras renomadas como Shell, Ipiranga ou BR, mesmo que para isso acabam pagando dez, vinte ou trinta centavos mais caro pelo litro de combustível, se comparado com os preços praticados por postos de marca própria (bandeira branca) ou de “marcas” menos conhecidas.
Qual a razão para termos esse comportamento?
Akerlof foi um dos primeiros a estudar e explicar esse comportamento dos consumidores em seu artigo “The Market for Lemons: Quality Uncertainty and the Market Mechanism“[1], denominando-o de “seleção adversa”.
Resumidamente, segundo o autor, a seleção adversa ocorre em mercados onde existe grande “assimetria informacional” entre ofertantes e demandantes quanto à qualidade do bem comercializado e adquirido. Essa assimetria informacional é usualmente verificada em bens homogêneos e de experimentação, como são o açúcar, o sal, a gasolina, o etanol e o diesel, exatamente porque a qualidade desses bens somente é verificada após a sua aquisição e o seu consumo.
Note-se que em bens homogêneos, suas características físico-químicas tendem a ser as mesmas ou muito similares, a não ser que haja uma “desonestidade” por parte do ofertante, conforme destaca Akerlof, e que pode ser refletida, por exemplo, a partir da “adulteração” de suas características físico-químicas regulares.
Uma das soluções trazidas pelo autor para esse problema de ofertantes “desonestos” seria o investimento na reputação da marca do bem (“brand-name good“[2]), pelos seus ofertantes “honestos”.
Por esta razão, o açúcar União, o sal Cisne e as distribuidoras BR, Ipiranga e Raízen / Shell investem montanhas de dinheiro na divulgação de suas marcas e sempre visando chamar a atenção dos consumidores para a “qualidade” de seus produtos.
No entanto, deve-se aqui indagar se realmente essas marcas ofertam produtos de melhor qualidade ou se sua reputação é apenas fruto de seu maior poder econômico para investir em propaganda “reputacional”?
No caso específico dos combustíveis, é um fato que praticamente desde a abertura do mercado brasileiro a distribuidoras e postos bandeira própria (ou bandeira branca), verificou-se uma forte tendência de os consumidores enxergarem esses postos com certa suspeita e optarem por adquirir combustíveis em postos de marcas mais bem estabelecidas reputacionalmente, como BR, Ipiranga ou Shell.
Segundo dados divulgados pela ANP no “Diagnóstico da Concorrência na Distribuição e Revenda de Combustíveis, 2ª Edição, 2020”[3], percebemos, contudo, uma certa tendência de alteração desse hábito dos consumidores brasileiros.
Nesse contexto, vale citar, por exemplo, que segundo a ANP a participação conjunta das três principais distribuidoras do país (BR, Ipiranga e Raízen/Shell) na comercialização de gasolina C no mercado brasileiro, em 2014, correspondia a aproximadamente 68,67 da oferta total; já, em 2019, essa participação conjunta estaria em torno de 63,25%[4]. Ou seja, durante esse período, houve uma migração no consumo de combustíveis para redes de distribuidoras menores ou para postos bandeira própria superior a 5 pontos percentuais.
Este mesmo fenômeno também foi constatado no caso do etanol hidratado, onde a participação conjunta das três principais distribuidoras do país passou de 58,4%, em 2014, para 53,52%[5]; e, ainda, do óleo diesel, onde esta participação conjunta passou de 78,81%, em 2014, para 71,03%, em 2019[6].
Esta migração de demanda de combustíveis ofertados pelos postos bandeirados para aqueles de bandeira própria (ou de marcas menos conhecidas) pode ser explicada por duas razões principais cumulativas e que não possuem qualquer relação com a melhoria na qualidade dos combustíveis ofertados por esses últimos.
A primeira delas decorre da recessão econômica iniciada a partir de 2014 e que apenas se agravou com a Pandemia da COVID-19. Com efeito, esta recessão acarretou uma considerável perda de renda para a maioria da população brasileira, obrigando uma revisão considerável de seus gastos e consequentemente de suas preferências de consumo. Nesse contexto, parte dos consumidores passou a “experimentar” produtos mais baratos e que antes dessa recessão não se encontravam dentre aqueles de sua primeira opção. Os combustíveis ofertados por postos de bandeira própria ou de marcas menos conhecidas se enquadram nesse conceito de “produto mais barato”.
