Artigos de opinião

Nós, que aqui estamos, por vós esperamos. As premissas da teoria do direito como parâmetros de controle para introdução da teoria econômica no campo jurídico

Angelo Prata de Carvalho

A teoria do direito passou por diversas transformações e controvérsias no sentido de superar a utopia de objetividade proposta pelo positivismo do século XIX – formulada com o objetivo assegurar a independência do ordenamento jurídico das razões ético-valorativas que orientavam visões jusnaturalistas –, inclusive com vistas a mitigar o entendimento segundo o qual o direito deveria ser estudado segundo aquilo que ele realmente é, ou seja, sem que se fizesse permanente referência a um direito ideal[1]. Em outras palavras, a ideia de racionalidade que se atribuiu ao direito na atualidade em muito se afasta da objetividade cientificista pretendida, por exemplo, pela Escola da Exegese francesa e pela Pandectística alemã, que tiveram finalidades relevantes para a afirmação do pensamento jurídico em suas épocas e locais, porém vão radicalmente de encontro ao paradigma pós-positivista que governa a interpretação e a aplicação do direito na atualidade[2].

Em outras palavras, tanto não faria sentido atribuir ao direito um ideal de racionalidade descolado do contexto histórico em cultural do ordenamento em questão, quanto seria postura demasiadamente ingênua a que defendesse que o direito pudesse libertar-se da linguagem e dos mecanismos de interpretação em prol de uma objetividade aritmética ou mesmo de um raciocínio puramente consequencialista que desconsiderasse os bens tutelados pelas normas jurídicas. Pelo contrário, a dogmática jurídica é ideológica e historicamente localizada justamente em virtude da necessidade de manutenção de seu potencial persuasivo, tendo em vista que não faria sentido sustentar um direito descolado do ambiente social e cultural que o reproduz[3].

            Não é sem motivo que mesmo o positivismo normativista kelseniano, notadamente a partir da publicação da edição de 1960 da Teoria Pura do Direito, não deixa de levar em consideração o fato de que a interpretação e a aplicação do direito não constituem atos de conhecimento decorrentes da aplicação de método científico a um corpo de normas, mas sim atos de vontade consistentes na escolha fundamentada de uma conclusão dentre as várias possíveis sob a égide de determinado ordenamento[4]. Em outras palavras, mesmo os esforços de construção de estatuto de ciência ao direito não ignoram que, na prática – ou naquilo que Kelsen chamou de “política do direito” –, o direito é necessariamente marcado por elementos valorativos.

            Significa dizer que a busca por ideais de objetividade que são próprios das ciências exatas desafia a própria tentativa de descrição do estatuto epistemológico do direito, considerando que o pós-positivismo procurou justamente estruturar um conjunto de técnicas de interpretação e aplicação do direito que, conscientes da textura aberta[5] das normas jurídicas, oferecessem não um caminho para superar subjetividades e ideologias, mas sim soluções que adequadamente refletissem os acordos constitutivos da sociedade que originou determinado sistema de normas[6].

            Em outras palavras, o giro linguístico representa a superação, pelo próprio positivismo, do apego típico do modernismo do século XVII (isto é, em sentido cartesiano, representante por antonomásia do pensamento do pós-medievo) a tentativas de demonstração matemático-empírica de fenômenos associados à conduta humana. Não é sem motivo que Deirdre McCloskey assevera que a metodologia oficial da ciência econômica é este “Modernismo” (ou, ainda “positivismo”, apesar do esforço da autora em separar a postura dos economistas do positivismo que é próprio das ciências sociais, que, não obstante, tende a ser apontado justamente como ideal metodológico), no qual qualquer outro elemento distinto de hipóteses falsificáveis em sentido popperiano deve ser descartado, tendo em vista que a ciência, a partir dessa concepção, apresenta-se como axiomática e matemática, separando seu campo do reino das formas, valores, beleza, bondade e qualquer outro elemento que não possa ser medido[7].

            Tal comentário faz referência direta à parêmia de gustibus non est disputandum, título de artigo de George Stigler e Gary Becker que vem a tornar-se verdadeiro bordão da análise econômica do direito, destinado a neutralizar a análise econômica de quaisquer aspectos que digam respeito às individualidades dos agentes que compõem os mercados e à formação dessas individualidades, imputando aos sujeitos parâmetros de racionalidade abstrata que se descolam da realidade concreta não por ignorarem que há uma realidade subjacente à ação individual, mas por deliberadamente ignorarem aspectos essenciais dessa realidade em prol de uma empiria estatística[8] que, no afã de simplificar o mundo para explicá-lo, elege como instrumentos analíticos aqueles com suposto caráter de “cientificidade” – isto é, aqueles que são capazes de ser aferidos objetiva e matematicamente.

            É por essa razão que Pierre Bourdieu, ao tratar das teorias da escolha racional (com expressa referência à obra de Becker e Stigler), assevera que
“Esta filosofia atomista e mecanicista exclui puramente e simplesmente a história. Ela exclui, primeiramente, agentes cujas preferências, que não devem nada às experiências passadas, são inacessíveis às flutuações da história, a função de utilidade individual sendo decretada imutável ou, pior, sem pertinência analítica”[9].

                   Evidentemente que as reflexões a respeito da introdução de critérios da análise econômica no raciocínio jurídico não ficam infensas a esse tipo de crítica direcionada às abordagens de inspiração neoclássica, de tal maneira que em larga medida também se pretende trazer para o campo jurídico abordagens que procuram superar (ou ao menos mitigar) alguns dos dogmas da economia neoclássica, como é o caso da economia institucional – que, justamente, admite que as regras do jogo a serem observadas pelos atores econômicos podem advir das mais diversas fontes, o que inclui normas culturais e constrangimentos oriundos do contexto histórico-social em que se inserem os agentes. No entanto, não se pode deixar de notar que mesmo os conceitos que compõem a economia institucional podem se instrumentalizados no intuito de perpetuar a lógica neoclássica, substituindo-se a maximização de utilidade[10] por objetivos como a redução de custos de transação (que muitas vezes acaba por tornar-se verdadeiro sucedâneo daquilo que significa a eficiência alocativa para a economia neoclássica) [11].

                   O que se verifica, por conseguinte, é que, por mais que o direito contemporâneo tenha sido desenvolvido sobre sólidas bases metodológicas que resultaram da superação dos dogmas positivistas pelos pressupostos que marcam o chamado pós-positivismo – notadamente o giro linguístico e a assunção da postura hermenêutica segundo a qual o discurso jurídico é diretamente condicionado pela textura aberta da linguagem, de maneira a lançar à terra pretensões irreais de neutralidade ou absoluta objetividade –, o movimento de introdução de argumentos econômicos no discurso jurídico aponta para verdadeiro retrocesso no processo de amadurecimento da metodologia que é própria à ciência jurídica.

                   Isso porque o discurso da teoria econômica neoclássica tende justamente a eleger um método específico, baseado em presunções irreais de racionalidade, como resposta para problemas jurídicos que não conseguem ser resolvidos senão com uma abordagem abrangente, que leve em consideração tanto a textura aberta da linguagem quanto elementos sociais, políticos e culturais que invariavelmente moldam a normatividade que é própria do discurso jurídico. Curiosamente, a incerteza que advém das metodologias jurídicas – notadamente a hermenêutica jurídica – é justamente um dos pontos de crítica das abordagens que pretendem importar metodologias do campo econômico.


[1] Ver: BOBBIO, Norberto. O positivo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 136.

[2] É o que ensina, por exemplo, Miguel Reale: “Cada época, em verdade, fixa as normas e os limites de sua exegese do Direito, em função dos valores culturais dominantes, tendo representado grande avanço a compreensão de que a interpretação jurídica não constitui senão uma das formas constantes e fundamentais da Teoria Geral da Interpretação, ao lado da exegese filosófica, artística, histórica, etc. […] Posta a questão nesse contexto, preciso é convir que as Escolas da Exegese e dos Pandectistas corresponderam aos ideais de seu tempo. A atitude que, aos olhos atormentados do jurisconsulto ou do politicólogo de nossos dias parece ser passiva perante a lei, era antes a única posição correspondente aos anseios e aspirações da civilização individualista. Foi somente quando esta entrou em crise, em virtude de ter-se revelado” (REALE, Miguel. Para uma hermenêutica jurídica estrutural. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. v. 72, n. 1, pp. 81-91, 1977. p. 81.

[3] Ver: ROESLER, Claudia. Entre o paroxismo de razões e a razão nenhuma: paradoxos de uma prática jurídica. Quaestio juris. v. 8, n. 4, pp. 1-15, 2015.

[4] Nesse sentido: “A interpretação jurídico-científica tem de evitar, com o máximo de cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação ‘correta’. Isto é uma ficção de que se serve a jurisprudência tradicional para consolidar o ideal da segurança jurídica. Em vista da plurissignificação da maioria das normas jurídicas, este ideal somente é realizável aproximativamente” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 251).

[5] Nesse sentido: HART, H.L.A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.

[6] Ver: CARVALHO NETTO, Menelick; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito. Belo Horizonte: Fórum, 2020.

[7] MCCLOSKEY, Deirdre N. The rhetoric of Economics. 2.ed. Madison: The University of Wisconsin Press, 1998. p. 142.

