Fernando de Magalhães Furlan

Principais alterações na regulamentação da Lei da Empresa Limpa (Lei Anticorrupção), por meio do Decreto 11.129/2022

Fernando de Magalhães Furlan

O Decreto 11.129 entrou em vigor em 18 de julho de 2022, alterando a regulamentação da Lei nº 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

O Novo Decreto trouxe as seguintes principais alterações à Lei da Empresa Limpa:

  1. Dosimetria das multas:

Em relação à dosimetria das multas, foram modificados alguns critérios e alíquotas que determinam precisamente o valor final da penalidade, quais sejam, base de cálculo, circunstâncias agravantes e atenuantes, e limites mínimo e máximo. 

Apesar de a base de cálculo padrão da multa ainda consistir no faturamento bruto da pessoa jurídica no último exercício anterior ao da instauração do PAR, o Novo Decreto inovou ao:

      (I) ampliar as formas de apuração do faturamento, por meio da inclusão da estimativa e da identificação do montante total de recursos recebidos pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no referido período; 

      (II) estabelecer que, na hipótese de empresas de um mesmo grupo econômico terem praticado os atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção ou concorrido para a sua prática, a base de cálculo consistirá na soma dos faturamentos brutos de todas as empresas envolvidas; e 

      (III) determinar que, excepcionalmente, caso a pessoa jurídica comprovadamente não tenha tido faturamento no último exercício anterior ao da instauração do PAR, a base de cálculo consistirá no último faturamento bruto apurado pela pessoa jurídica, atualizado até o último dia do exercício anterior ao da instauração do PAR (arts. 20 e 21).

Quanto às circunstâncias agravantes e atenuantes aplicáveis ao cálculo da multa após o estabelecimento da respectiva base de cálculo, o Novo Decreto não só alterou determinadas hipóteses de incidência, como também modificou, ainda que pouco, a quase totalidade das respectivas alíquotas aplicáveis ao cálculo sob análise (artigos 22 e 23).

Por exemplo, o decreto aumentou de 4% para 5% o fator de redução da multa, no caso de a empresa possuir um programa de integridade efetivo. Confira:

Art. 23.  Do resultado da soma dos fatores previstos no art. 22 serão subtraídos os valores correspondentes        aos seguintes percentuais da base de cálculo:

      V – Até cinco por cento no caso de comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de       integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo V”.

Essa medida busca incentivar as empresas e instituições a adotarem reais medidas de aprimoramento de seus programas de integridade. Para isso, o novo decreto agora traz detalhamento maior de alguns parâmetros para avaliar a efetividade de tais programas.

Por exemplo: a necessidade de realizar diligências apropriadas para contratar e supervisionar terceiros, agora com a menção expressa a despachantes, consultores e representantes comerciais, que deverão ter verificações prévias nos chamados background checks e poderão responsabilizar a empresa pela Lei Anticorrupção, caso pratiquem atos de corrupção, agindo em seu interesse ou benefício.

Com relação à dosimetria da multa prevista no art. 6º, I, da Lei Anticorrupção, o decreto 11.129 trouxe modificações expressivas em relação à norma anterior (Decreto 8.420/15). O primeiro destaque é o da inserção de um novo fator para o cálculo da multa, o da existência de concurso de atos lesivos. A regulamentação anterior não era clara quanto a essa hipótese, o que proporcionava insegurança jurídica. Doravante, quando a prática de mais de um ato lesivo estiver sendo objeto de um processo administrativo de responsabilização, haverá a imposição de multa de até 4% sobre o faturamento bruto da empresa, vejamos (art. 22, I, do Decreto 11.129/2023):

Art. 22.  O cálculo da multa se inicia com a soma dos valores correspondentes aos seguintes percentuais da base de cálculo:

I – Até quatro por cento, havendo concurso dos atos lesivos;

2. Acordos de Leniência:

Os preceitos sobre a celebração de acordos de leniência também foram objeto de modificações significativas. Em vez de exigir o reconhecimento de participação da empresa signatária na infração, como previa o decreto 8.420/15, o decreto 11.129/22 permite a mera admissão da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica pelo ato lesivo à Administração Pública.

Também foi incluída previsão de que, para a assinatura do acordo de leniência, deve haver a reparação integral da parcela incontroversa do dano causado e a perda/devolução dos valores correspondentes ao acréscimo patrimonial indevido ou ao enriquecimento ilícito.

Outra novidade consiste na previsão de que a assinatura de memorando de entendimentos seria causa interruptiva do prazo prescricional de 5 anos previsto na lei 12.846. Tal previsão, contudo, pode ser alvo de questionamentos futuros, pois essa hipótese não está prevista na lei como causa interruptiva da prescrição.

Além disso, eventuais infrações à Lei da Empresa Limpa, que também representem violação administrativa à Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública, serão julgadas em conjunto em um mesmo processo.

O novo decreto também confere algumas proteções ao proponente do acordo de leniência, como por exemplo, o sigilo da negociação.

3. Cálculo da vantagem auferida:

O decreto também prevê, em seu art. 26, três novas possibilidades para se calcular a vantagem auferida ou pretendida para fins de multa ou acordo:

“Art. 26.  O valor da vantagem auferida ou pretendida corresponde ao equivalente monetário do produto do ilícito, assim entendido como os ganhos ou os proveitos obtidos ou pretendidos pela pessoa jurídica em decorrência direta ou indireta da prática do ato lesivo.

§ 1º  O valor da vantagem auferida ou pretendida poderá ser estimado mediante a aplicação, conforme o caso, das seguintes metodologias:

I – pelo valor total da receita auferida em contrato administrativo e seus aditivos, deduzidos os custos lícitos que a pessoa jurídica comprove serem efetivamente atribuíveis ao objeto contratado, na hipótese de atos lesivos praticados para fins de obtenção e execução dos respectivos contratos;

II – pelo valor total de despesas ou custos evitados, inclusive os de natureza tributária ou regulatória, e que seriam imputáveis à pessoa jurídica caso não houvesse sido praticado o ato lesivo pela pessoa jurídica infratora; ou

III – pelo valor do lucro adicional auferido pela pessoa jurídica decorrente de ação ou omissão na prática de ato do Poder Público que não ocorreria sem a prática do ato lesivo pela pessoa jurídica infratora”.

4. Contratação de Pessoas Politicamente Expostas – PEPs:

Além de diligências na contratação de terceiros, o novo decreto regulamentador exige que sejam realizadas diligências apropriadas, baseadas em riscos, para contratar e supervisionar as pessoas expostas politicamente (PEPs), ou seja, pessoas que ocupam ou ocuparam, nos últimos cinco anos, cargos de escalão superior ou funções públicas proeminentes, seus familiares, estreitos colaboradores e pessoas jurídicas das quais participem.


Fernando de Magalhães Furlan. Antigo Secretario-Executivo do Ministerio do Desenvolvi mento, Industria e Comercio Exterior (MDIC) e assessor especial da CAMEX. Foi presidente do Conselho de Administracao do BNDES e da BNDESPAR. Foi presidente, conselheiro e procurador-geral do CADE. Foi também diretor do Departamento de Defesa Comercial (DECOM) e chefe de gabinete do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi membro do Conselho de Administração da FINAME/BNDES. Atualmente e membro do grupo de especialistas do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL e consultor ad hoc de projetos de defesa da concorrência das Nações Unidas (UNCTAD). É professor de direito em Brasília e atua, como professor ou pesquisador, em universidades e institutos no Brasil e no exterior. É consultor externo ou membro não-governamental de organizações e institutos brasileiros e estrangeiros e consultorias. Graduado em Administração pela UDESC/ESAG e em Direito pela UnB, tem mestrado e doutorado pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), com pós-doutorado pela Universidade de Macau, China.


As contratações anticompetitivas das agências de publicidade

Fernando de Magalhães Furlan

Ao longo dos anos, tem sido prática comercial reiterada das agências de publicidade o desvirtuamento da competição por projetos de produção audiovisual (filmes publicitários), dentro de campanhas publicitárias, ao oferecerem tais serviços por meio de produtoras próprias, relacionadas ou parceiras, utilizando informações privilegiadas.

Além disso, o mercado de serviços de publicidade é altamente concentrado no Brasil, denotando posição dominante da parte de meia dúzia de mega agências, que, utilizando a sua influência econômica, desviam projetos de produção audiovisual para produtoras parceiras, fechando assim o mercado para as produtoras independentes.

Tal conduta das agências pode, potencialmente, caracterizar o chamado tying (venda casada, isto é, condicionar a venda de produto/serviço à aquisição de outro) ou o bundling (estratégia de venda de vários produtos ou serviços em conjunto, com supostos benefícios de aquisição para o cliente, em termos de preço e/ou funcionalidade)[1]. Além disso, essa atitude das agências de publicidade denota comportamento antiético[2], além de contrário à ordem econômica e à livre concorrência.

Além do tying (venda casa) e bundling[3] (venda em pacote), que se caracterizam por condutas unilaterais, o comportamento das grandes agências de publicidade também pode configurar condutas concertadas como o bid-rigging
(licitação fraudulenta) e a fixação de preços[4].

Aliás, a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos da América investigou, durante os anos de 2016 e 2018, as agências de publicidade daquele país sobre o uso de unidades de produção internas para a manipulação de licitações e fixação de preços, chamando a atenção para práticas há muito reclamadas por produtoras independentes e estúdios de efeitos/produções visuais.

O DoJ investigou se as agências de publicidade distorcem o processo de licitação privada, utilizando informação privilegiada[5], em favor de suas próprias unidades de produção interna, forçando empresas independentes de produção e pós-produção a aumentar os seus preços e, consequentemente, perder a competição/licitação privada.

Nos Estados Unidos, aliás, a questão das unidades de produção interna e as práticas anticompetitivas é algo que a Associação de Editores de Criação Independentes – AICE (Association of Independent Creative Editors), por exemplo, vem trabalhando há algum tempo. Em 2014, a AICE emitiu uma declaração oficial destacando as preocupações com questões de transparência, neutralidade e a prática de “verificar licitações”, isto é, “convidar empresas independentes a fazer propostas irrealistas, um processo que pode custar a essas empresas milhares de dólares de uma só vez, simplesmente para fazer aumentar os números em um campo que eles não podem ganhar[6].

A investigação esteve focada no mercado estadunidense, mas também chamou a atenção para a tensão mais ampla entre unidades de produção internas e fornecedores independentes em mercados ao redor do mundo.

Em Londres, a Associação dos Produtores de Publicidade (Advertising Producers’ Association – APA) respondeu à revelação com um memorando aos seus membros. A declaração diz que a APA defende que seus membros não façam licitações (processos seletivos) contra produtoras independentes e que os clientes sejam mais questionadores, exigindo transparência.

A investigação do DoJ, ou de qualquer outra autoridade antitruste, deve também se concentrar em averiguar se o dinheiro dos clientes (anunciantes) está sendo efetivamente gasto da maneira a mais robusta e rigorosa possível, com os melhores talentos disponíveis, a fim de entregar o melhor resultado; ou se, ao contrário, é mera solução conveniente, para suportar um fluxo previsível e confortável de receita para as agências.

A questão, portanto, vai além da manipulação de licitações privadas para o fornecimento de serviços de audiovisual, por exemplo, favorecendo produtoras internas/associadas das próprias agências de publicidade. Pois, ao cortarem o orçamento automaticamente, as unidades de produção internas das agências não estão dando aos clientes acesso aos melhores talentos e maior valor ao seu dinheiro. Pelo contrário, estão se apropriando de um bem-estar que deveria ser do anunciante/cliente (consumidor).

Apesar de a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos Estados Unidos haver arquivado/encerrado a investigação[7] de 2 anos sobre possível fraude a licitações e fixação de preços, de parte das agências de publicidade, para favorecerem unidades de produção internas, merece ser ressaltado que permanece em aberto investigação do Federal Bureau of Investigation – FBI sobre transparência entre anunciantes e agências de compra de mídia[8].

Em 10 de outubro de 2018, a Associação de Anunciantes Nacionais (ANA) notificou os seus membros de que o FBI lhe havia solicitado que informasse a seus membros sobre a investigação e pedisse que cooperassem, caso eles acreditassem que pudessem ter sido fraudados por suas agências de publicidade. Assim, o tema continua sob investigação, agora criminal, por parte das autoridades estadunidenses.

Além disso, o enforcement das autoridades antitruste estadunidenses, em relação ao setor publicidade, continua firme. Recentemente, em abril de 2022, a Comissão Federal de Comércio (Federal Trade Commission – FTC) e a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) realizaram outra fase de sua “turnê de audição” (listening tour), com foco na indústria de mídia e entretenimento. Como nos fóruns anteriores, a FTC e o DOJ promoveram a discussão para permitir que participantes menores do mercado – como artistas, criadores de conteúdo, jornalistas e o público em geral – expressassem as suas opiniões sobre os efeitos da consolidação na indústria de mídia e entretenimento.

A presidente da FTC, Lina Khan, abriu o fórum destacando as mudanças significativas do mercado na indústria de mídia e entretenimento na última década. Kahn observou uma quantidade significativa de consolidação vertical entre empresas nos últimos anos e expressou preocupação de que, atualmente, apenas um punhado de empresas controla a maior parte da cadeia de suprimentos de entretenimento.

Essas mudanças levaram a uma preocupação semelhante por parte dos observadores e estudiosos da indústria da publicidade, de que essas entidades integradas exerceriam o seu poder de mercado contra criadores de conteúdo e limitariam a diversidade de conteúdo que chegaria aos consumidores. Em suma, Kahn alertou que a consolidação descontrolada na indústria de mídia e entretenimento pode permitir “poder descomunal sobre como a informação é distribuída” afetando, em suas palavras, o “sangue vital” da democracia.

Ao que se vê, a FTC e o DOJ estão perfeitamente sintonizados em relação ao impacto da consolidação na indústria de mídia e entretenimento nas condições econômicas[9].

Vejamos, por exemplo a “Nota de Esclarecimento”[10] da Associação dos Produtores Comerciais Independentes – AICP, dos Estados Unidos da América, sobre a operação de unidades de produção e pós-produção internas de muitas holdings e agências de publicidade, que geralmente são listadas sob nomes não relacionados. A AICP criou uma lista de unidades internas de agências conhecidas para referência de suas associadas e as aconselha a verificar a lista ao considerar uma solicitação de licitação de uma agência para determinar se está licitando contra uma empresa independente ou uma agência e/ou entidade pertencente a uma holding.

No Brasil,por meio da Nota Técnica nº 11/2016/CGAA4/SGA1/SG/CADE, no Processo Administrativo nº 08012.008602/2005-09, a Superintendência Geral do CADE assim se manifestou, em sua “Avaliação final” dos efeitos anticompetitivos (item 2.1.10.4) sobre conduta concertada e fixação de preços da parte das agências de publicidade e do Conselho Executivo de Normas-Padrão (CENP):

Parágrafo 461. Foram analisadas também as condutas de fixação de porcentagem uniforme da comissão de veiculação, o desconto padrão de agência, e de fixação de limites para o repasse de parte do desconto padrão de agência aos anunciantes. Concluiu-se que as condutas também são potencialmente anticompetitivas, já que excluem a possibilidade de concorrência por preços entre as agências, induzindo à uniformização de práticas comerciais e vedando ao consumidor dos serviços publicitários a possibilidade de optar por veicular publicidade com preços mais baixos”.

O próprio Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP), isto é, o fórum de autorregulação do mercado publicitário no Brasil, assim se posicionou, por meio da Comunicação Normativa No. 016, de setembro de 2010, sobre a Certificação de Agências de Publicidade, em seu artigo 6º:

O CENP não certificará, por considerar atividades incompatíveis com as de Agência de Publicidade, as pessoas jurídicas que tenham em seu contrato social, ou não o tendo, comprovadamente, exerçam atividades de comércio de qualquer natureza, representação de Veículos de Comunicação, locação de espaço publicitário, produção de audiovisual ou material gráfico, comércio de brindes, editoração, pesquisa de mercado, pesquisa de opinião, consultoria empresarial, marketing político, licenciamento de marcas e patentes, captação de recursos, impressão gráfica, desenvolvimento de sistemas, cursos, palestras, treinamento, montagem de feiras e estandes, locação de mão de obra e tudo o que se relacionar a atividade de indústria e comércio de bens e serviços;” (grifos).

Ou seja, o próprio ente autorregulador dos serviços publicitários no país considera a produção audiovisual incompatível com as atividades de uma agência de publicidade. Isto é a produção audiovisual deve, obrigatoriamente, ser terceirizada/subcontratada por empresa independente, não relacionada à agência.

Ao agir de outra maneira, as agências de publicidade no país estão potencialmente praticando condutas ilícitas, nefastas à concorrência, fazendo incidir as hipóteses previstas no art. 36, caput, da Lei 12.529/11, seus incisos, parágrafos e alíneas, conforme abaixo:

– Limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; e

– Exercer de forma abusiva posição dominante.

Além disso, podem configurar as seguintes hipóteses previstas no § 3º do artigo 36, da LDC, sem prejuízo de outras:

I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:

  1. os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;

b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;

c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação (…);

II – Promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

IV – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

V – impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;

VIII – Regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar (…) a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;

X – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços; e XVIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem.


[1] “A consensus has emerged that a necessary condition for anticompetitive harm arising from allegedly exclusionary agreements is that the contracts foreclose rivals from a share of distribution sufficient to achieve minimum efficient scale (“MES”). This foreclosure concern is inextricably intertwined with the RRC paradigm and is applied by courts and agencies in cases involving allegedly exclusionary agreements of all kinds, including exclusive dealings, market share discounts, shelf space share agreements, category management arrangements, refusals to deal, tying, and bundling (…)”. RRC theories require an analytical link to be established between the allegedly exclusionary agreement and the MES of production. Joshua D. Wright, Moving Beyond Naïve Foreclosure Analysis, 19 GEO. MASON L. REV. 1163, 1163–64 (2012).

[2] CENP – Fórum de Autorregulação do Mercado Publicitário. Comunicação Normativa No. 016 (set/2010). Certificação de Agências de Publicidade (Objeto Social):  (…) “Art. 6º – O CENP não certificará, por considerar atividades incompatíveis com as de Agência de Publicidade, as pessoas jurídicas que tenham em seu contrato social, ou não o tendo, comprovadamente, exerçam atividades de comércio de qualquer natureza, representação de Veículos de Comunicação, locação de espaço publicitário, produção de audiovisual ou material gráfico, comércio de brindes, editoração, pesquisa de mercado, pesquisa de opinião, consultoria empresarial, marketing político, licenciamento de marcas e patentes, captação de recursos, impressão gráfica, desenvolvimento de sistemas, cursos, palestras, treinamento, montagem de feiras e estandes, locação de mão de obra e tudo o que se relacionar a atividade de indústria e comércio de bens e serviços; (…)”. (Grifos).

[3] Venda de diferentes itens (bens ou serviços) em conjunto, como um pacote.

[4] WRIGHT, Joshua – Simple but Wrong or Complex but More Accurate? The Case for an Exclusive Dealing-Based Approach to Evaluating Loyalty Discounts. Bates White 10th Annual Antitrust Conference. Washington, DC 3 June 2013 -https://www.ftc.gov/sites/default/files/documents/public_statements/simple-wrong-or-complex-moreaccurate-case-exclusive-dealing-based-approach-evaluating-loyalty/130603bateswhite.pdf “Improving foreclosure analysis to align more closely with the raising rivals’ cost framework and thereby to focus more intensely upon the ultimate competitive effects of the contracts at issue would significantly improve the existing legal framework. For example, I have suggested elsewhere that measuring the foreclosure attributable to the defendant’s conduct in loyalty discount cases – and all cases alleging contracts create market power via the raising rivals’ cost mechanism – should require a “counterfactual” analysis of the degree of foreclosure without the contracts in question”.

[5] Limites orçamentários do cliente contratante dos serviços, interesses estratégicos dos clientes etc.

[6] Disponível em: https://www.lbbonline.com/news/us-probe-into-agency-in-house-production-bid-rigging-sends-shockwaves-round-industry. Acesso em: 31/07/2023.

[7] Disponível em: https://www.clubedecriacao.com.br/ultimas/departamento-de-justica-dos-eua/. Acesso em: 10/07/2023.

[8] Disponível em: https://www.adotat.com/2018/11/fbi-initiates-media-buy-fraud-investigation/. Acesso em: 10/07/2023.

[9] Disponível em: https://www.hklaw.com/en/insights/publications/2022/05/media-and-entertainment-industry-gets-a-turn-in-doj-ftc-antitrust. Acesso em: 31/07/2023.

[10] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.aicp.com/assets/editor/Agency_InHouse_List_Final_March2018.pdf. Acesso em: 31/07/2023.

Empoderamento social por meio do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC): uma perspectiva das instituições de ensino fundamental do Distrito Federal – Vol 2, n. 2, 2024 – Publicado: 07/02/2024

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marco Aurélio Bittencourt – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Vanessa Vilela Berbel – Doutora em Direito

Ficha catalográfica

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Empoderamento social por meio do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC): uma perspectiva das instituições de ensino fundamental do Distrito Federal

Valdeberto Pereira de Souza & Fernando de Magalhães Furlan

RESUMO

Este artigo revisa a literatura jurídica que deu início à participação de instituições filantrópicas na consecução de projetos sociais, por meio de parcerias com o Estado. Analisar-se-á o desenvolvimento das normas jurídicas para esse fim e observar-se-á o crescimento das parcerias entre Governos e OSCs (Organizações da Sociedade Civil), e o próprio crescimento numérico delas. Em tendo havido crescimento, buscar-se-á identificar se esse crescimento possibilitou um empoderamento social dos sujeitos alcançados, tendo em vista que tais instituições desenvolvem os seus projetos principalmente nas áreas de saúde, educação, assistência social e cultura. Este artigo toma como corpus as instituições que desenvolvem projetos na área da educação infantil. Assim, a pesquisa de dados se limitou ao âmbito do Distrito Federal. A pesquisa também buscou identificar se essas instituições estão inseridas em áreas centrais ou periféricas da polis, e se os sujeitos alcançados com a consecução dos objetos definidos pelo Estado e pelas OSCs estão inseridos em áreas de maior ou menor poder aquisitivo, já que que tais sujeitos, em razão de sua situação mais precária, sejam aqueles que mais dependam do apoio do Governo.

ABSTRACTO

Este trabajo de investigación revisa la literatura jurídica que ha dado inicio a la participación de instituciones filantrópicas en la consecución de proyectos sociales por medio de parcerías con el Estado. Se analiza el desarrollo de las normas jurídicas para ese fin y se observa si hubo un crecimiento de las parcerías entre Gobiernos y OSCs (Organizaciones de la Sociedad Civil), y también crecimiento del número de instituciones. Y aun si hubo crecimiento, se busca identificar si ese crecimiento posibilitó un empoderamiento social de los sujetos alcanzados, teniendo en cuenta que tales instituciones desarrollan sus proyectos mayormente en las áreas de salud, educación, asistencia social y cultura. En esta investigación se ha tomado como corpus instituciones que desarrollan proyectos en el área de educación infantil. Se limita la investigación en datos que ocurran en el ámbito del Distrito Federal. También se buscará identificar si tales instituciones están ubicadas en áreas céntricas o periféricas de la polis, y si los sujetos alcanzados con la consecución de los objetos definidos por el Estado y por las OSCs están ubicados en áreas de mayor o de menor poder adquisitivo, ya que se espera que tales sujetos, por falta de recursos suficientes, sean aquellos que más dependan de apoyo del Gobierno.

SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO

Esse artigo tem por objetivo estudar como as ações previstas no MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil) contribuem para o empoderamento social. Tal empoderamento é proporcionado pela internalização de direitos e deveres sociais que conscientizam os cidadãos na execução de ações que cobrem de seus representantes políticos atitudes para esse fim) em grupos de pessoas que se encontrem em situação de vulnerabilidade social, por meio da aplicação da Lei 13.019, de 31 de julho de 2014, regulamentada pelo Decreto Federal 8.726, de 27 de abril de 2016, que tratam das parcerias entre o Estado e as Organizações da Sociedade Civil (OSCs). O artigo também busca traçar um perfil do desempenho estatal por meio dessas parcerias, visando ao melhoramento das políticas públicas que tratam da oferta de serviços preponderantes para o desenvolvimento social.

O relacionamento entre o Estado e as OSCs, como se concebe atualmente, acentuou-se a partir da nova concepção do Estado, iniciando-se com a Reforma do Estado (Governo Fernando Henrique Cardoso – 1995). Essa relação, ao longo dos tempos, foi ora criticada, ora exaltada, e, passados quase 30 anos, pode-se ter uma visão holística positiva das parcerias, já que se testemunhou um aumento vertiginoso da relação jurídica do Estado com as organizações da Sociedade Civil (OSCs). As OSCs têm uma importância cada vez maior na execução de projetos, por meio da publicização de serviços públicos[1], que outrora estavam exclusivamente nas mãos do Estado. Isso não quer dizer que o Estado tenha perdido a tutela desses serviços, cujo caráter é público, já que, por serem mantidos pelo Estado, este tem total controle da efetividade dos serviços ofertados à comunidade, por meio dos diversos órgãos de controle estatal (Lei 13.019, de 31 de julho de 2014), e responde de forma solidária pelos possíveis desvios que vierem a ocorrer.   

Este artigo se propõe a fazer uma análise crítica das ações previstas na legislação aplicável, levando em consideração os resultados aferidos pelo próprio Governo e por seus órgãos de controle.

Para a análise sobre o crescimento da relação do Estado com as Organizações da Sociedade Civil, OSCs, como já mencionado, coletar-se-ão dados disponibilizados por órgãos oficiais no Distrito Federal, como a quantidade de OSCs por Região Administrativa do Distrito Federal (RA), em diferentes períodos, pois, tais dados podem mostrar se realmente as áreas mais vulneráveis, ou seja, as que mais dependem de ações governamentais para dirimir desigualdades sociais estão sendo os locais preferidos por essas OSCs, e se houve um aumento no número de instituições que surgiram ao longo dos anos nessas regiões.

Ao analisar a Lei, buscar-se-á identificar os artigos que mais influência exercem no combate à desigualdade social e na melhora crescente das condições necessárias para o desenvolvimento social, aqui entendido como uma forma de empoderamento da sociedade.  Com a publicização de serviços públicos, tornando-os mais acessíveis à comunidade, espera-se um aumento no nível de desenvolvimento daqueles que venham a desfrutar de tais serviços. Dessa maneira, pode-se também traçar um panorama do investimento econômico governamental visando à erradicação de problemas que são verdadeiros entraves para a educação e à saúde, por exemplo.

O artigo foca principalmente em projetos desenvolvidos no Distrito Federal que alcancem a educação básica, mais precisamente a educação infantil e a pré-escola, por meio de parcerias entre o Governo do Distrito Federal e as Organizações da Sociedade Civil aqui instaladas.

De forma particular, o artigo também pretende estudar as Organizações da Sociedade Civil (OSCs), o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) e a lei que regulamenta o Terceiro Setor como um todo, apontando prós e contras da relação jurídica entre essas instituições e o Estado. Especificamente, identificar na lei e na doutrina a definição de OSC e as consequências dessa definição na sua existência como pessoa jurídica e nas suas finanças, diferenciando-a, devido ao seu caráter legal, de outras pessoas jurídicas com finalidade de lucro. Também tem o artigo o intuito de perceber se a Lei 13019/94 tem alcance majoritariamente nas áreas centrais ou em áreas periféricas, identificar as ações desenvolvidas que causem o empoderamento social, por meio do conhecimento difundido, do objeto executado e o nível de conhecimento adquirido, por meio da execução de tais projetos e o alcance social do MROSC na concepção das entidades filantrópicas – OSCs.

Esse artigo se baseia na seguinte indagação: “como as ações previstas no MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil) contribuem para o empoderamento social?”.

As ações previstas com a aplicação da lei positivada no MROSC contribuirão para o empoderamento social à medida que cidadãos em situação vulnerável de saúde forem alcançadas por ações de instituições filantrópicas, como um braço alongado do Estado, poupando-lhes recursos e lhes auxiliando na melhoria do acesso à saúde, antes não alcançada sob a gestão exclusiva do Estado. Este é um exemplo de efetividade e eficácia da aplicação da verba pública. As famílias tornar-se-ão empoderadas quando alcançadas por programas de proteção às crianças, como, por exemplo, as creches, administradas por instituições da sociedade civil (OSCs), sem custo para as famílias e com boa qualidade, exigida e fiscalizada pelo Estado, mediante ações previstas com a aplicação do MROSC. Outro exemplo é que as famílias serão empoderadas com as ações previstas no MROSC porque, na maioria esmagadora dos casos, as ações desenvolvidas por instituições filantrópicas ocorrerão em áreas periféricas, ou até mesmo em áreas centrais, e os funcionários contratados para desempenharem as ações de alcance do objeto são, quase sempre, pessoas das próprias comunidades adjacentes a essas ações (programas). São pessoas que não fizeram um concurso público, mas que se sentirão parte do funcionalismo público, participantes do esforço nacional em prol das comunidades mais desassistidas. É o próprio Estado sendo fomentador da criação de empregos e bem-estar social, por meio de atividades desenvolvidas pelas OSCs.

1.1 JUSTIFICATIVA

Este artigo tem como intuito analisar a evolução do Marco Regulatório do Terceiro Setor, após a sua publicação e descortinar a possível influência de tais normas jurídicas no empoderamento dos sujeitos envolvidos, objeto das ações neles previstas.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 o papel da sociedade civil organizada tem se destacado como apoio ao alcance de resultados almejados pelo Estado, na busca do desenvolvimento da sociedade. A busca por afirmação nesse sentido leva-nos a fazer uma análise sobre o impacto das normas jurídicas que regulam a parceria do Estado com essas organizações civis.

Portanto, o artigo tem a finalidade de fazer uma análise da desenvoltura de tais normas jurídicas no seio social. Identificar se os objetivos almejados por seus precursores, os reformadores do Estado, estão sendo alcançados e o impacto disso para o empoderamento da sociedade.

Este artigo enfoca, sobretudo, as instituições de ensino fundamental do Distrito Federal.

2. EVOLUÇÃO DA PARCERIA DE OSCs COM A PUBLICIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Analisar-se-á, sob um enfoque diacrônico, a importância da participação de instituições filantrópicas da sociedade civil organizada, concomitantemente com o avanço da legislação brasileira, no que tange à execução e desenvolvimento de projetos sociais que transformaram ou transformam essa sociedade (e seus indivíduos) em uma sociedade mais justa e consciente do papel a desempenhar de forma intrínseca, para que essa mesma comunidade se empodere de conhecimentos e meios que a façam avançar e crescer no exercício da plena cidadania.

2.1 Reforma do Estado visando à publicização de serviços públicos

Pode-se definir como marco inicial da valorização participativa do terceiro setor (ONGs) na sociedade brasileira o movimento da reforma do Estado, lançado em 1995, sob a gestão federal do presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquele contexto reformista introduziu-se o conceito de publicização, que significa a transferência de serviços não exclusivos do Estado, ligados a diversas áreas, tais como: educação, saúde, cultura, fomento à pesquisa científica, dentre outras, para o setor privado que, embora não estatal, seja mantido em parte ou no todo por recursos públicos (BRESSER PEREIRA, 1999, p. 07).

A percepção da necessidade de ampliação do terceiro setor, que fugisse do totalmente público e do totalmente privado, surge com a concepção de que não é apenas o Estado que pratica altruísmo social e protege o interesse público, senão também organizações privadas e pessoas físicas que atuam em múltiplas áreas, como educação, saúde, assistência social, cultura, lazer, preservação do meio ambiente, dentre outras, e cujo interesse está centrado no bem-estar social, na responsabilidade com o bem público e na implementação de ações que visem ao benefício coletivo. Essas ideias coadunam com a declaração de Frei Caneca: “Uma constituição não é outra coisa, que a ata do pacto social, que fazem entre si os homens, quando se ajuntam e se associam para viverem em reunião ou sociedade” (VILLAR, 2004. p. 106).

Nesse diapasão, o Terceiro Setor surge como instrumento propulsor para que o país tenha esse pacto social amplamente implantado, por meio de parceria estatal (Estado) e sociedade organizada (setor privado). Ou seja, tal instrumento constitui-se em força motriz para que os setores organizados da sociedade civil se mobilizem e atuem em áreas de maior impacto social, mediante atitudes instrumentalizadas em ações voluntárias, que não visem lucros, e que tenham enfoque na erradicação de desigualdades sociais. (BRESSER PEREIRA, 1999, p. 09)

Mediante esse panorama, por meio do Decreto Federal 1.366/95, instituiu-se o Programa Comunidade Solidária, com o objetivo de coordenar as ações governamentais cujo objetivo era o atendimento de parcela da população que não dispunha de recursos suficientes para prover as suas necessidades básicas e, em especial, o combate à pobreza e à fome (Decreto 1.366/95, Art. 1º Caput.).

À posteriori, e ainda com o fim de fortalecer a concepção do Decreto 1.366/95, surge a Lei nº 9.790/1999, que dispõe sobre as chamadas OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), como entidades privadas de interesse público, e instituiu o termo de parceria a ser firma com o Poder Público (Estado, em qualquer de suas esferas). A Lei definiu também que seria o Ministério da Justiça que concederia esse título (OSCIP) às instituições que se encaixassem nas qualificações exigidas. Logo após, em 2011, surge o decreto federal que altera o referido dispositivo, instituindo o “Edital de Concurso de Projetos” pelo órgão estatal parceiro para a “obtenção de bens e serviços e para a realização de atividades, eventos, consultoria, cooperação técnica e assessoria, com o meio obrigatório para a seleção da OSCIP, com o intuito de firmar termo de parceria”. (BRASIL, Decreto nº 3.100/99, Art. 8º, caput)

Contudo, podemos assegurar que a relação entre Organização da Sociedade Civil e poder público aperfeiçoou-se com o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, publicado em 2014, com a Lei 13019/2014. Essa lei, regulamentada pelo Decreto 8.726/2016, é o instrumento que rege atualmente a parceria entre Estado e as OSCs no que tange a serviços públicos estatais que visam à melhoria, crescimento e qualidade total nos serviços públicos ofertados à sociedade civil. Como previa Bresser Pereira (BRESSER PEREIRA, 1999):

Dentro do contexto da Reforma Gerencial de 1995, a gestão pela qualidade total ganhou vida nova. As diferenças eram claras: enquanto a administração privada é uma atividade econômica controlada pelo mercado, a administração pública é um empreendimento político, controlado politicamente. Na empresa privada, o sucesso significa lucros; na organização pública, significa o interesse público. É possível transferir os instrumentos de gerenciamento privado para o setor público, mas de forma limitada. Pode-se descentralizar, controlar por resultados, incentivar a competição administrada, colocar o foco no cliente, mas a descentralização envolve o controle democrático, os resultados desejados devem ser decididos politicamente, quase-mercados não são mercados, o cliente não é apenas cliente, mas um cliente-cidadão revestido de poderes que vão além dos direitos do cliente ou do consumidor. Com a explicitação dessas diferenças e o aumento da autonomia e da responsabilização que os dirigentes estão assumindo no âmbito da reforma, o controle de qualidade na administração pública ganhou legitimidade e tornou-se a estratégia gerencial oficial para a implementação da reforma. (BRESSER PEREIRA).

