Uma Réplica ao texto –Desestatização dos Correios no Brasil: Mais Uma Reforma Requerendo Urgência – César Mattos
Marco Aurélio Bittencourt
Adianto que discordo da análise esboçada no artigo quase que integralmente, principalmente em sua ênfase de urgência que vai na contramão do que se prega em termos de boa gestão pública (padrão alemão). Pressa infundada é de se desconfiar.
Inicialmente destaco que o texto remete para nota de rodapé quais atividades seriam monopólio em benefício à ECT. Vejamos: atividades postais: I – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal; II – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada; III – fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal. Em síntese, a atividade que poderia ser de interesse do setor privado seria a de correspondência agrupada. Que venha a concorrência com o fim do monopólio estatal.
Ressalte-se que a receita para a ECT que vem do item postal como carta e impressos ou produtos que possam se enquadrar como carta não alcança a receita expressiva dos serviços Sedex e PAC. Vale lembrar que carta no segmento tradicional – simples correspondência entre pessoas comuns – tem receita recorrentemente decrescente. Mas na modalidade carta pode haver outros produtos como impresso, etc. Poderiam aproveitar e retirar também os privilégios licitatórios que porventura possam existir. Nada disso enfraqueceria o correio no seu formato atual; o estimularia a competir. O que é ótimo para o consumidor.
Mas no artigo não há indicativo em quanto tais privilégios de monopólio respondem em termos de receita da empresa. Creio que seja negligenciável se considerarmos o produto carta principalmente no seu padrão tradicional. E mesmo que fosse de alguma monta, seria necessário avaliar a viabilidade econômica do surgimento de uma empresa concorrente – neste segmento de carta o caráter de monopólio técnico seria justificável. Por isso, não vejo sentido em se falar do monopólio da correspondência por carta como um privilégio – quem estaria interessado em prestar este serviço e, como sugere o articulista, minguará e talvez até mesmo desapareça? Mais um ponto. Mesmo que a receita da ECT fosse afetada por privilégios de monopólio, a regra de regulação implícita na sua configuração jurídica atual entabularia automaticamente o ajuste, forçando despesa a ser igual a receita, quando da retirada do privilégio de monopólio ou por qualquer outra razão.
O articulista coloca a mudança da configuração jurídica da empresa como se fosse uma vantagem. De fato, poucos entendem ou parecem não entender o que significa em termos regulatórios empresa pública no Brasil. Significa que receita tem que ser igual a despesa; o que equivale, nos termos regulatórios, uma regulação pelo custo médio. Como se sabe, tal regulação exige governança focada sobre os custos, porquanto a negligência nos custos acarretaria, como opção simples, reajustes tarifários para igualar receita à despesa. Essa regra, embora possa sugerir negligência com custos, pelos limites contábeis de receita = despesa, inibe o surgimento de crescimento de receitas exponencialmente. Evidentemente, se há uma negligência regulatória de fazer valer tal regra, o desbalanceamento entre receita e despesa pode induzir a aumento de gastos. De fato, nunca tive notícia de que o governo tenha confiscado receita da ECT, quando os resultados positivos da empresa apareceram de forma sistemática. Mesmo no caso adverso, a regulação implícita na regra receita = despesa que as empresas públicas deveriam observar, duas vias de solução imediata seriam possíveis: redução de gastos (correntes ou de investimento) ou reajuste tarifário. Quanto ao caso de necessidade de aporte de capital, nada, a princípio, indica sua necessidade, porque, em caso de necessidade de investimento de longo prazo, os recursos poderiam vir do setor privado, através de empréstimos. O BNDES seria o caminho natural ou até mesmo o sistema financeiro privado. Se a situação fosse tal que exigisse ajustes estruturais, a regra despesa = receita poderia também ser posta em prática de forma efetiva. O certo é que não há nada que obrigue a União aumentar ou fazer aporte de capital – geralmente é uma opção burocrática e não atende necessariamente ao interesse público.
Não há nada de extraordinário nessa mudança na forma jurídica da empresa e só faz colocar na empresa mais uma amarra de gestão, abrindo caminho para uma burocracia que usualmente se mostra pilhadora e concentradora – os planos de demissão voluntaria mostram exatamente isso: um grupo na instituição se acha melhor do que os demais funcionários e pedem, em nome de ajustes, a cabeça dos que estão hierarquicamente em posição inferior. Evidentemente, as nossas leis trabalhistas garantem um pouco de estabilidade para a turma CLT. Não é por outra razão que tais planos de demissão carregam o adjetivo voluntaria.
