O 13º ICC Brazilian Arbitration Day

Eric Moura

Introdução

O 13º ICC Brazilian Arbitration Day está marcado para 13 de março de 2025, e estou animado para participar deste evento prestigioso. Ele representa uma oportunidade fantástica não apenas para discutir novas tendências em arbitragem com profissionais extremamente qualificados, mas também para celebrar as significativas conquistas da instituição. À medida que o cenário da arbitragem no Brasil e na América Latina continua a evoluir, o Brazilian Arbitration Day serve como um pilar fundamental para a discussão de avanços, desafios e tendências emergentes em arbitragem. Este encontro é o momento ideal para refletir sobre como a ICC Brazil tem sido instrumental na modelagem do campo da arbitragem, tornando um artigo sobre este tópico oportuno e relevante.

A arbitragem comercial internacional floresceu no Brasil nas últimas duas décadas, transformando o país em um centro regional para resolução de disputas. Esse crescimento foi sustentado por reformas legais, como a Lei de Arbitragem Brasileira de 1996 e uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal em 2001 que confirmou sua constitucionalidade[1]. Uma vez que a base legal da arbitragem foi assegurada, o uso expandiu-se rapidamente. O Brasil ratificou a New York Convention em 2002, alinhando-se aos padrões globais de execução.[2]. Neste contexto, a International Chamber of Commerce estabeleceu uma presença formal no Brasil. A iniciativa ICC Brazil desde então evoluiu para uma instituição chave, integrando partes e advogados brasileiros à comunidade global de arbitragem.

Criação da ICC Brazil

A ICC Brazil foi criada em 2014 como o comitê nacional brasileiro da International Chamber of Commerce[3]. O objetivo era dar às empresas brasileiras uma voz mais ativa globalmente e adaptar os serviços da ICC para o mercado brasileiro. Em termos práticos, isso significava que as empresas brasileiras poderiam se envolver mais facilmente com os mecanismos de resolução de disputas e com a expertise da ICC. O momento foi oportuno: até 2014, a arbitragem já havia ganhado ampla aceitação no Brasil, com instituições locais prosperando e o judiciário apoiando decisões em arbitragens. A iniciativa da ICC aproveitou esse momento.

Em 2017, a ICC inaugurou um escritório de gestão de casos em São Paulo, a primeira presença desse tipo da ICC na América Latina[4]. Isso seguiu a aprovação pelo Conselho Executivo da ICC no final de 2016[5]. O escritório de São Paulo foi estabelecido para administrar casos intimamente conectados com o Brasil, incluindo arbitragens domésticas sob as regras da ICC[6]. Esse desenvolvimento foi baseado na fundação da ICC Brazil em 2014 e complementou os outros escritórios internacionais da ICC, como os de Nova York, Singapura e Xangai. Alexis Mourre, descreveu a expansão da presença em São Paulo como uma resposta ao mercado de arbitragem da América Latina, que está “sempre em expansão”, e uma maneira de aproximar os serviços da ICC aos usuários na região[7]. Desde então, a ICC Brazil tem efetivamente ligado a demanda local à estrutura global de arbitragem da ICC.

Evolução e Principais Marcos

A criação da ICC Brazil coincidiu com um aumento dramático na participação brasileira na arbitragem da ICC. Até 2016, o Brasil ocupava o terceiro lugar mundial em número de partes em arbitragens da ICC, compreendendo quase 30% de todas as partes da América Latina nos casos da ICC[8]. Essa tendência continuou: as partes brasileiras têm estado consistentemente entre os usuários mais frequentes da ICC. Nas estatísticas de 2019, o Brasil estava em terceiro lugar por número de partes, refletindo uma profunda penetração da arbitragem da ICC no país[9]. A equipe de gestão de casos de São Paulo administrou mais de 650 casos da ICC desde seu lançamento em 2017 até o final de 2024, e nos últimos anos, ela gerencia mais de 100 novos casos anualmente[10]. Notavelmente, o Brasil agora não é apenas uma fonte de casos internacionais, mas também um local para arbitragens domésticas da ICC, já que 21 disputas puramente entre partes brasileiras foram registradas na ICC em 2023[11]. Isso faz do Brasil o segundo maior usuário de arbitragem da ICC para casos domésticos em 2023, um indicador notável da credibilidade local da ICC Brazil[12].

Outro desenvolvimento importante foi a adaptação da ICC às necessidades locais: a ICC introduziu uma tabela de custos de arbitragem em reais em 2017, para fornecer previsibilidade sobre as taxas para casos gerenciados pelo escritório de São Paulo. Essa tabela em reais foi atualizada em 2021 e novamente em 2024 (válida a partir de 2025) para compensar as flutuações cambiais, garantindo que a ICC permaneça competitiva e acessível no mercado brasileiro[13]. Paralelamente a isso, a ICC Brazil traduziu as regras da ICC e orientações para o português e promove ativamente melhores práticas, ajudando a adaptar as políticas globais da ICC para os usuários brasileiros.

A presença da ICC Brazil se entrelaçou com o ecossistema de arbitragem mais amplo do país. As instituições arbitrais brasileiras, como CAM-CCBC, CAM-B3, CAMARB, CIESP/FIESP e outras, já estavam bem estabelecidas e contribuíram para uma cultura de arbitragem robusta. Em vez de deslocar os fóruns locais, a ICC Brazil os complementa ao lidar com casos de perfil internacional ou quando as partes preferem os procedimentos da ICC. O escritório da ICC em São Paulo colabora com a Comissão de Arbitragem e ADR da ICC Brazil para garantir que os desenvolvimentos das regras da ICC reflitam as necessidades dos usuários locais. O judiciário brasileiro também desempenhou um papel nessa evolução, mantendo-se favorável à arbitragem ao fazer sentenças. Esses fatores promoveram um ambiente no qual a ICC Brazil pôde prosperar e se tornar um dos líderes regionais.

Impacto na Arbitragem na América Latina e Globalmente

A ascensão da ICC Brazil teve um impacto significativo na arbitragem na América Latina e reforçou as redes globais de arbitragem. Primeiramente, o Brasil se tornou um grande centro para a arbitragem internacional na América Latina, com São Paulo sendo frequentemente escolhida como sede para arbitragens na região. De fato, atualmente o Brasil é o local de arbitragem mais utilizado mundialmente em casos da ICC[14]. Partes de toda a América Latina incluem cada vez mais cláusulas da ICC em contratos, sabendo que a ICC tem uma forte base no Brasil para administrar os procedimentos. Ao estabelecer operações locais, a ICC tornou mais conveniente resolver disputas latino-americanas sob as regras da ICC, reduzindo as barreiras de idioma e distância. Isso ajudou a aumentar a participação de partes latino-americanas para cerca de 15% do volume de casos da ICC nos últimos anos[15], com o Brasil liderando a contribuição da região.

Globalmente, a ICC Brazil reforçou a influência da ICC. O intenso engajamento de empresas brasileiras significa que mais árbitros, advogados e casos do Brasil estão contribuindo para a prática mundial da ICC. Por exemplo, em 2023, o Tribunal da ICC confirmou ou nomeou 60 árbitros de nacionalidade brasileira[16], ilustrando a integração do Brasil nos grupos globais de árbitros. Árbitros e profissionais brasileiros agora são proeminentes em procedimentos da ICC no exterior, e, inversamente, partes estrangeiras confiam na arbitragem da ICC no Brasil. Essa interação eleva o perfil da América Latina na arbitragem internacional. Como um comentário no Kluwer Arbitration Blog observou, o Brasil “emergiu como um jogador proeminente na comunidade internacional de arbitragem” e solidificou sua posição no cenário global através das estatísticas de casos da ICC[17]. Além disso, a história de sucesso da ICC Brazil, em um país que já foi cético em relação à arbitragem, serve como modelo de como as instituições internacionais podem se adaptar e prosperar, incentivando assim a disseminação da arbitragem para outros mercados emergentes.

Vale ressaltar que a maior contribuição do Brasil tem sido na arbitragem comercial, uma vez que o país permanece fora do sistema de arbitragem entre investidor e estado, já que o Brasil não ratificou a Convenção do ICSID[18]. No entanto, a ICC Brazil demonstra que a arbitragem comercial internacional robusta pode florescer concentrando-se em disputas entre empresas e contratos estatais. A presença da ICC no Brasil provavelmente encorajou outros países da América Latina a aprofundarem seu envolvimento com a ICC e instituições similares. A Conferência Anual de Miami sobre Arbitragem Internacional da ICC, um evento importante para as Américas, apresenta regularmente desenvolvimentos do Brasil, destacando seu impacto regional. Em suma, a ICC Brazil beneficiou-se e contribuiu para o boom mais amplo da arbitragem na América Latina, ao mesmo tempo em que reforça a missão global da ICC de facilitar a resolução de disputas transfronteiriças.

Conclusão

Em pouco mais de uma década, a ICC Brazil estabeleceu-se e consolidou-se como um pilar tanto no contexto brasileiro quanto no internacional de arbitragem. Desde seu lançamento em 2014, passando pela abertura do escritório da ICC em São Paulo em 2017 e outros marcos importantes, a evolução da ICC Brazil acompanha a crescente reputação do Brasil como uma jurisdição favorável à arbitragem. Ela facilitou a resolução de disputas de alto calibre para partes brasileiras e latino-americanas, trazendo também as melhores práticas globais para o cenário local. O impacto foi mutuamente reforçador: a aceitação da arbitragem pelo Brasil proporcionou à ICC Brazil um terreno fértil para crescer, e a ICC Brazil, por sua vez, impulsionou o desenvolvimento da arbitragem em toda a América Latina. Como evidenciado por iniciativas como o Brazilian Arbitration Day, a ICC Brazil permanece na vanguarda das discussões e do delineamento do futuro da arbitragem, focando em eficiência, adaptando-se às mudanças do setor e enfrentando desafios jurídicos emergentes. Aguardo ansiosamente a oportunidade de me conectar com colegas durante este evento.


[1] Capistrano, Diego. “The Evolution of the Interpretation of the Competence-Competence Principle in the Brazilian Legal Order: Legal Certainty Provided for Foreign Investors.”

[2] Id.

[3] https://www.iccbrasil.org/en/icc-brasil

[4] https://iccwbo.org/news-publications/news/icc-court-announces-new-operations-brazil

[5] Id.

[6] Id.

[7] Id.

[8] Id.

[9] https://chambers.com/content/item/3944

[10] https://iccwbo.org/news-publications/news/icc-reaches-arbitration-milestone-with-case-29000

[11] Id.

[12] Id.

[13] https://iccwbo.org/news-publications/news/new-2025-brazilian-scale-in-reais-for-arbitration

[14] https://iccwbo.org/news-publications/news/icc-reaches-arbitration-milestone-with-case-29000

[15] Id.

[16] Id.

[17] https://arbitrationblog.kluwerarbitration.com/2023/08/07/first-icc-arbitration-conference-in-the-south-of-brazil-marks-a-milestone

[18] https://icsid.worldbank.org/about/member-states


Eric Moura. LLM in Global Business Law pela Columbia Law School. Consultor na Omni Bridgeway. E-mail: emoura@omnibridgeway.com


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Eric Moura

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O 13th Brazilian Arbitration Day acontece no dia 13 de março em São Paulo – ICC Brasil

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Two-facebook – as plataformas digitais e suas faces de influência e concorrência

Maxwell de Alencar Meneses

A vida imita a arte, e, embora não sejam uma unanimidade, as histórias do universo de histórias em quadrinhos (HQs) da DC Comics, ou Detective Comics, especialmente as do universo do Batman, um mega bilionário em uma cruzada para influenciar o mundo em uma sociedade tão corrupta e com um sistema de justiça disfuncional, revelam a verdade, principalmente no que se refere ao personagem Harvey Dent, o Two-Face (Duas-Caras, em português), um promotor de justiça que se torna criminoso e está sempre dividido, literalmente, entre um lado bonito e bom e o lado terrível e mau. O vilão já era binário ou digital.