A segunda explicação, que se encontra diretamente relacionada à primeira, resume-se exatamente à elevação no nível de “experimentação” dos combustíveis ofertados por postos de bandeira própria ou bandeira de menor reputação. A partir dessa maior experimentação, os consumidores passaram a perceber que referidos postos, em sua maioria, comercializam combustíveis de qualidade igual àquela dos postos das principais bandeiras, porém com preços mais baixos. Ou seja, o mito de que haveria diferenciação na qualidade caiu ou passou a ser mitigado entre esses consumidores.
De fato, a grande maioria dos consumidores desconhece que a Resolução ANP nº 807/20[7] classifica os diferentes tipos de combustíveis líquidos ofertados no país como: “comuns”, “aditivados” e “premium” e que os diferencia segundo o nível mínimo de octanagem ou a inclusão de aditivo em sua mistura[8].
Segundo esta resolução, a gasolina “comum” se diferencia daquela “premium“, em razão, principalmente, do nível mínimo de octanagem (“IAD” – Índice Antidetonante): comum 87; e premium 91[9]. Já, o que diferencia a gasolina “aditivada” da “comum” seria apenas a inclusão na primeira de um “aditivo”, cujo função seria auxiliar a limpeza do motor e de seus componentes, com o objetivo de garantir uma melhor eficiência funcional[10].
Assim, seguindo a lógica da regulação atualmente em vigor, não haveria distinção entre a gasolina comum comercializada por distribuidoras bandeiradas ou sem bandeira, de grande ou pequeno porte.
Nesse mercado, há ainda comentários no sentido de os combustíveis (gasolina A e diesel A), produzidos pelas refinarias da Petrobras e conhecidos como “combustíveis de bombeio”, serem de melhor qualidade do que aqueles produzidos por outras refinarias, petroquímicas ou importados.
Esta diferenciação de qualidade não se encontra especificada nas normas editadas pela ANP, razão pela qual não haveria razão para acreditar que esses comentários teriam algum fundo de verdade.
No entanto, se for tecnicamente confirmado que os combustíveis produzidos e ofertados pelas refinarias da Petrobras são de melhor qualidade, é indispensável que a ANP reveja imediatamente a sua regulação que trata da qualidade dos combustíveis para que esta diferenciação esteja corretamente contemplada, além de divulgar amplamente essa diferenciação a todos os atores desse mercado (distribuidoras, revendedores e consumidores).
Também é fundamental que seja alterada a regulamentação da ANP sobre as informações da origem dos combustíveis comercializados pelos postos, com o objetivo de constar nas bombas e placas, não mais o nome da distribuidora que forneceu o combustível, mas, sim, o nome do produtor ou do importador que vendeu a gasolina A ou o diesel A, utilizado pela distribuidora na mistura que gerou a gasolina C ou o diesel B comercializado aos consumidores finais pelo posto revendedor. Ressalte-se, nesse sentido, que no caso da gasolina C e do diesel B comuns, a função principal da distribuidora é a realização da mistura de gasolina A com o etanol anidro; e do diesel A com o biodiesel. No caso do etanol hidratado, a distribuidora sequer exerce essa atividade, sendo mera intermediária entre produtor e posto revendedor.
Outra informação relevante que merece ser destacada nesse artigo e amplamente divulgada aos consumidores, refere-se ao fato de as três principais distribuidoras do país também serem as principais ofertantes de gasolina, diesel e etanol comum para postos bandeira própria (bandeira branca), os quais muitas vezes adquirem esses combustíveis junto a essas distribuidoras por preços mais baixos do que aqueles pagos pelos postos que ostentam suas marcas, conforme dados disponibilizados pela ANP até junho de 2020.
A principal razão para as três principais distribuidoras bandeiradas do país serem as principais fornecedoras dos postos bandeira própria (ou bandeira branca) está na ausência de uma concorrência efetiva no elo da distribuição, na maioria dos estados da Federação.