Outras consequências importantes e trágicas pela mudança da forma jurídica – de empresa pública para sociedade de economia mista – envolveria o aparecimento de um componente tarifário sujeito a um processo de indexação que só extrapolaria as tarifas dos seus verdadeiros custos, além do incentivo às estratégias de conluio e cartelização. O articulista cita que “as tarifas poderiam ser diferenciadas geograficamente, com base no custo do serviço, na renda dos usuários e nos indicadores sociais. A regra de reajuste das tarifas do serviço postal universal concebida na Câmara será anual, adotando-se o modelo de price-cap, que se baseará na variação do Índice de Preços ao Consumidor Ampliado-IPCA, podendo incluir um fator de desconto. Foi prevista também a revisão das tarifas com base nos indicadores de qualidade do serviço em um típico mecanismo de regulação de incentivos. Assim, o operador designado responsável pelo serviço universal, a ECT (que será renomeada para “Correios do Brasil”), contará com incentivos regulatórios para melhorar a prestação de serviço.”
Um arrazoado ilógico, pois desconsidera o esforço de se combater práticas de políticas de preço que carreguem inércia inflacionária; uma indexação vexatória para quem se diz amante do mercado. Isso me lembra os economistas tantãs da ditadura ao inventarem todo tipo de controle de preços. Abrir mão de uma estratégia regulatória simples e eficiente, como a de empresa pública, em prol de uma estratégia que embute fator inflacionário inercial (e talvez esse seja o problema fulcral da nossa privatização) além, como veremos, de incentivo à cartelização, denota que chegamos ao absurdo da privatização. Esses seriam os pontos críticos dessa privatização.
Além disso, se considerarmos que a precificação seria regional, decretaremos o fim do serviço postal em muitas regiões. A prática tarifária dos correios que já vem há décadas garante a universalidade dos serviços e atende a regra regulatória. Havendo subsídio cruzado, a regra receita = despesa já carrega a solução no âmbito da empresa e não a extrapola diretamente para toda sociedade.
Quanto ao caráter de incentivos à cartelização, baseia-se no fato de que, se privatizarmos os correios, estaríamos enfraquecendo a concorrência, porque a ECT se destaca no segmento encomenda e neste segmento não há monopólio. A sua liderança (ou a de quem quer que seja) obriga que as empresas que atuam nessa franja se ajustem às tarifações da ECT. Como a tarifação da ECT é eficiente em termos regulatórios, abriríamos espaço com a privatização para o comportamento cartelizado das empresas já que seguem a regra de maximização de lucros. O conluio entre as empresas seria possível. Exatamente o que devemos evitar!!!!!
Portanto, não há nenhuma vantagem em mudar a configuração jurídica da empresa ECT. É exatamente o que não deveria fazer um bom órgão regulatório, porque mesmo não havendo monopólio estatal, a dimensão da empresa requer, para combater o poder de mercado, alguma estratégia reguladora. Transformá-la em sociedade de economia mista em nada contribuiria para a regulação eficiente como é o caso de uma empresa com o status de empresa pública em que os ajustes regulatórios são totalmente endógenos – claro, a vigilância quanto à negligência aos custos é necessária, embora seja mais importante fazer valer a regra contábil.
O problema das estatais, e nesse caso inclui-se a ECT, estaria na ausência de uma boa governança. Que se diga logo: não vejo nada no atual governo (e em governos passados também, obviamente) que aponte para uma governança a levar a recuperação do padrão de gestão que a empresa teve em épocas passadas. Eu trabalhei nos correios na década de 1980, na assessoria do Departamento de Finanças, e pude presenciar uma gestão autocrática, mas dentro dos parâmetros de eficiência e inovação. De fato, a primeira medida que o governo (principalmente este que se diz sério ou pretende ser) teria que tomar seria promover a melhoria na governança das empresas estatais e não há nada complicado nesse padrão ideal de governança das estatais. É trivialmente simples estabelecer regras que ajudem a preservar o interesse público, mesmo considerando perspectivas sombrias para o comportamento dos agentes públicos.