Esse modelo de parceria entre o Estado e a sociedade civil organizada teria o “Contrato de Gestão” (atualmente chamado de “Termo de Colaboração”, pela Lei 13.019/2014) como meio de fiscalizar as práticas administrativas das OSCs. Nas palavras de Violín (2006, p. 200): “por meio do contrato de gestão, o núcleo estratégico define os objetivos das entidades executoras e os respectivos indicadores de desempenho, e garante a essas entidades os meios humanos, materiais e financeiros para sua execução”. Dessa forma, o Estado continua como o grande fomentador da oferta desses serviços, apenas não seria mais o executor, embora mantenha sob seu controle a qualidade das ações das OSCs, por meio dos órgãos estatais de controle. (FERREIRA, 2017, p. 138)

O antigo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE, 1997) cita ainda outras vantagens das parcerias:

Do ponto de vista da gestão de recursos, as Organizações Sociais não estão sujeitas às normas que regulam a gestão de recursos humanos, orçamento e finanças, compras e contratos na Administração Pública. Com isso, há um significativo ganho de agilidade e qualidade na seleção, contratação, manutenção e desligamento de funcionários, que, enquanto celetistas, estão sujeitos a plano de cargos e salários e regulamento próprio de cada Organização Social (Cadernos do MARE, Cad. 2, p. 15, 1997). Verifica-se também nas Organizações Sociais um expressivo ganho de agilidade e qualidade nas aquisições de bens e serviços, uma vez que seu regulamento de compras e contratos não se sujeita ao disposto na Lei nº 8.666 e ao SIASG. (Cadernos do MARE, Cad. 2, p. 16, 1997). Do ponto de vista da gestão orçamentária e financeira as vantagens do modelo organizações sociais são significativas: os recursos consignados no Orçamento Geral da União para execução do contrato de gestão com as Organizações Sociais constituem receita própria da Organização Social, cuja alocação e execução não se sujeitam aos ditames da execução orçamentária, financeira e contábil governamentais operados no âmbito do SIAFI e sua legislação pertinente; sujeitam-se a regulamento e processos próprios (Cadernos do MARE, Cad. 2, p. 16, 1997). No que se refere à gestão organizacional em geral, a vantagem evidente do modelo Organizações Sociais é o estabelecimento de mecanismos de controle finalísticos, ao invés de meramente processualísticos, como no caso da Administração Pública (Cadernos do MARE, Cad. 2, p. 16, 1997).

Com relação a esses pontos, quando da efetivação da reforma do Estado, sobretudo nos governos FHC, surgiram muitas críticas. Para Lúcia Cortes da Costa, a flexibilização da administração pública é importante para acabar com a burocracia e hierarquia, contudo, “sem um plano de carreira e sem a devida revalorização do servidor público, não há como criar uma cultura gerencial qualitativamente melhor” (COSTA, 1998, p. 191).

Segundo Lustosa da Costa (2010), faltou ao governo discutir melhor as funções do Estado, as políticas necessárias, a relação que deveria se estabelecer entre Estado e sociedade, assim como o modelo de gestão pretendido para a coisa pública. O que se observa é que houve uma discussão intensa sobre a função pública, esquecendo-se desses outros fatores importantes, o que tornou a reforma ainda mais polêmica, segundo os mais críticos. Tal linha de pensamento fica clara nas asserções de Lustosa da Costa:

Na verdade, foi o governo que, ao propor as modificações na Constituição e na legislação ordinária, conferiu excessiva ênfase ao problema do servidor público. Isso não quer dizer que a questão da estabilidade e de outras garantias não seja importante e não deva ser debatida pelo Congresso Nacional e por toda a sociedade nele representada. Continua sendo necessário clarificar de uma vez por todas as relações contratuais que o Estado deve manter com as diferentes categorias de servidores. Só assim será possível estabelecer um criterioso e arrojado programa de valorização da função pública. Mas, se a questão fosse apenas demitir funcionários, o governo teria à sua disposição uma série de mecanismos que lhe permitiriam atingir esse propósito, sem a necessidade de gerar tanta controvérsia. […] Entretanto, ao contrário do que foi feito, um programa de reforma do Estado deveria começar pela discussão das grandes missões do Estado moderno, de sorte a precisar o alcance de sua ação legítima. É identificando e definindo as políticas públicas e as esferas de governo que devem implementá-las que o agente modernizador pode estabelecer objetivos em termos de desestatização, democratização e flexibilização. […] Só depois dessas definições é que se deveria ter começado a discutir a função pública. Sabendo-se quais são as atividades típicas de governo, as políticas a implementar e as formas de geri-las, tornar-se-ia possível configurar os diferentes tipos de relações contratuais que o Estado deve manter com os seus servidores e empregados (LUSTOSA DA COSTA, 2010, p.175-176).

Outro ponto em questão é que, para Lustosa da Costa, o entendimento dos reformadores partia da premissa de que “com uma estrutura menor, com menor gasto de recursos, é possível realizar as mesmas funções, o mesmo número de atividades, e aí se incluem as fusões e incorporações, os cortes de pessoal, enxugamento de estruturas” (LUSTOSA DA COSTA, 2010, p. 177). Contudo, na visão do autor, esse era um pensamento equivocado, já que deixava de lado o verdadeiro foco que deveria ser a elevação da qualidade dos serviços públicos prestados, em detrimento de oferecer o serviço só pensando na redução de gastos.

Contudo, o que não é observado pelos críticos, é que esse novo Estado, pós-reforma, foi concebido por uma estrutura técnica racional, o que o tornou mais ágil no desempenho de suas funções e mais eficaz em face das novas necessidades advindas da reordenação política e econômica do mundo contemporâneo, utilizando-se, para isso, de todos os meios legais e possíveis, no que se enquadra a descentralização. Para Di Pietro (1997):

[…] o que muda é principalmente a ideologia, é a forma de conceber o Estado e a Administração Pública. Não se quer mais o Estado prestador de serviços; quer-se o Estado que estimula, que ajuda, que subsidia a iniciativa privada; quer-se a democratização da Administração Pública pela participação dos cidadãos nos órgãos de deliberação e de consulta e pela colaboração entre o público e privado na realização das atividades administrativas do Estado; quer-se a diminuição do tamanho do Estado para que a atuação do particular ganhe espaço; quer-se a flexibilização dos rígidos modos de atuação da Administração Pública, para permitir maior eficiência; quer-se a parceria entre o público e o privado para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais, a Administração Pública autoritária, verticalizada, hierarquizada (PIETRO, 1997, p. 11-12).

As bases dessa reforma fundamentaram-se no ajuste fiscal, enfocado na diminuição do quadro de servidores e modernização da Administração Pública, mediante o fortalecimento do núcleo estratégico do Estado – legislação, formulação de políticas públicas, fiscalização, regulamentação e financiamento de recursos – bem como de parcerias com setores e serviços da sociedade civil (BRESSER PEREIRA, 2001; AZEVEDO; ANDRADE, 1997).

COSTA (1998) faz uma crítica sobre a publicização e privatização assumida na reforma do Estado, afirmando que foi na verdade uma forma de fortalecimento do Estado de per si e “não na regulação social sobre as desigualdades que o mercado cria, e sim nas transformações de tudo o que antes era regulação em mecanismo de mercado”. (COSTA, 1998, p. 200)

Nós temos uma presença forte do Estado em áreas como saúde, educação e cultura. Com isso, a sociedade civil se retrai e delega ao governo o controle dessas áreas. Quando precisa de um hospital em um bairro, por exemplo, ninguém pensa em se organizar e buscar recursos; o que as pessoas fazem é se voltar para o governo. E, na verdade, a essência da filantropia é a autorregulação social. Por esse motivo, a ideia filantrópica no país está ligada ao conceito de assistencialismo. Só que isso é um equívoco:  mais do que boas ações isoladas ou caridade, a filantropia busca realizar mudanças estratégicas, efetivas e de longo prazo que promovam desenvolvimento econômico e social, e aqui vem coadunar o ideário de Estado reformado cujo conceito está taxado no MARE (Cadernos do MARE, Cad. 2, 1997).

De acordo com o art. 2º, da Lei 13.019/2014 (MROSC): “As parcerias disciplinadas nesta lei respeitarão, em todos os seus aspectos, as normas específicas das políticas públicas setoriais relativas ao objeto da parceria e as respectivas instâncias de pactuação e deliberação (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)”. Com isso, coloca-se em relevo que, apesar de não ser o Estado o executor dos projetos, objeto de parcerias entre si e as OSCs, mantém-se o compromisso de respeito às normas específicas das políticas públicas setoriais que estariam presentes, caso o próprio Estado estivesse ou esteja executando o serviço à sociedade. Portanto, não haveria que se falar em desvio com a publicização, objeto da reforma iniciada em 1995 (BRASIL, 2014).

2.2 OSCs distribuídas por regiões administrativas no Distrito Federal

Para que se possa fazer uma análise criteriosa sobre o crescimento da parceria estatal com as instituições filantrópicas e, por conseguinte, uma análise sobre a efetividade e eficácia da qualidade de serviços públicos desenvolvidos junto à população por ditas OSCs, com a sua publicização, far-se-á necessário identificar quantitativamente primeiro, por meio de gráficos, a quantidade de instituições existentes por regiões administrativas no Distrito Federal e a quantidade de pessoas envolvidas. Tal análise busca identificar se verdadeiramente áreas consideradas de maior vulnerabilidade são o foco das instituições e de aporte de recurso pelo Estado.

Utilizar-se-á como corpus para a análise nesta seção, instituições filantrópicas que se dedicam à educação infantil e alunos matriculados nessas instituições. As Regiões Administrativas foram aqui definidas como áreas não vulneráveis, áreas vulneráveis e áreas mais vulneráveis, segundo dados referentes à renda per capta de seus moradores (Wikipédia, 2023).

1 – Áreas não vulneráveis – Foram classificadas como áreas não vulneráveis, conforme tabela no anexo 1, as cidades cuja renda per capta de seus habitantes está registrada entre os valores R$ 6.778,00 (seis mil, setecentos e setenta e oito reais) e R$ 3.742,00 (três mil, setecentos e quarenta e dois reais), inclusive (WIKIPEDIA, 2023);

2 – Áreas vulneráveis – Foram classificadas como áreas vulneráveis, conforme tabela no anexo 1, as cidades cuja renda per capta de seus habitantes está registrada entre os valores R$ 2.381,10 (dois mil, trezentos e oitenta e um reais) e R$ 1.596,40 (mil, quinhentos e noventa e seis reais e quarenta centavos), inclusive (WIKIPEDIA, 2023);

3 – Áreas mais vulneráveis – Foram classificadas como áreas mais vulneráveis, conforme tabela no anexo 1, as cidades cuja renda per capta de seus habitantes está registrada entre os valores R$ 1.351,20 (mil, trezentos e cinquenta e um reais e vinte centavos) e R$ 797,10 (setecentos e noventa e sete reais e dez centavos), inclusive (WIKIPEDIA, 2023).

Os dados e valores da renda per capta de todas as cidades estão registrados na tabela demonstrada no ANEXO deste trabalho.

Com a coleta dos dados, utilizamos a ilustração, por meio de figura em gráfico, para uma maior percepção visual da real situação de atendimento à comunidade por essas instituições que representam o Estado junto às comunidades que usufruem de serviços de caráter público, embora executados por instituições privadas.

Figura 1. Gráfico de Instituições localizadas em áreas segundo a renda per capta no Distrito Federal

Fonte: própria

Figura 2. Gráfico de alunos matriculados em instituiçoes localizadas em áreas segundo a renda per capta de seus habitantes, no Distrito Federal

Fonte: Dados educacionais 2023

Percebe-se que as áreas mais vulneráveis são as que atualmente mais atraem o surgimento de novas ONGs (FERNADES, 94, P. 67). Se somarmos as áreas mais vulneráveis com as vulneráveis, perceber-se-á que, juntas, comportam quase 80% de todas as ações filantrópicas. Este fato é visto como algo natural, já que são as áreas que mais despertam os anseios de instituições filantrópicas, por expressarem maiores carências em serviços públicos, foco das instituições.

Segundo Fernandes (1994), as ONGs surgem de forma massiva no continente a partir da década de 1970 e, no, Brasil, especificamente na década de 1980. O Brasil, atualmente, detém quase 25% de todas as ONGs da América Latina, dado o seu tamanho e a sua população (FERNANDES, 1994, P. 70).

De acordo com os dados tabulados e copilados de sítios oficias (DADOSEDUCACIONAIS, 2023), percebe-se que o número de pessoas alcançadas pelas instituições filantrópicas, com os projetos sociais desenvolvidos, é muito superior nas áreas de maior vulnerabilidade, o que já era de se esperar, já que o intuito do Estado, com a publicização de serviços públicos, e todo o seu esforço legal (BRASIL, 2014), objetiva principalmente o alcance maior e com maior qualidade de sua presença junto às comunidades mais vulneráveis, valendo-se, para isso, da capilaridade dessas instituições.

Outro motivo que pode justificar uma maior adesão a esses serviços é dicotômico, pois, enquanto nas áreas não vulneráveis as famílias, por diversas razões, não acreditam que os serviços públicos ministrados de forma pública e gratuita, ainda que por instituições privadas, possam ser de qualidade, nas áreas mais vulneráveis a percepção é diferente. Há, inclusive, um clamor social para que tais serviços sejam ampliados. Talvez porque não haja muita escolha para as famílias mais vulneráveis que, ao provarem o atendimento, passem a aprová-lo por conhecerem as instituições e por estas se esforçarem na busca de qualidade para os serviços. Mister acrescentar que há também uma fiscalização do Poder Público visando exatamente à efetividade e qualidade dos serviços prestados.

A comunidade, por sua vez, ao desfrutar de serviços essenciais como saúde e educação, dentre outros, torna-se socialmente empoderada, pois a educação, por exemplo, é uma das mais eficazes ferramentas de transformação social. Gomes de Castro (REPOSITÓRIO, 2018, p. 12) lembra bem que o acesso ao ensino particular, por meio dos serviços dessas instituições, é forma de viabilizar acesso a posições na pirâmide social, dada a qualidade do ensino.

2.3 A Lei 13.019, de 31 de julho de 2014

Era necessário criar uma lei específica que regesse a relação do Estado com as Instituições Organizadas da Sociedade Civil, visando “maior transparência e democracia na efetivação dessas ações, e, ainda, o fortalecimento da sociedade civil, sem deixar de observar os princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade e da eficiência” (BRASIL, 2014).

A Lei Federal nº 13.019/2014 estabeleceu novas regras para firmar parcerias entre a Administração Pública e as OSCs. A lei prevê que quando não houver transferência de recursos financeiros, deverá ser celebrado um Acordo de Cooperação. Já quando a parceria envolver a transferência de recursos financeiros, deverá ser celebrado Termo de Colaboração ou o Termo de Fomento (BRASIL, 2014).

O Chamamento Público, instrumento usado para garantir igualdade de competição entre as OSCs na busca por recursos públicos e a seleção da melhor proposta, é o procedimento destinado a selecionar OSC para celebrar parceria com a Administração Pública. O Chamamento Público observará critérios claros e objetivos estabelecidos no edital, que garantam a presença dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e os princípios específicos das políticas públicas setoriais (BRASIL, 2014).

A Lei 13.019/2014 prevê, em seu art. 29 e 30, a possibilidade de se realizar parcerias sem que haja a necessidade de se fazer chamamento público, sem, contudo, ferir os princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade e da eficiência” (BRASIL, 2014).

De acordo com o procedimento de Manifestação de Interesse Social, por meio do qual os cidadãos, as OSCs e os movimentos sociais provocam a Administração Pública a reagir sobre a viabilidade de realizar o chamamento público para determinada política pública. As propostas enviadas descreverão o interesse público envolvido e a realidade a ser modificada, melhorada ou desenvolvida. É mister destacar que a OSC autora da proposta aprovada não desfruta de qualquer vantagem no chamamento ou direito de execução do projeto (BRASIL, 2014).

O art. 33 da Lei Federal n° 13.019/2014 estabeleceu alguns requisitos para que uma OSC celebre parceria com o Poder Público:

Figura 3. Exigência da lei para que OSCs firmem convênio com o Poder Público

ESTATUTO QUE CONTENHATEMPO DE EXISTÊNCIA MÍNIMO (CNPJ)EXPERIÊNCIA PRÉVIACONDIÇÕES MATERIAIS E CAPACIDADE TÉCNICA E OPERACIONAL
Objetivo a execução de atividades Cláusula de transferência do patrimônio líquido, em caso de dissolução, a outra pessoa jurídica de igual natureza e preferencialmente com igual objeto social   Cláusula prevendo a escrituração de acordo com as Normas Brasileiras de Contabilidade3 anos para parcerias com a União 2 anos para parcerias com o Estado e o Distrito Federal 1 anos para parcerias com Municípios1 anoComprovada

Fonte: ENTENDENDO-A-LEI- 2023

O art. 34, da Lei 13019/14 ainda estabelece outros documentos a serem apresentados necessariamente: certidão de regularidade fiscal, previdenciária, tributária, de contribuições e de dívida ativa, certidão ou cópia do estatuto da entidade, ata de eleição do quadro dirigente, comprovante de endereço da OSC e relação dos dirigentes, contendo nome, endereço, RG e CPF (BRASIL, 2014).

Com exceção da obrigatoriedade de chamamento público para celebração de parcerias para execução de atividades nas áreas de Assistência Social e Educação, nos casos em que haja credenciamento dessas instituições pelas secretarias gestoras da política, como dispõe o art. 30, inciso VI da Lei 13019/2014, todas as novas regras contidas no MROSC aplicar-se-ão às OSCs que atuem nas áreas de assistência social e educação. Além disso, o artigo 2º-A prevê expressamente que as parcerias respeitarão as normas específicas das políticas públicas setoriais concernentes ao objeto da parceria e as respectivas de pactuação e deliberação.

Também os artigos 27, § 1º e 59, § 2º preveem que os respectivos conselhos se responsabilizarão pela comissão de seleção de propostas, bem como pelo monitoramento e avaliação das parcerias financiadas com recursos de fundos específicos, respeitadas as exigências do MROSC.

Com relação às entidades de assistência social, o tipo de parcerias proposto pela Lei Federal n° 13.019/2014 não contraria as diretrizes e parâmetros estabelecidos nas normas vigentes no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. O citado artigo 2º-A reconhece a importância e influência da Comissão Intergestores Bipartite e da Comissão Intergestores Tripartite e dos Conselhos Federal, Estaduais e Municipais. Concomitante a isso, os conselhos sustentam o importante papel de acompanhar e fiscalizar a execução das parcerias entre as entidades de assistência social e a gestão local, e sem prejuízo da fiscalização pela administração Pública e pelos órgãos de controle, conforme estabelecido no art. 60 da Lei Federal n° 13.019/2014. (BRASIL, 2014)

De acordo com o art. 46, da Lei Federal n° 13.019/2014, torna-se possível remunerar trabalhadores do projeto que irão executar a parceria, inclusive de pessoal próprio da organização da sociedade civil, compreendendo as despesas com pagamentos de impostos, contribuições sociais, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, férias, décimo terceiro salário, salários proporcionais, verbas rescisórias e demais encargos sociais e trabalhistas, durante a vigência da parceria. Qualquer despesa para custeio da parceria, antecipadamente prevista no plano de trabalho do termo de colaboração ou termo de fomento, poderá ser executada com recursos da parceria, inclusive despesas de pessoal, diárias e custos indiretos ligados à execução do objeto. O art. 45 da Lei estabelece algumas vedações: despesas não condizentes com a finalidade da parceria, pagamento de servidores ou empregados públicos. (BRASIL, 2014)

Por meio do acompanhamento das parcerias subjaz a possibilidade de utilização de apoio técnico de terceiros (outros entes públicos, ou entidades próximas ao local onde é executada a parceria), com o intuito de promover um acompanhamento mais eficaz e assertivo quanto aos resultados da parceria. As informações coletadas por meio do monitoramento serão objeto de um relatório para a Comissão de Monitoramento e Avaliação, órgão colegiado, instituído por ato normativo próprio, que tem por atribuição acompanhar a execução das parcerias e analisar os relatórios de monitoramento e avaliação, emitindo parecer sobre ele. A ideia da Lei Federal n° 13.019/2014 é fortalecer o monitoramento para facilitar a confirmação do cumprimento do objeto e do alcance da finalidade da parceria durante a análise da prestação de contas. É proibida a exigência de contrapartida financeira como condição para a celebração, podendo, no entanto, tal contrapartida ser ofertada voluntariamente pela OSC. A contrapartida não financeira (em serviços e bens), quando exigida, deve ser informada no termo de colaboração e fomento, como determina o art. 35, §1° da Lei (BRASIL, 2014).

A Lei traz como algo novo uma prestação de contas com foco em resultados, desburocratizada. A OSC deverá apresentar elementos que possibilitem à Administração Pública avaliar se houve o cumprimento das metas e objetivos, ou seja, o alcance do objeto. Geralmente, solicitar-se-á uma prestação de contas simplificada. Em parcerias em que não seja comprovado o cumprimento de metas e do objeto acordado, solicitar-se-á apresentar documentos complementares de comprovação de despesas. Outra inovação é a previsão de que a prestação de contas efetuar-se-á eletronicamente, o que enseja maior transparência e dinamismo. Vale ressaltar que a Lei abre espaço para que outros entes federados (Municípios, Estados-membros e Distrito Federal) estabeleçam as suas próprias regras. Porém, ela também estabelece a necessidade de capacitação (por meio do fornecimento de manuais, por exemplo) para orientar todos os envolvidos na parceria sobre as regras a serem seguidas (BRASIL, 2014).

A Administração Pública deverá aplicar sanções à OSC quando verificar que a execução do objeto ocorreu de forma estranha ao previsto no plano de trabalho. Somente ministros e secretários estaduais ou municipais podem aplicar as sanções previstas na Lei. Além disso, a Lei Federal n° 13.019/2014, reforça a responsabilidade dos servidores públicos ao alterar a Lei Federal nº 8.429/1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa. Incluiu-se como ato de improbidade administrativa: (i) “frustrar a licitude de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos”; (ii) “agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas”; e (iii) “descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas”, entre outros (BRASIL, 2014).

Outro ponto relevante é a previsão de fortalecimento das organizações filantrópicas, ou seja, fortalecimento da própria sociedade civil, já que esta é representada por aquelas. A Lei 13.019/2014, a partir de seu art. 13, prevê tal fortalecimento, divulgando trabalhos bem-sucedidos desenvolvidos por ditas instituições para que sejam modelos para as demais. A lei prevê ainda a possibilidade de criação de conselho nacional e/ou regionais para o fomento, com a finalidade de divulgar boas práticas e de propor e apoiar políticas e ações voltadas ao empoderamento das relações de fomento e de colaboração (BRASIL, 2014).

Resta, portanto, evidente que a Lei 13.019/14, chamada de MROSC, novo marco regulatório das parcerias entre Estado (em todas as suas esferas) e instituições civis da sociedade organizada, ONGs, trouxe maior transparência e segurança jurídica para as instituições privadas. Antes do novo marco, muitas delas eram prejudicadas por serem vulneráveis, sob um ponto de vista político, dependendo da benevolência de agentes políticos. A Lei, por fim, estabeleceu parâmetros claros de responsabilidade para ambos os sujeitos envolvidos na parceria.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A prática ou os procedimentos metodológicos dizem respeito ao conjunto de ações e decisões com relação à eleição das técnicas usadas na pesquisa e na metodologia para a construção de um trabalho científico. É importante fazermos uma diferenciação entre metodologia e procedimentos metodológicos. Metodologia é a ciência que estuda os meios (métodos) da confecção do conhecimento, enquanto que os procedimentos metodológicos são todas as técnicas, opções e escolhas do cientista na aplicação dos métodos de investigação, pois, não há ciência sem o emprego de métodos científicos (LAKATOS e MARCONI, 1986).

Para a confecção deste trabalho, buscamos construir um texto científico que alcançasse os objetivos propostos. Assim, buscou-se identificar: (i) se os objetivos lançados com a reforma do Estado, na década de 90, foram ou estão sendo alcançados; (ii) se as propostas lançadas com a publicização de serviços públicos estão, de fato, sendo aplicadas; e (iii) se o “Empoderamento Social” (desfrute de melhor qualidade de vida proporcionada por meio da internalização de direitos e deveres sociais que conscientizam os cidadãos na execução de ações que cobrem de seus representantes políticos atitudes para esse fim) em grupos de pessoas que se encontrem em situação de vulnerabilidade social, é, de fato, perceptível.

O foco deste artigo, logo, é de cunho qualitativo, haja vista que o bojo do trabalho é um resultado crítico-funcional. Para chegar-se a um panorama avaliativo, revisou-se inicialmente a literatura sobre a origem do tema da publicização de serviços no Brasil, oriundo da reforma do Estado, visando a uma maior participação da sociedade organizada para a superação de nós que dificultavam ou dificultam a presença do Estado em áreas (locus) ainda não alcançadas (BRESSER PEREIRA, 1999). A posteriori, tratou-se também do avanço do cabedal legal que se usou para que a relação do Estado com as Organizações da Sociedade Civil fosse algo possível, transparente, producente e estivesse sob a tutela da Lei, até chegar ao ápice dessa relação com o advento do MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil), lei que trouxe grande avanço para a relação Poder público-OSCs (BRASIL, 2014).

Também analisamos os dispositivos da Lei 13.019/2014, identificando quão frutífera é para a comunidade não apenas a sua aplicação, senão também o efetivo conhecimento da mesma pelos cidadãos, objetivando uma conscientização de que, embora as instituições sejam pessoas jurídicas de direito privado, os serviços que elas prestam são serviços públicos, haja visto que são mantidos com verbas públicas, devendo inclusive ser fiscalizadas por aqueles que usufruem de seus serviços e pelos órgãos de controle.

Buscamos, outrossim, trazer dados concretos e atuais, originados na relação do poder público com as instituições filantrópicas (OSCs), e que dessem um panorama de avanço ou retrocesso dessa relação. Tais dados foram coletados em sítios da Internet de órgãos do Distrito Federal, concentrando a pesquisa nessa unidade da Federação. Elaboramos gráficos com os dados coletados para melhor visualização e compreensão do panorama social de serviços prestados pelas instituições filantrópicas. Esses gráficos mostram o quantitativo de instituições e de pessoas alcançadas diretamente nas regiões administrativas do Distrito Federal. Essas regiões foram classificas levando em consideração o poder aquisitivo de seus habitantes.

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

A chamada “Reforma do Estado”, ou melhor, “Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado”, da década de 90, nos Governos FHC, deu maior ênfase ao processo de publicização dos serviços públicos, com o objetivo de colocar parte da responsabilidade do desenvolvimento da Nação sob a responsabilidade da própria sociedade, por meio das Organizações Sociais Não Governamentais (ONGs), e não mais somente do Governo (BRESSER PEREIRA, 1999).

Ao longo dos anos seguintes, o que se viu foi um aumento vertiginoso dessa corrente iniciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso. Essa linha de pensamento, que já era popular na Europa, defende que não somente o Governo pode ser fomentador de desenvolvimento, concebendo liderando a execução de projetos que possibilitem melhor aproveitamento de recursos públicos, no tocante à qualidade e efetividade de seus resultados, mas também instituições da sociedade civil organizada.

O Governo fez a sua parte, criando soluções e removendo entraves para o acesso às verbas públicas. E, por outro lado, a sociedade civil se organiza e cria ONGs para diversos campos de atuação, sobretudo na saúde (o que já ocorria de forma bastante tímida, com as Santas Casas), na educação (ampliando o trabalho de pouquíssimas e louváveis instituições religiosas) e na cultura.

Não obstante, era preciso construir um caminho dentro da legalidade, para que tudo fosse feito à luz da transparência. Surge, com isso, o Decreto Federal 1.366/95, que instituiu o Programa Comunidade Solidária, seguido do ideário de reforma do Estado (Cadernos do MARE, Cad. 2, 1997). Com o fim de fortalecer a concepção do Decreto 1.366/95, surge a Lei nº 9.790/1999, que dispõe sobre as chamadas OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Em seguida, o 3.100/99 altera o decreto anterior, instituindo o Edital de Concurso de Projetos, pelo órgão estatal parceiro, para obtenção de bens e serviços e para a realização de atividades, eventos, consultoria, cooperação técnica e assessoria, como o meio obrigatório para a seleção da OSCIP, com o intuito de firmar termo de parceria. (BRASIL, Decreto nº 3.100/99, Art. 8º, caput).

Mas, o avanço maior se deu com o MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil), regulamentado pelo Decreto 8.726/2016, considerado pelo Governo e pelas OSCs um grande avanço na normalização da relação do Estado com as OSCs, trazendo segurança jurídica para ambos. O número de Termos de Parceria (instrumento usado para legalizar a parceria entre Estado e OSCs) assinados entre Governos, em todas as suas esferas, e OSCs, só vem crescendo ao longo dos anos, demonstrando que a iniciativa do Governo e da sociedade civil organizada foi frutífero, atingindo os seus objetivos.

Não resta dúvida que houve um grande crescimento no empoderamento social, já que o número de cidadãos alcançados com os projetos desenvolvidos pelas OSCs foi muito grande, quando se compara com anos anteriores ao MROSC. O empoderamento social se dá com o desfrute dos projetos sociais aplicados pelas OSCs, custeados com verba pública e fiscalizados não somente pelo Governo, mas também por órgãos de controle, Receita Federal e Ministério Público. Devido à capilaridade das OSCs, distribuídas em áreas mais vulneráveis da Polis, como demonstram os gráficos das figuras 1 e 2, o alcance dos projetos é maior em relação àqueles em condições de vulnerabilidade social.

Outro fator a considerar é o fortalecimento das OSCs que passam a contar com a confiança da sociedade, devido ao trabalho apresentado na própria localidade onde está inserida. Isto faz com que a própria sociedade seja também fomentadora das necessidades da própria instituição, já que o recurso aplicado no projeto deve ser exclusivo para esse fim, não podendo ser usado para a aquisição de bens que, embora necessários para a sobrevivência da própria instituição, não estejam no rol de itens imprescindíveis para a consecução do objeto.

Com a promulgação da Lei 13.019/2014, regulamentada pelo Decreto 8.726/2016, houve um ganho social do ponto de vista do interesse de OSCs em firmar Termo de Parceria com o Estado, pois, agora, há um sentimento de maior perenidade das políticas públicas, com o comprometimento de agentes de Estado e não somente do Governo de plantão.

As ações previstas no texto legal apontam para um empoderamento social, sob um olhar formativo, já que as ações, sejam elas no campo da saúde, da educação, da assistência social ou da cultura, visam à formação do cidadão, levando-o a ter maior percepção de si mesmo e de seus concidadãos, desenvolvendo seu próprio senso crítico que lhe possibilite compreender melhor o seu papel dentro da sociedade.

O conhecimento da Lei também possibilita ao cidadão perceber os seus direitos e deveres. É a compreensão de que, embora haja uma liberação de verba pública, isso não quer dizer que o cidadão deva estar eternamente agradecido e submetido ao governante. A verba é liberada porque é verba pública, e desde a origem está destinada a ser empregada no serviço que atenda a comunidade, não devendo gerar nenhum sentimento de dívida política a ser paga, senão a gratidão do senso-comum para aqueles que, no estrito cumprimento de suas obrigações, contribuíram republicanamente para a realização do bem comum.

Notou-se, por fim, que, na maioria esmagadora dos casos, as OSCs estão localizadas em áreas urbanas, levando atendimento aos cidadãos dessas áreas, majoritariamente. Há que se fomentar o surgimento de OSCs também em áreas periféricas e rurais, para que se leve ao homem do campo e da periferia dignidade, conhecimento e esclarecimento, por meio de projetos, como se faz em áreas urbanas.

A evolução natural e contemporânea do que foi a Reforma do Estado, dos anos 90, como está demonstrado na Figura 2, seria que o atual MROSC atingisse prioritariamente o cidadão da periferia e do campo, áreas de maiores vulnerabilidades sociais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se dizer que a parceria entre Instituições da Sociedade Organizada (OSCs) e a Administração Pública, felizmente, é um caminho sem volta. O MROSC permite que a sociedade civil auxilie o Estado na administração de projetos importantes para a comunidade, em suas mais diversas áreas, como saúde, educação, assistência social e cultura. As experiências adquiridas até aqui nos mostram que houve um ganho satisfatório com a participação direta dessas instituições na concepção e consecução de políticas públicas.

Este artigo se restringiu a analisar dados coletados sob a realidade do Distrito Federal, apenas uma unidade da Federação. Nossa análise concluiu que a sociedade brasileira se tornou mais empoderada ao longo dos últimos 30 anos. O crescimento do número de instituições filantrópicas cresceu exponencialmente nos últimos anos. A própria sociedade compreendeu que é possível complementar as ações governamentais, usando a própria estrutura da sociedade, para desenvolver projetos dentro das comunidades necessitadas.

É a própria sociedade que melhor conhece as suas necessidades e, assim, está mais preparada para apontar a direção do gasto público. Foi com tal espírito que o país deu início às iniciativas de empoderamento do terceiro setor nos anos 90 e que, mais recentemente, foi ampliado pelo MROSC.

O desafio atual, contudo, é ampliar e aprofundar as parcerias dentro do novo marco regulatório para que atinjam prioritariamente comunidades mais vulneráveis socialmente, especialmente aquelas inseridas na periferia de grandes centros urbanos, bem como na área rural.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Decreto Federal 8.726 de 27 de abril de 2016. Regulamenta a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, para dispor sobre regras e procedimentos do regime jurídico das parcerias celebradas entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil. D.O.U. Brasília, DF, 28 de abril de 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8726.htm. Acessado em 12 de maio de 2023.

BRASIL, Decreto Federal 1.366/95. Dispõe sobre o Programa Comunidade Solidária e dá outras providências; D.O.U. Brasília, DF, 13 de janeiro de 1995 e retificado em 18 de janeiro de 1995. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1995/d1366.htm. Acessado em 12 de maio de 2023.

BRASIL, Decreto nº 3.100 de 30 de junho de 1999. Regulamenta a Lei nº 9.790/99, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse público, institui e disci´plina o Termo de Parceria, e dá outras providências; D.O.U. Brasília, DF, 13 de julho de 1999. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3100.htm. Acessado em 12 de maio de 2023

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VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro setor e as parcerias coma administração pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Fórum,2006.