As plataformas digitais aparentam ser assim. Atente para o curioso fato de que, por princípio, o termo digital advém de como tudo, em última instância, é compreendido pelas máquinas em termos de zeros (0), que correspondem a uma faixa de tensão elétrica de 0 a 0,8V, e uns (1), que correspondem a uma faixa de 2,0V a 5,0V. O intervalo do “centro”, entre 0,8V e 2,0V, é chamado de faixa indefinida (não confiável).

O presidente-executivo da Meta, Mark Zuckerberg, mais conhecido pelo Facebook, se mostrou de fato um ‘two-facebook‘. O comitê judiciário da Câmara dos EUA publicou uma carta da Meta em que Zuckerberg admite que cedeu a pressões do governo americano para censurar os americanos, especialmente em assuntos de interesse da administração Biden-Harris, como a história dos problemas com a justiça de Hunter Biden (ZANFER, 2024). Ou seja, uma ‘face’ de bonzinho, como plataforma livre para troca de ideias e informações, e uma segunda ‘face’ sombria que manipula conteúdos de acordo com o regime no poder, afetando a concorrência, neste caso eleitoral, cabendo questionar quais outras condutas análogas, de cerceamento e privilegiamento de conteúdos, ocorrem em outros mercados.

Mais recentemente, após o Facebook ter rotulado a foto do agora eleito presidente Trump, após a tentativa de assassinato em 13 de julho passado, como informação falsa, o próprio Zuckerberg teria ligado para Trump para se desculpar e o chamou publicamente de badass (CONKLIN, 2024). Em uma expressão regional, seria alguém de coragem e resistência. Um outro ‘two-facebook‘, face ao fato de que já havia banido Trump de suas plataformas por dois anos (WAGNER, 2024).

Aqui no Brasil, em maio do ano passado, as Big Tech publicaram alertas direcionados aos brasileiros sobre os riscos do Projeto de Lei 2.630/20, conhecido como PL das Fake News ou PL da Censura. Por isso, tornaram-se alvo de um inquérito arquivado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho deste ano, após manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o posicionamento da Polícia Federal, que teria cogitado crime de abolição violenta do Estado de Direito. A PGR indicou que a motivação das empresas teria sido ‘meramente econômica’ (CURVELLO, 2024). O advogado do Google considerou o arquivamento como resultado da constatação de que a empresa apenas deu sua opinião. Ao contrário deste artigo, que não representa a opinião de nenhuma instituição em particular, nem mesmo do autor, mas apenas uma análise de uma entre várias possíveis linhas de pensamento acerca desses fatos.

Esse poder das plataformas é tão visível, mas talvez não seja nada de realmente novo, apenas o deslocamento da capacidade de manipular a informação que sempre existe em quem detém o poder. Poder, em ciência política e sociologia, como se sabe, é a capacidade de influenciar, liderar, dominar ou, de alguma forma, impactar a vida e as ações de outros na sociedade. (MUNRO, 2023).

Pode-se dizer que, em Brasília, existem duas praças dos Três Poderes. A primeira, de âmbito federal, é um tanto incompleta — ou, ao menos, um dos poderes parece oculto, presente de forma sutil por meio das vans de uplink de TV via satélite, agora reduzidas a mochilas de transmissão (backpacks de live streaming).

Já a segunda, a Praça distrital dos Três Poderes (Praça do Buriti), revela de forma mais evidente o Poder Executivo, o Legislativo, o Judiciário e, curiosamente, um quarto poder: o da comunicação, representado pela organização fundada por Assis Chateaubriand.

Para quem achar um certo exagero essa menção ao império de Chatô, o Rei do Brasil — alcunha dada pelo biógrafo Fernando Morais a Chateaubriand — note que essa concentração de poder guarda consonância com as raízes do antitruste no Brasil. Nesse sentido, relata Cabral (2020, p. 210–211):

“No que pertine ao setor jornalístico, Agamemnon Magalhães procurou não transparecer que a lei atacaria com especial ênfase esse setor, o que havia dado ensejo às críticas de que o Decreto-Lei nº 7.666/1945 atentava contra liberdade de expressão e de imprensa. Notou-se com a “Lei Malaia” – e Agamemnon Magalhães não fazia questão de esconder – que a lei desvelava um propósito subjetivo, tendo um alvo certo: Assis Chateaubriand e os seus Diários Associados.”

Nos tempos atuais, o rei é Bezos, o dono do Washington Post, combatido por Lina Khan. Ele afirmou, em editorial[1] do seu jornal, que a credibilidade da imprensa está baixa, que os jornalistas estão entre as profissões menos confiáveis e que a percepção de viés é um problema.

Ou seja, seu poder está diluído não pelas ações do FTC, mas pela pluralidade de canais de informação concorrentes digitais. Como disse o professor de Direito de Harvard, Yochai Benkler, em seu livro A Riqueza das Redes: “A economia da informação em rede torna os indivíduos mais capazes de fazer as coisas por si mesmos e para si mesmos, além de torná-los menos suscetíveis à manipulação por outros do que eram na cultura da mídia de massa.” (BENKLER, 2006, p. 130, tradução própria[2])

De todo modo, após inovar ao não endossar a campanha de nenhum candidato à Presidência dos EUA, o dono da Amazon mostrou outra face ao participar da posse de Trump, destacando-se mais do que os políticos e juntando-se aos principais barões das plataformas digitais. Desta feita, revelam-se suas faces de influência e concorrência.

Nada de realmente novo sob o sol, algo que se pode facilmente inferir da abordagem da Profª Dra. Amanda Flávio, colunista do WebAdvocacy. Em certas ocasiões[3], a professora tratou da alardeada necessidade urgente de regulamentação específica das plataformas digitais, utilizando o recurso pedagógico da maiêutica socrática: perguntas que levam o público a perceber a verdade por conta própria ou, pelo menos, a questionar suas certezas. Algo muito mais eficaz do que simples afirmações.

Os questionamentos tangem os aspectos de logística, comunicação em massa, finanças, todos com seus respectivos alter egos modernos digitais, e conforme (EVANS; SCHMALENSEE, 2016) embora as plataformas turbinadas sejam mais poderosas do que as anteriores que estimularam o nascimento do antitruste americano, elas seguem os mesmos princípios econômicos de suas predecessoras.

Além da questão do novo ou antigo, já ilustrada pelo cenário do início do antitruste no Brasil, outras questões derivadas ou correlacionadas tornam-se patentes ao serem evocadas pela Dra. Amanda: as plataformas digitais devem ou não ser reguladas? Deve-se criar uma agência reguladora para esse fim? Trata-se de uma característica de um mundo mais complexo ou não?

Quanto à complexidade, Luhmann, tido como um dos principais estudiosos da sociologia, também elaborou questionamentos, segundo Neves e Neves (2006):

“Mas o que é complexidade? Pergunta-se Luhmann. Neste ponto, Luhmann introduz a figura do observador no sistema complexo: “Complexidade não é uma operação, não é nada que um sistema faça ou que nele ocorra, mas é um conceito de observação e de descrição (inclusive de auto-observação e auto-descrição)” (apud Luhmann, 1999: p. 136).

Em outras palavras, assim como se diz a respeito da beleza, a complexidade está nos olhos de quem a vê. De acordo com John Milton: “A mente é seu próprio lugar e, dentro de si, pode fazer um inferno do céu e um céu do inferno.” Dessa forma, o mundo pode sempre ser visto como complexo por quem o vive naquele instante, dentro do contexto de desenvolvimento cultural e científico de seu próprio tempo. Avaliar o passado como mais simples do que o presente, após os problemas terem sido enfrentados e as soluções construídas, reflete o adágio: é fácil ser engenheiro de obra pronta.

Ainda em paráfrase à sugestão proposta pela docente da UnB, busca-se responder às demais perguntas. Nesse sentido, ao avaliar a pertinência da regulação das plataformas digitais sob a ótica da destruição criativa de Schumpeter, percebe-se um forte alinhamento com a realidade atual. Um exemplo disso é a recente queda vertiginosa da Nvidia e de outros grupos poderosos ligados à inteligência artificial, impulsionada pelo surgimento out of the blue da chinesa Deep Seek. Esse fenômeno reforça a teoria do economista, segundo a qual os problemas visados pelo antitruste tendem a se dissipar naturalmente em razão da própria dinâmica do capitalismo.

Nota-se, em consonância com esse efeito Deep Seek, que o modelo regulatório que paira sobre o Brasil se baseia no DMA Europeu (AUER; MANNE; RADIC, 2023), o qual, por sua vez, tem como objetivo proteger o decadente mercado europeu contra duas faces: EUA e China (KOVACEVICH, 2022).

O cenário delineado aqui, portanto, denota que as faces de influência e concorrência das plataformas digitais vêm mimetizando eventos pretéritos, sem novidades em sua essência; meramente reformulações de falhas e condutas, sob as quais, até hoje, pairam dúvidas sobre a efetividade do antitruste em resolvê-las.

Decerto, o ferramental atual de quem quer que seja a avaliar condutas abusivas não será mais apenas máquinas de escrever e outras ferramentas, agora rudimentares, mas o conhecimento da ciência da computação em nível suficiente e equiparado de armas com os seus jurisdicionados. Talvez esse seja, de fato, o verdadeiro problema: o gap de capacitação entre a iniciativa privada e, em geral, o atraso estatal em se imbuir de conhecimentos equiparados.


[1] BEZOS, J. The hard truth: Americans don’t trust the news media. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/opinions/2024/10/28/jeff-bezos-washington-post-trust/>. Acesso em: 29 out. 2024.

[2] No original: “The networked information economy makes individuals better able to do things for and by themselves, and makes them less susceptible to manipulation by others than they were in the mass-media culture.”

[3] CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE. Seminário Internacional – Regulação e Concorrência – 2o dia. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PeIbALhT_MA>. Acesso em: 20 jan. 2025.

LEGAL GROUNDS INSTITUTE. Regulação de plataformas digitais e o PL 2768: necessidade ou excesso? | Núcleo de Mercados Digitais. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=iJDvud8BOJ8>. Acesso em: 20 jan. 2025.

AUER, D.; MANNE, G. A.; RADIC, L. Jogando o Jogo da Imitação na Regulação de Mercados Digitais – Uma Análise Cautelar para o Brasil – International Center for Law & Economics. Disponível em: <https://laweconcenter.org/resources/jogando-o-jogo-da-imitacao-na-regulacao-de-mercados-digitais-uma-analise-cautelar-para-o-brasil/>. Acesso em: 31 jan. 2025.

BENKLER, Y. The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom. [s.l.] Yale University Press, 2006. p. 130

BEZOS, J. The hard truth: Americans don’t trust the news media. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/opinions/2024/10/28/jeff-bezos-washington-post-trust/>. Acesso em: 29 out. 2024.

CABRAL, M. A. M. A construção do antitruste no Brasil. [s.l.] Editora Singular, 2020. p. 210–211

CONKLIN, A. Trump says Mark Zuckerberg called to apologize about photo of assassination attempt. Disponível em: <https://www.foxnews.com/us/trump-says-mark-zuckerberg-called-apologize-about-photo-assassination-attempt>. Acesso em: 12 nov. 2024.

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE. Seminário Internacional – Regulação e Concorrência – 2o dia. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PeIbALhT_MA>. Acesso em: 20 jan. 2025.