Ter uma visão privatista como axioma de gestão revela-se claramente dogmática ou ideológica. Mas isso não respeita a constituição que não estabelece tal orientação. O que demonstra o repetir cansativo de privatizar, privatizar, privatizar (Friedman, embora tardiamente, fez a ressalva: antes de privatizar, privatizar, privatizar teríamos que regular, regular, regular) é uma atuação orquestrada da burocracia: geralmente funcionários com salários fora do mercado a promoverem políticas que eliminem os concorrentes ao caixa do Estado ou que promovam interesses privados não tão republicanos. A terceirização dessa turma poderia ser uma solução (outra jabuticaba brasileira que só pega os pobres e miseráveis, poupando a classe média alta), mas não conta com meu apoio, porque o resultado seria a destruição plena do padrão salarial brasileiro. O empenho é para que todos possam se beneficiar do padrão salarial ideal ou desejável. Mas adianto aqui uma regra de gestão simples, para evitar funcionários públicos audaciosos: demissão do funcionário público que promover ou propor a destruição do padrão salarial e o fim dos concursos públicos. Um simples processo seletivo e talvez até mesmo cotas é o que recomendaria. Claro, aqui me afasto do liberalismo raiz que nunca vi proclamado pela turma privatista que tem cargos na burocracia estatal: o arranjo do leiloeiro walrassiano.
O articulista fala da lógica empresarial da ECT considerando informações fora do âmbito da própria ECT; o que demonstra desconhecer ou não querer conhecer a realidade operacional e financeira da empresa. A ECT está enfrentando as mudanças tecnológicas e de demanda de forma acertada, conforme se depreende de seus resultados contábeis.
Nada do que foi dito pelo articulista quanto ao padrão de gestão atual da ECT comprova que a empresa não esteja no caminho certo. Evidentemente, o desconhecimento da forma de tarifação dos correios pode sugerir que no segmento encomendas o correio pudesse ter um padrão aquém das expectativas, muito embora o montante de receitas nesse segmento aponte exatamente o contrário. Mas o articulista opta por considerações exógenas à empresa e não encara o problema per se. Bom destacar que nesse segmento dinâmico da indústria não há monopólio público.
Afirmações que não respeitam a lógica poluem o texto. Cito por exemplo a seguinte passagem: “Ainda que não exista um modelo único de correios no mundo, a OCDE (1999)[2] considera que a abertura ao capital privado e o fim do monopólio são fundamentais para a melhoria da qualidade e da eficiência dos serviços…” São considerações puramente axiomáticas e de mãos dadas com uma ideologia liberalizante. E cada um tem a sua. O ponto correto é a retirada do monopólio – que, de fato, nem se apresenta como condição restritiva. Mas o que defende o articulista não gera a implicação de que há de se privatizar os correios.
Para piorar a sua argumentação, tenta fazer crer que os correios nos padrões atuais se depreciariam ou desapareceriam. Diz o articulista que “a dramática redução na demanda de serviços de correspondências se deriva da simples constatação que pessoas de todas as classes sociais atualmente se comunicam umas com as outras por meios alternativos como e-mail ou whatsapp. De outro lado, foram incrementadas substancialmente as encomendas de bens, caracterizando um outro tipo de necessidade do consumidor. “De novo, faz-se consideração mercadológica sem levar em conta os resultados que a ECT apresenta e muito menos a missão da empresa que espelharia seu planejamento. Faz sugerir que a empresa como um todo tem prejuízo sistemático por conta dessa atividade. Esquece como se faz a tarifação nos correios. Esquece dos resultados contábeis da empresa. Esquece do lado operacional da ECT. Esquece do grupo técnico de excelência da ECT. Como tudo indica que há um bom resultado nesse período de gestão bolsonarista, os órgãos reguladores deveriam mesmo é se empenharem na redução tarifária, cumprindo-se a regra receita =despesa; o que certamente não agradaria a franja toda dessa indústria.
Indica-se no artigo da necessidade de investimento e sugere que a União é quem provê os recursos. De fato, o articulista não indica ou faz referência (demonstrando não conhecer) aos planos de investimento da empresa, bem como ao seu padrão contábil que pudesse comprovar tal situação de pindaíba empresarial. Os resultados contábeis atuais não sugerem isso. Segundo, não há nada que obrigue que os investimentos sejam financiados por aporte de capital. Empresa pública significa que o padrão a ser seguido é o de receita = despesa. Assim, havendo necessidade de investimento, a empresa poderia recorrer ao mercado de crédito e principalmente ao BNDES. Aumentar o capital da empresa com aporte da União é uma possibilidade, mas não uma exigência técnica.