ANEXO

Figura 1. ONGs existentes em cada uma das regiões administrativas

  OSCS POR REGIÃO ADMINISTRATIVA  
BEASLÂNDIAJI Menino Jesus
    CEILÂNDIACentro Social Luterano Cantinho do Girassol
Escola Centro Comunitário da Criança
Instituto Frederico Ozanam
      GAMACentro de Convivência e Educação Infantil Maria Mãe da Providência
Centro de Convivência e Educação Infantil Nossa Senhora do Carmo
Centro de Convivência e Educação Infantil Sagrada Família
Centro de Convivência Educacional Infantil Divino Espírito Santo
    GUARÁCreche Comunitária da QE 38
Creche Sorriso de Maria
Creche Tia Joana do Lúcio Costa
    NÚCLEO BANDEIRANTECentro de Educação Infantil e Assistência Social Leo Tigre Peter
Creche Cantinho de Você
Lar Educandário Nossa Senhora Mont Serrat
    PARANOÁCentro de Educação São Filippo Smaldone – CEFIS
Escola Profa. Maria America Guimarães
Instituto Educacional São Judas Tadeu
    PLANALTINACreche Irmã Dulce
Creche Magia dos Sonhos
Instituto São Vicente de Paulo
              PLANO PILOTOAção Social Paula Frassinetti
Associação de Mães Pais Amigos Reabilitadores de Excep – AMPARE
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE-DF
Associação Pestalozzi de Brasília
Casa da Criança Pão de Santo Antônio
Casa do Pequeno Polegar
Centro Educacional da Audição e Linguagem Ludovico Pavoni – CEAL
Centro Social Comunitário Tia Angelina
Creche Cruz de Malta São João Batista de Jerusalém
Creche Pioneira da Vila Planalto
Creche São Vicente de Paulo
Escola Infantil Casa de Ismael
Escola Infantil Cícero Pereira
JI Casa do Candango
  RECANTO DAS EMASAssociação Beneficente Coração de Cristo
Pró-Vida Centro de Educação Infantil
  RIACHO FUNDO IInstituto de Educação Haidee Neves – IEHN
Instituto de Educação Luiz Hermani
RIACHO FUNDO IIInstituto Nair Valadares – INAV
            SAMAMBAIACentro de Educação Infantil AFMA
Centro Integrado de Educação Infantil Nossa Senhora Mãe dos Homens
Creche Lar de Maria
Creche Maria de Nazaré
Creche Pastor Francisco Miranda
Educandário Espírita Sementinha de Luz
Instituição Educacional Santa Luzia
SÃO SEBASTIÃOInstituto Educacional Dom Leolino e Irmã Cecília Luvizotto
SOBRADINHOInstituto Educacional Pintando o Sete
        TAGUATINGAAssociação de Pais e Amigos Excepcionais e Deficientes – APAED
Casa do Caminho
Centro de Educação Infantil Sonho de Criança – CEISC
Creche Cantinho da Paz
Escola Flor de Lis

Dados coletados no sítio: https://www.educacao.df.gov.br/creches-df/. Acesso em 06/09/2023.


[1] A publicização de atividades é uma forma de descentralização por meio da qual atividades executivas desenvolvidas pela administração direta ou por autarquias tem sua execução repassada para entidades privadas sem fins lucrativos conhecidas como organizações sociais. A publicização de atividade demanda estudos que comprovem ser vantajosa, em sentido amplo, a transferência da execução da atividade por organização social. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/transformagov/catalogodesolucoes/publicizacao-de-atividades. Acesso em: 18/01/2024.


VALDEBERTO PEREIRA DE SOUZA. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (UNICEPLAC). Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: valdebertop@gmail.com.

FERNANDO DE MAGALHÃES FURLAN. Professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (UNICEPLAC). Doutor pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). E-mail: fernando.furlan@uniceplac.edu.br.

A inteligência artificial e os impactos no Judiciário brasileiro – Vol. 2, n. 1, 2024 – Publicado: 14/12/2023

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marco Aurélio Bittencourt – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


A inteligência artificial e os impactos no Judiciário brasileiro

Pedro Gabriel dos Santos Aquino & Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

O presente artigo objetivou compreender os desafios enfrentados pelo Judiciário brasileiro no que tange à implementação da inteligência artificial nas tomadas de decisões. Também buscou identificar experiências de tribunais, órgãos públicos e magistrados, para, a partir delas, discutir como minimizar a não aceitação da tecnologia, baseada na inovação e nos desafios que pretende enfrentar. Foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica e estudos diretos sobre o tema. A partir das pesquisas, foi observado quais as principais barreiras enfrentadas pelos magistrados para adesão à inteligência artificial. Inicialmente, foi constatado que a baixa oferta de treinamento é um fator relevante, uma vez que, para se utilizar tecnologia tão inovadora, devem os magistrados saber exatamente quais pontos deverão merecer maior atenção. Atualmente já há projetos de lei no Congresso Nacional que trazem uma delimitação sobre o uso da inteligência artificial dentro nos tribunais brasileiros. Todavia, para que todos os tribunais comecem a implementar a IA, deve-se voltar atenção maior para a sua regulamentação.

Palavras-chave: 1° inteligência artificial; 2° aplicação no Judiciário; 3° regulamentação; 4º desafios.

Abstract

The present work aimed to understand the challenges faced by the Brazilian judiciary regarding the implementation of artificial intelligence in decision-making, as well as to identify the experiences of public bodies and magistrates, to be able to discuss how to make this non-acceptance based on the challenges minimized. For this, the method of bibliographical research and direct studies on the subject were used. From the research it was observed which the main barriers faced by the magistrates for the adhesion of artificial intelligence are. Initially, it was verified that the low supply of training is a relevant factor, since the use of such an innovative technology would require magistrates to know in advance the points they should pay attention to. In addition to the lack of implementation of a law that deals directly with the subject presented, it is known that currently there are bills in the National Congress which aim at a delimitation on the use of artificial intelligence within the Brazilian courts.

Keywords: 1º artificial intelligence; 2º application in the Judiciary; 3º regulation; 4º challenges.

Sumário

1.       INTRODUÇÃO

2.       INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

2.1.    Sistemas que agem de maneira racional

3.       CONCEITOS OPERACIONAIS

3.1.    Machine learning

3.2.    Deep learning

3.3.    Big data

4.       O USO DA INTELIGENCIA ARTIFICIAL NO JUDICIÁRIO

4.1.    Hórus – Tribunal de Justiça do Distrito Federal

4.2.    Victor- Supremo Tribunal Federal

5.       ATUAL REALIDADE NA TOMADA DE DECISÕES E OS LIMITES JUDICIAIS DE ACORDO COM O PROJETO DE LEI Nº 5.501/2019

6.       CONCLUSÃO

Introdução

O presente artigo tem por objetivo tratar da aplicação da inteligência artificial às decisões judiciais, pois é inegável a evolução da tecnologia dentro das diversas áreas do conhecimento, inclusive na área do direito. É preciso, contudo, refletir sobre a evolução tecnológica e a eventual possibilidade de causar prejuízos. Quando falamos de tutela de bens jurídicos e possíveis desdobramentos que isso pode causar na vida das pessoas, o Poder Judiciário tem a missão de dirimir conflitos e trazer a pacificação social.

Desta forma, a adoção da inteligência artificial pelo Judiciário serve para auxiliar na celeridade e qualidade, objetivando contribuir com o trabalho dos juízes e dos servidores dos tribunais. Para que essa evolução seja bem aceita pelos magistrados e serventuários, deve-se, em primeiro lugar, verificar como o uso da inteligência artificial poderá auxiliá-los, seja para mapear processos em repetição ou proferir decisões, com o auxílio físico do juiz.

A inteligência artificial é uma maneira de reprodução, por meios tecnológicos, dos pensamentos e ações que poderiam ser tomados ou pensados no dia-dia. O Judiciário atualmente tem notado a relevância da tecnologia, de forma geral, para uma abordagem específica, observando, de maneira enfática, a contextualização social e cultural da sociedade. Reparemos que máquinas programadas para tarefas racionais podem oferecer perspicácia em várias facetas da experiência humana, ao passo que os seres humanos empregam a tecnologia para ajustar e aprimorar o seu desempenho.

A inserção da inteligência artificial (IA) nas dinâmicas processuais judiciais traz um alívio, mesmo que ainda não evidenciado, em face de processos novos, pois muitos são os avanços em que a autonomia da inteligência artificial poderá proporcionar aos tribunais. Assim, é crucial que os tribunais realizem uma reestruturação, simplificando procedimentos e assegurando que, ao avaliar o mérito de cada caso, possam atender eficazmente às necessidades da sociedade, sem comprometer os princípios legais fundamentais estabelecidos. Ou seja, entregar Justiça com qualidade e em tempo razoável.

Inicialmente, examinaremos e conheceremos sobre a inteligência artificial e seu progresso tecnológico, no contexto da incorporação dos sistemas aos tribunais brasileiros. Especialmente quando se discute a viabilidade de um “juiz-robô”, na perspectiva jurídica de poder e ter a capacidade jurídica e ética para tomar, de forma autônoma, uma decisão. A inteligência artificial, no âmbito jurídico, é percebida como uma ferramenta criada pela humanidade para auxiliar os tribunais na sua adaptação às crescentes exigências da sociedade contemporânea.

No terceiro capítulo, iniciaremos nossa análise explorando os conceitos da inteligência artificial. Posteriormente, abordaremos os conceitos de machine learning, big data e deep learning, com um enfoque mais específico nas distintas facetas tecnológicas que compõem a inteligência artificial. Consideraremos como a crescente busca por avanços tecnológicos trouxe, ao campo jurídico, a adoção de sistemas que refletem a perspectiva dos profissionais do direito em direção a um contínuo esforço de progresso e melhoria no sistema de Justiça.

Em seguida, no quarto capítulo, abordaremos o uso e os impactos da inteligência artificial no Poder Judiciário, com base nos princípios e no direito. Nosso objetivo é compreender os benefícios que acompanham a aplicação da inteligência artificial, examinando as crescentes expectativas da sociedade em relação ao Judiciário, desde o momento da entrada de um pedido, até a prolação de uma decisão final. Para ilustrar, consideraremos dois projetos, já em uso no Brasil, como exemplos: o sistema “Hórus”, adotado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, e o sistema “Victor”, atualmente em uso e atualização pelo Supremo Tribunal Federal. Esses sistemas foram projetados para processar informações em larga escala de maneira significativamente mais rápida do que os seres humanos.

No quinto e último capítulo, o tema central de discussão se concentra na necessidade de analisar cada caso de forma individualizada. Partimos do pressuposto de que a maioria da população brasileira vê o Poder Judiciário como a única instância para a resolução de conflitos, o que, por sua vez, leva a uma sobrecarga do sistema, potencialmente resultando em dificuldades na prestação eficaz de serviços jurisdicionais. Além disso, abordaremos proposições legislativas que destacam a importância da proteção da privacidade, dos dados pessoais, da transparência e da supervisão humana na operação de sistemas de inteligência artificial. A ênfase será sempre na busca pela qualidade e eficiência dos serviços oferecidos à sociedade.

O desenvolvimento deste artigo seguirá uma abordagem metodológica, baseada em pesquisa bibliográfica-documental, como procedimento técnico. O método de abordagem empregado será o dedutivo, e a análise adotada terá uma natureza predominantemente qualitativa. Para obter uma compreensão abrangente do cenário social atual, relacionado à adoção de novas tecnologias, recorreremos a uma variedade de fontes, incluindo livros, estudos acadêmicos, recursos online, artigos científicos, periódicos, monografias e textos legislativos.

2. Inteligência artificial e desenvolvimento tecnológico

A inteligência artificial é uma forma de reprodução do pensamento e ações humanas, realizada por sistemas e máquinas, a partir de robôs, com a capacidade de realizar tarefas que vão além do simples raciocínio lógico e respostas rápidas que, na maioria as vezes, exigem de interferência humana. Atualmente, um robô ou sistema com inteligência artificial, tem, na maioria das vezes, a plena capacidade de raciocinar de maneira autônoma. Quando falamos da inserção da inteligência artificial no direito brasileiro, devemos ir muito além de pensar somente em sistema, mas devemos considerar, também, a agilidade na prestação jurisdicional e a contextualização social e cultural, pois são importantes e fundamentais para o direito. (NICOLA, 2021)

Por meio da inserção da (IoT) Internet of Things, popularmente conhecida como “Internet das coisas”, a capacidade de conectividade, como, por exemplo, na casa inteligente, da inteligência artificial traz consigo centenas de possibilidades a partir de conectividades parecidas com essa para o meio jurídico. (NICOLA, 2021)

O aprendizado rápido e assertivo faze parte de um conjunto de algoritmos sofisticados, que estimulam o aprendizado por meio de processamento, análise e pesquisa de dados, além da coleta de informações. Dessa maneira, o sistema pode simular o raciocínio de um profissional do Direito. Atualmente, esses softwares vêm sendo usados de maneira difundida nos escritórios de advocacia, mas também nos tribunais, uma vez, que são utilizados como um suporte, o que traz uma organização e agilidade maior ao trabalho. Para que um sistema de software se torne uma solução de inteligência artificial é necessário, de forma genérica, que deixe de, simplesmente, auxiliar e passe a exercer atividade direcionada à decisão, atuando como assistente virtual dos profissionais e tribunais.

Existem dois tipos de inteligência artificial, que se relacionam bem com o mundo jurídico: (i) a inteligência artificial forte, ramificação da inteligência artificial em que o sistema tem uma maior assertividade de raciocínio lógico, uma autoconsciência que emula o raciocínio lógico com perfeição; e (ii), a inteligência artificial fraca, que não tem a capacidade de imitar o raciocínio humano, pode também auxiliar de maneira assertiva, tratar um grande volume de dados, elaborar relatórios, porém, sem a capacidade da consciência humana. Nesse caso, as máquinas utilizam softwares e algoritmos criados para finalidades específicas, como simular uma conversa humana, por exemplo, o ChatGPT[1].

As mudanças que a tecnologia trouxe na última década foram de grande importância para o desenvolvimento mundial. O aperfeiçoamento da inteligência artificial (IA) e de muitas outras manifestações digitais trouxeram novos desafios inimagináveis para a humanidade, sobretudo, ao mundo jurídico, uma seara com poucas inovações até recentemente. Esse incessante avanço científico e tecnológico tem contribuído de maneira altamente positiva em várias disciplinas do conhecimento humano. À medida que nos deparamos com um vasto leque de possibilidades, vários especialistas e pesquisadores propõem a perspectiva de um futuro iminente, onde a inteligência artificial possa vir a suplantar ocupações atualmente conduzidas por seres humanos. (BUBNOFF; SERRANO, 2023).

Nesse sentido, a Doogue O´Brien George[2], uma firma de advocacia da Austrália, lançou um serviço de consultas online, uma espécie de advogado robô, que proporciona às pessoas a oportunidade de se prepararem para comparecer a um tribunal e defender os seus interesses, por meio da defesa adequada, sem a presença de um advogado, por meio de um texto escrito com base em informações inseridas no seu banco de dados. Hoje em dia, a inserção da IA dentro do Judiciário está também presente no exterior. Um sistema chamado Smartsettle[3] tem ajudado a resolver conflitos judiciais no Reino Unido. O algoritmo junta as prioridades das partes e ajuda-as a escolher as melhores formas para a resolução do conflito, assim chegando a um ótimo acordo (BUBNOFF; SERRANO, 2023).

Por esse motivo, a inteligência artificial traz consigo a capacidade de receber, processar e a autonomia de autoaprendizagem.

Com base em algoritmos de IA, é possível oferecer recomendações personalizadas para os usuários, seja em sítios de compras, plataformas de streaming ou aplicativos de música. Essas recomendações economizam tempo ao apresentar opções relevantes e interessantes, de forma automática, sem que os usuários precisem procurá-las. A IA também pode ser aplicada para prever falhas e realizar manutenção preditiva em equipamentos e máquinas. Isso ajuda a evitar paradas não intuitivas e reduzir o tempo de inatividade, otimizando o uso dos recursos disponíveis.

As aplicações da tecnologia são diversas e, no conjunto, contribuem para inaugurar uma nova fase no desenvolvimento material humano. Isso abrange a redefinição das dinâmicas comerciais, industriais e laborais, bem como das modalidades de interação social. Nesse contexto, emergem duas vertentes no uso da tecnologia, uma que reafirma nossa humanidade e outra que suscita questionamentos sobre ela. Quando a intensa disseminação dos meios digitais começa a tensionar os direitos individuais como, imagem, privacidade, vida pessoal, dados sensíveis, informações e transações que circulam nas redes sociais a um ritmo veloz, incessante, atemporal e em grande escala – é crucial estabelecer limites para coibir opressão, injustiças, intolerâncias, violência, humilhação, perversidades, variadas formas de subordinação e manifestações de desrespeito. (SARLET, 2022, p.16)

Ao utilizar máquinas como meio de facilitação, substituindo o ser humano em algumas tarefas, isso pode gerar a perda de empregos. Contudo, Russel (2013. p 1188) afirma que alguém poderia argumentar que milhares de trabalhadores foram demitidos por esses programas de IA, mas, de fato, se não houvesse os programas de IA, esses trabalhos não existiriam porque o trabalho humano adicionaria um custo inaceitável às transações. Até agora, a automação por meio da tecnologia de IA, criou mais empregos do que eliminou, e criou empregos mais interessantes e com remuneração mais elevada.

No entanto, é importante mencionar que a IA também apresenta desafios e considerações éticas, como a privacidade dos dados, o viés algorítmico e o impacto no mercado de trabalho. É necessário um desenvolvimento contínuo e uma regulamentação adequada para garantir que a IA seja usada de forma responsável e saudável à sociedade. Contudo, mesmo que a IA já esteja inserida na prestação de serviços, tanto na esfera pública, quanto na privada, percebe-se que ainda há certa resistência no Poder Judiciário, especialmente pelos mais tradicionalistas. Por mais que a IA esteja sendo utilizada em alguns tribunais e escritórios do país, ainda está distante de ser reconhecida como algo essencial.


Gráfico 1. Casos novos, por ramo da Justiça

Fonte: Retirado do site justiça em números CNJ

Gráfico 2. Casos pendentes, por ramo da Justiça

Fonte: Retirado do site justiça em números CNJ

Todavia, quando consideramos o relatório do CNJ (2019), percebemos a essencialidade da tecnologia na prestação jurisdicional, tendo em vista que, durante o biênio 2019-2020, o Poder Judiciário brasileiro acumulou 77,1 milhões de processos em tramitação. As figuras 2 e 3 mostram, em gráfico, esse acúmulo.

2.1. Sistemas que agem de maneira racional

Os testes de Turing[4] são altamente debatidos entre os cientistas da computação, em parte por causa da ambiguidade das regras e dos designs variados dos testes. Por exemplo, alguns testes foram criticados por usar interrogadores “não sofisticados”, enquanto outros testes usaram interrogadores que não tinham consciência da possibilidade de estarem conversando com um computador. Vencedores oficiais ou não, alguns computadores recentes nas competições de Turing são bastante convincentes.  Em 2014, por exemplo, um algoritmo de computador convenceu, com sucesso, um terço dos juízes da Royal Society, do Reino Unido, de que também era humano. (VESELOV, 2014)

A inteligência artificial, como vimos, pode ser usada em várias aplicações. Com isso, a IA pode também ser usada para a revisão de contratos, procedimento historicamente lento, e que revela seu imenso potencial para a automatização. Diversas startups, incluindo Lawgeex, Klarity e Clearlaw, estão desenvolvendo sistemas de inteligência artificial capazes de assimilar contratos propostos de forma automática. (CONTE, 2023)

Adicionalmente, essas plataformas têm a capacidade de analisar os contratos de maneira minuciosa, utilizando tecnologias de processamento de linguagem natural (PLN)[5], e de determinar as cláusulas viáveis de um contrato e quais podem apresentar desafios. Desse modo, a complexidade das obrigações empresariais, diante dos seus públicos interessados, pode ser simplificada. Nesse cenário, a Kira Systems[6] se destaca como um exemplo de empresa que desenvolve essa categoria de plataforma. (CONTE, 2023)

O Ministro Victor Nunes Leal foi membro ativo do Supremo Tribunal Federal (STF) durante 9 anos, de 1960-1969, e teve grande impacto no que diz respeito a novas ideias e grande mudanças. O Ministro Victor foi um dos grandes influenciadores do sistema de jurisprudência dos tribunais, por meio de súmulas. Justamente por esse motivo, hoje, o projeto de Inteligência Artificial do STF carrega o seu nome, como justa homenagem à visão dele.

O Sistema Victor, de inteligência artificial aplicada, é um robô, em fase inicial, que foi alimentado com todas as decisões já proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essa base de dados permite que o sistema auxilie, de maneira prática e eficaz, os magistrados e servidores do tribunal. A expectativa inicial é que essa tecnologia possa agilizar o trâmite processual, otimizar o tempo necessário para análise e reduzir erros, substituindo o processo manual por um mais automatizado.

Enquanto, anteriormente, uma análise puramente manual de um determinado recurso demorava cerca de 44 minutos, o sistema VICTOR é capaz de realizar a mesma tarefa em apenas 5 segundos. Isso indica uma redução significativa do tempo necessário para a realização dessa etapa do processo, o que pode contribuir para uma maior celeridade processual. O Sistema Victor é voltado para a análise de admissibilidade recursal e de repercussão geral. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou, em 2023, os testes de mais uma IA que irá auxiliar no tribunal. Batizada de VitórIA, o sistema visa a ampliar o conhecimento jurídico e fazer uma espécie de triagem de temas repetidos ou similares. A ferramenta fará essa identificação por meio do acervo de processos do próprio tribunal, fazendo, ainda, com que processos de mesmo conjunto possam resultar em uma resolução de repercussão geral. (BRASIL, 2023).

Para o SFT, a utilização de IA é essencial, afirma Rodrigo Canalli, assessor-chefe da Assessoria de Inteligência Artificial (AIA): “é um projeto voltado para ampliar a capacidade de análise de processos, propiciar julgamentos com maior segurança jurídica, rapidez e consistência, evitando, por exemplo, que processos similares tenham tratamento diferente”.

Os bots[7] podem provar ser altamente eficazes em oferecer ajuda legal às massas. A utilização de bots pode se revelar extremamente eficaz ao oferecer assistência jurídica e proporcionar amplo acesso aos serviços legais à população em geral. Um bot de advogado, por exemplo, é, essencialmente, um software que possui a capacidade de desempenhar tarefas automatizadas, normalmente executadas diretamente por um profissional.

Dentre os exemplos mais destacados de bots jurídicos, destaca-se o aplicativo DoNotPay, considerado o pioneiro como advogado virtual; assim como o assistente júnior de escritório, BillyBot. Este último auxilia indivíduos a obter orçamentos para serviços de mediação jurídica. (CONTE, 2023).

E não somente o STF está usando a IA para aprimoramento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua vez, também implementou um sistema de inteligência artificial (IA) chamado Sócrates, que tem como objetivo reduzir o tempo da tramitação processual em cerca de 25%, desde o momento da distribuição até a primeira decisão em recurso especial. Hoje, cada tribunal está trabalhando de forma autônoma, no que diz respeito à inteligência artificial. O próprio sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe) não tem uma padronização entre os tribunais dos estados. (CNJ, 2019).

Hoje, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) lidera o ranking de tribunais, com sistema de inteligência artificial já em funcionamento (CNJ, 2020). Atualmente, o TJDFT conta com quatro projetos, já desenvolvidos e em uso, e mais dois projetos em fase final de testes, sendo eles:

  • Amon – basicamente um sistema de reconhecimento facial, a partir de imagens. Foi desenvolvido com o objetivo de supervisionar a administração unificada do acesso às instalações do tribunal. Desde junho de 2020, esse sistema tem capacidade para verificar a identidade de cada indivíduo, por meio de reconhecimento facial, o que resulta em um aprimorado controle de ingresso no Tribunal. Como resultado, o TJDFT consegue fortalecer a segurança para juízes, funcionários e todas as pessoas que entram nos edifícios da instituição;
  • Artiu – sistema para agilização do envio de mandados à Coordenadoria de Administração de Mandados (COAMA), que necessita do CEP do destinatário para a distribuição e o cumprimento apropriados. Caso essa informação não esteja disponível, devido a dados ausentes ou inconsistências, a inteligência artificial (IA) procura determinar o setor de destino do mandado e, de forma automatizada, realiza os ajustes necessários no endereço. (TJDFT, 2021);
  • Hórus – projeto que conta com aplicação da tecnologia de um sistema vinculado à inteligência artificial e tem se revelado valioso no âmbito judicial, presente também no TJDFT. Essa IA tem sido empregada, com êxito, para agilizar o andamento e a prestação de Justiça. Tanto as Varas de Execuções Fiscais (VEF), quanto os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), têm aproveitado plenamente essa inovação em suas tomadas de decisão. Na VEF, o projeto Hórus foi implantado e trouxe uma notável agilidade na administração de processos já digitalizados. Ele integrou, de maneira eficaz, a digitalização de processos físicos ao PJe e possibilitou movimentações processuais no sistema judicial legado, o SISTJ.

Simultaneamente, o sistema empregado pelos CEJUSCs já possuía a capacidade de importar processos automaticamente. A implementação do projeto no VEF elevou essa capacidade, permitindo que os CEJUSCs classificassem novos procedimentos, por meio de IA avançada, que, por sua vez, enriquecem o aprendizado das máquinas. (DISTRITO FEDERAL, 2019)

O programa “Natureza Conciliação” atende às demandas dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, os CEJUSCs. O sistema de conciliação que esses centros usavam anteriormente, já tinha a capacidade de importar automaticamente processos do PJe, reduzindo-os a termos. Após a conclusão daquele projeto, o sistema agora possui a capacidade de avaliar procedimentos usando o processo de aprendizado da máquina (machine learning).

Cada processo importado cria um procedimento que resulta em uma ou mais sessões de conciliação. Após a sua criação, cada um desses processos deve passar por uma avaliação para obter as informações possíveis para conduzir a sessão. O próprio sistema automatizou essa etapa, que busca eliminar as tarefas repetitivas. (DISTRITO FEDERAL, 2021).

  • Toth – é um sistema em projeto que visa a definir a classe e a(s) matéria(s) do processo, durante o fluxo de peticionamento. Baseia-se no treinamento de algoritmos. Como se trata de um sistema em fase inicial, os testes, quando possíveis, serão realizados na 1º Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões de Santa Maria-DF. São projetos que visam a ajudar o Poder Judiciário do DF e Territórios e, além disso, trazem agilidade e mais assertividade na tomada de decisões. Aliás, o TJDFT está com mais um projeto em desenvolvimento, visando auxiliar os processos de execução fiscal.

Segundo (Rodas, 2022), o desenvolvimento e evolução rápida da Internet e dos sistemas de comunicação levou à criação desse novo formato de interação. Uma vez que os sistemas agora são criados com a finalidade de promover a automatização e os serviços jurídicos, sem a necessária atuação de um advogado, nem todos tem aceitado bem essa nova tendência.

3. Conceitos operacionais

A inteligência artificial implica uma importante e significativa mudança de paradigmas na sociedade contemporânea, um avanço para facilitar as atividades cotidianas. Estamos passando por uma evolução nunca imaginada, principalmente em relação à quantidade de informação recebida e processada ao longo do dia por vários canais, e a responsabilidade no seu tratamento e aplicação.

É perceptível que as tecnologias que vêm sendo criadas atualmente são no sentido de prestar maior e melhor assistência ao ser humano, como, por exemplo, a aplicação nas diversas áreas da ciência e da medicina. Porém, o fascínio tem sido estudar e entender a capacidade da Inteligência Artificial. Após diversas pesquisas, foi possível identificar que uma certa porcentagem da programação é capaz de, compreender, prever, além de perceber situações e manipular ações que sejam até maiores que a sua própria capacidade. Essas percepções são possíveis por conta da capacidade interlocutória que a Inteligência Artificial adquire (RUSSELL; NORVIG, 2013).

De acordo com Russell e Norvig (2013), a inteligência artificial e a computação estão familiarizadas devido à capacidade de processamento e pela conexão da tecnologia presente em ambos. Para Farias e Medeiros (2013), o surgimento do computador integrador, durante as décadas de 1940 e 1950, foi o ponta pé inicial para toda uma geração de computadores e, assim, abrisse as portas para a formalização do conceito conjunto entre algoritmo e computação. 

Outro momento importante na evolução da inteligência artificial foi o final do século XX, quando surgiram novas tecnologias, novos programas inteligentes e máquinas que mostravam ter uma grande capacidade para processar. O objetivo principal dessas máquinas era concorrer, de maneira igualitária, com a capacidade humana. Muitas vezes as máquinas não só conseguiram atingir a meta esperada, como superaram e ultrapassaram os limites estipulados. Certa vez, um computador e um software, criados pela IBM, surpreenderam pela velocidade em realizar cálculos muito complexos. A sensação, para quem estivesse assistindo, era a de que o computador estava, efetivamente, raciocinando (TEXEIRA, 2013).

A inteligência Artificial, além de todas as suas possíveis evoluções, em vários aspectos, busca, de maneira prioritária e essencial, se equiparar à forma de pensar do ser humano. Contudo, na verdade, a IA vem, desde meados dos anos 2000, se mostrando superior ao humano. Segundo Winston (1993), a área de atuação da Inteligência Artificial, vai além da produção de um equipamento ou mesmo de um estudo. Apoiado nesse ponto de vista, um estudo realizado desenvolveu diversas técnicas e ideias, dentre elas a ciência cognitiva, que busca a hipótese de total compreensão, dentro do seu espaço e construção no tempo.

De acordo com Russell; Norvig (2013), a inteligência artificial é uma área amplamente ativa e presente em diversas disciplinas científicas e na educação, tornando desafiador estabelecer uma definição precisa, sendo, em certa medida, uma disciplina empírica. Da mesma forma, Pacheco (2019) concorda que a inteligência artificial está intimamente ligada à engenharia de criação de máquinas inteligentes, com foco principal em programas de computador, destacando que não existe uma definição definitiva para essa área. Assim, é inegável que a base fundamental da inteligência artificial reside na busca pela racionalidade humana e na tentativa de aproximá-la ou até mesmo superá-la.

Dessa forma, a inteligência artificial deixou de analisar pequenas coisas, como linhas e números, e começou a analisar grandes coisas, com maior volume de dados, o chamado big data, de forma simultânea, com dados de diferentes tipos e possibilidades, alterando também a forma de coleta e qualidade.

3.1. Machine learning

Para melhor ilustrar, as áreas de aplicação da Inteligência Artificial dividem-se em três: Machine Learning, Deep Learning e Natural Learning Processing (TACCA; ROCHA, 2018).

O aprendizado de máquina, conhecido por Machine Learning, é uma parte de estudo da Inteligência Artificial, que explora os estudos existentes e a construção de algoritmos computacionais, partindo do aprendizado de dados presentes. A principal finalidade de um sistema de Machine Learning é construir um sistema de computador que tenha um banco de dados já pré-instalado, e que, ao final, gere um modelo de predição, classificação ou detecção, buscando um padrão de vários conjuntos variáveis, com o escopo de prever implicações específicas (ARAÚJO, et al., 2023).

A constante busca por praticidade, otimização e celeridade na resolução de problemas jurídicos resultou na utilização exacerbada do Machine Learning, despertando nos operadores do direito uma necessidade de evoluir. Assim, com o passar do tempo foram desenvolvidas diversas ferramentas com o intuito de economizar tempo, minimizar falhas e auxiliar na tomada de decisões.

Diante disso, softwares vêm sendo desenvolvidos todos os dias. A jurimetria é um exemplo de um software criado com a finalidade de aplicar o direito, por meio de uma análise simples e direta. Os posicionamentos e reiterações que ocorrem no âmbito do Direito visam a conferir efetividade às normas e instituições (MARINHO, et al. 2022. p.11-16).

A jurimetria está se tornando parte integral da prática jurídica cotidiana, à medida que a forma de oferecer e consumir serviços legais passa por transformações significativas. A revolução da ciência de dados e da inteligência artificial, que já revolucionou outros setores nas últimas décadas, chegou inevitavelmente ao campo jurídico. Essa transformação afetará diversos aspectos da profissão jurídica, sendo uma das mudanças mais marcantes a integração da jurimetria com a necessidade dos clientes de ter uma ferramenta habitual para análises, estudos e tomada de decisões. A Tikal Tech, uma startup de tecnologia com sede em São Paulo, está dedicada ao desenvolvimento de soluções inovadoras para o setor jurídico. Eles introduziram a LegalNote, uma ferramenta que faz uso de robôs para rastrear a internet em busca de qualquer alteração ou tramitação dos processos cadastrados por advogados. Após coletar os dados do processo, os robôs passam por um processo de aprendizado de máquina para ler, classificar e identificar as informações pertinentes ao advogado (MARINHO et al. 2022. p.11-16).

É importante destacar que os chatbots não estão destinados a substituir o atendimento humano, ou seja, não são “robôs-advogados” que representem uma ameaça às profissões jurídicas no Brasil. Na verdade, os chatbots inteligentes estão projetados para auxiliar os profissionais, permitindo-lhes concentrar-se em oferecer um atendimento mais eficaz e liberando-os de tarefas repetitivas. Isso proporciona mais tempo para lidar com questões que exigem uma análise mais aprofundada e abrangente. Consequentemente, à medida que o software é utilizado, ele aprende e se torna cada vez mais inteligente e preciso na interação entre o sistema judiciário e a sociedade.

É relevante mencionar que o cientista britânico Stephen Hawking expressou preocupações sobre o potencial risco de a inteligência artificial em robôs representar uma ameaça à humanidade, podendo levar ao fim da raça humana, caso a IA alcance seu pleno desenvolvimento. Em uma conferência realizada em 2015, aquele físico teórico afirmou que “os computadores superarão os humanos com sua IA nos próximos 100 anos.” (HENRIQUE, 2015).

Destaca-se, do mesmo modo, que as ocupações podem ser parcialmente automatizadas, de forma que o objetivo das automatizações e aplicações não é a substituição de um advogado, mas o seu devido auxílio, em determinadas situações. Por exemplo, algoritmos que filtram dados sensíveis (pré-determinados), com a finalidade de trazer mais eficiência ao trabalho dos advogados.

A dinâmica diz respeito à automação na revisão de documentos probatórios em litígios, em que os algoritmos de machine learning não desempenham o papel de substituir – nem têm a capacidade de fazê-lo – tarefas cruciais do advogado. Essas tarefas incluem a determinação da relevância de documentos ambíguos, de acordo com as normas legais vigentes ou a avaliação de seu potencial valor estratégico em um processo judicial (MARINHO et al. 2022. p.11-16).

Em vez disso, em muitos cenários, os algoritmos podem ser eficazes na tarefa de filtrar uma grande quantidade de documentos que, provavelmente, são irrelevantes, permitindo que o advogado economize seus recursos cognitivos limitados ao não precisar analisá-los detalhadamente. Além disso, esses algoritmos podem identificar documentos potencialmente relevantes, destacando-os para chamar a atenção do advogado. Assim, o algoritmo não substitui o advogado, mas automatiza certos aspectos das tarefas (REBELO, 2018).

Os programas e algoritmos de machine learning estão sendo usados para gerar tipos de modelos preditivos, sejam eles aplicados à prática do direito ou não (REBELO, 2018).

Os tribunais de Justiça dos estados divergem em algumas questões no que tange à aplicação de uma norma sobre o assunto, uma vez que ainda não se tem uma legislação clara sobre o tema. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 3ª Vara de Fazenda Pública, o Juiz Luis Manuel suspendeu a licitação para a aquisição de câmeras para o sistema de reconhecimento facial. Em sua decisão, o juiz argumentou que a utilização do reconhecimento facial poderia violar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e representar uma grave ameaça a direitos individuais. Assim escreveu o magistrado (GUIMARÃES, 2023):

“A dimensão do impacto que o sistema tecnológico de monitoramento por reconhecimento facial produz impõe a responsabilidade ao Poder Público de apenas considerar o seu uso após a definição de regras legais precisas que ponderem os objetivos da segurança pública com os direitos fundamentais. Daí porque não há como adquirir o sistema de videomonitoramento sem se saber como esses dados podem ser processados (Lei Geral de Proteção de Dados) e como devem ser ponderados em proteção aos direitos fundamentais”.