CURVELLO, A. C. PL das Fake News: Moraes arquiva ação contra Google e Telegram. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/moraes-arquiva-acao-contra-google-e-telegram-por-campanha-contra-pl-das-fake-news/>. Acesso em: 7 nov. 2024.

ESCOLA SUPERIOR DO MPU. Seminário Internacional “Regulação e Concorrência no Mercado Digital 2024” – Dia 1. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OeJ3x6dcT-Y>. Acesso em: 20 jan. 2025.

EVANS, D. S.; SCHMALENSEE, R. Matchmakers : the new economics of multisided platforms. Boston, Massachusetts: Harvard Business Review Press, 2016.

FRANCE PRESSE. Lei da União Europeia que regula big techs entra em vigor; entenda. Disponível em: <https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2024/03/07/lei-da-uniao-europeia-que-regula-big-techs-entra-em-vigor-entenda.ghtml?form=MG0AV3>. Acesso em: 29 jan. 2025.

KOVACEVICH, A. Why Europe’s Digital Markets Act Will Strain Transatlantic Relations. Disponível em: <https://cepa.org/article/why-europes-digital-markets-act-will-strain-transatlantic-relations/>.

LEGAL GROUNDS INSTITUTE. Regulação de plataformas digitais e o PL 2768: necessidade ou excesso? | Núcleo de Mercados Digitais. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=iJDvud8BOJ8>. Acesso em: 20 jan. 2025.

MUNRO, A. Power | political and social science | Britannica. Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/power-political-and-social-science>.

NEVES, C.; NEVES, F. O que há de complexo no mundocomplexo? Niklas Luhmann e aTeoria dos Sistemas Sociais. Sociologias, v. ano 8, jan/jun 2006, n. 15, p. 182–207, 6 jan. 2006.

WAGNER, K. Trump Says Meta CEO Mark Zuckerberg Has Called Him Multiple Times Lately. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/news/articles/2024-08-02/trump-says-meta-s-zuckerberg-has-been-calling-him-a-lot-lately>. Acesso em: 12 nov. 2024.

ZANFER, G. Mark Zuckerberg diz que governo Biden pressionou Meta a censurar conteúdos sobre Covid-19. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/mark-zuckerberg-diz-que-governo-biden-pressionou-meta-a-censurar-conteudos-sobre-covid-19/>. Acesso em: 7 nov. 2024.


Maxwell de Alencar Meneses. Cearense radicado em Brasília há 35 anos, é Cientista da Computação, MBA Especialista em Gestão de Projetos, Especialista em Defesa da Concorrência e Direito Econômico, atua no Cade na análise de Atos de Concentração e anteriormente no Projeto Cérebro, na área de Cartéis.  Participou e acompanhou por 30 anos a concorrência no mercado de inovação e tecnologia no âmbito do Governo Federal e em organizações líderes de mercado, como Fundação Instituto de Administração, Xerox do Brasil, Computer Associates, Bentley Systems e Vivo.


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Maxwell de Alencar Meneses

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É mesmo necessário regular plataformas digitais? Por quê? Como? Por quem?

Contribuições à discussão das Plataformas Digitais a partir da ótica do Projeto de Lei nº 2.768/2022

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Plataformas Digitais: aspectos econômicos e concorrenciais e recomendações para aprimoramentos regulatórios no Brasil

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Instituições financeiras e sustentabilidade: os novos padrões de relatórios

Leandro Oliveira Leite

Nos últimos anos, a sustentabilidade tem se tornado um fator essencial na governança corporativa e na tomada de decisões financeiras. Como parte desse movimento global, o Banco Central do Brasil (BCB) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceram novas diretrizes para que as instituições financeiras aumentem a transparência na divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade. Até 2028, todas as instituições que já publicaram projeções financeiras consolidadas obrigatórias de acordo com os padrões internacionais do International Accounting Standards Board (IASB) deverão elaborar e divulgar relatórios de sustentabilidade alinhados às normas internacionais. Essa exigência inclui companhias de capital aberto e conglomerados prudenciais enquadrados nos segmentos S1, S2 ou S3[1].

A regulamentação foi formalizada pelas resoluções CMN 5.185[2] e BCB 435[3], publicadas em novembro de 2024. Essas medidas visam garantir que investidores e demais stakeholders tenham acesso a informações comparáveis ​​e confiáveis ​​sobre riscos e oportunidades relacionadas à sustentabilidade. Com isso, espera-se que a alocação de recursos financeiros leve em consideração os impactos ambientais e sociais, promovendo um desenvolvimento econômico mais sustentável e equilibrado. Além disso, a iniciativa está alinhada aos padrões internacionais e segue uma tendência global já adotada por outras jurisdições e órgãos reguladores, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que implementou regras semelhantes em 2023.

Os relatórios de sustentabilidade deverão seguir as normas estabelecidas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB), em especial os pronunciamentos IFRS S1 e IFRS S2. O IFRS S1 estabelece requisitos gerais para a divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, incluindo impactos potenciais nos fluxos de caixa das entidades. Já o IFRS S2 foca especificamente em riscos e oportunidades associadas às mudanças climáticas. Ambos os padrões foram aprovados pelo Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS) em setembro de 2024, reforçando a necessidade de padronização na apresentação dessas informações.

A obrigatoriedade dos relatórios ocorrerá de forma gradual, garantindo que as instituições tenham tempo para se adaptarem às novas exigências. Para as instituições dos segmentos S1 e S2, ou reservas como companhias abertas, a obrigatoriedade entrará em vigor a partir do exercício social de 2026. Já para as demais instituições que prevêem projeções financeiras consolidadas anuais de acordo com os padrões internacionais, a exigência se tornará efetiva em 2028. No entanto, o BCB permite que as instituições iniciem uma divulgação específica, incentivando a adaptação voluntária ao novo modelo. Além disso, para garantir a confiabilidade das informações, os relatórios obrigatórios deverão passar por garantia razoável de um auditor independente.

Essa faz parte da agenda de sustentabilidade do Banco Central do Brasil, que inclui diversas ações voltadas à transparência financeira e à gestão de riscos ambientais, sociais e climáticos. Uma das iniciativas complementares foi a consulta pública sobre a inclusão de requisitos recomendados pela Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD) no Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos (Relatório GRSAC). Essa abordagem reforça o compromisso do BCB em alinhar as práticas do setor financeiro brasileiro às melhores normas internacionais, promovendo um ambiente regulatório robusto e transparente.

A exigência de relatórios de sustentabilidade representa um avanço significativo na integração de fatores ESG (ambientais, sociais e de governança) no sistema financeiro. Ao exigir que as instituições divulguem informações detalhadas sobre riscos climáticos e sustentabilidade, o BCB contribui para um mercado financeiro mais sólido, confiável e adequado às necessidades de uma economia global em transformação. Essa medida também tem potencial para influenciar positivamente o comportamento das instituições, incentivando práticas empresariais responsáveis ​​e promovendo a adoção de estratégias voltadas para a mitigação dos impactos ambientais e sociais.

Além dos benefícios diretos para investidores e reguladores, essa iniciativa fortalece a posição do Brasil no cenário global, alinhando o país às tendências internacionais de sustentabilidade financeira. A crescente demanda por investimentos sustentáveis ​​e a necessidade de transparência nas práticas corporativas reforçam a importância de regulamentações que garantem a confiabilidade das informações divulgadas. Dessa forma, a atuação do Banco Central do Brasil na regulação de relatórios financeiros sobre sustentabilidade demonstra um compromisso claro com a estabilidade financeira, a governança responsável e o desenvolvimento sustentável do país.


[1] Os segmentos financeiros S1, S2 e S3 são categorias de instituições financeiras, de acordo com o seu porte. A segmentação foi adotada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). 

Segmento S1

  • É composto por grandes instituições financeiras, como bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de câmbio e caixas econômicas 
  • Para estar neste segmento, a instituição deve ter porte igual ou superior a 10% do PIB 
  • Ou deve exercer atividade internacional relevante 

Segmento S2 

  • É composto por bancos de médio porte, como bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de câmbio e caixas econômicas
  • Para estar neste segmento, a instituição deve ter porte igual ou superior a 1% do PIB

Segmento S3

  • É composto por instituições de menor porte, como pequenas fintechs e cooperativas menores 
  • Para estar neste segmento, a instituição deve ter porte igual ou superior a 0,1% do PIB 

O segmento S4 é composto por instituições de porte inferior a 0,1% do PIB. 

[2] Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=5185

[3] Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=435


Leandro Oliveira Leite. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.


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Leandro Oliveira Leite

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Com quem e o que você conversa? – Fique atento!

Pedro Zanotta e Dayane Garcia Lopes Criscuolo

Nunca é demais abordar esse tema e chamar a atenção para alguns fatos rotineiros, que tendem a passar desapercebidos, seja porque são interpretados como uma prática habitual em determinadas áreas ou setores, seja em razão do desconhecimento acerca das consequências que têm o potencial de ensejar, tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídica à qual ela está ligada.

Nesse sentido, destacamos uma dessas práticas – a troca de informações. O intercâmbio de informações, na maioria das vezes, é considerado inofensivo ou sem relevância, mas, para a autoridade antitruste – o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), os dados trocados podem ser interpretados como sensíveis[1] e estratégicos para o negócio, podendo, assim, esta troca, ser caracterizada como uma conduta anticoncorrencial[2]. Ressalte-se, neste ponto, que o fato de um setor nunca ter sido investigado pelo CADE, não implica em ausência de risco, diante da prática desta conduta.

Tal afirmação é possível em razão de alguns setores, como transporte sobre trilhos, combustíveis, medicamentos, construção civil, sempre estarem sob os holofotes da autoridade, mas jamais se imaginou que o mercado de trabalho, por exemplo, pudesse algum dia ser objeto de uma investigação movida pelo CADE que, atualmente, possui quatro processos[3] administrativos em curso sobre o tema, em diversos setores de atividade.

Assim, é relevante estar atento ao conteúdo de quaisquer conversas, independentemente do meio[4] pelo qual é realizada, assim como das fontes de pesquisas realizadas pelas empresas, tendo em vista que, dependendo da qualidade dos dados trocados e da posição que a empresa ocupa no mercado no qual atua, tal conteúdo pode ser interpretado como ilícito[5] pela autoridade antitruste, em razão de eventual vantagem que tais informações possam trazer à empresa, ou grupo de empresas, em detrimento de seus concorrentes e, por conseguinte, dos consumidores.

Para ilustrar esta afirmação, podemos usar como exemplo um dos processos que envolvem a área de recursos humanos (mercado de trabalho). Enquanto os funcionários dos recursos humanos das empresas faziam pesquisas com o objetivo de obter melhores práticas, o chamado benchmarking, algo que é considerado de praxe nesta área, o CADE entendeu que a conduta destes funcionários implicou em prejuízos aos trabalhadores dos setores das indústrias das quais são integrantes, já que interpretou determinadas conversas, entre estes funcionários, como tentativa de uniformizar o mercado, eliminando a concorrência pela mão de obra.

De modo geral, os processos que envolvem o tema mercado de trabalho, destacam a troca de informações relacionadas a salários, vale-alimentação ou refeição, planos odontológicos e de saúde, bônus, disponibilização de automóveis a determinados níveis hierárquicos, seguro de vida, previdência privada, dentre outros benefícios, que eram circuladas em pesquisas realizadas entre e pelas empresas, via whatsapp e e-mails, por exemplo.

Note-se, assim, que conversas tidas como comuns tiveram como consequência a instauração de processo administrativo, o que implica em custos não só financeiros, mas também da imagem das empresas, assim como evidentes transtornos à vida de pessoas físicas que, muitas vezes, sequer tinham noção de que aquilo que estavam fazendo poderia ser considerado como uma conduta ilícita.