Existe um plano de investimento da empresa que está sujeito a interferência do Ministério das Comunicações. O que aconteceu nesse ambiente? É de se estranhar a introdução dessa nova jabuticaba, porquanto o efeito, se valer a privatização sem aporte da União, seria a redução no ágio da empresa ou no valor das ações por conta da privatização. Antes, a praxe era arrumar a casa em seus possíveis ou aventados desvarios de custeio. Agora, entra em cena os desvarios de investimento. Na verdade, teremos mais um novo capítulo no esquema de privatização tupiniquim.
No tocante ao impacto trabalhista, há de se ressaltar o padrão salarial do setor público que é bem superior ao padrão privado. A privatização certamente reduzirá o padrão salarial; o que por si só é péssimo. Evidentemente que a crítica relevante sobre o padrão salarial atual da ECT seria se ele reduz de forma significativa a capacidade de investimento da empresa, estando fora, portanto, de um padrão tecnológico e econômico eficientes. Não há estudo sobre isso e seus resultados contábeis apontam para eficiência econômica, embora a atuação regulatória seja simplesmente precária.
Quanto aos planos de demissão voluntaria, seja qual for a razão, deveria garantir a renda permanente do trabalhador e não nos termos que a burocracia sugere aos legisladores. Como diz o ditado popular: pimenta na sopa dos outros é refresco. Isso retrata o essencial: a falta de ética da burocracia. O que só confirma o caráter quadrilheiro dessa turma burocrática tupiniquim, exatamente como prevê a literatura em escolha pública.
A assertiva do articulista de que as remunerações da estatal tendem a ser negativamente correlacionadas às reais competências dos funcionários carece de mínima prova indicativa de que tal ocorra na ECT. Tal assertiva talvez valha não para as estatais, mas para os estatutários, principalmente dos órgãos do legislativo e judiciário. Existem planos de cargos e salários nas empresas estatais coordenados por departamentos de recursos humanos. No caso da ECT, existe uma política de treinamento e qualificação de excelência que se espelha no seu centro de treinamento técnico, em destaque para a escola de administradores postais criada na década de 1970 que hoje carrega o status de universidade.
Desconheço estudo que possa minimamente garantir que esse é o caso dos correios – correlação negativa entre salário e competência. De fato, nunca ouvi falar que um carteiro ocupe ou possa ter ocupado função por exemplo de gerente financeiro que é exercida pelos administradores postais (o equivalente à função dos bacharéis em administração). Claro, no período petista, os sindicalistas assumiram posição de gerência e muitos deles tinham pouca qualificação. Não é atoa que a imagem do PT está bem prejudicada e, juntamente com o partido político, a de seus operadores, como os sindicalistas. Mostraram atuar como verdadeira quadrilha e novamente com a complacência (sendo generoso no meu julgamento) da burocracia em geral. De novo, o retrato indica a falta de governança que poderia ser facilmente melhorada, se contássemos com regras legais votadas no parlamento. Observe-se ainda que a bagunça administrativa também alimenta o raio de ação e de poder de políticos e burocratas. E a privatização nos termos aqui defendida certamente aumentará a burocracia regulatória, porque abre-se mão de uma regulação com componente endógeno de valor – o padrão empresa pública e se estabelece regras de revisão tarifaria indexada e criam-se incentivos para a cartelização.
O articulista fala em franqueados e esquece de falar que isso demonstra que a empresa já está parcialmente privatizada. Sugere ainda que funcionários poderiam conseguir franquias; simplesmente desconheço que algum funcionário tenha algum dia conseguido o privilégio de ter uma franquia. Entendo como algo esquisito o silencio da turma franqueada, porque certamente serão onerados com a privatização. Digo isso, já que a estrutura atual dos correios atenderia a lógica acumulativa dos novos donos, no caso de a empresa ser privatizada. Mais ainda um outro ponto a ser trazido a baila. Existe uma contabilidade envolvendo essas empresas franqueadas que o articulista simplesmente desconhece; o que denota que regulação no Brasil tem as suas piadas se não for a própria.