Esta ausência de concorrência tem relação direta com o fato de as três principais distribuidoras bandeiradas do país controlarem e compartilharem entre si a maioria das bases primárias e secundárias de distribuição instaladas; e, ainda, em decorrência da política de cotas de fornecimento de gasolina A e diesel A, definida pela Petrobras e baseada nas vendas pretéritas de cada distribuidora. A partir dessa política, a Petrobras aloca cotas máximas a cada distribuidora, definindo multas elevadas caso a distribuidora não cumpra com o volume de combustível solicitado, seja demandando volumes inferiores ou superiores àqueles previamente solicitados e definidos na cota determinada. Este modelo de cotas acaba gerando desincentivos para distribuidoras menores elevarem sua oferta de combustíveis no mercado doméstico e, consequentemente, reduzirem drasticamente seus preços para ganhar mercado. Afinal, quase 50% dos postos instalados no país estão sob contratos de embandeiramento e nos 50% há forte concorrência das principais distribuidoras bandeiradas, conforme explicamos a seguir.
Em relação à cobrança de preços mais baixos a postos bandeira própria (bandeira branca), do que aos postos contratualmente vinculados às principais distribuidoras bandeiradas do país, a justificativa econômica está exatamente nesses contratos e em seu efeito prático de monopólio sobre a oferta e demanda de combustível junto a esses postos.
Ou seja, ao celebrar um contrato de “embandeiramento” com uma distribuidora, o revendedor se compromete também a comercializar apenas combustíveis fornecidos por essa distribuidora. Assim, como a maioria desses contratos não traz um preço definido ou definível e essas distribuidoras bandeiradas não têm qualquer obrigação legal ou infralegal de divulgar sua política de preços e descontos – diferentemente do que ocorre com a Petrobras e os postos revendedores –, acabam detendo o monopólio sobre esses postos e o direito de cobrarem destes os preços que bem entenderem.
Já, no caso dos postos bandeira própria (bandeira branca), esse vínculo contratual inexiste. Isso significa que, em relação a esses postos, as distribuidoras bandeiradas concorrem entre si – e com outras distribuidoras bandeiradas ou não de menor porte, quando presentes no mercado local / regional – pelo fornecimento de combustíveis, sendo, portanto, obrigadas a cobrar preços mais baixos para tê-los como clientes.
Reitera-se que o combustível comum ofertado pelas distribuidoras, bandeiradas ou não, de grande ou pequeno porte, aos postos revendedores, bandeirados ou não, é o mesmo segundo a Resolução ANP nº 807/20. Assim, não haveria razão, do ponto de vista das características físico-químicas e de qualidade para as distribuidoras bandeiradas cobrarem cinco, dez, quinze ou vinte centavos mais caro pelo litro de combustível adquirido por um posto bandeirado, só porque este ostenta a sua marca. O mesmo vale em relação aos consumidores quando optam por abastecer em postos bandeirados.
Esta conclusão não é, contudo, válida para o caso dos combustíveis “aditivados” e “premium”, os quais possuem uma certa tecnologia desenvolvida ou adquirida pelas distribuidoras que os “produzem” ou comercializam. Tanto isso é verdade que, nos Estados Unidos da América, a exclusividade de fornecimento de combustíveis somente é aplicada para os combustíveis “premium” e “aditivados”, sendo aqueles “comuns” considerados como verdadeira commodity, podendo o proprietário do posto, bandeirado ou não, adquiri-lo de qualquer refinaria – ou distribuidora –, independentemente da marca que ostenta[11]. Este poderia ser um bom exemplo a ser seguido pela ANP, em sua regulamentação, com o objetivo de baratear os preços dos combustíveis no país e incentivar o desenvolvimento, por refinarias, petroquímicas e distribuidoras, de combustíveis “premium” ou “aditivados” cuja qualidade tenderá a ser superior àquelas da gasolina e do diesel comuns, dependendo das características do veículo e recomendações de seu fabricante.