No entendimento do CADE, as informações devem ser recentes ou relativas ao futuro, para que possuam maior potencial de interferir nas estratégias dos concorrentes, já que informações antigas não indicam com clareza o comportamento do competidor ou como ele se comportará, não levando, assim, à uma acomodação competitiva pelo rival, quando de posse de tais dados. Destaca-se, neste ponto, que o tempo a ser considerado para defasagem dos dados varia de setor para setor. Setores de alta tecnologia, por exemplo, nos quais o conhecimento fica superado mais rapidamente, as informações estratégicas e sensíveis tendem se tornar irrelevantes em prazos mais curtos do que as relativas a negócios com longos períodos de maturação[6].

Ademais, além da defasagem das informações, há outro fator de relevância a ser observado, qual seja, a frequência. O potencial deletério da troca de informações é fortemente influenciado pela frequência com a qual os dados são intercambiados. Assim, trocas frequentes são consideradas mais graves, pois tornam os comportamentos mais previsíveis e viabilizam o alinhamento de condutas, em contraponto à interação periódica, que não afasta a incerteza quanto aos próximos passos e estratégias do rival.

Outro ponto de atenção, quanto à sensibilidade das informações trocadas, diz respeito à especificidade do dado. Informações de mercado, apresentadas de forma agregada, trazem menos previsibilidade e, por esta razão, tendem a serem menos propensas “a desencadear monitoramentos de mercado instrumentais a efeitos colusórios ou tendentes à cartelização[7]. Já as informações pontuais ou específicas, permitem maior certeza quanto ao comportamento do rival, possibilitando estratégias de proteção de lucratividade.

Neste sentido, verifica-se que dependendo da qualidade (sensível, desagregada, recente ou futura) e da sua periodicidade, a troca de informações[8] pode ser considerada pelo CADE como uma infração concorrencial. O desconhecimento destes fatores ou a sua interpretação equivocada, considerando que podem variar de setor para setor, podem ensejar graves danos às empresas e às pessoas físicas a elas vinculadas.

Para se evitar este tipo de situação, as práticas habituais devem ser revistas pelas empresas, por meio de treinamentos periódicos, principalmente para as áreas comerciais e de recursos humanos, sempre levando em conta as diretrizes de compliance concorrencial, de modo a se evitar problemas futuros, já que o tema da troca de informações sensíveis teve destaque no CADE em 2024 e certamente continuará sob forte atenção da autoridade.


[1] Informações concorrencialmente sensíveis “são informações específicas (por exemplo, não agregadas) e que versam diretamente sobre o desempenho das atividades-fim dos agentes econômicos”, cujo compartilhamento entre empresas concorrentes pode impactar em sua atuação e decisões comerciais. In CADE, Guia para a análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica. Página 07. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/gun-jumping-versao-final.pdf . Acesso em 10.02.2025.

Esclarece-se que “o termo “troca de informações” é uma expressão ampla que engloba diversas condutas que podem ser colusivas, unilaterais, multilaterais, bem como se dar entre concorrentes, entre participantes de relações comerciais verticais, entre associados, ou entre empresas e consumidores. Desse modo, o intercâmbio de determinadas informações entre certos tipos de agentes pode ser favorável competitivamente ou, ainda, não ter quaisquer efeitos concorrenciais”.

A troca deste tipo de informações pode gerar, também, efeitos anticoncorrenciais: uniformização de condutas, viabilização de acordos colusivos, expressos e tácitos, assim como redução de incerteza e diminuição da competitividade. O “problema antitruste é que a troca de informações concorrencialmente sensíveis incentiva o paralelismo na atuação dos competidores mesmo que ausente um acordo anticompetitivo explícito de fixar preços ou dividir mercado. Isto porque, se diferentes empresas têm acesso às estratégias, presentes ou futuras, umas das outras, o ímpeto competitivo entre elas é afetado”. In Nota Técnica nº 6/2024. PA nº 08700.000992/2024-75. Representante: Cade ex officio. Representados: 3M do Brasil Ltda. e outros. Páginas 25 e 23, respectivamente.

[2] “72. Devido à sensibilidade comercial inerente aos tipos de dados visto no tópico anterior, o seu intercâmbio entre competidores pode ensejar preocupações concorrenciais. Nesse sentido, a prática de troca de informações sensíveis entre concorrentes pode se enquadrar, em geral, em três diferentes cenários dentro do antitruste, conforme explica a OCDE:

i. no contexto de um acordo amplo de cooperação como formação de joint ventures, esforços de padronização e/ou pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias;

ii. como parte de um arranjo mais amplo de fixação de preços ou divisão de mercado onde o intercâmbio de informações funciona como um vetor de facilitação;

iii. como uma prática autônoma na qual a troca de informações é o único ato de cooperação entre competidores.” (sic). In Nota Técnica nº 6/2024. PA nº 08700.000992/2024-75. Representante: Cade ex officio. Representados: 3M do Brasil Ltda. e outros. Página 19-20.

[3] PA nº 08700.007061/2024-06 (Empresas do setor de empilhadeiras); PA nº 08700.001198/2024-49 (Empresas multinacionais integrantes dos Grupos GES e GEAB); PA nº 08700.000992/2024-75 (Empresas do setor de bens de consumo – GECON); PA nº 08700.004548/2019-61 (Recursos humanos – Indústria de produtos, equipamentos e serviços correlatos para cuidados com a saúde (health care).

[4] Destaca-se, neste ponto, que a troca de informações pode ocorrer tanto de forma direta (via, dentre outros, e-mail, reuniões presenciais, aplicativos de conversas), quanto de forma indireta, por meio de um terceiro facilitador da conduta (associações e sindicatos, por exemplo).

[5] De acordo com o artigo 36, §2º, da Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011), a posição dominante é presumida quando uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar de forma unilateral e coordenada as condições de mercado ou quando tiver o controle de 20% ou mais do mercado relevante. Este percentual pode ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.   

Neste sentido, o acesso a informações desagregadas e atuais, por uma empresa com posição dominante, poderia ser considerada como uma conduta abusiva pelo CADE, já que em razão da posição ocupada pela empresa no mercado, de posse dos dados, a dinâmica deste mercado poderia ser alterada, em prejuízo aos demais concorrentes.

[6] Nota Técnica nº 6/2024. PA nº 08700.000992/2024-75. Representante: Cade ex officio. Representados: 3M do Brasil Ltda. e outros. Página 17.

[7] Nota Técnica nº 36/2021. PA 08700.004548/2019-61. Representante: Cade ex officio. Representados: Abbott Laboratórios do Brasil Ltda. e outros. Página 30.

[8] “72. Por fim, a estrutura e a dinâmica do mercado também influenciam no dano à concorrência ocasionado pela prática. Embora o mercado de muitos agentes não impeça o efeito anticoncorrencial da troca de informação recente ou futura, desagregada e frequente, é conhecido que o risco colusivo é maior em mercados concentrados. Além disso, a fim de verificar a ilicitude das trocas, é importante levar em consideração, por exemplo, a transparência do mercado, a simetria entre os concorrentes, as características do produto (a colusão é facilitada quando os produtos são homogêneos), a dinâmica do mercado (mercados que mudam com frequência tendem a gerar maior incerteza e criar uma série de incentivos a diversos agentes, dificultando efeitos colusivos) e a inovação (quanto menor, mais fácil a coordenação entre concorrentes)”. Nota Técnica nº 5/2024. PA nº 08700.001198/2024-49. Representante: Cade ex officio. Representados: Alcoa Alumínio S.A. e outros. Página 18.


Pedro Zanotta. Advogado em São Paulo, com especialidade em Direito Concorrencial, Regulatório e Minerário. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, em 1976. Foi titular dos departamentos jurídicos da Bayer e da Holcim. Foi Presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica – CECORE, da OAB/SP, de 2005 a 2009. Foi Presidente do Conselho e é Conselheiro do IBRAC. Autor de diversos artigos e publicações em matéria concorrencial. Sócio de BRZ Advogados.

Dayane Garcia Lopes Criscuolo. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Magistratura – EPM. Mestre em Cultura Jurídica pelas Universitat de Girona – UdG (Espanha), Università degli Studi di Genova – UniGE (Itália) e Universidad Austral de Chile – UAch (Chile). Aluna do Programa de Doutorado da Universidad de Buenos Aires – UBA (Argentina). Membro dos comitês de Mercados Digitais e Direito Concorrencial do Instituto Brasileiro de Concorrência, Relações de Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). Pesquisadora REDIPAL – Red de Investigadores Parlamentarios en Línea de la Cámara de Diputados de México. Autora de diversos artigos relacionados ao Direito da Concorrência, Direitos Humanos e questões de gênero.


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Pedro Zanotta e Dayane Garcia Lopes Criscuolo

Veja um caso recente de troca de informações sensíveis no mercado de trabalho

Cade celebra acordos em processo que investiga condutas anticompetitivas no mercado de trabalho da indústria de healthcare

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A necessária atualização dos valores de notificação de fusões e aquisições ao CADE

Elvino de Carvalho Mendonça e César Mattos

Já não é sem tempo a correção dos valores para a obrigatoriedade de submissão de atos de concentração ao CADE previstos no art. 88 da Lei nº 12.529/2011, os quais se encontram, desde 2011, em R$ 750 milhões e R$ 75 milhões para os grupos envolvidos nas operações.

Vale lembrar que esses critérios de faturamento têm como objetivo selecionar aquelas operações de fusão e aquisição que envolvem empresas com tamanho capaz de afetar o mercado concorrencialmente, pois parte-se da hipótese de que as empresas com grande faturamento são aquelas que também possuem grande participação de mercado. Critério bastante intuitivo e que evita que as empresas que não têm participação relevante sejam obrigadas a notificar ao SBDC e que o Estado seja obrigado a analisar operações que não tenham qualquer problema concorrencial, gerando custos para as empresas e para o erário público.

Mas quais são os faturamentos ideais para evitar custos desnecessários? Difícil responder a esta pergunta e, como economistas, tememos dizer a clássica palavra de todo início de resposta em nossa profissão: depende. De fato, os parâmetros de faturamento ideais dependem do trade-off entre um grau mais estrito de controle que se objetiva ter sobre as estruturas de mercado e o quanto o Estado está disposto a abrir mão de recursos em troca do benefício de controlar aquilo que não tem relevância do ponto de vista concorrencial.

É, essa conta não é fácil!!! Como falamos, depende de inúmeras variáveis, que estão ligadas a diversas percepções e a diferentes maneiras de ver o mundo.

No entanto, há uma conta fácil a ser feita, que é o de corrigir pela inflação os valores definidos pela Portaria Conjunta MJ e MF em 2011. Esse exercício, embora não resolva as controvérsias dos valores originalmente definidos, pelo menos nos mostra quantos atos de concentração são desnecessariamente submetidos ao sistema.

Utilizando-se o IPCA acumulado entre 2012 e 2024 de 198,6% para corrigir os valores originais, chega-se aos valores de R$ 1.489.450.196,14 e R$ 148.945.019,61 para os critérios de submissão obrigatório de atos de concentração.

Figura 1. Atos de concentração efetivamente submetidos ao CADE, estimados e a diferença – 2024

Fonte: CADE; Base de atos de concentração da WebAdvocacy[1]

Considerando que foram submetidos ao CADE 627 atos de concentração em 2024 distribuídos ao longo do ano e se aplicarmos a variação de 198,6% ao número de atos de concentração submetidos obrigatoriamente ao CADE, chega-se a um número estimado de 316 atos de concentração, o que gera uma estimativa de 311 atos de concentração que não teriam sido submetidos de forma obrigatória, 49,6% do total submetido.

