Investimentos em risco: o ciclo vicioso da política fiscal brasileira – contingenciar em vez de reformar

Katia Rocha

Recentemente, o governo federal publicou Decreto que bloqueia R$ 31,3 Bilhões no Orçamento de 2025 para atender às regras estabelecidas pelo novo arcabouço fiscal. O corte impacta diversos Ministérios e ameaça diversos programas, como o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e outros investimentos públicos. O contingenciamento pode ainda ser insuficiente em vista da reversão do Decreto que majorava o IOF com estimativa de arrecadação da receita adicional de R$ 20,5 bilhões.

Mais uma vez, sacrifica-se o espaço orçamentário de investimentos em nome da urgência fiscal. Evita-se o enfrentamento direto das causas estruturais do desequilíbrio e recorre-se a soluções paliativas de contingenciamentos diversos.

O contingenciamento tornou-se o instrumento recorrente e informal da política fiscal brasileira. Diante da rigidez de gastos obrigatórios e da resistência política a reformas estruturais, o governo corta, invariavelmente, despesas discricionárias — as únicas sob seu controle imediato, impactando, em especial, investimentos em infraestrutura. Um erro recorrente, uma vez que o ajuste deveria se concentrar em preservar os investimentos, essenciais para estimular o crescimento de médio e longo prazo e para uma consolidação fiscal bem-sucedida e sustentável, em especial, nas economias em desenvolvimento como o Brasil.

É consenso que a infraestrutura deficiente, seja em capital físico ou qualidade de serviços, representa um dos principais entraves a produtividade e ao desenvolvimento no Brasil. Para que os países em desenvolvimento alcancem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e impulsionem o crescimento econômico, estima-se que seriam necessários investimentos em infraestrutura equivalentes a 4,5% do PIB ao ano[1]. No Brasil, entretanto, os investimentos em infraestrutura, somando as fontes públicas e privadas, mal superam 2% do PIB aa, gerando uma lacuna anual de cerca de 2,5% PIB aa[2].

Vale lembrar que instrumentos como concessões e parcerias público-privadas também permanecem limitados na ausência de uma âncora fiscal crível e de uma governança eficiente do gasto, com sucessivos contingenciamentos. Trata-se de um ciclo vicioso (ao contrário de virtuoso) que compromete a capacidade de planejamento e entrega de infraestrutura de qualidade, desestimulando, inclusive, a participação do setor privado (efeito crowding in).

Essa conduta fiscal mina a credibilidade da política fiscal e enfraquece o planejamento de longo prazo. Contingenciar em vez de reformar, prática reativa e pouco transparente, vai na contramão das principais recomendações internacionais para o Brasil.

Segundo o FMI, em seu relatório mais recente de 2024 sobre o Brasil (Article IV Consultation – IMF Country Report), é necessário um “esforço fiscal sustentado e ambicioso, que abra espaço para investimentos prioritários”.

A OCDE, no Economic Survey Brazil 2023, vai na mesma direção: alerta que o país precisa de reformas estruturais de forma a “garantir a sustentabilidade fiscal enquanto cria espaço para investimentos sociais e em infraestrutura”.

Ambas as instituições reforçam a urgência de reformas estruturais (tributária consumo, tributária renda, administrativa, revisão de subsídios e gastos tributários, eficiência dos gastos públicos, integração entre planejamento e execução orçamentária, abertura comercial e integração global) para romper com o padrão de contingenciamento.

As recomendações enfatizam a revisão de subsídios ineficientes, e a adoção de um orçamento de médio prazo que aumente a previsibilidade fiscal. Destacam ainda a importância da definição de marcos anuais e de um cronograma para o plano de infraestrutura de longo prazo, a fim de facilitar o monitoramento, o controle e a responsabilização, além da necessidade de reduzir a rigidez e a indexação excessiva do orçamento. Finalmente, recomendam a necessidade de maior eficiência alocativa dos gastos públicos — priorizando o “gastar bem” em vez do “gastar muito” como bem lembra o FMI em seu livro ‘Well Spent: How Strong Infrastructure Governance Can End Waste in Public Investment’. Estima-se que a governança aumente a eficiência do investimento público entre 32% e 42% nas economias emergentes. Ou seja, cresce-se mais gastando-se menos.

As recomendações acima se alinham às análises recentes da Instituição Fiscal Independente (IFI) em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal (Maio 2025):

  1. Revisão de gastos obrigatórios e subsídios ineficientes, reavaliar vinculações e indexações automáticas que comprimem o orçamento discricionário, reduzir subsídios regressivos e com baixa efetividade;
  2. Aprimoramento da governança do gasto, fortalecer mecanismos de avaliação de políticas públicas (spending review), priorizar o “gastar bem” em vez do “gastar mais”;
  3. Implementação de orçamento de médio prazo, estabelecer metas e projeções fiscais plurianuais vinculadas ao planejamento de longo prazo; e
  4. Transparência e previsibilidade, evitar mudanças frequentes nas regras fiscais e ampliar a clareza nas projeções e nos riscos fiscais explícitos e implícitos.

Contingenciar pode ser necessário, mas jamais pode ser a regra de condução da política fiscal. O Brasil precisa sair do ciclo vicioso em que não se ajusta por escolha, mas contingencia por exaustão. Sem reformas, seguiremos sacrificando o futuro para estancar o presente. E nenhum país em desenvolvimento cresce cortando investimentos, essencial para o desenvolvimento econômico e social.


[1] Ver Rozenberg,Julie; Fay,Marianne. Beyond the Gap: How Countries Can Afford the Infrastructure They Need while Protecting the Planet. World Bank Group. 

[2] Ver Livro Azul da Infraestrutura – ABDIB 2024.


Katia Rocha. Técnica de Planejamento e Pesquisa IPEA. E-mail: katia.rocha@ipea.gov.br. É colunista da WebAdvocacy (página).

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Katia Rocha

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A Dinâmica da produtividade e preços: revisitando o Teorema Balassa-Samuelson na economia digital e em países em desenvolvimento

Marco Aurélio Bittencourt

A validade “Datada” dos Teoremas econômicos e o de Balassa-Samuelson (B-S)

Teoremas econômicos, como o Balassa-Samuelson (proposto em 1964), oferecem lentes analíticas cruciais para compreender fenômenos macroeconômicos. Contudo, é fundamental reconhecer que suas premissas foram formuladas em um contexto histórico e tecnológico específico. O B-S, ao categorizar a economia em setores “transacionáveis” (com alta produtividade) e “não transacionáveis” (com produtividade supostamente mais estagnada), reflete uma realidade industrial de meados do século XX. A validade desses teoremas não é questionada em sua lógica fundamental, mas sim em sua capacidade de capturar a plenitude dos mecanismos econômicos em um mundo transformado pela digitalização, globalização e ascensão da economia do conhecimento.

O teorema B-S estabelece que países com maior crescimento da produtividade no setor de bens transacionáveis (tipicamente a indústria) tendem a ter salários mais altos em toda a economia (devido à mobilidade do trabalho) e, consequentemente, preços relativamente mais elevados nos serviços não transacionáveis. Isso resulta em um nível geral de preços mais alto e uma taxa de câmbio real mais apreciada em nações mais ricas.

“milagre dos números” – o que ajustes nas estatísticas poderiam suscitar com base nesse Teorema B-S, reside na aparente distorção do Produto Interno Bruto (PIB). Em muitas economias avançadas, observa-se uma participação esmagadora do setor de serviços no PIB, o que poderia levar à falsa impressão de que a indústria perdeu sua relevância. No entanto, essa predominância é, em parte, um artefato estatístico do modo como o PIB é mensurado. Se devidamente ajustada para a paridade de poder de compra ou outros métodos que considerem os diferenciais de preço, essa mensuração levaria a uma identificação mais precisa da força do setor transacionável no PIB. É o que advocam a validade ubíqua do teorema B-S.

Elementos dinâmicos que afetam as premissas do Teorema em economias desenvolvidas

Hoje presenciamos diversos elementos dinâmicos que afetam as premissas originais do B-S em economias avançadas:

  • A Inovação e a Universalização da Produtividade nos Serviços: A premissa de que os serviços são intrinsecamente de “baixa produtividade” é atualmente desafiada. A revolução digital, a Inteligência Artificial (IA), a automação e as novas tecnologias têm permitido ganhos substanciais de produtividade em áreas como educação (e-learning, tutores de IA), saúde (robótica cirúrgica, telemedicina) e serviços pessoais (sistemas de agendamento, equipamentos de alta qualidade). A inovação em serviços frequentemente se manifesta na melhoria da qualidade, eficiência na entrega e personalização, e não apenas em uma redução de custo unitário. Essa elevação de preços ocorre por múltiplos fatores:
    • Primeiramente, a remuneração ao investimento em capital humano de profissionais altamente qualificados (mais abundantes e efetivamente utilizados em países desenvolvidos) se reflete diretamente na qualidade, sofisticação e valor agregado dos serviços. Uma consulta com um médico especialista ou uma consultoria com um engenheiro experiente é precificada pelo conhecimento e pela capacidade de resolver problemas complexos.
    • Em segundo lugar, a inovação manifesta-se na utilização de equipamentos de alta qualidade e softwares sofisticados no setor de serviços, cujos custos de capital e tecnologia são repassados aos preços.
    • Por fim, a inovação em serviços frequentemente se traduz em melhoria da qualidade, eficiência na entrega e personalização, que os consumidores de alta renda estão dispostos a pagar. Assim, embora o volume físico de serviços produzidos possa não ser proporcionalmente maior do que o de bens, o valor monetário desses serviços no PIB é artificialmente elevado, reflexo dessas inovações de alcance ubíquo.
  • A Crescente “Transacionabilidade” de Serviços: A distinção rígida entre bens transacionáveis e não transacionáveis está se tornando mais ambígua. Serviços como consultoria, desenvolvimento de software, suporte ao cliente e até mesmo algumas formas de educação e saúde podem ser prestados remotamente e exportados/importados, sujeitando-os a uma competição global e, potencialmente, a pressões de preços semelhantes às dos bens manufaturados.
  • Abundância e Qualificação da Força de Trabalho (Lado da Oferta): A proliferação da educação superior e a disponibilidade de uma força de trabalho altamente qualificada em muitos países desenvolvidos introduz uma nova camada de complexidade na dinâmica salarial. Vejamos:
    • Produtividade Qualitativa: Profissionais mais qualificados elevam a produtividade e a qualidade dos serviços que entregam, justificando preços mais elevados.
    • Custo de Oportunidade Elevado: O alto investimento em educação cria uma expectativa salarial que eleva o “piso” de remuneração em todos os setores, incluindo os serviços.
    • Impacto da Oferta de Trabalho: Se a oferta de profissionais qualificados excede a demanda em certas áreas, pode haver uma pressão de baixa nos salários, mesmo para aqueles com alto nível de educação. Isso difere da premissa de um “puxão” salarial ascendente uniforme e pode atenuar o impacto do B-S.