[1] Disponível em <http://wwwdata.unibg.it/dati/corsi/8906/37702-Akerlof%20-%20Market%20for%20lemmons.pdf>. Acessado em 25.05.21. Observe que o termo “lemons” utilizado por Akerlof em seu artigo refere-se a carros usados com problemas, que no vernáculo seria traduzido como um “abacaxi”.
[2] O autor ainda cita como possíveis soluções para este problema da “desonestidade”: (i) a concessão de “garantias” pelo fornecedor do produto; (ii) estruturas de “redes” / “licenciamentos” (genericamente conhecidas como franquias); e, ainda, (iii) organizações certificadoras. Op. cit. p. 13 e 14.
[3] Disponível em <https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/livros-e-revistas/arquivos/diagnostico-sdc-2020.pdf>. Acessado em 25.05.21.
[4] Observa-se que a participação da Distribuidora Alesat, quarta colocada, também sofreu uma queda no período, passando de 5,76%, em 2014, para 4,20%, em 2019, o que reforça o argumento apresentado acima. Op. cit. p. 46,
[7] Disponível em <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-807-de-23-de-janeiro-de-2020-239635261>. Acessado em 25.05.21.
[8] Sobre a diferença de qualidade entre gasolina comum, aditivada e premium, recomendo a leitura desse artigo: https://www.economist.com/babbage/2012/09/17/difference-engine-who-needs-premium?utm_medium=cpc.adword.pd&utm_source=google&utm_campaign=a.22brand_pmax&utm_content=conversion.direct-response.anonymous&gclid=CjwKCAjwtcCVBhA0EiwAT1fY70y9TWGs9xMJLmQni8ocRHaSq8k6oWVPDLXvHAslDbzN2MLTOv98tBoCAncQAvD_BwE&gclsrc=aw.ds
[9] Vide ainda informações prestadas pela Petrobras em: <https://petrobras.com.br/fatos-e-dados/entenda-10-questoes-sobre-a-nossa-gasolina.htm>. Disponível em 25.05.21.
[10] Sobre aditivo, vide, por exemplo, explicação resumida constante no “Blog Bardhal”, disponível em <https://blog.bardahl.com.br/entenda-a-diferenca-entre-o-aditivo-vendido-em-frasco-e-a-gasolina-aditivada/>. Acessado em 25.05.21.
[11] Vide, por exemplo: <https://kendrickoil.com/the-differences-between-branded-vs-unbranded-fuel/>. Acessado em 25.05.21.
[*] Rodrigo Zingales Oller do Nascimento, advogado, mestre em economia e atualmente colunista de WebAdvocacy. O presente artigo reflete exclusivamente os pensamentos e opinião do autor.
A presença dos advogados nos julgamentos dos processos administrativos pelo Plenário do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já chegou a passar por algumas controvérsias. Vale lembrar, para início expositivo, o que Paulo Lobo diz a respeito da função do advogado: “sem embargo da natureza não estatal de sua atividade, imprescindível para assegurar-lhe a independência diante do próprio Estado, o Estatuto[1] equipara-a a serviço público, em suas finalidades. Assim é porque a atividade de advocacia participa da administração pública de justiça. No Estado Moderno é comum que pessoas e entes privados executem funções e serviços públicos”[2]. Cumpre invocar aqui o art. 133 da Constituição: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Uma lei recente acaba de abrir maiores possibilidades para a atuação dos advogados em processos administrativos – incluindo aqueles do Plenário do Cade – em seus julgamentos. Com efeito, estabelece o § 2º do art. 2º do EA que “no processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”. É consolidada a ideia de que o múnus público do advogado, previsto em lei, serve para a realização da Justiça, de tal sorte que, sem a presença do advogado, não há a realização da Justiça. Não passa despercebida a menção específica, no artigo acima, ao processo judicial; mas o que vem adiante faz acréscimo substancial.