[8] Para abordagem crítica da empiria estatística comumente adotada pela economia neoclássica, notadamente a respeito do conceito de significância, ver: ZILIAK, Stephen C.;MCCLOSKEY, Deirdre N. The cult of statistical significance: How the standard error costs us jobs, justice, and lives. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2011.

[9] BOURDIEU, Pierre. O campo econômico. Política e Sociedade. n. 6, pp. 15-57, abr. 2006. pp. 52-53.

[10] Ver: SKIDELSKY, Robert. What’s wrong with economics. New Haven: Yale University Press, 2021. pp. 115-118.

[11] Nesse sentido, para análise empírica sobre o uso das ideias de Coase no contexto do Judiciário norte-americano, ver: WHITE, Barbara Ann. Coase and the courts: economics for the common man. Iowa Law Review. v. 72, pp. 577-635, 1987.

FIAGROS e o radar concorrencial:  o papel do antitruste na expansão do agronegócio brasileiro

Ana Sofia Cardoso Monteiro Signorelli

Os conhecidos debates sobre os objetivos do antitruste normalmente se deparam com o clássico – e controverso – dilema da defesa dos campeões nacionais. No Brasil, as novidades jurídicas que visam estimular o agronegócio não deixam dúvidas sobre a aposta da vez – amplamente difundida com o jingle “agro é pop, agro é vida” e estatisticamente confirmada, uma vez que o agronegócio correspondeu a cerca de 27,4% do PIB brasileiro no ano de 2021[1].

De fato, as últimas iniciativas, tanto do poder legislativo, quanto do executivo, nos últimos meses não deixaram dúvidas sobre a prioridade de estimular o acesso ao crédito e a criação de um framework normativo que permitisse maior segurança jurídica às teias contratuais que sustentam o agronegócio brasileiro. Exemplos destas iniciativas incluem tanto a publicação do Plano Nacional de Fertilizantes e a instituição do Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas (CONFEF), ambos a partir do Decreto 10.991, de 11 de março de 2022, quando a aprovação da Lei 14.130/2011, que instituiu a figura dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros).

Ora, no momento em que os holofotes do Brasil – e do mundo – voltam-se ao agro, trazendo consigo a necessidade de expandir as bases para o crescimento deste setor, a competitividade não poderia ficar de fora. De acordo com o último Caderno do Departamento de Estudos Econômicos do Cade (DEE/CADE)[2], mercados de insumos agrícolas passam periodicamente por ondas de concentração, seja pela forte competição por inovação, seja em função das altas barreiras à entrada, uma vez que grande parte das atividades destes mercados são intensivas de capital.

De fato, nas duas últimas décadas (isto é, no período compreendido entre 1990 e 2019), o DEE identificou cerca de 279 Atos de Concentração notificados ao Cade, além de condutas anticoncorrenciais que foram objeto de investigação na Autarquia, envolvendo a recusa de acesso à infraestrutura essencial e outros abusos de posição dominante, que poderiam ocasionar no fechamento destes mercados.

De acordo com a Lei 12.529/2011, há dois critérios que definem as operações notificáveis ao Cade: faturamento e tipo de operação. Com relação ao faturamento, o Art. 88 da lei traz valores mínimos de faturamento bruto anual dos grupos econômicos da Adquirente e da Adquirida – sendo que os patamares originalmente adotados pela norma já sofreram atualização e hoje consistem, respectivamente, em R$ 750 e R$ 75 milhões[3]. O segundo critério, por sua vez, remete ao tipo de operação que estaria originando a concentração econômica, o que, de acordo com o Art. 90 desta lei, abrange as hipóteses de fusão, incorporação, aquisição de ativos e participações societárias, celebração de contratos associativos, consórcios e contratos que originem joint ventures.

Contudo, para além dos critérios trazidos pela norma, o Cade regulou, através da Resolução 33/2022 (que consolida, dentre outros normativos da Autarquia, a antiga Resolução 2/2012 alterada pela Resolução 9/2014), o tratamento do que deveria ser considerado como grupo econômico para fins de cômputo do faturamento.

Em se tratando de fundos de investimento, o Art. 4º, §2º da Resolução 33/2022 entendeu que, com relação aos cotistas, deveria ser considerado apenas aqueles que detiverem participação (direta ou indireta) igual ou superior a 50% das cotas dos fundos envolvidos na operação via participação individual ou conjuntamente – através de acordos societários. Com relação às empresas investidas, por sua vez, entendeu-se que deveriam ser consideradas integrantes do grupo todas aquelas que detivessem participação (direta ou indireta) igual ou superior a 20% do capital social votante.

Ora, com critérios de notificação obrigatória tão abrangentes e consequências bastante indesejáveis em relação à falha de apresentar ao Cade uma operação que seria notificável – infração batizada, no Direito Concorrencial, como “Gun Jumping” – importa debater como seria o tratamento das operações realizadas a partir de um Fiagro pelo Cade e, para além do controle de estruturas, de que forma os demais instrumentos da caixa de ferramentas antitrustes podem auxiliar na manutenção do grau de competitividade desejável ao setor.

Como já mencionado, a constituição dos Fiagros foi regulada a partir da Lei 14.130/2011, que visa facilitar a qualquer investidor, seja ele nacional ou estrangeiro, o direcionamento de seus recursos ao setor do agronegócio, o que pode ser feito de forma direta, a partir da aquisição de imóveis rurais, por exemplo, ou indireta, com a aplicação em ativos financeiros atrelados ao agronegócio.

Assim, a classificação dos Fiagros dependerá das características de seus investimentos, podendo ser constituídos sob a forma de Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs), Fundos de Investimento em Participação (FIPs) e Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDCs). Em cada uma destas três hipóteses, há operações que se enquadram como atos de concentração, envolvendo não apenas a aquisição de participações societárias, como também de ativos, sejam eles tangíveis ou intangíveis, podendo abranger, inclusive, ativos que não estejam mais operacionais[4].

Dessa forma, estas operações seriam notificáveis ao Cade, que, por sua vez, as analisaria através de seu controle de estruturas, podendo concluir que, a depender do grau de concentração gerado a partir da operação, a adoção de remédios concorrenciais se fizesse necessária – fossem eles estruturais ou comportamentais. Este controle preventivo é um mecanismo importante para garantir a competitividade nos diferentes elos da cadeia produtiva deste setor, especialmente em razão da recente tendência de concentração, bem como do grau de dependência entre os elos e do enorme impacto que o desequilíbrio da cadeia pode ocasionar ao consumidor final.

Como ressaltou o DEE/CADE (2020)[5], a exclusividade entre distribuidores e fabricantes de defensivos agrícolas e fertilizantes não é incomum e muitas vezes pode ser justificada em razão do apoio prestado pelos fabricantes para a prestação de serviços adicionais aos seus clientes. Contudo, a figura dos distribuidores parece ser bastante central nesta cadeia produtiva, uma vez que produtores rurais beneficiam-se tanto da variedade de produtos que possam atender sua ampla gama de necessidades, como também de serviços adicionais fornecidos através do elo de distribuição, o que inclui, no caso dos defensivos agrícolas, por exemplo, os serviços de assistência técnica, consultorias de agrônomos, entrega programadas de insumos, financiamento da compra de insumos, consultorias sobre seguros e operações cambiais, além de programas de fidelização de clientes e armazenagem de grãos.

Assim, ao passo que Fiagros poderão, de fato, aprimorar o acesso a crédito no setor, considerando o histórico de concentração econômica comumente capitaneado através destes veículos de investimento nos diferentes segmentos que compõem o agronegócio, bem como outros elementos que corroboram com esta tendência de concentração, tal injeção de crédito há que ser acompanhada de boas doses de competição, de modo que as bases para expandir o agronegócio brasileiro possam desenvolver raízes sólidas e sustentáveis.


[1] https://www.cepea.esalq.usp.br/br/releases/pib-agro-cepea-pib-do-agro-cresce-8-36-em-2021-participacao-no-pib-brasileiro-chega-a-27-4.aspx#:~:text=Diante%20do%20bom%20desempenho%20do,52%2C63%25%2C%20respectivamente.

[2] CADE. Cadernos do Cade: Mercado de Insumos Agrícolas. Fevereiro de 2020. Disponível em <https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/cadernos-do-cade/mercado-de-insumos-agricolas-2020.pdf>. Acesso em 20/05/2022, p. 90.

[3] Esta atualização foi realizada através da Portaria Interministerial MF/MJ nº 994, de 30 de maio de 2012.

[4] Para uma discussão mais completa com relação à evolução do posicionamento da Autarquia sobre a obrigatoriedade da notificação de ativos não-operacionais, leia o artigo “Ativos não-operacionais e a obrigação de notificação. WebAdvocacy. Brasília, DF. Coluna de Ana Sofia Cardoso Signorelli. 10 de janeiro de 2022“.

[5] Op cit, págs. 18-19.

Mercados Secundários de Espectro no Brasil:Oportunidades e Desafios

       Luiz Alberto Esteves, Luciano Chalita Freitas & Ronaldo Neves Moura Filho

Os últimos anos foram marcados por uma série de reformas legais com desdobramentos sobre os mercados regulados no Brasil. A mais principiológica delas veio com a Lei nº 13.874/2019 – Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, centrada na racionalização da intervenção estatal. Para o caso do setor de telecomunicações, tal reforma trouxe aspectos especialmente interessantes. Destaca-se pela renovação do setor e a revisão da política de acesso a insumos escassos por particulares. Dentre as alterações, a possibilidade de estruturação de um mercado secundário de radiofrequências no Brasil foi um dos destaques.

