Artigos de opinião

Arbitragem de Valores Mobiliários no Brasil e o Papel do Financiamento de Litígios

Eric Moura

A arbitragem no Brasil passou por um desenvolvimento significativo nas últimas décadas, consolidando-se como um mecanismo de resolução de disputas amplamente respeitado e eficaz. Essa transformação começou com a promulgação da Lei nº 9.307/96, em 23 de setembro de 1996, conhecida como a Lei de Arbitragem Brasileira. A legislação modernizou as práticas de arbitragem no país, alinhando-as aos padrões internacionais ao enfatizar a executabilidade de convenções e sentenças arbitrais, além de simplificar os requisitos processuais.[1]
O Brasil reforçou ainda mais seu compromisso com a arbitragem ao aderir à Convenção de Nova York em 7 de junho de 2002, obrigando-se a reconhecer e executar sentenças arbitrais estrangeiras. Este tratado histórico tranquilizou os investidores estrangeiros sobre o compromisso do Brasil com um sistema confiável de arbitragem, consolidando sua posição na comunidade global de arbitragem.[2]
Atualmente, o Brasil é considerado uma das jurisdições de arbitragem mais proeminentes do mundo, apoiado por um Judiciário que constantemente reforça os princípios da arbitragem. Um estudo de 2023 realizado pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (“CBAr”) e pela Associação Brasileira de Jurimetria (“ABJ”) constatou que apenas 1,5% das sentenças arbitrais em São Paulo, o principal centro de arbitragem do país, são anuladas pelos tribunais. Essa baixa taxa de anulação destaca a postura pró-arbitragem do Judiciário.[3]
Instituições como a Câmara Internacional de Comércio – Brasil (“ICC”), o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (“CAM-CCBC”) e a Câmara de Arbitragem do Mercado (“CAM-B3”) desempenham papéis cruciais no avanço da arbitragem no Brasil. A CAM-B3, em particular, é especializada em disputas relacionadas a valores mobiliários, devido à exigência da B3 para que empresas listadas em segmentos premium, como o Novo Mercado, resolvam conflitos exclusivamente por arbitragem.[4] Esse mecanismo obrigatório de arbitragem melhora a governança e protege os direitos dos investidores.
Além dessas instituições, o Brasil abriga várias outras que contribuem significativamente para o ecossistema de arbitragem, incluindo a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem de São Paulo (“CIESP/FIESP”), o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (“CBMA”), o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (“AMCHAM”) e a Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial (“CAMARB”).[5]
Cada uma dessas instituições desempenha um papel vital no arcabouço de arbitragem do Brasil, oferecendo serviços especializados, regras reconhecidas internacionalmente e infraestrutura sofisticada. Juntas, fortalecem a capacidade do Brasil de lidar com disputas complexas, aprimorando ainda mais sua reputação como uma jurisdição de arbitragem confiável.

A combinação da legislação modernizada de arbitragem, da adesão à Convenção de Nova York e do robusto arcabouço institucional posicionou firmemente o Brasil como um líder global em arbitragem. O respeito consistente do Judiciário pela definitividade das sentenças arbitrais reforça esse status, garantindo que a arbitragem permaneça um método eficiente e confiável de resolução de disputas.

Resolução de Disputas de Valores Mobiliários por Arbitragem no Brasil

A CAM-B3, criada em 2001 pela B3 (antiga Bovespa), atua como um fórum crucial para a resolução de disputas relacionadas a valores mobiliários e governança corporativa no Brasil. Ela lida principalmente com casos envolvendo empresas listadas em segmentos premium de mercado, como o Novo Mercado, que exige cláusulas compromissórias nos seus estatutos. Essa arbitragem obrigatória assegura que disputas entre acionistas, gestores e empresas sejam resolvidas de forma eficiente e confidencial por árbitros especializados em direito societário e de valores mobiliários.[6]
A importância da CAM-B3 cresceu significativamente nos últimos anos, à medida que ela passou a lidar com um volume crescente de casos envolvendo disputas complexas. Essas disputas frequentemente giram em torno de direitos de acionistas, má gestão e violações de padrões de governança corporativa, refletindo a crescente demanda por responsabilidade nos mercados de capitais do Brasil. O modelo especializado da CAM-B3 oferece uma alternativa mais rápida e confidencial ao litígio comum, reduzindo incertezas e garantindo que as soluções sejam elaboradas por especialistas familiarizados com as complexidades do direito societário e de valores mobiliários.[7]
Nos últimos anos, a CAM-B3 teve um aumento em disputas decorrentes de controvérsias corporativas de grande visibilidade e reclamações de acionistas. Por exemplo, diversos casos trataram de conflitos relacionados a violações de deveres fiduciários, alegações de insuficiência de divulgação e disputas sobre acordos de acionistas. Esses casos destacam o papel da CAM-B3 em reforçar os padrões de governança corporativa e proteger os direitos dos investidores.

Em 2018, a CAM-B3 deu um passo significativo ao tornar-se uma das primeiras câmaras arbitrais brasileiras a publicar um compêndio de sentenças arbitrais. Essa iniciativa aumentou a transparência e forneceu insights valiosos sobre o raciocínio por trás das decisões arbitrais, fomentando a confiança entre os participantes do mercado. Essa transparência é particularmente importante em disputas de valores mobiliários, onde a confiança dos investidores depende da previsibilidade e equidade dos mecanismos de resolução de disputas.[8]
Combinando sua expertise, estrutura especializada e crescente volume de casos, a CAM-B3 se consolida como um pilar da arbitragem de valores mobiliários no Brasil, desempenhando um papel vital na garantia da responsabilidade, governança corporativa e proteção dos investidores nos mercados de capitais do país.

O Papel do Financiamento de Litígios no Mercado de Arbitragem de Valores Mobiliários no Brasil

O financiamento de litígios tem se tornado uma ferramenta transformadora no mercado de arbitragem de valores mobiliários no Brasil, ajudando a superar barreiras financeiras que muitas vezes impedem acionistas minoritários e pequenos investidores de buscar suas reivindicações. Os procedimentos arbitrais em instituições como a CAM-B3 são essenciais para a resolução de disputas de governança corporativa, mas seus altos custos, incluindo honorários advocatícios, despesas de árbitros e taxas administrativas, frequentemente se apresentam como obstáculos.[9]
Provedores de financiamento de litígios, como a Omni Bridgeway, oferecem soluções ao cobrir esses custos, permitindo que os demandantes busquem reivindicações legítimas sem riscos financeiros. Este modelo é particularmente valioso em disputas de valores mobiliários envolvendo violações de deveres fiduciários, má gestão ou divulgações inadequadas. Os financiadores assumem o ônus financeiro em troca de uma parte da recuperação eventual, nivelando o campo de jogo para investidores em disputas com grandes corporações.[10]
Ao preencher a lacuna financeira, o financiamento de litígios melhora o acesso à arbitragem e reforça a responsabilidade corporativa. Esse modelo de financiamento também está alinhado aos objetivos mais amplos do mercado de capitais brasileiro, promovendo transparência e fomentando a confiança dos investidores.

À medida que o financiamento de litígios se torna mais prevalente, espera-se que ele impulsione uma maior participação na arbitragem, fortalecendo o mercado de valores mobiliários no Brasil e posicionando o país como líder global em recuperações para investidores.


[1] www.cms.law/en/int/expert-guides/cms-expert-guide-to-international-arbitration/brazil

[2] www.newyorkconvention.org/contracting-states

[3] www.dailyjus.com/world/2024/08/2023-arbitration-year-in-review-brazil

[4] https://www.camaradomercado.com.br/pt-br/faq.html

[5] www.globalarbitrationreview.com/insight/know-how/commercial-arbitration/report/brazil

[6] www.camaradomercado.com.br/en-US/sobre-a-camara.html

[7] www.b3.com.br/en_us/

[8] www.b3.com.br/pt_br/noticias/camara-de-arbitragem-do-mercado.htm

[9] https://aria.law.columbia.edu/overview-of-securities-arbitration-in-brazil-challenges-and-developments/

[10] www.omnibridgeway.com/litigation-funding/dispute-funding/investor-recoveries


Eric Moura. LLM in Global Business Law pela Columbia Law School. Consultor na Omni Bridgeway. E-mail: emoura@omnibridgeway.com


OSR: é desaconselhável ter no Brasil um regulador dos reguladores

Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt

Instituições importam para o desenvolvimento das nações. Essa frase consubstancia a mensagem central das pesquisas dos ganhadores do Prêmio Nobel em Economia em 2024: Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson. As Agências Reguladoras, em particular, fazem parte deste grupo de organizações, que, dentre outras funções, resguardam os interesses difusos da sociedade em uma economia de mercado, evitando que os preços dos monopólios naturais sejam abusivos e fomentando que os investimentos ocorram, ao dar previsibilidade jurídica de longo prazo.

Em outubro de 2024, contudo, em decorrência de um apagão ocorrido em São Paulo (devido a uma tempestade), não só o governo acirrou sua crítica à autonomia das Agências Reguladoras, como usou tal fato para argumentar sobre a necessidade de criar um regulador dos reguladores, ou melhor, um Órgão de Supervisão Regulatória (OSR). A Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei 13.848/19) teria que ser alterada e seria um provável retrocesso institucional.

Antes de adentrar nas razões para a provável marcha ré, vale lembrar que primeiras Agências foram criadas nos anos 90, impulsionadas pelas privatizações, como instituições de Estado (não de governo), para disciplinar e supervisionar o comportamento das empresas, que deixavam de ser monopólios públicos em seus mercados relevantes. O CADE (órgão antitruste), neste mesmo ensejo, foi reformulado pela Lei 8.884 em 1994, passando a ter papel crucial nesta nova realidade, ao lado dessas Agências. Seus conselheiros e diretores nunca tiveram, e seguem não tendo, que obedecer a governos de plantão, mas sim a mandatos definidos em lei, pois aquelas entidades, à luz do modelo da Inglaterra principalmente, sempre tiveram autonomia técnica e administrativa.

Poucas têm autonomia financeira, dependendo dos recursos da União, o que é um problema; e, infelizmente, a independência destas tem sido duramente criticada pelo suposto “descumprimento de ordens dadas pelo Executivo”, como se o titular de algum Ministério tivesse poderes sobre estas instituições ou como se estes órgãos fossem apêndices de algum dos Poderes. Por esta falta de entendimento acerca do papel e do formato das Agências, a AGU, em 14/10/24, no calor das eleições municipais, investigou a suposta omissão da ANEEL, baseada em denúncia do executivo, que nada concluiu. Foi ato constrangedor, especialmente pela forma. Além disso, o Decreto 12.282/24 causou espanto ao fazer uma “intervenção branca” na ANATEL pelo governo.

O Executivo tem o poder de dar/reter recursos destas corporações e o executivo/legislativo, de nomear e sabatinar seus conselheiros/diretores. Isso não seria problemático, se não houve ocorrido uma politização nas nomeações; um descaso sobre a importância destes institutos em uma economia livre, onde há falhas de mercado; um desapreço pela técnica; e um loteamento dos cargos por critérios não republicanos. A percepção é que as indicações passaram a ocorrer por troca de favores político-partidários[1]. Tanto é que há inúmeras vagas em aberto e existem posições preenchidas por pessoas com questionável notório saber sobre regulação/concorrência, possivelmente protegendo interesses privados. Das 11 Agências federais, 9 cargos estão desocupados e 8 ficarão até 2025. Impedidas de cumprir suas atribuições em sua plenitude, desprovidas de recursos financeiro e de pessoal, e com uma explícita captura (política e setorial), é difícil julgar a razão de má performance de algumas Agências. Como, assim, é possível solucionar falhas regulatórias mirando a técnica, se o problema está, sobretudo, na governança, isto é, na escolha de profissionais nem sempre comprometidos em lutar pelo bem-público?

No dia 23/10/24[2], a Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu que houve falhas metodológicas por parte das 11 Agências Federais e de outros 29 órgãos da União, uma vez que as avaliações foram feitas de forma ad hoc e sem uma definição prévia de critérios objetivos. Por isso, a AGU ofereceu interessantes sugestões[3] em várias vertentes, como no âmbito da Análise de Impacto Regulatório e do Sandbox Regulatório, este último criado em 2019, pela Lei da Liberdade Econômica[4], e regulamentado pela LC182/2021[5]. Estes aconselhamentos, sem intervenção, são sempre bem-vindos, diga-se de passagem, e devem seguir sendo feitos.

Antes e durante deste cenário de críticas às Agências, surgiram os Decretos 11.738/2023[6] e 12.150/2024[7]. O primeiro redesenha o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (Pro-RegII) de 2007 (Pro-RegI, Decreto 6.062), e, o segundo, institui o Regula Melhor. Ambos focam na diminuição do custo Brasil, no aumento da competitividade das empresas por meio de melhorias regulatórias, na ampliação da transparência do processo decisório, na harmonização de metodologias, na padronização de conceitos e critérios e na redução de assimetrias na adoção de boas práticas entre agentes reguladores. O comitê gestor para promover tais aperfeiçoamentos é composto por: MDIC (que o preside), MPO, MGI, AGU e CGU.

É incorreto relacionar a boa intenção dos Decretos acima com a criação de um OSR com viés político, que tenha a possibilidade de demitir seus diretores, caso suas decisões fiquem em desacordo com os “ditames estabelecidos pelo governo”[8]. Atualmente, a perda de mandato de um conselheiro/diretor ocorre por renúncia, condenação judicial ou processo administrativo disciplinar, e essa regra não deveria ser alterada.