Se considerarmos que apenas 2% dos casos submetidos ao CADE apresentam algum tipo de restrição, poderíamos dizer que dos 311 casos que não seriam submetidos, apenas 6 apresentariam algum tipo de restrição, o que mostra que quase 50% dos atos de concentração submetidos ao CADE são irrelevantes do ponto de vista concorrencial.

Informação veiculada no Jornal Valor Econômico de 30/01/2025[2] informa que se planeja atualizar os critérios atuais de R$ 750 milhões para R$ 1 bilhão (inferior aos R$ 1,49 bilhões calculados pelo IPCA acima) e de R$ 75 milhões para R$ 200 milhões (superior aos R$ 148,9 milhões calculados pelo IPCA acima). O CADE, no entanto, em Nota à Imprensa[3], negou que esteja avaliando reajuste desses valores.

De qualquer forma, entendemos ser necessária a atualização dos valores de notificação de fusões e aquisições ao CADE, sob pena de ampliar ainda mais os custos dos administrados e do Estado sem que qualquer benefício seja auferido pela sociedade. .


[1] https://webadvocacy.com.br/base-atos-de-concentracao/

[2] https://valor.globo.com/impresso/noticia/2025/01/30/governo-vai-corrigir-valor-de-operacoes-levadas-ao-cade.ghtml

[3] https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/nota-a-imprensa-2013-esclarecimento-sobre-reportagem-do-jornal-valor-economico


Elvino de Carvalho Mendonça. Ex-conselheiro do CADE, Doutor em economia pela UNB, mestre em economia pela UFF e administrador de empresas pela PUC/RIO.

César Mattos. Doutor em economia. Ex-conselheiro do CADE e Ex-secretário da SEAE. Consultor legislativo da Câmara dos Deputados.


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https://www.gov.br/cade/pt-br/pagina-inicial

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Entre juros altos e tarifas de importação: a relação Brasil x China permanece na esperança do desenvolvimentismo

‘A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar’.

Sun Tsu

Cristina Ribas Vargas

Há algum tempo acredito com convicção que o estudo da variável tempo é o elemento chave não só para o desenvolvimento da física avançada, mas para a compreensão do funcionamento da economia e do próprio comportamento humano. Em economia consideramos o curto prazo como tempo relativo a algum fator de produção fixo, e o longo prazo em termos de fatores variáveis. Esta dicotomia condiciona nosso cérebro a pensar sob os dois aspectos, e enxergamos a economia como uma sucessão de fotografias, em que dados estatísticos são organizados e avaliamos sua evolução em diferentes pontos do tempo.  Mas quando pensamos que o tempo é um espectro contínuo de prazos, só conseguimos contemplar a mudança que de fato ocorre em um mercado ou sociedade, quando os olhamos como um filme sendo reproduzido. Essa alegoria trata de lembrar da importante diferença entre a análise dinâmica e a análise estática comparativa, tal como Schumpeter propunha, olhar o mundo sob o enfoque institucionalista evolucionista. Temos muito ainda a aprender sobre as aplicações dessa variável nas ciências econômicas. Os tempos de produção das firmas, por exemplo, que operam em uma mesma indústria, não são iguais nem equivalentes entre si. Agregar o produto de diferentes firmas e diferentes indústrias a fim de projetar os impactos de uma política econômica pode ser insuficiente para compreender as mudanças estruturais e as causas dos desequilíbrios no mundo real. Entender se uma trustificação ou mesmo uma fragmentação de um monopólio é resultado do surgimento de inovações implica em analisar como o novo vem surgindo ao lado do velho, sejam sob o formato de novas firmas, produtos ou processos produtivos.

Essa introdução, inspirada na econofísica, ocorre em uma semana em que duas notícias importantes pautaram os noticiários de economia, e pareceu-me impossível apresentá-las de forma isolada e independente. A primeira diz respeito ao comércio internacional e à imposição de tarifas de importação por Donald Trump contra produtos fabricados na China, que devem começar a valer a partir de 04 de fevereiro. A China já manifestou que o aumento unilateral de tarifas viola as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), e tenciona apresentar medida judicial contra os EUA. Para James Robinson, um dos autores de “Why Nations Fail”, o crescimento da China é extrativista, e prioriza a manutenção do poder do Partido Comunista Chinês(PCC) em detrimento de um desenvolvimento econômico inclusivo, e portanto, é não sustentável.

Este ano completam 47 anos desde o início da Reforma Modernizadora implementada por Deng Xiao Ping na China, que contemplava não só investimentos em indústria, ciência e tecnologia, mas introduzia um sistema de reforma agrária que eliminava o sistema de comunas, e conferia aos produtores rurais independência no gerenciamento de propriedades rurais, e ainda, previa investimentos públicos para aqueles que apresentassem aumento de produtividade e inovações em produtos e processos. A estes seria facilitado o contato com investidores estrangeiros instalados nas Zonas Econômicas Especiais da China para a formação de parcerias entre empresas estrangeiras e empresas chinesas. Esse processo fez com que, de 1979 a 2024, a China sustentasse um crescimento médio próximo de 10% ao ano, e sua economia atingiu patamares de desenvolvimento similares a países que implementaram a abertura para o mercado décadas antes. É verdade que se trata de um crescimento puxado pelas exportações, contudo atualmente a mudança estrutural já é visível, e a imposição de tarifas de importação pelo gigante EUA pode gerar resultados contrários ao esperado. A lição trazida pela China nos últimos anos foi a de que Estado e setor privado não são incompatíveis, ao contrário, se complementam.

Parece que frente a sinais de restrições de importantes parceiros comerciais, a fim de manter o crescimento de suas empresas privadas a China deve buscar investimentos e parcerias com outros países. De fato, tem havido desde 2014 uma redução do número de empresas chinesas, cuja participação na economia caiu de 59% para 37%, porém tal fato parece decorrer mais de uma conjuntura comercial externa desfavorável, e da necessidade de novos incentivos à continuidade do processo de modernização, do que de uma pressão interna do PCC pelo fim dos empreendimentos privados. Além disso, é sempre importante ter em mente que as variações numéricas relativas à China são em grandes magnitudes, haja vista que se trata de uma população de 1,408 bilhões de pessoas.

É nesse ponto que introduzo a segunda notícia importante da semana: o manifesto desejo de redução da taxa básica de juros por parte do governo brasileiro, e a elevação da Selic de 12,25% para 13,25% ao ano.  A inflação segue sob controle, mas é a âncora dos juros continua a estabilizar o velho navio.

Definitivamente o tempo não é absoluto para todos os países. O Brasil priorizou o controle inflacionário desde 1994, fundamental para que o mercado e o próprio governo fossem capazes de organizar-se e de projetar orçamentos, receitas e despesas, com o mínimo de segurança. Contudo, o novo Shumpeteriano só pode vir se o crescimento econômico estiver presente. Não há receita única e certa para promoção do espetáculo do crescimento, mas há oportunidades de alianças comerciais com inovações relevantes. Um ambiente comercial pautado na cooperação foi observado quando as transações comerciais entre Brasil e China utilizaram o mecanismo de compensação direta de yuans para real, feito pelo Banco Industrial e Comercial da China. Um comércio internacional realmente competitivo não sobrevive com único vencedor hegemônico. O jogo não pode ter solução única para funcionar. O jogo de xadrez que conhecemos no ocidente originou-se na Pérsia e foi aprimorado na Europa. É um jogo onde um perde e o outro ganha. Para um jogador sair vencedor, o outro precisa perder. Na China o jogo de estratégia muito apreciado é o Wei Qi, no qual o jogador não busca uma vitória total, mas vantagens relativas. Enquanto no xadrez o objetivo é eliminar as peças do oponente, no Wei Qi o objetivo é o cerco estratégico; enquanto o xadrez ensina foco, o Wei Qi ensina flexibilidade estratégica. Na figura abaixo vemos o resultado final de uma partida de Wei Qi. As peças pretas apresentam uma pequena vantagem relativa, mas em diversos setores do tabuleiro as peças brancas vencem.

Figura 1 – Resultado final de uma partida de Wei Qi.

Fonte: imagem extraída do livro ‘Sobre a China’.

Finalizo buscando expressar o quanto acredito que a parceria entre esses dois gigantes, Brasil e China, poderia alavancar não só suas próprias economias, mas elevar a economia mundial a um novo patamar de relações internacionais. Um sistema híbrido entre concorrência privada e coordenação estatal é possível, e pode ser o principal caminho para a retomada dos países em desenvolvimento frente a tantas restrições externas.

Referências

Bresser-Pereira, Luiz Carlos. Como pensam os Chineses, disponível em https://www.bresserpereira.org.br/articles/31.08.2024-como-pensam-os-chineses.pdf

Costa, Fernando Nogueira da. Econofísica II: Economia como Sistema Complexo e Dinâmico e a Física de Einstein. Disponível em https://www3.eco.unicamp.br/noticias/econofisica-ii-economia-como-sistema-complexo-e-dinamico-e-a-fisica-de-einstein

Kissinger, Henry. Sobre a China, Ed.Objetiva: 2011.

Schumpeter, Joseph. Teoria do Desenvolvimento Econômico. Coleção: Os economistas, Ed. Abril Cultural.


Cristina Ribas Vargas. Doutora em economia do desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUC/RS e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.   Atuou como professora substituta na UFRGS e professora adjunta em instituições de ensino privado. É economista da Administração Pública Federal desde 2005, e atualmente está atuando na CGAA2 do Cade.

endereço linkedin: http://linkedin.com/in/cristina-vargas-5921195a


Leia o artigo de Cristina Ribas Vargas sobre a relação entre o comércio internacional da China e a política antitruste:

O Comércio Internacional da China e a Política Antitruste

Leia também:

Quais setores da economia dos EUA serão afetados por retaliação da China à tarifas de Trump

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O Programa de Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC): uma oportunidade de política pública inovadora?

Nelson Siffert e Katia Rocha

  1. Marco Legal do Hidrogênio de Baixo Carbono

O ano de 2024 foi exitoso para indústria de Hidrogênio de Baixo Carbono no Brasil, com a sanção da Política Nacional do Hidrogênio de Baixo Carbono, Lei 14.948, que regulamenta a produção e institui uma certificação voluntária (Marco Legal), e com o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), Lei 14.990 com metas de desenvolvimento para o mercado interno e incentivos fiscais para a commodity e seus derivados.

As políticas públicas de apoio ao desenvolvimento da nascente indústria do hidrogênio de baixo carbono (H2BC), não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, devem ter como foco, conforme apontado pelo Diretor Geral da Agência Internacional de Energia (IEA, 2024), Sr. Faid Fahol, ações que busquem, sobretudo, mobilizar o lado da demanda. Espera-se, assim, reduzir o gap, atualmente identificado na economia EBC, entre as intenções de investimento, que somam 520 GW em termos de capacidade de eletrólise e as decisões finais de investimento (FID), que alcançam somente 7% deste montante.

O PHBC tem por objetivo desenvolver a economia do hidrogênio de baixa emissão, estabelecendo metas e objetivos, com foco na sua utilização em setores industriais de difícil descarbonização, como fertilizantes, siderúrgico, cimento, química e petroquímica. O setor de transportes pesado também é indicado. É previsto que a iniciativa do PHBC contribua para o desenvolvimento regional, mitigação e adaptação à mudança do clima, difusão tecnológica e diversificação do parque industrial brasileiro.

