Marco Aurélio Bittencourt

Muito se fala sobre o desempenho pífio da economia, mas poucos vão direto ao ponto. Alguns falam sobre isso com base em modelos genéricos, embora esclarecedores e sugestivos da armadilha da renda média; outros, em produtividade, refletindo circularidade explícita e outros caminham nos trilhos. Veja o que disseram os economistas Lara Resende, Stiglitz e Galbraith no seminário do BNDES. Fiz uma síntese desse painel – https://webadvocacy.com.br/2023/10/30/andre-lara-resende-stiglitz-e-james-galbraith-suas-contribuicoes-relevantes-ao-debate-sobre-politicas-publicas/

Então, seguiremos a trilha desses importantes economistas. A causa motivadora de nossos desequilíbrios está na dívida pública. Não exatamente pela sua dimensão. Mas pela sua gestão. André Lara Resende chega quase a berrar aos quatro ventos que a política de juros do Banco Central está profundamente equivocada. Claro, ele está se referindo à estratégia sistemática de juros elevados, que nos entregou uma taxa de juros real em média, nos últimos 28 anos (1995-2022), de 8,8%, com desvio padrão (volatilidade) de 8,1%, enquanto economias como a americana verificou, no mesmo período, uma taxa de juros real média de (-) 2,4% e desvio padrão de 3,4%.  Os gráficos e a tabela abaixo mostram essa realidade.

Como se dá a correlação entre essa trajetória dos juros com a do crescimento da economia? Principalmente pelo impacto na dinâmica orçamentária, fazendo seu cumprimento errático refletir negativamente sobre o crescimento da economia. De fato, essa volatilidade dos juros faz com que a despesa com o serviço da dívida, que está no grupo das despesas obrigatórias, juntamente com os salários dos funcionários públicos e transferências a estados e municípios, obrigue ajustes nas despesas de investimento e em alguns itens da despesa corrente, alcançando todas as funções de governo. O fato é que chegamos a uma situação orçamentária crítica, muito embora os ajustes cumpram os requisitos legais. Daí o efeito nocivo dessa volatilidade dos juros sobre a trajetória de crescimento da economia.

Como se sabe, o orçamento abraça quase 30 funções que vão desde as bem conhecidas, como saúde, educação, segurança e justiça e despesas sociais, bem como as econômicas, que abrangem itens como agricultura, combustíveis e energia, mineração, construção, transportes, comunicação e outros itens de menor importância orçamentária. Há também funções de proteção ambiental e de lazer e cultura.  Essas funções contam, em sua maioria, com planos detalhados que, para frutificarem em políticas públicas eficientes, dependem dos tributos que lhes são alocados e da continuidade dessas políticas públicas.

Como veremos, os gastos orçamentários que se ajustam a esse deslocamento dos juros da dívida pública apresentam trajetórias decrescentes e há um pouco de estabilidade no montante de gastos em educação e saúde, funções básicas. Mesmo assim, em termos orçamentários, difícil saber se as deficiências nessas duas funções básicas são compensadas com gastos privados ou se a qualidade das respectivas políticas públicas também está comprometida. Vejamos as tabelas que explicitam a situação orçamentária. A primeira, tabela 1, mostra os grandes grupos de gastos.

Tabela 1. Gastos orçamentários por funções segundo o Padrão COFOG – % PIB

São, portanto, quatro itens que absorvem a maioria dos recursos orçamentários. Em ordem de importância quantitativa, temos os seguintes gastos médios: Despesas com serviços públicos gerais (12,5% do PIB), Despesas sociais (12,2% do PIB), Educação (2,2 % do PIB), Saúde (2,1% do PIB) e Outros (3,1% do PIB). As posições finais e iniciais mostram claramente que os ajustes ocorrem necessariamente em Outros (2010, 3,7% do PIB e 2021, 2,3% do PIB) que abriga as demais funções do governo.

Importante detalhar o item Despesas com serviços públicos. A Tabela 2 mostra o detalhamento.

Tabela 2. Detalhamento despesas com serviços públicos gerais – % PIB

A tabela 2 destaca que o item transações da dívida pública absorve quase 63 % do gasto total em Despesa com serviços públicos gerais. Em média, gasta-se com esse item relativo às transações da dívida pública cerca de 7,9% do PIB. O outro item, também de despesa obrigatória, trata das transferências constitucionais para Estados e Municípios, alcançando em média 3,7% do PIB. Vê-se, então, que o elemento crítico reside no serviço da dívida pública (juros, principalmente).

A tabela 3 apresenta as implicações dessa dinâmica orçamentária que revelam o pivô dos desequilíbrios orçamentários:  as transações da dívida pública.

Tabela 3. Implicações das transações da dívida pública

A tabela 3 mostra, para cada ano, o incremento no item juros. Em alguns anos, os valores de ajustes diminuem e em outros, aumentam. Naqueles anos em que há aumento, por vezes, observam-se magnitudes expressivas, como indicado para o ano de 2015 e 2021. O fato é que esses impactos são corrigidos por aumento de impostos, redução de gastos econômicos, aumento da própria dívida e monetização que não estimamos.

Chegamos, pois, à situação da armadilha da renda média que pode ser expressa da seguinte forma. Política de juros exageradas (juros altos que acarretam juros reais de quase 9 % a.a. em média) tem impacto negativo sobre o investimento privado e distorce o orçamento público – esses gastos com juros no orçamento representam 8% do PIB em média. Os ajustes orçamentários têm implicações fortes sobre a trajetória de crescimento da economia. Os ajustes seriam os seguintes: 1) aumento da própria dívida e aumento de impostos (como parte da solução do problema); 2) deslocamento de gastos, com redução do quantitativo em investimentos e gastos correntes. Isso compromete a continuidade de políticas públicas e a qualidade dos gastos; 3) soluções de compadrio que envolvem gastos em subsídios ou programas específicos e uso das agências de fomento que geram políticas de apoio, que, em geral, acabam por produzir aumento de poder de mercado das empresas beneficiadas, com ausência de inovações. A perseguição a superávits fiscais e a manutenção da política de juros altos acarretam ajustes orçamentários que afetam negativamente o investimento público e o privado, encarecendo sobremaneira o investimento em capital de giro das pequenas e médias empresas. Os gastos públicos e privados mostram-se, assim, insuficientes para colocar a economia na sua trajetória de crescimento ótima; o ciclo se repete com novos ajustes orçamentários e redirecionamento dos investimentos privados, podendo piorar com choques desfavoráveis (preço da energia, pandemias, etc.).

Sabemos que, pela aritmética da solvência da dívida pública, se a taxa de crescimento do PIB for maior do que a taxa de juros, a razão dívida/PIB converge para um nível estável. O contrário só nos traz problemas. Vejamos o nosso quadro geral.

Se a razão taxa de crescimento/juros for maior do que 1, estamos caminhando para a convergência possível da razão dívida/PIB. Veja que o Brasil tem sistematicamente um valor da razão crítica (Tx Cresc./Juros) menor do que 1; só em 2021 alcançou um valor próximo de 1 e, pior de tudo, há repetidos períodos em que essa razão crítica é negativa. Já para a economia americana sistematicamente tem-se razão crítica em valores acima de 1, com uma média robusta e, quando está numa faixa crítica, claramente se dá em decorrência de crises (2008 e 2020). Os gráficos abaixo ilustram essa razão crítica.

A solução? Equacionar o problema da dívida pública tirando o bode da sala. A solução técnica, trivial. A política, um problema difícil de se esquadrinhar.

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