Para mostrar alinhamento da proposta da criação do OSR brasileiro com as boas práticas internacionais, foram dados exemplos como o Office of Information and Regulatory Affairs (EUA), o Treasury Board (Canadá), o UK’s Regulatory Policy Committee (Inglaterra) e a Better Regulation (Comissão Europeia)[9]. Ocorre que estas organizações não têm prerrogativa sobre a governança das agências, mas sobre a elaboração de critérios técnicos, como propõe os mencionados Decretos. Estes órgãos promovem a melhoria da qualidade regulatória na administração pública. Por serem entidades de Estado e não de governo, a missão desses é disseminar as boas práticas e assegurar que as metodologias mais modernas sejam implementadas[10].

A possível criação de um OSR no Brasil poderia – com elevada probabilidade – ficar em desacordo com estes benchmarks, se a alteração legislativa permitir que ele possa punir dirigentes de Agências. Muito provavelmente as funções de orientar, aconselhar, coordenar e recomendar de um OSR – hoje feitas pelo TCU – ficariam à margem da verdadeira razão de sua criação, que seria a de limitar, cercear e contestar os julgamentos de seus dirigentes, e, no limite, demiti-los.

É fato que há problemas de desempenho em algumas agências reguladoras[11], como atrasos em análises que impactam investimentos privados, falta de visão acerca de conceitos básicos concorrenciais e paralisia em proposições legislativas (em que novas leis precisariam ser substituídas por antigas, para não frear o desenvolvimento de certos mercados). A solução, contudo, não passa por torná-las “instituições de governo”, em vez de Estado. Se fosse assim, por que não estender as “necessárias avaliações de desempenho” para outros agentes públicos, como ministros e desembargadores? Porque não cabe. Do mesmo modo que é inapropriado um Ministro dizer que “as agências têm que respeitar o formulador de política pública”[12], se a palavra “respeitar” tem na verdade a conotação de “obedecer”.

De fato, o Brasil não está bem do ponto de vista da governança regulatória[13], segundo a OCDE[14], o que desfavorece o ambiente de negócios, os investimentos e, logo, o crescimento econômico. O Índice de Qualidade Regulatória, da CNI[15], apesar de ter sido elaborado em 2014, é atual, traz questionamentos, informações, conceitos e recomendações. Neste sentido, é consenso que as Agências e o CADE precisam fundamentar tecnicamente suas decisões, de forma metódica. Suas eventuais falhas, todavia, não podem ser corrigidas com a interferência do governo na sua governança. Capacitar seus membros, dar responsabilidades condizentes com suas condições de trabalho, modernizar suas metodologias de análise, nomear conselheiros/diretores com base em seus currículos, seguir com os prazos dos mandatos não coincidentes com o do Presidente da República, evitar vacâncias de seus dirigentes e dar autonomia financeira são algumas das boas práticas que o Brasil precisa observar para ter “instituições inclusivas e não extrativas”.

Apesar da OCDE recomendar um OSR para seus membros[16], além da falta de orçamento federal, a probabilidade desta nova burocracia vir a ter caráter político, e não técnico, é muito elevada. Essas são as razões para desaconselhar um OSR brasileiro, conquanto urja a melhora institucional das Agências, seja do ponto de vista de pessoal, seja financeiro ou seja de capacitação, que podem ser supridos sem um regulador dos reguladores. Há que seguir aprimorando o modus operandi destes órgãos, mas preservando sua autonomia. Afinal, as instituições importam para o desenvolvimento das nações.


[1] https://www.infomoney.com.br/politica/governo-e-congresso-travam-disputa-por-vagas-em-agencias-reguladoras-diz-jornal/

[2] https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/10/23/agencias-falham-em-novo-ambiente-diz-cgu.ghtml

[3] https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2024/09/cgu-publica-auditoria-sobre-uso-de-ferramentas-regulatorias-em-40-orgaos-federais

[4] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13874.htm

[5] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp182.htm

[6] https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/com-pro-reg-renovado-governo-reforca-transparencia-e-eficiencia-regulatoria

[7] https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/reg/governanca-regulatoria/EBook_RegulaMelhor_A411.pdf

[8] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/10/governo-estuda-trocar-diretores-de-agencias-reguladoras-por-desempenho.shtml

[9] https://www.google.com/search?client=safari&rls=en&q=file-20230605123738-scpr-andrea-apresentacao-fiesp-01.pdf&ie=UTF-8&oe=UTF-8https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2020/642835/EPRS_STU(2020)642835_EN.pdf

[10] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/mulheres-na-regulacao/orgao-de-supervisao-regulatoria-no-brasil-e-possivel

[11] https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/4110/1/Franciele%20Cristina%20Medrado%20Dematté.pdf

[12] https://www.infomoney.com.br/politica/agencias-reguladoras-tem-de-respeitar-formulador-de-politicas-publicas-diz-ministro/

[13] https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/12307/1/Cap6_Governanca_regulatoria.pdf

[14] https://www.oecd-ilibrary.org/governance/oecd-reviews-of-regulatory-reform-brazil-2008_9789264042940-en

[15] https://static.portaldaindustria.com.br/media/filer_public/c0/84/c084dca5-3340-4136-8cf0-ef276bdc8301/qualidade_regulatoria__como_o_brasil_pode_fazer_melhor.pdf

[16] https://www.gov.br/casacivil/pt-br/conteudo-de-regulacao/regulacao/documentos/biblioteca-nacional/2012/recomendacoes-do-conselho-sobre-politica-regulatoria-e-governanca

Fonte: Conjuntura Econômica – Dezembro 2024

Obs. O artigo foi originalmente publicado pela Revista Conjuntura Econômica da Fundação Getúlio Vargas. O artigo foi republicado na WebAdvocacy com a autorização expressa da autora.


Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt tem mestrado e doutorado em ciências econômicas pela Escola de Pós Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (EPGE/FGV/RJ). Atualmente é Presidente da MSGas, empresa de distribuição de Gás Natural do MS.

Um novo paradigma para o mercado de crédito de carbono

Kemil Raje Jarude

Contexto

Velho como o fogo, mercados surgem estimulados pela existência e impulsionamento de uma determinada demanda. E demandas são oriundas de necessidades humanas, sejam elas fisiológicas ou determinadas por circunstâncias morais. É fácil perceber que comer é necessidade básica do ser humano, mas o que comer varia de acordo com o contexto em que o indivíduo se insere. Mover-se também é uma necessidade facilmente perceptível, mas como o indivíduo se transporta é que varia de acordo com o contexto e com as possibilidades disponíveis.

Algo semelhante é o que se vislumbra acerca do debate ambiental. Preservar uma área de floresta pode ser importante por um dado motivo para uma determinada etnia indígena, no contexto da sua preservação da forma como a própria natureza a criou. Já para ingleses e franceses da era pré-industrial, preservar a natureza poderia significar a construção de um jardim. E sabemos como jardins ingleses e franceses são completamente distintos. O que há em comum neles é a interferência humana.

Tudo isso para dizer que a necessidade de preservar o meio ambiente se torna uma necessidade básica na medida em que a sua destruição leva a consequências que ameaçam a nossa segurança. Se, por muitos séculos, destruir era sinônimo de progresso e possibilidade de controle humano sobre ambiente em prol de suas necessidades, as atuais mudanças climáticas têm levado a reflexão de que a escala de intervenção humana sobre a natureza nos trouxe a tal ponto que nos tornamos perigo para si próprios.

Portanto, se, antes, a nossa inócua busca por controle da natureza era sinônimo de destruição, hoje, essa busca só se mostra viável por meio da preservação. Assim, se antes comer carne todos os dias respondia a uma necessidade por alimentação; hoje, o vegetarianismo e o veganismo têm se tornado uma alternativa para que se congregue alimentação e preservação. Se, antes, usar combustíveis fósseis atendia a uma demanda básica por transporte; hoje, usar biocombustíveis surge como caminho para conciliar transporte e preservação do meio ambiente.

Ou seja, aos poucos e conforme as catástrofes ambientais passam não só a matar aquela pessoa de um local distante, mas também um amigo, um familiar ou alguém mais próximo, as condicionantes que colmatam as nossas necessidades são direcionadas centripetamente para alternativas que levem em conta mecanismos de produção que preservem ou destruam o meio ambiente em escala inferior aos modelos com os quais as gerações anteriores bem como atual foram acostumadas.

Preservação ambiental: uma indústria nascente

A construção de uma resposta ao desafio das mudanças climáticas, intensificadas pelo modelo econômico industrial e pós-industrial, passa, ao meu modo de ver, pela própria indústria e pelos mecanismos de mercado da economia capitalista. Mas, não apenas isso, o desenvolvimento de uma solução viável e perene precisa incluir a atuação do Estado em sua equação.

A demanda existente por novas formas de produção ambientalmente sustentáveis precisará criar incentivos para que a demanda ainda preponderante por produtos do antigo modelo se desloque para os produtos do novo modelo. Ademais, vê-se como necessário a emergência de novos entrantes que possam ampliar a oferta nesse novo modelo de mercado.

Ora, se discutimos o surgimento de produtos substitutos que sejam capazes de absorver uma demanda a tal ponto que tenhamos uma redução da distância entre receita marginal e custo marginal, então é preciso que se sinalize aos possíveis agentes de mercado com possibilidade de se tornarem entrantes que o seu risco será pelo menos igual ou menor do que o risco de quem opera nisso que estamos a chamar de antigo modelo de mercado.

Nesse cenário, nada de novo sob o sol. A figura do Estado, agente de mercado cuja receita tende a ser a mais previsível e estável, precisa se valer dessas características para criar diferenciações temporárias no sentido de reduzir o risco daqueles agentes que almejem ofertar os produtos substitutos.

Dentro de um quadro teórico, pode-se fazer uma aproximação desse debate às contribuições acadêmicas de Mariana Mazzucato, sobretudo reunidas em sua obra “O Estado Empreendedor”[1]. Nesse sentido, a autora acredita que o Estado teria não apenas o papel de corrigir falhas de mercado, mas também seria responsável pela criação de mercados.

Embora a autora acredite que o Estado devesse ter participação mais significativa na participação dos resultados privados que contam com o patrocínio estatal, é preciso que se tenha em mente que as externalidades positivas decorrentes da viabilização na criação de produtos com características tecnológicas ou vantagens de preço que levam a uma mudança no modo de produção, incluindo efeitos sustentáveis, já seria bastante significativo em vista do alto custo que as catástrofes climáticas vêm trazendo a economia mundial[2].

Nesse mesmo sentido, poder-se-ia retomar as ideias de Michael Porter acerca dos ciclos de vida da indústria quando observa que os altos custos de entrada e os riscos associados quando se trata de indústrias nascentes requerem apoio institucional bem como investimento significativo[3].

Assim, seria possível observar que mudanças necessárias em nosso modelo industrial estão menos associadas a inovações típica de uma competição de mercado, como poderia ser ilustrada pelo Iphone no mercado de celulares ou da Netflix no mercado cinematográfico, e mais próximas de uma indução exigida pelo agravamento de um contexto de catástrofes e mudanças climáticas severas ameaçadoras da segurança humana.

A criação de um mercado de créditos de carbono

Dentro do contexto de mudanças climáticas, a emissão dos denominados Gases de Efeito Estufa tem representado a causa principal dos problemas ambientais que vivemos. Com isso, a solução poderia ser considerada simples: fazer com que a quantidade excessiva de carbono na atmosfera retorne para o solo por processos naturais.

O grande problema é que todo nosso modo de vida depende de processos industriais que emitem em quantidade muito maior do que aquilo que a natureza é capaz de reabsorver. Não bastasse isso, o desmatamento e a poluição dos oceanos reduzem ainda mais a taxa de reabsorção.

O Acordo de Paris, integrado ao nosso ordenamento pelo Decreto nº 9.073/2017, deu avanço à implementação do mercado de crédito de carbono internacionalmente, ideia essa que era aventada desde a década de 1960, tendo maior impulso a partir da COP 3, com a criação do Protocolo de Kyoto por meio do Mercado de Desenvolvimento Limpo. Em novembro de 2024, foi finalmente aprovado no Congresso o Projeto de Lei que visa estabelecer o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

Nesse sentido, a criação de um mercado de carbono busca incentivar estados e empresas financiarem suas iniciativas de redução de emissão e aumento de absorção por meio do estabelecimento de limites de emissão. Dessa forma, quem se viabiliza de forma a emitir menos CO2, pode vender esse “excedente” aos países e empresas que emitiram para além desse limite. Da mesma forma, quem pode criar condições de reabsorção pode vender essa “compensação” para quem emite além do limite.

Dessa forma, tem-se a formação duas espécies de mercado de crédito de carbono: mercado regulado e o mercado voluntário, conforme explicado no parágrafo anterior. O mercado regulado trata das metas de redução dentro do conceito de Contribuição Nacionalmente Determinada (Nationally Determined Contribution em inglês), no qual as empresas têm metas de redução e as diferenças de redução podem ser negociadas, ou seja, quem emitiu abaixo da meta pode vender essa diferença, em relação à meta, para quem emitiu acima da meta. Já o mercado voluntário trata de ações, promovidas por diferentes agentes de mercado, para a reabsorção de carbono da atmosfera. Essa redução pode ser negociada com agentes que tenham emitido acima de suas metas de modo que estas cumpram o seu objetivo de redução. Assim, os mercados regulados e voluntário atuam em simbiose, para usar uma qualificação da biologia.