A recente Lei 14.365/2022 – que enfrenta, no momento da escrita deste artigo, a possibilidade de revogação, pelo Congresso Nacional, de vetos de artigos que nada têm a ver com a matéria aqui tratada – acrescentou ao art. 2º do EA o § 2º-A: “No processo administrativo, o advogado contribui com a postulação de decisão favorável ao seu constituinte, e seus atos constituem múnus público”. Fica claro, desde logo, que a participação do advogado no processo administrativo é uma contribuição ao próprio processo – e ao sistema, obviamente – e não apenas um exercício de defesa (que também é). Vê-se assim que ao processo judicial foi acrescido o processo administrativo.
Também pela nova lei, a redação do inciso X do art. 7º do EA (Caput: “São direitos do advogado”) passa a ser a seguinte: “usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão”.Isto é importante porque, de acordo com José Henrique M. Araújo e Rodrigo Nery, “a sustentação oral acaba sendo o único momento em que, de fato, a parte, por meio do seu advogado, tem o direito de ser `ouvida´, no sentido literal da palavra”[3]
Vale examinar o que esse dispositivo traz de novidade: (i) inclui expressamente o processo administrativo quando antes (no parágrafo anterior) falava apenas “em qualquer juízo ou tribunal”; (ii) agora existe a especificação, além do processo administrativo (que já seria suficiente), a “órgão de deliberação coletiva da administração pública”, em que certamente está encaixado o Cade, aplicando-se ao seu processo administrativo.
Ficam também enriquecidos o art. 123 e seu § 1º do Regimento Interno do Cade (Ricade): “A tribuna será ocupada para formular requerimento, produzir sustentação oral ou para responder às perguntas que forem feitas pelos membros do Plenário do Tribunal”; “aos advogados e ao representante legal da empresa é facultado requerer que conste de ata suas presenças na sessão de julgamento, podendo prestar esclarecimentos em matéria de fato, quando assim o Plenário do Tribunal entender necessário”.
O que muda substancialmente é que agora os questionamentos e esclarecimentos em audiência passam a ser um direito do advogado e não mais dependem de que o Plenário do Tribunal entenda que tais questionamentos e esclarecimentos sejam necessários. Vale lembrar que o Plenário do Tribunal do Cade tem costumeiramente sido favorável a tais questionamentos e esclarecimentos, sempre que tratam de questões de fato. Mas agora há a especificação a “equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão” (tudo isso além da óbvia sustentação oral).
Esta mudança caracteriza a aplicação do princípio da lealdade processual. Explicam Cândido Rangel Dinamarco, Gustavo Badaró e Bruno Lopes que “as regras que impõem esses deveres de moralidade e probidade a todos aqueles que participam do processo (partes, juízes e auxiliares da Justiça, advogados e membros do Ministério Público) compõem o que se denomina princípio da lealdade processual”[4].
Mais ainda, existindo previsão legal, aplica-se aqui o devido processo legal, sobre o qual diz Maria Elizabeth Queijo: “A observância das garantias do devido processo legal, em qualquer processo, seja de que natureza for, é condição de legitimação da decisão proferida”[5]. Daí se pode concluir também que esses novos direitos dos advogados no processo administrativo do Cade constituem parte integrante do devido processo legal. Não é possível terminar este artigo sem expressar que todos esses direitos dos advogados contribuem para o processo, o bom direito e as boas decisões, seja pelo Poer Judiciário, seja pelo Cade.
Mauro Grinberg é ex-Conselheiro do Cade, Procurador da Fazenda Nacional aposentado, advogado especializado em Direito Concorrencial, sócio e fundador de Grinberg Cordov
[1] O Estatuto a que o autor se refere é o a Lei 8.906/1994, conhecida como Estatuto da Advocacia (EA)
[2] “Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB”, Saraiva, São Paulo, 2016, pág. 44 sus
[3] “Novas Possibilidades de Sustentação Oral: Avanços e Omissões da Lei 14.365”, Consultor Jurídico, 10.06.2022
[4] “Teoria Geral do Processo”, Juspodim/Malheiros, São Paulo, 2021, pág. 121
[5] “Defesa Técnica no Processo Administrativo Sancionador”, em “Direito Administrativo Sancionador”, org. Luiz Maurício Souza Blazeck e Laerte Marzagão Jr, Quartier Latin, São Paulo, 2015, pág. 270
O comércio internacional sempre foi muito importante para o desenvolvimento e enriquecimento das nações, ainda mais após a Segunda Guerra mundial.