Elementos que modulam o Teorema em economias desenvolvidas

Os elementos dinâmicos acima fazem o teorema B-S ser moderado, ou seja, exigem uma interpretação mais sofisticada de seus efeitos:

  • Diluição dos Diferenciais de Produtividade: Se a taxa de crescimento da produtividade nos serviços se aproxima daquela nos setores transacionáveis, o principal motor do Balassa-Samuelson – o diferencial de produtividade entre setores – enfraquece. Isso poderia levar a uma convergência nos níveis de preços e uma menor apreciação da taxa de câmbio real nos países ricos.
  • Segmentação do Mercado de Serviços: Em vez de um setor de serviços homogêneo, observa-se uma polarização: serviços automatizáveis (que podem ter preços mais contidos pela eficiência) versus serviços de alto contato ou personalização (que continuam caros pela dependência de capital humano qualificado). Além disso, a emergência de serviços digitais transacionáveis introduz uma dinâmica de precificação globalizada.
  • Pressão Salarial pela Oferta vs. Demanda: A dinâmica salarial torna-se uma interação complexa entre a produtividade dos setores transacionáveis (que puxa salários para cima) e a oferta e demanda de trabalho qualificado em diferentes segmentos de serviços (que pode conter salários ou impulsioná-los, dependendo da escassez de habilidades específicas).

Fatores específicos do custo de vida em países desenvolvidos: saúde e previdência

A explicação para o elevado custo de vida em países desenvolvidos transcende a atuação direta do efeito Balassa-Samuelson, sendo significantemente influenciada por setores e regulamentações específicas:

  • Custos Elevados em Serviços de Saúde: O alto custo dos serviços de saúde nesses países é multifacetado. Ele se justifica, em parte, pelo uso intensivo de equipamentos e pessoal de alta qualificação e especialização e constante inovação, refletindo o investimento em capital humano e tecnologia que eleva o valor intrínseco do serviço. No entanto, o custo também é exacerbado por regulamentações e estruturas de mercado que podem ser ineficientes, burocráticas ou excessivamente fragmentadas, contribuindo para preços mais altos sem uma correspondente melhora na produtividade ou qualidade que justifique integralmente o aumento. Isso inclui custos administrativos, o poder de negociação de grandes empresas farmacêuticas e a complexidade dos sistemas de seguro.
  • Programas de Aposentadoria e Previdência: Os custos associados a programas de aposentadoria e previdência, frequentemente robustos em economias desenvolvidas, também contribuem para o custo de vida dos trabalhadores que arcam em parte com o seu custo. Embora sejam fundamentais para o bem-estar social, sua sustentabilidade pode ser desafiada por fatores econômicos (encurtamento do PIB) e, crucialmente, pela regulação de seus sistemas financeiros subjacentes. Uma regulação fraca ou inadequada do sistema financeiro, que é a base de sustentação desses planos previdenciários (públicos ou privados), pode levar a retornos insuficientes sobre os investimentos, custos de gestão elevados ou crises que exigem capitalização adicional. Esses custos são, em última instância, repassados aos contribuintes ou aos beneficiários através de impostos mais altos ou menores benefícios futuros, impactando o custo de vida geral.

Esses fatores setoriais demonstram que, embora o B-S explique a tendência geral de serviços mais caros em países ricos, a magnitude e as causas específicas em áreas críticas como saúde e previdência são moldadas por decisões políticas e regulatórias que fogem da simples lógica de diferenciais de produtividade.

O Contexto dos países em desenvolvimento: desafios estruturais e o B-S

A aplicação do teorema B-S a países em desenvolvimento revela um cenário distinto e mais complexo. Nesses contextos, a predominância de serviços de baixa produtividade é ubíqua, não como um resultado da alta produtividade industrial que eleva os salários (como no B-S), mas por razões estruturais e históricas:

  • Negligência de Políticas Industriais e Comerciais: A ausência de políticas industriais e comerciais coerentes e de longo prazo impede o desenvolvimento de setores transacionáveis robustos e de alta produtividade. Isso resulta em uma base industrial fraca, incapaz de gerar os ganhos de produtividade que puxariam os salários da economia.
  • Qualificação Aparente vs. Efetiva: A “superqualificação” é frequentemente aparente, dada a baixa qualidade do ensino. Há muitos formados, mas com pouca qualificação efetiva e habilidades que atendam às demandas de um mercado de trabalho sofisticado. Essa desconexão entre oferta e demanda de qualificações não permite que a educação se traduza em ganhos generalizados de produtividade ou salários elevados, como visto em economias desenvolvidas.
  • Escassez de Instrumentos de Trabalho Sofisticados: Políticas tarifárias ineficazes ou “esquizofrênicas” e a proibição ou restrição de contratação de empresas estrangeiras para executarem obras de infraestrutura ou construção civil limitam o acesso a tecnologias avançadas e “melhores práticas” internacionais. Isso restringe a capacidade dos serviços locais de se tornarem mais produtivos e modernos.
  • Serviços com Baixa Produtividade: Em países em desenvolvimento, a vasta maioria dos serviços ainda se caracteriza por baixa produtividade, alta intensidade de mão de obra não qualificada ou semi-qualificada, e pouca inovação. Isso contrasta com a realidade dos países desenvolvidos onde, mesmo nos serviços, a tecnologia e a qualificação tendem a ser elevadas, principalmente pela qualificada estrutura de equipamento e conhecimento disponíveis em larga escala a trabalhadores alocados em áreas como a construção civil ou outras de grande empregabilidade de mão de obra.

Em suma, em países em desenvolvimento, o domínio de serviços de baixa produtividade reflete falhas estruturais na política econômica e educacional, e não o efeito de um setor transacionável de alta produtividade “puxando” o restante da economia. A dinâmica de salários e preços nesses contextos é, portanto, moldada mais pela ineficiência e falta de competitividade do que pelos mecanismos de transbordamento de produtividade de um setor transacionável robusto.

Conclusão: Balassa-Samuelson reinventado, não refutado, e suas limitações contextuais

O teorema Balassa-Samuelson, embora formulado em um contexto diferente, permanece relevante para entender as diferenças de preços e câmbio real entre países. No entanto, ele não é um teorema “estático”, mas uma estrutura analítica que exige reinterpretação à luz das profundas transformações econômicas.

Os elementos dinâmicos discutidos – a crescente produtividade dos serviços, sua maior transacionabilidade e a complexa interação entre oferta e demanda de uma força de trabalho cada vez mais qualificada – moderam o efeito B-S em economias desenvolvidas. O “milagre dos números” ainda pode existir, mas suas causas e manifestações são mais multifacetadas. A convergência de preços para bens transacionáveis é notória, e alguns serviços de alto padrão também podem exibir certa convergência devido à busca por qualidade e capital humano globalmente comparável. Contudo, para a maioria dos serviços, a divergência persiste, mas parecem estar restritos a um grupo de baixíssima produtividade.

Para países em desenvolvimento, o cenário é substancialmente distinto. O predomínio de serviços de baixa produtividade reflete problemas estruturais mais profundos relacionados à ausência de políticas de fomento à produtividade, à inadequação da qualificação da força de trabalho e a barreiras à adoção de tecnologias e suas melhores práticas. Nesses contextos, o B-S pode ter uma aplicabilidade limitada para explicar o padrão de preços e produtividade, que é mais moldado por deficiências sistêmicas do que pelos mecanismos de transbordamento de produtividade de um setor transacionável robusto. Além disso, o custo de vida elevado em países desenvolvidos não se explica unicamente pelo B-S, mas também por fatores setoriais e regulatórios específicos, como a organização e eficiência dos sistemas de saúde e previdência, que têm um impacto significativo nos preços e na carga econômica para os cidadãos.


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb. Email: 0171969@etfbsb.edu.br 


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Marco Aurélio Bittencourt

Os caminhos estratégicos do Banco Central do Brasil (BCB) no horizonte 2026-2029: o que esperar da nova agenda regulatória e concorrencial

Leandro Oliveira Leite

O Banco Central do Brasil (BCB) iniciou oficialmente a construção de seu Planejamento Estratégico Institucional para o ciclo 2026-2029, em um momento em que o sistema financeiro global enfrenta mudanças aceleradas impulsionadas por tecnologias disruptivas, mudanças climáticas e a crescente demanda por regulação adaptativa. Esse novo ciclo é precedido por conquistas relevantes do BCB nos últimos anos, como o Pix, o Open Finance, o sandbox regulatório e os avanços na regulação prudencial. Agora, o desafio é desenhar uma nova agenda estratégica que mantenha o protagonismo da instituição no cenário internacional, sem perder de vista a estabilidade monetária, a inclusão financeira e a competitividade de mercado.

O processo de planejamento estratégico do BCB é conduzido com ampla participação interna. A Secretaria Executiva de Governança Institucional (Segov) lidera a fase diagnóstica com entrevistas, oficinas e aplicação de pesquisas com servidores. O objetivo é identificar os principais desafios que o Banco enfrentará nos próximos anos e, a partir disso, propor orientações estratégicas consistentes com sua missão institucional. O processo contempla três fases: diagnóstico (até julho de 2025), formulação de diretrizes (até novembro de 2025) e desdobramento em ações e indicadores (conclusão até junho de 2026).

A formulação desse novo ciclo tem como pano de fundo o acúmulo técnico da instituição e o aprendizado institucional obtido em iniciativas passadas. Segundo o Secretário-Executivo do BCB, Rogério Lucca, o engajamento dos servidores é central para que as diretrizes reflitam uma visão coesa e realista sobre o futuro do BC. O envolvimento transversal das unidades do Banco e a escuta ativa da liderança têm possibilitado a identificação de prioridades como resiliência institucional, adaptação tecnológica, estabilidade financeira e fortalecimento do papel do BC como regulador da concorrência.

A partir desse processo participativo, temas centrais para a agenda regulatória e concorrencial têm emergido com destaque. Um dos fóruns mais significativos nesse debate foi o 22º Encontro de Multiplicação do Conhecimento, ocorrido em maio de 2025, que integrou a iniciativa “Câmbio de Ideias”[1]. O evento reuniu técnicos e especialistas do BCB e de outras instituições para discutir temas emergentes com forte potencial de impacto regulatório.

A Teoria do Transporte Ótimo foi um dos temas mais inovadores discutidos, especialmente por suas aplicações em aprendizado de máquina e na precificação de ativos financeiros. Trata-se de um campo matemático sofisticado que permite reconfigurar modelos tradicionais de avaliação de risco e retorno. O uso dessa teoria para aprimorar algoritmos de inteligência artificial poderá tornar os modelos regulatórios mais eficientes, automatizados e sensíveis a padrões dinâmicos do mercado.

Outro tema de grande relevância foi o estudo sobre choques macroeconômicos e a forma como o mercado os interpreta. A construção de uma política monetária responsiva e bem calibrada depende, em grande parte, da capacidade do BCB de antecipar reações do mercado a eventos externos e internos. Incorporar elementos da teoria das expectativas adaptativas e utilizar big data para captar tendências de comportamento dos agentes pode ampliar a eficácia da política econômica.

A discussão sobre a regulação internacional de pagamentos e transferências aprofundou o debate sobre os desafios de integrar o Brasil a um ecossistema financeiro global interoperável. A crescente digitalização dos fluxos de capitais e a introdução de moedas digitais por bancos centrais (CBDCs) demandam uma regulação coordenada, capaz de garantir segurança jurídica, transparência, proteção ao consumidor e promoção de concorrência em serviços transfronteiriços.

Na dimensão prudencial, a relação entre governança corporativa e perdas com crédito também foi analisada sob uma perspectiva regulatória. O aprimoramento da governança de instituições financeiras permite maior resiliência frente a ciclos de crédito e melhora os processos de compliance. O BCB, por meio da supervisão baseada em risco, tem incentivado práticas mais sólidas de governança, que permitam antecipar deteriorações de carteira e reduzir os impactos sistêmicos de crises bancárias.

A pauta de sustentabilidade se consolidou como vetor estrutural da nova agenda estratégica. A análise dos impactos dos subsídios ao setor limpo, por exemplo, insere-se na preocupação do BCB com a transição ecológica e com o desenvolvimento de uma taxonomia verde robusta. O estímulo ao crédito verde e aos investimentos sustentáveis faz parte do compromisso da autoridade monetária com a Agenda BC#, que visa a integrar fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) na supervisão e regulação financeira.