A importância das radiofrequências se deve ao fato de serem insumo essencial para a prestação e uso de serviços de comunicação sem fio. Até a edição da Lei nº 13.879/2019, os prestadores de serviços detinham acesso exclusivo a partes do espectro. Tal distinção se justificava como contrapartida aos investimentos disponibilizados para aquisição das radiofrequências, obtidas em leilões primários conduzidos pelo regulador setorial. Nessas condições, não podiam negociá-las com terceiros, ou seja, transferi-las ou cedê-las para outros prestadores interessados. Com a reforma legal abre-se aos titulares do direito de uso de radiofrequências a possibilidade de transferência, ou de comercialização da parte ociosa do espectro, mediante anuência da administração pública e submissão a condicionantes de natureza concorrencial e regulatórias.

As bases legais para a criação desse novo mercado se sustentam no reconhecimento de seu potencial para lograr ganhos de eficiência e utilidade no uso de espectro a partir de configurações alternativas ao modelo de alocação tradicional. Sua vertente indutora de ganhos de eficiência alocativa e de aumento da competição no setor de telecomunicações já se encontra consolidada. Em regra, um mercado secundário maduro propicia maior agilidade na designação do espectro por permitir transações entre privados e, em países como o Brasil, pode representar uma oportunidade de ampliação da cobertura em regiões de menor atividade econômica, onde o uso desse recurso é potencialmente ineficiente.

A liquidez nesse novo mercado é um dos fatores críticos para alcançar os benefícios de eficiência, qualidade e ampliação da prestação de serviços móveis. Seu bom funcionamento permitirá elevar a confiança dos investidores para negociarem seus ativos de forma rápida e eficiente, promover a inovação e, inclusive, potencializar a utilidade das atividades nos mercados primários. Ademais, esse mercado também pode estimular o ecossistema financeiro do setor, visto que escalar o espectro a uma condição de ativo negociável gera implicações na composição patrimonial das empresas, com efeitos no custo de capital e no valor do negócio.

A despeito dos benefícios esperados, existem riscos de ordem técnica e concorrencial associados ao desenvolvimento do novo mercado. Aqueles relacionados a comportamentos anticompetitivos, especulativos e de criação de escassez artificial, bem como aspectos como interferências e custos de coordenação e harmonização são exemplos de ameaças comumente atribuídas ao mercado secundário.

Esses aspectos trazem desafios adicionais aos reguladores, visto que os mercados secundários de radiofrequências podem ser estruturados a partir de diferentes desenhos alocativos. Dentre tais possibilidades, a literatura especializada tem apontado três alternativas: (i) o laissez-faire, com mínima intervenção estatal; (ii) o de corretagem, com preços orientados a custos, e; (iii) o Licenciamento de Acesso Indireto Autorizado com incentivos (Leilões).

Um primeiro ponto a ser destacado é que estes mecanismos alocativos apresentam, sob determinadas circunstâncias, vantagens e desvantagens. Um segundo ponto é que o desenvolvimento de mercados secundários de espectro encontra-se em estado embrionário, até mesmo em economias com mercados de telecomunicações bastante sofisticados. Isso significa haver carência de evidência empírica que possa nortear a decisão do regulador.

Na ausência de evidência empírica, acadêmicos e especialistas estão recorrendo a simulações computacionais sobre a eficiência relativa desses mecanismos. Para tanto, faz-se necessária a formulação de modelos de economia computacional baseada em agentes (ACE), parametrizados para simular sistemas evolutivos, com agentes interativos autônomos no mercado secundário de radiofrequências.

Esse método de simulação tem o potencial de auxiliar no desenho normativo do novo mercado e oferecer intuições acerca do seu funcionamento e do comportamento dos agentes. Essa é uma agenda de pesquisa onde temos envidado esforços. O objetivo é buscarmos intuições econômicas que possam contribuir para o desenho de uma política regulatória para o setor de telecomunicações cada vez mais eficiente e menos invasiva.

Remédios antitruste – Conceito e aplicação

Fernando Boarato Meneguin

Sabe-se que os atos de concentração (AC) podem gerar tanto efeitos positivos quanto negativos para a economia. Entre os pontos positivos, pode-se citar ganhos de escala com aumento de produtividade, propiciando inovação e melhoria da qualidade dos produtos. No entanto, a concentração também pode gerar efeitos deletérios, como aumento dos preços finais aos consumidores em face de uma diminuição da competitividade.

Uma vez que podem existir ganhos de eficiência em determinada concentração, a autoridade antitruste, ao analisar um AC, deve sopesar custos e benefícios e decidir se aprova o ato incondicionalmente, se o rejeita integralmente, ou ainda se adota uma solução intermediária. Nesse caso, um meio termo entre aprovação e rejeição pode ser recomendado de maneira que se eliminem os aspectos negativos à concorrência, mas não se prejudiquem potenciais ganhos de eficiência. Essa solução intermediária é alcançada pelo uso de remédios antitruste.

Apesar de a expressão remédios antitruste não aparecer literalmente na Lei nº 12.529, de 2011, os remédios estão implícitos no âmbito das atribuições do Tribunal Administrativo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), conforme art. 61 da Lei antitruste:

Art. 61. No julgamento do pedido de aprovação do ato de concentração econômica, o Tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia do ato.

§ 1º O Tribunal determinará as restrições cabíveis no sentido de mitigar os eventuais efeitos nocivos do ato de concentração sobre os mercados relevantes afetados.

§ 2º As restrições mencionadas no § 1º deste artigo incluem:

I – a venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua uma atividade empresarial;

II – a cisão de sociedade;

III – a alienação de controle societário;

IV – a separação contábil ou jurídica de atividades;

V – o licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual; e

VI – qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

Os incisos I, II e III do parágrafo segundo transcrito integram o que na literatura se convencionou chamar de remédios estruturais, pois implicam alterações permanentes na alocação de direitos e ativos. Há também outra classificação usual na literatura: são os chamados remédios comportamentais. Nesse caso, são determinações que se relacionam com a atividade interna da empresa, com obrigações de fazer e não fazer, como a adoção de compromisso de não discriminação nos negócios com outras empresas, proibição de assinatura de contratos com cláusula de exclusividade, medidas que incrementem transparência nos negócios, entre outras. Segundo o Guia Remédios Antitruste[1], publicado pelo Cade, os remédios comportamentais “consistem em obrigações de práticas comerciais, financeiras ou econômicas das partes envolvidas no AC, englobando ou não ativos diretamente afetados por ele, nos mercados relevantes relativos à operação”.

Há na doutrina internacional, algumas recomendações para que os desenhos de remédios antitruste sejam eficientes, no sentido de que mitiguem as preocupações concorrenciais sem custos de monitoramento alto e sem comprometer as sinergias geradas pelos ACs. O Merger Remedies Guide[2], publicado em 2016 pela International Competition Network (ICN), apresenta estudo detalhado sobre o tema. Em síntese, para uma perfeita adequação do remédio, primeiramente é necessário um completo entendimento do real dano à concorrência decorrente do AC. Essa fase preliminar é indispensável para se atingir remédio apropriado, que seja proporcional ao dano, de maneira que os efeitos colaterais e os custos impostos estejam no menor patamar possível. Para que o remédio seja efetivo, fatores como o impacto no ambiente competitivo, a tempestividade do remédio e a duração da sua vigência, a facilidade de sua aplicação e de seu monitoramento, bem como a avaliação dos riscos inerentes são itens fundamentais.

O Departamento de Estudos Econômicos do Cade publicou o Documento de Trabalho nº 02/2020 – “Remédios antitruste no Cade: uma análise da jurisprudência”[3], que apresenta profícua pesquisa sobre o tema. Nesse texto, apresenta-se levantamento realizado no período de 2014 a 2019 acerca dos casos cuja decisão final do Tribunal Administrativo estabeleceu restrições no sentido da adoção de remédios concorrenciais por meio da celebração de Acordos em Controle de Concentrações (ACCs). A constatação foi que, nesses seis anos, houve 36 atos de concentração nessa situação, conforme Gráfico I a seguir:

Cabe lembrar que, além dos remédios serem aplicados no âmbito de um ACC, eles também podem ser designados de forma unilateral pelo Tribunal do Cade ou ainda integrar um Termo de Compromisso de Cessação (TCC).

Um caso atual e bastante divulgado na mídia em que houve a aplicação de remédios antitruste foi a fusão da Localiza com a Unidas, primeira e segunda maiores empresas respectivamente de locação e gestão de frota de veículos do país.

O caso foi decidido pelo Tribunal Administrativo do Cade (Ato de Concentração nº 08700.000149/2021-46), em que houve maioria pela aprovação da incorporação das ações da Unidas pela Localiza.

Na análise, considerou-se a existência de três mercados relevantes: locação de veículos; gestão e terceirização de frotas; e venda de veículos usados. Uma das principais preocupações foi a sobreposição horizontal que seria resultante da operação no mercado de locação de veículos. Segundo terceiros interessados, a empresa resultante da fusão deteria uma escala significativa que lhe conferiria vantagens competitivas significativas frente aos demais concorrentes, inclusive quanto ao poder de barganha para aquisição de veículos.