Da perspectiva concorrencial, o mercado relevante na sua dimensão produto parece ter mais facilidade para ser classificado como gás carbônico atmosférico, ou o seu equivalente, uma vez que o mercado de carbono aborda outros gases, mas sempre equivalentes ao CO2. A discussão que apresentaria maiores debates poderia ocorrer em relação ao mercado relevante na dimensão geográfica. Se por um lado, o Acordo de Paris foi assinado por 195 países, o que, em tese, permitiria a negociação de créditos de forma amplamente global, sabe-se também que, por outro lado, cada país deverá promover regulações internas que viabilizem tais trocas de forma mais detalhada e fazendo com que autoridades de concorrência possam avaliar limitações quanto a extensão geográfica desse mercado relevante.

De toda forma, o artigo 6º do Acordo baliza 2 situações de transação envolvendo créditos de carbono. O item 6.2 viabiliza a transação diretamente entre países, enquanto o item 6.4 permite a troca entre países e empresas por meio de um mecanismo internacional.

O item 6.2 é o chamado Internationally Transferrable Mitigation Outcomes (ITMOs) e é o mecanismo de acordo bilateral que permite que países troquem créditos de carbono. Os países podem comprar créditos de carbono na modalidade ITMOs de um outro país que tenha reduzido emissões para além da sua NDC, desde que o acordo cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 6.2. Cada país é responsável pela elaboração das suas próprias políticas e pela execução das suas próprias transações, permitindo flexibilidade ao utilizar critérios próprios, requisitos de qualidade e salvaguardas.

Na COP 27, Gana foi o primeiro país a autorizar a exportação de créditos de carbono utilizando ITMO para a Suíça[4]. Em maio de 2024, Gana e Suécia estabeleceram um acordo bilateral para o intercâmbio de créditos de carbono via ITMO[5]. Nesse caso, a Suécia, por exemplo, está viabilizando a instalação de painéis solares em telhados residenciais em Gana. A medida tem o potencial de reduzir em 165 mil toneladas de CO2 até 2030[6].

Ainda no âmbito da COP 27, Suíça e Vanuatu estabeleceram um acordo ITMO para a produção de energia elétrica por meio de placas fotovoltaicas[7].

Além disso, na COP 28, Cingapura e Papua Nova Guiné estabeleceram um acordo para o desenvolvimento e troca de créditos de carbono sob o mesmo mecanismo[8]. Isso tudo apenas para ilustrar, pois há diversos outros acordos em desenvolvimento, como o item 6.2 do Acordo de Paris já é uma realidade em termos de novos acordos bilaterais com foco na redução das emissões de CO2 no planeta.

O item 6.4 do acordo cria um mecanismo global de crédito de carbono e foi denominado Paris Agreement Crediting Mechanism (PACM). O mecanismo é conduzido por um órgão de supervisão, que aprova metodologias, registra projetos e gerência os créditos emitidos. Esse órgão é composto por 2 membros de cada uma das regiões da ONU mais um representante de um país menos desenvolvido bem como de um país insular em desenvolvimento. Nesse contexto, o crédito de carbono ganha a denominação de Article 6.4 Emission Reductions Units (A6.4ERs). A ideia é que países e empresas possam submeter projetos e metodologias de redução de emissão de CO2 ao órgão de supervisão e, caso aceitos, possam terem contabilizadas tais reduções para suas metas, além da possibilidade de negociação de eventuais excedentes de captura de CO2 transformados em créditos de carbono.  

Durante a COP 29, dois documentos foram estabelecidos e que permitirão um melhor desenvolvimento do PACM, (i) o padrão sobre requisitos de metodologia, que cria requisitos para o desenvolvimento e avaliação de projetos no âmbito do Mecanismo de Crédito do Acordo de Paris; e (ii) o padrão sobre atividades que envolvem remoções, que cria requisitos para projetos que removem gases de efeito estufa da atmosfera[9].

Outro ponto que vale a pena incluir nesse panorama trata acerca dos conceitos de Share of Proceeds (SOP) e do Overall Mitigation of Global Emissions (OMGE), que são dois mecanismos importantes incorporados no Artigo 6.4 do Acordo de Paris, cujo foco é promoção da justiça climática e das melhorias globais na mitigação das mudanças climáticas.

A Share of Proceeds (SOP) é uma contribuição gerada a partir das atividades e créditos de carbono gerados no contexto da PACM com o intuito de financiar a mitigação das mudanças climáticas. A SOP estabelece que uma parte dos recursos provenientes dessas atividades deve ser usada para despesas administrativas e adaptação.

A contribuição da SOP é mensurada em 5% do volume de créditos de carbonos criados somado a um adicional de 3%, pago de forma monetária, pela geração de crédito submetida PACM. Esse somatório na forma de créditos de carbono e de recursos financeiro são revertidos para o Fundo de Adaptação. O repasse desse montante é de responsabilidade do país que hospeda o projeto de geração de créditos.

O Overall Mitigation of Global Emissions (OMGE) é um mecanismo de desconto do montante de créditos de carbono quando da sua emissão ou transferência, devendo ser concedido para o órgão de supervisão como forma de contribuir para uma redução global de emissões de carbono para além das compensações entre países e empresas.  

Ambos o SOP e o OMGE estão ainda em debate acerca do detalhamento da sua configuração. Os dois mecanismos são obrigatórios no âmbito do PACM, mas opcionais no contexto do ITMOs. Esse fato levanta o debate de que os países poderiam preferir mover suas ações de geração de créditos de carbono por meio do ITMOs em detrimento do PACM, fazendo com que possa haver um esforço menor para em torno da redução de emissões de gases de efeito estufa. Para os críticos, seria importante que os mecanismos SOP e OMGE se tornem obrigatórios nos acordos de ITMOs firmados com base no item 6.2 do Acordo de Paris[10].  

Tanto com relação ao item 6.2 quanto ao item 6.4, ainda há questionamentos sobretudo acerca dos parâmetros de registro dos créditos de carbono. Esse é um ponto central para que tais mercados possam adquirir confiança das partes interessadas (stakeholders). Alguns países, como os Estados Unidos, têm se colocado contra a proposta de um registro único internacional de modo que tenham restritas as possibilidades de estabelecerem critérios próprios de registro. Já países menos desenvolvidos são a favor de um registro internacional unificado, por conta do custo que teriam caso tivessem que desenvolver processos próprios de registro. Por fim, no âmbito da COP 29, chegou-se ao acordo de que o registro não será determinante para indicar a qualidade do crédito gerado ou para endossar um emissor como forma de fazer esse tema avançar com algum consenso.

Esse é um ponto crucial para o desenvolvimento do mercado de créditos de carbono, pois impactará no grau de confiança necessário para que as partes interessadas sejam incentivadas a realizarem trocas nesse mercado. Confiança, aliás é um elemento central na determinação da capacidade de engajamento dos agentes face às instituições. Acemoglu, recentemente laureado como um dos Prêmio Nobel de Economia, investigou como a confiança de cortes paquistanesas era negativamente impactada por conta das “evidências de fraqueza, inefetividade e corrupção” que acabavam por carrear a um afastamento da busca da população por instituições estatais[11]. Assim, o debate em torno da regulamentação do item 6.4 do Acordo de Paris precisa caminhar na direção de regras que permitam transparência nas relações de troca, plenas de condições de acesso aos agentes bem como minimize ao máximo as possibilidades de comportamento amoral por parte desses participantes.

Nesse contexto, na COP 29 houve avanços. 13 países lideraram a iniciativa de publicarem seus Relatórios Bienais de Transparência (BTR), cuja publicação será obrigatória para todos os países signatários do Acordo de Paris até o final de 2024[12]. Esses relatórios compõe o chamado Enhanced Transparency Framework (ETF). Os países desenvolvidos contêm a obrigação de publicar os seus inventários de gases de efeito estufa bem como se submeter a Avaliação e Revisão Internacional (International Assessment and Review – IAR), composta por uma revisão técnica de cada BTR dos países desenvolvidos além de uma avaliação multilateral quantos aos objetivos desses países frente às suas metas. Já os países em desenvolvimento passam pela denominada Análise e Consultoria Internacional (International Consultation and Analysis – ICA), que consiste em uma avaliação do BTR por um time de especialistas além do compartilhamento de visões pelo Órgão Subsidiário de Implementação na forma de oficinas.

Outro ponto importante em relação a transparência no mercado de crédito de carbono é a atuação da iniciativa #Together4Transparency, que promove o diálogo entre partes interessadas tanto dos signatários do acordo de pais quanto de instituições não signatárias. 

Caminhando para o fim, a permissão ao Órgão de Supervisão para o estabelecimento de metodologias e critérios para os projetos a serem apresentados sob o item 6.4 do Acordo de Paris[13] permitirá o avanço na formação de oferta de créditos, de modo que a demanda gerada pelos crescentes desastres climáticos possa ser atendida. Além disso, é preciso citar o avanço quanto ao desenvolvimento de parâmetros em termos de direitos humanos, sobretudo quanto a prevenção de violações na implementação de projetos de geração de créditos de carbono. Foi possível verificar ainda o avanço quanto a implementação do item 6.8 do acordo, por meio do qual se estabelece medidas não mercadológicas em que países podem designar projetos ou áreas de atenção para o recebimento de apoio de outros países quanto a redução de emissões ou remoção de gases de efeito estufa.

Importante observar que a criação dessa nascente indústria do mercado de carbono passa necessariamente por uma atuação estatal, em que as dimensões nacionais tomam protagonismo, não apenas no estabelecimento de regras que viabilizem as interações de mercado, mas também na destinação de seus orçamentos públicos para a geração do que se denomina créditos de carbono. Essa é uma transformação de paradigmas, onde a irrefreada liberdade econômica encontra o seu próprio limite na reação da natureza e se exige um comportamento cooperativo onde se costuma imperar a competição. Mesmo com tais transformações, ainda é possível vislumbrar possibilidades de incentivo econômico para um modelo produtivo dentro do que se convenciona chamar de regras de mercado. Contudo, tais regras parecem se afastar em certa medida da ideia de axiomas econômicos, aproximando-se da ideia de uma ética jurídica.


[1] MAZZUCATO, Mariana. O estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público x setor privado. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014.

[2] Cf. BENNETT, Paige. Climate change is costing the world $16 million per hour: study. Disponível em: https://www.weforum.org/stories/2023/10/climate-loss-and-damage-cost-16-million-per-hour/. Acesso em 12/11/2024.

[3] Porter, M. E. (1980). Competitive Strategy: Techniques for Analyzing Industries and Competitors. The Free Press.

[4] Cf. Republic of Ghana. Ghana’s framework on international carbon markets and non-market approaches. Disponível em: https://cmo.epa.gov.gh/wp-content/uploads/2022/12/Ghana-Carbon-Market-Framework-For-Public-Release_15122022.pdf. Acesso em 28/11/2024.

[5] Cf. Republic of Ghana and Kingdom of Sweden. Bilateral Agreement for Engagement in Cooperative Approaches Involving Internationally Transferred Mitigation Outcomes Disponível em: https://www.energimyndigheten.se/globalassets/webb-en/cooperation/international-climate-cooperation/bilateral-framework-agreement-article-6.2-between-sweden-and-ghana.pdf Acesso em 28/11/2024.

[6] Cf. Swedish Energy Agency. Sweden finances project in Ghana to accelerate the energy transition. Disponível em: https://www.energimyndigheten.se/en/news/2023/sweden-finances-project-in-ghana-to-accelerate-the-energy-transition/ Acesso em 28/11/2024.

[7] Republic of Vanuatu. Department of Energy. Vanuatu’s first carbon credit market signed. Disponível em: https://doe.gov.vu/index.php/news-events/news/163-vanuatu-s-first-carbon-credit-market-signed Acesso em 28/11/2024

[8] Cf. Ministry of Trade and Industry of Singapore.Singapore signs first Implementation Agreement with Papua New Guinea to collaborate on carbon credits under Article 6 of the Paris Agreement. Disponível em: https://www.mti.gov.sg/Newsroom/Press-Releases/2023/12/Singapore-signs-first-Implementation-Agreement-with-Papua-New-Guinea. Acesso em 28/11/2024.

[9] Cf. United Nations Framework Convention on Climate Change. Key Standards for UN Carbon Market Finalized Ahead of COP29. Disponível em: https://unfccc.int/news/key-standards-for-un-carbon-market-finalized-ahead-of-cop29 Acesso em 29/11/2024.

[10] Cf. Least Developed Countries Group on Climate Change. Submission to the SBSTA Chair by the Kingdom of Bhutan on behalf of the Least Developed Countries Group. Disponível em: https://www4.unfccc.int/sites/SubmissionsStaging/Documents/202104211416—Financing%20for%20adaptation%20Share%20of%20Proceeds%20(Article%206.2%20and%20Article%206.4).pdf Acesso em 29/11/2024.

[11] ACEMOGLU et al. Trust in State and Nonstate Actors: Evidence from Dispute Resolution in Pakistan. Journal of Political Economy, 2020, vol. 128, no. 8. Disponível em: https://economics.mit.edu/sites/default/files/publications/Trust%20in%20State%20and%20Non-State%20Actors%20-%20Evidence%20fro.pdf Acesso em 29/11/2024.

[12] Cf. United Nations Framework Convention on Climate Change. First Biennial Transparency Reports. Disponível em: https://unfccc.int/first-biennial-transparency-reports Acesso em 29/11/2024.

[13] Cf. United Nations Framework Convention on Climate Change. 14th meeting of the Article 6.4 Supervisory Body (SBM 014). Disponível em: https://unfccc.int/event/Supervisory-Body-14 Acesso em 29/11/2024.

As Agências Reguladoras Independentes, de Novo!