Além dos temas técnicos, o BCB também tem enfrentado desafios em relação à concorrência no sistema financeiro. A abertura de mercado promovida pelo Open Finance, as discussões sobre interoperabilidade de plataformas e a supervisão de grandes conglomerados tecnológicos que atuam no setor financeiro (os chamados “Big Techs”) exigem do BC instrumentos regulatórios modernos, alinhados às melhores práticas internacionais e sensíveis ao risco de concentração de mercado.

A agenda regulatória, portanto, caminha para uma atuação mais responsiva, centrada na análise de dados em tempo real, em modelos preditivos de supervisão e em mecanismos de resposta rápida a ineficiências concorrenciais. O papel do BC como promotor da concorrência se reforça com o uso de benchmarks internacionais e com a colaboração interinstitucional com entidades como o Cade, a CVM e o Tesouro Nacional.

A integração entre inovação e estabilidade também é vista como um dos principais eixos estratégicos. Iniciativas como o Drex (a moeda digital do BCB), o sistema de liquidação instantânea (Pix), a expansão do Open Finance e o avanço da tokenização de ativos têm potencial para mudar a estrutura do mercado financeiro nos próximos anos. O BC tem buscado garantir que essa transição seja segura, interoperável e pautada por princípios de proteção ao consumidor e fomento à concorrência.

No horizonte 2026-2029, espera-se também que o BC avance na agenda de educação financeira, inclusão digital e descentralização de serviços bancários. O fortalecimento do ambiente de inovação exige que as políticas públicas sejam acompanhadas por programas de capacitação e letramento digital, de modo a reduzir as desigualdades no acesso ao sistema financeiro.

Os avanços tecnológicos trazem oportunidades, mas também impõem riscos, como o uso indevido de dados, discriminação algorítmica e ampliação de assimetrias informacionais. Nesse sentido, a governança de dados, a proteção da privacidade e a supervisão de algoritmos se tornam temas centrais na agenda de supervisão tecnológica do BC.

O uso de inteligência artificial (IA) nos processos de regulação e supervisão tem crescido. O recém-criado Centro de Excelência em Ciência de Dados e IA do BCB visa desenvolver competências internas e diretrizes éticas para o uso seguro dessas tecnologias. A IA poderá ser utilizada para prever anomalias em comportamento financeiro, mapear riscos emergentes e calibrar políticas macroprudenciais.

Outro eixo importante será a internacionalização das políticas monetária e regulatória do Brasil. A presidência brasileira do G20 em 2024 reforçou o papel do BC em fóruns globais, ampliando o diálogo com outros bancos centrais sobre estabilidade macroeconômica, inclusão financeira e riscos climáticos. Essa projeção internacional deve continuar a ser prioridade no próximo ciclo estratégico.

A integração dos objetivos estratégicos com instrumentos regulatórios efetivos exige ainda uma governança institucional robusta. A adoção de métricas de desempenho, indicadores de impacto regulatório e mecanismos de accountability[2] são pilares que permitirão ao BC entregar valor público com maior transparência e eficiência.

A sustentabilidade fiscal e o controle da inflação seguirão sendo objetivos centrais, mas, diante das mudanças estruturais da economia, temas como finanças verdes, regulação da economia de dados e fomento à inovação financeira ganharão relevância na missão institucional do BC. A estabilidade do sistema financeiro agora depende também da sua capacidade de se adaptar às transições tecnológicas e ambientais.

Diante do exposto, os caminhos estratégicos do Banco Central do Brasil para 2026-2029 apontam para uma instituição cada vez mais integrada aos desafios do século XXI. A capacidade de equilibrar estabilidade, concorrência e inovação será decisiva para garantir um sistema financeiro robusto, inclusivo e sustentável, à altura das demandas de uma sociedade em constante transformação.


[1]Câmbio de Ideias é um evento interno para disseminação de conhecimentos adquiridos em soluções formais de aprendizagem.

[2] A palavra “accountability” vem do inglês e, embora possa ser traduzida como “responsabilidade” ou “prestação de contas”, seu significado vai além. Ela implica um compromisso mais amplo com a transparência, a responsabilização e a gestão dos resultados.


Leandro Oliveira Leite. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.


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Leandro Oliveira Leite

Leia outros artigos do autor sobre o BCB:

IA no setor público: BC e outros órgãos avançam. WebAdvocacy. Brasília, DF. Coluna de Leandro Oliveira Leite. 29 de outubro de 2024.

BC no G20: O que vem sendo discutido na Trilha de Finanças? WebAdvocacy. Brasília, DF. Coluna de Leandro Oliveira Leite. 26 de agosto de 2024.

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Atos de Concentração na Argentina – algo a aprender?

Pedro Zanotta e Dayane Garcia Lopes Criscuolo

A troca de conhecimentos, experiências e modelos jurídicos, entre os países, é uma prática muito rica, já que nos ensina e traz ideias para melhorar pontos que, por vezes, são pedras no caminho em nossa legislação, que impedem o bom andamento, dificultam o prosseguimento ou a rápida evolução de procedimentos. É o direito comparado em sua essência!

Neste sentido, muito se fala acerca das evoluções trazidas pela Lei 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência – LDC) no âmbito da submissão e análise de atos de concentração, e não se nega o quanto evoluímos, mas será que não há mais nada que ainda possamos melhorar? Sabe-se que a submissão de operações à autoridade antitruste é importante, dado o impacto que podem trazer aos mercados dos mais diversos setores de nossa economia.

No entanto, será que a submissão automática de todas as operações, quando do atingimento dos valores de faturamento exigidos, nos termos do artigo 88, da LDC e da Portaria Interministerial 994/2012 (PI 994) é, em todas as hipóteses, de fato, necessária? Considerando que os valores[1] da PI 994 estão sem atualização desde o ano de 2012, eles estão aptos a filtrar as operações que devem, de fato, passar pelo crivo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)? Os valores não deveriam ser, periodicamente, atualizados? Levando-se em conta a obrigatoriedade da submissão das operações, seriam as taxas cobradas pelo órgão justas?

Considerando esses questionamentos, buscamos o Direito Comparado e, com base na Lei de Defesa da Concorrência Argentina (Ley 27442/2018[2]), tem-se que referido diploma traz alguns dispositivos que poderiam inspirar algumas alterações em nossa LDC.

Inicialmente, destaca-se que não há taxas para a submissão de atos de concentração junto à autoridade antitruste argentina. Ademais, uma operação só deve ser submetida[3] a esta autoridade quando o volume de negócios[4] total, do conjunto de empresas afetadas,[5] superar, no país, a soma equivalente a, aproximadamente, US$ 102,000,000[6]. Para efeitos da determinação desse volume de negócios, o Tribunal de Defesa da Concorrência informará, anualmente, o valor em moeda corrente que se aplicará durante o ano correspondente.

Isto quer dizer, a própria legislação prevê a forma de atualização do valor de corte das operações, sem a necessidade de novas portarias ou regulamentações, que demandam tempo para seus trâmites, adotando o Tribunal, desta forma, sempre os valores atualizados. Tal fato difere, em muito, do Brasil, na medida em que os valores aplicados pelo CADE foram atualizados em 2012, não sofrendo qualquer alteração desde então, o que, certamente, implicou na submissão de uma série de operações que, a princípio, não necessitariam de análise pelo órgão, se os valores estivessem atualizados, assim como não haveria o recolhimento da respectiva taxa para a submissão destas operações.

A lei argentina traz, também, exceções à submissão obrigatória das operações, ainda que o valor acima disposto seja atingido. São elas[7]:

(a) aquisições de empresas das quais o comprador já possuía mais de 50% das ações, sempre que este fato não implicar na alteração da natureza do controle;

(b) as aquisições de bônus de subscrição, debentures, ações sem direito de voto ou títulos de dívida da empresa;

(c) as aquisições de uma única empresa por parte de uma única empresa estrangeira que não possua anteriormente ativos (excluindo aqueles para fins residenciais) ou ações de outras empresas na Argentina e cujas exportações para a Argentina não tenham sido significativas, habituais e frequentes durante os últimos trinta e seis meses;

(d) aquisições de empresas que não tenham registrado atividade no país no último ano, salvo se as atividades principais da empresa-alvo e da empresa adquirente coincidirem;

(e) as operações de concentração econômica que requerem notificação, em razão de atingirem o montante correspondente ao volume de negócios, quando o valor da operação e o valor dos ativos situados na República Argentina que serão absorvidos, adquiridos, transferidos ou controlados não excederem, cada um deles, respectivamente, o equivalente a cerca de US$ 20,400,000, salvo se no período de doze meses anteriores tenham sido realizadas operações que, em conjunto, excedam esse montante, ou o equivalente a cerca de US$ 61,000,000, desde que em ambos os casos se trate do mesmo mercado.

Isto quer dizer, a lei argentina prevê, como exceções, operações que apresentam menor potencial de risco ao mercado, ainda que o critério do valor de volume de negócios seja atingido, evitando, desta forma, que o excesso de formalidade prejudique a boa movimentação dos mercados e a evolução de procedimentos necessários para o desenvolvimento da economia.

Dentro deste contexto, verificamos que, em determinados pontos, a lei argentina está um passo à frente da brasileira, podendo nos servir de inspiração, já que prevê a gratuidade de seus procedimentos, a forma de atualização anual dos valores e, principalmente, as exceções para casos de menor impacto, mantendo-se, desta forma, sob o controle da autoridade antitruste apenas as operações que podem, de alguma maneira, ter efeitos no mercado. Há de se destacar, por fim, que a própria lei traz o resguardo para a autoridade, na medida em que possibilita diminuir eventual efeito negativo destas exceções, a qualquer tempo[8], diante da previsão de requerimento, pela autoridade, de notificação de um ato de concentração que não seria notificável[9].

Desta forma, trazemos à reflexão alguns aspectos trazidos pela Lei de Defesa da Concorrência argentina, no âmbito dos atos de concentração, para incentivar a discussão se não deveriam ser aqui aproveitados, dando, assim, maior efetividade e celeridade ao controle realizado pela autoridade brasileira.


[1]Art. 1o Para os efeitos da submissão obrigatória de atos de concentração a análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, conforme previsto no art. 88 da Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, os valores mínimos de faturamento bruto anual ou volume de negócios no país passam a ser de:

I – R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinqüenta milhões de reais) para a hipótese prevista no inciso I do art. 88, da Lei 12.529, de 2011; e

II – R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais) para a hipótese prevista no inciso II do art. 88, da Lei 12.529 de 2011.”

[2] Disponível em: https://www.argentina.gob.ar/normativa/nacional/ley-27442-310241/texto Acesso 06.05.2025.

[3] Para efeitos de curiosidade, o controle exercido pela autoridade argentina é posterior à operação, assim como o era na Lei 8.884/84. Neste aspecto, entendemos que a lei 12.529/2011 é mais avançada.

[4] Art. 9º “(…) A los efectos de la presente ley se entiende por volumen de negocios total los importes resultantes de la venta de productos, de la prestación de servicios realizados, y los subsidios directos percibidos por las empresas afectadas durante el último ejercicio que correspondan a sus actividades ordinarias, previa deducción de los descuentos sobre ventas, así como del impuesto sobre el valor agregado y de otros impuestos directamente relacionados con el volumen de negocios.”