Assim, considerando benefícios e custos da fusão para o ambiente concorrencial, a aprovação da operação, no âmbito do Tribunal Administrativo, se deu condicionada à celebração de ACC contendo um robusto pacote de remédios estruturais e comportamentais, que, segundo o Tribunal, afastam preocupações concorrenciais apontadas na instrução do ato de concentração e mitigam potencial exercício abusivo de poder de mercado.

Entre os compromissos acordados com o Cade, alguns pontos são os seguintes: desinvestimento em número de veículos para locação, considerando as características específicas de vários municípios e aeroportos; encerramento de cláusulas de não concorrência com outras marcas; comprometimento comportamental de não realizar novas aquisições para locação de veículos durante o período de três anos; e alienação da marca Unidas.

Percebe-se assim que as intervenções pactuadas procuram diminuir o exercício de poder de mercado pela empresa resultante do AC e, assim, diminuir a probabilidade de aumentos de preços após a operação.

Em conclusão, conforme explicitado pelo Guia Remédios Antitruste do Cade: “os remédios devem mitigar o potencial prejuízo ao ambiente concorrencial decorrente da operação, restaurando as condições de rivalidade e de entrada presentes no cenário pré-operação”.

Por fim, o Guia também deixa claro que não cabe aos remédios corrigir problemas concorrenciais pré-existentes e, se os remédios não conseguirem sanar potenciais prejuízos ao ambiente concorrencial em face de um AC, o recomendável é a reprovação da operação.


[1] https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-remedios.pdf

[2] https://www.internationalcompetitionnetwork.org/wp-content/uploads/2018/05/MWG_RemediesGuide.pdf

[3] https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-trabalho/2020/documento-de-trabalho-n02-2020-remedios-antitruste-no-cade-uma-analise-da-jurisprudencia.pdf

FERNANDO BOARATO MENEGUIN. Mestre e Doutor em Economia pela Universidade de Brasília. Pós-doutor em Análise Econômica do Direito pela Universidade de Califórnia – Berkeley. Líder do Grupo de Estudos em Direito e Economia – GEDE/UnB-IDP. Consultor Sênior da Charles River Associates e Professor do Mestrado do IDP e da AMBRA University.

Algumas reflexões sobre o mercado relevante na economia digital: uma nova agenda de pesquisa

Elvino de Carvalho Mendonça & Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça

Pensar nunca foi uma tarefa fácil. Temos sempre escrito e feito menção incansável ao ensinamento de Albert Camus no sentido de que “[p]ensar é reaprender a ver, a ser atento, a dirigir a própria consciência, é fazer de cada ideia e de cada imagem, à maneira de Proust, um lugar privilegiado,”[1]de tal modo que toda vez que se identifica rupturas paradigmáticas que modificam totalmente a forma como a humanidade se vê no mundo, há um inegável impacto na sociedade, na economia e, também nas leis que compõem os ordenamentos jurídicos. Assim, tem ocorrido com o conceito de mercado relevante que foi elaborado no âmbito da teoria antitruste sob o prisma de uma economia analógica, bastante diferente da realidade econômica (digital) como a que vivemos hoje.

Diante dessa nova economia digital, muitos dos pilares do direito antitruste precisam ser repensados e analisados, de modo a verificar se as estruturas legais que existem hoje, criadas no âmbito de uma economia analógica, são suficientes e eficazes para lidar com os novos tempos.

Para relembrar, o mercado relevante é um conceito que envolve duas dimensões: dimensão produto e dimensão geográfica. A dimensão produto está associada com a substitutibilidade entre os bens e a dimensão geográfica é representada pelo locus geográfico onde a concorrência se dá.

Estas duas dimensões são clássicas e são muito bem aplicadas para bens e serviços maduros que são negociados em ambientes não influenciados diretamente pela economia digital. O exemplo clássico que vem à mente é o do cimento que, segundo a jurisprudência do CADE, tem a sua dimensão produto como sendo o próprio cimento não havendo substitutos, e tem como dimensão geográfica o raio de 500 km a partir da cimenteira.

No entanto, o que acontece quando a economia não é mais só física? Quais são os pilares que sustentam uma economia digital e como o direito antitruste deve se posicionar diante de uma economia mista – física e digital? Pensemos.

Atualmente, a economia digital está inserida em todos os mercados de produtos físicos existentes, e nos mercados de produtos da nova economia, que são produtos definidos por mudanças rápidas e contrastes acentuados[2], conforme definição apresentada por Charles Alexander[3].

A economia digital atua produzindo bens e serviços totalmente digitais e viabilizando a comercialização dos produtos físicos em lugares que não eram economicamente viáveis. Três situações distintas podem acontecer: (i) mercados de produtos físicos sem substitutos digitais; (ii) mercados de produtos físicos com substitutos digitais; e (iii) mercados de produtos somente digitais.

Adicionalmente, os produtos digitais e físicos podem ser vendidos por meio de: (i) plataformas digitais com centro de distribuição; (ii) plataformas digitais de produtos digitais; (iii) lojas físicas de venda de produtos digitais; e (iv) lojas físicas de vendas de produtos físicos.

No mercado de bens físicos que não encontram substitutos digitais, como é o caso de bens de engenharia pesada, as dimensões produto e geográfica dos seus mercados relevantes pouco se alteram, pois, ainda que o acesso à informação de novos produtos tenha se ampliado para os consumidores com a revolução digital, se este desenvolvimento não for capaz de reduzir os custos de transporte e/ou de internalização de forma significativa, não é o fato do consumidor identificar outras marcas de produtos em outras localidades que garantirá que este produto seja um substituto efetivo. Nesse caso, o custo do transporte da mercadoria é um fator determinante para a definição do mercado relevante.

No mercado em que os produtos físicos possuem substitutos digitais, o advento da economia digital pode afetar a dimensão produto quando os produtos da economia digital são substitutos dos produtos físicos tanto pelo lado da demanda quanto pelo lado da oferta e, também podem afetar a dimensão geográfica quando o consumidor tem a possibilidade de consumir os dois bens em um determinado locus geográfico.

Diz-se que os produtos digitais e físicos são substitutos pelo lado da demanda quando o consumidor é indiferente entre consumir um ou outro bem. (ex. este é o caso do livro e do e-book) e se diz que os produtos digitais e físicos são substitutos pelo lado da oferta quando a empresa consegue intercambiar a produção de um bem pelo outro sem que isso se torne economicamente inviável.  Os produtos digitais e físicos serão consumidos dentro do mesmo locus geográfico sempre que o custo do consumidor para consumir um ou outro bem não inviabilize a demanda do consumidor pelo bem.

Define-se a dimensão geográfica dos produtos físicos como sendo o raio em que o consumidor está disposto a se deslocar a partir da sua origem para adquirir o bem. Vale mencionar que a disposição a se deslocar do consumidor está associada com o custo para a realização desta aquisição.

A dimensão geográfica dos produtos digitais, no entanto, não envolve qualquer raio para aquisição, pois o consumidor precisa apenas adquirir o produto instantaneamente em seu computador ou smartphone.

Portanto, para produtos físicos que tenham substitutos digitais, a economia digital ampliou as dimensões produto e geográfica, chegando o produto físico, em alguns casos, a ser eliminado do mercado. O mercado de formulários e darfs físicos é um exemplo de como um produto físico foi extinto em detrimento de um substituto digital. Isto aconteceu para todos os serviços públicos que exigem pagamentos e atestados públicos. Para estes mercados, a dimensão geográfica perdeu a sua efetividade, pois passou a ser todo o mundo onde houver internet e equipamentos eletrônicos que permitam a sua conexão.

Por fim, no mercado de produtos digitais que não encontram produtos físicos como substitutos, a única dimensão do mercado relevante que faz sentido analisar é a dimensão produto.

No limite, o que se verifica é que o avanço da economia digital tem tornado sem eficácia a análise da dimensão geográfica do mercado relevante quando os produtos digitais encontram ou não substitutos físicos.

No entanto, para os produtos físicos que não encontram substitutos na economia digital, as dimensões produto e geográficas continuam relevantes e as suas alterações dependerão do diferencial de desenvolvimento digital existente entre as regiões do mundo. Se os ganhos da economia digital em termos de custo afetarem igualmente todos os mercados físicos no mundo, as dimensões não se alteram, pois “pau que dá em Chico dá em Francisco”. No entanto, se a economia digital afetar mais algumas localidades do que outras, os mercados relevantes daquelas localidades em que se apropriarem menos do ganho digital tenderá a se ampliar comparativamente com as demais regiões.

A lição que fica é a de que em uma economia mista – analógica e digital – é inquestionável que as autoridades antitrustes do mundo devam avaliar em que mercado o produto, objeto de avaliação, está inserido (puramente físico, físico e digital ou puramente digital) e, conforme a sua substituibilidade, adotar um dos critérios, adequando os seus conceitos diante da nova realidade digital que se impõe. O direito antitruste não pode fechar seus olhos para as transformações sociais (novo paradigma da tecnologia da informação), sob pena de se perder a própria essência do que se busca proteger. Estejamos atentos!


[1] CAMUS, Albert. O mito de sísifo. Tradução de Ari Roitman. 9.ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2017, p. 38.

[2] “Yet even as the lights are dimming in some old-line industries, technology is spawning boundless opportunities in such esoteric fields as microelectronics, lasers, fiber optics and genetic engineering.” [ALEXANDER, 1983].