Muitos países com forte corrente de comércio e com uma política comercial mais madura já possuíam legislações nacionais que tratavam de questões de concorrência predatória ou desleal nas importações e com isso já utilizavam diversos instrumentos para combater tais práticas, há mais de 100 anos. Esses instrumentos já tinham por objetivo principal equalizar concorrência justa no comércio entre os parceiros.
As experiências canadenses, norte-americanas e de outros países, sobre regras do sistema de acordos comerciais entre nações, nortearam o esboço do Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio – conhecido como GATT, que, desde 1947, vem tendo uma função crucial para a manutenção do livre comércio e foi fundamental para a criação da Organização Mundial do Comércio.
A Organização Mundial do Comércio é uma organização criada com o objetivo de supervisionar e liberalizar o comércio internacional. A OMC surgiu oficialmente em 1o de janeiro de 1995, com o Acordo de Marraquexe, em substituição ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio, que começara em 1947.
O Brasil participou das negociações da fracassada Carta de Havana (OIC) em 1947, mas é importante destacar que é também membro fundador do GATT (1948).
Somente em 1987, o Brasil publicou o Decreto nº 93.941, de 16 de janeiro de 1987, promulgando o Acordo Relativo à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), reconhecendo a necessidade de implementar um dos instrumentos de políticas comerciais já utilizados por membros da organização, devido a maior abertura comercial naquela época, a extinção de regulamentação nacional de outros instrumentos condenados pela OMC e sua maior inserção ao comercio internacional.
Com a criação do Departamento de Defesa Comercial no Ministério da Indústria e a publicação do novo código nacional antidumping através do Decreto nº 1.602, de 23 de agosto de 1995, foram regulamentadas as normas para disciplinar os procedimentos administrativos, relativos à aplicação de medidas antidumping, bem como a Lei nº 9.019, de 30 de março de 1995, que dispôs sobre a aplicação dos direitos previstos no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios.
A Lei nº 9.019, em seu Artigo 1º, parágrafo único, veio atender reivindicação da indústria nacional para que os direitos antidumping e os direitos compensatórios fossem cobrados independentemente de quaisquer obrigações de natureza tributária relativas à importação dos produtos afetados.
Observam-se ciclos de altas e baixas pela utilização das medidas antidumping. Os ciclos de aumento da utilização ocorrem normalmente em tempos de crise. Países europeus e os EUA, buscando manter o nível de emprego e renda diante da forte concorrência predatória, principalmente por parte dos países asiáticos, impõem barreiras, muitas vezes não tarifárias, proibidas pela própria OMC. Nesse momento de desequilíbrio entre a oferta e demanda, há uma corrida para países periféricos, como Brasil. Assim, há um aumento natural da utilização de instrumentos que eliminem as distorções dos preços predatórios.
A abrangência dos instrumentos de defesa comercial é tão específica aos produtos objetos das investigações, que não há nenhum estudo que demonstre que o aumento da utilização desses instrumentos influenciou na queda das importações brasileiras, pelo contrário, as importações brasileiras vêm crescendo ao longo dos anos e quando houve quedas foram influenciadas pela queda do PIB e não por imposição de medidas de defesas comerciais. O quadro e gráfico a seguir apresentam as importações brasileiras de 1997 a 2021:
Conforme já mencionado acima, os anos de queda das importações brasileiras estão diretamente ligadas aos períodos de PIB negativo brasileiro. Em 2009, em consequência da quebra do Lehman Brothers. Em 2015 e 2016, consequência da queda do PIB brasileiro em função de decisões governamentais e, por fim em 2020, decorrência da pandemia.
O Brasil, diferentemente de muitos países membros da OMC, tem se mostrado mais conservador na utilização dos instrumentos de defesa comercial, por aplicar direitos inferiores ao montante de dumping.
Além disso, em todas as investigações antidumping originais, há abertura de avaliação de interesse público. Importante ressaltar que este instrumento é adotado por poucos países e em situações bem específicas, como observado em investigações realizadas no Canadá, Austrália, UE e Índia.