A inserção da inteligência artificial dentro do Judiciário é algo controverso, vez que os próprios juízes divergem entre si no que tange à matéria. Alguns processualistas chegam a dizer que a introdução da inteligência artificial viola os princípios da Constituição e as normas nacionais vigentes, presentes no Marco Civil da Internet e do Código de Defesa do Consumidor. O TJMG permitiu ao usuário de um aplicativo o direito de apresentar defesa baseada em dados eletrônicos, uma vez que o uso de recursos digitais se tornou imprescindível no ambiente social (GUIMARÃES, 2023). 

Por sua vez, o TJSP não teve o mesmo entendimento em caso semelhante, em que a inteligência artificial da Amazon, durante uma verificação padrão, suspendeu a conta da usuária-autora, por coincidências entre a conta dela e a de seu noivo, tendo ela ficado impossibilitada de exercer a função de vendedora na plataforma.  Ao tomar a sua decisão, a juíza levou em consideração que “no sofisticado sistema de informação da Amazon, claramente gerenciado por inteligência artificial, surgiu essa coincidência cadastral”. Diante dessa circunstância, a magistrada considerou que a “suspensão da conta é justificada, a fim de preservar o mínimo de segurança dos usuários da plataforma”. No entanto, dado que a vendedora entrou em contato com a Amazon e explicou “os eventos de maneira transparente”, ao solicitar a reativação da conta, a magistrada não viu justificativa para manter a suspensão da conta. Consequentemente, ela concluiu que a Amazon “causou uma falha no serviço ao não reativar a conta da autora dentro do razoável prazo estabelecido por lei, que é de 30 dias (de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, artigo 18, parágrafo 1º)” (GUIMARÃES, 2023). 

3.2. Deep learning

Em uma outra vertente da Inteligência Artificial, o Deep Learning funciona como um subconjunto de aprendizados, em uma rede neural com três ou mais camadas. As redes que compõe o Deep learning buscam simular a atividade cerebral. Contudo, a inteligência artificial ainda é mais utilizada com a permissão de que se aprenda com grandes volumes de informações e dados. De qualquer forma, redes neurais com mais de 3 camadas podem ser mais assertivas no que tange a aprimorar as suas conclusões.

As redes neurais do Deep Learning são interconectadas, o que tem produzido resultados que impactam ao deparar com padrões existentes nos dados, ou ainda estabelecer lógicas ou relacionais (BATHAEE, 2012, p. 13-14).

Contudo, além do conceito de camada, há também o conceito de bloco, que auxilia no compêndio da complexibilidade. O que ocorre é que, quando se fala em blocos de conhecimento, são eles muito voláteis, podendo conter entre uma ou mais camadas neurais, ou, ainda, conter um modelo inteiro, que pode ser ajustado em uma mesma rede neural. (PEIXOTO, 2020)

O Deep learning traz uma grande influência para todos os aplicativos e sistemas que usam a IA como referência, trazendo, em si, um maior e melhor sistema de automação, com a realização de tarefas sem a interferência humana. A tecnologia do Deep learnig está mais presente no nosso cotidiano do que imaginamos. Ela é, por exemplo, a base dos softwares presentes nos aparelhos de TV ativados por comando de voz, nos assistentes virtuais, bem como em carros autônomos.

Qual, afinal, qual a diferença entre o Deep learning e o Marchine learning? A principal finalidade do Deep learning é eliminar parte do pré-processamento dos dados que são inseridos, normalmente adquiridos durante o processo de aprendizado da máquina (machine learning). A importância da utilização desses algoritmos é justamente para que haja uma filtragem no controle de dados que não são estruturados, como por exemplo, imagens, que dispensa parte da dependência de especialistas humanos.

Soluções baseadas em Deep learning têm alcançado resultados altamente avançados em contextos mais desafiadores, como o desenvolvimento de classificadores na área de visão computacional, sistemas de suporte a diagnósticos e mecanismos de recomendação em diversas aplicações (PEIXOTO, 2020).

3.3. Big data

O conceito de big data é duplamente amplo. De um lado, busca relacionar-se a um conjunto de dados numa escala massiva, e, por outro, objetiva a compreensão da tecnologia e de processos envolvidos. O processo de melhoramento de dados é levado a cabo por algoritmos, que fazem a interpretação, por meio, também, da descoberta e correlação entre os bancos de dados (DOMINGOS, 2012). 

Nos primeiros anos da década de 2000, o analista Doug Laney introduziu a concepção de Big Data, por meio do conceito dos três Vs: volume, velocidade e variedade. O volume representa a acumulação massiva de informações provenientes de diversas fontes, resultando em enormes conjuntos de dados. Esses dados são transmitidos a uma velocidade sem precedentes, demandando um processamento ágil e eficaz. Além disso, os formatos dos dados são notavelmente diversos, podendo ser estruturados ou não, abrangendo uma ampla gama de possibilidades. (NACARATTI; PESSOA, 2018).

Dentro do atual cenário, é fundamental destacar a significativa relevância do campo conhecido como Big Data Analytics na análise de dados e na ampliação das aplicações de informações, particularmente com o auxílio da inteligência artificial (IA). Nesse sentido, é notável que um amplo espectro de disciplinas do conhecimento desempenhou e continua a desempenhar um papel vital no desenvolvimento da IA. Isso se justifica pelo fato de que a IA, enquanto um termo abrangente, engloba tarefas complexas, como aprendizado, raciocínio, planejamento, compreensão da linguagem e robótica, tornando-se um campo multidisciplinar em constante evolução (ALENCAR, 2022).

De fato, seguindo a abordagem de Wolfgang Hoffmann-Riem, identificam-se três distintos métodos analíticos empregados com objetivos específicos, a saber: análise descritiva, análise preditiva e análise prescritiva.

A análise descritiva é empregada para a triagem e a preparação de dados, com a finalidade de avaliação. Um exemplo prático desse processo é a utilização do Big Data para a prática de Data Mining, que envolve a coleta e a sistematização de informações, com destaque para atividades como priorização, classificação e filtragem (SARLET; BITTAR, 2022).

Entretanto, é fundamental que os critérios ou parâmetros previamente estabelecidos estejam em conformidade com as normas legais e adotem princípios de transparência e motivação. É importante ressaltar que, apesar da automação de tarefas jurídicas, os seres humanos ainda desempenham um papel central nesse processo, e a implementação da automatização no âmbito jurisdicional deve ser planejada e validada pelos membros do Poder Judiciário (ALENCAR, 2022).

Os dados extraídos por meio do Big Data são aqueles baseados no comportamento do usuário. A inteligência artificial é programada para o uso da base de dados e utilização de determinada plataforma para aprimorar os conhecimentos. Contudo, ao utilizar a plataforma de maneira diversa da “de costume”, o cruzamento de dados pode acabar bloqueando acessos e causando desconfortos. Como no caso, julgado pelo TJDFT, em que um usuário teve seu endereço de e-mail excluído da plataforma, fazendo com que ele perdesse todos os dados e informações do seu e-mail. Ementa do julgado:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO SIMULTÂNEO. CUIMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REATIVAÇÃO. CONTA DE EMAIL. MICROSOFT. DESCUMPRIMENTO. JUSTA CAUSA. ASTREINTES. AFASTAMENTO. LEVANTAMENTO DO VALOR. MANUTENÇÃO. 1.A Microsoft, na qualidade de desenvolvedora de softwares de computador, é a detentora da informação relativa à possibilidade técnica de cumprimento ou não da obrigação de reativar a conta de e-mail do Agravado, que, segundo consta, teve o conteúdo nela armazenado definitivamente apagado, não havendo possibilidade de reversão. 2.A conta de e-mail do Autor foi desativada após detectada, por meio da inteligência artificial, suposta contrariedade às regras de conduta do usuário, sendo crível que, nesse contexto, tenham sido apagados todos os arquivos armazenados naquele endereço eletrônico. 3.Sendo pessoal a obrigação, e alegando o devedor justo motivo, a impossibilidade do cumprimento da obrigação de fazer deve ser reconhecida, inviabilizando a continuidade da execução pelo rito do art. 536 e seguintes, sem prejuízo de o credor requerer a conversão em perdas e danos, nos termos do art. 816 c/c o art. 513 do CPC. 4.Em razão da demonstração de justa causa para o descumprimento da obrigação de fazer determinada em sentença, as astreintes fixadas na sentença devem ser excluídas, com fulcro no art. 537, § 1º, II, do CPC. 5.Não obstante o reconhecimento de impossibilidade de cumprimento da obrigação de fazer determinada na sentença exequenda, na instância de origem houve a condenação do réu em astreintes por descumprimento de liminar, penhora do valor correspondente para a satisfação do crédito e efetivo levantamento da quantia pelo credor após o trânsito em julgado da ação de conhecimento, sem que o devedor se insurgisse adequadamente, seja por meio de impugnação ao cumprimento de sentença ou mesmo por petição dirigida ao juiz da causa. 6.É certo que, em tese, a multa imposta para cumprimento de obrigação pode ser modificada a qualquer momento pelo juiz, de ofício ou a requerimento, quando verificado que a medida se tornou insuficiente ou excessiva (art. 537, §1º, I, do CPC), não havendo que se falar em preclusão ou coisa julgada. Contudo, já tendo sido levantado o valor pelo credor, inviável a rediscussão a respeito da adequação da quantia fixada, em agravo de instrumento interposto contra decisão que determina a expedição de ofício ao Banco para liberação do valor penhorado em favor do credor. 7.Em razão do reconhecimento de não serem devidas astreintes no bojo do cumprimento de sentença, perde o objeto agravo de instrumento interposto pelo credor objetivando a majoração da referida multa e a efetivação de demais medidas para a satisfação da obrigação de fazer. 8.Agravo de Instrumento n. 0738492-19.2021.8.07.0000. (DISTRITO FEDERAL, 2022).  

Por fim, é possível inferir que a inteligência artificial não se limitará apenas aos juízes, mas será empregada por todos os envolvidos no sistema de Justiça, o que resultará em um substancial aumento do conhecimento e da compreensão da sociedade sobre como o Direito é interpretado e aplicado por seus atores principais (ALENCAR, 2022).

4. O uso da inteligência artificial no judiciário

O Judiciário tem olhado cada vez mais para a tecnologia, especialmente a inteligência artificial, como um meio para otimizar seus processos. Embora muitos tribunais já estejam adotando a tecnologia, a implementação ainda é inicial. As transformações sociais modernas e a necessidade de se lidar com tarefas repetitivas são impulsionadores dessa tendência.

4.1. Hórus – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)

No cenário jurídico brasileiro, os avanços tecnológicos têm proporcionado novas maneiras de lidar com a gestão de processos e a tomada de decisões. Uma das ferramentas inovadoras nesse contexto é o sistema “Hórus”, desenvolvido e implementado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

O “Hórus” representa uma iniciativa de transformação digital no Poder Judiciário, buscando aproveitar os benefícios da inteligência artificial para otimizar e agilizar as operações judiciais. Seu nome, derivado do deus egípcio associado à visão e à percepção, reflete seu propósito: fornecer uma perspectiva mais clara e eficiente sobre os processos judiciais.

O Hórus utiliza algoritmos avançados para analisar dados de processos, identificando padrões e tendências. Isso permite aos magistrados e servidores do tribunal insights valiosos sobre os casos, melhorando a tomada de decisão.

Um dos maiores desafios enfrentados pelos tribunais é a carga massiva de processos. Com a ajuda do Hórus, muitas tarefas repetitivas, como a categorização de documentos e o preenchimento de campos em formulários, são automatizadas, liberando os profissionais para se concentrarem em tarefas mais complexas.

Ao fornecer informações relevantes e insights sobre os processos, o sistema auxilia juízes e servidores a tomar decisões mais informadas e justas. Como mencionado anteriormente, uma das vantagens da IA é a capacidade de reduzir vieses humanos na tomada de decisão. Embora o Hórus não substitua a decisão final do juiz, ele fornece uma análise objetiva, que pode ser usada como referência.

O Hórus é projetado para se integrar perfeitamente com outros sistemas judiciais, garantindo uma operação fluida e coesa. A natureza da inteligência artificial é tal que ela aprende e evolui constantemente. O Hórus está em contínua evolução, adaptando-se às necessidades do TJDFT e às mudanças no cenário jurídico.

Em conclusão, o sistema “Hórus”, do TJDFT é um exemplo notável de como a tecnologia, especificamente a inteligência artificial, está sendo utilizada para modernizar e melhorar o Poder Judiciário brasileiro. Enquanto a IA não está aqui para substituir a percepção e o discernimento humanos, ferramentas como o Hórus demonstram seu valor inestimável como auxiliares na tomada de decisões judiciais.

4.2. Victor – Supremo Tribunal Federal (STF)

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas aponta que há 72 tribunais no país que estão embarcando em projetos relacionados à inteligência artificial. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tem o programa “Victor”; o STJ conta com o “Sócrates”, e outros tribunais, tanto federais, quanto estaduais, também estão em diferentes estágios de adoção (ROQUE; SANTOS, 2020).

Os sistemas de IA são projetados para processar informações, em grande escala, muito mais rapidamente do que os seres humanos. No contexto do Judiciário, isso pode significar analisar documentos e precedentes legais em questão de segundos, auxiliando na tomada de decisões. A IA pode ajudar a garantir que decisões semelhantes sejam tomadas em casos similares, aumentando a consistência e a previsibilidade das decisões judiciais. Em um país como o Brasil, onde o número de processos judiciais é enorme, a IA pode ajudar a filtrar, categorizar e priorizar casos, reduzindo a carga sobre os magistrados e servidores e acelerando a resolução de disputas (SOUSA, 2020).

O Supremo Tribunal Federal (STF) introduziu o “Victor”, uma plataforma de IA, principalmente para auxiliar na categorização e triagem de processos. Ao identificar os temas dos processos, ele auxilia na aceleração do trâmite processual. A ideia é que, com a ajuda do Victor, o STF possa reduzir o tempo para analisar a admissibilidade de recursos, concentrando-se no mérito das questões judiciais (ROQUE; SANTOS, 2020).

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o “Sócrates” é um assistente virtual projetado para facilitar o acesso à jurisprudência do tribunal. Ele funciona como uma ferramenta de busca, onde advogados, magistrados e o público em geral, podem fazer perguntas e receber referências de jurisprudências relacionadas (SOUSA, 2020).

 A adoção da IA varia entre os tribunais, com alguns em fases iniciais e outros já implementando soluções mais sofisticadas. Esses sistemas podem ajudar em tarefas, desde a organização e digitalização de documentos, até a previsão de resultados com base em precedentes legais (SOUSA, 2020).

A integração da IA no Judiciário não está isenta de preocupações. Há questões éticas sobre a imparcialidade dos algoritmos, sua transparência e a possibilidade de perpetuação de vieses. Além disso, a IA nunca substituirá completamente o discernimento humano necessário na tomada de decisões judiciais (ROQUE; SANTOS, 2020).

No entanto, mesmo com a integração da tecnologia, o sistema judiciário brasileiro ainda enfrenta desafios. A eficiência do sistema é muitas vezes questionada devido ao acúmulo de casos que aguardam resolução. A busca incessante por resultados, muitas vezes, acaba priorizando o volume, ao invés da qualidade dos julgamentos (KOERNER; VASQUES, 2019).

O cenário pós-pandêmico intensificou a digitalização de muitos setores, inclusive o Judiciário. Como apontado por Roque e Santos (2020), o sistema judiciário teve que se adaptar rapidamente ao cenário imposto pela pandemia da Covid-19. Com restrições de interações físicas, o meio virtual se tornou uma ferramenta essencial, não apenas para a população em geral, mas também para juízes, advogados e todos os envolvidos nos processos judiciais.

Atualmente, tem-se observado um aumento nos investimentos em tecnologia para o setor. As mudanças decorrentes dessa integração estão sendo sentidas, especialmente pelos servidores. E a inteligência artificial se destaca como uma ferramenta promissora, visto que ela oferece soluções para lidar com o volume crescente de demandas (SOUSA, 2020).

Atualmente, o foco principal do Judiciário tem sido a produtividade, muitas vezes em detrimento da qualidade. Isso tem levado a uma percepção do sistema jurídico como uma fábrica de soluções rápidas, muitas vezes, sem a devida atenção aos princípios constitucionais e processuais. Em muitos casos, a pressa no processo judicial tornou-se a norma, mesmo que isso implique comprometer a Justiça (KOERNER; VASQUES, 2019).

Um dos principais desafios enfrentados pelos tribunais é a lentidão sistêmica, desde a entrada da demanda, até a sua decisão final. Para enfrentar essa questão, várias estratégias têm sido adotadas, incluindo a implementação de inteligência artificial. No entanto, algumas dessas medidas podem apenas mascarar a verdadeira ineficácia dos tribunais em lidar com as demandas da sociedade (SOUSA, 2020).

Este cenário se originou da expansão dos direitos constitucionais ao acesso à Justiça, permitindo que mais pessoas buscassem soluções judiciais para seus conflitos. Esse aumento no acesso à Justiça ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, período em que houve uma intensa discussão e implementação de direitos humanos, principalmente como uma resposta às atrocidades dos regimes autoritários. Como resultado, houve uma explosão no número de processos judiciais, muitos dos quais não eram essenciais, levando a problemas de tempo e eficiência (SALLES, 2016).

A Constituição Brasileira de 1946 foi o primeiro marco legal a reconhecer o direito de acesso à Justiça, estabelecendo que nenhuma lesão a direitos individuais poderia ser excluída da apreciação judicial (BRASIL, 1946). A Constituição atual manteve essa perspectiva, apenas expandindo e universalizando o conceito, garantindo que qualquer ameaça ou lesão a um direito seja sujeita à revisão judicial (BRASIL, 1988).

Nos últimos tempos, uma maior expectativa tem sido direcionada ao Judiciário pela população. Esse cenário foi chamado por Salles (2016) de “consumo de serviços judiciais”, referindo-se à tendência de levar ao Judiciário uma ampla variedade de questões sociais.

O Brasil, historicamente, tem enfrentado notáveis desigualdades, principalmente para os segmentos sociais mais marginalizados. Isso impulsionou um aumento desenfreado nas ações judiciais, à medida que as pessoas buscavam tratamento justo. No entanto, essa onda crescente de litígios sobrecarregou o Judiciário, levando a atrasos significativos na resolução de processos (SOUSA, 2020).

É vital salientar o papel dos magistrados nesse contexto. Eles enfrentam uma pressão crescente, devido ao aumento do volume de processos, afetando diretamente a sua capacidade de entregar Justiça, de forma eficaz e em tempo hábil. Além disso, a busca pela duração razoável do processo, um direito garantido pela Constituição, tornou-se um anseio, tanto da sociedade civil, quanto dos profissionais do direito (SOUSA, 2020).

A atual paisagem judiciária é, em grande parte, o resultado de políticas passadas que permitiram um acesso excessivo e, por vezes, imprudente ao sistema de Justiça. Esse sistema, em teoria, deveria ser uma opção secundária para a resolução de disputas. Em suas reflexões, Dallari (2008) sugere que a estrutura atual do Judiciário é fortemente influenciada por tradições e práticas anteriores, levando a um descompasso com as demandas da sociedade moderna.

Portanto, torna-se imperativo que os tribunais se reestruturem, simplificando práticas e garantindo que, considerando o mérito de cada caso, possam atender adequadamente às demandas da sociedade sem comprometer os princípios fundamentais estabelecidos na lei.

5. Atual realidade na tomada de decisões e os limites judiciais de acordo com o Projeto de Lei nº 5.501/2019

Lopes (2010) destaca uma falha no processo democrático de direito atual, onde o Poder Judiciário tem priorizado a eficiência numérica em detrimento de uma análise profunda e única para cada caso. Segundo a autora, esse enfoque ameaça pilares democráticos, como o devido processo legal e o contraditório, além de diminuir o valor da decisão fundamentada.

Face a essa realidade, a importância de analisar cada caso individualmente torna-se evidente, pois negligenciar tais detalhes viola princípios vitais para a democracia, como a ampla defesa e o devido processo legal. Em um cenário onde a tecnologia está em ascensão, a contribuição da inteligência artificial (IA) no setor jurídico deve ser examinada em termos de benefícios e desafios. Koerner, Vasques e Almeida (2019) observam que as máquinas, programadas para operações racionais, podem fornecer insights sobre diversas esferas humanas, enquanto os seres humanos utilizam a tecnologia para se adaptar e melhorar o seu desempenho. (ALVES, 2016).

Nesse contexto, a IA no campo jurídico é vista como uma ferramenta desenvolvida pelo homem para ajudar os tribunais a se adaptarem aos tempos modernos. Estas soluções tecnológicas têm a capacidade de atuar como seres humanos, mas com maior rapidez e eficiência. A Resolução 332[8], de 2020, do CNJ, reconhece o valor da IA para o Judiciário. Essa resolução destaca que a IA tem o propósito de melhorar a experiência dos cidadãos e proporcionar Justiça mais equitativa, explorando novos métodos e práticas para alcançar tais objetivos. (TACCA; ROCHA, 2018).

A mesma resolução também esclarece que a IA é alimentada por algoritmos humanos destinados a produzir resultados que imitam o pensamento humano, sempre alinhados aos propósitos para os quais foram criados.

No entanto, apesar do potencial da IA, é essencial reconhecer que, no contexto brasileiro, ainda existem obstáculos para a sua plena implementação. A adoção da tecnologia no sistema jurídico brasileiro tem sido lenta e, em algumas regiões, ainda há muito a ser feito para assegurar direitos que acabam sendo negligenciados.

De acordo com o relatório “Justiça em Números”, do CNJ, de 2020, no ano de 2019, o Judiciário tinha um acúmulo impressionante de 77 milhões de casos pendentes, sendo que 55,8% desses casos estavam em fase de execução. Além disso, é esperado que esse número cresça devido ao influxo de novos processos.

Esse cenário, que domina os tribunais brasileiros, reflete os esforços contínuos para garantir o direito de acesso à Justiça, ao mesmo tempo em que busca soluções para a superlotação e lentidão do sistema judiciário (ALVES, 2016).

O aumento constante da judicialização no Brasil é, em parte, resultado da falta de critérios claros sobre quais casos devem ser julgados e da ineficiência do sistema de precedentes. Isso desencadeia várias questões no sistema judiciário (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Muitos litígios, abordando uma ampla variedade de temas, demonstram a falta de estratégias claras dos órgãos judiciais para lidar com todos os problemas sociais. Além disso, muitos cidadãos veem o sistema judicial como a única opção para reivindicar direitos, como os de saúde, especialmente quando sentem que esses direitos estão sob ameaça. (ALVES, 2016).

De acordo com Barboza (2019), a crescente litigiosidade coloca uma enorme pressão sobre o sistema judiciário, levando a um acúmulo de processos e atrasos na entrega de decisões. A contínua entrada de novos processos é uma das principais causas dos desafios que o Judiciário enfrenta, pois, a demanda não mostra sinais de diminuição e os tribunais não estão equipados para lidar com ela de maneira eficiente (TACCA; ROCHA, 2018).

O fácil acesso ao Judiciário, muitas vezes com garantia de gratuidade de Justiça sem que fosse necessário, significa que muitos cidadãos o veem como a principal solução para seus conflitos, mesmo quando outras alternativas poderiam ser mais rápidas e benéficas. Isso resulta em uma onda crescente de litígios, que vem se tornando quase uma norma cultural. Esse aumento desenfreado de processos cria um peso insustentável sobre os tribunais, que lutam para atender às demandas da sociedade. (TACCA; ROCHA, 2018).

Em suma, embora o acesso à Justiça seja um direito fundamental, a falta de infraestrutura adequada nos tribunais brasileiros para lidar com o volume de casos resulta em um backlog significativo. Conforme indicado pelo CNJ (2020), esses “casos pendentes” são aqueles que ainda aguardam resolução em várias fases do processo judicial.

Acerca dessas garantias, Campos e Pedron (2018) destacam que foi por meio delas que as partes passaram a ter direito de participação na construção do provimento judicial. Para tanto, o processo, segundo os autores, deve se revestir nas garantias de direitos processuais e constitucionais (CAMPOS; PEDRON, 2018).

Todavia, os autores ressaltam que, como consequência do instrumentalismo ainda arraigado no direito brasileiro, onde preocupa-se mais com a rapidez em que se concretiza a resposta judicial do que com as garantias processuais e constitucionais dos sujeitos da lide, ocorre uma relativização, como extrai-se do trecho a seguir (2018, p. 64):

Algumas normas jurídicas sancionadas após a Constituição da República de 1988 demonstram como o instrumentalismo tem ainda influenciado o pensamento daqueles que defendem a busca da celeridade e de uma efetividade no processo, relativizando, muitas das vezes, ao alvedrio do devido processo constitucional (CAMPOS; PEDRON, 2018, p. 64).

Além disso, os tribunais têm se deparado com um congestionamento processual crescente, o que tem limitado o seu poder de prestar seus serviços de maneira adequada às pessoas que os buscam, e por isso, procuram por uma agilidade a todo custo (SAID FILHO, 2017). Nota-se que, para o funcionamento correto e com produtividade da máquina judiciária, é necessário um achatamento da curva das ações processuais, isto é, tratar do grande acervo de processos é crucial para que seja possível combater esse contexto de litigiosidade que assola os tribunais brasileiros, sem suprimir direitos das partes (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Assim, torna-se inegável que a estrutura judiciária não consegue cumprir com aquilo que a lei preceitua, pois tem que lidar com casos simples, que poderiam ser tratados por outros caminhos, e com demandas mais complexas, que deveriam ser analisadas com maior rigor, graças à atratividade do Judiciário para todos os tipos de conflitos sociais (SAID FILHO, 2017).

Ademais, é imperioso ressaltar que esse costume da população de buscar sempre a figura do juiz para dirimir seus conflitos traz problemas não apenas para o desenvolvimento das atividades dos tribunais, uma vez que essa quantidade sobre-humana de processos acarreta uma incapacidade de prestação jurisdicional de qualidade, o que alimenta a supressão de princípios e direitos. (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Nesse mesmo sentido, Wolkart (2015, p. 6) destaca que: “é notório que a crise da Justiça brasileira é de quantidade e de qualidade. A quantidade de processos é imensa, absurda, sobre-humana, em todas as instâncias da Justiça”. Com tal quantidade, naturalmente compromete-se a qualidade. Juízes e tribunais passam a julgar por atacado (WOLKART, 2015). O modelo tradicional de jurisdição, desse modo, encontra-se precário e a realidade dos tribunais, como bem destacado, é de crise, dado que não conseguem responder às demandas que lhe são postas, restando evidente que não deve ser mais adotado. Nesse ínterim, diante dessa fragilidade,, que assevera o espaço jurídico, as ferramentas da tecnologia de informação transformam-se num novo aliado do Judiciário.

A inteligência artificial, apesar de suas notáveis vantagens na otimização de processos, não deve ser utilizada de forma autônoma em julgamentos judiciais. Isso porque poderia contrariar princípios constitucionais brasileiros, como o da ampla defesa e o do contraditório. A ideia é que, embora a IA possa, potencialmente, agilizar algumas atividades judiciais, a decisão final e a responsabilidade devem sempre residir num magistrado humano.

Embora a tecnologia possa melhorar a eficiência dos tribunais, o uso autônomo da IA em julgamentos poderia levar a interpretações tendenciosas ou unilaterais. Isso porque os algoritmos, conforme observado por Koerner, Vasques e Almeida (2019), podem ter vieses, focando em objetivos específicos e marginalizando questões individuais e nuances que são cruciais para um julgamento adequado e justo. (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Essa automação no processo decisório pode comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos. Cada caso judicial tem suas particularidades e, portanto, deve ser avaliado à luz dos princípios democráticos, sem depender apenas da análise automática de um sistema.

Quando se pensa em incorporar a IA ao sistema judiciário, é essencial que tal implementação esteja em conformidade com princípios democráticos e respeite diretrizes éticas em IA, como supervisão humana, transparência e responsabilização, como apontado por Brehm et al (2020).

Pedron (2017) reforça a ideia de que o julgamento não é um ato isolado, mas um processo que considera os argumentos e perspectivas das partes envolvidas. Uma decisão judicial não deve ser um produto padronizado, mas uma resposta apropriada às nuances específicas de cada caso.

Assim, enquanto a IA tem potencial para melhorar a eficiência dos tribunais, seu uso não deve objetivar apenas a economia de recursos. A principal prioridade deve ser garantir que os direitos dos cidadãos e a integridade do processo judicial sejam mantidos. Em resumo, a inteligência artificial deve servir como uma ferramenta de apoio, não como um substituto para o discernimento humano no processo judicial. (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

No contexto contemporâneo, enfrentamos o fenômeno do “neoliberalismo processual”, onde os processos judiciais são frequentemente vistos como meros números a serem reduzidos, priorizando-se a eficiência numérica, em detrimento da qualidade da resolução de disputas. Esse enfoque “neoliberal” valoriza a maximização da produtividade, muitas vezes à custa do devido processo legal e dos direitos fundamentais das partes envolvidas (CAMPOS; PEDRON, 2018).

Entretanto, é inegável que os desafios atuais do sistema judiciário brasileiro pedem soluções inovadoras. Muitos desses desafios, conforme apontado por Walkart (2015), envolvem questões de gestão, formação e infraestrutura. De fato, na era pós-moderna, há uma crescente demanda pela intervenção do Poder Judiciário em questões sociais diversas, exacerbando os problemas já existentes na estrutura judicial.

Com a crescente complexidade e volume de demandas judiciais, torna-se essencial repensar as práticas jurídicas atuais, a fim de otimizar a gestão de processos e recursos. Neste cenário, a tecnologia, e mais especificamente a inteligência artificial, surge como uma ferramenta promissora. No entanto, como Rosa (2019) destaca, enquanto a IA pode ajudar a melhorar a eficiência, é crucial garantir que seu uso não comprometa os princípios fundamentais do processo democrático.

É vital que qualquer adoção de IA no sistema judiciário respeite as particularidades de cada caso e os direitos fundamentais das partes. Caso contrário, corremos o risco de sacrificar a Justiça em nome da eficiência. O desafio não é simplesmente acelerar o processo judicial, mas sim garantir que as decisões tomadas sejam justas, equitativas e fundamentadas. (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Em última análise, a implementação da inteligência artificial no Judiciário deve ser feita de forma responsável, sempre respeitando os princípios constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa e o juiz natural. É essencial que as decisões judiciais permaneçam fundamentadas, individualizadas e justas, sem cair na tentação de soluções automatizadas e genéricas (CAMPOS; PEDRON, 2018).

Em 16 de setembro de 2019, o Senador Styvenson Valentim introduziu dois projetos de lei direcionados à regulamentação do uso da inteligência artificial (IA) no Brasil: o PL nº 5.051, que define princípios para a aplicação da IA, e o PL nº 5.691, que propõe a Política Nacional de Inteligência Artificial. Embora ambos estejam em tramitação, compartilham similaridades em seu conteúdo. (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

O PL nº 5.051, composto por 7 artigos, destaca o uso da IA visando ao bem-estar humano e enfatiza valores como dignidade, liberdade, democracia, igualdade, direitos humanos, pluralidade e diversidade. Também salienta a importância da proteção da privacidade, dados pessoais, transparência e supervisão humana na operação de sistemas de IA. O projeto sublinha que a IA deve ser um complemento à decisão humana, com a supervisão variando conforme a magnitude da decisão tomada. Em caso de danos resultantes do uso da IA, a responsabilidade recairia sobre o supervisor humano (BRASIL, 2019)

O projeto delineia diretrizes para os entes federativos no avanço da IA no Brasil, que incluem: promover a educação alinhada ao desenvolvimento da IA, desenvolver políticas para proteger e qualificar os trabalhadores, assegurar uma introdução gradual da IA e ter uma abordagem proativa na sua regulamentação. O PL ainda destaca que, quando usada pelo setor público, a IA deve visar à qualidade e à eficiência dos serviços oferecidos à população (BRASIL, 2019).

A justificativa associada ao projeto reconhece o cenário global de adoção da IA, os potenciais benefícios em produtividade e qualidade, mas também os riscos, ressaltando a essencialidade de uma regulação. Ela esclarece que o principal propósito da legislação é garantir que a evolução da IA seja compatível com a valorização do trabalho humano, objetivando o bem-estar coletivo. Conclui enfatizando a necessidade de supervisão humana em todos os sistemas de IA e a responsabilidade do supervisor, além de sublinhar a importância da formação e qualificação profissional na área.

Nesse contexto, Hartmann Peixoto; Silva (2019) afirmam que a proposta legislativa sobre a regulamentação da IA no Brasil parece ecoar preocupações mencionadas por diversos pesquisadores, referindo-se aos desafios dessa tecnologia. As interferências potenciais de algoritmos em debates públicos e processos eleitorais, o uso discriminatório e violação de liberdades civis, uso não autorizado de dados pessoais, aumento do desemprego devido à substituição por máquinas e responsabilização por danos são algumas das inquietações destacadas na literatura. A justificativa do PL é clara ao reconhecer que, apesar dos potenciais benefícios da IA, os riscos associados à sua implementação necessitam de regulamentação.

É inquestionável que todas as atividades, incluindo a IA, devem aderir a princípios fundamentais, como dignidade, liberdade, democracia, direitos humanos e outros, já resguardados constitucionalmente. Barrilão (2016) defende que o direito constitucional pode ser a resposta para as incertezas tecnológicas, focando em mitigar riscos ao progresso tecnológico, sem comprometer valores essenciais da sociedade.

No entanto, ao analisar a adequação e a necessidade, surge um questionamento: seria realmente imperativo um projeto de lei específico para garantir que a IA respeite valores já consagrados na Constituição? Por sua vez, Hartmann Peixoto; Silva (2019) alertam para uma abordagem excessivamente centrada no risco da IA, argumentando que isso pode obscurecer os benefícios evidentes da tecnologia. Brundage (2018) encoraja uma perspectiva mais otimista da IA focando em sistemas que funcionem como o esperado, minimizando erros e respeitando o controle humano. Superando desafios técnicos e éticos, a IA pode trazer impactos significativamente benéficos à sociedade.

A OCDE (2020), por meio da Recomendação nº 449, do Conselho sobre Inteligência Artificial[9], delineou princípios para orientar o desenvolvimento da IA reconhecendo sua expansão global e impacto em diversos setores. O documento destaca que a IA já está influenciando significativamente sociedades e mercados de trabalho. Apesar de reforçar a importância de princípios como inclusão, bem-estar e transparência, também reconhece que muitos destes princípios já são defendidos em legislações pré-existentes, indicando que não estamos iniciando de um vácuo regulatório.