[3] ALEXANDER, Charles P. The new economy. Time. May 30, 1983. Disponível em: The New Economy – TIME.

O controle empresarial externo no Direito da Concorrência

Angelo Prata de Carvalho

É uma grande alegria compor o corpo de colunistas do Web Advocacy, e, para a coluna de estreia, tratarei de um assunto de grande relevância para o controle de concentrações que conta com importantes intersecções com o Direito Societário: o controle empresarial externo. Não obstante a sua relevância tanto para o Direito da Concorrência quanto para o Direito Societário, o controle externo ainda carece de critérios dogmáticos consistentes que sejam capazes de identificar grupos econômicos e, ao mesmo tempo, não desnaturem modelos de negócio legítimos e que não instituam direção unitária.

Isso porque, diante da inventividade dos agentes econômicos e da acelerada dinâmica dos mercados, a efetividade do controle prévio de concentrações depende fundamentalmente da existência de ferramentas de análise capazes de dar efetividade ao pricípio da primazia da realidade sobre a forma no Direito da Concorrência. Diante desse cenário, é preciso que sejam desenvolvidos critérios capazes de minimamente verificar a ocorrência do fenômeno, sem que, de um lado, sejam prejudicados modelos de negócio baseados na cooperação interempresarial, e, de outro, se instaure verdadeiro ambiente de irresponsabilidade organizada[1].  

O poder econômico, nesse sentido, não está limitado formalmente aos contornos do Direito Societário, tendo em vista que arranjos societários tradicionais têm dado lugar a arranjos contratuais complexos por meio dos quais, não obstante a conformação aparentemente paritária da relação, são estabelecidos vínculos de dependência e virtude dos quais uma das partes detém fundamentalmente o controle sobre a atividade financeira da outra. Não é sem motivo que, no âmbito da Resolução n. 2/2012 do CADE, a definição de grupo econômico envolve “as empresas que estejam sob controle comum, interno ou externo”.

            O próprio CADE reconhece, por conseguinte, que os grupos econômicos se estruturam por formas distintas daquela verificável na titularização de participações societárias, notadamente por meio do chamado controle não-societário ou externo. Daí dizer Fábio Konder Comparato que, nesses casos, “o controlador […] não é necessariamente membro de qualquer órgão social, mas exerce o seu poder de dominação ab extra[2]. É preciso, pois, verificar a partir de que momento a influência fática pode traduzir-se em poder de controle, com todos os efeitos jurídicos daí decorrentes, sobretudo no que diz respeito aos efeitos concorrenciais.

                   Evidentemente que nem toda autoridade ou influência externa causada por dependência se traduz em controle externo, na medida em que tais elementos podem fazer parte do próprio modus operandi de alguns negócios empresariais nos quais, não obstante, as partes mantêm suas esferas de autonomia. Por certo, o controle externo não consiste em mera influência ou mera autoridade, mas sim em poder de dominação por meio do qual um determinado agente econômico pode definir a política financeira de uma dada sociedade.

                   A convivência do fenômeno da autoridade com a autonomia das partes contratantes é fenômeno comum em contratos empresariais de colaboração (como a franquia, a distribuição, dentre outros), nos quais as partes se engajam em relação cooperativa bastante intensa, muitas vezes caracterizada pela dependência econômica e por certa ingerência administrativa de uma parte sobre a outra, porém ainda mantendo interesses contrapostos[3].

                   Acontece que, a partir do momento em que a dependência econômica se traduz em dominação sobre a política financeira da sociedade, pode-se obter situação típica de grupo econômico em que, diante da unidade da política financeira das contratantes, verifica-se verdadeira direção unitária[4]. Assim, o controle externo não se configura simplesmente em virtude da existência de ingerência de uma sociedade sobre a outra ou diante de situação de dependência econômica, mas sim quando uma das partes tem o poder de vincular as decisões sobre a política financeira da controlada, tendo em vista que: (i) a influência administrativa não necessariamente vincula a gestão financeira e, por conseguinte, pode modificar tão somente questões periféricas aos planos de ação mais centrais da sociedade; e (ii) a definição de estratégias administrativas não necessariamente importa em controle, mas tão somente pode levar a relação de dependência econômica que, como já se demonstrou, não é suficiente para instaurar controle externo e é parte integrante dos contratos empresariais de cooperação (nomeadamente os relacionais ou híbridos) de maneira geral[5].      

                   Observe-se, por conseguinte, que a identificação de controle externo para a finalidade de configuração de grupo econômico, por mais que dependa fundamentalmente da constatação de indícios concretos de dominação financeira, não deve ser pautada por análises casuísticas que eventualmente concluam pela existência de controle não-societário em qualquer relação que produza dependência econômica. Pontua Champaud, nesse sentido, que pode ser interessante a estruturação de um sistema de indícios de dependência destinados a evidenciar manifestações efetivas da dominação econômica. Isso porque, segundo o autor, a mera dependência ou a existência de algum grau de subordinação de uma sociedade perante outra deve no mínimo constituir indício para que se possa investigar se a sociedade “dominada” faz parte de grupo econômico, porém não se trata de elemento suficiente para tanto[6].

                   Dessa maneira, indício relevante de dependência econômica seria justamente a existência de arranjo contratual por meio do qual a sociedade dominante determina a escolha dos produtos ou condições de produção da sociedade dominada, situação que se confirma mediante a análise das origens, as condições de exercício e das perspectivas de implementação dessa sujeição. Acontece que a existência de contratos especificamente voltados à instauração de relação de dependência é apenas exemplo mais explícito de fenômeno que pode ocorrer no âmbito de cláusulas específicas que fixem margens de comercialização, regras de ação comercial, obrigações de recorrer a prestadores de serviço específico (como, por exemplo, a uma determinada instituição financeira), regras de conduta financeira específica e, em última análise, objetivos relacionados ao orçamento, aos investimentos e às finanças da sociedade subordinada[7].

                   Seja no Direito da Concorrência, seja no Direito Societário, é fundamental que se construa critério operacional de identificação e definição do controle externo, que deve consistir na definição da política financeira da empresa controlada, a refletir a dominação sobre as decisões verdadeiramente estratégicas. Assim, para além da menção ao controle externo na Resolução n. 2/2012 do CADE, faz-se necessária reflexão aprofundada sobre os critérios a serem adotados para a identificação de grupo econômico, de tal maneira que, para os efeitos pretendidos pelo Direito da Concorrência, é importante que no mínimo o controle externo seja constatado a partir de parâmetro claro que tanto seja capaz de constatar as diversas formas de dominação que possam vir a existir quanto seja sensível às funções econômicas dos negócios jurídicos analisados.


[1] TEUBNER, Gunther. Networks as connected contracts [edição eletrônica]. Oxford: Hart Publishing, 2011.

[2] COMPARATO, Fabio Konder SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. Rio e Janeiro: Forense, 2005. p. 89.

[3] PRATA DE CARVALHO, Angelo Gamba. Os contratos híbridos como categoria dogmática: características gerais de um conceito em construção. Revista Semestral de Direito Empresarial, n. 19, pp. 181-229, jul./set. 2016.

[4] ANTUNES, José Engrácia. Os grupos das sociedades: estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária. Coimbra : Almedina, 2002. pp. 116-117.

[5] Ver: PRATA DE CARVALHO, Angelo. Controle empresarial externo: a intervenção sobre a política financeira como critério de responsabilização do controlador. Rio de Janeiro: Processo, 2020.

[6] CHAMPAUD, Claude. Recherche des critères d’appartenance à um groupe. In: _______. Droit des groupes de sociétés. Paris: Librairies techniques, 1972. pp. 29-36.

[7] CHAMPAUD, Op. cit., 1972, pp. 29-36.

Benjamin Shieber e os mitos fundadores do Direito da Concorrência brasileiro

Angelo Prata de Carvalho

Ao passo que a busca por fundamentos históricos ou mitos fundadores insistentemente permanece nos capítulos introdutórios de manuais das mais diversas searas jurídicas, o Direito da Concorrência tende a associar seus fundamentos ao necessário dinamismo dos mercados e, portanto, a cercar-se de atualidade para que permaneça capaz de compreender adequadamente os influxos econômicos e suas repercussões jurídicas. Trata-se, assim, de ramo do direito altamente especializado e fortemente marcado por aportes interdisciplinares e, portanto, por formas distintas de ver-se o mundo que não raro atribuem ao Direito da Concorrência funções aparentemente elementares – como, por exemplo, qual deve ser a sua finalidade.

A busca por sentido da defesa da concorrência é, de fato, uma constante nas discussões sobre a matéria a nível global, porém no contexto brasileiro recebe especial destaque diante de problemas como a construção de uma cultura de concorrência nos mercados nacionais e a sedimentação, ao longo do tempo, de bases institucionais sólidas. Isso porque, apesar de se tratar de seara jurídica positivada no ordenamento brasileiro há várias décadas, remontando a 1945, o Direito da Concorrência brasileiro oscila na eleição de marcos históricos e, em última análise, na adoção de estruturas explicativas para suas finalidades.