[5] Art. 9º “(…) Las empresas afectadas a efectos del cálculo del volumen de negocios serán las siguientes:

  1. La empresa objeto de cambio de control;
  2. Las empresas en las que dicha empresa en cuestión disponga, directa o indirectamente:

1. De más de la mitad del capital o del capital circulante.

2. Del poder de ejercer más de la mitad de los derechos de voto.

3. Del poder de designar más de la mitad de los miembros del consejo de vigilancia o de administración o de los órganos que representen legalmente a la empresa, o

4. Del derecho a dirigir las actividades de la empresa.

c) Las empresas que toman el control de la empresa en cuestión, objeto de cambio de control y prevista en el inciso a);

d) Aquellas empresas en las que la empresa que toma el control de la empresa en cuestión, objeto del inciso c) anterior, disponga de los derechos o facultades enumerados en el inciso b);

e) Aquellas empresas en las que una empresa de las contempladas en el inciso d) anterior disponga de los derechos o facultades enumerados en el inciso b);

f) Las empresas en las que varias empresas de las contempladas en los incisos d) y e) dispongan conjuntamente de los derechos o facultades enumerados en el inciso b).”

[6] Valores de acordo com Resolución 21/2025 emitida pela Secretaría de Industria y Comercio del Ministerio de Economía.

[7] “Art. 11.- Se encuentran exentas de la notificación obligatoria prevista en el artículo 9° de la presente ley, las siguientes operaciones:
a) Las adquisiciones de empresas de las cuales el comprador ya poseía más del cincuenta por ciento (50%) de las acciones, siempre que ello no implique un cambio en la naturaleza del control;

b) Las adquisiciones de bonos, debentures, acciones sin derecho a voto o títulos de deuda de empresas;
c) Las adquisiciones de una única empresa por parte de una única empresa extranjera que no posea previamente activos (excluyendo aquellos con fines residenciales) o acciones de otras empresas en la Argentina y cuyas exportaciones hacia la Argentina no hubieran sido significativas, habituales y frecuentes durante los últimos treinta y seis meses;

d) Adquisiciones de empresas que no hayan registrado actividad en el país en el último año, salvo que las actividades principales de la empresa objeto y de la empresa adquirente fueran coincidentes;

e) Las operaciones de concentración económica previstas en el artículo 7° que requieren notificación de acuerdo a lo previsto en el artículo 9°, cuando el monto de la operación y el valor de los activos situados en la República Argentina que se absorban, adquieran, transfieran o se controlen no superen, cada uno de ellos, respectivamente, la suma equivalente a veinte millones (20.000.000) de unidades móviles, salvo que en el plazo de doce (12) meses anteriores se hubieran efectuado operaciones que en conjunto superen dicho importe, o el de la suma equivalente a sesenta millones (60.000.000) de unidades móviles en los últimos treinta y seis (36) meses, siempre que en ambos casos se trate del mismo mercado. A los efectos de la determinación de los montos indicados precedentemente, el Tribunal de Defensa de la Competencia informará anualmente dichos montos en moneda de curso legal que se aplicará durante el correspondiente año. A tal fin, el Tribunal de Defensa de la Competencia considerará el valor de la unidad móvil vigente al último día hábil del año anterior.”

[8] Neste sentido, entendemos que a inexistência de prazo para esta exigência do órgão é prejudicial, e pode trazer insegurança jurídica. Neste aspecto, entendemos que a nossa lei é mais avançada.

[9] Art. 10. “(…) El Tribunal de Defensa de la Competencia dispondrá el procedimiento por el cual determinará de oficio o ante denuncia si un acto que no fue notificado encuadra en la obligación de notificar dispuesta bajo este capítulo de la ley”.


Pedro Zanotta. Advogado em São Paulo, com especialidade em Direito Concorrencial, Regulatório e Minerário. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, em 1976. Foi titular dos departamentos jurídicos da Bayer e da Holcim. Foi Presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica – CECORE, da OAB/SP, de 2005 a 2009. Foi Presidente do Conselho e é Conselheiro do IBRAC. Autor de diversos artigos e publicações em matéria concorrencial. Sócio de BRZ Advogados.

Dayane Garcia Lopes Criscuolo. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Magistratura – EPM. Mestre em Cultura Jurídica pelas Universitat de Girona – UdG (Espanha), Università degli Studi di Genova – UniGE (Itália) e Universidad Austral de Chile – UAch (Chile). Aluna do Programa de Doutorado da Universidad de Buenos Aires – UBA (Argentina). Membro dos comitês de Mercados Digitais e Direito Concorrencial do Instituto Brasileiro de Concorrência, Relações de Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). Pesquisadora REDIPAL – Red de Investigadores Parlamentarios en Línea de la Cámara de Diputados de México. Autora de diversos artigos relacionados ao Direito da Concorrência, Direitos Humanos e questões de gênero.


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A falsa culpa da globalização: desvendando a complexa relação entre comércio, inovação, desemprego e desigualdade

Marco Aurélio Bittencourt

A globalização, intensificada nas últimas décadas, transformou o mapa econômico mundial e tem sido frequentemente apontada como uma das principais causas do crescente desemprego e da alarmante concentração de renda observada em diversas nações. A narrativa comum sugere uma lógica aparentemente irrefutável: a intensificação da especialização produtiva em escala planetária inevitavelmente leva à realocação de empregos, com alguns países perdendo postos de trabalho em detrimento daqueles com vantagens comparativas. Essa dinâmica, argumenta-se, impulsiona a desigualdade, pois apenas uma parcela da população, altamente qualificada e inserida nos setores de ponta, colhe os frutos dessa nova ordem econômica.

Contudo, essa narrativa, embora contenha elementos de verdade, simplifica uma realidade complexa e, em última análise, desvia o foco de outros mecanismos subjacentes a esses problemas. É inegável que a globalização exerce pressão sobre os mercados de trabalho, expondo-os a uma competição acirrada. A busca incessante por eficiência e menores custos de produção pode levar à convergência dos preços de bens e serviços, o que impacta a rentabilidade de empresas em países com custos mais elevados. Os consumidores, em geral, se beneficiam dessa queda de preços, desfrutando de maior poder de compra.

A inovação, motor essencial do crescimento econômico na era globalizada, também desempenha um papel ambivalente. Embora crie novas oportunidades e impulsione a produtividade, sua natureza disruptiva frequentemente leva à obsolescência de profissões e à necessidade de requalificação em larga escala. Em um mercado idealmente competitivo, os ganhos extraordinários da inovação tendem a se diluir à medida que novas empresas adotam as tecnologias e os preços se ajustam à pressão da concorrência. No entanto, em muitos setores, a competição não é perfeita, e os ganhos da inovação podem se concentrar em poucas empresas e indivíduos, contribuindo para a desigualdade e para a crescente disparidade entre a renda do capital e a renda do trabalho.

A complexidade da experiência chinesa e a necessidade de regulação adaptada

A experiência da China oferece um caso complexo e revelador. Contrariando a tendência de perda generalizada de empregos frequentemente associada à globalização, o gigante asiático demonstra uma resiliência de algum valor em seu mercado de trabalho. Embora a questão da concentração de renda na China exija uma análise cuidadosa e diferenciada, considerando as particularidades do seu sistema político e econômico, o fenômeno do desemprego em larga escala parece ter sido mitigado de alguma forma.

A razão para essa aparente contradição reside, em grande parte, na atuação multifacetada do governo chinês. Reconhecendo os potenciais impactos negativos da globalização e da rápida modernização sobre o emprego, o Estado implementou uma série de mecanismos de intervenção e regulação do mercado de trabalho. Embora tais intervenções não sejam isentas de críticas – a imposição de certas condições para empresas, por exemplo, pode gerar ineficiências e distorções –, elas demonstram uma preocupação ativa em amortecer os choques da transformação econômica sobre a população trabalhadora e, em outra vertente, amortecer a inabilidade tecnológica dos que vêm do campo. A regulação chinesa, com suas particularidades (como o uso de políticas industriais seletivas e investimentos massivos em infraestrutura), revela uma estratégia deliberada de priorizar a estabilidade do emprego, mesmo que isso comprometa a eficiência em alguns casos e levante questões sobre a sustentabilidade de longo prazo. É importante notar, no entanto, que essa abordagem tem seus custos, podendo enfrentar desafios crescentes à medida que a China busca transitar para um modelo de crescimento mais baseado na inovação.

Essa abordagem, por mais imperfeita que seja, lança luz sobre a complexidade da questão e a necessidade de estratégias adaptadas a cada contexto, o que contrasta com a omissão ou a timidez de estratégias semelhantes em outras economias, especialmente em algumas nações da Europa e, em certa medida, nos Estados Unidos. O aumento exponencial da produtividade impulsionado pela inovação e pela adoção de tecnologias avançadas invariavelmente leva a uma redução da demanda por mão de obra nos setores modernizados, e talvez explique o encurtamento do setor industrial em sua participação no PIB algures e alhures. A ausência de políticas ativas para gerenciar essa transição pode ter como consequência o deslocamento de trabalhadores para setores menos produtivos, como serviços e comércio, onde a crescente oferta de mão de obra exerce uma pressão descendente sobre os salários e contribui para a precarização do trabalho. É crucial reconhecer que essa transição não é automática nem sempre bem-sucedida, e pode levar a um aumento da desigualdade.

A urgência de uma regulação inteligente e dinâmica no setor sofisticado

A regulação econômica, em sua essência, volta-se para a correção de falhas de mercado, com foco primordial em monopólios e oligopólios. No tocante aos monopólios, a intervenção estatal busca alinhar a precificação da empresa dominante a níveis socialmente ótimos. Duas estratégias principais emergem:

  1. Preço igual ao custo marginal: Idealmente, o Estado poderia fixar o preço do monopolista em seu custo marginal, refletindo o verdadeiro custo de produção da última unidade. Para garantir a sustentabilidade da empresa, dado que o custo marginal pode ser inferior ao custo médio total, mecanismos de compensação do custo fixo não recuperado seriam necessários, como subsídios direcionados. Essa abordagem maximiza a eficiência alocativa, mas demanda cuidadosa gestão e financiamento.
  2. Preço igual ao custo médio: Uma alternativa pragmática consiste em estabelecer o preço no nível do custo médio da empresa. Embora não alcance a mesma eficiência alocativa do preço igual ao custo marginal, essa estratégia assegura a viabilidade econômica do monopolista sem a necessidade de subsídios contínuos, cobrindo todos os custos de produção, incluindo o custo fixo, e permitindo um lucro normal.

No âmbito dos oligopólios, a regulação concentra-se na prevenção de coalizões e acordos anticompetitivos que prejudiquem consumidores e fornecedores. O objetivo é fomentar a competição, mesmo em mercados concentrados, através da fiscalização e punição de práticas como formação de cartéis, manipulação de preços e divisão de mercados.

É crucial ressaltar que ambas as formas de regulação devem ser permeáveis à possibilidade de ingresso de novas empresas e ao potencial de inovações disruptivas. A ameaça de nova concorrência e a emergência de tecnologias inovadoras atuam como importantes mecanismos de disciplina de mercado, limitando o poder das empresas estabelecidas e impulsionando a eficiência e a inovação. Uma regulação excessivamente rígida pode inadvertidamente barrar esses desenvolvimentos benéficos.

Mas agora, com a globalização e seus efeitos deletérios sobre o emprego, o enfoque se amplia. O problema, entretanto, não reside exclusivamente na globalização ou na inovação em si, mas sim na falta de estratégias e mecanismos de regulação adequados e dinâmicos para lidar com seus efeitos colaterais, particularmente no que concerne ao mercado de trabalho de alta tecnologia e inovação. A crença de que o mercado, por si só, será capaz de absorver os trabalhadores deslocados e gerar novas oportunidades semelhantes às que esses trabalhadores deslocados desfrutavam em ritmo suficiente se mostra cada vez mais frágil diante da velocidade e da magnitude das transformações tecnológicas e o aumento do contingente sem referência de trabalho e emprego.