O campo de pesquisa e desenvolvimento em IA apresenta desafios significativos para os reguladores, dados os aspectos inerentes à sua natureza. A IA opera frequentemente em uma estrutura de difícil acesso e transparência, com profissionais de diferentes setores e localidades colaborando em seus componentes. Estes componentes podem ser criados em lugares variados, em tempos distintos e sem uma coordenação centralizada. Além disso, os detalhes operacionais de um sistema de IA podem permanecer secretos e imunes à engenharia reversa. No entanto, essas peculiaridades não são exclusivas da IA; muitas outras tecnologias contemporâneas e anteriores compartilham características similares. Assim, embora a IA possa resistir a regulamentações prévias, será inevitavelmente submetida a responsabilidades que afetarão a conduta da indústria (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

De acordo Hartmann Peixoto e Silva (2019) o PL destaca a supervisão humana como um pilar essencial no uso da IA, o que parece entrar em conflito com a essência autônoma dessa tecnologia. A IA atual busca precisamente a autonomia, permitindo que máquinas executem tarefas cognitivas sem intervenção humana constante. Por exemplo, no domínio do aprendizado de máquina (machine learning), as tecnologias evoluem para operar com mínima supervisão, aprendendo e adaptando-se de maneira independente. A supervisão humana contínua sobre decisões de IA pode ser um ideal irrealista, já que limita o verdadeiro potencial da tecnologia.

A analogia proposta sugere que vincular estritamente a IA à figura de um supervisor humano é semelhante a restringir o Direito a uma mera aplicação de regras preestabelecidas. Assim como o Direito vai além da mera aplicação de normas, a IA tem um potencial que vai além da constante supervisão humana. Em vez de impor supervisão direta, seria mais produtivo estabelecer práticas recomendadas e princípios, refletindo responsabilidades éticas e legais nas fases de validação, verificação e segurança da IA. O projeto de lei ressalta a importância da inteligência artificial (IA) como ferramenta de apoio, e não substituição, às decisões humanas, salientando a necessidade de adequar o nível de supervisão humana à gravidade e implicações das decisões tomadas com auxílio da IA. Essas máquinas, equipadas para simular habilidades cognitivas humanas, como raciocinar e aprender, possuem potencial para exceder habilidades humanas em certas áreas, especialmente na análise de grandes volumes de dados e na previsão de resultados (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Segundo Hartmann Peixoto e Silva (2019), com o auxílio de técnicas como redes neurais, lógica difusa, computação evolutiva e agentes inteligentes, a IA tem sido uma aliada valiosa na tomada de decisões, especialmente em situações complexas e com grandes volumes de dados. A contribuição da IA para a tomada de decisões é reconhecida, mas seu papel na decisão judicial é um tópico sensível.

Decisões judiciais são altamente complexas e podem ser influenciadas por diversos fatores, desde o entendimento do magistrado até suas experiências pessoais. Embora a IA possa minimizar certos vieses humanos, sua incorporação em processos judiciais deve ser feita com cautela, considerando os valores e nuances humanas inerentes a tais decisões (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Estudos indicam que algoritmos podem superar juízes humanos, em termos de precisão e imparcialidade. Contudo, a decisão de conceder à IA o poder de decidir sobre direitos humanos é uma escolha política e social significativa que requer um debate cuidadoso (CAMPOS; PEDRON, 2018).

Nesse sentido, embora a IA tenha demonstrado capacidades notáveis e potencial para melhorar a eficiência e precisão das decisões, sua integração à esfera judicial deve ser vista como uma ferramenta de apoio, e não substituição, à sagacidade e discernimento humanos.

Conclusão

O advento da tecnologia, particularmente da inteligência artificial, tem transformado o modo como diversas instituições operam em nossa sociedade. No cenário jurídico brasileiro, essa transformação tornou-se evidente na forma como os processos são gerenciados e nas decisões que são tomadas. A implementação de sistemas como o “Hórus”, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), sinaliza um salto significativo nessa direção.

A capacidade de analisar grandes volumes de dados, identificar padrões, automatizar tarefas repetitivas e fornecer insights objetivos é revolucionária para o campo jurídico. Por muito tempo, os tribunais brasileiros enfrentaram desafios relacionados à sobrecarga de processos e à lentidão na tomada de decisões. Ferramentas como o Hórus não apenas atenuam esses desafios, mas também instigam uma melhoria contínua na prestação de serviços judiciais.

Importante destacar que a tecnologia não busca, de forma alguma, substituir o discernimento humano, que é fundamental no campo jurídico. Ao invés disso, a IA serve como uma ferramenta auxiliar que complementa a capacidade humana, fornecendo uma perspectiva mais ampla, reduzindo vieses e garantindo uma abordagem mais eficiente e justa dos casos.

Contudo, é fundamental que a implementação de tais sistemas seja feita com cautela e responsabilidade. Assim como a IA tem o potencial de melhorar significativamente as operações judiciais, seu uso inadequado pode acarretar consequências indesejadas. Por isso, é essencial que haja uma constante avaliação, atualização e treinamento dos profissionais envolvidos.

Neste sentido, a era digital promete grandes avanços para o setor jurídico, com o uso correto e adequado das ferramentas que estão sendo disponibilizadas. As iniciativas como o sistema “Hórus” representam o início de uma jornada que visa a modernização, eficiência e justiça no Poder Judiciário brasileiro. Se conduzida de maneira ética e informada, essa jornada pode resultar em um sistema jurídico mais ágil, transparente e alinhado com as necessidades contemporâneas da sociedade.

Além disso, é vital que, à medida que o sistema e ferramentas semelhantes evoluam, sejam incorporados mecanismos de transparência e responsabilidade. Em um domínio tão sensível quanto o Judiciário, a capacidade de entender e interpretar as decisões tomadas por sistemas de IA é crucial. Cada decisão, mesmo que informada ou sugerida por um algoritmo, deve ser passível de revisão, compreensão e, quando necessário, contestação.

A capacitação dos profissionais que operam no âmbito judiciário é outro aspecto crucial. O advento da IA no sistema judiciário não deve ser visto apenas como uma ferramenta de otimização, mas também como uma oportunidade para formação e educação contínua. A familiaridade com os sistemas de IA, compreensão de suas limitações e potencialidades, e habilidade em utilizar essas ferramentas de forma ética e eficaz são competências essenciais para o Judiciário do futuro.

Outra preocupação emergente é a privacidade e segurança dos dados. Com o aumento da digitalização dos processos judiciais e a implementação de ferramentas de IA, é imperativo garantir que os dados dos cidadãos estejam seguros e protegidos contra possíveis ameaças. O Tribunal de Justiça deve estar à frente em adotar as melhores práticas de segurança cibernética, garantindo a integridade dos dados e a confiança do público no sistema.

Apesar da rápida evolução das máquinas e sistemas, o Poder Legislativo tem se esforçado para garantir que qualquer modificação no sistema jurídico brasileiro seja realizada de forma meticulosa e precisa. Mesmo diante da complexidade e abrangência dos sistemas inteligentes, as máquinas ainda não conseguem substituir a capacidade de avaliação e julgamento humanos. Portanto, a principal preocupação é assegurar a transparência necessária para a implementação e evolução que estejam alinhadas com as expectativas da população do país.

A natureza evolutiva da tecnologia também sugere que o sistema de inteligência artificial, precisará ser atualizado e adaptado regularmente para refletir as mudanças na legislação, na jurisprudência e nas expectativas da sociedade. Esse compromisso contínuo com a inovação e adaptação é essencial para garantir que o sistema permaneça relevante e eficaz ao longo do tempo.

Em conclusão, a integração da inteligência artificial no judiciário, exemplificada, representa uma etapa promissora e desafiadora na jornada de modernização do sistema judicial brasileiro. Com os cuidados adequados, responsabilidade, e a participação ativa dos profissionais do setor, o futuro promete um sistema judiciário mais eficiente, justo e alinhado com as necessidades do século XXI.

Referências bibliográficas

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[1] ChatGPT (Chat Generative Pre-Trained Transformer) é um chatbot online de inteligência artificial (IA), desenvolvido pela OpenAI e lançado em novembro de 2022. O Transformador Generativo Pré-treinado é um tipo de modelo de linguagem grande (Large Language Model, LLM). O ChatGPT é construído com base nos modelos GPT fundamentais da OpenAI, especificamente GPT-3.5 e GPT-4, e foi ajustado para aplicações conversacionais usando uma combinação de técnicas de aprendizado supervisionado e de reforço.

[2] Disponível em: https://www.criminal-lawyers.com.au/criminal-law-ai-chatbot. Acesso em 01.12.2023.

[3] Disponível em: https://www.smartsettle.com/. Acesso em: 13.11.2023.

[4] O Teste de Turing testa a capacidade de um computador de exibir comportamento inteligente equivalente ao de um ser humano, ou indistinguível deste. 

[5] Processamento de língua natural (PLN) é uma subárea da ciência da computação, inteligência artificial e da linguística que estuda os problemas da geração e compreensão automática de línguas humanas naturais.

[6] Disponível em: https://kirasystems.com/. Acesso em: 13.11.2023.

[7] Bot, diminutivo de robot (robô), também conhecido como Internet bot ou web robot, é uma aplicação de software para simular ações humanas repetidas e padronizadas. Como programa de software, pode ser um utilitário que desempenha tarefas rotineiras, com recurso à inteligência artificial.

[8] Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3429. Acesso em 01.12.2023.

[9] Disponível em: https://legalinstruments.oecd.org/en/instruments/OECD-LEGAL-0449. Acesso em: 01.12.2023.


Pedro Gabriel dos Santos Aquino. Graduando do curso de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac. E-mail: pedro.aquino@direito.uniceplac.edu.br.

Fernando de Magalhães Furlan. Antigo Secretario-Executivo do Ministerio do Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior (MDIC) e assessor especial da CAMEX. Foi presidente do Conselho de Administracao do BNDES e da BNDESPAR. Foi presidente, conselheiro e procurador-geral do CADE. Foi também diretor do Departamento de Defesa Comercial (DECOM) e chefe de gabinete do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi membro do Conselho de Administração da FINAME/BNDES. Atualmente e membro do grupo de especialistas do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL e consultor ad hoc de projetos de defesa da concorrência das Nações Unidas (UNCTAD). É professor de direito em Brasília e atua, como professor ou pesquisador, em universidades e institutos no Brasil e no exterior. É consultor externo ou membro não-governamental de organizações e institutos brasileiros e estrangeiros e consultorias. Graduado em Administração pela UDESC/ESAG e em Direito pela UnB, tem mestrado e doutorado pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), com pós-doutorado pela Universidade de Macau, China.


Legal certainty and cross-border investments: the Brazilian ACFIs – Agreements on Cooperation and Facilitation of Investments

Fernando de Magalhães Furlan

No investor, small or big, private or public, will put his assets somewhere with too many risks, with no stability or predictability. Capital is a very suspicious creature. It needs to be carefully persuaded, nurtured and constantly reassured.

In relation to Foreign Direct Investments (FDI), a way to guarantee all those things is the employment of investment agreements.

The pillars of investment agreements are risk mitigation and institutional governance. The aim is to stimulate business through legal guarantees for investors, intergovernmental cooperation and dispute resolution.

International investment agreements deal with substantive provisions, that is, the rules that a foreign investment must comply with so that it can be admitted and have the right of establishment in the country that will receive that investment. In turn, the country receiving the investment must also comply with certain rules to guarantee protection, isonomy and impartial treatment of the foreign investment made.

Currently, there is no multilateral investment agreement, due to the complexity of negotiating the provisions of the agreement and the interests involved, despite the efforts made in this regard, mainly by the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD), with the attempt to establish the Multilateral Agreement on Investments – MAI, between 1995 and 1998. This difficulty is mainly due to the divergence of objectives between investor countries (capital exporters) and investment recipient countries (capital importers) and the lack of trust between these countries in relation to the investment environment that involves the following factors: governance, credibility of public and private institutions, legal framework, sector regulation, economic environment, transparency, predictability, among others, which can be characterized as political risk from the country.

On the side of countries interested in investing, there is a concern to protect investments to be made in other countries, that is, they seek to adopt a definition of investment as comprehensive as possible, so that all their assets and rights are protected by the agreement.

On the side of the countries receiving the investments, there is a concern to attract investments that provide an increase in the production of goods and/or services, an increase in the offer of jobs and allow the transfer of technology or of new management forms, to guarantee the improvement of productivity. For these countries, a more restricted definition of investment would be the most appropriate and is generally linked to the definition of direct investment, that is, productive and lasting investment.

Although there is no multilateral trade agreement to date, there are several international investment agreements signed bilaterally and other regional ones. Therefore, there is no specific agreement model, but most agreements deal with investment protection devices in which, generally, the broader scope and definition of investment by investor countries (capital exporters) prevails, to the detriment of the definition of investment defended by the investment recipient countries (importers of capital), more restricted.

In addition to the question of the scope and definition to be adopted in an investment agreement, there are other devices that are as or more complex than this one, such as: expropriation, transfers (capital movement), prohibition of performance requirements, dispute settlement, National Treatment (equivalence of treatment for national and imported goods/services), Most Favored Nation (if a country lowers its tariffs for one trading partner, it must lower it for all trading partners) and the right to regulate, which is directly related to maintaining the political space of the State.

Brazilian ACFIs – Agreements on Cooperation and Facilitation of Investments

Brazil, based on international experiences from other countries and international organizations, developed the ACFIs, whose main objectives are:

i) improvement of institutional governance.

ii) creation of risk mitigation mechanisms and dispute prevention.

iii) elaboration of thematic agendas for cooperation and facilitation of investments.

The proposal includes important elements for a positive agenda (creation of the Joint Committee, Ombudsman for Direct Investments and Thematic Agenda) and regulatory aspects (principles of national treatment and most favored nation, terms for foreign exchange remittances, direct expropriation, compensation for losses, liability corporate social, State-State dispute settlement mechanism, among others) that seek to mitigate the risks of Brazilian companies that invest abroad and of foreign companies that invest in Brazil.

The Brazilian approach emphasizes mechanisms of prevention of disputes based on dialogue and bilateral consultations, prior to the establishment of an arbitration panel.


Fernando de Magalhães Furlan. Antigo Secretario-Executivo do Ministerio do Desenvolvi mento, Industria e Comercio Exterior (MDIC) e assessor especial da CAMEX. Foi presidente do Conselho de Administracao do BNDES e da BNDESPAR. Foi presidente, conselheiro e procurador-geral do CADE. Foi também diretor do Departamento de Defesa Comercial (DECOM) e chefe de gabinete do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi membro do Conselho de Administração da FINAME/BNDES. Atualmente e membro do grupo de especialistas do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL e consultor ad hoc de projetos de defesa da concorrência das Nações Unidas (UNCTAD). É professor de direito em Brasília e atua, como professor ou pesquisador, em universidades e institutos no Brasil e no exterior. É consultor externo ou membro não-governamental de organizações e institutos brasileiros e estrangeiros e consultorias. Graduado em Administração pela UDESC/ESAG e em Direito pela UnB, tem mestrado e doutorado pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), com pós-doutorado pela Universidade de Macau, China.


A pirataria na indústria da moda e o Fashion Law – Vol. 1, n. 8, 2023 – Publicado 30/08/2023

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


A pirataria na indústria da moda e o Fashion Law

Israel Doudement de Albuquerque Cunha & Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

Este artigo tem como objetivo estudar a pirataria na indústria da moda, explorando suas causas e impactos no mercado e na sociedade. A indústria da moda é um mercado amplo que movimenta grande parte da economia, desde grandes marcas internacionais até marcas nacionais e locais. Por meio da análise da linha do tempo da moda até os dias atuais, será possível entender a importância dessa indústria e a necessidade de protegê-la legalmente. A falsificação de produtos na moda é uma violação sancionada pelo ordenamento jurídico, pois é lesiva para os consumidores e também para as marcas do segmento da moda. O tema suscita diversos impactos na sociedade, tais como os efeitos dos produtos falsificados na saúde dos consumidores, as razões pelas quais as pessoas adquirem itens falsificados, entre outros. O artigo utiliza o método dedutivo, onde a partir de um conjunto de premissas gerais sobre a pirataria na indústria da moda, será feita uma análise detalhada das suas consequências. A pesquisa se baseou em fontes bibliográficas e documentos legais, que serão utilizados para a construção de argumentos e reflexões sobre o tema proposto, com o objetivo de contribuir para a ampliação dos debates em busca de soluções aplicáveis para um conflito cada vez mais frequente.

Palavras-chave: pirataria; moda; propriedade intelectual; direito autoral.

Abstract

This article aims to study piracy in the fashion industry, exploring its causes and impacts on the market and society. The fashion industry is a vast market that moves a large part of the economy, from international brands to national and local brands. Through the analysis of the fashion timeline up to the present day, it will be possible to understand the importance of this industry and the need to protect it legally. Counterfeiting fashion products are a violation sanctioned by the legal system and the consumption of piracy is harmful to people and detrimental to fashion brands. The subject-matter of the article raises various questions, such as the effects of counterfeit products on consumer health, the reasons why people buy counterfeit items, among others. The present article uses the deductive method, where from a set of general premises about piracy in the fashion industry, a detailed analysis of the consequences of piracy in the fashion industry will be made. The article is based on bibliographic sources and legal documents, which will be used to construct arguments and reflections on the proposed topic, with the aim of contributing to the expansion of debates in search of applicable solutions for an increasingly frequent conflict.

Keywords: Piracy; Fashion; Intellectual property; Copyright

1. Introdução

A indústria da moda é uma das mais influentes e poderosas do mundo, movimentando uma grande receita anualmente e impactando a vida de milhões de pessoas. Desde a antiguidade, a moda tem sido utilizada como forma de expressão e identificação social, sendo um reflexo das culturas e dos valores de cada época. Atualmente, a moda continua sendo uma importante ferramenta de comunicação, sendo capaz de transmitir mensagens, ideias e estilos de vida.

No entanto, a indústria da moda também enfrenta grandes desafios, especialmente quando se trata de proteção de direitos autorais. A pirataria na moda é um problema grave e crescente, que afeta tanto os consumidores como os produtores. A pirataria é a reprodução não autorizada de produtos, geralmente com a intenção de imitar marcas e designs populares, sem o devido pagamento pelos direitos autorais. Na indústria da moda, a pirataria é particularmente problemática já que as marcas são, muitas vezes, a principal fonte de valor e diferenciação no mercado.

Os efeitos da pirataria na indústria da moda são amplos e podem ser devastadores. Para o consumidor, a pirataria pode levar a produtos de baixa qualidade, que não atendem aos padrões de segurança e saúde, além de serem vendidos a preços mais baixos, mas ainda assim, mais caros do que o custo real de produção. Para o produtor, a pirataria pode levar à perda de vendas, lucros e prestígio, além de ameaçar a integridade de sua marca e design. Para o mercado em geral, a pirataria pode levar a uma perda de confiança dos consumidores, desestimular a inovação e prejudicar a economia.

Neste artigo, será analisado o impacto da pirataria na indústria da moda, levando em conta o direito autoral, os efeitos para o consumidor, para o produtor e para o mercado. Será realizada uma revisão da literatura sobre o assunto, bem como uma análise de casos reais de pirataria na moda. Além disso, serão discutidos os efeitos jurídicos da pirataria no mundo da moda, com destaque para as principais leis e regulamentações definitivas.

Esperamos contribuir para a conscientização sobre a importância da proteção dos direitos autorais na indústria da moda e sobre os impactos da pirataria para todos os envolvidos. Além disso, esperamos ajudar na elaboração de políticas públicas e estratégias empresariais para combater a pirataria na moda e promover uma indústria ética, confiável e sustentável.

2. A economia da moda

É imprescindível destacarmos a relevância econômica que a indústria da moda tem no mundo atual. Segundo Minsky (1982), “A economia se transforma a cada ciclo e a instabilidade financeira, presente no âmbito do capitalismo global, é a principal responsável pela existência dos ciclos econômicos e é resultante de forma endógena à conduta dos agentes econômicos”.

De acordo com um relatório da McKinsey & Company, intitulado The State of Fashion (2021), a indústria da moda movimenta cerca de US$ 2,5 trilhões (R$ 12,5 trilhões, aproximadamente) por ano, abrangendo desde a produção de matérias-primas, até a venda de produtos acabados. O valor corresponde a cerca de 2% (dois por cento) do PIB global, o que evidencia a sua grande relevância econômica. Esse valor inclui não apenas a produção de vestuário e acessórios, mas, também, serviços relacionados à moda, como marketing, merchandising e publicidade.

Segundo dados da Business of Fashion (2021), essa indústria é responsável por empregar cerca de 60 milhões de pessoas ao redor do mundo. Esse número engloba, desde pequenas empresas de moda, até gigantes do setor, como a Nike, a Adidas e a Inditex, proprietária da marca Zara.  No Brasil, conforme demonstra a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT)[1], em agosto de 2021 o setor gerou 102.658 (cento e dois mil, seiscentos e cinquenta e oito) empregos formais, o que demonstra a relevância da categoria, tanto economicamente, quanto na esfera social.

A indústria da moda é responsável por empregar pessoas de diversas profissões, incluindo designers de moda, costureiros, modelos/manequins, vendedores, programadores de sistemas, advogados, contadores, redatores, economistas, jornalistas, entre outros. Para Mackenzie (2010), a moda atual é global e abrangente, não sendo definida apenas pela alta costura, tendo a capacidade de atingir todos os setores da sociedade.

Em parte, pode-se afirmar que a moda evoluiu de um modelo que atendia às preferências individuais de cada consumidor (haute couture), com produtos únicos, para um modelo mais massificado, com produtos vendidos em grandes quantidades (prêt-à-porter). A indústria da moda atualmente apresenta dois elementos distintos: enquanto a alta-costura dos estilistas continua a atender a demanda por peças únicas e exclusivas, a indústria fast fashion tem evoluído para a produção em massa, com as indústrias de confecção fabricando produtos de moda em grande escala para o consumo final e distribuindo-os em todo o país e, por vezes, até mesmo no mundo todo.

O ato de consumir é parte intrínseca da vida humana. Desde elementos básicos para a sobrevivência, como os alimentos, até produtos considerados supérfluos, a sociedade moderna é preparada para desempenhar o papel de consumidora, de forma cada vez mais sofisticada e desenvolvida.

[…] a sociedade do consumo é aquela que pode ser definida por um tipo específico de consumo, o consumo de signo ou commodity sign, como é o caso de Jean Baudrillard em seu livro A sociedade de consumo. Para outros a sociedade de consumo englobaria características sociológicas para além do commodity sign, como consumo de massas e para as massas, alta taxa de consumo e descarte de mercadorias per capita, presença da moda, sociedade de mercado, sentimento permanente de insaciabilidade e o consumidor como um de seus principais personagens sociais (BARBOSA, 2004, p. 8).

A moda também é um importante gerador de riqueza em nível local. Em muitas cidades, os distritos de moda são vitais para a economia local, proporcionando empregos, atraindo turistas e estimulando o crescimento econômico. Além disso, essa indústria tem sido uma das principais forças por trás da revitalização urbana em muitas áreas degradadas ao redor do mundo.

Portanto, a moda é uma indústria global altamente rentável e vital para a economia mundial, proporcionando empregos, impulsionando a inovação e gerando riqueza. No entanto, a indústria também enfrenta desafios significativos que precisam ser abordados, incluindo a necessidade de adotar práticas mais sustentáveis e responsáveis em toda a cadeia de fornecimento. Com a colaboração de todas as partes interessadas, a moda pode continuar a desempenhar um papel fundamental na economia global, enquanto se torna mais sustentável e justa para todos os envolvidos. Outro desafio, a seguir abordado, é a pirataria, que prejudica boa parte da economia da moda, afetando os produtores e lesando os consumidores.

3. Direito e moda

             O objetivo aqui é explorar a relação entre direito e moda, abordando, especificamente, o papel do direito autoral e da propriedade intelectual na indústria da moda, bem como a importância do Fashion Law como uma área do conhecimento jurídico em ascensão.

3.1. Direito autoral e propriedade intelectual

O Direito autoral e a propriedade intelectual são conceitos fundamentais na proteção da criatividade e da inovação na indústria da moda. O direito autoral protege a obra criativa de um autor, enquanto a propriedade intelectual abrange uma variedade de proteções da propriedade, incluindo patentes, marcas registradas e segredos comerciais. Ambos são importantes no âmbito da pirataria na indústria da moda.

O direito autoral é regulamentado pela Lei nº 9.610/98, que estabelece os direitos autorais de uma obra. Ele protege a obra como um todo, incluindo a forma em que ela é expressa e a maneira como é apresentada. O direito autoral é concedido, automaticamente, a um autor, assim que a obra é criada, sem a necessidade de registro. Além disso, o autor tem o direito exclusivo de reproduzir, distribuir, exibir e criar trabalhos derivados da obra. Para Bittar (2013, p. 27), direito autoral ou direito de autor “é o ramo do direito privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências”.

A própria Lei de Direitos Autorais (LDA), trata da definição dos direitos autorais em seu artigo 3º, que os trata como “bens móveis”, para os efeitos legais. Uma ficção jurídica, criada com a intenção de garantir ao titular de tal direito o aproveitamento simultâneo de direitos de propriedade e os pessoais (FONSECA, 2012). Como visto, o Direito Autoral surge no momento da criação da obra, independentemente de haver ou não o registro. Assim, Fábio Ulhôa (2013) ensina:

O direito de exclusividade do criador de obra científica, artística, literária ou de programa de computador não decorre de algum ato administrativo, mas da criação mesma. Se alguém compõe uma música, surge do próprio ato de composição o direito de exclusividade de sua exploração econômica. É certo que a legislação de direito autoral prevê o registro dessas obras: o escritor deve levar seu livro à Biblioteca Nacional, o escultor sua peça à Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o arquiteto seu projeto ao CREA e assim por diante. Estes registros, contudo, não têm natureza constitutiva, mas apenas servem à prova de anterioridade da criação, se e quando necessária ao exercício do direito autoral.

Na indústria da moda, o direito autoral é crucial na proteção das criações de design, que incluem estampas, padrões, desenhos de roupas e, até mesmo, a aparência geral de uma peça de vestuário. A Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610, de 1998), já mencionada, regulamenta a prática da permissão do direito do criador no uso de sua obra (artigo 28 da LDA), dentro dos limites legais, além de proteger o vínculo entre o autor e os exploradores de suas criações, que podem ser de natureza literária, artística ou científica, como, por exemplo, livros, esculturas, pinturas, projetos e pesquisas científicas, dentre outras. A lei também inclui proteção para os direitos conexos[2], conforme mencionado em seu artigo 1º.

Para fins legais, o direito autoral é dividido em (i) direitos patrimoniais (direito real) e (ii) direitos morais (direito pessoal). Os direitos morais são inerentes à personalidade do criador e, portanto, de natureza pessoal, decorrente do próprio processo criativo, peculiar de cada autor, visando protegê-lo. Esses direitos mantêm a ligação íntima entre o criador e sua produção. Em resumo, o direito autoral tem como objetivo proteger a materialização, o bem corpóreo que decorre da expressão do espírito humano em diversas áreas de manifestação da vocação humana. Diz Menezes (2007, p. 39) que, “com efeito, pode-se concluir que o direito de autor possui, como principal objeto, a proteção à obra pessoal, criativa, exteriorizada e de natureza imaterial, cuja essência é de caráter artístico e/ou literário”.

Diante disso, é possível concluir que as criações de moda também deveriam ser protegidas pelos direitos autorais, uma vez que essas peças derivam da produção do “espírito humano” e, portanto, não deveriam necessitar de registro. A assinatura do estilista, ou seja, seu desenho, estilo, estudo e influências sobre cada peça, é prova inequívoca de sua autoria. No entanto, há limitações à proteção do direito autoral na indústria da moda. Por exemplo, o design de uma roupa simples, como uma camiseta básica, pode não ser protegido pelo direito autoral, vez que é considerado uma algo demasiado simples e desprovido de criatividade.

Por outro lado, a propriedade intelectual é regulamentada por uma variedade de leis e outros textos jurídicos, inclusive pela própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXIX:

 A lei assegurará aos autores dos inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Dessa forma, a Lei nº 9.279/96, que trata de marcas e patentes, foi sancionada com o objetivo de regulamentar os direitos e deveres relativos à propriedade industrial. A propriedade intelectual abrange uma variedade de proteções de propriedade, incluindo patentes, marcas registradas e segredos comerciais. Sobre patente, um dos principais elementos da propriedade intelectual, afirma Bastos (1997, p. 209):

É um direito exclusivo concedido a uma invenção, que consista em um produto ou um processo que prevê, em geral, uma nova maneira de fazer algo, ou oferece uma nova solução técnica para um problema. Título de exploração temporal, concedido pela Administração ao inventor, em contrapartida à divulgação, bem como da exploração fidedigna do seu invento. O inventor precisa atender aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Pode-se afirmar que a Patente é um documento expedido pelo órgão competente do Estado que reconhece o direito de propriedade industrial reivindicado pelo titular.

Então uma patente protege invenções, enquanto as marcas registradas protegem a identidade de uma empresa ou produto. Já o segredo comercial protege informações efetivas que não são de conhecimento público. A Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) observa que:

A propriedade intelectual se relaciona com as criações da mente: invenções, obras literárias e artísticas, tais como símbolos, nomes e imagens utilizadas no comércio. A propriedade intelectual se divide em duas categorias: a propriedade industrial, que abarca as patentes de invenção, as marcas, os desenhos industriais e as indicações geográficas; e o direito de autor, que abarca as obras literárias, os filmes, a música, as obras artísticas e os desenhos arquitetônicos.

Na indústria da moda, a propriedade intelectual é imprescindível na proteção de marcas, nomes, símbolos e outros elementos de identidade da empresa. Por exemplo, uma marca registrada de uma empresa fabricante de roupas pode ser protegida pelo direito de propriedade intelectual, impedindo que outras empresas usem a mesma marca ou similares.

Embora exista diferença entre direito autoral e propriedade intelectual, eles, não raro, se sobrepõem. Por exemplo, o design de peça de roupa pode estar protegido por direitos autorais e, ao mesmo tempo, uma marca da empresa fabricante pode estar protegida por propriedade intelectual. Além disso, as empresas da moda, muitas vezes, aplicam ambas as proteções para garantir o resguardo de sua propriedade intelectual. É inafastável que profissionais do direito, atuantes na indústria da moda, dominem as diferenças entre direito autoral e de propriedade intelectual, bem como as suas aplicações.

A pirataria na indústria da moda é um problema crescente, traduzido na demanda por peças de vestuário e acessórios a preços mais baixos, muitas vezes de origem duvidosa. Isso pode incluir a cópia de designs de moda protegidos por direitos autorais ou a venda desautorizada de produtos com marcas registradas.

A pirataria pode causar danos prolongados para empresas de moda, incluindo a perda de receita e danos graves à reputação da marca. Assim, torna-se imperativo que as empresas do setor busquem proteger a sua propriedade intelectual, incluindo o registro de marcas e o monitoramento de cópias não autorizadas de seus designs. Uma das formas de proteção da propriedade intelectual na indústria da moda é por meio do Fashion Law.

O Fashion Law é uma área do direito que se concentra na proteção da propriedade intelectual na indústria da moda, bem como em outras questões legais, como direitos trabalhistas e consumeristas. Porém, o Fashion Law, ou Direito da Moda, não é uma disciplina ou ramo do Direito, como o Direito Civil, o Direito Penal ou o Direito Empresarial, por exemplo, Mas uma mera área de aplicação de institutos jurídicos desses ramos do direito, conforme será abordado no próximo tópico.

Em resumo, o direito autoral e a propriedade intelectual são fundamentais na proteção da criatividade e da inovação na indústria da moda. Ambos são importantes na proteção dos direitos do produtor e do consumidor quando se trata da pirataria. O Fashion Law pode ser uma ferramenta útil para ajudar a proteger a propriedade intelectual na indústria da moda e garantir que as empresas estejam em compliance com as leis e regulamentos aplicáveis.

3.2. Fashion Law

O Fashion Law é uma área de aplicação do direito que vem ganhando destaque nos últimos anos, especialmente no contexto da indústria da moda. Fashion Law, ou Direito da Moda, consiste na aplicação de institutos jurídicos a relações que envolvam a indústria da moda. O conceito foi criado, em 2006, pela professora e advogada estadunidense Susan Scafidi, fundadora do The Fashion Law Institute[3], um centro pioneiro de estudos sobre o assunto.

Esta área de aplicação do direito se concentra em questões legais relacionadas à criação, produção, distribuição e venda de produtos de moda. Embora não exista uma legislação específica, o Fashion Law abrange diversas áreas do direito, incluindo o civil, o tributário, o trabalhista, o empresarial, e, até mesmo, o penal, como já visto. No entanto, a sua principal área de atuação, como já citado, é a proteção da propriedade intelectual e do direito autoral, garantindo segurança jurídica às criações de moda e marcas do setor.

O direito da moda, segundo Kane (2014), é uma especialidade legal emergente que engloba as questões legais que cercam a vida de uma peça de vestuário, desde a sua concepção, até a proteção da marca. A indústria da moda é um setor extremamente animado e criativo, onde a inovação e a inspiração são fundamentais para o sucesso dos empreendimentos. No entanto, a criatividade e a originalidade, muitas vezes, são copiadas ou imitadas por terceiros, o que deveria gerar benefícios financeiros e reputacionais para as empresas criadoras. Por isso, é fundamental que os profissionais da moda e do direito, envolvidos nesses negócios, estejam preparados para lidar com essas e outras questões desafiadoras do setor. Para a advogada Vicki Dallas (2012, p. 84):

Os advogados precisam entender que o negócio do Fashion Law é diferente, já que há constante mudança nos ciclos dos produtos e nos acordos comerciais, portanto adaptar-se e compreender as estratégias de negócio básicas de uma empresa de vestuário é essencial para ser um consultor jurídico eficaz nesta área de atuação.


O Fashion Law é uma área que lida com diversos desafios, que vão além do problema evidente da contrafação, também conhecida como pirataria, que é o assunto principal deste artigo. Ela envolve direitos de proteção à propriedade intelectual, incluindo propriedade industrial e direitos autorais, já abordados no tópico anterior. Além delas, outras áreas do direito também são relevantes, como o direito do trabalho, que abrange questões relacionadas à contratação de modelos, de trabalhadores das fábricas e costureiras de produção; e o direito contratual (civil), que regula as relações entre as empresas da cadeia de produção da moda. Segundo Colman (2012), o Fashion Law tem aplicação a diversas áreas do mundo da moda.

Outra preocupação importante do Fashion Law é o direito do consumidor, que regula as relações entre as empresas da indústria da moda e os consumidores. Os consumidores têm direito à informação clara e precisa sobre os produtos que estão comprando, bem como à garantia e à segurança desses produtos. Assim, de acordo com o artigo 6º, do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor tem direito à informação clara e precisa sobre os produtos e serviços colocados no mercado de consumo. As empresas da indústria da moda também devem seguir as normas de segurança e saúde no trabalho, bem como os direitos trabalhistas de seus colaboradores.