A história recente do Direito da Concorrência brasileiro foi, de fato, extremamente marcante, de tal maneira que não raro é tomada apenas como o período compreendido entre a criação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) como hoje o conhecemos (especialmente a partir da Lei nº. 8.884/1994) e os dias atuais. Tal compreensão, no entanto, acaba por gerar um verdadeiro paradoxo, na medida em que não se ignora a existência de uma vida pretérita desse ramo do direito no Brasil, porém, tornando real o adágio de que “no Brasil até o passado é incerto”, as origens do Direito da Concorrência brasileiro são, no mínimo, nebulosas, com menções esparsas a poucos casos e poucos autores centrais.

Tal cenário ganha aspectos tão marcantes que os primórdios do antitruste nacional se atrela a verdadeiros “mitos fundadores”, como é o caso da contenda entre Agamenon Magalhães e o empresariado brasileiro para a criação do Decreto-Lei nº. 7.666/1945, pejorativamente denominado “Lei Malaia”[1]. A incerteza quanto aos próprios marcos explicativos da disciplina, assim, impede muitas vezes que se retroceda a período anterior a 1994 no intuito de mais bem compreender-se a razão de ser de determinados institutos ou mesmo identificar-se determinadas influências.

Dentre esses mitos fundadores certamente se situa Benjamin Shieber, advogado trabalhista norte-americano, professor da Universidade do Estado da Louisiana, que veio ao Brasil por diversas vezes ao longo dos momentos mais preliminares da formação de nosso Direito da Concorrência. Por diversas vezes ao longo da década de 1960 e mesmo em períodos posteriores, Shieber vem para o Brasil – ora como advogado interessado em novas áreas de atuação, ora como bolsista e pesquisador interessado em estudar a matéria ou mesmo como representante da American Bar Association – e dedica-se a estudar tanto o Direito Antitruste em construção quanto a própria língua portuguesa, contando com o auxílio de professores da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e da rica biblioteca da instituição (tanto que, mesmo no prefácio de sua obra clássica, faz especial menção às bibliotecárias que o ajudaram).

Esses períodos de verdadeira imersão no nascente Direito da Concorrência brasileiro redundaram no clássico Abusos do Poder Econômico[2], que permaneceu por vários anos como a principal obra de referência no contexto brasileiro e ainda mantém inegável atualidade, seja por seu esforço de sistematização das instituições recém-inseridas no contexto brasileiro, seja por abordar discussões sobre a pertinência de determinadas metodologias que perduram até o presente momento – como, aliás, as finalidades do Direito da Concorrência.

Exemplo disso é a noção de mercado relevante e a polêmica quanto à metodologia para a sua definição, que deve estar constantemente atenta a alterações dos mercados reais com vistas a gerar adequadas representações analíticas, sobretudo em um contexto em que premissas tradicionais são colocadas em xeque, seja pela liberalização dos mercados nacionais à sua época, seja pelo advento da economia digital na atualidade. Daí ser possível dizer que Shieber tinha por intuito endereçar duas questões fundamentais: “o que seriam os mercados nacionais e como devemos julgar se uma empresa domina para os fins da lei”[3]

Cabe recordar, nesse sentido de um dos juristas que esteve em contato com Shieber durante suas vindas ao Brasil, Antonio Cândido de Azevedo Sodré Filho, que veio a publicar, em 1992, seus próprios Comentários à legislação antitruste, com referência então à Lei nº. 8.158/1991, que não tardou a ser revogada pelo advento da mais conhecida Lei nº. 8.884/1994. Na obra em questão, Sodré Filho relata que seu interesse com relação ao Direito da Concorrência adveio justamente de seu contato com Shieber nos anos 1960, concluindo, após rememorar sua experiência nos primeiros anos de Antitruste no Brasil, que “Passados 28 anos, praticamente nada mudou”[4].

A construção de um Direito da Concorrência brasileiro comprometido com as premissas do ordenamento brasileiro e capaz de estruturar seus próprios pressupostos teóricos e analíticos – por mais que retire inspiração do direito estrangeiro, o que, aliás, foi justamente o que inspirou a vinda de Benjamin Shieber dos Estados Unidos para estudar o Antitruste brasileiro – passa fundamentalmente pela compreensão de alguns dos mitos fundadores que, quando desmistificados, talvez contribuam muito mais para a elucidação de alguns problemas contemporâneos do que quando se apresentam como lendas.

Este artigo, aliás, integra uma pesquisa mais extensa, ainda em andamento, que contou com a inestimável e honrosa ajuda do próprio professor Benjamin Shieber, que conta com uma memória invejável, um português impecável e um interesse ainda muito vívido sobre suas contribuições para o Direito da Concorrência brasileiro. Termino este texto, assim, com devido agradecimento por toda sua generosidade nas conversas que tivemos, e que certamente ainda servirão para que não nos esqueçamos de um texto tão influente quanto Abusos do poder econômico.


[1] Ver: BAPTISTA, Luiz Olavo. Origens do direito da concorrência. Revista da Faculdade de Direito da USO. v. 91, pp. 3-26, 1996.

[2] SHIEBER, Benjamin M. Abusos do poder econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1966.

[3] CORDOVIL, Leonor. Comentário: Benjamin Shieber e o antitruste: das lacunas de 1962 à Lei 12.529/2011. Revista dos tribunais. v. 918, pp. 50-60, abr. 2012.

[4] SODRÉ FILHO, Antonio C. de Azevedo; ZACLIS, lionel. Comentários à legislação antitruste. São Paulo: Atlas, 1992. p. 17.

Quosque tandem Robert Bork abutere patientia nostra?

Angelo Prata de Carvalho

Um dos principais objetivos desta coluna é refletir a respeito das premissas teóricas do Direito da Concorrência brasileiro, razão pela qual vários dos artigos anteriormente aqui publicados procuraram tratar seja das bases constitucionais do antitruste, seja de alguns dos “mitos fundadores” que orientam a compreensão dos operadores do direito sobre a defesa da livre concorrência. Este artigo, assim, tem por objetivo apontar as contradições associadas a um “mito fundador” mais recentemente agregado ao Direito da Concorrência brasileiro, por mais que tenha sido também importado da prática norte-americana: a obra de Robert Bork.

Bork, com sua famosa obra The Antitrust Paradox, firmou profundas raízes na literatura e mesmo na prática concorrencial brasileira, figurando como citação quase obrigatória para tratar-se da matéria. No entanto, a forte presença do autor nos debates contemporâneos causa estranhamento não somente em virtude do enfraquecimento das premissas da escola da Chicago, mas também diante da construção de uma aura de autoridade quase inquestionável em torno de figura altamente controversa mesmo no contexto norte-americano.

Não é por acaso, aliás, que o obituário de Bork na revista The New Yorker escrito pelo jornalista Jeffrey Toobin afirmou que o jurista era “um reacionário impenitente que esteve do lado errado de todas as grandes controvérsias jurídicas do século XX”[1]. Isso porque Bork, paralelamente à difusão de sua obra em Direito da Concorrência, foi o protagonista de uma das maiores controvérsias associadas à nomeação de um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos quando, ao ser indicado pelo Presidente Reagan em 1987 para ocupar um assento na corte, foi alvo de contundentes críticas de diversos juristas relevantes em virtude de suas opiniões controversas, especialmente quanto à posição segundo a qual a Constituição norte-americana deveria ser lida segundo a intenção original dos constituintes. Uma das principais vozes contra Bork foi a de Ronald Dworkin, que chegou a apontar publicamente que Bork – ao defender platitudes como a de que juízes não devem buscar princípios mais gerais do que os admitidos pelas palavras, pela estrutura e pela história da Constituição – desdenhava do raciocínio jurídico ao sentir-se desobrigado a tratar a Constituição como uma estrutura integrada de princípios morais e políticos, sem qualquer responsabilidade inclusive diante dos princípios subjacentes a decisões da Suprema Corte das quais o jurista discordava[2].

Ao passo que o movimento contra Bork foi bem-sucedido ao evitar que fosse alçado à Suprema Corte, causa algum estranhamento que, ao analisarmos a sua obra no campo do Direito da Concorrência, não seja comum que venha ao caso o fato de que o autor tenha falhado miseravelmente em obter o cargo que buscava e em aprofundar e solidificar suas compreensões a respeito da interpretação constitucional. Pelo contrário, a constante utilização de sua obra muitas vezes parece fazer referência a outro Bork, descolado da realidade que o circundou e que verdadeiramente o consumiu após o fracasso de suas pretensões.

Acontece, no entanto, que Bork procurava aplicar ao Direito da Concorrência metodologia bastante semelhante àquela que procurava utilizar para interpretar a Constituição norte-americana, de tal maneira que a sua famosa conclusão quanto à finalidade do Direito Antitruste – isto é, o bem-estar do consumidor, que se alcança mediante o incremento da eficiência econômica –  não decorre da aplicação de metodologias econômicas rígidas que vieram a caracterizar as análises que adotam suas premissas, mas sim de uma pretendida interpretação originalista do Sherman Act.

Em outras palavras, por mais puristas que se pretendam as análises econômicas associadas à Escola de Chicago tão inspirada por Bork, o ponto de partida teórico do autor passa justamente por uma leitura açodada e limitada da legislação concorrencial norte-americana,  partindo não de uma visão sistemática do sistema jurídico em questão, mas de uma suposta vontade legislativa que, em última análise, macula qualquer pretensão de objetividade com profundo decisionismo[3].