A questão crucial que se coloca é: que tipo de regulação se faz necessária nesse setor sofisticado? A resposta não reside em um retorno a modelos protecionistas ultrapassados, mas sim na criação de um conjunto de mecanismos inteligentes e adaptáveis que conciliem a busca por inovação e eficiência com a proteção e a reinserção dos trabalhadores, buscando um equilíbrio complexo. A regulação deve ser vista não como um obstáculo à inovação, mas como um instrumento para garantir que seus benefícios concentrados se aliem, de alguma forma eficiente, aos danos causados aos trabalhadores.

O exemplo hipotético da introdução de transporte sem motorista pelo Uber ilustra o desafio. Uma transição abrupta que levasse à perda de emprego de milhares de motoristas teria graves consequências sociais e econômicas. Uma proposta, por exemplo, seria a de que os antigos motoristas se tornassem os proprietários dos veículos autônomos. O que essa proposta revela é que, buscando restringir a apropriação desmedida dos ganhos da inovação por parte dos idealizadores da plataforma e redistribuir esses benefícios àqueles que foram diretamente impactados pela mudança tecnológica, pode ter efeitos fundamentais na dinâmica da inovação. O ganho da inovação não estaria sendo dirigido a quem investiu nessa inovação, direta ou indiretamente. Portanto, a estratégia não atende ao requisito de eficiência, no sentido de que se está impondo uma restrição que fatalmente poderá aumentar custos para a empresa UBER e desincentivar futuros investimentos em inovação. É fundamental considerar cuidadosamente os incentivos à inovação e evitar medidas que possam sufocá-la, buscando, por exemplo, mecanismos de compensação que permitam às empresas recuperar seus investimentos em inovação.

Um outro exemplo seria a de adoção de um sistema de incentivo compulsório à poupança e participação dos trabalhadores nos ganhos da inovação. A proposta de um fundo de participação acionária, com garantias de recompra em casos de deslocamento tecnológico, é particularmente interessante, mas sua implementação requer um design cuidadoso para evitar distorções no mercado financeiro e garantir a viabilidade das empresas. Nesse contexto, a regulação pode assumir diversas outras formas, como as seguintes:

  • Uma delas seria a imposição de um período de transição gradual para a adoção de tecnologias disruptivas, permitindo que os trabalhadores se requalifiquem e se adaptem às novas demandas do mercado. Mas de novo, tem o inconveniente de não ser eficiente, pois pode atrasar a adoção de tecnologias que aumentam a produtividade e a competitividade. Para mitigar esse problema, a regulação poderia ser acompanhada de incentivos à inovação e de políticas de mercado de trabalho ativas que facilitem a requalificação dos trabalhadores.
  • Outra possibilidade seria a criação de fundos de apoio à transição profissional, financiados pelas empresas que se beneficiam da automação, para oferecer suporte financeiro e programas de treinamento aos trabalhadores deslocados. A proposta teria que ter atrativo a ser fornecido pela empresa, de tal forma a atrair os trabalhadores, como benefícios fiscais para as empresas que contribuem para os fundos, e programas de treinamento de alta qualidade e com certificação reconhecida pelo mercado para os trabalhadores. A gestão dos fundos poderia ser feita de forma tripartite, com a participação de representantes das empresas, dos trabalhadores e do governo, para garantir a transparência e a eficiência.
  • A ideia de “duplicação da fábrica” ou “fatiamento empresarial” também merece exploração, com o objetivo de gerar mais oportunidades de emprego e diluir o poder econômico em setores com alta concentração de mercado. Mas essa seria uma decisão exclusiva da empresa que estaria afeta às condições beneficiadoras do governo, como incentivos fiscais e subsídios para a criação de novas unidades de negócio. No entanto, é importante considerar os possíveis efeitos negativos dessa medida, como a perda de economias de escala e a redução da eficiência, e buscar formas de mitigá-los.

Pelo resumo acima, nota-se claramente que o caminho da regulação não é trivial e está carregado de possibilidades de jogar as empresas num mar de ineficiências. Esse é o desafio da regulação.

Rumo a um novo contrato social na era da inovação inclusiva

Em última análise, o desafio não é frear o progresso tecnológico ou renegar os benefícios da globalização. O verdadeiro imperativo é construir um novo contrato social que reconheça os impactos disruptivos da inovação e da competição global e estabeleça mecanismos para mitigar seus efeitos negativos sobre o emprego e a distribuição de renda, promovendo uma inovação verdadeiramente inclusiva. Isso exige uma mudança de paradigma na forma como pensamos a regulação econômica. Em vez de uma visão puramente liberal, que confia cegamente na autorregulação do mercado, é necessário adotar uma abordagem mais proativa, estratégica e adaptativa, que envolva o diálogo entre governos, empresas, trabalhadores em ação conjunta com seus sindicatos e a sociedade civil na busca de soluções inovadoras e sustentáveis. A regulação deve ser vista como um processo de aprendizado contínuo, que se ajusta às novas realidades tecnológicas e econômicas, incorporando princípios de flexibilidade, transparência e responsabilidade.

A experiência da China, com suas imperfeições e controvérsias, oferece um ponto de partida para essa reflexão, demonstrando que a intervenção estatal, mesmo que de forma não ortodoxa, pode desempenhar um papel importante na promoção do emprego e na redução da desigualdade em um contexto de rápida transformação econômica. No entanto, é crucial aprender com os sucessos e fracassos da experiência chinesa, buscando modelos de regulação que sejam mais eficientes, transparentes e democráticos.

O debate sobre o futuro do trabalho na era da inteligência artificial e da automação avançada está apenas começando. A forma como as sociedades responderão a esses desafios definirá o futuro da distribuição de riqueza, da coesão social e da própria democracia. Ignorar a necessidade de uma regulação inteligente, adaptada aos novos tempos e orientada para a inclusão seria um erro com consequências potencialmente devastadoras. A análise simplista que atribui toda a culpa à globalização não pode nos cegar para a verdadeira responsabilidade: a de construir um futuro em que a inovação sirva ao bem-estar de todos, e não apenas de uma parcela privilegiada da população, com efeitos deletérios sobre a classe média. A pobreza é o limite da classe média!


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb. Email: 0171969@etfbsb.edu.br 


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O veneno sendo ministrado como remédio – A insana saga do setor de infraestrutura para sobreviver no país

José Américo Azevedo

Este espaço da prestigiosa plataforma está disponibilizado para falar sobre Direito e Economia. Dentro deste contexto, o desenvolvimento econômico e a pauta legislativa se inserem perfeitamente.

Pois bem, falemos sobre infraestrutura, propostas legislativas e o necessário crescimento que há décadas, talvez séculos, promete que o Brasil esteja fadado a ser o “país do futuro”.

Um futuro que nunca chega e que diversas gerações vêm e vão, sem que a prometida e alvissareira expectativa se cumpra!

Não obstante os inúmeros desacertos políticos e governamentais, encontramos, ainda, excrescências, sob forma de projetos de lei, apresentados pelos legítimos representantes do povo brasileiro, que enterram qualquer possibilidade de se criar uma agenda positiva para pavimentar o caminho para esse tão sonhado – e tão distante – projeto de futuro.

Transvazada esta digressão, encaminhemos para o tema que ora nos é apresentado!

Em 20.12.2023, ilustríssimo deputado (em minúsculas) Pedro Uczai, do PT de Santa Catarina, apresentou o projeto de lei nº 6.130/23, que “[d]ispõe sobre a suspensão da licença de empresas que atuam no setor de construção civil, em caso de descumprimento de execuções judiciais e risco flagrante de falta de saúde financeira”.

Lendo a biografia do nobilíssimo deputado (em minúsculas), vê-se que sua profissão é de professor universitário, graduado em Estudos Sociais, Filosofia e Teologia e Mestre em História do Brasil, além, evidentemente, de político profissional. Como deputado federal, votou contra a admissibilidade do pedido de impeachment da presidente Dilma Roussef. Já durante o Governo Michel Temer, votou a contra a PEC do Teto dos Gastos Públicos. Em abril de 2017 foi contrário à Reforma Trabalhista. Em agosto de 2017 votou a favor do processo em que se pedia abertura de investigação do presidente Michel Temer.[1]

Percebe-se o viés ideológico oblíquo do cidadão, além da total falta de familiaridade com o setor da infraestrutura. Mas deixemos o sublimíssimo parlamentar (em minúsculas) de lado, para discutirmos o que realmente importa para o país.

O SINICON – Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada, estima que o estoque de capital em infraestrutura (ou seja, o valor total da infraestrutura existente) em comparação com o Produto Interno Bruto (PIB) está em 35,5% no país. No entanto, Entre 2022 e 2024, o investimento ao ano ficou abaixo de 1,9% do PIB. [2]

Há que se pensar e, evidentemente, avaliar que essa desproporção gera impactos absolutamente deletérios para a economia brasileira, uma vez que nossa economia está profundamente lastreada em exportação de comodities que dependem, essencialmente, de logística e infraestrutura de transportes, necessitando da ampliação de investimentos em todos os modais, quais sejam, rodoviário, ferroviário, hidroviário, portuário e aeroviário.

No que diz respeito ao aspecto social que, ao que parece, foi o foco da proposta do autor do projeto, a mesma situação se apresenta. O Estado não cumpre as regras estabelecidas em contrato, atrasando pagamentos, não conseguindo resolver, dentre outras, as questões de licenças ambientais ou de desapropriações, de sua absoluta responsabilidade, fazendo com que o setor privado tenha que financiar o Governo, colocando o trabalho antecipadamente, à espera de um recebimento que não sabe se vai chegar. Basta dizer que o orçamento federal para 2025 somente foi aprovado no final do mês de março deste ano (quando deveria estar sancionado desde o ano passado), e ainda não disponibilizado operacionalmente, gerando total instabilidade para todos aqueles que prestam serviços ao Governo.

Contextualizado este panorama, podemos voltar ao nosso malfadado projeto de lei. O artigo 2º estabelece que:

Fica estabelecida a suspensão da licença de funcionamento de empresas, empresas de pequeno porte (EPPs), microempresas (MEs) e Microempreendedores Individuais (MEIs) que atuam no setor de construção civil, quando houver o descumprimento de execuções judiciais e for constatado o risco flagrante de falta de saúde financeira para atuação no referido setor.

O projeto, como fica claro, tem como objetivo asfixiar exatamente as empresas que precisam do auxílio do Governo. São empresas que possuem poucos funcionários, que sustentam suas famílias e, portanto, dependem delas, e que geram milhões e milhões de empregos neste país.

É como um “nó de gólgota” para os pequenos empreendedores brasileiros que, buscando prosperar e trazer desenvolvimento, serão crucificados pelos soldados, se não romanos, pelo menos legislativos, aqui nessas terras do Ocidente.

Um dos requisitos para a suspensão da licença está definido como a apresentação de “risco flagrante de falta de saúde financeira para atuação no referido setor” e, de forma totalmente subjetiva específica o tal “risco flagrante” como “a situação em que a empresa de que trata esta Lei apresente indícios concretos de insolvência, tais como a falta de capacidade de pagamento de obrigações, acúmulo de dívidas em execução e demais elementos que demonstrem a inviabilidade financeira”.