O Marco Legal do Hidrogênio de Baixo Carbono, por sua vez, apresenta uma definição clara: hidrogênio de baixo carbono, independente da rota tecnológica de sua produção, é aquele que apresenta um nível de emissões, com base no ciclo de vida, menores ou iguais a 7 kg CO2eq/kgH2. Desse modo, os incentivos previstos no PHBC estão abertos às diferentes rotas tecnológicas de produção de H2BC, devendo o valor previsto da subvenção ser proporcional às reduções das emissões diretas de CO2.

É apontado no PHBC que créditos fiscais poderão ser utilizados na comercialização do H2BC, em um montante de até 100% da diferença de preço entre o H2BC e o hidrogênio de origem fóssil. A Lei expressamente recomenda que os incentivos sejam concedidos com base em procedimentos competitivos, sendo os leilões, os candidatos naturais de serem empregados.

Os valores a serem concedidos pelo PHBC somam R$ 18,3 bilhões no período 2028 a 2032, com tetos anuais de R$ 1,7 bi em 2028; R$ 2,9 bilhões em 2029; R$ 4,2 bilhões em 2030; R$ 4,5 bilhões em 2031 e R$ 5 bilhões em 2032. Quando se compara com  o Orçamento de Subsídios da União que totalizou, em 2023, a quantia de R$ 647 Bilhões, sendo R$ 519 Bilhões (80%) na modalidade Subsídios Tributários, evidencia-se que o montante alocado ao PHBC é razoável, passível de ser fiscalmente absorvido, uma vez a quantia alocada anualmente no Programa (média de R$ 3,6 Bilhões) representa apenas 0,6% dos Subsídios Totais da União. Ficou estabelecido o critério de julgamento do leilão, o menor valor do crédito por quilograma de H2BC, e o crédito fiscal poderá ser utilizado por parte de produtores e/ou compradores de hidrogênio de baixo carbono.

Uma vez que o crédito fiscal venha ser integralmente empregado para honrar obrigações fiscais que de todo modo estariam presentes, independente da alternativa de honrá-las com o mecanismo criado em Lei, possibilita uma monetização do incentivo. Com o potencial rebatimento no fluxo de caixa, torna-se viável pagar um valor mais elevado pelo H2BC uma vez que associado ao seu consumo estará presente a possibilidade de usar o crédito fiscal. Ainda, o dispositivo legal coloca que os créditos fiscais poderão ser objeto de compensação com débitos próprios, vincendos ou vencidos, relativos aos tributos federais ou mesmo ressarcimento em dinheiro em até 12 meses do seu pedido.

Uma vez que é recomentado expressamente a adoção de mecanismos competitivos da concessão dos créditos fiscais, cabe examinar as experiências internacionais que fazem uso de tais mecanismos competitivos na concessão de subvenções, a exemplo dos leilões levados a cabo pela Fundação H2Global e pelo Banco Europeu do Hidrogênio.

Ressalta-se que a indústria do H2BC tem encontrado na implantação de leilões um mecanismo competitivo para promover a produção e o uso do hidrogênio de baixo carbono. Além de revelarem os preços que tornam factível remunerar os produtores, oferecem previsibilidade de receitas a longo prazo, mobilizam a cadeia de valor e minimizam o custo global do apoio.

2. Experiências Internacionais e Aspectos Competitivos dos Leilões

Estudo recém-divulgado pela IRENA 2024, “Green Hydrogen Auction: A guide to design,” apresenta diversas experiências de leilões de H2BC, seja no âmbito internacional, como o do H2Global; ou no plano regional, como o Banco Europeu do Hidrogênio (EHB); ou mesmo à nível dos países, como no Chile, Dinamarca, Alemanha, Índia, Holanda e Inglaterra. Segundo o documento, a primeira etapa no desenho de um processo competitivo com base em leilões é: i) definir o produto a ser leiloado; ii) o orçamento que se dispõe; e iii) o volume a ser transacionado.

Observa-se adoção de diferentes modelagens de leilões, sejam voltadas para promover a oferta, focando na implantação de projetos, ou voltadas para incentivar o uso do hidrogênio, elevando a demanda. Há também os leilões duplos, que promovem tanto a oferta como a demanda.

Diversos parâmetros precisam ser estabelecidos pelos formuladores de políticas públicas no desenho e implantação dos leilões. O orçamento que se dispõe para realização do leilão define, em boa medida, a quantidade que será apoiada pelo mecanismo competitivo. Cabe responder se será apenas um único leilão ou uma política sequencial, com mais de um leilão. Será preciso definir o produto objeto do leilão, se o hidrogênio, seus derivados ou se será considerada a capacidade implantada de eletrolisadores ou um determinado volume de produção anual. Os requerimentos de qualificação devem ser definidos.

Há também aspectos de conteúdo local da cadeia de valor do hidrogênio que podem estar associados às políticas de leilões. Questões de natureza financeira como indexação dos contratos, prazos e variações cambiais também devem ser considerados.

A abrangência do leilão irá estabelecer as possíveis localizações dos projetos, cabendo especificar as tecnologias, os limites de produção e os requerimentos de quanto ao cronograma de entregas.

A matriz de risco, seja referente ao preço da energia renovável, qualidade do produto, disponibilidade de infraestrutura, segurança, qualidade do offtaker, entre outras, deve ser endereçada às partes interessadas (stakeholders) dos empreendimentos, em especial aos governos, empreendedores e consumidores.

Finalmente, o documento destaca as vantagens e desvantagens de cada tipo de leilão, sendo que sua escolha, se com foco na oferta, na demanda ou em ambos, deve estar alinhada aos objetivos específicos da política pública que se busca implantar, levando-se em conta as condições de mercado, e estabelecendo-se um pipeline de projetos com os respectivos indicadores econômico-financeiros.

3. Estimativa do Impacto das Proposições do PHBC

Para se estimar a quantidade de hidrogênio que será objeto de apoio no programa do PHBC é necessário assumir uma premissa quanto ao valor da diferença de preço entre o hidrogênio renovável (sem emissões diretas) e o hidrogênio cinza.

Assumindo a hipótese de uma subvenção equivalente a EUR 1,35 por kg de H2BC que venha a ser comercializada em um ambiente de alta concorrência, o que é possível de se obter, dado o interesse dos agentes pelo H2BC, obtém-se, com base no orçamento disponível, um volume de H2BC passível de ser subvencionado de cerca de 440.000 ton/ano de H2BC. No caso da rota tecnológica da eletrólise, tal montante representa uma capacidade instalada de 3 GW[1].

Tomando por base as premissas e o cálculo acima realizados, são elencadas algumas considerações:

  1. Os investimentos decorrentes da iniciativa do PHBC poderão atingir cerca de  EUR 15  bilhões, mostrando que para cada R$ 1 de incentivo são passíveis de serem obtidos R$ 5 em novos investimentos;
  2. Caso o prazo de utilização dos incentivos, sem alterar o orçamento proposto, possa alcançar 10 anos, é favorecida a bancabilidade dos empreendimentos com base no project finance, uma vez que será necessário recebíveis de longo prazo como garantia aos financiadores;
  3. Dado o grande volume de H2BC potencialmente passível de apoio, é recomendável que haja mais de um leilão para seleção dos projetos;
  4. Caso os incentivos fiscais sejam alocados exclusivamente aos compradores do H2BC, fomenta-se a demanda, por meio do estabelecimento de contratos de longo prazo de compra e venda de H2BC. Dessa forma, concentram-se esforços na superação do principal gargalo: a ausência de demanda de longo prazo. A demanda passa a ter o protagonismo no desenvolvimento da cadeia de produção e definição de modelos de negócios;
  5. Os projetos apresentados deverão ser configurados na forma de consórcios, incluindo, necessariamente, o produtor do H2BC, o offtaker (demandante e beneficiário do programa), produtor de energia renovável (ou contrato de fornecimento de longo prazo de energia), fornecedor da de equipamentos e uma instituição pública ou privada de pesquisa e tecnologia;
  6. O leilão poderia se dar em duas fases: a primeira fase seria voltada para habilitação e qualificação, onde seria verificada a aderência do consórcio aos requisitos técnicos e financeiros para participar do leilão. Nesta fase, também deverá ser apresentado um Plano de Negócios, explicitando o modelo técnico-operacional e econômico-financeiro, com indicadores como o LCOH, TIR, ICSD, WACC, entre outros. Outras informações importantes de se incluir nos requisitos versam sobre o montante do Capex, valores do Opex, assim como a origem do funding (capital próprio e de terceiros). Também deve ser apresentada uma declaração de um agente financeiro atestando as premissas econômico-financeiras adotadas e o resultados das projeções realizadas;
  7. Uma vez qualificado na primeira fase, os participantes do Leilão ingressam na segunda fase, que consiste em processo competitivo por meio de propostas fechadas de deságio sobre o valor teto do leilão para o H2BC, indicado o valor do crédito fiscal e quantidades de produto para cada ano. Deverão ser respeitados os limites mínimos e máximos de subvenção anteriormente definidos.
  8. As propostas selecionadas serão aquelas com a menor subvenção média por kg de H2BC comercializado, ponderado pela quantidade de H2BC produzido e comercializado, enfatizando dessa forma critérios competitivos e de minimização dos gastos públicos;
  9. Não se deve restringir apenas à comercialização direta do H2BC, mas também considerar a participação dos seus derivados (amônia, metanol, SAF). Neste caso é considerada a quantidade de H2 contida nestes produtos.

Verifica-se que o PHBC possui o condão de dar impulso à decolagem da indústria do hidrogênio de baixo carbono no Brasil a um custo razoável visto que o montante alocado ao PHBC anualmente (média de R$ 3,6 Bilhões ano) representa apenas 0,6% dos Subsídios Totais da União. Representa uma janela de oportunidade que uma vez bem estruturada na sua implantação permitirá que o Brasil em 2030 revele que é capaz de fazer uso de suas vantagens competitivas em energias renováveis e atividades industriais, contribuindo para a Transição Energética, à neoindustrialização, e ao crescimento e desenvolvimento econômico e social do país.

4. Referências

IRENA – Green Hydrogen Auction: A guide to design. 2024 Disponível em: https://www.irena.org/Publications/2024/Oct/Green-hydrogen-auctions-A-guide-to-design

BNDES -Credenciamento para produtos de baixo carbono: eletrolisadores, armazenamento, etc.: https://www.bndes.gov.br/wps/wcm/connect/site/674a275d-c4fc-4f33-b93062232f1b2285/Regulamento+BEC_vSite_jul24.pdf?MOD=AJPERES&CVID=p2zG.9K

EHB- O primeiro leilão do Banco Europeu do Hidrogênio – artigo de opinião do Gesel publicado em https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-primeiro-leilao-do-banco-europeu-do-hidrogenio.ghtml

EHB – Resultados do leilão de outubro 2024. https://climate.ec.europa.eu/news-your-voice/news/winners-first-eu-wide-renewable-hydrogen-auction-sign-grant-agreements-paving-way-new-european-2024-10-07_en

H2global – https://www.h2-global.org

Instituto Fraunhofer (2023) Power-to-X Country Analysis Site-specific, Comparative Analysis for Suitable Power-to-X Pathways and Products in Developing and Emerging Countries. Disponível em:

https://www.ise.fraunhofer.de/en/publications/studies/power-to-x-country-analyses.html


[1] De acordo com estudo da Instituto Fraunhofer (2023),1 GW de capacidade de eletrólise, operando com 95% de fator de capacidade é capaz de produzir cerca de 150.000 ton/ano de H2. São estimados EUR 5 bilhões de investimentos necessários para implantar 1 GW de capacidade de eletrólise, integrados com um parque de geraçao renovável solar PV e eólico com 300 MW de capacidade, capaz de garantir elevado nível de autossuprimento de energia.