Evidentemente que a influência de Robert Bork sobre o Direito da Concorrência – seja o norte-americano, seja o brasileiro – é inegável, no entanto acolher suas premissas sob o pretexto de que seriam sustentadas por um método consistente significa ignorar o contexto em que foram desenvolvidas e as profundas críticas que se pode a elas fazer diante de um sistema jurídico fundado em determinados princípios estruturantes – preocupação que ainda mais salta aos olhos em países que, como o Brasil, vinculam seu Direito da Concorrência a uma ordem econômica constitucional voltada a promover valores diversos.

Cabe indagar para Bork, dessa maneira, tal qual fez Cícero para Catilina perante o Senado Romano, não somente até quando abusará de nossa paciência – com teorias travestidas de tecnicismos para ocultar visões inconsistentes com o sistema jurídico –, mas também “Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós?” e “A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia?”.


[1] TOOBIN, Jeffrey. Postcript: Robert Bork, 1927-2012. The New Yorker. 19 dez. 2012. Disponível em: https://www.newyorker.com/news/news-desk/postscript-robert-bork-1927-2012.

[2] Ver: DWORKIN, Ronald. The Bork Nomination. The New York Review. 13 ago. 1987.

[3] Ver: ORLAND, Leonard. Robert Bork: An evaluation. Disponível em: http://digitalcollections.library.cmu.edu/awweb/awarchive?type=file&item=691329.

Sham litigation e a importância do desenvolvimento de parâmetros para o abuso de petição no direito brasileiro

Angelo Prata de Carvalho

A evidente influência do Direito da Concorrência norte-americano sobre o direito brasileiro já foi, por diversas vezes, objeto das discussões trazidas por esta coluna. No artigo de hoje, pretende-se tomar como exemplo uma conduta específica – o abuso de direito de petição com finalidade anticoncorrencial, conhecido como sham litigation – para demonstrar as dificuldades oriundas dos potenciais descompassos entre os fundamentos que orientam os ordenamentos jurídicos de cada uma das jurisdições.

A conduta conhecida como sham litigation¸ referente ao uso abusivo de procedimentos administrativos ou processos judiciais com a finalidade de afastar concorrentes do mercado, nasce no direito norte-americano como exceção à chamada doutrina Noerr-Pennington, segundo a qual a legislação antitruste não poderia impedir o acesso dos cidadãos aos poderes públicos[1], reconhecendo a validade de ações legítimas para influenciar decisões de agentes públicos[2]. Contudo, o direito de petição é assegurado tão somente até o limite do razoável, não podendo ser utilizado como estratégia para mascarar a implementação de estratégia tendente a lesionar a livre concorrência. Trata-se, sem dúvida, de conduta de fundamental relevância, na medida em que tem o condão de afetar fortemente a concorrência sem sequer exigir poder de mercado considerável, já que seus efeitos decorrem de decisões do poder público[3], o que se agrava em grande medida quando se referem a searas delicadas como a propriedade intelectual[4].

Assim, a jurisprudência norte-americana desenvolveu uma série de testes para a verificação do sham litigation, destacando os conhecidos testes PRE e POSCO. O teste PRE, desenvolvido no âmbito do caso Professional Real Estate Investors, Inc. v. Columbia Pictures Industries, Inc. (508 U.S. 49), quando se afirmou que, para que se excepcione a doutrina Noerr-Pennington, é necessário cumprir dois requisitos: (i) um subjetivo, referente à intenção de utilização de um procedimento estatal como instrumento para a implementação de objetivos anticompetitivos; e (ii) um objetivo, que exige que os pleitos sejam objetivamente infundados (objective baseless claims). O teste POSCO[5], por sua vez, refutou o requisito objetivo do teste PRE ao inferir que o sucesso ou os fundamentos legítimos de um pleito isolado não legitimam uma estratégia anticompetitiva como um todo, sendo necessário verificar, em perspectiva macroscópica, a legitimidade do padrão de conduta verificado no âmbito das diversas ações judiciais apresentadas.

No entanto, deve-se observar esses testes com parcimônia, uma vez que foram desenvolvidos sob cultura jurídica diversa e sob aspectos concretos que não necessariamente se coadunam com os preceitos do ordenamento brasileiro. No Brasil, o sham liigation foi recepcionado como abuso de direito de petição, o que congrega não apenas a doutrina do abuso de direito, mas também uma concepção específica do direito de ação que, na cultura jurídica pátria, foi construída sobre bases distintas daquela pensada no common law.

É necessário, pois, que se desenvolvam parâmetros que sejam consentâneos com os princípios processuais e concorrenciais vigentes o ordenamento brasileiro, sob pena não apenas de indevidamente transplantar institutos jurídicos alienígenas para a ordem interna, mas também de irremediavelmente subverter a lógica constitucional que deve perpassar a aplicação do Direito da Concorrência. Da mesma maneira, é preciso que eventual limitação ao direito de ação por meio do antitruste se justifique segundo a mesma ordem constitucional que garante o acesso aos poderes públicos. 

Por mais que o CADE já adote sentido mais amplo da noção de sham litigation, já que – como não poderia ser diferente[6] –, adota como elementos de análise os princípios da livre concorrência e livre iniciativa constantes da Constituição em lugar de pura e simplesmente aplicar testes importados da jurisprudência norte-americana, um conceito mais amplo de abuso de direito de petição ainda carece que densificação a partir das próprias premissas teórico-normativas que orientam a aplicação do direito brasileiro, sob pena de despir a análise antitruste de critérios operacionais mínimos[7].

O adequado desenvolvimento do Direito da Concorrência brasileiro requer reflexão igualmente adequada sobre suas premissas e pressupostos, seja por integrar sistema constitucional complexo, seja por estar inserido em conjuntura histórica e tradição dogmática específicas. É imprescindível, portanto, que as categorias punitivas do antitruste sejam elaboradas segundo critérios próprios ao ordenamento pátrio, e não somente a partir de categorias importadas do direito norte-americano. Tal necessidade fica ainda mais patente quando o Direito da Concorrência apresenta intersecções com outros ramos jurídicos, muito mais associados à tradição romano-germânica do que aos parâmetros do case law anglo-saxão. É o caso do sham litigation, vinculado tanto ao imperativo constitucional de proteção à livre concorrência quanto ao direito fundamental de acesso aos poderes públicos.

O Direito da Concorrência brasileiro, no entanto, idoso em existência, porém jovem em relevância, ainda luta para adquirir autonomia em relação aos mais desenvolvidos direitos antitruste dos países centrais. Desse modo, o antitruste brasileiro se encontra em constante tensão entre a necessidade de reafirmação de parâmetros seguros, consagrados pela jurisprudência internacional, para demonstrar sua autonomia e independência, e sua emancipação enquanto ramo jurídico decorrente da ordem econômica constitucional brasileira, que dialogue de maneira fluente com os conceitos que informam o ordenamento pátrio.

Assim, para utilizar – e subverter – a interessante construção de Marcelo Neves[8], o CADE prossegue no complexo paradoxo de atuar a partir da aplicação de ideias em outro lugar (o emprego de conceitos consagrados norte-americanos em realidade jurídico-social completamente distinta) e de, ao mesmo tempo, no mesmo lugar (uma vez que o CADE não opera isoladamente, mas no espaço global de discussão e aplicação de princípios de defesa da concorrência). A continuidade do desenvolvimento do Direito da Concorrência brasileiro requer não somente que o CADE fale na língua compreendida pelas demais autoridades da concorrência de destaque no cenário internacional, mas também que o antitruste nacional faça jus a seu estatuto constitucional ao promover a harmonização de sua atuação com os demais preceitos regentes do ordenamento brasileiro. Com isso, aos poucos, o Direito da Concorrência brasileiro poderá passar a falar com linguagem própria, mais consentânea com o lugar em que se desenvolve – ainda que com algum sotaque.


[1] Eastern Railroad Presidents’ Conference v. Noerr Motor Freight, Inc., 365 U.S. 127.

[2] United Mineworkers of America v. Pennington, 381 U.S. 657. Ver: WOOD, Lisa. In praise of the Noerr-Pennington doctrine. Antitrust. v. 18, pp. 72-77, 2003.

[3] FRAZÃO, Ana. Direito da concorrência: pressupostos e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2017.

[4] FRAZÃO, Ana; PRATA DE CARVALHO, Angelo Gamba. The relation between antitrust and intellectual property on CADE’S case law. In: SILVEIRA, Paulo Burnier. Competition Law and Policy in Latin America: recent developments. Alphen aan den Rijn: Kluwer, 2017.

[5] USS-POSCO Indus. v. Contra Costa County Bldg. & Constr. Trades Council, 31 F.3d 800.

[6] Ver, em análise mais aprofundada da jurisprudência do CADE sobre o tema: PRATA DE CARVALHO, Angelo. Do sham litigation ao abuso de direito de petição: desafios e parâmetros de análise para o abuso do direito de petição no direito brasileiro. Revista de direito da concorrência. v. 7, n. 2, 2019.

[7] RECENA, Martina Gaudie Ley; LUPION, Ricardo. Breves reflexões sobre a aplicação da sham litigation. Revista jurídica luso-brasileira. v. 4, n. 4, pp. 1519-1554, 2018.

[8] NEVES, Marcelo. Ideias em outro lugar? Constituição liberal e codificação do direito privado na virada do século XIX para o século XX no Brasil. Revista brasileira de ciências sociais. v. 30, n. 88, jun. 2015.