A ECT segue um padrão tarifário consagrado e que tem como consequência a universalização dos serviços postais e homogeneidade tarifária. Isso sempre esteve nas nossas leis e regulamentos que tratam dos correios, respeitando-se convenções internacionais que a empresa sempre participou e já tendo um brasileiro, ex-presidente da ECT, como dirigente máximo da União Postal Internacional. Quanto aos problemas tarifários, o que se quer saber é se os serviços que têm caráter deficitário (pelo menos parcialmente) serão mantidos e subsidiados; o que indica certamente ser um contrassenso a privatização da ECT. Sabe a turma privatista que o empresário não irá assumir atividades que gerem prejuízos. O esquema atual da ECT como Empresa Pública contorna esse problema. O projeto de privatização vai garantir a solução do problema tarifário com subsídios cruzados por tempo determinado; depois que se lasquem os usuários desses serviços. Certamente, como a lógica tem que ser lucro máximo (ainda bem que assim), os segmentos deficitários seriam eliminados. E se a lei exige a manutenção dos serviços, quem pagará? Tudo isso, no caso de ser a empresa privatizada nos termos presente, seria refletido no deságio ou nas tarifas. Na verdade, o assunto demonstra que os correios não deveriam ser privatizados e muito menos deixar de ser empresa pública que carrega um fator endógeno de regulação que agora poderia se perder com a ideia descabida de torná-la sociedade de economia mista. Exatamente o que um bom regulador não faria. Tal privatização injustificada sugere outros interesses ou a prevalência do canto da sereia. Mais a frente falarei sobre isso.
Poderiam retirar o monopólio e manter a ECT como empresa pública. Onde estaria o problema? O problema está exatamente na sua privatização.
Em resumo, não existe uma linha nesse artigo que demonstre a urgência da privatização. Talvez a urgência seja apenas uma estratégia para esconder o indefensável. Uma lástima. De fato, a turma privatista nunca alinha os prós e contras. Os argumentos favoráveis seriam a redução dos gastos públicos, redução tarifaria e garantia de investimentos. Quanto à questão do padrão salarial, muitos argumentariam que é uma questão de mercado. Algo que aceito parcialmente, porque sei bem o que é ter amparo trabalhista do ponto de vista legal. Os argumentos contra seriam os mesmos da pró-privatização, mas com sinal invertido. Então, fazendo as contas. Redução dos gastos públicos é simplesmente retórica e arranjo da burocracia, porque a regra de regulação da ECT é clara: empresa publica exige receita=despesa. Quanto à tarifação, certamente pode inicialmente ficar aquém, mas a custa do desaparecimento de serviços deficitários como a remessa de cartas para pontos longínquos. E pior, pela estratégia que carrega o fator inercial, o aumento sistemático das tarifas ocorrerá. Se ainda prevalecer o conluio empresarial como sói acontecer em indústrias propícias à cartelização, mais uma razão para o poder de mercado aumentar. Quanto ao ponto do investimento, o efeito negativo é óbvio. O que se quer é avançar sobre a estrutura física da ECT que tem, dentre outras coisas, centros de triagem que funcionam a contento. A Amazon não tem tal padrão, pelo menos no Brasil. Mas até aí tudo bem, porque a estrutura não seria extinta. Mas o poder de monopólio da empresa Amazon aumentaria. Entretanto, há mais considerações em relação à estrutura física. Os correios estão presentes em quase todos os municípios brasileiros que têm um padrão mínimo de urbanização. E já estão presentes há tempo. Isso significa que a ECT é proprietária de imóveis valiosíssimos. O efeito imediato seria a dilapidação urbana (coisa que poucos se importam) com o sumiço desses imóveis. O que está em jogo é o butim público. As receitas com Sedex e PAC, juntamente com o patrimônio da ECT aguçam o apetite dos burocratas corruptos e empresários de quinta categoria. Ainda poderíamos incluir possíveis interesses escusos sobre o Plano de Previdência dos funcionários dos correios. Uma quadrilha que não é de forró. Evidentemente o canto da sereia da ideologia privatista pode atuar tal qual a parábola de Ulisses e a Sereia. O melhor a fazer é tapar os ouvidos aos cantos das sereias.
Portanto, o que é urgente é abortar essa privatização infundada tecnicamente. Não vejo razão técnica para privatizá-la. Pelo contrário; urge mantê-la no padrão de empresa pública e que se proceda a uma governança que elimine todos os vínculos políticos que porventura ainda possam existir e garanta que os funcionários não extraiam rendas indevidas da instituição.
* Doutor em Economia. Ex-funcionário da ECT – Assessoria do Departamento de Finanças e Professor de Gestão Pública do IFB.