Além disso, o Fashion Law também abrange questões relacionadas à sustentabilidade e ao meio ambiente[4]. A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo, devido à grande quantidade de produtos descartados e aos processos de produção que envolvem o uso intensivo de recursos naturais e produtos químicos. Por isso, é importante que as empresas da indústria da moda adotem práticas e respeitem as normas ambientais, a fim de reduzir o impacto negativo da sua atividade no meio ambiente. Sobre a dificuldade de adaptação do direito autoral ao Fashion Law, afirma Oliveira (2015, p. 11):

A principal dificuldade em relação à proteção de artigos de moda por direito autoral é a questão do caráter utilitário de tais bens. A bipartição da Propriedade Intelectual entre Direito Autoral e Propriedade Industrial é fundamentada no critério da utilidade, de maneira a conferir às criações utilitárias proteção através de patentes, desenhos industriais e marcas.

Outro tema importante do Fashion Law é a proteção dos direitos de imagem e privacidade dos modelos/manequins e celebridades. Como as empresas da indústria da moda costumam usar a imagem de modelos e celebridades para promover os seus produtos, é importante que essas pessoas tenham o seu direito de imagem e privacidade preservados. Para isso, é necessário que sejam celebrados contratos claros e específicos, que estabeleçam as condições para o uso da imagem das pessoas envolvidas na produção dos produtos de moda.

Além disso, a indústria da moda é um setor globalizado, com empresas que atuam em diversos países. Por isso, o Fashion Law também abrange questões relacionadas ao direito internacional, como a proteção da propriedade intelectual em diferentes jurisdições. Afirma Dallas (2012, p. 84) que, “a moda é hoje, uma área de negócios internacionais”. Pequenas e médias empresas são adquiridas por grandes companhias internacionais de vestuário e estilo de vida. Algumas das maiores fortunas mundiais estão nas mãos de proprietários de empresas e marcas do setor[5].
As leis de propriedade intelectual e os acordos de comércio internacional também são complementares ao setor da moda. A Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) possuem acordos/tratados relacionados à proteção de marcas, patentes e direitos autorais. A OMC também regulamenta a proteção de denominações de origem, que é de grande importância, entre outras, para a indústria têxtil.

Além disso, o Fashion Law também inclui questões de saúde e segurança do consumidor, publicidade e ética nos negócios. A saúde e segurança do consumidor é um tema crucial na indústria da moda, pois os produtos têxteis e de vestuário estão em contato direto com a pele dos consumidores. Assim, a legislação em matéria de segurança química é uma parte importante do Fashion Law. Produtos químicos críticos, como corantes e aditivos, devem ser controlados e os fabricantes responsabilizados pela segurança de seus produtos.

A publicidade é outra área relevante do Fashion Law. A publicidade de moda deve ser verdadeira, correta e não enganosa, seguindo as leis de proteção ao consumidor e as normas de publicidade. É vedado fazer acusações falsas ou enganosas sobre a qualidade ou origem dos produtos. O uso de modelos escapados magros ou retocados com Photoshop pode ser proibido por leis que promovem uma imagem corporal positiva e saudável.

A ética nos negócios é outra área do Fashion Law que ganhou destaque nos últimos anos. A indústria da moda já foi criticada por más práticas trabalhistas utilizadas por alguns de seus representantes, como a exploração de trabalho infantil, trabalho escravo e salários indignos. Muitas empresas da moda passaram a adotar políticas éticas e ecológicas, e muitos países estão estabelecendo leis que encorajam as empresas a serem socialmente responsáveis e respeitosas aos direitos humanos.

Em suma, o Fashion Law é uma área em constante evolução, em resposta às mudanças na indústria da moda e às necessidades dos consumidores. Os profissionais do direito, especializados em direito da moda, devem possuir conhecimentos nas áreas de propriedade intelectual, direito do consumidor, saúde e segurança, ética nos negócios, e outras, para serem capazes de aconselhar seus clientes sobre questões legais complexas no âmbito do Direito da Moda.

Infelizmente, o Fashion Law é ainda pouco conhecido pelos operadores do direito no Brasil, que o tratam de uma forma segmentada, ou seja, veem cada problema do Fashion Law de forma compartimentada. Assim, para Nunes (2015), “os advogados que melhor se instrumentalizarem nesta crescente área e conhecerem a realidade e as necessidades de seus clientes, aqui no Brasil, estarão na vanguarda de uma atividade rica e arrojada em um direito diferenciado”.

A indústria da moda é uma das mais vibrantes e emocionantes do mundo, mas também pode ser complexa e desafiadora, do ponto de vista legal. Por isso, a importância do Fashion Law, como forma de proteger os interesses dos fabricantes, designers e consumidores, bem como para garantir que a indústria continue a crescer e se desenvolva de forma sustentável.

4. Pirataria (contrafação)

A pirataria na indústria da moda é um fenômeno que envolve a produção e comercialização ilegal de produtos que imitam marcas, designs e estilos protegidos por direitos autorais. Para Strehlau e Urdan (2015, p. 84), falsificação é uma cópia não autorizada de uma marca ou produto, que se faz passar pelo original. Essa prática ilegal tem se tornado cada vez mais difundida em escala global, representando um desafio significativo para as marcas legítimas e para a proteção dos direitos intelectuais na indústria.

Para Cardoso (2018), o mercado da falsificação se subdivide em:

a) mercadoria pirata: aquele bem que não está enganando o consumidor, é uma cópia tão esdrúxula que não há possibilidade de confusão;

b) mercadoria falsificada: seria aquela bem que tem o condão de causar confusão no consumidor ao adquirir um artigo imaginando ser outro e, por fim;

c) réplica: o adquirente tem ciência que o produto é falso e ainda assim deseja adquiri-lo, por se tratar de produto idêntico ao original e usá-lo como se fosse autêntico (CARDOSO, 2018, p. 42).

Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2016), os produtos falsificados representam 2,5% do comércio mundial. Com o avanço da tecnologia e a facilidade de acesso a produtos piratas, é fundamental compreender as causas e os impactos desse problema, bem como buscar soluções eficazes para combatê-lo.

Ainda sobre o conceito de falsificação, para Strehlau e Urdan (2015, p.77):

Na falsificação de produtos (bens e serviços), marcas e/ou patentes, esses são copiados, imitados ou reproduzidos por uma organização ou rede, sem qualquer autorização ou remuneração de quem legalmente detém direitos sobre tal patrimônio intangível e tangível, com vistas à obtenção de vantagem financeira via comercialização. A marca que vai ser falsificada é, necessariamente, bem conhecida e sobretudo valorizada por um público que a consome ou gostaria de consumi-la. É uma prática que se reveste de certas propriedades da pirataria do passado, acrescida de traços modernos. Incide uma contrafação, pois essa falsificação é fraudulenta, ao violar o direito de propriedade industrial que legalmente pertence a terceiros. Por sua vez, os compradores podem estar cientes (o que usualmente acontece) ou não da ilegitimidade daquilo que adquirem.

Uma das principais características da pirataria na indústria da moda é a criação e comercialização de produtos falsificados, que se assemelham visualmente aos originais. Essas réplicas são projetadas para enganar os consumidores, imitando marcas de luxo e designs de sucesso. Segundo a Revista Época Negócios (2016), roupas, calçados e bolsas estavam entre os principais produtos falsificados, consumidos no Brasil.

Os produtos são vendidos a preços significativamente mais baixos do que os produtos autênticos ou, até mesmo, com o valor aproximado ou igual, a fim de enganar o consumidor. Por mais que uma eventual semelhança, decorrente da falta de uma análise aprofundada do produto,  possa lhe fazer semelhante ou idêntico ao original, a qualidade inferior dos produtos piratas é outra característica marcante desse tipo de prática.

Figura 1 – Tênis Nike Air Force 1 original, vendido pelo site da Nike por R$ 799,99 (à esquerda)

Figura 2 – Versão comercializada na Amazon, por terceiros por R$ 98,90 (à direita).

Devido à falta de controle de qualidade, materiais de baixa qualidade são frequentemente utilizados na produção, resultando em produtos que não possuem a mesma durabilidade e acabamento dos produtos originais. Essa falta de qualidade pode levar a problemas, como desgaste prematuro, costuras malfeitas e cores desbotadas, prejudicando a experiência do consumidor e levando a uma percepção negativa das marcas legítimas.

 Os produtos falsificados apresentam uma série de riscos para os consumidores, já que não são submetidos a um controle de qualidade adequado e geralmente são produzidos com insumos de qualidade inferior, em comparação aos produtos originais. Nesse sentido, Santos (2011, p. 12) esclarece que, “é claro que os produtos falsificados são mais baratos, porque não utilizam materiais de qualidade, não pagam tributos, nem sofrem fiscalização. Assim, quando adquirimos um desses produtos, além da pura e simples prática delituosa, corremos riscos, cuja abrangência pode alcançar a saúde e até a vida”.

No mesmo sentido, afirma Santos (2011, p. 13) que, “vale acrescentar que, como os produtos não são de qualidade, sua vida útil é infinitamente menor; porém, muito pior é que a maioria pode prejudicar a saúde e a segurança do consumidor: produtos que não atendem às normas técnicas, põem em risco a segurança de quem os consome”.

Além disso, a pirataria na indústria da moda também se manifesta por meio da falsificação de marcas renomadas. Logotipos e emblemas são reproduzidos de forma a parecerem autênticos, enganando os consumidores que acreditam estar adquirindo produtos genuínos. Essa prática não apenas prejudica a reputação das marcas originais, mas também viola os direitos de propriedade intelectual e propaga uma cultura de desrespeito aos direitos autorais.

Outro aspecto importante da pirataria na indústria da moda é a apropriação indevida de designs e estilos únicos. Muitas vezes, designers talentosos investem tempo e recursos na criação de peças inovadoras e exclusivas. No entanto, essas criações são frequentemente copiadas e comercializadas por terceiros, sem a devida autorização ou compensação financeira. Essa prática, não apenas compromete a originalidade e a criatividade dos designers, mas também afeta negativamente a indústria da moda como um todo, desencorajando a inovação e a busca por novas tendências.

Em resumo, a pirataria na indústria da moda é uma prática ilícita que envolve a produção e a venda de produtos falsificados, cópias não autorizadas e apropriação indevida de designs e estilos. De acordo com Costa e Sant’Anna (2008), “além de diminuir a arrecadação de tributos, a prática de pirataria é citada como sendo prejudicial às empresas e aos cidadãos, pois promove a concorrência desleal e a geração de empregos informais”. As características desse fenômeno incluem a criação de produtos visualmente semelhantes aos originais, porém de qualidade inferior, a falsificação de marcas renomadas e a violação dos direitos autorais dos designers.

A concorrência desleal, disciplinada pela da Lei 9.279/96, prevê, em seu art. 195[6], inúmeras situações que configuram o ilícito.

Como visto, a prática prejudica consumidores, produtores e o mercado da moda como um todo. Portanto, combater a pirataria torna-se essencial para preservar a autenticidade, a inovação e a integridade da indústria. No próximo tópico, serão abordadas algumas possíveis razões para que a prática da pirataria na indústria da moda seja amplamente aceita pelos consumidores, apesar de seus efeitos prejudiciais.

4.1. Motivações do consumo de produtos piratas

A aquisição de produtos piratas na indústria da moda é motivada por diversos fatores, sendo a questão econômica, um dos principais. Muitos consumidores desejam ter acesso a produtos de marcas famosas e designs exclusivos, mas são limitados pelo alto custo desses itens. A moda de luxo muitas vezes é vista como inacessível para uma parcela significativa da população, devido aos preços exorbitantes que são cobrados.

Kotler (2005) afirma que os elementos que influenciam as decisões de compra podem ser classificados entre psicológicos, sociais, culturais e pessoais. O autor afirma que os fatores culturais exercem o maior peso na hora da tomada de decisões. As pessoas formam crenças sobre marcas e produtos, que são baseados nas experiências, relatos e até no imaginário dos consumidores.

 Segabinazzi, Reale e Martins (2017), observaram que, para os consumidores de baixa renda, o preço é visto como uma oportunidade para consumir produtos que seriam difíceis de conseguir, o que justifica a compra de falsificados. Por exemplo, atualmente, no Brasil, o salário-mínimo estabelecido é de R$ 1.320,00. Por outro lado, um dos produtos de destaque no mercado é a linha de tênis “Air Jordan” da marca Nike, conhecida por sua popularidade e incidência de falsificações. O modelo de menor valor dessa linha está disponível no site oficial da loja pelo preço de R$ 1.099,00. Portanto, o valor do produto representa aproximadamente 83,33% do salário-mínimo vigente no país.

Vale destacar que o preço mencionado no exemplo anterior se refere a um produto comercializado no próprio sítio da marca, caracterizado por um modelo simples e com poucos concorrentes.

Assim, para Strehlau, Urdan (2015, p. 82), “a falsificação é uma ‘solução’ de mercado para a frustração de quem deseja consumir um produto ou marca originais e não dispõe de recursos financeiros para pagá-los ou não aceita arcar com tal pagamento integralmente. ‘Solução’ essa, porém, carregada de imperfeição, polêmica e malefícios”.

 Nesse contexto, os produtos piratas, geralmente vendidos a preços significativamente mais baixos, tornam-se uma alternativa atraente para aqueles que desejam desfrutar das tendências da moda, de forma mais acessível. O exemplo utilizado anteriormente foi ilustrado no setor de calçados. Entretanto, é importante destacar que a problemática da pirataria abrange diversos segmentos no âmbito da moda, conforme já mencionado.

Ainda no campo da motivação financeira, outro aspecto que impulsiona as pessoas a comprar produtos piratas na indústria da moda é a busca pela exclusividade. Muitos consumidores desejam se destacar e se sentir únicos, por meio das suas escolhas de moda. No entanto, algumas marcas de luxo produzem quantidades limitadas de determinados produtos, tornando-os exclusivos e extremamente difíceis de adquirir. Essa exclusividade aumenta a demanda por esses itens e, consequentemente, eleva os seus preços. Como resultado, produtos autênticos de marcas renomadas se tornam inacessíveis para a maioria das pessoas.

Nesse cenário, os produtos piratas novamente surgem como uma alternativa mais viável para aqueles que buscam replicar o visual exclusivo e aspiracional de determinadas marcas (“ditadura da moda”), mesmo que isso signifique adquirir produtos ilegais. No entanto, é importante ressaltar que a exclusividade não é apenas sobre a estética, mas também sobre os valores e a autenticidade transmitidos pelas marcas originais, aspectos que os produtos piratas não conseguem capturar de forma legítima. Portanto, a busca por exclusividade na moda não justifica a compra de produtos piratas, uma vez que compromete os direitos autorais, a qualidade e a integridade da indústria.

Além da motivação financeira, outros fatores provocam a demanda por produtos piratas. A influência das mídias sociais e das celebridades desempenha um papel significativo na perpetuação da cultura da pirataria. As plataformas de mídia social exibem constantemente imagens de pessoas famosas e influentes usando roupas e acessórios de marcas de luxo. Essa exposição constante pode levar as pessoas a desejarem esses produtos, porém, muitas vezes, sem terem condições financeiras para adquiri-los legalmente. Como resultado, elas buscam versões mais baratas, mesmo que sejam ilegais.

Além disso, a busca por status e pertencimento também influencia a decisão de comprar produtos piratas. A sociedade valoriza as marcas de luxo como símbolos de prestígio e sucesso. Muitos consumidores desejam ser vistos como parte desse universo “exclusivo”, mesmo que seja por meio de imitações, toleradas e permitidas, em nome das tendências da moda. A posse de um produto, supostamente de uma marca famosa, pode gerar uma sensação de inclusão em um determinado grupo social ou ajudar a construir uma imagem desejada. Nesse sentido, reforça Bacha, Strehlau e Strehlau (2013, p. 43) que, “a marca de luxo falsificada, desde que não seja desmascarada, poderia, hipoteticamente, ‘alardear a sua riqueza’ e poder aquisitivo, sinalizando status social”.

A imitação de produtos da moda também pode ser vista como uma forma de experimentação e diversão. Alguns consumidores veem a compra de produtos piratas como uma oportunidade de explorar diferentes estilos e tendências, sem investir uma grande quantidade de dinheiro. Para eles, esses produtos podem ser descartáveis e temporários, e a velocidade das mudanças na moda permite que acompanhem as últimas novidades, sem fazer grandes investimentos.
Por fim, é importante ressaltar que um motivo adicional, aparentemente simples, para o consumo da pirataria na indústria da moda é a enganação por parte dos consumidores, que muitas vezes desconhecem que estão adquirindo produtos falsificados. Turunen e Laaksonen (2011) identificam a existência de dois tipos de compra de produtos falsificados. Há os consumidores que sabem que estão comprando uma falsificação (compra não-enganosa) e os que acreditam que estão comprando um produto original (compra enganosa).

Em alguns casos, os consumidores podem ser induzidos ao erro por vendedores inescrupulosos que tentam passar produtos piratas como autênticos. A falta de conhecimento sobre as características e os detalhes que distinguem os produtos originais dos falsificados pode levar os consumidores a adquirir itens pirateados, sem sequer perceber. Esse engodo é prejudicial tanto para os consumidores, que podem acabar pagando um valor injustificado por produtos de qualidade inferior, quanto para os produtores legítimos, que têm as suas marcas desvalorizadas e a sua reputação comprometida pela presença de produtos falsificados no mercado.

No entanto, é importante destacar que, embora as motivações para a compra de produtos piratas possam variar, essa prática tem consequências para a indústria da moda e para os consumidores. A busca por produtos piratas pode prejudicar a integridade criativa e a inovação das marcas legítimas, além de sustentar práticas injustas, como a exploração da mão de obra e do trabalho infantil. Os consumidores também correm o risco de adquirir produtos de baixa qualidade, que podem afetar a sua experiência de uso e até mesmo representar riscos à saúde. Portanto, é importante promover a conscientização sobre essas questões e incentivar um consumo responsável e ético na indústria da moda.

4.1.1. Divulgação de produtos piratas por figuras públicas

No tópico anterior, foram expostas algumas das motivações que impulsionaram o consumo de produtos piratas na indústria da moda. Entretanto, é fundamental aprofundar a discussão sobre o papel das mídias sociais nesse cenário. A influência exercida por essas plataformas digitais, juntamente com a atuação de influenciadores, merece uma análise mais detalhada, vez que desempenham papel significativo na divulgação e na promoção desses produtos de procedência ilegal. Nesse sentido, é crucial examinar a irresponsabilidade dos influenciadores que aceitam fazer divulgações de produtos piratas, visando ganhos financeiros, e a ampla difusão dessa prática no Brasil.

A falta de responsabilidade dos influenciadores digitais que aceitam fazer divulgações remuneradas de produtos piratas é uma preocupação crescente na indústria da moda, e essa prática, infelizmente, é comum no Brasil. O problema não está necessariamente no consumidor, mas sim na figura pública que utiliza a sua influência para divulgar produtos piratas, como se fossem originais, lesando assim os seus seguidores.

Os influenciadores, com seu alcance e poder de influência sobre o público, desempenham um papel significativo na formação das tendências de consumo. No entanto, quando eles promovem produtos piratas, estão contribuindo para a perpetuação de uma prática ilegal e prejudicial para toda a cadeia envolvida e para os consumidores finais. Silva (2013), identifica que o aproveitador busca de alguma forma obter vantagens, sem muito esforço, utilizando a fama e o prestígio angariados por determinada marca ou nome empresarial, associando a sua “marca” de alguma forma àquela, buscando assim locupletar-se.

Muitos influenciadores aceitam parcerias e patrocínios sem verificar a garantia e a legalidade dos produtos que estão promovendo. Eles são movidos pelo potencial financeiro dessas parcerias, muitas vezes ignorando questões éticas e legais envolvidas. Ao fazerem divulgações de produtos piratas, eles estão dando uma falsa sensação de aprovação a esses itens, influenciando a aceitação dos consumidores e colaborando para a desvalorização das marcas legítimas.

Os proprietários de marcas legítimas investem em pesquisa, desenvolvimento e criação de produtos originais, e a pirataria compromete todos esses esforços. É importante ressaltar que, no Brasil, a fiscalização e a aplicação das leis de proteção aos direitos autorais nem sempre são efetivas, o que acaba criando um ambiente indiretamente favorável para a comercialização de produtos falsificados. A falta de regulamentação adequada e de conscientização, por parte dos influenciadores, permite que essa prática se perpetue, prejudicando tanto as marcas autênticas, quanto os consumidores, enganados pela falsa credibilidade dos produtos piratas.

Para combater esses problemas é fundamental que os influenciadores assumam uma postura mais responsável e ética, em relação às parcerias que aceitam. Eles devem fazer uma verificação criteriosa dos produtos, marcas e empresas que estão promovendo. Devem firmar parcerias apenas com marcas legítimas e comprometidas com a qualidade e originalidade de seus produtos. Além disso, as autoridades competentes precisam fortalecer a fiscalização e aplicação das leis de proteção aos direitos autorais, garantindo punições para aqueles que comercializam produtos piratas.

No final das contas, a conscientização do público em geral, também é essencial. Os consumidores devem ser informados sobre os riscos e consequências da compra de produtos piratas, bem como sobre a importância de proteger as marcas legítimas e promover um consumo ético e responsável. É necessário que os seguidores digitais percebam que a divulgação de produtos piratas, por parte dos influenciadores, é uma prática enganosa, que prejudica, tanto a indústria da moda, quanto os próprios consumidores. A confiança depositada nos influenciadores digitais, como fontes de informação e inspiração, é significativa. Quando eles promovem produtos piratas, sem transparência, estão traindo a confiança de seus seguidores.

A divulgação de produtos piratas pelos influenciadores cria uma ilusão de garantia, levando os consumidores a acreditarem que estão adquirindo itens fidedignos. Isso resulta em perdas financeiras e emocionais para os seguidores, que investem seu dinheiro em produtos de qualidade duvidosa e, muitas vezes, estão sendo enganados em relação à procedência e confiabilidade deles.

Além disso, a promoção de produtos piratas pelos influenciadores gera uma competição desleal com as marcas legítimas. As empresas que investem em pesquisa, desenvolvimento e criação de produtos originais são prejudicadas pela concorrência desleal dos produtos falsificados, que são comercializados a preços mais baixos, devido à ausência de investimentos em qualidade e propriedade intelectual.

A responsabilidade dos influenciadores digitais vai além da simples divulgação de produtos. Eles têm obrigação de fazer parcerias apenas com marcas que seguem práticas legítimas e éticas, promovendo assim um ambiente de negócios justo e sustentável. Ao aceitarem patrocínios de produtos piratas, os influenciadores estão cooperando para a perpetuação de um mercado ilícito e prejudicial.

No Brasil, é importante destacar que as práticas ilegais relacionadas à pirataria são um desafio complexo. A falta de regulamentação e fiscalização efetivas permite que essa prática seja mantida e, até, disseminada no país. É necessário um esforço conjunto entre as autoridades competentes, as marcas legítimas e os influenciadores para combater a pirataria na indústria da moda.

É crucial que os influenciadores entendam o impacto negativo de suas ações na indústria e na sociedade. Eles têm o poder de influenciar comportamentos e atitudes dos consumidores, e deve ser responsabilidade deles usar essa influência de forma ética e responsável. Somente por meio da conscientização, da transparência e da promoção de práticas legítimas será possível combater a irresponsabilidade dos influenciadores e proteger a indústria da moda da pirataria.

4.2. Consequências da pirataria na indústria da moda: impactos financeiros, desvalorização da propriedade intelectual e efeitos na economia

A pirataria na indústria da moda é um fenômeno de ampla abrangência que acarreta consequências significativas para as marcas, a propriedade intelectual e a economia do país. Compreender essas consequências é fundamental para enfrentar esse problema complexo e buscar soluções eficazes. Segundo Luppi (2022, p. 14), “a prática da pirataria afeta todo sistema da propriedade intelectual e impacta negativamente toda a sociedade. Abala toda a cadeia de produção e de consumo e prejudica as empresas, os trabalhadores, o meio ambiente, e o Estado”. Neste contexto, destacam-se três aspectos fundamentais: o impacto financeiro para as marcas, a desvalorização da propriedade intelectual e os efeitos negativos na economia.

No que diz respeito ao impacto financeiro, a pirataria representa uma séria ameaça às marcas genuínas. Como já visto, a comercialização de produtos falsificados gera uma concorrência desleal, prejudicando as vendas e a receita das empresas responsáveis. Os produtos piratas são frequentemente vendidos a preços significativamente mais baixos do que os produtos autênticos, atraindo consumidores em busca de preços mais acessíveis. Isso desvia o fluxo de receita, que deveria ser destinado às marcas originais, comprometendo os seus investimentos em pesquisa, desenvolvimento e marketing. Além disso, as marcas precisam arcar com os custos associados à luta contra a pirataria, como a implementação de tecnologias de proteção de marca e ações legais para reprimir a produção e a venda de produtos falsificados.

Outra consequência significativa da pirataria na indústria da moda é a desvalorização da propriedade intelectual. A pirataria envolve a cópia não autorizada de designs, logotipos e marcas registradas, violando os direitos autorais e prejudicando a originalidade e a criatividade dos designers. Ao reproduzir e vender produtos falsificados, os infratores estão se apropriando indevidamente do trabalho intelectual alheio, causando danos à reputação das marcas originais. Além disso, a desvalorização da propriedade intelectual incentiva a reprodução indiscriminada de produtos, desencorajando a inovação e a criação de novas tendências na indústria.

No âmbito econômico, a pirataria na moda também apresenta efeitos negativos significativos. Um desses efeitos está relacionado à falta de geração de empregos formais. Enquanto as marcas legítimas investem em mão de obra qualificada, os produtores de mercadorias falsificadas, muitas vezes, recorrem a práticas ilegais e precárias, explorando condições de trabalho desumanas e não oferecendo proteção social adequada aos trabalhadores. Isso resulta em uma carência de empregos formais e de qualidade na indústria, comprometendo o desenvolvimento econômico sustentável. Segundo Portugal (2011 p. 241) a pirataria, “lesa as empresas não só nos lucros, mas também em sua reputação”.

Além disso, a pirataria também afeta a economia no que diz respeito à arrecadação de tributos. A venda de produtos falsificados muitas vezes ocorre no mercado informal, escapando da tributação e reduzindo a receita do Estado, em duas três expressões (municipal, estadual/distrital e federal). Isso impacta diretamente os recursos disponíveis para investimentos em infraestrutura, serviços públicos e programas sociais. Além disso, as empresas proprietárias de marcas legítimas são grandes contribuintes, ajudando na necessária arrecadação tributária. A pirataria, por sua vez, prejudica sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento econômico do país.

De acordo com o balanço anual do Fórum Nacional contra a pirataria e Ilegalidade (FNCP)[7], em 2020, o Brasil teve um prejuizo de cerca de R$ 287,9 bilhões para o mercado ilegal, sendo que se estima que R$ 58,4 bilhões se refiram ao setor de vestuário (ILEGALIDADE, 2022). Nesse sentido, Medeiros (2005, p. 31) elucida que “o dinheiro que deveria entrar nos cofres públicos e se converter em estradas, saneamento básico, educação e saúde, beneficiando um número cada vez maior de brasileiros, passa a não existir”. Isto é, a sonegação de tributos ao Estado resulta em perda de milhões de reais que poderiam ser investidos para promover melhorias na sociedade.

Diante das consequências abordadas, é crucial buscar formas efetivas de combater a pirataria na indústria da moda. No próximo tópico, serão exploradas algumas estratégias e medidas que podem ser adotadas para enfrentar esse desafio intrincado. A conscientização dos consumidores, o fortalecimento da proteção de marcas, ações legais e parcerias entre governos, indústria e sociedade civil são algumas das abordagens que podem contribuir para reduzir a incidência da pirataria e preservar a autenticidade e a integridade do mercado da moda.

4.3 Estratégias e iniciativas para combater a pirataria na indústria da moda

A pirataria na indústria da moda é um desafio significativo que exige a implementação de estratégias e iniciativas eficazes para lidar com esse problema e proteger os direitos autorais, garantir a qualidade dos produtos e preservar a integridade e autenticidade da indústria.

No combate à falsificação, o Brasil já dispõe de entidades especializadas. O Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) é um órgão vinculado ao Ministério da Justiça, responsável por liderar a implementação do III Plano Nacional de Combate à Pirataria, no período de 2013 a 2016.  Por outro lado, o Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade é uma organização, financiada por empresas afetadas pela falsificação, que atua na defesa dessa causa perante as instâncias do poder público, especialmente o Executivo e o Legislativo, além de conscientizar a opinião pública.

Santos (2011, p. 15) assevera ser “preciso apoio do Poder Público àqueles que enfrentam diretamente tal desafio, criando meios e condições de um trabalho mais eficiente, com destinação de verba e pessoal para os locais mais críticos. Só assim poderá ter êxito tal tarefa”.

É de extrema importância direcionar atenção especial ao enfrentamento da falsificação, junto aos consumidores, que são os destinatários e adquirentes desses produtos. Em tese, o consumidor não é facilmente enganado ao adquirir uma marca de luxo falsificada, pois encontra indícios claros, como preços excessivamente baixos (visivelmente incompatíveis com um produto superior) e locais de venda menos sofisticados do que o habitual, que apontam para a falta de autenticidade da mercadoria.

Porém, a falta de informação ou a ausência de preocupação por parte dos consumidores, muitas vezes, faz com que essas evidências sejam ignoradas ou deixadas de lado. Nesse sentido, Santos (2011, p. 12) ressalta que, “a prática das falsificações segue, porque há consumidores, compradores, que alimentam a referida indústria da fraude. Por mais que se pretenda o controle, os usuários alimentam essa mina de ouro, sem a necessária informação que viabilizaria controle e combate eficientes”.

Neste contexto, o fortalecimento das leis de proteção aos direitos autorais é fundamental. É essencial que as autoridades competentes fortaleçam as leis de proteção aos direitos autorais, proporcionando um ambiente jurídico seguro para as marcas e designers. Isso inclui a implementação de controles mais rigorosos de fiscalização, punições efetivas para os infratores e aprimoramento dos processos legais relacionados à pirataria.

Ainda para Santos (2011, p. 14), “o combate às infrações dessa natureza precisa passar por uma conscientização da população sobre os males decorrentes de tal prática. É preciso conscientização de que comprar produtos falsificados, muito mais do que prática delituosa, é perigosa e pode acarretar sequelas irreversíveis”.

A educação e conscientização do público desempenham um papel crucial na luta contra a pirataria. Por exemplo, campanhas educativas podem ser desenvolvidas para informar os consumidores sobre os riscos e consequências da compra de produtos piratas. Destaca-se a importância de valorizar as marcas legítimas e promover um consumo ético e responsável.

Outra estratégia importante no combate à pirataria na indústria da moda é responsabilizar influenciadores e personalidades que divulgam produtos falsos. É fundamental estabelecer medidas para coibir a promoção de produtos piratas por parte desses influenciadores, uma vez que eles têm um impacto significativo nas decisões de compra dos consumidores. Ao responsabilizá-los e promover a conscientização sobre as consequências legais e éticas desse tipo de prática, é possível desencorajar a disseminação de produtos falsificados e promover um ambiente mais íntegro e autêntico na indústria da moda.

Santos (2011, p. 15) lembra que, (..) o combate também precisa estar atualizado. Um dos grandes aliados ainda são os meios de comunicação, que têm o poder de conscientizar a população acerca dos riscos, para a saúde, quanto para a segurança dos produtos negociados, como incentivo a denunciar as práticas e os locais onde são realizadas”.

Além disso, a colaboração entre indústria, governo e sociedade civil é essencial. Por exemplo, a colaboração entre diferentes partes interessadas, incluindo proprietários de marcas, designers, governo e organizações da sociedade civil, pode fortalecer os esforços para combater efetivamente a pirataria na indústria da moda. Isso pode envolver o compartilhamento de informações, o desenvolvimento de diretrizes e padrões de conduta, além do apoio mútuo na implementação de ações preventivas e repressivas.

Outra medida importante é o investimento em tecnologia de rastreamento e login. Por exemplo, o uso de tecnologias avançadas, como códigos de autenticação, chip RFID[8] e blockchain[9], pode ajudar a rastrear e autenticar produtos, dificultando a falsificação e facilitando a identificação de produtos piratas. Essas soluções tecnológicas podem fornecer maior segurança e confiança aos consumidores, além de auxiliar na investigação e combate à pirataria.

O citado chip RFID é definido pelo sítio Codima (2019) como, “um sistema para identificar objetos, transmitindo dados sobre eles, por meio de ondas de rádio frequência. Para isto, são usadas tags RFID, que são simplesmente uma antena e um chip integrados dentro de uma etiqueta”.

Além disso, a cooperação internacional e a troca de informações são essenciais. A pirataria na indústria da moda é um problema global, portanto, a cooperação internacional é fundamental. Por exemplo, a troca de informações entre diferentes países e a colaboração no combate à pirataria podem fortalecer os esforços para enfrentar esse desafio de maneira mais eficaz. Tratados e outros acordos internacionais também podem ser estabelecidos para proteger os direitos autorais e incentivar a cooperação transfronteiriça.

Por fim, é necessário promover a valorização da originalidade e criatividade na indústria da moda. Incentivar o reconhecimento e apoio aos designers e marcas registradas, bem como proteger a certificação e exibir os produtos, pode contribuir para a redução da demanda por produtos piratas. Ao implementar essas estratégias e iniciativas, é possível fortalecer a proteção dos direitos autorais, garantir a qualidade dos produtos e preservar a integridade e autenticidade da indústria da moda.

5. Considerações finais

Em conclusão, ao longo deste artigo, pudemos explorar de forma abrangente a relação entre moda, direito e pirataria. O primeiro tópico abordou a importância da moda na sociedade, compreendendo os seus conceitos, características e sua relevância econômica. Em seguida, adentramos o campo do direito e sua relação com a moda, explorando o direito autoral, a propriedade intelectual e o Fashion Law.

No terceiro tópico, analisamos a pirataria na moda em detalhes, compreendendo o seu conceito, as motivações de consumo, a divulgação por parte de influenciadores, bem como suas consequências para o mercado. Observamos que a pirataria afeta negativamente a indústria, resultando em perdas financeiras, desvalorização das marcas, comprometimento da qualidade dos produtos e riscos à saúde dos consumidores.

Diante desse cenário, é fundamental destacar a importância de combater a pirataria na indústria da moda. Entre as possíveis abordagens, podemos mencionar o fortalecimento da fiscalização e aplicação das leis de proteção aos direitos autorais, a conscientização dos consumidores sobre os riscos da pirataria, a cooperação entre marcas e influenciadores comprometidos com a autenticidade, a adoção de tecnologias de rastreamento e autenticação de produtos, bem como a criação de um ambiente legal e regulatório propício ao combate à pirataria.

A solução para o complexo problema da pirataria na indústria da moda é um desafio constante e conjunto, que requer ações integradas dos diversos atores envolvidos. Além das estratégias mencionadas, é fundamental promover o diálogo entre os setores público e privado, fomentar a cooperação internacional e investir em educação e conscientização sobre a importância da proteção dos direitos autorais e da valorização do trabalho criativo na indústria da moda.

Diante dos impactos prejudiciais da pirataria na moda, é imprescindível que a indústria e os diversos agentes envolvidos estejam comprometidos em adotar medidas eficazes para combater esse problema. A proteção dos direitos autorais, a garantia da qualidade dos produtos e a preservação da integridade e autenticidade da indústria da moda são elementos fundamentais para a construção de um mercado justo, sustentável e que valorize a criatividade e a inovação.