As Escolas de Direito Antitruste: o que a história revela

Polyanna Vilanova & Catharina Araújo Sá

Ao escrever sobre Direito Antitruste, nos deparamos com uma infinidade de temas. Um dos mais caros se relaciona com as Escolas de Direito Antitruste, por trazer diversas nuances no que se refere aos objetivos e finalidades deste ramo do Direito. É um debate que aborda como o Direito Antitruste é e como deveria ser. Nesse sentido, hoje em dia, muito se fala em superação do antitruste tradicional, principalmente tendo em vista os desafios trazidos pelas famosas big techs e o elevado poder econômico que as permeia, por exemplo. Contudo, para entender o que seria a superação do antitruste tradicional, bem como os objetivos deste ramo de estudo, é fundamental revisitar as Escolas de Direito Antitruste.

Tendo em vista as recentes alterações no contexto norte-americano, de elevada preocupação com o poder político-econômico das plataformas digitais, o presente artigo abordará as escolas norte-americanas, por meio da história, buscando demonstrar como cada uma delas foi influenciada pelo contexto em que se inseriu ou se insere.

Na década de 1880, o poder estava concentrado nas mãos de poucos agentes econômicos que atuavam por meio da formação de trustes. Os Estados Unidos passavam por um processo de aumento da produção e as pequenas empresas deram lugar a monopólios e oligopólios, mediante processos de integração vertical e horizontal.[1] Nesse contexto, as discussões sobre a necessidade de combater os trustes e o poder econômico que concentravam ganharam força. Normas como o Sherman Act (1890), o Clayton Act (1914) e o FTC Act (1914) surgiram nesse objetivo de acabar com as grandes concentrações econômicas.

As discussões sobre o combate aos grandes monopólios tiveram influência de uma grande personalidade para o Direito Antitruste: Louis Brandeis, considerado precursor da Escola de Harvard. Com o seu slogan “regulação da competição”, elaborou o Programa antitruste do Governo de Woodrow Wilson, denominado “New Freedom”, que defendia, dentre outras medidas, o fortalecimento do Sherman Act e o combate aos trustes.[2]

Os ideais de Brandeis, bem como este contexto norte-americano apresentado, influenciaram o surgimento da Escola de Harvard (ou estruturalista), que possuía foco nas estruturas de mercado. Para seus defensores, empresas com poder de mercado podem utilizá-lo para implementar condutas anticoncorrenciais e assim, devem ser evitadas elevadas concentrações, evitando disfunções no mercado.[3]

Em seus primórdios, não se defendia uma finalidade única para o Direito da Concorrência, mas sim diversas finalidades que coexistiam. Assim, os objetivos poderiam estar relacionados com “a defesa dos pequenos agentes econômicos contra os grandes”, “a proteção da concorrência”, “a proteção do consumidor”, dentre vários outros. Por sua vez, quando ocorresse choque entre os objetivos, o julgador ponderaria sobre qual deveria prevalecer.

De outra monta, essa visão de múltiplos objetivos já foi arduamente criticada. Para John Wright, por exemplo, o resultado da abordagem “multi-dimensional” do Direito Antitruste trouxe “decisões conflitantes” e “pouca noção se a doutrina antitruste estaria alcançando seus diversos objetivos”.[4]

No extremo oposto dos ideais da Escola de Harvard, surgiu a Escola de Chicago que nasceu com o economista Aaron Director, com a aplicação do Price Theory ao antitruste e atingiu seu auge na década de 1980. Essa escola apresenta a análise econômica para o antitruste e defende o menor grau de intervenção possível no que se refere à regulamentação da economia pelo Estado.[5] Para os defensores dessa escola, as concentrações econômicas e as restrições verticais podem ser justificáveis, pois garantem eficiências econômicas que não poderiam ser alcançadas de outra forma.[6]

No que se refere aos doutrinadores dessa escola, destaca-se Robert Bork e sua obra The Antitrust Paradox (1978) que aborda as finalidades do Direito Antitruste. Para ele, a política antitruste apenas pode tornar-se racional ao responder as perguntas: “qual é a finalidade da lei?”, “quais são seus objetivos?”. Na visão de Bork, o objetivo do Direito Antitruste deve ser perseguir o “bem-estar do consumidor”, conceito pautado no paradigma econômico neoclássico de análise com foco em eficiências econômicas.

O conceito de bem-estar do consumidor recebeu diversas críticas dos defensores da Escola Neoestruturalista, como Lina Kahn e Tim Wu, que entendem que o Direito Concorrencial não possui uma finalidade única. Em seu artigo Amazon’s Antitrust Paradox, Lina Kahn propõe uma expansão das finalidades do Direito Concorrencial e critica a definição de Bork de bem-estar do consumidor, uma vez que não consegue atender os desafios trazidos por novos mercados na economia moderna.[7]

De acordo com Tim Wu, também é necessário repensar a finalidade de proteção do consumidor. Segundo o professor, há dois grupos que visam este objetivo. O primeiro, denominado Escola Pós-Chicago, acredita que este objetivo do bem-estar do consumidor foi mal interpretado ou mal utilizado. [8] Por sua vez, para o segundo grupo, os Neoestrutalistas ou Neobrandeisianos, o objetivo correto do antitruste foi perdido. Os neoestruturalistas defendem que o problema da análise antitruste não é relacionado à economia, mas sim à lei, uma vez que houve falha ao entender a intenção do legislador e, por essa razão,necessário resgatar o real objetivo da lei antitruste.[9] Tim Wu é um dos críticos da interpretação das leis antitruste norte-americanas. Para ele, o antitruste possui vários objetivos e cabe ao Judiciário ponderar qual deve prevalecer quando ocorrer choque entre os valores.[10]

Assim, os neoestruturalistas apresentam ideias de reformas, principalmente dentro do contexto dos mercados digitais, sob a alegação de que o paradigma neoclássico de análise antitruste não é suficiente para abarcar todos os desafios concorrenciais trazidos por estes mercados inovadores. Ou seja, defendem uma necessidade de afastamento de fundamentos econômicos, mas uma aproximação aos fundamentos políticos.

Do mesmo modo que os defensores da Escola de Chicago recebem críticas quanto à uma limitação do conceito de bem-estar do consumidor, pautado exclusivamente em eficiências econômicas, os neobrandeisianos também recebem críticas, principalmente considerando que a suposição trazida pela Escola Neoestruturalista de que os indivíduos estariam melhores em um mundo com empresas menores e preços mais altos ainda não foi testada.[11]

Diante do quanto exposto, é evidente que a pergunta de qual deve ser a finalidade do Direito Antitruste é bastante complexa. O que se sabe é que, ao menos atualmente, as análises antitrustes são pautadas, em sua maioria, no paradigma de análise neoclássico. Ademais, fato é que apesar de no Direito Concorrencial, e em vários outros ramos do Direito, termos uma análise muito pautada em olhar para modelos de fora, é preciso considerar a realidade de um país emergente como o Brasil e ainda mais do que isso: é preciso lembrar que o Direito Antitruste não é solução para todos os problemas.[12]  


[1] FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 5. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 67.

[2] MCCRAW, Thomas K., et al. Prophets of regulation: Charles Francis, Adams Louis D. Brandeis, James M. Landis, Alfred E. Kahn. Massachusetts: Harvard, 1984. p. 126

[3] FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 5. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 166.

[4] WRIGHT, Joshua. The dubious rise and inevitable fall of hipster antitrust. George Mason Law & Economics Research Paper No. 18-29, 2019. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3249524. Acesso em 03.05.2022. p. 8.

[5] FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 5. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. P. 169.

[6] BECKER, Bruno Bastos; MATTIUZZO, Marcela. Plataformas Digitais e a Superação do Antitruste Tradicional: Mapeamento do Debate Atual. In: PEREIRA NETO, Caio Mario da Silva (org.). Defesa da Concorrência em Plataformas Digitais. São Paulo: FGV Direito SP, 2021. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/30031/Defesa%20da%20Concorrência%20em%20Plataformas%20Digitais.pdf?sequence=1&isAllowed=y. p. 48.

[7] KHAN, Lina M. Amazon´s Antitrust Paradox. The Yale Law Journal, v. 126, n. 710, 2017. Disponível

em: https://www.yalelawjournal.org/pdf/e.710.Khan.805_zuvfyyeh.pdf. Acesso em 10.05.2022.

[8] WU, Tim. After Consumer Welfare, Now What? The ‘Protection of Competition Standard´ in Practice.

The Journal of the Competition Policy International, 2018. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3249173. Acesso em: 09.05.2021. p. 2.

[9] Ibidem, p. 5.

[10] Ibidem, p. 6.

[11] HOVENKAMP, Herbert J. Is antitrust’s consumer welfare principle imperiled? Faculty Scholarship at

Penn Law, 1985, 2019. Disponível em: https://scholarship.law.upenn.edu/faculty_scholarship/1985/. Acesso em 17.04.2022. p. 103.

[12] CORDEIRO, Alexandre; SIGNORELLI, Ana Sofia Cardoso Monteiro. Os objetivos do Direito Antitruste: evolução e perspectivas para o pós-Covid-19. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/os-objetivos-do-direito-antitruste-evolucao-e-perspectivas-para-o-pos-covid-19-01082020. Acesso em 04.05.2022.


[*] Polyanna Vilanova é ex-conselheira do Cade e sócia no Vilanova Advocacia.

[**] Catharina Araújo Sá é advogada no escritório Vilanova Advocacia.