Marcelo Guaranys[1]

César Mattos[2]

  1. O Problema da Independência, de Novo

Recentemente, autoridades do Poder Executivo apresentaram fortes críticas às agências reguladoras. Para essas autoridades, o fato de as diretorias atuais das agências terem sido indicadas pelo governo passado, inclusive no Banco Central, seria um indicador de que a independência dessas diretorias seria inapropriada. Foi defendido até mesmo que os mandatos nas agências deveriam coincidir com os do presidente da república. Medidas estariam sendo estudadas.

Editorial do Estadão de 23/10/2024 refutou de forma veemente e acertada estas críticas, apontando que a principal motivação para elas seria “interferir politicamente nas agências para que estas atuem conforme os interesses do governo”. Lembra que o primeiro governo do atual presidente já em seu primeiro ano (2003) chegou a instituir Grupo de Trabalho para avaliar os mesmos queixumes: quem roubou o meu queijo e como retorná-lo?

À época, a primeira grande surpresa do governo foi o reajuste da tarifa de assinatura nas telecomunicações de 2003. A Anatel havia autorizado um reajuste conforme a regra de price cap definida no contrato de concessão dada pelo reajuste do IGP-DI menos o fator X pré-definido desde a privatização da Telebras em 1998. A constatação de que o governo de plantão não tinha qualquer papel na definição dos reajustes de preços do setor simplesmente chocou o novo governo[3].

O Poder Executivo, portanto, enviou o Projeto de Lei nº 3.307/2004 que tinha como linha geral reduzir a independência das agências em relação ao Poder Executivo[4].

Uma década e meia mais tarde ocorre a promulgação da chamada Lei das agências reguladoras, Lei 13.848/19, resultado de um Projeto de Lei do Senador Eunício Oliveira (PL 52/13) de 2013[5], relatado pela então Senadora Simone Tebet no Senado, amplamente debatido nas duas casas do Congresso, tendo contado com o apoio dos Governos Temer e Bolsonaro. Entendemos que o resultado final dessa Lei de 2019 está em linha com os princípios da boa regulação[6].

A Lei 13.848/19 tem como princípio garantir a autonomia das agências reguladoras, mas, ao mesmo tempo, aumentar os requisitos e vedações para a escolha dos dirigentes, e exigir maior transparência e accountability das decisões. A autonomia, especialmente decisória e financeira, está garantida no art. 3º e , garante no art. 42, que procede a várias alterações da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000. Em particular, eliminou a hipótese de recondução dos diretores, evitando que estes fossem ficando mais “flexíveis” para com as demandas do Poder Executivo à medida que fosse chegando mais próximo do final de seu primeiro mandato. A vedação à recondução[7] junto à desvinculação da agência em relação ao respectivo Ministério para solicitar orçamento, concurso e viagens, dentre outros, constantes dos parágrafos do art. 3º, criaram  também poderosas blindagens a favor da independência dos diretores.

Conforme ainda o novo art. 5º da Lei 9.986/2020, todos dirigentes serão indicados pelo presidente da república e sabatinados pelo Senado, havendo exigência de “reputação ilibada e de notório conhecimento no campo de sua especialidade”, o que, em tese, já deveria ser suficiente para garantir quadros técnicos[8]. No entanto, com a percepção de que nem sempre o Presidente cumpria e nem sempre o Senado cobrava, optou-se por introduzir requerimentos mais objetivos nos incisos I e II do art. 5º da Lei 9.986/2000

O novo art. 8º da Lei 9.986/00, por sua vez, tornou não indicáveis para a diretoria das agências, dentre outros, Ministros de Estado, dirigentes de partido político, titulares de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação e cargo em sindicatos, o que visa a estabelecer uma separação mais acentuada da direção das agências com a política.  

Alguns destes requerimentos foram voltados para impedir Ministros de Estado, dirigentes de partido político, titulares de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação e cargo em sindicatos para a Diretoria, estabelecendo uma separação mais acentuada da direção das agências em relação à política[9].  

Os novos requisitos e vedações adotados na nova Lei das Agências foram baseados naqueles que haviam sido aprovados pouco tempo antes na Lei das Empresas Estatais (Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016), justamente com a intenção de melhorar a governança dessas organizações.

O objetivo deste artigo é repisar por que a independência é importante para as agências reguladoras e, não por outra razão, constitui modelo utilizado em vários outros países.

  1. Independência do Governo

Vejamos inicialmente o caso dos setores de infraestrutura, que contam com agências como Aneel para energia elétrica ou Antaq para portos. Em várias partes do mundo, incluindo o Brasil, houve uma história comum de empresas estatais que foram privatizadas. No entanto, em vários desses setores as empresas privatizadas, se não eram monopólios, tinham elevado poder de mercado. Como estatais, em tese, o governo “segurava” os reajustes. Como empresas privadas, a regulação dos reajustes seria a forma de o governo evitar o exercício daquele poder de mercado. 

De outro lado, uma capacidade ilimitada de o governo regular reajustes de tarifas comprometeria um dos principais objetivos da privatização: a retomada do investimento eficiente em infraestrutura, elemento urgente em um contexto de escassez de recursos públicos. Quem investiria contando que o governo não faria o mesmo que fez com suas próprias estatais, represando os reajustes com objetivos eleitoreiros?

De fato, os investidores privados para serem atraídos contam com todas as promessas de bom tratamento e todos os cuidados do governo. Afinal, o governo precisa de uma “dança do acasalamento” convincente para viabilizar os investimentos requeridos.

No entanto, após os investimentos realizados, os incentivos de curto prazo dos governos, especialmente os eleitorais, vão se tornando mais relevantes. Governos são muito sensíveis a eleitores e estes, na hora do voto, são sensíveis às suas condições de vida naquele momento, o que é influenciado pelas tarifas dos vários serviços de infraestrutura.

E os investidores sabem disso. As juras de amor eterno do governo no momento do aporte dos investimentos ex-ante estão longe de ser suficientes para conter essa “atração fatal” ex-post da contenção artificial e oportunista/eleitoral de preços chave da economia. Inclusive, considerando que a cada quatro anos “muda o amante” e as promessas terão que ser cumpridas por outro(s) governo (s) que pode ser bem menos apaixonado que o primeiro.

Daí que as ditas “juras de amor” devem ser substituídas por regras mais seguras, contratos que tenham garantia de enforcement pelo Judiciário e, principalmente, por agências reguladoras independentes!

A ideia desse arcabouço que vai além do cheap talk momentâneo dos governos nada mais é que prover um “compromisso crível” ex-ante dos governos de que suas promessas não serão em vão e que o investimento não será expropriado[10].

E este compromisso crível deve ser tanto para evitar prejuízos como lucros extraordinários ex-post. Como destacado pela OCDE (2016)[11]um regulador independente pode resistir a pressões tanto para reduzir como para aumentar preços às expensas da recuperação dos custos, manutenção de longo prazo e qualidade do serviço no setor regulado”.

Mas, o que têm os investimentos em infraestrutura de tão especial para requererem este cuidado todo? Estes investimentos são de longo prazo, passando por vários governos, e afundados, quer dizer, demoram a ter retorno e não podem ser desmobilizados de onde e como estão sendo empregados. Por exemplo, fará sentido o investidor de redes de transmissão de energia elétrica ou de um terminal portuário, desmontar toda a infraestrutura construída, em função de comportamento oportunista do Estado reduzindo tarifas além do combinado, e levar para outro lugar? Com certeza, não fará qualquer sentido.

O propósito principal da independência é isolar ao máximo possível a regulação da tentação dos comportamentos oportunistas dos governos em relação aos setores regulados. Spiller e Tommasi (2008)[12] enfatizam as possibilidades de expropriação de investimentos na regulação dos setores de infraestrutura: “O problema maior da regulação dos serviços de infraestrutura, sejam públicos ou privados….. é como o oportunismo governamental, entendido como os incentivos que os políticos têm para expropriar –uma vez que os investimentos já foram realizados- as “quase-rendas” –seja sob propriedade privada ou pública, de forma a adquirir apoio político….o consumo massivo (o conjunto de consumidores se aproxima muito do conjunto de eleitores), as economias de escala e investimentos em custos afundados proveem ao governo a oportunidade para se comportar oportunisticamente vis a vis a firma investidora.”.

Decker (2015)[13] coloca este problema específico dos investimentos em infraestrutura em termos da questão mais geral da “inconsistência temporal das políticas públicas”: “O estabelecimento de um regulador independente é visto como um compromisso do governo em restringir a interferência futura nos serviços públicos, particularmente em termos da futura expropriação de direitos de propriedade”…sendo “uma variante do problema mais geral de inconsistência temporal da política pública”. E o papel das agências reguladoras seria nada mais nada menos que “oferecer um amortecedor (buffer) contra tal inconsistência temporal e também contra a flutuação nas preferências dos governos presente e futuros”.

Essa relação entre falta de compromisso crível, inconsistência temporal e incerteza política foi explicitamente realçada pela OCDE (2016). Em particular, destaca que “um mandato do regulador de longo prazo (além do ciclo eleitoral, por exemplo) pode ajudar a resolver os problemas de inconsistência temporal e flutuações ligadas aos ciclos políticos e de negócios”.

As agências reguladoras independentes, portanto, seriam uma forma de “amarrar as mãos do governo” em sua capacidade de expropriação dos investimentos, o que, ao reduzir incertezas, aumentaria a segurança dos investidores, incrementando sua propensão a investir. Em síntese, o diretor da agência não pode ser demitido pelo Presidente da República de forma discricionária, mas apenas nas formas previstas no art. 9º da Lei 9.986/00[14], o que constitui uma das formas de fazer esta “amarração”.  

Este ponto é frontalmente oposto às críticas apontadas no início deste artigo de que os mandatos das diretorias das agências deveriam coincidir com os do presidente da república.

Cabe lembrar, neste aspecto, que a Lei 13.848/19 estabeleceu expressamente um número de quatro diretores e um presidente com mandatos não coincidentes (novo art. 4º da Lei 9.986/00) de cincos anos (novo art. 6º da Lei 9.986/00), plenamente em linha com o prescrito pela OCDE e frontalmente contrário à proposta apresentada pelas autoridades.

Mas não são apenas tarifas o alvo potencial de comportamentos oportunistas dos governos. Qualquer item dos contratos regulatórios que implique ganhos para uma agenda populista do governo, mas que implique redução de receitas e/ou aumento de custos dos investidores também pode constituir expropriação regulatória. Por exemplo, investimentos não previstos originalmente ou de qualidade do serviço completamente divorciada da realidade também podem constituir ações oportunistas. E a independência dos reguladores é fundamental para contê-las.

  1. Independência de Ofertantes e Demandantes

A independência, no entanto, não é apenas em relação ao governo, mas também dos dois lados principais do setor regulado, quem oferta e quem demanda o bem ou serviço. Conforme a OCDE (2016) “é igualmente importante que os reguladores não se tornem presas de influência indevidas da indústria regulada ou serem capturadas por interesses estreitos que poderiam ser expressados pelas associações de consumidores”.

Em relação à diminuição da possibilidade de captura pelo setor, o art. 8º da Lei 9.986/2020 definiu  vedação a “pessoa que tenha participação, direta ou indireta, em empresa ou entidade que atue no setor sujeito à regulação exercida pela agência reguladora em que atuaria, ou que tenha matéria ou ato submetido à apreciação dessa agência reguladora” e a “membro de conselho ou de diretoria de associação, regional ou nacional, representativa de interesses patronais ou trabalhistas ligados às atividades reguladas pela respectiva agência”. Assim, evita-se que indivíduos com interesses diretamente regulados pela agência venham a compor o seu colegiado.

  1. Limites da Independência

Obviamente que não se pode garantir indicações de Diretores que sejam tão afastados assim da lógica de curto prazo da política ou mesmo simplesmente incompetentes. 

Nesse contexto, a independência formal pode estar bem aquém do desejado. Correa, Pereira, Mueller e Melo (2006)[15] mostraram que, em 13 agências no Brasil houve interferência no processo decisório das agências e que “atributos formais nem sempre se transferiam para uma governança efetiva”. Batista (2011)[16], por exemplo, mostra que com dados da primeira década do século podia-se constatar que “as preferências do presidente de fato impactam no grau de interferência nas agências reguladoras”. Vieira, Gomes e Filho (2019)[17] encontram no Brasil “maior resistência às mudanças nos setores de energia: menor independência formal das agências reguladoras e presença mais ativa das autoridades políticas no campo normativo desses setores”. Sampaio (2021) argumenta que as culturas normativa e política pré-existentes no Brasil comprometem a independência das agências reguladoras[18].

Com vistas a reduzir interferências indevidas pelo Executivo e pelo Senado no processo de indicação dos dirigentes da Agência, foi aprovado no texto final do Congresso da Lei nº 13.848/19 uma comissão de seleção que seria indicada pelo Presidente da República e definiria uma lista tríplice dentre a qual um nome seria indicado para o Senado. A intenção desse artigo era minimizar o grau de pessoalidade que a indicação de dirigente tem apresentado na interação entre Executivo e Senado, mas, infelizmente, acabou vetado pelo Presidente[19].

De qualquer forma, como destaca a OCDE (2016), “a independência não significa que os reguladores serão “anônimos…silenciosos e totalmente acima do sistema”, sendo “inevitável e desejável que os reguladores interajam com os ministros que em última análise são os responsáveis por desenvolver as políticas para o setor regulado, e com o parlamento, que vai aprovar as políticas e frequentemente avaliar sua implementação”. Prossegue afirmando que “a independência não significa que os reguladores trabalharão em um vácuo, sem checagens apropriadas em seu trabalho ou desconectados das decisões do Poder Executivo”[20]. Nem a Lei 13.848/19 e nem a experiência recente parecem indicar hipótese de insulamento excessivo das agências reguladoras brasileiras do resto do Estado.  