Ora, na maioria das vezes, a falta de capacidade de pagamento de obrigações e o acúmulo de dívidas em execução, além dos (como definir?) demais elementos que demonstrem a inviabilidade financeira, são decorrentes exatamente da inadimplência estatal em relação aos contratos firmados entre privados e a Administração Pública, resultante de imensos atrasos nos pagamentos das prestações de serviço. Ou seja, o causador do dano é exatamente o algoz que irá dizimar o empreendedor.

O art. 8º do PL, consuma o arremesso da pá de cal nas empresas quando estabelece que “[d]urante a suspensão da licença, a empresa não poderá realizar novos serviços, obras ou prestações contratadas”. É dizer, caso receba essa penalização, a empresa deve providenciar um plano de contingências para o definitivo encerramento de suas atividades.

É o mesmo que dizer a um doente que chega a um hospital que não vai ser ministrado qualquer medicamento, uma vez que corre algum risco de morrer. O remédio seria exatamente o auxílio governamental para arrancar a empresa da situação espinhosa que está atravessando, proporcionando recursos – e serviços – para que ela possa sobreviver e voltar de forma saudável ao mercado.

Em que pese a intenção do Projeto, já existem instrumentos eficazes para lidar com a inadimplência e insolvência empresarial, como a Lei de Falências, a Lei de Execução Fiscal e o Código de Processo Civil. Não há, portanto, necessidade de penalizar, ainda mais, um setor que, historicamente, é o primeiro a sofrer os efeitos de qualquer recessão econômica, mas, no entanto, é o primeiro a mostrar vitalidade quando existe uma recuperação da economia, ajudando, de forma extremamente direta, o restabelecimento da estabilidade do país.

Em sua justificação, o autor do Projeto afirma:

Embora as vigentes regras de direito e processo civil e de defesa do consumidor contenham mecanismos judiciais e sanções administrativas para assegurar o cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelos fornecedores no âmbito dos negócios jurídicos celebrados no mercado de consumo, um setor, em especial, parece seguir à margem dessa regulação.

Trata-se do segmento de construção civil, ambiente em que a reiterada desobediência aos princípios essenciais do pacta sunt servanda (obrigatoriedade dos contratos), da efetiva reparação dos danos causados ao consumidor e da efetividade da prestação jurisdicional demonstram a necessidade de concepção de novos remédios jurídicos, mais rigorosos, para garantir a proteção dos interesses dos consumidores.

Com a devida vênia, não poderia estar um representante do povo mais equivocado e tendencioso. O setor de infraestrutura, considerando a construção civil e a infraestrutura pesada é, com certeza, um dos que mais sofrem com fiscalizações, perseguição por órgãos de controle internos e externos, além de medidas judiciais que penalizam constantemente o segmento.

É digno de pena para o país que um Projeto como esse caminhe pelo Parlamento, de maneira irresponsável e desarrazoada. Somente o bom senso dos deputados e senadores poderá corrigir esta absurda distorção que está sendo, inconsequentemente, proposta.

Só com respeito e proteção a um setor tão relevante para o desenvolvimento do país é que poderemos, voltando ao início para encerrar, esperar que o Brasil chegue à efetiva condição de “país do futuro”.


[1] https://pedrouczai.com.br/biografia/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Uczai
Consultados em 05.05.2025

[2] https://www.sinicon.org.br/blog/?falta-de-investimento-deixa-infraestrutura-brasileira-em-estado-critico#:~:text=A%20pesquisa%20mostra%20que%20o,35%2C5%25%20no%20Pa%C3%ADs.
Consultado em 05.05.2025


José Américo Azevedo. Engenheiro Civil pela Universidade de Uberaba e Advogado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa IDP, em Brasília. Consultor independente e ex-colaborador na Defensoria Pública do Distrito Federal. Colunista na plataforma WebAdvocacy. Atualmente presta consultoria para o Instituto Unidos Brasil. Experiência em gerenciamento e coordenação de contratos, licitações, contratos e concessões públicas atuando por empresas privadas e pelo Governo. Ex-membro de Comissões de Licitações. Relações institucionais e governamentais. Credenciado como perito técnico judicial junto ao TRF 1 Região. Membro da Comissão de Infraestrutura da OAB/DF.


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José Américo Azevedo

A coisa certa

Adriana da Costa Fernandes

Acontecimentos nacionais têm causado profunda reflexão e consternação acerca de conceitos que, até algum tempo, eram considerados rebatidos, basilares e inadiáveis socialmente. Ética, moral, justiça, liberdade, verdade, bem-estar. Em dias atuais, pontos de profundo debate e causadores de desânimo e desesperança. Ao fim, uma miríade de entendimentos tantas vezes antagônicos. 

E a dúvida que paira no ar:

Até onde chega, afinal, o limite de cada individualidade sobre cada tópico?

Como se configura e se mantém cada olhar diante dessas verdades?

Qual a razão efetiva de comportamentos tão díspares?

Avaliando esses aspectos pelo contexto das várias Teorias de Justiça, se entende: seja pela ótica libertária ou utilitarista, pelo olhar de Mills; seja pela defesa de Kant, Rawls ou de Dworkin, a premissa essencial é não prejudicar ao outro em prol do que se acredita ou razão do que se luta.

Ainda que se considerando que o conceito de justiça começa pelo de liberdade de escolha e que algumas teorias enfatizam o respeito aos direitos fundamentais, mesmo que, entretanto, outras não defendem isso exatamente, sem dúvida, o ponto comum das teses significa respeitar os direitos individuais. 

Se o que se busca é o respeito ao próprio desejo, como, então, não respeitar o outro como fim em si mesmo? Como não considerar suas escolhas. Premissas de Kant.

Não há como se dissociar um do outro, o eu e do você, o ele do outro. Nós juntos. Uma vez que é esta conjugação plural que forma a coletividade. 

Do que importa, tantas vezes é tão mais “do como” as escolhas são realizadas do que a escolha em si. Do motivo, da razão, da premissa virtuosa. Por exemplo, se mediante consentimento comprometido, se eivado de excessiva pressão, se dotada de absoluto egoísmo ou, até, por necessidade financeira. Os contextos mudam diante do móvel e do intrínseco. Amenizam ou agravam o quadro final.

A ganância, porém, não segue a mesma regra. Diz respeito a hábito enraizado, mais do que apenas algo adquirido e escolhido. Inerente à essência do ser. Não resta dúvida, portanto, que alguns temas como dinheiro e poder não deveriam ser jamais capazes de constranger, desconsiderar ou transformar. Ao menos em uma sociedade ideal.

Ainda que questionamentos surjam sobre até que ponto algumas escolhas são realmente livres, ainda assim, virtudes, conceitos e bens essenciais não deveriam ser influenciados, garantindo maior segurança jurídica e bem-estar social. 

O que tantas vezes guia as decisões difíceis que o homem enfrenta e que envolvem conceitos colidentes é uma atenta e aprimorada reflexão, bem como sua consequente decisão moral, invariavelmente lastreada em incertezas. 

“Mas, e se?”

Este é justamente “o” momento em que o homem é guiado a, mesmo que direta ou indiretamente, rever as crenças que carrega arraigadas em si e os conceitos ditos supostamente rebatidos, compreendidos e introjetados pela experiência pessoal e pelos ensinamentos aprendidos. Todos enfrentam em algum ponto, esse dilema diante de algo.

O homem vive constantemente à mercê de impactos e forças externas que o moldam mais lenta ou rapidamente, a depender de seu próprio interesse. Em movimento de evolução em espiral, tendente a provocar a revisão das opiniões e a mudança do ser, do pensar, do agir e do entorno. Efeito dominó. Constante desafio dialógico íntimo que pode se exteriorizar ou não.

Afinal, o que se fez e o que se faz com o que foi aprendido? E por que o mal assume o comando? Como cada um vem contribuindo para a construção de uma melhor sociedade? Quem se importa realmente com o que vem à frente?

Lamentavelmente a habitual percepção da corrupção enquanto lugar comum significa tão somente “empurrar a sujeira de uma casa tão antiga para debaixo do tapete”. Uma hora o ar tenderá a se tornar irrespirável, em uma apenas singela interpretação.

Não se envolver e não questionar acordos firmados e não refletir sobre comportamentos abusivos significa plantar profundamente sementes de desterro e desalento a serem colhidas por gerações futuras. Como pontua Michael Sandels, a reflexão moral não é somente uma busca individual, mas coletiva.

O valor moral de cada ação propriamente, seja qual for, não consiste tão somente em suas consequências, mas, em primeiro plano, na intenção de sua realização, novamente dialogando com Kant. Segundo ele, inclusive, a opção e o agir representam não exatamente escolher o meio para se atingir determinado fim, mas escolher o fim em si mesmo.  De forma analógica, pois, há de ser deixar de ser rochedo e escolher ser o próprio mar.

Do que se observa, entretanto, de uma sociedade ainda em amadurecimento é que os tantos dilemas enfrentados devem passar a ser confrontados não somente pelas leis físicas, morais e impostas, mas de acordo com as regras íntimas que determinamos a nós mesmos e sua ressonância social.

As lições e teorias de justiça são extensas, alguns concordam, outros nem tanto. Nem todos entendem. Faz parte. A questão preponderante sempre será, assim, o entendimento do quando e do quanto a sociedade estará pronta a alcançar um próximo estágio.

De toda sorte, o mote principal: o que para cada um individualmente significa, em essência, fazer a coisa certa?


Adriana da Costa Fernandes. Advogada com expertise em Direito Público e em Direito Privado, com foco especial em Regulatório, Administrativo, Conatitucional e Ambiental, mas igualmente em Cível Estratégico, Consumidor e RELGOV, tendo atuado em mercados e segmentos relevantes, em grandes empresas, nacionais e multinacional, em associação setorial, em agências reguladoras, em escritórios AA e consultoria. Mestranda em Direito Constitucional, Pós-graduanda em Direito Civil, com MBA em Marketing, Especializações em Energia Elétrica, RELGOV, Processo Civil e Fundamentos da Arbitragem, além de contar com várias Certificações em instituições de renome em Legal, Finanças, Marketing, Business, Gestão e Liderança e Bioética.


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Adriana da Costa Fernandes

Saiba mais sobre Kant

Kant

Estátua de cera representando Immanuel Kant em Kalingrado, antiga Königsberg, cidade prussiana onde o filósofo nasceu.

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Arte e Nossa Realidade

Marco Aurélio Bittencourt

O debate sobre o papel das artes na nossa cultura possui uma dinâmica complexa e interdependente. Podemos nos perguntar se a cultura molda as expressões artísticas ou se são as artes que ativamente influenciam a configuração cultural. Acredito que ambas as direções causais são válidas; tanto a arte   registrando o presente, quanto sinalizando tendências futuras de nossa sociedade. Contudo, a tapeçaria cultural se torna ainda mais intrincada pela natureza multifacetada da arte, que se desdobra em diversas manifestações como a pintura, a literatura, o cinema, a música, o teatro e muitas outras formas de expressão cultural. Cada uma dessas vertentes pode exercer essa influência bidirecional ou atuar em apenas um sentido em diferentes momentos históricos, ou até mesmo em ambos simultaneamente. Gostaria de compartilhar algumas reflexões sobre o cinema brasileiro, não como um especialista, mas como um observador que se intenciona atento.

Minha memória do cinema brasileiro me leva à época da Companhia Vera Cruz, um período significativo para a nossa cinematografia. De fato, a ambição de criar uma “Hollywood brasileira” se evaporou, ficando na memória filmes como o Cangaceiro e Sinhá Moça nos primórdios dos anos de 1950. O primeiro dirigido por Lima Barreto e o segundo por Tom Payne (consultas ao google informam os detalhes).