Com base nesse contexto, o presente artigo buscou contribuir para o entendimento da pirataria na indústria da moda e suas implicações, fornecendo informações relevantes para a conscientização e a promoção de ações concretas visando combater esse fenômeno negativo à sociedade.

Concluímos que a pirataria na indústria da moda é um desafio significativo, que exige esforços conjuntos de todos os envolvidos. Ao proteger os direitos autorais, garantir a qualidade dos produtos e promover a conscientização, poderemos preservar a integridade e autenticidade da indústria da moda, valorizando o trabalho criativo e inovador de designers e estilistas. Somente por meio de uma abordagem abrangente e colaborativa, poderemos enfrentar efetivamente a pirataria e construir um mercado da moda mais ético, sustentável e próspero.

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Fórum contra a Pirataria. Disponível em: http://www.forumcontrapirataria.org/web/.


[1] Disponível em: https://www.abit.org.br/. Acesso em: 17/08/2023.

[2]  Direitos conexos aos direitos autorais, incluem:

1. Para artistas intérpretes ou executantes:

– A fixação de suas interpretações ou execuções;

– A reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas;

– A radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não;

– A colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem;

– Qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções.  

2. Para produtores fonográficos:

– A reprodução direta ou indireta, total ou parcial;
– A distribuição por meio da venda ou locação de exemplares da reprodução;

– A comunicação ao público por meio da execução pública, inclusive pela radiodifusão;
– Quaisquer outras modalidades de utilização, existentes ou que venham a ser inventadas.

[3] Estabelecido em 2010, com o apoio de Diane von Furstenberg e do Conselho de Estilistas de Moda da América, o Fashion Law Institute foi o primeiro centro acadêmico do mundo dedicado a questões jurídicas e comerciais relacionadas à indústria da moda. Disponível em: https://www.fashionlawinstitute.com/. Acesso em: 18/08/2023.

[4] Mais recentemente, esse conceito evoluiu para o ESG, que representa a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa (Environmental, Social and Governance). A abordagem do ESG busca avaliar em que nível uma corporação trabalha em prol de objetivos sociais e ambientais, que vão além do papel de maximizar lucros, exclusivamente em nome dos interesses dos acionistas da empresa.

[5] Bernard Jean Étienne Arnault, empresário francês, atual presidente e diretor executivo da LVMH (holding francesa especializada em artigos de luxo, formada pelas fusões dos grupos Moët et Chandon e Hennessy e, posteriormente, do grupo resultante com a Louis Vuitton), a maior empresa de artigos de luxo do mundo, e respondendo atualmente pela segunda maior fortuna pessoal do globo, calculada em US$ 150 bilhões, ou 750 bilhões de reais.

[6] Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV – usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;

V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;

VI – substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;

VII – atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;

VIII – vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;

IX – dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;

X – recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;

XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou

XIII – vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou 53 menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser;

XIV – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.

[7] Disponível em: https://fncp.org.br/. Acesso em: 18/08/2023.

[8] Também conhecidos como “etiquetas inteligentes”. Leitor de RFID é um leitor de identificação por radiofrequência (chip RFID), dispositivo usado para coletar informações de uma etiqueta RFID, que é usada para rastrear bens. As ondas de rádio são usadas para transferir dados da etiqueta para um leitor.

[9] Blockchain (“cadeia de blocos”) é uma tecnologia de registro distribuído que permite registrar transações de forma segura, transparente e descentralizada. Ela serve como um livro contábil digital para transações financeiras, registros de propriedade, votações eletrônicas e outras aplicações.


[1] Acadêmico da Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac.

[2] Doutor pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). Professor do Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac.

Regulamentação e tributação das apostas esportivas online – Vol. 1, n. 7, 2023 – Publicado: 11/07/2023


Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


Regulamentação e tributação das apostas esportivas online

Maria Eduarda Silva Menezes & Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

As apostas esportivas online, popularmente conhecidas como bettings, se difundiram de maneira global tornando-se um ramo indiscutivelmente relevante. Ponderando detidamente as legislações vigentes, constatam-se omissões do liame governamental em relação ao mercado de apostas e ao apostador. Por meio de pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa, nos baseamos na análise documental e no levantamento de dados para buscar identificar métodos efetivos para contribuir no sentido de que a iminente regulamentação e tributação das apostas online tenha consequências benéficas. Nossas conclusões sugerem a normatização da proposta e a incidência de tributação, respaldada pelo princípio da equivalência tributária. Por meio do direito comparado, inclusive propostas legislativas e jurisprudência, buscamos experiências para coibir práticas como a evasão de divisas, a ilegalidade no setor, a manipulação de resultados e, por outro lado, garantir a proteção do apostador e a confiabilidade desse mercado em ascensão.

Palavras-chave: Apostas esportivas online; betting; regulamentação; tributação.

Abstract:

Online sports betting, popularly known as bets, has spread globally, becoming an undeniably relevant branch in the economy. A close look at the current legislation reveals omissions from the governmental bond in relation to the betting market and the bettor itself. To this end, we opted for exploratory research, with a qualitative approach and based on document analysis and data survey. The study seeks to identify effective methods so that the imminent approval of the proposals for regulation and taxation of online gambling will have beneficial consequences, considering the present socioeconomic situation of the country, as well as the actors involved. The hypothesis initially raised is the regulation of the proposal and the incidence of a tax supported by the principle of tax equivalence. Observing proposed bills, case law, and even the repercussion of this issue from an international perspective, we gathered overseas experiences to curb practices such as currency evasion, illegality in the betting business sector, the manipulation of results, and on the other hand, to ensure the protection of the bettor and the reliability of this growing market.

Keywords: Online sports betting; regulation; taxation.

  1. INTRODUÇÃO

A expectativa quanto à regulamentação e tributação das apostas esportivas online é grande e demonstra a relevância e o potencial do setor. Hoje não há qualquer respaldo jurídico e tributário específico para a modalidade de entretenimento. Os jogos de azar estão presentes no país desde a chegada dos portugueses ao território brasileiro, tendo como objetivo inicial simplesmente garantir a recreação dos jogadores. Com o passar dos anos e o crescimento da antiga colônia, foi-se fomentado o debate acerca da moralidade e licitude das apostas. Sob o viés da moral e dos bons costumes, sua prática foi restringida até o início das operações de jogos sob o monopólio da Caixa Econômica Federal, em 1961[3].

A relevância e premência da regulamentação e tributação do setor vêm aumentando com o passar dos anos, à medida que o mercado de jogos online vem também afetando a sociedade em alcance mundial. Com o advento das novas tecnologias e a popularização da Internet nascem, como alternativa aos jogos de azar tradicionais, as apostas esportivas on-line. O tema vem sendo discutido em diversos países quanto à legalidade, à criação de normas efetivas e os prováveis tributos a serem estabelecidos para a atividade. Algumas nações fomentam esse mercado e têm legislações bem definidas, enquanto outras vedam completamente a exploração desses jogos e, para tanto, alegam valores éticos/morais, jurídicos e econômicos.

No contexto brasileiro já existem leis capazes de regulamentar os jogos de azar. Contudo, esses diplomas apresentam diversas lacunas, em se tratando das modalidades online de jogos. Essas omissões legislativas já deveriam ter sido sanadas, porém, a burocratização dos processos legislativo e regulamentar ocasionou a mora para definir e disciplinar os tributos incidentes. Em razão dessa omissão legislativa, os valores que deixaram de ser potencialmente recolhidos aos cofres públicos (renúncia fiscal por omissão legislativa) poderiam, por exemplo, ter sido usados para suprir áreas que carecem de incentivo governamental, afetando boa parte dos cidadãos brasileiros.

A ausência de clareza normativa pode também ocasionar problemas como a insegurança do apostador, o incentivo à criação de organizações criminosas, a evasão fiscal, lavagem de divisas e a exposição irrestrita ao vício. Governos e organizações internacionais têm empreendido esforços para a concepção de políticas e regras para garantir a integridade e a transparência do setor de apostas esportivas online.

Como forma de combater as irregularidades, a regulamentação e, consequentemente, a tributação das apostas esportivas virtuais são utilizados em diversas Jurisdições, como, por exemplo, o Reino Unido, os Estados Unidos da América e a Austrália. O tema tem gerado recentes discussões nos Poderes Legislativo e Executivo e na imprensa. Os Projetos de Lei 845/2023, 186/2014, 595/2015, 2.648/2019 e 4.495/2020 refletem a necessidade de reconhecimento e respaldo aos jogos de azar online.

É preciso buscar os métodos mais viáveis para regulamentar, regularizar e tributar as apostas esportivas virtuais, fornecendo insights aos presentes debates no Brasil e no mundo. O objetivo deve ser uma implementação estável e equilibrada dessa legalização/regulamentação, para garantir a proteção do mercado, a arrecadação governamental e a segurança do apostador, considerando a aplicabilidade em outros países e possíveis problemas a serem examinados e sanados, por intermédio da elaboração de lei direcionada ao setor ou pela complementação das legislações já existentes, a Lei 13.756/2018 e a Lei 14.183/2021.

Este artigo foi dividido em duas seções principais. A primeira seção abordará os trâmites atuais de propostas legislativas para a aprovação das apostas esportivas online e sua consequente tributação. Na segunda seção, o objetivo será realizar uma análise internacional comparada quanto à aplicabilidade e problemas a serem enfrentados na implementação deste setor no Brasil.

Os jogos tradicionais de azar têm um contexto histórico e sua prática é amplamente discutida. Contudo, seu respaldo legal não abrange a modalidade virtual ou online de apostas. Para melhor analisar esse fenômeno, utilizamos a pesquisa exploratória, por se tratar de um tema ainda em discussão, com rara produção no âmbito jurídico brasileiro.

Também optamos por uma abordagem qualitativa, considerando a subjetividade das motivações éticas, morais e mesmo econômicas que permeiam essa temática. Como forma de buscar solucionar a hipótese e o problema de pesquisa, foram utilizados o método indutivo e a análise de dados coletados.

O procedimento de coleta de dados se deu por intermédio de pesquisa bibliográfica e documental, com o objetivo de associar e comparar dados advindos da doutrina e legislação nacional e internacional e jurisprudência, para melhor compreensão e interpretação das propostas de regulamentação e tributação das apostas esportivas virtuais.

Também levamos em consideração embates históricos e morais, sob a égide de leis revogadas, até os dias atuais. Discussões fomentadas sobre a legalidade dos jogos de azar e de prejuízos ou, ao menos, falta de benefícios, decorrentes da ausência de tributação. Sob uma perspectiva mundial desse mercado e as possíveis implicações para a sua implementação no país,  buscamos identificar e elucidar resistências em solucionar essa questão. A polêmica em torno do tema transcende o alcance apenas aos principais envolvidos, operador e apostador, englobando os três Poderes e exercendo influência na sociedade de modo generalizado.  

2. REGULAMENTAÇÃO E TRIBUTAÇÃO DE APOSTAS ON-LINE

Analisamos aqui as vigentes propostas para a legalização das apostas esportivas on-line, assim como a possível tributação decorrente dessas operações. Também trazemos posicionamentos daqueles que são, direta ou indiretamente, afetados pela regulamentação do setor, sob o enfoque de especialistas do ramo.

2.1. A proposta de regulamentação das apostas esportivas on-line no Brasil

Insta destacar, previamente, que o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (Lei 3.688/41) veda a exploração de jogos de azar no país. O §3º do citado artigo 50 esclarece o que sejam jogos de azar: “a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; e c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva”.

O Decreto-Lei nº 9.215/46 também considera defesa a prática de apostas sobre quaisquer outros esportes. Em consonância com essa perspectiva, Damásio de Jesus (2015, p. 65) propôs como conduta típica do delito: “o estabelecimento e a exploração de práticas de jogos de revés em ambientes públicos e de fácil acesso da população, mediante a cobrança ou não do ingresso”.

Uma lacuna no referido decreto de 1946 seria que a proibição abrangeria apenas a criação de locais físicos para apostas, uma vez que, à época, inexistiam os meios virtuais. Logo, após essa evolução tecnológica, a prática de apostas esportivas online restou sem a devida regulamentação (SECKELMANN, 2021). Com a redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015, o §2º do artigo 50, da Lei 3.688/41 passou a prever uma multa para participantes de jogos de azar, ainda que por meios virtuais[4].

Com a aprovação da Lei 13.756 em 2018, foi possibilitada a operação de sites de apostas em território nacional. Sua regulamentação, contudo, deveria ter ocorrido nos dois anos subsequentes à sua aprovação. Para viabilizar essa prática, Augusto Sávio Leó do Prado explica:

Nessa modalidade, há três atores envolvidos com a entrega da experiência ao seu destinatário final, que sempre será o apostador. São eles: os operadores (casas de apostas); os fornecedores que viabilizam a operação (plataformas, streaming, dados, odds, meios de pagamento) e as instituições reguladoras e de integridade (PRADO, 2023).

No ano de 2021, com o advento da Lei 14.183, houve apenas o estabelecimento da possibilidade de regulação/fiscalização das apostas de quota fixa e a alteração da destinação dos recursos arrecadados. Ainda, conforme entendimento do supramencionado autor, alguns detalhes foram modificados com a aprovação da Lei 14.183/21. Foi inserido o conceito de GGR (Gaming Gross Revenue), para o cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Já a base de cálculo para recolhimento da PIS (Contribuição para o Programa de Integração Social) e da COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), seria considerada nos moldes do turnover[5] (PRADO, 2023).

Em razão dessa omissão, permeiam indefinições acerca da regulamentação e da tributação do setor de apostas esportivas online no país. Em se tratando do Judiciário, discute-se, no Tema 924[6] de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, a legalidade dos jogos de azar, considerando o disposto no art. 50 da Lei Contravenções Penais.

Também tramita, no Senado Federal, o Projeto de Lei 845/2023. Apresentado pelos senadores Jorge Kajuru (PSB/GO) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), este modelo visa a suprir omissão legislativa e alcançar meios de conscientização, como o chamado “Jogo Responsável”[7], que diz respeito à limitação publicitária e à cobrança de tributos. Com base no referido projeto, pode-se definir aposta virtual como: “uma aposta realizada diretamente pelo apostador em sítios eletrônicos, aplicativos, ou outros meios virtuais, antes do evento real a que se refira a aposta ou durante a sua ocorrência” (SENADO FEDERAL, 2023).

O ponto em questão é a ausência de tributação em relação ao setor de apostas online. Já há legislação vigente a respeito, entretanto, a modalidade não foi devidamente regulamentada no Brasil, vez que não existem tributos e repasses à Administração Pública. Sendo assim, as operações são realizadas de forma livre e as grandes empresas não possuem sede no país. Contudo, veiculam suas imagens em canais de televisão abertos e por meio do patrocínio a diversos clubes esportivos. Em conformidade com o portal desportivo BNL Data[8] (2023), estima-se que o ramo obtenha lucro aproximado de 12 bilhões de reais, em 2023. Aliás, essa arrecadação deve alcançar números ainda maiores, quando ocorrem eventos em nível mundial, como a Copa do Mundo da FIFA.

Com o intuito de regulamentar outros ramos de apostas e a atividade de cassinos, também tramitam no Congresso Nacional os Projetos de Lei 186/2014, 595/2015, 2648/2019 e 4.495/2020. A modalidade de exploração das loterias, sob o comando da Caixa Econômica Federal, é um exemplo de regulamentação de apostas, sob constante supervisão estatal. Reputa-se que a atividade traga benefícios ao interesse nacional, por intermédio da criação de vagas de trabalho direto e indireto, e da consequente geração de renda. Poderá também haver estímulo ao turismo. O outro lado da moeda seriam potenciais problemas, conforme a experiência internacional mostra, de que os grandes cassinos são usados para a lavagem de divisas, eventual financiamento ao terrorismo e às milícias, tráfico de drogas e prostituição. A fiscalização desse setor é muito difícil. Além disso, o vício em jogos e apostas integra o Código Internacional de Doenças.

Em outros aspectos, a regulamentação coibiria o tratamento abusivo dessas apostas, reduzindo crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento de atos criminosos, tendo em vista que a quantia arrecadada estaria sob o modelo regulatório estatal. Segundo os autores Danilo Serra Tavares e Felipe Mello Cerqueira, escrevendo no portal Migalhas (2022), essa possibilidade de validação de práticas desportivas, como os jogos de azar, é dotada de relevância social, porém mostra-se condicionada à regulamentação para garantir sua permanência e efetivação. Ao criar e aplicar sanções àqueles que contrariarem as normas, está se resguardando bens juridicamente tutelados, bem como preservando a vida harmoniosa em sociedade e as partes envolvidas.

Há, contudo, opiniões contrárias à tal controle estatal, uma vez que consideram que o Estado falha na fiscalização e que a prática exacerbada de apostas poderia incentivar os apostadores ao vício. Em consonância com essa perspectiva, o psiquiatra Valdir Campos, em entrevista concedida ao jornal A Tribuna (2022), esclareceu que há indivíduos na sociedade com maior propensão a desenvolver patologias ligadas ao vício em jogos. Para inibir o adoecimento de parcela da população, seria necessário vedar a prática de jogos de azar, e, esse combate seria considerado uma política pública. Há ainda o posicionamento contrário atrelado à religião, tendo como um dos representantes a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), que critica a proposta, salientando os prejuízos à família, à moral e à sociedade como um todo.

Para Chris Doughan, da Genius Sports[9], em entrevista à Lincoln Chaves, da Radio Nacional,tornar essas apostas legais seria um modo de evolução, tanto no ramo fiscalizatório, quanto no tributário, vez que 75% dos componentes do mercado de apostas atuam de maneira ilegal. O especialista ainda complementa afirmando que, com a ausência de regulamentação não há contabilização das apostas, nem segurança ao apostador e visibilidade ao esporte. Assim, o Estado deixa de tributar a modalidade, sem garantir os benefícios dela decorrentes (AGÊNCIA BRASIL, 2019).

Em que pese as possíveis regras que serão adotadas para regulamentar as apostas em território nacional, empresários do ramo foram favoráveis à proposta e à possibilidade de tributação sobre as operações. O CEO global da Plataforma KTO[10], Andreas Bardun, prestou informações publicadas pelo portal GZH Geral (2023)[11], no sentido favorável à arrecadação tributária governamental, tendo em vista que essa tributação ocorre em diversos países em que sua empresa atua, de forma licenciada. A regulamentação de apostas esportivas e a tributação do setor certamente alavancam aspectos econômicos e o crescimento nos índices de empregabilidade.

Acredita-se que o regramento da tributação do setor, a exigência de sede das empresas no país, a fiscalização de atividades consideradas suspeitas e a garantia do respeito à integridade das apostas, afastaria empresas que poderiam ser prejudiciais, visto que os dados estariam sob análise constante da Receita Federal do Brasil e do Banco Central. Para tanto, utilizariam a tecnologia e a inteligência artificial para o efetivo monitoramento do comportamento dos usuários, além de mecanismos de conformidade (compliance) como, por exemplo, “conheça o seu cliente” ou “know your client – KYC” e “conheça a sua transação” ou “know your transaction – KYT”. Esses procedimentos servem para observar os dados dos utilizadores e eventual histórico negativo de envolvimento em fraudes, ou, de atividades relacionadas à lavagem de divisas. De acordo com o diretor da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte[12], esses mecanismos de inteligência artificial avaliam fatores como a periodicidade de apostas e os possíveis aumentos súbitos de quantias apostadas, evitando prejuízos decorrentes de fraudes e possibilitando a notificação aos órgãos moderadores (GHZ Geral, 2023).

Desde a promulgação da Lei 13.756/18 e mesmo sem a devida regulamentação, essa prática tornou-se uma realidade no contexto nacional, sendo incontestáveis o seu crescimento e a ascensão constante do número de adeptos.

2.2. A possibilidade de tributação das apostas virtuais em âmbito nacional

Como proposta inicial de regulamentação, o governo federal sugeriu, na gestão Bolsonaro (2019-2022), que as empresas do setor de apostas arcassem com uma taxa, aproximada entre 22 e 30 milhões de reais, para operarem no Brasil, por um período de 5 (cinco) anos. Contudo, a atual gestão federal (2023-2026) considera esse valor superado e propõe 30 milhões para a obtenção da licença, valor que tem sido considerado exagerado por representantes do setor. Este é um fator crucial e que poderá afastar potenciais investidores e, consequentemente, reduzir o recolhimento de tributos. Conforme a concepção de Luiz Felipe Maia, advogado especialista em apostas, em entrevista à Máquina do Esporte (2023): “No final do dia, cobrar uma licença mais cara, vai gerar uma arrecadação mais baixa. Porque a arrecadação do dia a dia vem sobre a operação de quem está devidamente licenciado, legalizado”.

Partindo dessa premissa, necessária uma análise acerca do equilíbrio na tributação que será implementada, com a finalidade de manter o interesse de empresas do ramo e dos apostadores, sem afetar o recolhimento dos tributos. Tendo como alicerce o princípio da proporcionalidade, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento atinente a essa temática mediante a Questão de Ordem da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.551[13], relator o Ministro Celso de Mello, que concluiu que:

[…] A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atividade estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixados em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência, entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro) configurar-se-á, então, quanto a esta modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV da Constituição da República (BRASIL, 2003).

Consoante o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista à Reuters[14], a tributação das apostas se dará por medida provisória. Entretanto, será previamente analisada pela Casa Civil e, após a sua publicação, serão editados portarias e atos infralegais, definindo um regramento efetivo. Em pesquisa pública, realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas[15] (2023), obteve-se como resultado que, dentre o público questionado, 55,2% são a favor da cobrança de tributos de empresas de apostas esportivas online. Outros 27,9% dos entrevistados se disseram desfavoráveis à proposta, enquanto 16,9% não souberam responder ou não opinaram.

Especialistas acreditam que a tributação das empresas do setor de apostas online deveria se aproximar do percentual de 20%, levando em consideração a média do Gaming Gross Revenue (GGR), aplicada em outros países e que tem essa tributação como atrativo de investidores. O especialista Udo Seckelmann, durante o Webinar “Apostas Esportivas no Brasil – Análise Regulatória e Aspectos Tributários”, organizado pela Academia Nacional de Direito Desportivo,  apresentou uma análise conclusiva acerca da tributação de apostas esportivas no país. Ele concluiu que, atualmente, existem operações realizadas em território nacional que se adequam ao negócio de apostas esportivas. Contudo, com a ausência de um amparo jurídico regulamentador, o governo acaba não tributando essas atividades. Por fim, aquele especialista alerta para o fato de que deve ser observada a implementação de um tributo equilibrado e, consequentemente, atrativo para que os operadores se instalem no Brasil (SECKELMANN, 2021).

Com a aprovação da Lei 14.183/21, foi delimitada a aplicação do GGR. No entanto, subsistem aspectos ainda sem fundamentação legal, como a forma em que a tributação incidirá sobre a atividade, a instalação dessas empresas no Brasil e a tributação sobre os apostadores. Desse modo, o Gaming Gross Revenue diz respeito à receita bruta dos jogos e é calculado pelo volume de apostas, descontando o valor pago para a premiação. O Turnover, por sua vez, é o cálculo feito a partir de toda a receita ou pelo volume gasto nas operações de apostas, podendo ser variável o percentual de sua tributação.

            Nos moldes atuais, o Decreto 9.580/18, em seu artigo 732, traz a cobrança da alíquota correspondente a 30% para as hipóteses de lucros decorrentes de prêmios obtidos em loterias, turfe, sorteios, dentre outras modalidades. Esse tributo incide sobre os apostadores, contudo, sua aplicabilidade não está definida no que tange às apostas esportivas on-line. O especialista Luiz Felipe Maia acredita que o percentual de tributos sobre as empresas do setor esportivo se aproximaria de 19%, semelhante às empresas convencionais, sendo dividido em: 0,10% do pagamento de apostas realizadas em locais físicos e 0,05% para apostas virtuais. Os valores referentes à PIS e à COFINS são 9,25% e há, ainda, um percentual variável de acordo com o local em que a empresa é sediada entre 2% e 5% (MÁQUINA DO ESPORTE, 2023).

A atualização das normas tributárias não acompanha o desenvolvimento tecnológico e alguns países deixam de arrecadar valores bilionários com a fiscalização das modalidades de apostas sobre competições esportivas. O Brasil está caminhando para a regulamentação do registro de empresas do setor, de tributos incidentes e de ilícitos potenciais.

Como forma de definir a competência tributária para a aplicação do ISS sobre os jogos online, em caráter de apostas ou não, foi votado o Projeto de Lei Complementar nº 202/2019[16], que determina que o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) seja recolhido no local de domicílio do jogador (SENADO FEDERAL, 2019). Nota-se, portanto, que, apesar do lapso temporal decorrido desde a votação, o projeto supracitado encontra-se em plena tramitação.

Em contraposição ao aspecto da legalidade, há o princípio tributário pecunia non olet (“dinheiro não tem cheiro”). Apesar de ainda não serem tributáveis as atividades do setor de apostas, o contribuinte pessoa física deve arcar com o Imposto de Renda e eventuais outros tributos (IPTU, IPVA etc.), decorrentes da apuração de ganho de capital e bens adquiridos com a quantia arrecadada com apostas bem-sucedidas.  De acordo com Soares (2019, p.20): “[…] para fins de tributação, pouco importa se o ato praticado pelo sujeito passivo é legal ou ilegal, pois o que interessa, em termos de incidência, é o resultado econômico obtido”.

Para as premiações das apostas realizadas em loterias federais há um abatimento prévio, ou seja, uma alíquota de 30%, que é retida na fonte para o Imposto de Renda. No entanto, os valores que chegam ao ganhador são aqueles divulgados, uma vez que já houve desconto. (R7, 2022).

Aguardando apreciação, há também o Projeto de Lei 442/91, que tramita como PL 2234/22, cuja aprovação repercutiria diretamente em todo o setor de apostas. Tal proposição legislativa tinha o objetivo inicial de legalizar o “jogo do bicho”. Todavia, a proposta foi alterada para incluir a possibilidade de exploração de jogos de revés e de apostas em todo o Brasil (SENADO FEDERAL, 1991).

A dificuldade de fiscalização do setor de apostas é exatamente um dos obstáculos para a sua regularização.  Locais físicos e virtuais implementados de forma desregrada podem fomentar o vício, induzindo à incidência de práticas como o tráfico de entorpecentes, a ocultação de bens e o endividamento familiar.

3.  DIREITO COMPARADO E PARÂMETROS RELEVANTES PARA A VIABILIZAÇÃO DO SETOR DE APOSTAS ESPORTIVAS ONLINE NO PAÍS

Aqui exploramos os impactos da legalização das apostas esportivas on-line em diversos países, considerando a sua capacidade de tributação e de fiscalização em relação ao setor. Também analisamos aspectos socioeconômicos, caso sejam aprovadas e tributadas as operações das empresas de bettings no Brasil.

3.1 Análise comparativa: a operação das apostas online em outras Jurisdições

Consoante informações do laboratório estadunidense Tax Foundation (2022), houve autorização e tributação de apostas esportivas online em, aproximadamente, trinta estados daquela Jurisdição. Majoritariamente, lá é adotado o modelo Gaming Gross Revenue para realizar o pagamento aos apostadores. Como exemplo, o Estado de Nova Iorque definiu uma taxa GGR de 51%. Alguns estados estudam retirar a tributação de apostas promocionais, uma vez que o excesso de tributos pode reduzir a atratividade do mercado.

Também nos Estados Unidos, há uma espécie de tarifa (preço/custo privado) que varia de acordo com o tipo de aposta, chamada de vig (vigorish) ou juice, e que corresponde a uma quantia cobrada pelas casas de apostas somente para a participação do jogador, ressarcida em caso de vitória. Ainda poderá ocorrer a incidência de tributos federais, uma vez que, de acordo o Serviço de Receita Federal estadunidense, Internal Revenue Service – IRS, todos os ganhos advindos de apostas devem ser declarados como uma forma de renda extra. Contudo, esse tributo será aplicado a ganhos superiores a 600 dólares e pode sofrer variações conforme a premiação. Em apostas com ganhos superiores a 5 mil dólares, essa tributação pode se aproximar de 28%. Os apostadores ainda são submetidos a um tributo estadual cujo percentual varia de acordo com cada estado (FORBES BETTING, 2022).

O site Time2play[17] (2023) executou um levantamento das apostas realizadas nos Estados Unidos, durante o período da pandemia da COVID-19. Os resultados mostraram que, enquanto houve uma queda de 47% nas apostas realizadas de forma presencial, o setor de apostas esportivas on-line foi beneficiado com um aumento geral exponencial de 68%. Os resultados do estudo influenciaram estados, em que as apostas eram tidas como irregulares, a regulamentarem a prática, devido à receita adquirida durante o ano de 2020. O mesmo site ainda realizou uma pesquisa sobre a preocupação do cidadão dos Estados Unidos com o índice crescente de regularização de apostas. Os resultados mostraram que somente 20% dos entrevistados relataram ter certa preocupação, enquanto 42% não revelaram qualquer receio.

No Reino Unido a remuneração é realizada de maneira diversa, ou seja, o GGR é utilizado para recolher o percentual de 15% da receita bruta das apostas, somente das empresas de apostas on-line, cassinos e casas de apostas. O cidadão não é diretamente tributado, nem mesmo com Imposto de Renda sobre a premiação em si, independente do valor auferido, ou da região em que foi realizada a aposta. Apesar da ausência de tributação sobre o apostador aparentar ser prejudicial à arrecadação governamental, na realidade, esse é um fator atrativo para os jogadores e garante, desde o ano de 2018, em média, 2,9 bilhões de libras esterlinas arrecadadas do setor de apostas. Para garantir a legalidade são utilizados sites licenciados e aferidos pelo governo britânico (TECHROUND, 2023).

Em razão dessa estrutura bem definida, o Reino Unido tem um dos maiores mercados mundiais de apostas online. O seu marco inicial data de 2005, por meio do Gambling Act e complementado pelo Gambling Bill, de 2014. Segundo o site Aposta Legal[18] (2023), o cumprimento dessas regras é garantido pela Gambling Comission[19], que também é responsável por expedir as licenças para os operadores, pessoas físicas ou jurídicas, devendo observar fatores como o combate ao vício, a vedação da prática por crianças e o oferecimento de apostas justas. Também deve emitir relatórios das atividades realizadas para combater a fraude, obedecendo o regramento previsto na License Conditions and Codes of Practices. Seu descumprimento pode acarretar a suspensão da licença e sanções.

A política fiscalizatória é rigorosa, uma vez que são exigidos relatórios contendo o histórico de cada apostador e analisadas as transações financeiras das casas de apostas e dos clientes. Para manter o licenciamento no Reino Unido, paga-se uma taxa anual de 3% sobre o total da receita recebida naquele ano pelos estabelecimentos. Deste modo, ficam seguras juridicamente as empresas do setor, o apostador e o próprio governo, considerando que possuem um ente que regulamenta e fiscaliza o setor de apostas, incluindo aquelas realizadas virtualmente, com publicidade e transparência para coibir trapaças e a inserção dos cidadãos no vício, decorrente de jogos.

Na Espanha, por intermédio da Lei nº 13, de 2011[20], foram regulamentados os jogos online. Em que pese o grande crescimento do setor de apostas e consequente aumento no número de arrecadações naquele país, alguns autores espanhóis demonstram preocupação com a exposição deliberada às apostas, sobretudo da população mais jovem. Com isso, é estudada uma vertente da ludopatia[21], diretamente relacionada aos jogos desportivos virtuais. Isso se dá por fatores que transcendem a amplitude e a propagação da modalidade, mas também incluem a facilidade em alcançar os resultados, quando rapidamente encantam esse público (FERNÁNDEZ; ALGARIN, 2019).

A Austrália é um exemplo de local onde as apostas e os jogos de azar são explorados de forma abrangente. Em 2017, a entidade responsável pela regulamentação do setor fez algumas alterações na Interactive Gambling Act, de 2001. A Australian Communications and Media Authority (2022), modificou o referido ato regulamentador para restringir as apostas de australianos a grupos de jogos ilegais do exterior. Essa alteração, segundo o portal governamental, reduziu significativamente o prejuízo dos jogadores. Ademais, com as modificações de 2017, foram elencadas dez medidas para auxiliar apostadores com vícios ou demandas decorrentes da atividade desportiva, por meio da Estrutura Nacional de Proteção ao Consumidor.

No continente asiático, o tratamento do setor de apostas esportivas é diversificado. Há países, como a Indonésia, onde a prática é proibida e outros, como Singapura, onde a prática não está vedada e tem regulamentação. Existem também casos como o do Japão e o da Coreia do Sul, em que a legalidade abarca somente determinados setores, como as corridas de cavalo. O caso da República Popular da China é delicado, do ponto de vista fiscalizatório, uma vez que, mesmo com legislação que define a prática de apostas como ilegal no país, muitos chineses procuram sites do exterior e os acessam de forma sigilosa. Segundo o portal SIGMA News (2021)[22], O Ministério de Segurança Pública da República Popular da China declarou que a polícia local havia investigado, aproximadamente, 17.000 casos de jogos de azar entre fronteiras. Em cerca de um ano, as autoridades chinesas fecharam 3.400 plataformas de jogos de azar online e 2.800 plataformas de provedores de pagamentos ilegais.

Portanto, com as peculiaridades de cada país, observam-se também os valores morais e sociais de cada local, atrelados ao bem-estar dos cidadãos, que são fatores decisivos para a regulamentação ou proibição da prática de apostas esportivas. Em contraposição, este fenômeno é contemporâneo, por isso carece da devida atenção estatal. A era da informatização traz inúmeras possibilidades, inclusive a de burlar aquilo que é vedado. Com a ausência de fiscalização e a omissão do Estado, cidadãos ficam expostos ao hábito de apostar de forma desembaraçada, podendo contrair distúrbios psicológicos e, da mesma forma, desenvolver condições como a compulsão em relação aos jogos de azar, chamada ludopatia.

3.2 Impasses para a regulamentação das apostas esportivas online em território nacional

Um dos fatores que mais fomenta a discussão acerca da legalização de apostas esportivas on-line é de crimes como a evasão e lavagem de divisas. No limbo legislativo em que se encontra o setor no país, esses crimes são praticamente uma consequência, tendo em vista que as casas ou sites de apostas não podem ter sede no Brasil e atualmente são operados por empresas do exterior. Não são observadas as movimentações financeiras dessa atividade, o que enseja a possibilidade de sua utilização para uma retirada financeira com intuito de ludibriar as cobranças.

Sendo assim, rendimentos provenientes de atividade ilícita podem ser declarados como premiações de jogos de azar (lavagem de divisas). Para coibir esses ilícitos é necessário analisar medidas adotadas no contexto internacional e adequar a legislação existente para que alcance os estabelecimentos comerciais, sedes e filiais, evitando condutas ilícitas e elencando como dever dos operadores comunicar atividades suspeitas e promover avaliações frequentes.

Apesar do Decreto 9.215/46 prever ser irregular o setor de apostas no Brasil, essa proibição é somente sobre a atividade de cassinos, bingos e demais jogos de azar presenciais. Com a utilização da Internet, essa norma foi superada, pois não dispõe acerca das apostas esportivas virtuais ou online, além da atuação dos operadores ocorrerem em outros países. Neste contexto, resta afastada a punibilidade de jogadores/apostadores online, sob o aspecto da Lei de Contravenções Penais e da posterior Lei nº 13.756/18.