A OCDE (2016) aponta ser possível, entretanto, que existam áreas cinzentas nos papéis dos ministérios e agências reguladoras. Daí que “deixar claro e transparente as fronteiras de atuação sobre quem faz o quê e para quais instituições as agências devem prestar contas” é algo importante. Não parece também haver um tipo de problema como este de divisão de competências com as agências reguladoras brasileiras.

De fato, o problema apontado pelos críticos pode ser o de quem estar lá ser ou não próximo ao governo. Se for isso, parece ser um indicador muito relevante de que, na realidade, as agências brasileiras estão cumprindo seu papel, pelo menos no que diz respeito à distância mínima desejável do Poder Executivo.

O que sugere que a blindagem promovida pela Lei 13.848/19 está funcionando a pleno vapor e que nenhuma alteração legislativa nas regras de independência das agências é requerida nesse sentido. 


[1] Economista, Advogado e Mestre em Direito Público.

[2] Doutor e Mestre em Economia.

[3] Ver Mattos,C.C..A.: Telecomunicações: Reajuste e Contrato. Conjuntura Econômica – FGV/RJ – Novembro de 2003, Vol. 57 nº 11.

[4] Ver Mattos, C.C.A. e Mueller, B.: Regulando o Regulador: A Proposta do Governo e a Anatel. Revista de economia contemporânea. v.10 n.3 Rio de Janeiro set./dez. 2006. https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-98482006000300003&lng=pt&tlng=pt

[5] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/111048

[6] Ver, dentre outros, o OECD: RECOMMENDATION OF THE COUNCIL ON REGULATORY POLICY AND GOVERNANCE, 2012 em https://www.oecd.org/gov/regulatory-policy/49990817.pdf  e OECD WORKING PARTY ON REGULATORY MANAGEMENT AND REFORM DESIGNING INDEPENDENT AND ACCOUNTABLE REGULATORY AUTHORITIES FOR HIGH QUALITY REGULATION Proceedings of an Expert Meeting in London, United Kingdom, 10-11 January 2005. http://www.oecd.org/regreform/regulatory-policy/35028836.pdf, OECD: The Governance of Regulators Creating a Culture of Independence Practical Guidance Against Undue Influence. http://www.oecd.org/gov/regulatory-policy/Culture-of-Independence-Eng-web.pdf, Best Practice Principles for Regulatory Policy “The Governance of Regulators”. 2014. https://www.oecd-ilibrary.org/governance/the-governance-of-regulators_9789264209015-en.

[7] “Art. 6º O mandato dos membros do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada das agências reguladoras será de 5 (cinco) anos, vedada a recondução, ressalvada a hipótese do § 7º do art. 5º.

[8]Art. 5º  O Presidente, Diretor-Presidente ou Diretor-Geral (CD I) e os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada (CD II) serão brasileiros, indicados pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea “f” do inciso III do art. 52 da Constituição Federal, entre cidadãos de reputação ilibada e de notório conhecimento no campo de sua especialidade, devendo ser atendidos 1 (um) dos requisitos das alíneas “a”, “b” e “c” do inciso I e, cumulativamente, o inciso II: (continua na próxima nota de rodapé)

[9] Art. 8º-A. É vedada a indicação para o Conselho Diretor ou a Diretoria Colegiada:

I – de Ministro de Estado, Secretário de Estado, Secretário Municipal, dirigente estatutário de partido político e titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, ainda que licenciados dos cargos;

II – de pessoa que tenha atuado, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral;

III – de pessoa que exerça cargo em organização sindical;

IV – de pessoa que tenha participação, direta ou indireta, em empresa ou entidade que atue no setor sujeito à regulação exercida pela agência reguladora em que atuaria, ou que tenha matéria ou ato submetido à apreciação dessa agência reguladora;

V – de pessoa que se enquadre nas hipóteses de inelegibilidade previstas no inciso I do caput do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990;

VI –  (VETADO);

VII – de membro de conselho ou de diretoria de associação, regional ou nacional, representativa de interesses patronais ou trabalhistas ligados às atividades reguladas pela respectiva agência.

Parágrafo único. A vedação prevista no inciso I do caput estende-se também aos parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau das pessoas nele mencionadas.”

[10] Ver Tiryaki, G.F: A independência das agências reguladoras e o investimento privado no setor de energia de países em desenvolvimento. Economia Aplicada. 16(4). Dezembro 2012) que mostrou que a independência formal em agências de 87 países em desenvolvimento estimulou o investimento privado no setor de energia elétrica.

[11] OCDE: Being an Independent Regulator. The Governance of Regulators, OECD Publishing, Paris. http://dx.doi.org/10.1787/9789264255401-en

[12] The Institutional Foundations of Public Policy in Argentina: A Transactions Cost Approach. Pablo T. Spiller and Mariano Tommasi. New York and Cambridge: Cambridge University Press. In – Policymaking in Latin America: How Politics Shapes Policies. Edited by Ernesto Stein and Mariano Tommasi. Washington, DC: IDB and David Rockefeller Center for Latin American Studies, Harvard University, 2008.

[13] Modern Economic Regulation: An Introduction to Theory and Practice. Cambridge University Press, 2015. 

[14] “Art. 9º  O membro do Conselho Diretor ou da Diretoria Colegiada somente perderá o mandato:

I – em caso de renúncia;

II – em caso de condenação judicial transitada em julgado ou de condenação em processo administrativo disciplinar;

III – por infringência de quaisquer das vedações previstas no art. 8º-B desta Lei.

[15] Correa, P. ;Pereira, C; Mueller,B. e Melo, M. : Regulatory Governance in Infrastructure Industries Assessment and Measurement of Brazilian Regulators. IDB and The World Bank. 2006.

[16] Batista, M.: Mensurando a independência das agências regulatórias brasileiras. Planejamento e Políticas Públicas, nº 36 Jan/Jun 2011.

[17] Vieira, J,N.; Gomes. R.C. e Filho, E.R.G.: “Avaliação da independência das agências reguladoras dos setores de energia elétrica, telecomunicações e petróleo no Brasil”. Revista de Serviço Público Brasília 70 (4). Out/Dez 2019.

[18] Sampaio, P.S.: A Independência Real das Agências Reguladoras no Brasil”. International Journal of Science and Society, 2021.

[19] MENSAGEM Nº 266, DE 25 DE JUNHO DE 2019:

“(…)

§§ 1º ao 4º e § 6º do art. 5º da Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, alterados pelo art. 42 do projeto de lei

“§ 1º A escolha, pelo Presidente da República, de Conselheiros, Diretores, Presidentes, Diretores-Presidentes e Diretores-Gerais de agências reguladoras, a serem submetidos à aprovação do Senado Federal, será precedida de processo público de pré-seleção de lista tríplice a ser formulada em até 120 (cento  e vinte) dias antes  da vacância do cargo decorrente de término de mandato, ou em até 60 (sessenta) dias depois da vacância do cargo nos demais casos, por comissão de seleção, cuja composição e procedimento serão estabelecidos em regulamento.

§ 2º O processo de pré-seleção será amplamente divulgado em todas as suas fases e será baseado em análise de currículo do candidato interessado que atender a chamamento público e em entrevista com o candidato pré-selecionado.

§ 3º O Presidente da República fará a indicação prevista no caput em até 60 (sessenta) dias após o recebimento da lista tríplice referida no § 1º.

§ 4º Caso a comissão de seleção não formule a lista tríplice nos prazos previstos no § 1º, o Presidente da República poderá indicar, em até 60 (sessenta) dias, pessoa que cumpra os requisitos indicados no caput.”

“§ 6º Caso o Senado Federal rejeite o nome indicado, o Presidente da República fará nova indicação em até 60 (sessenta) dias, independentemente da formulação da lista tríplice prevista no § 1º.”

[20] Conforme destacado de forma irônica pela OCDE (2016) “os reguladores NÃO são (ou NÃO deveriam ser) “Homens de Preto”, que não devem “aparecer de forma alguma. Sua imagem é inteiramente trabalhada para não deixar nenhuma memória duradoura em qualquer um que os encontre. […] Anonimato é o seu nome. O silêncio sua língua nativa. Você não é mais parte do sistema. Você está acima do sistema. Além dele.” Do filme  “The Men in Black” (United States, 1997).

Mercado Nervoso: você acredita? Sim, eu acredito!

Marco Aurélio Bittencourt

Acredito no mercado. A expressão “mercado nervoso”, frequentemente utilizada em momentos de incerteza econômica, carrega consigo uma conotação negativa que pode distorcer sua realidade. Essa visão ignora a essência do termo e sua intrínseca relação com a conjuntura política e econômica do país. O mercado não é uma entidade abstrata ou um conjunto de indivíduos movidos apenas por interesses egoístas; ele é um reflexo das condições e desafios que uma nação enfrenta, especialmente quando um plano previamente acordado se vê ameaçado, seja por fatores internos ou externos.

O arcabouço político e jurídico, aliado às políticas fiscais e monetárias, desempenha um papel crucial na configuração de um mercado inclusivo ou extrativista. No contexto brasileiro, a estrutura legal e as políticas econômicas, ao invés de promoverem inclusão e desenvolvimento sustentável, perpetuam um modelo extrativista. Isso se reflete nas decisões políticas e na distribuição orçamentária, onde regulamentações muitas vezes favorecem a exploração de recursos em detrimento do bem-estar social e da justiça econômica. Essa dinâmica desencadeia instabilidade social, mas exerce pouco impacto direto sobre o mercado na sua totalidade.

A busca por um caminho unificado e consensual é fundamental para a estabilização do mercado. Disputas e incertezas em relação aos rumos a serem tomados geram o “mercado nervoso”, caracterizado pela volatilidade e pela imprevisibilidade. Esse nervosismo é, muitas vezes, aleatório, dificultando a identificação de responsáveis específicos. A intensidade da instabilidade está diretamente ligada à resiliência do modelo vigente. Se o modelo é resiliente, o ruído no mercado é reduzido. No entanto, quando a resiliência é baixa e grupos opositores possuem igual força, as disputas tendem a se prolongar, intensificando o nervosismo. A falta de diretrizes claras inibe investimentos, impede o crescimento e perpetua a instabilidade.

A especulação surge, então, nesse cenário de indefinição. Ela também emerge quando agentes econômicos tentam afastar-se das balizas consensuais que sustentam o mercado, buscando objetivos inapropriados ou irrealistas. É como se, em um momento inadequado, tentassem alcançar metas que ultrapassam os acordos estabelecidos. Essa busca por vantagens especulativas ocorre porque os demais participantes do mercado reconhecem que tais pleitos estão fora das diretrizes previamente acordadas. Aqueles agentes fundamentais nos acordos políticos que agem de forma desarmônica estão cientes de que não enfrentarão as consequências diretas de suas ações e almejam algum tipo de retorno político. Nesse momento, cabe aos agentes privados, diluídos pelo mercado, atuarem especulativamente, como na venda a um preço fora do mercado aos agentes que embarcaram na retórica política. Essa compra de dólares em um momento de “rebeldia” pode, portanto, ter suas razões. Contudo, o lucro individual não é o verdadeiro vilão da situação, pois este sempre se manifestará em algum grau seja qual for o contexto.

Recentemente, o pronunciamento do Ministro da Economia, Fernando Haddad, no final de novembro de 2024, ilustrou a complexa inter-relação entre política e economia. Ele sugeriu a existência de duas facetas do governo: uma que adota os acordos estabelecidos e outra que flerta com bravatas em busca de retorno político. Esse discurso foi interpretado como uma abertura nas manobras políticas do governo, criando um terreno propício para estratégias de ganho financeiro rápido, o que, por sua vez, amplificou as incertezas e alimentou a especulação. Espera-se que a prudência prevaleça no mercado, mantendo os acordos estabelecidos enquanto se aguarda práticas especulativas. Assim, o nervosismo do mercado tenderá a se dissipar, sendo que a desvalorização do dólar seguirá dependendo, como sempre dependeu, da dinâmica básica de oferta e procura por divisas.

Em conclusão, a expressão “mercado nervoso” descreve momentos de incerteza e volatilidade que refletem as dificuldades enfrentadas pela economia em busca de estabilidade. Podemos identificar três cenários que caracterizam esse “nervosismo”:

a) Busca por um novo modelo : O embate entre forças antagônicas — aquelas que desejam mudança e aquelas que buscam manter o status quo — se equilibra em poder e influência. O nervosismo intensifica-se quanto mais prolongadas forem as disputas, gerando incertezas sobre o futuro.

b) Resiliência de grupos dominantes : Mesmo diante da oposição, grupos dominantes conseguem manter o controle e resistir à pressão por mudanças. Nesse caso, o nervosismo tende a ser passageiro e menos intenso, uma vez que a estabilidade — embora injusta — se mantém.

c) Consagração de um modelo em desequilíbrio : Um modelo econômico e político consagrado enfrenta um contexto de desequilíbrio significativo. Sua consolidação depende de regras legais; quando estão em discussão final, a prática de “jabutis” desperta preocupação, criando um breve período de turbulência. Neste cenário, o nervosismo é residual e de curta duração, marcando uma transição para um mercado mais tranquilo. No entanto, essa “calmaria” pode significar a consolidação de um modelo que aprofunda a desigualdade e perpetua a pobreza.