Nelson Siffert – Diretor ICT – Resel e Bolsista PNPD do IPEA. E-mail: nfsfooo@gmail.com

Katia Rocha – Técnica de Planejamento e Pesquisa IPEA. E-mail: katia.rocha@ipea.gov.br


Leia outros artigos sobre hidrogênio dos autores Nelson Siffert e Katia Rocha:

Hidrogênio Verde: Estimativa da Produção Brasileira em 2030 e a Chamada Estratégica PDI 023/2024 da Aneel

A Competitividade Brasileira do Hidrogênio Verde e de Produtos Power-to-X1 

Estratégias para Desenvolvimento do Mercado de Hidrogênio Verde

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Apontamentos sobre o Tratado Inter-regional entre Mercosul e União Europeia

Fabio Luiz Gomes

Para se alcançar esse objetivo é preciso aprofundar os estudos entre esses dois blocos regionais, interrelacionar suas políticas fiscal e a coesão econômica e social, afinal, haverá transações internas (dentro do território de cada Estado), transações dentro dos respectivos blocos regionais, transações entre os Estados dos blocos regionais e, dos blocos e Estados terceiros, e, finalmente, do grande bloco inter-regional e outros blocos regionais, bem como Estados terceiros.

As implicações tributárias que esse fenômeno de aproximação intercontinental foi objeto de estudo meu[2], inclusive realizando contato estreito com outros ramos do direito (civil, empresarial e constitucional), não sendo, contudo, objeto dessa breve nota.

Será um desafio Hercúlio desenvolver todos esses elementos normativos adaptados a era digital com suas exponenciais transações sobre bens e serviços, com normas dinâmicas, transparentes e de acordo com as necessidades do terceiro milênio.

Embora somente seja a gênese a ser muito desenvolvida interregionalmente a assinatura entre esses dois blocos, é preciso dar o passo seguinte, há grandes resistências, embora os agora protagonistas (Mercosul e União Europeia) possam se tornar coadjuvantes se perderem esse fio histórico, afinal nos países do Sul Global estão surgindo outras lideranças que podem preencher essa lacuna internacional.

Para que esse processo de integração inter-regional chegasse a essa fase de amadurecimento, foi firmado um Acordo-quadro (Decisão nº 1999/279/CE) tendo como elementos essenciais uma formação comercial, político e de cooperação, tendo como chave mestre o princípio do desenvolvimento econômico e social sustentável.

Subsequentemente prosseguiu-se as negociações, entre idas e vindas, somente entre 2016 e 2019 houve um salto significativo em temas mais complexos consoante os interesses envolvidos entre os dois blocos, firmando, finalmente, na expressão do acordo birregional (28 de Junho de 2019).

No dia 06 de Dezembro de 2024 ficou estabelecido o primeiro passo para a extensão  do processo de integração inter-regional, foi a negociação, nestes estabeleceu-se o conteúdo a ser apresentado aos Estados membros dos dois Blocos.

Observa-se que esse avanço aquando ou se concluído impactarão em mais de 700 milhões de pessoas, os efeitos diretos da não tributação transfronteiriça ampliará as transações de bens e serviços entre esses blocos, permeará a melhor concorrência transacional com impactos multidimensional, desde o consumidor individual pertencente aos Estados envolvidos, até as transações desses blocos com Estados terceiros.

Obviamente, haverá grandes desafios, no campo tributário, como aumentará muito as transações de bens e serviços, dentro desse grande espaço com não tributação transfronteiriça, as administrações fiscais dos Estados envolvidos também deverão buscar tecnologia para o aprimoramento das suas comunicações, bem como a proteção dos dados dos contribuintes.

Para que isso ocorra também deverá ser desenvolvido um sistema jurídico capaz de atender as demandas que poderão surgir após o avanço integracional.

Além disso, haverá uma maior neutralidade fiscal dentro desse grande campo negocial, abrindo a possibilidade de se desenvolver pequenas e médias empresas que poderá expandir o âmbito dos seus alcances, por óbvio, esse caminhar dependerá do complexo normativo que permita essa viabilidade concorrencial, senão, continuará restrito aos grandes players internacionais.

Diversos setores serão atingidos, ao meu ver, positivamente em uma perspectiva maior, afinal será ampliado o número de consumidores e empresas, não só na produção, mais também na tecnologia, além da concorrência internacional, pois poderá obter melhores resultado para as suas exportações.

Em conclusão para essas breves notas, abriu-se a possibilidade de se aprimorar o processo de integração e envolver muitos Estados em dois continentes, com isso, também a melhor adaptação aos movimentos decorrentes da era digital, pois assim diminui-se a interface de planejamentos fiscais agressivos, ao menos dentro desse grande território intercontinental.

De qualquer maneira, novos players internacionais estão se inserindo relevantes, e essa seria uma oportunidade desses Estados se anteciparem, não de forma negativa, mas sim positiva, unindo esforços integracionistas, fortalecendo suas economias e também evitando resultados desastrosos que permeiam a economia global em razão dos conflitos armados em curso, ou o surgimento de outros e, ainda, a ampliação dos existentes.

Ainda, em uma perspectiva internacional, as empresas optam por sistemas jurídicos tecnologicamente mais modernos, isso acaba por repercutir no seu comportamento de investimento, um grande Bloco inter-regional permitiria um cenário adequando a concorrência, nomeadamente nas transações sobre bens e serviços.

Obviamente deverão aprimorar os seus sistemas fiscais, bem como a gestão dos seus tributos, que, somente será possível se houver uma coordenação das suas administrações fiscais, sob pena de se desenvolver um grande ambiente de evasão e fraude fiscal.


[2] GOMES, Fabio Luiz. Tributos Indiretos – Análise Comparativa União Europeia e Mercosul. Editora Almedina: São Paulo, 2024.


Fábio Luiz Gomes. Doutor em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca.

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Desigualdade e crescimento econômico: uma análise crítica das ideias de Stiglitz

Marco Aurélio Bittencourt

A desigualdade, um dos temas mais debatidos na economia globalizada, apresenta-se como um obstáculo para o crescimento e a estabilidade econômica. Joseph Stiglitz, renomado economista e laureado com o Prêmio Nobel, dedicou grande parte de sua obra acadêmica a essa questão complexa e multifacetada. Em seus trabalhos, ele desconstrói a crença de que o crescimento econômico, por si só, impactaria positivamente a vida de todos os cidadãos. Stiglitz argumenta que políticas que favorecem os ricos tendem a perpetuar a disparidade econômica, criando um ciclo vicioso que concentra riqueza e oportunidades nas mãos de uma minoria privilegiada. Ele retorna ao tema em seu artigo “Inequality and Economic Growth”, sobre o qual tecerei algumas considerações.

Stiglitz demonstra que a desigualdade de renda é um fenômeno generalizado nas economias mais desenvolvidas. É nesse contexto que ele enfatiza a busca por renda, definida como a obtenção de renda não pela criação de riqueza, mas sim pela apropriação de uma fatia maior da riqueza já existente. Essa captura do poder político pelos mais ricos, que implantam políticas em seu próprio benefício, invalida a hipótese do gotejamento, segundo a qual os benefícios concedidos aos ricos acabariam “pingando” para os demais agentes da economia. Pelo contrário, o que se observa é uma concentração de renda cada vez maior.

Concordo com Stiglitz que a busca desenfreada por renda é um dos principais motores da crescente desigualdade, impactando diretamente a alta dos rendimentos dos mais ricos e minando a teoria da produtividade marginal da distribuição de renda. Afinal, se a riqueza é apenas apropriada e não criada, a parcela que cabe aos menos favorecidos diminui, agravando a disparidade. No entanto, a análise de Stiglitz precisa ser complementada com uma investigação mais profunda sobre como a aversão ao risco, arraigada em diversas culturas, influencia a estagnação econômica e a nova estrutura produtiva que vem crescendo em favor do comércio e serviços onde se alojam multidões de baixa produtividade.

Culturas que privilegiam a estabilidade em detrimento da ousadia podem acabar favorecendo projetos conservadores e de baixo risco, o que, em última instância, pode prejudicar a inovação e, ironicamente, intensificar a busca por renda. Essa aversão ao risco se manifesta na resistência a investimentos em novas tecnologias, na preferência por setores tradicionais da economia e na dificuldade de implementar reformas estruturais. No Brasil, por exemplo, a aversão ao risco pode ser observada na alta concentração de investimentos em ativos de renda fixa e na relutância em investir em setores com maior potencial de crescimento, mas também com maior risco, como o setor de tecnologia.

Do lado da estrutura produtiva, é evidente que o padrão de emprego e de produção se alinha com a tendência global de terceirização da economia. Nos EUA, como mostra Parkin em seu livro de Economia, a produção agrícola representa cerca de 5% da produção americana, a indústria cerca de 20% e os serviços e comércio os restantes 75%. No lado do emprego, Parkin avalia o capital humano dos EUA: trabalhadores com ensino superior representam cerca de 23% da força de trabalho, aqueles com ensino médio completo cerca de 60%, enquanto os que não concluíram o ensino médio somam cerca de 10% e aqueles com menos de 5 anos de ensino fundamental cerca de 5%. É fácil deduzir que os profissionais de nível superior se concentram nas atividades mais produtivas, como a indústria e os serviços de alta tecnologia, enquanto a maioria dos trabalhadores com ensino médio se dirige ao setor de comércio e serviços, caracterizado por baixa produtividade e baixos salários. No Brasil, essa tendência de terceirização da economia e concentração de trabalhadores com baixa qualificação no setor de serviços contribui para a persistência crescente da desigualdade onde o piso seria o salário mínimo.

Stiglitz também se debruça sobre a relação complexa entre políticas monetárias e o valor dos ativos, defendendo que políticas que resultam em taxas de juros baixas podem inflar artificialmente o valor de ativos fixos “improdutivos”, como imóveis e ações. Embora concorde que essa valorização de ativos improdutivos possa exacerbar a desigualdade, permitindo que os mais ricos acumulem riqueza de forma desproporcional, discordo da afirmação de que a redução da taxa de juros, por si só, gere um aumento real da riqueza. Na verdade, o que impulsiona a economia de forma sustentável é o efeito relativo da taxa de juros, ou seja, a diferença entre as taxas para diferentes agentes e setores. É essa diferença que estimula o investimento produtivo, a inovação e, consequentemente, o crescimento econômico.

Outro ponto crucial na análise da desigualdade reside na influência das instituições e da política. Stiglitz acertadamente aponta que instituições e políticas distorcidas, que favorecem os ricos em detrimento da maioria da população, tendem a perpetuar a disparidade de renda, criando um sistema injusto e excludente. No entanto, sua análise peca ao negligenciar a importância da mudança estrutural na economia, especialmente o crescimento exponencial do setor de serviços, caracterizado por sua baixa produtividade, como um fator determinante na dinâmica da desigualdade. Esse crescimento desproporcional do setor de serviços, em detrimento de setores mais produtivos, pode gerar um desequilíbrio na economia, impactando a distribuição de renda e a geração de empregos de qualidade.

A desigualdade, como bem aponta Stiglitz, tem um alto custo, não apenas em termos de justiça social, mas também em termos de crescimento econômico e estabilidade. Nesse ponto, concordo plenamente com a necessidade de políticas públicas eficazes que busquem reduzir a disparidade econômica, promovendo a igualdade de oportunidades e garantindo que os frutos do crescimento sejam compartilhados de forma mais justa. Stiglitz cita ainda a diferença salarial entre trabalhadores, destacando o afastamento espetacular dos chamados Executivos (CEOs) em relação ao salário médio. Ele não consegue ver qualquer relação com a produtividade, que agora faz crer ser uma boa teoria, mas desconsidera os pactos legítimos entre o CEO e o dono da empresa. O caso dos CEOs ilegítimos não se trata de economia, mas de punição legal.