Tal prática tem gerado muita insegurança para todo o ambiente de investimentos nacionais e estrangeiros no país. No Brasil, além da redução do direito antidumping a ser aplicado, também existem diversos casos nos quais foi recomendada a suspensão, por um ano, renovável por mais um ano, da cobrança do direito. Em outros países que realizam a análise de interesse público, em pouquíssimos casos houve apenas redução do direito.
Ao longo dos últimos anos é observada uma enorme celeuma, quando se debatem os instrumentos de defesa comercial. É fundamental destacar que medidas antidumping e compensatórias não constituem barreiras às importações e nem proteção à indústria doméstica. A utilização de medidas de defesa comercial de maneira justa, equilibrada e de acordo com as regras da OMC é legítima e fundamental para a correção de distorções indevidas decorrentes de práticas desleais de comércio.
A aplicação de uma medida traz diversos efeitos positivos para a indústria doméstica e, também, sobre o mercado como um todo. A medida permite que o dano que vem sofrendo a indústria doméstica em decorrência da concorrência desleal seja equalizado, garantindo que a indústria doméstica possa comercializar seus produtos de forma competitiva e justa, permitindo o devido retorno de seus investimentos e, como consequência, a manutenção de seus contínuos investimentos em tecnologia, inovação e competitividade.
Em nenhum fórum de debate é avaliado o impacto ao emprego, ao salário e a renda no país. Convém destacar a importância dos instrumentos de defesa comercial para proteção de milhares de empregos no Brasil, na geração de aumento de salários, renda, geração de bem-estar social e econômico para toda população. A indústria é responsável por gerar milhões de empregos com carteira assinada e com melhores salários, quando comparados aos demais setores da economia, basta observar o quadro abaixo:
Fonte: CNI
Além das questões de emprego e de renda, fatores considerados importantíssimos em outros países, outro ponto importante que precisa ser levando em consideração é a representatividade dos produtos sujeitos às medidas de defesa comercial frente ao total importado pelo país aplicador. Somente assim pode-se entender as verdadeiras razões que motivam os maiores países utilizadores desse instrumento no comércio internacional.
O consumidor precisa compreender que comprar um produto mais barato num primeiro momento, parece ser vantajoso. Porém, se o preço não for de mercado, apenas um preço artificialmente baixo para quebrar a concorrência, em um segundo momento trará prejuízos irremediáveis à indústria nacional, com fechamentos de fábricas, desemprego, redução da renda dos brasileiros e menos impostos arrecadados, podendo acarretar em diminuição da capacidade dos governos em investir em educação, saúde e segurança pública. A indústria participa com mais de 32% do total da arrecadação dos impostos no país.
Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria, divulgados em 18 de março de 2022[1], em 2021, a indústria respondeu por 22,2% do PIB e por 71,8% das exportações brasileiras de bens e serviços. Os dados mais recentes disponíveis indicam também que o setor industrial representa 68,6% do investimento empresarial em pesquisa e desenvolvimento e 32,9% da arrecadação de tributos federais (exceto receitas previdenciárias).”
Fonte: CNI
Maior reflexão sobre a importância da defesa comercial, sua legislação e a valorização dos órgãos responsáveis por sua análise deve ser feita por toda sociedade, para que não sejam cometidos erros que possam prejudicar a indústria, e consequentemente, o futuro da nação.
O debate sobre os instrumentos de defesa comercial não deve ocorrer de forma alijada da sociedade, pois o tema não afeta apenas a indústria, o maior impacto é sentido na sociedade como um todo, pois seu efeito direto e mais importante é na geração de emprego e renda, resultando no bem-estar da população.
Josefina Guedes
Diretora da GBI Consultoria Internacional, Diretora da Associação de Comércio Exterior do Brasil – AEB e Membro do Conselho de Relações Internacionais da Firjan
José Ricardo Machado Bernardo
Diretor da GBI Consultoria, membro da Câmara de Comércio da Florida- BACCF – Miami desde 2004, Membro da Associação de Comércio Exterior do Brasil – AEB.
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