Analisar o “mercado nervoso” e suas origens é crucial para compreender as dinâmicas econômicas e políticas do Brasil. Essa reflexão nos permite perceber que, muitas vezes, o problema não reside apenas nos “jabutis”, mas nos próprios acordos que, por sua natureza, distanciam-se de soluções efetivas para os graves problemas que aprisionam a sociedade na desigualdade e na pobreza. Assim, ao compreendermos as raízes do nervosismo do mercado, podemos trabalhar em direção a um futuro mais estável e justo, onde o desenvolvimento econômico seja realmente inclusivo e sustentável.

Dessa forma, a crença no mercado é também a crença em sua capacidade de se transformar e se adaptar, por meio do entendimento e da ação consciente de todos os envolvidos na sua dinâmica.


Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb.

Email: 0171969@etfbsb.edu.br 


Open Finance e Open Data: transformando o mercado financeiro e a concorrência digital 

Leandro Oliveira Leite

O Open Finance1 representa um dos pilares mais inovadores da transformação digital no sistema financeiro brasileiro, alavancando a conectividade e a transparência em relação aos dados financeiros dos consumidores. Esse ecossistema, que atualmente conta com 54 milhões de consentimentos ativos envolvendo 35 milhões de clientes, tem redefinido a maneira como dados financeiros são compartilhados, analisados e utilizados para oferecer soluções personalizadas, seguras e eficientes. Contudo, sua relevância vai além da simples troca de informações: ele se conecta com um contexto mais amplo, de Open Data2 e políticas de governança de dados, conforme apontado no 30º Seminário do IBRAC sobre “Open data: o papel de políticas públicas de dados abertos e de Data Trusts para a defesa da concorrência em mercados digitais”. 

O Open Finance é baseado na premissa de que as informações financeiras pertencem ao cliente, cabendo a ele decidir quando, como e com quem compartilhar esses dados. Essa liberdade gera um ambiente em que diversas instituições podem, mediante o consentimento dos usuários, acessar dados que anteriormente permaneciam isolados. Essa integração tem impulsionado uma série de inovações e produtos financeiros, tais como: (i) iniciação de transações de pagamento, permitindo maior agilidade e competitividade no mercado de pagamentos; (ii) operações de crédito com avaliação de risco aprimorada, proporcionando limites de crédito mais ajustados e taxas de juros competitivas; (ii) ferramentas de gerenciamento financeiro avançado, como agregadores de contas, que permitem ao cliente ter uma visão integrada de seus gastos, dívidas e investimentos; (iii) recomendações personalizadas de investimentos, possibilitando ao usuário melhor rentabilidade e menor risco; e (iv) simplificação na abertura de contas, com processos mais ágeis que reduzem a burocracia e aumentam a acessibilidade. 

As iniciativas de Open Data, como discutidas no 30º Seminário do IBRAC, possuem papel fundamental na promoção de mercados digitais mais concorrenciais e abertos. O conceito de Open Data envolve o compartilhamento amplo e seguro de informações, o que se alinha diretamente com os objetivos do Open Finance de aumentar a competitividade e a inovação no setor financeiro. Ao possibilitar que diferentes players, desde grandes instituições até fintechs, tenham acesso a informações de maneira igualitária, cria-se um ecossistema no qual a concorrência saudável pode prosperar, estimulando novos serviços e condições mais vantajosas para os consumidores. 

Uma questão importante levantada durante o seminário foi o papel dos data trusts3, sendo responsáveis por gerenciar e regular o uso de dados compartilhados. No contexto do Open Finance, esses Data Trusts poderiam garantir maior segurança, transparência e ética no uso dos dados, promovendo uma governança robusta e eficiente que assegure que os interesses dos consumidores estejam protegidos. Tal modelo fortaleceria a confiança no sistema e impulsionaria ainda mais o engajamento de clientes no compartilhamento de suas informações, favorecendo o crescimento do mercado financeiro. 

A crescente integração de Open Finance, Open Data e Data Trusts tem implicações profundas para a sociedade e para o mercado financeiro. Empresas que adotarem práticas alinhadas a essa transformação digital terão acesso a um cenário competitivo robusto, com melhores condições para inovar e atender às necessidades dos consumidores. Além disso, a capacidade de personalização dos serviços financeiros deve aumentar, resultando em mais inclusão financeira e soluções ajustadas aos diferentes perfis de consumidores. 

Contudo, há desafios regulatórios e operacionais que precisam ser superados, como a harmonização das regras internacionais para o uso de dados, a governança dos sistemas de pagamento e a mitigação dos riscos associados ao compartilhamento de informações sensíveis. O papel do Banco Central do Brasil e de outras instituições, como o Cade, será fundamental para estabelecer um ambiente regulatório que equilibre inovação, segurança e proteção dos direitos dos usuários. 

A experiência brasileira com Open Finance tem atraído a atenção global, posicionando o Brasil como referência em termos de inovação financeira. Em termos de benchmarking internacional, iniciativas similares em países como o Reino Unido e Austrália demonstram como a integração de Open Data pode transformar não apenas o setor financeiro, mas também serviços de utilidade pública e outros mercados digitais. A convergência com novas tecnologias, como a inteligência artificial (IA) e a tokenização, amplia ainda mais o potencial do Open Finance para proporcionar serviços ágeis, inclusivos e voltados para o futuro. 

O Banco Central do Brasil tem liderado com inovações como o Pix e a implementação do Drex, a moeda digital brasileira. A integração dessas soluções com o Open Finance reforça a posição do Brasil como líder em transformação digital no setor financeiro. Com o apoio de tecnologias emergentes e uma base regulatória robusta, o país está preparado para enfrentar os desafios da economia digital e moldar um futuro financeiro mais inclusivo e sustentável. 

Com base nesse cenário, o Open Finance, apoiado por iniciativas de Open Data e Data Trusts, é mais do que uma simples modernização do sistema financeiro; ele representa uma mudança de paradigma na forma como dados são gerenciados, compartilhados e utilizados para beneficiar a sociedade. Ao promover maior concorrência, transparência e inovação, essas iniciativas têm o potencial de transformar profundamente o mercado financeiro brasileiro, com benefícios diretos para consumidores e empresas. 

O legado de Lina Khan

Lucia Helena Salgado e Cristiane A. J. Schmidt

Quando foi indicada por Joe Biden para presidir o órgão antitruste americano –  a Federal Trade Commission (FTC), em 2021 –, Lina Khan foi recebida com emoções conflitantes: júbilo, por parte de alguns profissionais da área, críticos à leniente aplicação da doutrina antitruste; espanto, por parte do público, em vista da sua pouca idade, 34 anos, e por ser a primeira mulher a presidir a FTC; e desapreço, por parte da indústria, especialmente de tecnologia, pois Khan faria vigilância ferrenha com respeito ao poder econômico das empresas. Com seu mandato findando em 2024, quais as lições ela deixa, especialmente, agora, em que se está analisado no Congresso Nacional o PL2768/22, que trata da regulamentação das plataformas digitais?

De fato, a liderança de Khan implicou uma guinada de 180º na política mais benevolente da FTC desde o governo Bush, iniciado em 2000. A partir de 2021, o FTC passou a ter um papel mais rigoroso sobre o exercício do poder de mercado, especialmente com relação às BigTechs. Como a FTC tem influência no debate, uma ampla querela internacional passou a vigorar acerca de se uma maior intervenção da FTC seria justificável ou mesmo benéfica para aumentar o bem-estar social; e qual seria o objetivo do direito antitruste: se um ou diversos. Nos EUA, contudo, esta contenda já ocorria havia anos.

Enquanto Khan estudava Direito em Yale, formava-se uma convergência sobre os alcances da política antitruste, que buscava resgatar as origens da legislação dos EUA, identificando a preocupação com a concentração econômica e com a defesa das virtudes do capitalismo: a liberdade de empreender, de deter propriedade, de gerir seus negócios, de poder escolher e de ter livre arbítrio. A lei Sherman, de 1890, a lei Clayton, 1914, e a própria criação da FTC, também de 1914, tinham como base combater os trustes, regular condutas empresariais e evitar a formação de negócios que pudessem ferir os princípios da livre concorrência.

Khan, crítica ácida à forma amena da atuação da FTC, especialmente a partir de 2000, tornou- ativa nos debates acadêmicos e respeitada pela comunidade antitruste, especialmente depois da publicação do seu livro “O Paradoxo Amazon”[1], em 2017. Ela defendia que o antitruste deveria ter múltiplos objetivos (como preconizava a Escola estruturalista de Harvard) e que sua solução passava por interpretações jurídicas das leis. O título de seu livro é uma alusão ao livro de Robert Bork[2], “O Paradoxo Antitruste”[3], de 1978, que, assim como a Escola de Chicago, entendia que a finalidade única do antitruste é perseguir pelo bem-estar do consumidor e que as concentrações econômicas e as restrições verticais podem ser justificáveis, se houver eficiência econômica que não seria alcançada de outra forma[4].

Enquanto Bork questionava o paradoxo de que, na tentativa de proteger a concorrência, a aplicação equivocada das leis podia prejudicar o bem-estar do consumidor e a eficiência econômica (objetivos do direito antitruste em sua visão); Khan indagava o paradoxo de que, na tentativa de proteger bem-estar do consumidor e a eficiência econômica, o órgão antitruste não observava a dinâmica dos mercados, tomando decisões lenientes e controversas por diversas perspectivas (produção, renda, emprego, poder de mercado, etc.). Para ela, a FTC não acompanhou a evolução de um mercado com base em dados e fez uma leitura da lei equivocada, permitindo que mercados se estruturassem de forma a prejudicar o interesse comum.

Khan, assim, é uma crítica à Bork e à Escola de Chicago, porém, mais importante ainda, ela reprovada veementemente à atuação complacente da FTC. Para ela, por exemplo, a Agência não observou o elevado poder de mercado das BigTechs (como o da Amazon) e permitiu fusões por parte destas empresas, detentoras de elevado poder de mercado, ainda que conglomeral e potencial, e uma série de condutas anticompetitivas. Como Tim Wu (que pensa similar à Khan) reconhece[5], e ainda que possa discordar da visão de Bork, a Escola Pós-Chicago se defende ao dizer que o objetivo do “bem-estar do consumidor” tem sido mal interpretado e mal utilizado (especialmente pela autoridade antitruste). Ou seja, para estes, não é o “objetivo do antitruste” que deveria estar sendo questionado, mas a “forma” como a FTC entende (ou não!) o problema econômico (seja estrutural, seja de conduta) e como esta aplica a lei antitruste.

Khan, assim, ao assumir o cargo com o apoio do Partido Democrata[6], pôs em marcha uma verdadeira revolução na condução do antitruste pela FTC. De imediato, em 2021, ela contestou judicialmente: 1) as aquisições da Meta Inc., identificando dano das killing acquisitions, pela eliminação de um potencial concorrente[7]; 2) a aquisição da Microsoft, como tentativa de manter poder de mercado no segmento de jogos eletrônicos[8]; e 3) as práticas da Amazon – obsfuscation e cancelation trickery –, como lesivas aos consumidores. Mais recentemente, ingressou com diversas ações contra empresas operando no mercado digital com práticas consideradas abusivas, por induzir consumidores ao engano[9].

A inovação da abordagem antitruste – tanto de Khan, na FTC, quanto de Jonathan Kanter, chefe da divisão antitruste do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ)[10] –, que tem questionado fusões conglomeradas com potencial de gerar elevado poder econômico, e não mais fusões capazes “apenas” de elevar preços aos consumidores em um mercado específico, passou a seguir a tendência europeia, de maior intervenção por uma preocupação acerca dos trustes e de seus efeitos nocivos ao crescimento econômico. Ademais, Khan e Kanter procuraram recuperar a noção de concorrência potencial, enfrentando o desafio hercúleo de convencer juízes com a construção de cenários contrafactuais. Se no início a dupla perdia todos os casos no judiciário, aos poucos começaram a convencer os juízes e a ganharem algumas causas.

Note-se que estando a defesa do consumidor também sob sua responsabilidade na FTC, Khan adotou noções mais recentemente incorporadas ao repertório econômico, trazidas pela economia comportamental, para questionar hidden taxes – taxas escondidas em passagens aéreas, acomodações, ingressos e outros serviços e bens comercializados no mercado digital – e a prática de fishing, que manipula mecanismos de captura da atenção do usuário. É o caso da ação contra o aplicativo de adiantamento de dinheiro on line (online cash advance app Dave Inc)[11].

Muito embora as ações em curso pela FTC devam ser desmobilizadas no governo Trump; assim como a proposta de revisão metodológica de análise da concentração econômica, impressa no “novo guia”[12], proposta pela FTC e pelo DoJ; a passagem de Khan pelo comando da FTC deixará marcas na história da condução do antitruste mundo a fora. A despeito das críticas e polêmicas que levanta, não se pode negar que Lina Khan mexeu nas placas tectônicas do antitruste, por décadas intactas.

As lições, ao menos para o Brasil, são várias, mas seguem quatro. A primeira é enfrentar “com coragem” a pressão contrária de grandes corporações (muitas das quais financiaram o candidato opositor ao governo incumbente) em prol do interesse comum. A segunda é enfrentar o debate de um pensamento incumbente, com argumentações sólidas, estudos, evidências e objetivos republicanos, sem deixar ser capturada (seja pelas empresas, seja pelos políticos). A terceira é perceber que, como os mercados são dinâmicos, novas tecnologias surgem e, portanto, os órgãos antitrustes precisam se atentar que o poder de mercado pode ser (além dos tradicionais horizontal e vertical) potencial e conglomeral, podendo ocorrer de inúmeras formas. Por exemplo, se o Facebook permite ao usuário ter seu serviço “de graça”, obviamente não é “preço” o fator de poder de mercado. No caso, o poder é adquirido pela “obtenção dos dados dos usuários”. A quarta lição é de que a economia dos dados pode gerar um poder monumental para as empresas que foram pioneiras e que podem fechar mercado ou discriminar usuários. Neste sentido, uma regulação de dados, tal como propõe o Brasil, precisa ocorrer, de modo a ajudar a dirimir o poder de mercado das grandes (as BigTechs).