Apesar da constante presença de filmes estrangeiros, o cinema nacional experimentou seu impulso criativo a partir da década de 1930. Foi nesse período de 1930/40 que surgiu uma produtora, a Cinédia, que iniciou a produção de filmes que dariam origem a um gênero característico: as chanchadas. Essas produções alcançaram grande popularidade nas décadas de 1940 e 1950, perdendo gradualmente sua força nos anos 1960.

As chanchadas eram filmes que exploravam temas da cultura popular, com destaque para o Carnaval, e apresentavam narrativas que combinavam elementos dramáticos e humorísticos, frequentemente incluindo números musicais. Nesse contexto, emergiu uma figura que se tornaria um ícone da cultura brasileira: Carmen Miranda, que participou de filmes como “Alô, Alô, Brasil” e “Alô, Alô, Carnaval”.

A Companhia Vera Cruz foi uma tentativa frustrada de superar a concorrência internacional, apartada da nossa cultura. Embora a Cinédia tenha sido a pioneira e dominante por muitos anos, a Companhia Vera Cruz surgiu em um contexto diferente, com a ambição de alcançar um patamar de produção mais sofisticado e com reconhecimento internacional, inspirada no modelo de Hollywood. Enquanto a Cinédia focava em um cinema mais popular e comercial, com as chanchadas como carro-chefe, a Vera Cruz buscava uma produção com maior investimento e apelo artístico, embora tenha encontrado dificuldades em se sustentar financeiramente. Um artista solitário também teve papel importante em nossa cinematografia: O “caipira” Mazzaropi dirigiu seu primeiro filme, “Chofer de Praça”, em 1958. A característica básica dos filmes de Mazzaropi era registrar a visão da realidade brasileira a partir de um olhar de uma pessoa humilde, ele próprio numa versão jeca engraçada. Continuou o mesmo até falecer em 1981.

A partir do final da década de 1950, consolidou-se no país uma corrente cinematográfica que se tornou uma das mais relevantes da nossa história: o Cinema Novo. Essa corrente era marcada por um forte engajamento político e direcionava críticas ao panorama do cinema brasileiro da época, que sofria uma considerável influência do cinema norte-americano. Ademais, as produções do Cinema Novo buscavam expor a realidade da pobreza enfrentada pela população brasileira, questionando os entraves sociais, como a desigualdade e a marginalização da sociedade, dirigida principalmente aos descendentes da escravidão não amparados pela sociedade em geral. Pelo contrário; reforçavam em pequenos atos que lhes pareciam normais constantemente sua marginalização – estão aí o quarto de empregada, o elevador social e tantos outros arranjos a mostrar a nítida segregação. As obras desse movimento também se alinhavam com ideias que defendiam os interesses da classe trabalhadora, e a veemente denúncia da situação do país realizada por essa corrente que ficou conhecida como a “estética da fome”.

Assim, houve uma transição da chanchada para o Cinema Novo. A chanchada, com sua abordagem mais voltada para o entretenimento do público e menos focada em uma crítica direta da realidade, cedeu espaço para uma perspectiva mais analítica e engajada. Diretores importantes começaram a se destacar no cenário nacional, como Nelson Pereira dos Santos, cujo filme “Rio 40 graus” apontava para os problemas sociais brasileiros. Esse lançamento ocorreu em 1955, após o filme ter sido retido pela censura.

Naquela época, o jovem crítico de cinema baiano Glauber Rocha demonstrou interesse pelo trabalho de Nelson e se mudou para o Rio de Janeiro com o objetivo de trabalhar com ele. Glauber efetivamente se tornou assistente de direção de Nelson em seu filme seguinte, “Rio, Zona Norte” (1957), que narra a história do sambista Espírito da Luz, interpretado por Grande Otelo, inspirado na vida de Zé Kéti, que também compôs a trilha sonora. Em reconhecimento, Nelson realizou a montagem de “Barravento” (1962), o primeiro longa-metragem de Glauber. “Rio, 40 Graus” e “Rio, Zona Norte” são considerados filmes fundamentais para o Cinema Novo, e Nelson, tendo dirigido ambos e participado da estreia de Glauber, rapidamente se tornou uma figura paterna para os cineastas do movimento. Tivemos ainda grandes nomes nessa linha do cinema novo: Ruy Guerra com Os Fuzis (1964) – que retrata a seca e a violência no Nordeste e Leon Hirszman com São Bernardo (1972) – Adaptação da obra de Graciliano Ramos.

No meio do caminho do cinema novo Anselmo Duarte manteve o ritmo cinematográfico da Vera Cruz e nos brindou com o seu premiadíssimo filme o Pagador de Promessa em 1962 – ganhou a Palma de Ouro em Cannes. De certo, a maior promoção do cinema brasileiro.

Nessa trajetória do cinema novo surgiram nomes que não se engajavam diretamente a uma corrente política, como Roberto Farias que dirigiu o filme o Assalto ao Trem Pagador em 1963. A produção de “O Assalto ao Trem Pagador” foi realizada pela Herbert Richers Produções Cinematográficas. Herbert Richers que teve um papel de destaque na indústria cinematográfica brasileira, responsável por inúmeras produções, pela dublagem de filmes estrangeiros no Brasil e pelo conhecido canal 100 que nos brindava com imagens belíssimas do nosso futebol antes das exibições dos filmes. Vale citar ainda uma recordação viva de um filme chamado “O Rei Pelé”, lançado em 1962. Este filme, dirigido por Carlos Hugo Christensen, da vida de Pelé naquele momento era uma produção que misturava elementos de dramatização e documentário, reconstruindo a trajetória de Pelé até aquele ponto da sua carreira, com o próprio Pelé participando e interpretando a si mesmo em algumas cenas.

Vieram outros nessa mesma linha: Arnaldo Jabor com Toda Nudez Será Castigada (1973) – Uma adaptação da obra Nelson Rodrigues, Bruno Barreto com Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976) – Uma adaptação de uma obra Jorge Amado e Hector Babenco com Pixote, a Lei do Mais Fraco (1980) – Um olhar sobre a violência e a infância marginalizada.

A influência do Cinema Novo se estendeu para documentários e teledramaturgia, notavelmente através das adaptações de Dias Gomes das obras de Jorge Amado. No cinema, a influência de autores como Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Mário de Andrade direcionou uma abordagem mais metafórica da realidade brasileira. Surgiram novos diretores, como Tizuka Yamasaki, que participou da produção do curta “Fala, Brasília” (1966). Contudo, um destaque importante foi o documentário de Glauber Rocha sobre a ascensão do clã Sarney ao governo do Maranhão, retratando um coronelismo arcaico sob uma roupagem ditatorial (Maranhão 1966). Joaquim Pedro de Andrade é uma referência importante pelo trabalho cinematográfico de Macunaíma. Podemos também citar Cacá Diegues, José Padilha, Meirelles e Walter Salles como nomes relevantes dessa trajetória.

Mas o que esses cineastas buscavam expressar? A trajetória do Cinema Novo apontava para a nossa realidade mais crua e vislumbrava um futuro que, de certa forma, olhava para o passado. Muitas vezes, a mudança parecia residir apenas na nova forma de apresentar os problemas, resultando em uma certa estagnação temporal de nossa realidade. Posteriormente, surgiram diretores que abordaram a ordem e a desordem dos valores morais e éticos, com um esforço para reorientar o comportamento social em direção a um mínimo de ética. Contudo, novamente pareceu haver uma certa paralisia no tempo. Observo o passado se repetindo no presente e no futuro, e filmes como “Central do Brasil”, “Bye bye Brasil”, “Tropa de Elite”, “Cidade de Deus” e “O Mecanismo” representam o estágio atual da nossa cinematografia, uma arte talvez excessivamente presa ao presente que repete em seu futuro o passado que nos acorrenta.

Atualmente, dispomos de outro meio para apreciar filmes de qualidade: as plataformas de streaming. Essa facilidade de conexão com outras culturas nos proporciona novas perspectivas sobre temas antigos. Ao analisar produções de outros países através do streaming, como o filme tailandês “Como Ganhar Milhões Antes que a Vovó Morra” e a minissérie turca “Enciclopédia de Istambul”, emerge um paralelo que lança luz sobre o nosso próprio estágio cultural. Essa comparação sugere que, sob a lente do cinema, o Brasil se assemelha mais à Tailândia em termos da priorização de questões éticas, indicando um possível estágio de desenvolvimento cultural relativamente similar, embora com a ressalva de que a Tailândia possa apresentar um quadro cultural mais coeso em certos aspectos. Em contraste, a Turquia parece exibir, através de sua produção, um estágio de desenvolvimento cultural mais avançado, com valores aparentemente mais consolidados e a busca de uma postura de integração em um mundo plural com todos os riscos que uma sociedade moderna oferece pelas escolhas individuais. A percepção de um quadro urbanístico na Tailândia que ecoa similaridades com o Brasil e um cenário em Istambul mais próximo ao europeu reforça essa leitura de diferentes estágios de desenvolvimento cultural refletidos em suas produções audiovisuais e, por extensão, em suas sociedades. Para mim, sob a perspectiva cinematográfica, claramente nos encontramos em um estágio civilizatório mais próximo ao da Tailândia, onde as questões éticas ainda são prioritárias, sugerindo um certo distanciamento de um patamar de desenvolvimento cultural mais ‘maduro’, como o da Turquia. Não é atoa que a Tailandia mostra um quadro urbanístico semelhante ao Brasil e Istambul ao Europeu. É o que penso, ao observar como nosso cinema, e por extensão nossa cultura, nos posicionam em relação a outros países, sugerindo um caminho a percorrer em nosso desenvolvimento cultural, mesmo reconhecendo as complexidades e nuances dessa comparação. Em última análise, o cinema, como forma de arte, não apenas reflete a realidade, mas também atua como um termômetro cultural, indicando nosso estágio presente e, por inferência, as possíveis trajetórias futuras de nossa sociedade. Fiz minhas escolhas para que alcancemos o estágio civilizatório europeu.


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb. Email: 0171969@etfbsb.edu.br 


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O complexo mundo da concorrência no mercado de crédito

Cristina Ribas Vargas

Não resta dúvida de que o crédito concedido às atividades de consumo e investimento têm papel fundamental para dinamizar o crescimento econômico. O embate entre Estado e mercado pelo gerenciamento do recurso creditício não é recente, mas tem se tornado mais evidenciado nas pautas de demandas ao congresso nacional. A introdução da inovação nas novas formas de prestação de serviços implementadas por novas instituições no mercado financeiro não retratam apenas um movimento de ampliação da concorrência na prestação dos serviços, mas também revela novas demandas e uma pressão sobre uso do crédito direcionado.

Dentre os pontos apresentados pelos que defendem uma redução do crédito direcionado está o argumento de que uma redução no crédito direcionado possibilitaria um aumento do produto e da produtividade, assim como, a redução de desigualdades e maior inclusão financeira. Tal argumento está amparado na crítica ao fato de que as taxas de juros dos empréstimos direcionados em geral são menores do que as do crédito livre, por serem custeadas por segmentos mais produtivos da sociedade. Além disso, argumentam que a distribuição desses recursos está longe de ser homogênea, ou distribuído igualitariamente. Por tais razões, sob tal visão, as intervenções com base no uso do crédito direcionado geram ineficiências, tonando os programas baseados nesse tipo de crédito injustificável.