Em suas prescrições de política, Stiglitz indica: investimentos em educação, aumento do salário mínimo, fortalecimento dos sindicatos e controle salarial dos executivos. Todavia, tais medidas precisam ser implementadas com cautela e bom senso, sempre respeitando a liberdade econômica e o princípio da meritocracia. Nos EUA, o problema de inclusão social não parece ter a dimensão que aponte a necessidade de políticas inclusivas arbitrárias. Discordo, portanto, da intervenção desnecessária na remuneração de executivos, desde que esta seja “legítima e justa”, baseada na produtividade e no mérito individual, e que respeite as negociações entre executivos e donos das empresas, que certamente elevam a remuneração desses executivos muito além da sua “produtividade”. Quanto aos sindicatos, a nova estrutura produtiva explica em grande parte o enfraquecimento dos sindicatos. A globalização também seria mais uma razão para o enfraquecimento dos sindicatos. Afinal, a intervenção estatal excessiva pode sufocar a iniciativa privada, desestimular o empreendedorismo e, em última instância, prejudicar o crescimento econômico.

É preciso também questionar o sobreinvestimento em educação superior, sem que haja um redirecionamento adequado de políticas públicas para a melhoria da qualidade do ensino fundamental e médio. A distribuição do capital humano na economia, com um número crescente de graduados e um déficit de profissionais qualificados em áreas técnicas e de nível médio, demonstra um limite estrutural para a absorção de mão de obra com nível superior, embora também venha crescendo; o que faz sugerir que mais educação se associa a mais produtividade e que isso se espraie por todos os setores da economia. Diante dessa realidade, torna-se imperativo implementar políticas que promovam a ascensão de trabalhadores de nível médio para cargos de maior remuneração e que, ao mesmo tempo, garantam o acesso à educação superior de qualidade para aqueles que realmente demonstrarem aptidão e interesse.

Em síntese, concordo com a crítica contundente de Stiglitz à “economia de gotejamento” e à ilusão de que o crescimento econômico, por si só, é capaz de resolver o problema da desigualdade. No entanto, a análise dessa questão complexa precisa ser aprofundada e enriquecida, considerando fatores como a aversão ao risco, o efeito relativo das taxas de juros, a mudança estrutural na economia e o papel crucial das instituições. As políticas para combater a desigualdade devem priorizar a igualdade de oportunidades, mas sem sacrificar a liberdade econômica e a remuneração justa de executivos.

Por fim, no que concerne às propostas políticas de Stiglitz para combater a desigualdade, minha discordância é profunda. Embora abordem o problema, elas se aproximam perigosamente do autoritarismo, como a intervenção arbitrária no mercado de executivos e um apoio a um fortalecimento elusivo dos sindicatos. É fundamental combater a corrupção com rigor e imparcialidade, mas cortes indiscriminados em salários, sem o devido entendimento dos fatores envolvidos diretamente com a questão, são inadmissíveis. Em relação à educação, questiono a necessidade de maiores investimentos sem que haja uma reestruturação profunda do sistema educacional em suas prioridades. O desafio consiste em adequar o ensino médio e profissionalizante à realidade estrutural do país, formando profissionais qualificados para atender às demandas do mercado de trabalho. No mais fica a certeza que faço bem em me afastar de uma visão progressista que levanta questões pertinentes, mas endereçam suas políticas em direção ao arbítrio e autoritarismo.

Leia o outro artigo do autor:

Mercado Nervoso: você acredita? Sim, eu acredito!

Leia também a Carta de Conjuntura do IPEA (Desigualdade de renda):

Desigualdade de renda | Carta de Conjuntura


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb. Email. 0171969@etfbsb.edu.br 

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O que esperar agora, Mundo?

Adriana da Costa Fernandes

Quem assistiu o discurso de posse do novo Presidente Americano e se preocupa com o Meio Ambiente e o futuro do Mundo, no mínimo, se assustou ou se indignou com o que ouviu.

Já foi mais do que provado acadêmica e tecnicamente que o uso de combustíveis fósseis e, em especial, do chamado “fracking”, do inglês fratura ou estimulação hidráulica, consubstanciam alguns dos maiores fatores de aquecimento global.

Para quem não sabe exatamente o que significa o termo fracking, se trata de um procedimento utilizado na produção de energia geotérmica que aumenta a recuperação de fluídos quentes posteriormente utilizados na produção de calor ou eletricidade. Injeta-se, em alta pressão, uma mistura de água, propante (areia ou outros materiais) e diversos produtos químicos para permitir a ampliação de fraturas e fissuras no substrato rochoso, onde se encontram o gás natural e o petróleo, permitindo, assim, sua expulsão para a superfície. Em 2010, a estimativa era de que essa técnica era utilizada em 60% dos poços de extração.

Ainda que os defensores do fracking argumentem enfaticamente sobre os benefícios de aspectos econômicos, uma vez que a técnica permite o acesso a áreas antes não acessíveis, grande parte do Mundo, realmente preocupada com o futuro ambiental, sinaliza que sua utilização apresenta fortes impactos ambientais, como desmatamento, degradação, poluição de recursos hídricos, consumo de água elevado, chuva ácidas, poluição sonora, a citada contaminação da superfície por meio dos produtos químicos utilizados, abalos sísmicos e impactos à saúde. Um dos grandes problemas identificados é a poluição do ar, apta a gerar problemas neurológicos, doenças respiratórias e câncer em animais selvagens, da mesma forma, causando efeitos relativos ao preocupante aquecimento global e ao efeito estufa.

Países como o Reino Unido, África do Sul, Alemanha, França, Eslovênia e Bulgária já proibiram ou estabeleceram moratória à sua adoção. A União Europeia adotou uma recomendação visando a observação de princípios mínimos para o uso do fraturamento hidráulico de alto volume. Organizações Não-Governamentais, como o Greenpeace, vêm apelando fortemente a Países como a Hungria, para que igualmente suspendam seu uso e apoiem as energias renováveis.

No polêmico discurso de posse, o Governo Americano indicou que reforçará a utilização do fracking como uma das formas de fortalecer o ambiente econômico interno. Desconsiderando o movimento que todo o resto do Mundo tem adotado em prol do uso de energias limpas. Cumpre acompanhar cautelosamente o que virá.

Será essencial monitorar como a Organização das Nações Unidas – ONU, por meio de seus fóruns específicos, reagirá e como as relações internacionais se reescreverão.

No que diz respeito às emissões de gases de efeito estufa, o ano de 2024 foi dotado de altos e baixos.

A China vem ampliando suas conexões, investindo em diversos Países da África e da América Latina, bem como o Peru, especialmente em Infraestrutura. O País lançou, conjuntamente com o Programa Para o Meio Ambiente da ONU (PNUMA), o Fundo de Biodiversidade de Kunming, com o objetivo de apoiar projetos de conservação em todo o Globo e o Marco de Biodiversidade Global Kunming-Montreal, a fim de reverter a perda da natureza. Adicionalmente, mais de três dúzias de pequenos Estados insulares em desenvolvimento se reuniram para elaborar um plano de estímulo sustentável e combate às mudanças climáticas. O Planeta Terra claramente se une e os Estados Unidos recuam.

Diversas decisões judiciais recentes estabeleceram precedentes internacionais determinando que os Governos possuem obrigação legal de lidar com as mudanças de clima. Apenas em 2023, o número destas decisões dobrou em relação ao período de 2017 a 2022. Em sintonia, os líderes mundiais adotaram o Pacto para o Futuro, considerado um acordo internacional inovador criado para estabelecer as bases de uma ordem global justa, sustentável e pacífica. No Acordo, inclusive, está enfatizada a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis, reduzir a poluição plástica e química, protegendo a biodiversidade. Em linha totalmente oposta ao que pretende o novo Governo Americano.

Vem sendo adotadas diversas iniciativas entre os Países, até mesmo no inerente aos Centros de Servidores de Inteligência Artificial – IA e a produção de lixo eletrônico tóxico, considerados vorazes consumidores de água e eletricidade. Da mesma forma, buscando eliminar vazamentos de metano, um dos gases causadores do efeito estufa.

Sobre os efeitos negativos mais significativos identificados ao longo de 2024, foi mapeado que quase metade das espécies migratórias listadas em um importante tratado estão em declínio, sendo que uma em cada cinco se encontra ameaçada de extinção, especialmente em face da perda de seu habitat essencial por indução humana. Foram testemunhadas secas devastadoras e enchentes recordes. Além disto, o lixo municipal deverá aumentar em torno de dois terços até 2050.

Diante disto tudo, os Estados Unidos, por sua vez, parecem estar retrocedendo de olhos abertos e passando a considerar apenas o seu contexto interno, se fechando ao resto do Mundo. Os primeiros atos refletem isso e chocam. A saída imediata do Acordo de Paris, acabar diretamente com investimentos e o mercado de energia eólica e verde e, dentre outros pontos controversos, a eliminação de qualquer limite necessário à Liberdade de Expressão.

Será fundamental que o Mundo, então, avalie com calma, mas sem demora, como reagir à postura “Vamos Perfurar, bebê, vamos perfurar”. Palavras não são atos. E será essencial adotar o monitoramento estrito de cada novo passo americano, identificando o que for construído sobre fake News e o que não, além da adoção do suporte coletivo aos impactos a diversos Países.

O caminho mais certo para a adequada resposta é que cada ser individual passe a adotar mudanças fundamentais sobre sua forma de interação com o universo natural e sobre sua vinculação efetiva com as redes sociais. Isto impactará Governos em todo o Mundo.

A hora é essa. Repensar. Rever. Melhor agir.

Leia o documento da ONU sobre a emergência climática no Mundo:

A Emergência Climática

Leia também a notícia sobre a saída dos EUA do Acordo de Paris.

Saída da OMS e Acordo de Paris: veja principais medidas já sancionadas nas primeiras horas de Governo Trump

Veja o artigo da colunista Fernanda Manzano Sayeg sobre os efeitos das mudanças climáticas

Normas sobre mudanças climáticas podem impedir o ingresso de produtos brasileiros na União Europeia


Adriana da Costa Fernandes. Advogada com atuação em 3 eixos: Direito Público; Infraestrutura e Tecnologia (em especial Telecom, TI, Digital, Energia Elétrica e Ferrovias) e Cível Estratégico (foco em Consumidor e Contratos). Mestranda em Direito Constitucional pela UNINTER PR sob a tutela da Profa. Dra. Estefânia Barboza e com tese sobre PRAGMATISMO CONSTISTUCIONAL HUMANISTA na Era Digital, unindo Direito Constitucional, Digital, Filosofia e Ciência Política. Pesquisadora vinculada ao NEC CEUB DF sob a mentoria da Profa. Dra. Christine Peter da Silva e ao IDP – Observatório Constitucional do Professor André Rufino do Vale. Aluna da Escola de Magistratura do Distrito Federal – ESMA DF. Pós-graduada (MBA) em Marketing pela FGV RJ, especializada em Relações Governamentais e Institucionais (RELGOV) pela CNI / Instituto Euvaldo Lodi (IEL), com Extensão em Energia Elétrica pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e detentora de diversas titulações em instituições de renome Nacional e Internacional. Consultora e Parecerista. Com experiência em empresas renomadas, de portes expressivos e atuação em mercados relevantes e agências governamentais. Atualmente com escritório próprio e atuação voltada para Tribunais Superiores, Tribunal de Contas da União e CARF.

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