Por um lado, Khan está com a razão ao questionar uma FTC leniente e pouco efetiva para barrar práticas de grandes conglomerados na era dos dados e da IA. Permitir que os grandes trustes (BigTechs) fechem seus mercados para concorrentes potenciais (novas Fintechs, por exemplo) não traz benefícios, de nenhum ponto de vista. Mas por outro lado, se a autoridade antitruste cuidar de garantir espaço para que a eficiência econômica revele-se pela concorrência – seguindo os ensinamentos de Bork – já estará cumprindo magnificamente seu papel, sem necessidade de ampliá-lo.

Como exemplo, consultem-se os votos XP-Itaú[13] e Bovespa-Cetip[14]  no Cade, que passaram por uma análise criteriosa de possíveis condutas anticompetitivas, ainda que potenciais, e anti-crescimento do país, à la Kahn; contudo, foram realizadas objetivando um só ponto: a eficiência econômica, à la Bork.

Em 2001, 568 economistas associados da American Economic Association foram entrevistados e 87% concordaram com a afirmação “As leis antitruste devem ser aplicadas vigorosamente”[15]. O legado maior de Khan, assim, é que, ainda que se possa discordar dela (de que um órgão antitruste deva ter inúmeros objetivos), ela, nas entrelinhas, lutou com entusiasmo pelo fortalecimento de uma instituição importante, a FTC. De fato, como ensinado pelos economistas premiados com o Nobel de 2024[16] – Acemoglu, Robinson e Johnson –, as ações das instituições importam para que um país cresça gerando prosperidade compartilhada.


[1] https://www.yalelawjournal.org/pdf/e.710.Khan.805_zuvfyyeh.pdf

[2] Robert Heron Bork (1927-2012) foi professor de Yale e um importante jurista norte-americano conservador, sendo até hoje uma importante (e controversa) referência no direito concorrencial. Indicado para a Suprema Corte em 1987 pelo presidente republicano Ronald Reagan, Bork teve seu nome barrado pelo Senado, então dominado por democratas, por causa da sua filosofia jurídica conservadora.

[3] https://www.amazon.com.br/Antitrust-Paradox-Robert-H-Bork/dp/1736089706

[4] Uma análise sobre algumas escolas do direito concorrencial pode ser encontrada em FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 5. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. Uma apresentação mais antiga desse debate ao Brasil está em SALGADO, Lucia H. A Economia Política da Ação Antitruste, ed. Singular, São Paulo, 1997.

[5] https://scholarship.law.columbia.edu/faculty_scholarship/2291/

[6] Oposto do que apoiou Bork no passado, quando ele foi rejeitado pelo Senado para ocupar uma cadeira na Suprema Corte. https://www.conjur.com.br/2015-mai-10/analise-constitucional-legado-bork-papel-senado-indicacoes-suprema-corte/

[7] A aquisição de Instagram e Whatsapp por Facebook, atual meta, foi questionada ainda no governo Trump, o processo foi fortalecido com a condução de Khan e será em breve julgado. https://www.ftc.gov/legal-library/browse/cases-proceedings/191-0134-facebook-inc-ftc-v https://nypost.com/2024/11/13/business/meta-must-face-ftcs-antitrust-suit-over-instagram-whatsapp-acquisitions/

[8] A ação contra a Microsoft é uma clássica petição de bloqueio de aquisição, com pedido de liminar para suspender os efeitos da aquisição da Activision Blizzard em dezembro de 2022.

[9] https://www.ftc.gov/business-guidance/blog/2023/07/e-i-e-i-no-operation-stop-scam-calls-targets-operators-facilitate-illegal-robocalls-including

[10] https://www.justice.gov/atr/staff-profile/meet-assistant-attorney-general

[11] https://www.ftc.gov/news-events/news/press-releases/2024/11/ftc-takes-action-against-online-cash-advance-app-dave-deceiving-consumers-charging-undisclosed-fees

[12] https://www.justice.gov/atr/2023-merger-guidelines

[13] https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yO4010JuIg1b1Ijy5nQXmigasajw0F1yZwi9NpFATflCQMeEHdC64mpgFkuLeQkOCwzZv2NMZT1JJuMy70SmtZb

[14]

[15] https://www.researchgate.net/publication/261884738_Consensus_Among_Economists-An_Update

[16] https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/


Lucia Helena Salgado e Cristiane A. J. Schmidt são economistas e ex-conselheiras do Cade.

Generalized Cost-Effectiveness Analysis: um novo olhar sobre o valor dos medicamentos

Andrey Vilas Boas de Freitas

O avanço das tecnologias de saúde tem proporcionado benefícios inquestionáveis, mas também traz à tona desafios na forma como mensuramos seu valor. O Generalized Cost-Effectiveness Analysis (GCEA) surge como uma resposta a essas limitações, oferecendo uma estrutura mais abrangente e alinhada às complexidades do impacto social e econômico dos medicamentos.

Uma das contribuições centrais do GCEA é reconhecer o papel da redução de riscos nos tratamentos. Essa abordagem considera não apenas os resultados médios previstos, mas também como a incerteza e a possibilidade de resultados excepcionais influenciam as decisões dos pacientes. O GCEA reconhece que as decisões dos pacientes não se baseiam apenas nos benefícios médios de um tratamento, mas também na incerteza e na possibilidade de resultados excepcionais. Em cenários de doenças graves ou terminais, como cânceres avançados ou condições raras sem cura conhecida, muitos pacientes atribuem um valor único à esperança de resultados significativamente positivos, mesmo quando as estatísticas gerais não diferem de outras opções terapêuticas.

Por exemplo, considere dois tratamentos para uma condição crítica. O primeiro oferece um benefício moderado garantido para todos os pacientes, enquanto o segundo apresenta uma chance pequena, mas concreta, de proporcionar uma recuperação quase completa ou um ganho significativo na qualidade de vida. Embora o benefício médio entre os dois tratamentos seja equivalente, muitos pacientes preferem a segunda opção devido à possibilidade de atingir um “resultado de ponta”, o que reforça a importância da esperança e do impacto emocional nas decisões de saúde.

Essa perspectiva é particularmente relevante para doenças em que o prognóstico inicial é severo. Pacientes enfrentando essas condições frequentemente estão dispostos a assumir riscos maiores ou buscar tratamentos que ofereçam mesmo uma pequena chance de uma melhoria substancial. O GCEA formaliza essa preferência, incorporando na análise o valor que os pacientes atribuem a essas possibilidades, muitas vezes ignoradas por abordagens mais tradicionais de custo-efetividade.

Ao capturar essas nuances, o GCEA não apenas reconhece a complexidade das decisões individuais, mas também oferece uma ferramenta mais sensível e humanizada para avaliar o impacto real de terapias inovadoras.

Outro aspecto fundamental do GCEA é incorporar as dinâmicas de preços ao longo do tempo, ou seja, sua capacidade de incorporar as dinâmicas de preços ao longo do tempo, especialmente no que diz respeito à redução de custos que ocorre com a entrada de genéricos ou biossimilares no mercado. Essas mudanças, que frequentemente são negligenciadas em análises tradicionais, têm um impacto significativo tanto para os sistemas de saúde quanto para os pacientes.

Quando um medicamento perde sua exclusividade, a competição no mercado tende a levar a uma queda acentuada nos preços. Genéricos, por exemplo, costumam oferecer reduções de custo de até 90% em relação ao produto original, tornando tratamentos anteriormente inacessíveis economicamente mais viáveis para uma parcela maior da população. Em mercados específicos, como o de terapias oncológicas orais, essas quedas podem ocorrer dentro de poucos meses após o vencimento da patente, transformando completamente o cenário financeiro para governos, seguradoras e consumidores.

No caso dos biossimilares, embora as reduções sejam geralmente mais moderadas do que as observadas com genéricos de moléculas pequenas, elas ainda representam uma economia importante. Além disso, o impacto da introdução de biossimilares varia dependendo de fatores como a adoção do mercado e a regulamentação local, destacando a necessidade de uma análise que considere as particularidades de cada contexto.

O GCEA oferece uma visão de longo prazo que permite prever e modelar essas dinâmicas, integrando não apenas os custos iniciais dos tratamentos, mas também os benefícios econômicos cumulativos que emergem com o tempo. Essa abordagem é particularmente relevante para sistemas de saúde que enfrentam o desafio de equilibrar a necessidade de incentivar a inovação com a garantia de sustentabilidade financeira.

Ao incorporar essas variáveis, o GCEA apresenta uma análise mais justa e realista, refletindo não apenas o impacto imediato dos tratamentos, mas também os benefícios econômicos futuros que eles podem proporcionar. Essa visão integrada é essencial para guiar decisões de alocação de recursos e garantir que terapias inovadoras sejam avaliadas em todo o seu potencial.

O modelo também se destaca ao incluir os benefícios para terceiros, como cuidadores e familiares, um aspecto frequentemente subestimado em análises tradicionais de custo-efetividade. Medicamentos que melhoram a qualidade de vida dos pacientes frequentemente reduzem o estresse físico e emocional de quem presta assistência, além de mitigar impactos financeiros indiretos. Essas melhorias se traduzem em ganhos econômicos e sociais que vão além do âmbito estritamente clínico.

Cuidadores, muitas vezes familiares próximos, enfrentam desafios que vão desde jornadas de trabalho reduzidas ou interrupções em suas carreiras até problemas de saúde mental e física decorrentes do papel de assistência. Quando um medicamento eficaz reduz a gravidade da condição de um paciente ou melhora sua autonomia, isso alivia diretamente a carga sobre os cuidadores, permitindo que retomem suas rotinas e dediquem mais tempo a outras atividades pessoais e profissionais.

Esses benefícios extrapolam o ambiente doméstico e podem impactar positivamente a sociedade como um todo. Um cuidador menos sobrecarregado é mais produtivo no trabalho, gera menos custos com sua própria saúde e contribui mais ativamente para a economia. Além disso, a redução do impacto emocional e psicológico pode melhorar a dinâmica familiar, criando um ambiente mais estável e saudável para todos os envolvidos.

Ao incluir esses benefícios no escopo de análise, o GCEA oferece uma perspectiva mais ampla e precisa sobre o verdadeiro impacto dos tratamentos. Essa abordagem reconhece que os ganhos proporcionados pelas inovações médicas não se limitam ao paciente, mas reverberam em seu círculo social e na economia. Assim, ao captar esses efeitos indiretos, o GCEA apresenta uma avaliação mais justa e representativa, essencial para decisões de saúde pública que busquem maximizar o bem-estar coletivo.

Por fim, o GCEA introduz o conceito inovador do valor do conhecimento, reconhecendo os benefícios proporcionados por diagnósticos mais precisos. Esse conceito vai além dos impactos clínicos diretos, destacando como o simples ato de saber – ou entender melhor uma condição de saúde – pode transformar a vida de pacientes e suas famílias. Mesmo quando não alteram o tratamento diretamente, diagnósticos ajudam pacientes e suas famílias a se prepararem melhor para o futuro, com impacto positivo na qualidade de vida e na tomada de decisões.

Diagnósticos precisos muitas vezes permitem que os pacientes planejem suas vidas com mais segurança e clareza. Mesmo quando não alteram o curso do tratamento ou a evolução da doença, esses diagnósticos ajudam a tomar decisões mais informadas sobre aspectos como finanças, trabalho, estilo de vida e cuidados futuros. Por exemplo, uma pessoa diagnosticada com uma doença crônica degenerativa pode reorganizar suas prioridades, planejar melhor o uso de recursos financeiros e até fortalecer laços familiares, aproveitando os momentos de qualidade com mais intenção.

Além disso, o valor do conhecimento não é apenas prático, mas também emocional. Para muitas famílias, entender a condição de um ente querido reduz a ansiedade gerada pela incerteza, permitindo que adaptem suas rotinas e expectativas de forma mais realista. Para alguns pacientes, saber sua real condição é libertador, proporcionando um senso de controle em um cenário que poderia ser dominado pela dúvida e pela insegurança.

No entanto, o impacto do conhecimento não é universalmente positivo. Em casos de doenças incuráveis ou terminais, como a esclerose lateral amiotrófica (ELA), o diagnóstico pode trazer uma carga emocional significativa. Apesar disso, a capacidade de planejar o futuro com base em informações sólidas continua sendo um benefício essencial, e o GCEA busca equilibrar essas nuances em sua análise.

Ao incorporar o valor do conhecimento em sua metodologia, o GCEA amplia a compreensão dos benefícios intangíveis que diagnósticos precisos oferecem. Esse reconhecimento é fundamental para criar um modelo de avaliação que reflete de maneira mais completa as reais necessidades e preferências dos pacientes e suas famílias, promovendo decisões de saúde mais alinhadas ao bem-estar humano.

O Generalized Cost-Effectiveness Analysis (GCEA) oferece uma abordagem abrangente e inclusiva para avaliar o impacto das inovações em saúde, indo além das métricas tradicionais para capturar os benefícios tangíveis e intangíveis que essas tecnologias proporcionam. Ao adotar esse modelo, tomadores de decisão podem equilibrar a sustentabilidade econômica dos sistemas de saúde com o incentivo necessário para avanços que têm o potencial de transformar vidas, promovendo um futuro mais justo e inovador para todos.