Neste sentido, por exemplo, em texto de discussão o Bacen (2018) cita um estudo que indica que o BNDS seleciona firmas com alta capacidade de pagamento, tanto quanto ocorre no sistema bancário privado, com o agravante de que haveria indícios de favorecimento a firmas com conexões políticas, o que poderia ser observado a partir dos valores concedidos por tais firmas em campanhas eleitorais. Ainda, estima-se que em torno de 70% do crédito concedido seria subsidiado pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e por emissão de títulos de dívida do Tesouro Nacional, acirrando o debate sobre quem paga a conta.

É salutar e democrático questionar os fins para os quais esse crédito é direcionado, quais os resultados alcançados, e como se dá a distribuição final dos rendimentos, mas não o fato em si de taxas de juros menores serem oferecidas para alavancagem do crescimento econômico. O sistema bancário é pró-cíclico, o que significa que nos momentos de expansão econômica, os bancos fornecem crédito, realimentando o crescimento. No entanto, na fase descendente do ciclo econômico, eles aumentam a preferência pela liquidez, reduzindo o volume de crédito ofertado, aprofundando a crise. Ao longo da história mesmo instituições multilaterais como o FMI e o Banco Mundial tiveram sua capacidade de atuação no combate às crises enfraquecidas, tendo sido questionado o objetivo principal pelo qual foram criadas. Além disso, é preciso considerar os ganhos de produtividade do mercado bancário dadas as condições vigentes disponíveis de crédito livre, a fim de averiguar-se os ganhos reais de produtividade no segmento de mercado.

Conforme descreve Van Dormael (1978), os banqueiros de Wall Street não economizaram esforços em criticar e tentar obstaculizar o nascimento das instituições criadas a partir da convenção de Bretton Woods, temendo que o controle dos governos, além de outras medidas reguladoras do New Deal restringissem seu poder sobre as finanças nacionais.

As disputas em torno da definição da direção do BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento) começaram antes mesmo de seu nascimento, e suas ações foram ajustadas para estar em consonância com a política externa dos EUA para a América Latina. Embora o BIRD tenha sido foi concebido com o objetivo de promover a reconstrução e o desenvolvimento de países, na prática sempre foi operado por banqueiros de Wall Street. Assim, desde as origens da organização do sistema financeiro no pós-guerra o sistema bancário privado busca ter sob sua gestão os recursos destinados ao crédito direcionado.

Atualmente cada país tem regras específicas para o funcionamento do sistema financeiro, e não existe uma receita única para cada tipo de país. As experiências dos sistemas financeiros são múltiplas e diversas. Contudo, países em desenvolvimento necessitam de regulação ou intervenção em algum grau do Estado. Atualmente seria inconcebível pensar o desenvolvimento econômico sem repensar o futuro do sistema financeiro.

Podemos ainda acrescentar como os pensamentos de Keynes e Schumpeter se aproximam quando destacam a importância do processo inovativo para a mudança tecnológica. Mas além disso, Keynes também destacava que só é possível o empresário realizar os investimentos necessários para a mudança rumo ao desenvolvimento com o apoio do sistema bancário. Os investimento, em Keynes, explicam-se pelo princípio da demanda efetiva, e, em Schumpeter, o investimento relaciona-se com a inovação. O fato é que tanto os investimentos direcionados para as aquisições de bens de capital quanto aqueles dirigidos às inovações estão sujeitos à incerteza.

Assim, tanto as decisões de investimento como as de inovar encontram-se sob a incerteza não probabilística, vale dizer, em um mundo não ergódico. Existem diferentes tipos de inovação relacionados a diferentes graus de incerteza. Nesse sentido, o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) está mais associado à incerteza de alto grau, pois se trata de um ativo cujos investimentos em formação de conhecimento são caros, e em geral de longo prazo de maturação. Assim, o investimento em P&D tem custos de financiamento frequentemente mais elevados do que outras formas de investimentos, inclusive o capital fixo. Logo, as firmas intensivas em P&D, que compõe um sistema nacional de inovação, dependem de um sistema financeiro que seja capaz de contemplar as necessidades de financiamento, e que estejam em consonância com a estratégia de desenvolvimento nacional.

Na perspectiva pós-keynesiana, os bancos são movidos pelo processo de concorrência bancária e pela busca de maiores lucros, aumentando sua escala de operação, alavancagem e/ou elevando o spread bancário. (Minsky, 1986). Na fase expansiva do crescimento econômico da economia, o sistema bancário expande o volume de crédito e, no descenso do ciclo, o volume de crédito é reduzido. Nesse sentido, a fragilidade financeira é um processo endógeno, que se relaciona à própria instabilidade econômica. Os bancos trabalham com uma escala de liquidez segundo a qual quanto menor o grau de liquidez, maior deverá ser a compensação proporcionada pela taxa de retorno. Contudo, a atuação do Estado sobre a incerteza não probabilística é determinante para a continuidade do processo de crescimento, uma vez que o aumento da incerteza na economia aumenta a preferência pela liquidez, reduzindo o volume de crédito. Este, por sua vez, é ampliado quando as expectativas em relação às taxas de juros, de câmbio e às perspectivas de crescimento econômico são otimistas.

A busca pela absorção do crédito direcionado não revela aumento do grau de concorrência e eficiência, senão o caminho mais fácil para ampliar o volume de operações sem assumir os riscos inerentes à incerteza que é inerente ao processo de desenvolvimento econômico.

As inovações financeiras têm possibilitado o aumento do volume de crédito, sem a necessidade de poupança ou depósitos à vista, alterando a forma como o mercado pode ofertar crédito livre sob condições de incerteza. Muitas experiências de microcrédito voltadas para o público empreendedor que não encontrava recurso disponível em grandes bancos vingaram por meio de pequenas instituições, ONG’s ou instituições focadas na melhoria tecnológica dos serviços. Contudo, o Brasil ainda se encontra em fase de amadurecimento da estrutura legal do funcionamento do mercado bancário. Neste sentido, não há dúvidas da necessidade da instância regulatória em engendrar o desenvolvimento do sistema.

Recentemente o Bacen abriu consulta pública para a definição de novas regras envolvendo os nomes das instituições financeiras, a fim de identificar aquelas que realmente oferecem serviços característicos de bancos. Distinguir os nomes com bank ou banco, que operam sistema de crédito, dos demais prestadores de serviços, que apenas oferecem canais de pagamentos. A medida pode parecer simples, mas pode significar o começo de uma nova visão sobre como a regulação do sistema bancário pode auxiliar no processo de desenvolvimento nacional, sem necessariamente precisar reduzir o volume do crédito direcionado.

Referências

BACEN, 2018. Texto para discussão 490 Disponível em https://www.bcb.gov.br/htms/public/microcredito/democrat.pdf p.9

VAN DORMAEL, Armand. Bretton Woods: Birth of a Monetary. Palgrave MacMillan: 1978

PAULA, L. F. Sistema Financeiro, bancos e financiamento da economia: uma abordagem keynesiana. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2014.


Cristina Ribas Vargas. Doutora em economia do desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUC/RS e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.   Atuou como professora substituta na UFRGS e professora adjunta em instituições de ensino privado. É economista da Administração Pública Federal desde 2005, e atualmente está atuando na CGAA2 do Cade.

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Cristina Ribas Vargas

Vargas e o orçamento: ditadura eficiente ou boas regras de gestão pública?

Marco Aurélio Bittencourt

A avaliação da Era Vargas nos coloca ainda hoje diante de vários paradoxos. Um deles nos coloca diante de uma questão central: a eficiência na gestão orçamentária seria um atributo exclusivo de regimes autoritários, ou o resultado da aplicação de boas regras de gestão pública, replicáveis em diferentes sistemas políticos? Para refletir sobre isso, consideremos a seguinte afirmação (expressa no livro Orçamento Público, Viana A., 1950):

Em todas as fases do processo orçamentário, é de justiça observar que o Sr. GETULIO VARGAS, pessoalmente, determinava a observância rigorosa de todos os preceitos regulamentares da boa administração financeira, jamais proferindo qualquer decisão sem a devida fundamentação legal preparada pelos órgãos especializados. Nesse particular, nenhum órgão interessado na realização de uma despesa obtinha, no regime ditatorial, despacho definitivo do Presidente antes da audiência dos demais órgãos incumbidos de zelar pela legalidade, necessidade e oportunidade do ato solicitado……É curioso e mesmo paradoxal constatar que toda a longa , esclarecida e contínua ação dos parlamentos imperiais e republicanos jamais conseguiu assegurar ao sistema orçamentário brasileiro a veracidade, integridade e eficiência que lhe imprimiu o regime ditatorial de GETÚLIO VARGAS, a partir de 1939. Reunindo de fato e de direito os mais vastos poderes da República, o Presidente VARGAS sempre procurou, no campo financeiro, o justo limite para exercê-los. A vertigem da glória de proporcionar ao país grandes empreendimentos … não perturbou o Presidente GETÚLIO VARGAS, que através da copiosa documentação de seus atos administrativos, demonstrou ser possível conciliar os impulsos criadores com a observância dos princípios fundamentais que regem as finanças públicas nas democracias. Essa atitude de severidade, respeito e interesse pelas instituições orçamentárias – de que posso dar testemunho, em virtude de colaboração técnica prestada ao seu Governo, durante seis anos consecutivos …. – merece ser compreendida por quantos o combatem e o admiram.” (Viana, A., Págs. 35 e 36, 1950.)

É comum que ditaduras políticas se manifestem também como econômicas, aparelhando o Estado para privilegiar grupos de interesse por meio de mecanismos orçamentários ou extraorçamentários. Nesse contexto, o testemunho de Viana (1950) sugere que a observância rigorosa de preceitos regulamentares pode, ao menos em parte, mitigar a influência de interesses escusos, impondo uma disciplina que nem sempre encontra espaço nos arranjos mais flexíveis da democracia.

O texto retrata a gestão Vargas como um caso singular na história da administração pública brasileira, onde a eficiência e a probidade teriam florescido sob um regime autoritário, contrastando com as supostas ineficiências dos parlamentos. Contudo, é crucial questionar se essa eficiência é inerente à ditadura ou se reflete a adoção de práticas administrativas sólidas.

Afinal, a aplicação de regras e procedimentos, embora importante, nunca é totalmente neutra. As relações de poder e as ideologias dominantes permeiam a interpretação e a execução dos atos administrativos. Além disso, o contexto da modernização do Estado brasileiro na década de 1930 pode ter influenciado a percepção da “eficiência” da gestão varguista, que pode ter se beneficiado da centralização do poder e da capacidade de implementar decisões de forma rápida e sem oposição. No entanto, o autor contrapõe a essa visão o fato de que Getúlio Vargas documentou todos os seus atos administrativos, o que indicaria uma preocupação em registrar documentalmente que seguia os princípios orçamentários e financeiros consagrados.

Portanto, a pergunta sobre Vargas e o orçamento nos convida a um debate mais aprofundado: a eficiência administrativa é privilégio da ditadura, ou resultado de boas regras de gestão que podem e devem ser aplicadas em qualquer sistema político? Longe de apresentar uma resposta definitiva, este artigo busca estimular a reflexão crítica sobre a complexa herança de Vargas e os desafios da administração pública no Brasil. Todavia, a inferência conclusiva me parece óbvia: uma democracia fortalecida teria que seguir à risca o comportamento presidencial como Gestor (na verdade sua única atribuição de realce) a semelhança de Getúlio Vargas que tanto a exerceu no Estado Novo, bem como na sua Gestão Presidencial que resultou em seu suicídio. Foi-se uma vida e ficou o exemplo da moralidade pública. Talvez, essa tenha sido a maior preocupação dos seus algozes. E digo NÃO aos clichês!


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb. Email: 0171969@etfbsb.edu.br.


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