Andrey Vilas Boas de Freitas. Economista, advogado, mestre em Administração, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) desde 1996


Brasil e o marco importante para a qualidade do ar

Érika Stefane de Oliveira Salustiano

Em um período de grande encontros e discussões sobre Mudanças Climáticas e diminuição da emissão de poluentes que afetam diretamente o efeito estufa, o Brasil alcança um grande feito com políticas públicas direcionadas para a qualidade ao ar, tema convergente.

A preocupação com a poluição atmosférica no Brasil se iniciou com a visível poluição do ar, no período de crescimento econômico e industrial, principalmente nas grandes metrópoles, evidenciando-se assim a necessidade de políticas públicas voltadas ao tema. O ponto de partida se deu com a publicação da Portaria do então Ministério do Interior nº 231, de 27 de abril de 1976, que visava estabelecer padrões nacionais de qualidade do ar para material particulado, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e oxidantes fotoquímicos, sendo os Estados responsáveis por estabelecer os padrões.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao direito ao meio ambiente saudável o status de direito fundamental. Em seu art. 23, inciso VI, determina ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a responsabilidade pela proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. E em seu art. 24, VI, estabelece que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre o controle da poluição.

 A publicação da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabelece as diretrizes e objetivos para a gestão ambiental no país e define as regras gerais para políticas ambientais, com o objetivo de proteger e preservar o meio ambiente, bem como promover o desenvolvimento sustentável, sustentou a preocupação do tema.

A PNMA traz como princípio o acompanhamento do estado da qualidade ambiental (art. 2º, VIII) e como instrumento o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental (art. 9º, I), iniciativas que facilitam a gestão ambiental e por consequência, na gestão da qualidade do ar.

Nesses termos, a PNMA também criou o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, que tem a responsabilidade de estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, iniciativas que contribuíra e ampliaram a abordagem e a preocupação da qualidade do ar.

A preocupação com a qualidade do ar torna-se necessária à medida que se identifica a correlação das concentrações de poluentes atmosféricos com a saúde humana, e nesse contexto, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021), estima-se que 7 milhões de mortes prematuras estejam relacionadas à exposição à poluição do ar.

Ciente da situação atual, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) vem realizando diferentes iniciativas voltadas para alcançar um melhor monitoramento da qualidade do ar no Brasil.

O ano de 2024 foi estabelecido como um marco importante para o país, com a publicação da Política Nacional de Qualidade do Ar (PNQAr), Lei nº 14.850, de 2 de maio de 2024, que estabeleceu diretrizes, instrumentos e competências para a gestão da qualidade do ar no Brasil.

Marco este comemorado com a realização, na data de 27 de junho de 2024, do Evento “Política Nacional de Qualidade do Ar e Lançamento do Painel Vigiar: Poluição Atmosférica e Saúde Humana​”, oportunidade em que o Ministério da Saúde apresentou mais uma ferramenta de identificação de municípios com maior exposição humana aos poluentes atmosféricos, para subsidiar a formulação de políticas públicas para fortalecer a vigilância e atenção em saúde do território nacional, o painel VigiAr.

Na PNQAr são definidos como instrumentos, o inventário de emissões atmosféricas; os planos, os programas e os projetos setoriais de gestão da qualidade do ar e de controle da poluição por fontes de emissão. Cujas competências recaem sobre a União, de orientar e consolidar, e os Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMA), de elaborar, de forma condicionante para acesso a recurso da União.

Art. 23. A elaboração dos inventários, dos planos de qualidade do ar, dos programas de controle e dos relatórios de avaliação de qualidade do ar, nos termos previstos nesta Lei, é condição para os Estados e o Distrito Federal terem acesso a recursos da União, ou por ela controlados, destinados às políticas públicas, a empreendimentos e a serviços relacionados à qualidade do ar e ao controle da poluição do ar, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou de fomento para essa finalidade.

Essa lei também estabelece que o monitoramento da qualidade do ar será de responsabilidade dos órgãos e instituições que fazem parte do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), com isso, todas as estações de monitoramento da qualidade do ar do país compõem a Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade do Ar, cuja quantidade real é de 395 estações de monitoramento, distribuídas por diferentes municípios ao longo das 16 Estados que monitoram a qualidade do ar. Números muito aquém perante a dimensão territorial do país.

Outro marco importante para o tema, foi a publicação da Resolução CONAMA nº 506/2024, que atualizou os padrões de qualidade do ar e estabeleceu etapas com datas de transição, visando proporcionar previsibilidade e possibilitar a melhoria contínua, conforme segue:

Fonte: Resolução Conama nº 506/2024.

Tais políticas públicas foram uma grande conquista, de fato, contudo, diante de um período cuja as discussões climáticas ganham força, há de se tornar relevante os poluentes não afetos diretamente ao efeito estufa mas diretamente ao impacto na saúde da população exposta à poluição atmosférica, diferentemente da exposição à poluição do solo e das águas, afeta a todos de forma igualitária, não havendo fronteiras ou barreiras, tão pouco respeitando as linhas de segregação da desigualdade social.

Além disso, é importante a ampliação da rede de monitoramento da poluição atmosférica, seja em quantidade de localidades com estações de monitoramento, sejam nos parâmetros a serem analisados, considerando-se que cada um dos poluentes reage e afeta de forma negativa a saúde humana.

A PNQAr fortalece muitas das medidas previstas e aplicadas pelo governo, além de contribuir para o comprometimento das instituições e dos órgãos públicos na elaboração dos planos de gestão de qualidade do ar.

Contudo, no Brasil, a poluição do ar ainda é tratada como um problema ambiental, mesmo sendo de conhecimento os impactos na saúde pública e na economia. Se faz necessário repensar a inserção dos agentes da saúde nas tomadas de decisão e propostas de normativas e resoluções, hoje em sua maioria, a cargo institucional, exclusivamente, do MMA.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

_____. Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.

_____. Lei n° 14.850, 2 de maio de 2024. Institui a Política Nacional de Qualidade do Ar.

_____. Portaria n° 231/1976 – Ministério do Interior estabelece os Padrões Nacionais de Qualidade do Ar para material particulado, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e oxidantes. Os padrões de emissão serão propostos pelos Estados.

CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, 2018. Resolução nº 506, de 5 de julho de 2024. Ministério do Meio Ambiente.

MMA – Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Relatório Anual de Acompanhamento da Qualidade do Ar, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/qualidade-ambiental-e-meio-ambiente-urbano/qualidade-do-ar/relatorio-anual-2023/relatorio-anual-da-qualidade-do-ar-2023.pdf

_____. Política Nacional de Qualidade do Ar e Lançamento do Painel Vigiar: Poluição Atmosférica e Saúde Humana. Disponível em: https://www.youtube.com/live/lTzxMJiltU4?si=8MWgyH0gNri3BddT

ONU – Organização das Nações Unidas. Novas diretrizes da OMS sobre qualidade do ar reduzem valores seguros para poluição. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/145721-novas-diretrizes-da-oms-sobre-qualidade-do-ar-reduzem-valores-seguros-para-polui%C3%A7%C3%A3o

Egoísmo x Altruísmo: um debate sobre a natureza humana e as regras que nos regem

Marco Aurélio Bittencourt

A Teoria da Escolha Pública, um conceito que permeia a ciência política e a economia, propõe que as ações humanas, inclusive na esfera pública, são motivadas, em grande parte, pelo interesse próprio. Essa ideia, à primeira vista, pode parecer cínica e desanimadora, contrastando com a crença de que as políticas públicas devem visar o bem comum e a justiça social.

Mas será que o egoísmo e o altruísmo são realmente forças opostas e irreconciliáveis?

É inegável que a maioria das pessoas, incluindo cientistas e intelectuais, possuem bons sentimentos e buscam contribuir para um mundo melhor. A evolução da humanidade, com avanços significativos em áreas como saúde, educação e tecnologia, especialmente após a Revolução Industrial, sugere que o “bem”, de alguma forma, tem prevalecido.

No entanto, a boa intenção por si só nem sempre é suficiente para garantir a cooperação e o alcance do bem comum. A religião, por exemplo, apesar de pregar valores como a compaixão e a solidariedade, muitas vezes esbarra na dificuldade de traduzir esses valores em ações concretas no mundo real.

Para entender melhor essa complexidade, vamos analisar alguns exemplos práticos:

1. Regras de Trânsito:

Nos Estados Unidos, a regra básica em muitos cruzamentos é simples: quem chega primeiro, tem o direito de passar. Essa norma, aparentemente trivial, gera um efeito notável no comportamento dos motoristas. Ao saberem que serão respeitados em sua ordem de chegada, os condutores tendem a agir de forma mais cooperativa e paciente, resultando em um trânsito mais fluido e seguro.

No Brasil, a regra da preferencial define quem tem o direito de passagem nos cruzamentos. No entanto, em cruzamentos complexos com alto volume de tráfego, a identificação da preferencial pode não ser trivial, o que pode levar a confusões e dificuldades em determinar a ordem de passagem. Embora a regra exista, a falta de clareza em algumas situações, em conjunto com a ausência do hábito de ceder a passagem mesmo quando se tem a preferência, pode gerar conflitos e desordem no trânsito.

Comparando os dois sistemas, podemos observar como regras claras, simples e bem definidas influenciam o comportamento das pessoas, incentivando a cooperação e o respeito mútuo. No caso americano, a simplicidade da regra “quem chega primeiro, passa primeiro” contribui para um sistema mais eficiente e harmonioso. No Brasil, a complexidade de alguns cruzamentos e a falta de um costume de ceder a passagem, mesmo tendo a preferência, podem dificultar a fluidez do tráfego.

Uma sugestão interessante para o caso brasileiro seria a implementação de um adendo à regra da preferencial: em situações de congestionamento, independentemente de cruzamentos, a regra “quem chega primeiro, passa primeiro”, alternadamente entre as filas, poderia ser aplicada. Isso tornaria o sistema mais claro, justo e eficiente, similar ao modelo americano. Claro, aqui a suposição implícita é de que todos estariam sujeitos a, no contexto da regra válida hoje para o Brasil, ambas situações: estar na preferencial ou estar aguardando todos da preferencial passarem. Nem sempre encontramos uma situação propicia à mudanças pontuais com sucesso pleno como me parece ser o caso da regra de transito.

2. Mudança na Jornada de Trabalho (6/1 para 4/3):

A proposta de reduzir a semana de trabalho de 6 para 4 dias úteis, mantendo a remuneração dos trabalhadores, é outro exemplo que ilustra a complexa relação entre egoísmo, altruísmo e o papel do Estado.

A princípio, a semana de 4 dias parece atender aos interesses individuais de todos:

  • Trabalhadores: Mais tempo livre para lazer, família e desenvolvimento pessoal.
  • Empresas: Potencial aumento da produtividade, redução de custos com energia e infraestrutura, e atração de talentos.
  • Governo: Melhora na qualidade de vida da população, estímulo à economia e possível redução de gastos com saúde pública (devido à redução do estresse e doenças relacionadas ao trabalho).

No entanto, a Teoria da Escolha Pública nos alerta para a necessidade de ir além das boas intenções e analisar os incentivos de cada ator, bem como os possíveis desafios e obstáculos para a implementação da semana de 4 dias.

Desafios e o Papel do Estado:

  • Custos para as empresas: A reorganização do trabalho, a contratação de novos funcionários e o investimento em novas tecnologias podem gerar custos para as empresas, especialmente para pequenas e médias empresas.
  • Risco de redução salarial: É preciso garantir que a redução da jornada não implique em redução salarial, o que prejudicaria os trabalhadores.
  • Dificuldade de adaptação: Alguns setores da economia podem ter dificuldades em se adaptar à semana de 4 dias, especialmente aqueles que exigem disponibilidade contínua.
  • Desemprego: A mudança pode levar à perda de empregos em alguns setores, caso as empresas não consigam manter a produtividade com a redução da jornada.

Para enfrentar esses desafios e garantir que a semana de 4 dias seja benéfica para todos, o Estado tem um papel fundamental:

  • Garantir a proporcionalidade salarial: A legislação deve assegurar que a redução da jornada não implique em redução salarial.
  • Incentivar a flexibilidade: As regras para a organização da jornada de trabalho devem ser flexíveis, permitindo que empresas e trabalhadores negociem a melhor forma de implementar a semana de 4 dias.
  • Criar mecanismos de apoio: O governo pode oferecer incentivos fiscais e programas de apoio para auxiliar as empresas na adaptação à nova jornada.
  • Monitorar os impactos da mudança: O governo deve acompanhar e avaliar os impactos da semana de 4 dias no mercado de trabalho e na economia, ajustando as políticas públicas quando necessário.
  • Investir em requalificação profissional: Oferecer programas de requalificação para os trabalhadores que eventualmente perderem seus empregos devido à mudança na jornada de trabalho.

Conclusão:

A Teoria da Escolha Pública nos convida a repensar a relação entre egoísmo e altruísmo, mostrando que esses conceitos não são necessariamente excludentes. Ao entendermos como as pessoas tomam decisões e como as regras influenciam o comportamento humano, podemos construir uma sociedade mais justa, eficiente e cooperativa, onde o interesse individual e o bem comum caminhem lado a lado, com a lei como um importante instrumento para a promoção da solidariedade.

Assim como no caso das regras de trânsito, a semana de 4 dias exige uma análise cuidadosa dos incentivos e a criação de regras claras e eficazes para garantir que a mudança seja benéfica para todos. O Estado tem um papel fundamental nesse processo, atuando como mediador e promotor do bem-estar social. Evidentemente, numa democracia, a questão seria resolvida no voto.


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb.

Email: 0171969@etfbsb.edu.br