É irrefutável a demora do governo federal em suprir lacunas normativas e tributar um mercado que movimenta bilhões de reais anualmente e está em plena ascensão. A mera cobrança do imposto de renda sobre os ganhos dos apostadores denota perda de arrecadação, “valores que poderiam ser utilizados para promover políticas públicas e a criação de novas vagas de emprego” (PRADO et al., 2021).

Outro aspecto a ser analisado é a confiabilidade dos mercados de apostas esportivas. O relatório do Sportradar[23] (2022) revelou que o Brasil é o país em que houve o maior índice de possível manipulação de resultados. Para isso, foram analisados erros de resultados e indícios fortes obtidos a partir de algoritmos e de um banco de dados, constantemente atualizado. Nos dias atuais, as apostas esportivas transcenderam a máxima de que para obter a premiação seria necessário apenas identificar o ganhador e o resultado da partida. No futebol, por exemplo, são considerados acertos sobre detalhes como o número de escanteios e a quantidade de cartões aplicados durante a partida.

Algumas operações foram deflagradas para investigar suspeitas de manipulação de resultados em partidas de futebol dos campeonatos cearense e amazonense. Destaque para uma operação deflagrada pelo Ministério Público do Estado de Goiás, chamada de “Operação Penalidade Máxima”. Nela é investigado um esquema na série B do Campeonato Brasileiro, em que os jogadores deveriam cometer pênaltis, ainda na primeira etapa do jogo, favorecendo determinados apostadores virtuais e empresários (GE, 2023). O caso teve tanta repercussão que ocasionou a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas na Câmara dos Deputados, em Brasília[24].

Essas fraudes evidenciam mais transtornos decorrentes da falta de fiscalização e promovem questionamentos sobre a credibilidade dos esportes, em um mercado com ausência de regulamentação. Aliás, o Código de Ética da FIFA de 2023 veda a participação de jogadores, técnicos, agentes, árbitros e demais profissionais ligados ao futebol em apostas, exatamente para coibir a manipulação. A indústria de apostas esportivas está em crescimento mundial, em que pese a ausência de um marco regulatório brasileiro. O Comitê Olímpico Internacional, desde o ano de 2022, já demonstra preocupação com a adulteração nos resultados de jogos para trazer lucro a uma parcela determinada de apostadores, empresários e, até mesmo, atletas (IGAMING BRAZIL, 2023).

A fiscalização e repressão a golpes e fraudes, tanto no âmbito esportivo, quanto nas apostas físicas e virtuais são atividades complexas, devido à dificuldade de contabilizar o número de empresas às quais o apostador submete seus jogos e fornece seus dados, bem como para monitorar dados sobre atitudes suspeitas dos próprios jogadores. Preocupações relativas a organizações criminosas e esquemas de pirâmide financeira, encobertos pela atividade de apostas, são fatores preocupantes e com grande potencial negativo sobre o setor.

O apostador, por sua vez, é um dos maiores alvos das condutas criminosas. É ele o autor de investimento financeiro, sem estar devidamente resguardado e protegido pelas normas jurídicas vigentes. As próprias operadoras, no mais das vezes, criam seus próprios mecanismos internos (KYC/KYT)[25] para verificar atividades ilícitas e o comportamento do consumidor. Com a normatização das apostas, os adeptos da modalidade gozarão da possibilidade de escolher entre diversas empresas, devidamente licenciadas, sob supervisão do Estado, podendo minimizar golpes e propiciar o recebimento garantido da premiação.

Existem maneiras saudáveis de utilizar as apostas como forma de entretenimento, como por intermédio do “Jogo Responsável”[26], que é um conjunto de propostas com o objetivo alertar sobre possíveis danos decorrentes de apostas e restringir a faixa etária dos apostadores. As loterias da Caixa Econômica Federal são exemplo, pois ocupam local de destaque no estímulo em relação a esse programa de boas práticas e conscientização, em nível mundial.

Ferramentas como o background check (“verificação de antecedentes”) digital, que corresponde a uma maneira de obter informações acerca de pessoas jurídicas e físicas, além de prováveis envolvimentos em fraudes, processos e problemas financeiros, apenas com o uso da razão social e do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, ou, do nome e Cadastro de Pessoas Físicas. Há também, a utilização do know your costumer – KYC (“conheça seu cliente”), que confere uma validação da documentação cadastrada e o reconhecimento facial pelos usuários, assim que seu cadastro é criado, para evitar fraudes com a vinculação deliberada de documentos de qualquer pessoa. Com o auxílio tecnológico e de inteligência artificial, as empresas são capazes de monitorar a atividade dos apostadores e a origem dos valores aplicados, garantindo mais segurança aos operadores (IDWALL, 2022).

A publicidade dos sites de apostas virtuais tem sido criticada e demonstrou a necessidade de regulamentação própria para proteger a população da tendência ao vício e de consequentes problemas financeiros. Contudo, as empresas do setor têm investido em massivas campanhas publicitárias nas mídias sociais, em diversos meios de comunicação e no patrocínio aos clubes de futebol. Os problemas sociais derivados se estendem, por exemplo, quando crianças e adolescentes passam a fazer parte da população que é ludibriada por promessas de lucro fácil, rápido e descomplicado. Tanto mais quando os “garotos-propaganda” são ídolos do futebol internacional.

No Reino Unido, por exemplo, devem ser seguidas regras rigorosas para evitar a inserção dos apostadores no vício e estimular a jogabilidade equilibrada. Assim, as campanhas publicitárias no setor têm restrições, sendo vedadas durante a programação infantil e no transporte público. Segundo o site Igaming Brazil[27] (2022), o Comitê para Prática de Publicidade do Reino Unido está restringindo o uso de imagens de jogadores de futebol para o marketing, pois entende como potente apelo para estimular a participação do público jovem nas apostas.

Uma legislação bem definida e apropriada sobre as apostas esportivas online, atrelada à Lei Geral de Proteção de Dados (2018), trariam confiança e proteção ao apostador. Os dados dos clientes em potencial seriam tratados e compartilhados somente com a sua expressa permissão, incluindo a finalidade à qual seriam utilizados. Em caso de eventuais vazamentos, irregularidades ou descumprimento dos requisitos legais, as empresas poderiam sofrer penalidades de até R$ 50 milhões por infração e um percentual de 2% do total faturado pela empresa. Com base em legislação, experiências e diretrizes de outros países é possível construir um alicerce sólido para a exploração das apostas esportivas virtuais no Brasil, aproximando-se de um sistema ético, conforme e transparente.

Recentemente, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, o assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, José Francisco Manssur, informou[28] sobre as diretrizes tributárias elencadas na chamada “Medida Provisória das Apostas Esportivas”[29], restringindo essa pauta às loterias de prognósticos de resultados de esportes, afastando assim a regulamentação de jogos azar, como o bingo e o cassino. Dos operadores será exigida sede da empresa no país, o pagamento de uma licença de R$ 30 milhões e a tributação seguirá um modelo próximo ao implementado no Reino Unido, de 15% no GGR, ou seja, esse percentual será descontado do lucro obtido pela empresa, sob pena de atuarem na ilegalidade. Os percentuais de Imposto de Renda, PIS e COFINS manteriam os moldes atuais para pessoas jurídicas, com a contribuição de alíquota próxima de 10% para a Seguridade Social. Em relação ao apostador, serão observados os critérios já definidos na Lei 13.756/18, de 30% sobre o Imposto de Renda, respeitando a faixa de isenção preexistente. Parte dos congressistas considera inconstitucional a utilização de medida provisória para esses fins tributários, considerando o disposto no artigo 146 da Constituição Federal, que exigiria lei complementar para tanto: “[c]abe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;(…)”. O texto está sendo apreciado pelo Congresso Nacional (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2023).

Não obstante, o Ministério da Fazenda, informou, pela plataforma digital do Governo, sobre a finalização da proposta de regulamentação dos bettings, por medida provisória a ser encaminhada ao Congresso Nacional. Todavia, houve alteração do percentual a ser utilizado, que será de 16% sobre o GGR, tendo uma destinação às áreas essenciais, como segurança, educação e ações sociais. A regulação da comunicação, publicidade e propaganda ficaria a cargo do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR) e seria criada uma secretaria no próprio Ministério da Fazenda para exercer o controle de apostas e das empresas a serem credenciadas (GOV.BR, 2023).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou trazer luzes à regulamentação e tributação das apostas esportivas virtuais no país. O fenômeno das apostas online é contemporâneo e complexo, envolvendo desde a legalidade dos jogos de azar, incluindo as chamadas bettings, até as possíveis intercorrências na implantação e atuação segura e lícita do setor no Brasil, além do devido equilíbrio para coibir exigências exacerbadas do poder público e tributação excessiva, que acabam por afastar operador e apostador.

O objetivo foi analisar a viabilidade da operação do setor de apostas em território nacional, considerando o contexto socioeconômico e governamental. Buscou-se um método capaz de fornecer proteção aos principais envolvidos, explorando o tratamento do tema por outros países. Concluímos ser possível realizar fiscalização e tributação adequadas, já que o Estado brasileiro não tem tributado os lucros decorrentes de apostas esportivas online, gerando insegurança jurídica e financeira, além de deixar de coibir ilícitos fiscais e contribuir para o crescimento da desigualdade socioeconômica.

Foram analisadas diferentes legislações, proposições legislativas, entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que abordam as apostas de quota fixa, a verificação de métodos utilizados como atrativos e normas, em diversos países, que podem influenciar essas operações no Brasil e identificar dificuldades a serem enfrentadas em caso de efetiva regulamentação do setor. Verificou-se, portanto, que a ausência de regulamentação gera insatisfação e desafios, pois os jogadores são expostos à prática deliberada, à insegurança e a empresas desconhecidas, que têm a possibilidade de atuar, inclusive, de maneira irregular e fraudulenta.

O estabelecimento de diretrizes transparentes, protetivas e íntegras definirá o mercado de apostas virtuais, por intermédio de licenças, fiscalização, combate à fraude e a outros ilícitos relacionados. Ao garantir que essa prática pertença a um ambiente saudável, em que a sua tributação seja sinônimo de benefícios para o país, a arrecadação tributária decorrente dessa indústria em ascensão ensejaria um exponencial auxílio para as finanças públicas, atraindo investimentos fundamentais para o desenvolvimento do Brasil.

            É crucial que as normas sejam elaboradas de forma criteriosa e equilibrada, considerando as experiências internacionais, bem como o atendimento ao interesse das partes envolvidas. Para isso, um elo entre poder público, especialistas e sociedade é imprescindível para a criação de marco regulatório justo e adequado, que proteja o consumidor e incentive o crescimento do setor de apostas. Além disso, a devida observância de questões relativas à saúde mental do apostador, que está suscetível a desenvolver a ludopatia, é imprescindível. Também os operadores do mercado e o próprio Estado necessitam estar atentos para evitar crimes como a manipulação e fraude dos resultados, que, inclusive, ensejou a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas, no âmbito da Câmara dos Deputados. A prevenção e o combate aos crimes do setor são cruciais para a consolidação e confiabilidade dessa modalidade em território nacional.

            Em suma, com a globalização tecnológica, alavancada pela pandemia de COVID-19, houve um aumento da procura da sociedade por entretenimento e consumo online. A regulamentação e a tributação das apostas esportivas online é o meio apropriado para dissociar as práticas ilegais deste mercado daquelas lícitas e construtivas. Por intermédio da implementação de legislação bem estruturada, seria possível garantir proveitos, ao Estado e à sociedade, decorrentes dessa atividade. A indicação ou criação de uma autoridade para o monitoramento dos sites, controle de apostas e de publicidade é essencial para um determinante cumprimento da legislação. Tal autoridade seria certamente auxiliada pelas inovações da tecnologia e pela inteligência artificial no cumprimento de suas tarefas. Enfim, a devida garantia de arrecadação pelo Estado, um ambiente seguro ao apostador, a transparência e o incentivo às empresas do ramo são critérios a serem considerados pelas autoridades para a consolidação desse setor e para o desenvolvimento socioeconômico do país.

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ECHROUND. Do You Need to Pay Taxes in The UK On Gambling Winnings? Londres, 25 fev. 2023. Disponível em:https://techround.co.uk/other/need-pay-taxes-uk-gambling-winnings/. Acesso em 26 abr. 2023;

TIME2PLAY. Gambling statistics 2022: The definitive guide.21 fev. 2023. Disponível em: https://time2play.com/gambling-statistics/ Acesso 05 mai. 2023.


[3] Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-monopolio-de-loterias-no-brasil/936747172#:~:text=A%20Caixa%20Econ%C3%B4mica%20Federal%20tem%20o%20monop%C3%B3lio%20das%20loterias%20desde%201961. Acesso em: 04/07/2023.

[4] “§ 2o Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador”. 

[5] A tributação por turnover cobra taxas sobre todo o dinheiro transacionado pelos apostadores em uma casa de apostas. Ou seja, sobre as apostas realizadas. Esse modelo desconsidera boa parte dos valores que não ficam com a casa, por exemplo: o pagamento de prêmios e bônus, despesas com promoções etc.

[6] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4970952&numeroProcesso=966177&classeProcesso=RE&numeroTema=924. Acesso em: 04/07/2023.

[7] Disponível em: https://www.caixa.gov.br/jogo-responsavel/Paginas/default.aspx. Acesso em: 04/07/2023.

[8] Disponível em: https://bnldata.com.br/. Acesso em: 04/07/2023.

[9] Disponível em: https://www.geniussports.com/. Acesso em: 21/06/2023.

[10] Disponível em: https://www.kto.com/pt/. Acesso em: 21/06/2023.

[11] Disponível em: https://www.osul.com.br/pessoas/ceo-kto-andreas-bardun-visita-pampa/. Acesso em: 21/06/2023.

[12] Disponível em: https://abradie.com/pt/. Acesso em: 21/06/2021.

[13] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1978816. Acesso em: 04/0-7/2023.

[14] Disponível em: https://www.reuters.com/article/brazil-economy-sportsbetting-idINL1N3592NE. Acesso em: 04/07/2023.

[15] Disponível em: https://www.paranapesquisas.com.br/pesquisas/parana-pesquisa-divulga-pesquisa-realizada-em-territorio-nacional-com-o-objetivo-de-avaliar-o-mercado-de-apostas-esportivas-online-marco-2023/. Acesso em: 04/07/2023.

[16] Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/matéria/-/matéria/138471. Acesso em: 26/06/2023.

[17] Disponível em: https://time2play.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[18] Disponível em: https://apostalegal.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[19] Disponível em: https://www.gamblingcommission.gov.uk/. Acesso em: 04/07/2023.

[20] Disponível em: https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2011-9280. Acesso em: 04/07/2023.

[21] Condição médica caracterizada pela compulsão de uma pessoa por jogos de azar, o que pode levar a graves consequências para o indivíduo: financeiras, sociais, físicas e emocionais. O vício em jogos de azar é classificado pelos CID-10-Z72.

[22] Disponível em: https://sigma.world/news/. Acesso em: 26/06/2023.

[23] Disponível em: https://sportradar.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[24] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2351335. Acesso em: 26/06/2023.

[25] KYC – Know your customer. KYT – Know your transaction.

[26] Disponível em: https://www.caixa.gov.br/jogo-responsavel/Paginas/default.aspx. Acesso em: 26/06/2023.

[27] Disponível em: https://igamingbrazil.com/. Acesso em: 28/06/2023.

[28] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/952244-governo-devera-editar-medida-provisoria-para-regulamentar-apostas-esportivas. Acesso em: 26/06/2023.

[29] Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/governo-regulamenta-apostas-esportivas-de-quota-fixa-no-brasil-1. Acesso em: 26/06/2023.


Maria Eduarda Silva Menezes. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Planalto Central – Uniceplac. E-mail: eduardamaria750@gmail.com.

Fernando de Magalhães Furlan. Professor doutor do curso de Direito do Centro Universitário do Planalto Central – Uniceplac. E-mail: fernando.furlan@uniceplac.edu.br


Ainda sobre algumas dúvidas frequentes de pequenos negócios sobre concorrência.

Potenciais condutas anticompetitivas no relacionamento com concorrentes

Fernando de Magalhães Furlan

a. Fixação de preços

            A fixação de preços é um acordo (escrito, verbal ou inferido de conduta) entre concorrentes que aumenta, diminui ou estabiliza preços ou condições competitivas. Geralmente, as leis antitruste exigem que cada empresa estabeleça preços e outros termos por conta própria, sem concordar com um concorrente. Quando os consumidores fazem escolhas sobre quais produtos e serviços comprar, eles esperam que o preço tenha sido determinado livremente com base na oferta e na demanda, e não por um acordo entre concorrentes. Quando os concorrentes concordam em restringir a concorrência, o resultado geralmente são preços mais altos. Assim, a fixação de preços é uma das principais preocupações da fiscalização antitruste do governo e geralmente se enquadra como conduta anticompetitiva conhecida como cartel ou, ainda, pode ser tipificada como influência a conduta comercial uniforme, também passível de punição segundo a lei antitruste.

            Um acordo claro entre concorrentes para fixar preços é quase sempre ilegal, quer os preços sejam fixados no mínimo, no máximo ou dentro de algum intervalo. A fixação ilegal de preços ocorre sempre que dois ou mais concorrentes concordam em realizar ações que tenham por efeito aumentar, baixar ou estabilizar o preço de qualquer produto ou serviço sem qualquer justificação legítima. Esquemas de fixação de preços são muitas vezes elaborados em segredo e podem ser difíceis de descobrir, mas um acordo pode ser descoberto a partir de evidências “circunstanciais”. Por exemplo, se os concorrentes diretos tiverem um padrão de termos contratuais idênticos inexplicáveis ​​ou comportamento de preços juntamente com outros fatores (como a falta de explicação comercial legítima), a fixação ilegal de preços pode ser o motivo. Convites para coordenar preços também podem gerar preocupações, como quando um concorrente anuncia publicamente que está disposto a encerrar uma guerra de preços se seu rival estiver disposto a fazer o mesmo, e os termos são tão específicos que os concorrentes podem ver isso como uma oferta para definir preços em conjunto.

            Nem todas as semelhanças de preços, ou mudanças de preços que ocorrem ao mesmo tempo, são resultado da fixação de preços. Pelo contrário, muitas vezes resultam de condições normais de mercado. Por exemplo, os preços de commodities como o trigo são muitas vezes idênticos porque os produtos são praticamente idênticos, e os preços que os agricultores cobram todos sobem e descem juntos, sem qualquer acordo entre eles. Se uma seca fizer com que a oferta de trigo diminua, o preço para todos os agricultores afetados aumentará. Um aumento na demanda do consumidor também pode causar preços uniformemente altos para um produto com oferta limitada.

            A fixação de preços refere-se não apenas aos preços, mas também a outros termos que afetam os preços aos consumidores, como taxas de envio, garantias, programas de desconto ou taxas de financiamento. O escrutínio antitruste pode ocorrer quando os concorrentes discutem os seguintes tópicos: preços presentes ou futuros; políticas de preços; promoções; lances; custos; capacidade; termos ou condições de venda, incluindo termos de crédito; descontos; identidade dos clientes; alocação de clientes ou áreas de vendas; cotas de produção e planos de P&D.

            Exemplo: Um grupo de optometristas concorrentes concordou em não participar de uma rede de cuidados com a visão, a menos que a rede aumentasse as taxas de reembolso para pacientes cobertos por seu plano. Os optometristas se recusaram a atender pacientes cobertos pelo plano da rede e, eventualmente, a empresa aumentou as taxas de reembolso.

            Tal acordo dos optometristas era uma fixação ilegal de preços e que seus líderes organizaram um esforço para garantir que outros optometristas soubessem e cumprissem o acordo.

            Um acordo para restringir a produção, vendas ou produção é tão ilegal quanto a fixação direta de preços, porque a redução da oferta de um produto ou serviço eleva seu preço.

            Pergunta: Os postos de gasolina na minha área aumentaram seus preços na mesma quantidade e ao mesmo tempo. Isso é fixação de preços?

            Resposta: Uma mudança de preço uniforme e simultânea pode ser resultado da fixação de preços, mas também pode ser resultado de respostas independentes de negócios às mesmas condições de mercado. Por exemplo, se as condições do mercado internacional de petróleo causarem um aumento no preço do petróleo bruto, isso poderá levar a um aumento no preço de atacado da gasolina. Postos de gasolina locais podem responder aos preços mais altos da gasolina no atacado aumentando seus preços para cobrir esses custos mais altos. Outras forças de mercado, como a divulgação pública dos preços atuais (como é comum com a maioria dos postos de gasolina) incentiva os fornecedores a ajustar seus próprios preços rapidamente para não perder vendas. Se houver evidências de que os operadores dos postos de gasolina conversaram entre si sobre o aumento de preços e concordaram com um plano de preços comum, no entanto, isso pode ser uma violação antitruste.

            Pergunta: Nossa empresa monitora os anúncios dos concorrentes e às vezes oferecemos descontos especiais ou incentivos de vendas para os consumidores. Isso é um problema?

            Resposta: Não. A equivalência de preços dos concorrentes pode ser um bom negócio e ocorre frequentemente em mercados altamente competitivos. Cada empresa é livre para definir seus próprios preços, podendo cobrar o mesmo preço que seus concorrentes, desde que a decisão não tenha sido baseada em qualquer acordo ou coordenação com um concorrente.

b. Manipulação de lances em licitação

            Sempre que os contratos são adjudicados por meio de licitações, a coordenação entre os licitantes prejudica o processo de licitação e pode ser ilegal. A manipulação de licitações pode assumir muitas formas, mas uma forma frequente é quando os concorrentes acordam antecipadamente qual empresa vencerá a licitação. Por exemplo, os concorrentes podem concordar em se revezar como o licitante com oferta mais baixa, ou ficar de fora de uma rodada de licitações, ou fornecer lances inaceitáveis ​​para encobrir um esquema de manipulação de licitações. Outros acordos de manipulação de licitações envolvem a subcontratação de parte do contrato principal para os licitantes perdedores ou a formação de uma joint venture para apresentar uma única oferta.

            Exemplo: Três empresas de ônibus escolares formaram uma joint venture para fornecer serviços de transporte sob um único contrato com a Administração municipal. A joint venture não envolveu nenhuma integração benéfica de operações que pudesse economizar dinheiro. A joint venture claramente operava principalmente para impedir que as outras empresas de ônibus oferecessem licitações concorrentes.

c. Divisão de mercado e alocação de clientes

            Acordos simples entre concorrentes para dividir territórios de vendas ou atribuir clientes são quase sempre ilegais. Esses acordos são essencialmente acordos para não competir: “Eu não vou vender no seu mercado se você não vender no meu”. O compartilhamento ilegal de mercado pode envolver a alocação de uma porcentagem específica de negócios disponíveis para cada produtor, a divisão geográfica dos territórios de vendas ou a atribuição de determinados clientes a cada vendedor.

            Pergunta: Quero vender meu negócio e o comprador insiste que eu assine uma cláusula de não concorrência? Isso não é ilegal?

            Resposta: Uma cláusula de não concorrência limitada é uma característica comum dos negócios em que uma empresa é vendida, e os tribunais geralmente permitem tais acordos quando são acessórios da transação principal, razoavelmente necessários para proteger o valor dos ativos vendidos e limitada no tempo e na área coberta. Existem outras situações, no entanto, em que as cláusulas de não concorrência podem ser anticompetitivas. Por exemplo, uma determinada autoridade antitruste impediu um operador de clínicas de diálise de comprar cinco clínicas e pagar seu concorrente para fechar mais três. O contrato de compra também continha uma cláusula de não concorrência que impedia o vendedor de abrir uma nova clínica na mesma área local por cinco anos e exigia que o vendedor aplicasse cláusulas de não concorrência em seus contratos com os diretores médicos das instalações fechadas. Nessa situação, a cláusula de não concorrência impedia esses médicos de atuarem como diretores médicos de qualquer nova clínica na área e reduzia a chance de uma nova clínica ser aberta por cinco anos. Assim, o acordo para fechar as clínicas, reforçado pelo acordo de não competir por cinco anos, foi um acordo ilegal para eliminar a concorrência entre rivais.

d. Boicotes em grupo

            Qualquer empresa pode, por si só, havendo justificativa comercialmente plausível, se recusar a fazer negócios com outra empresa. Mas um acordo entre concorrentes para não fazer negócios com indivíduos ou empresas visadas pode ser um boicote ilegal, especialmente se o grupo de concorrentes trabalhando em conjunto tiver poder de mercado. Por exemplo, um boicote de grupo pode ser usado para implementar um acordo ilegal de fixação de preços. Nesse cenário, os concorrentes concordam em não fazer negócios com terceiros, exceto em termos acordados, geralmente com o resultado de aumento de preços. Uma decisão independente de não oferecer serviços aos preços vigentes não levanta preocupações antitruste, mas um acordo entre concorrentes de não oferecer serviços aos preços vigentes como meio de alcançar um preço acordado (e normalmente mais alto) levanta preocupações antitruste.

            Exemplo: vários grupos de prestadores de serviços de saúde concorrentes, como médicos, alegavam que sua recusa em negociar com seguradoras ou outros compradores em termos que não tivessem sido acordados em conjunto equivalia a um boicote de grupo ilegal. Houve também um boicote em grupo de uma associação de advogados concorrentes para parar de fornecer serviços jurídicos dativos para réus criminais indigentes até que o Estado (governo) aumentasse a remuneração paga por esses serviços.

            Boicotes para impedir que uma empresa entre no mercado ou para prejudicar um concorrente existente também são ilegais. Por exemplo, um grupo de médicos usou de um boicote para impedir que uma organização de assistência gerenciada estabelecesse uma unidade de saúde concorrente e varejistas que usaram um boicote para forçar os fabricantes a limitar as vendas por meio de um fornecedor de catálogo concorrente.

            Boicotes visando vendedores que reduzem os preços são especialmente propensos a levantar preocupações antitruste e podem ser alcançados com a ajuda de um revendedor ou fornecedor comum. Exemplo: um varejista nacional de brinquedos obteve acordos paralelos de vários fabricantes de brinquedos para não fornecer uma linha completa de brinquedos a “clubes de compra” de baixo preço. Como resultado do boicote de fornecedores organizado pelo grande varejista, os consumidores tiveram dificuldade em comparar o valor de diferentes brinquedos em diferentes pontos de venda, o tipo de comparação de compras que poderia ter levado os varejistas a baixar seus preços de brinquedos.

            Boicotes por outros motivos podem ser ilegais se o boicote restringir a concorrência e não tiver uma justificativa comercial. Por exemplo, um grupo de revendedores de automóveis usou um boicote ilegal para impedir que um jornal publicasse aos consumidores como usar informações de preços no atacado ao comprar carros. Tal boicote afetou a concorrência de preços e não tinha justificativa razoável.

            Pergunta: Sou gerente de compras e tenho problemas com um fornecedor que sempre atrasa as entregas e não retorna minhas ligações. Ouvi dizer que outras empresas pararam de fazer negócios com ele. Posso recomendar que minha empresa encontre outro fornecedor também

            Resposta: Uma empresa sempre pode escolher unilateralmente seus parceiros de negócios. Desde que não faça parte de um acordo com concorrentes para parar de fazer negócios com um fornecedor-alvo, a decisão de não negociar com um fornecedor não deve levantar preocupações antitruste.

Algumas dúvidas frequentes de pequenos negócios sobre concorrência

Fernando de Magalhães Furlan

Estudos têm demonstrado que a maioria das MPMEs tem um conhecimento muito limitado de seus direitos e obrigações em relação às leis de concorrência, e ainda menos inclinação para utilizá-los em seu benefício, a menos que seja assistida por uma associação comercial ou organismo semelhante[1].

Isso também se aplica quando uma MPME é vítima de uma violação da lei de concorrência por outra empresa. Muitas sequer têm ciência de tais violações ou conhecimento das medidas corretivas disponíveis. Além disso, o sistema legal na maioria dos países é lento, caro de utilizar e raramente oferece um resultado comercialmente viável. Consequentemente, em questões de concorrência, as pequenas empresas estão efetivamente tendo o acesso negado à justiça e a políticas públicas econômicas eficazes[2].

Para as economias em desenvolvimento, onde o conhecimento das leis e políticas de concorrência pode ser limitado, as associações representativas têm um papel fundamental a desempenhar, tanto educando suas MPMEs sobre a existência de leis de concorrência, quanto auxiliando no seu cumprimento e na sua aplicação[3].

Apesar de se reconhecer que, muitas vezes, associações podem ser instrumentos para, por exemplo, a formação de cartéis “inocentes” envolvendo MPMEs[4], também deve-se considerar que a colaboração empresarial lícita pode resultar em melhor acesso a mercados.

A pesquisa empírica constata[5] que os laços horizontais permitem o uso coletivo de recursos, bem como a inovação conjunta de produtos e fornecem um meio de contornar a limitação de escala e infraestrutura[6]. Da mesma forma, os laços verticais podem fornecer maneiras eficazes de atualizar empresas nacionais, facilitando a transferência de tecnologia, conhecimento e habilidades, melhorando as práticas de negócios e de gestão e facilitando o acesso a mercados[7].

As associações empresariais de MPMEs, portanto, têm um papel essencial de conscientização e compliance em relação aos mecanismos disponíveis nas leis de concorrência para isentar ou autorizar condutas. É natural que as MPMEs, individualmente, tenham receio de represálias ou de danos à reputação com fornecedores e consumidores, sendo crucial a representação por meio de associações.

São muitas e frequentes as dúvidas dos pequenos negócios em relação ao cumprimento da legislação antitruste e do seu próprio papel no mercado e seus direitos. Abaixo tentamos reunir brevemente algumas das dúvidas mais frequentes das MPMEs quanto à defesa da concorrência.

Potenciais condutas anticompetitivas no relacionamento com fornecedores

a. Recusa de contratação/fornecimento

Em geral, um vendedor tem o direito de escolher seus parceiros de negócios. A recusa de uma empresa em negociar com qualquer outra empresa é lícita, desde que a recusa não seja produto de um acordo anticompetitivo com outras empresas ou parte de uma estratégia predatória ou excludente para adquirir ou manter um monopólio.

Pergunta: Sou proprietário de uma pequena loja de roupas e o fabricante de uma linha popular de roupas recentemente me deixou como outlet (loja de preços com descontos). Tenho certeza de que foi porque meus concorrentes reclamaram que eu vendo abaixo do preço sugerido. A explicação foi a política do fabricante: seus produtos não devem ser vendidos abaixo do preço de varejo sugerido, e os revendedores que não cumprirem estão sujeitos à rescisão. É legal que o fabricante me corte?

Resposta: Sim. Um fabricante pode ter uma política de que seus revendedores devem vender um produto acima de um determinado preço mínimo e encerrar um revendedor que não honre essa política. Os fabricantes podem optar por adotar esse tipo de política porque incentiva os revendedores a fornecer atendimento completo ao cliente e impede que outros revendedores, que podem não fornecer o serviço completo, retirem clientes e “peguem carona” nos serviços prestados por outros revendedores. No entanto, pode ser ilegal que o fabricante o abandone se ele tiver um acordo com seus concorrentes para cortá-lo para ajudar a manter um preço com o qual eles concordaram.

Vale destacar que a prática de fixação de preços de revenda – em diferentes modalidades, como preço sugerido, preço mínimo de revenda, preço máximo de revenda etc. – é vista com reservas por autoridades de defesa da concorrência em diferentes jurisdições, como Estados Unidos da América, Reino Unido, União Europeia e, inclusive, Brasil – sendo que em sua análise os possíveis benefícios decorrentes desse tipo de política alegados pelas empresas devem ser claramente demonstrados.

b. Contratos de exigência ou negociação exclusiva

Contratos exclusivos de negociação ou de requisitos entre fabricantes e varejistas são comuns e geralmente são legais. Em termos simples, um contrato de negociação exclusiva impede um distribuidor de vender os produtos de um fabricante diferente, e um contrato de requisitos impede um fabricante de comprar insumos de um fornecedor diferente. Esses arranjos são julgados sob um padrão de regra de razão, que equilibra quaisquer efeitos pró-competitivos e anticompetitivos.

Contratos de negociação exclusiva podem ser benéficos porque incentivam o suporte de marketing para a marca do fabricante. Ao se tornar um especialista em produtos de um fabricante, o revendedor é incentivado a se especializar na promoção da marca desse fabricante. Isso pode incluir a oferta de serviços ou comodidades especiais que custam dinheiro, como uma loja atraente, vendedores treinados, horário comercial longo, estoque de produtos à mão ou serviço rápido de garantia. Mas os custos de fornecer algumas dessas comodidades – que são oferecidas aos consumidores antes do produto ser vendido e podem não ser recuperados se o consumidor sair sem comprar nada – podem ser difíceis de repassar aos clientes na forma de um preço de varejo mais alto. Por exemplo, o consumidor pode pegar uma “carona” nos valiosos serviços oferecidos por um varejista e, em seguida, comprar o mesmo produto a um preço mais baixo de outro varejista que não oferece comodidades de alto custo, como um armazém de desconto ou um serviço online. Se o varejista de serviço completo perder vendas suficientes dessa maneira, poderá eventualmente parar de oferecer os serviços. Se esses serviços fossem genuinamente úteis, no sentido de que o produto mais os serviços juntos resultaram em vendas maiores para o fabricante do que o produto sozinho teria, há uma perda tanto para o fabricante quanto para o consumidor. Como resultado, a lei antitruste não veda a priori restrições verticais não relacionadas a preços, como contratos de negociação exclusiva que visam a incentivar os varejistas a fornecer serviços extras.

Por outro lado, um fabricante com poder de mercado pode potencialmente usar esses tipos de arranjos verticais para impedir que concorrentes menores tenham sucesso no mercado. Por exemplo, contratos exclusivos podem ser usados ​​para negar a um concorrente o acesso a varejistas ou distribuidores sem os quais o concorrente não pode realizar vendas suficientes para ser viável.

Em algumas situações, a negociação exclusiva pode ser usada pelos fabricantes para reduzir a concorrência entre eles.

Pergunta: Sou um pequeno fabricante de monitores de tela plana de alta qualidade. Eu gostaria de colocar meus produtos em um grande varejista, mas a empresa diz que tem um acordo para vender Resposta: Acordos de distribuição exclusiva como este não são proibidos pela lei antitruste. Embora o varejista seja impedido de vender monitores de tela plana concorrentes, esse pode ser o tipo de produto que requer um certo nível de conhecimento e serviço para vender. Por exemplo, se o fabricante investe no treinamento da equipe de vendas do varejista sobre a operação e os atributos do produto, pode razoavelmente exigir que o varejista se comprometa a vender apenas sua marca de monitores. Este nível de serviço pode beneficiar os compradores de produtos eletrônicos sofisticados. As leis antitruste provavelmente não interferirão nesse tipo de acordo exclusivo, a menos que se observem efeitos líquidos claramente negativos à concorrência, acarretando prejuízos aos consumidores, como por exemplo, restrição das possibilidades de escolha do consumidor (em relação à variedade de produtos e de ofertantes) e aumentos de preços.

c. Requisitos impostos pelo fabricante

A imposição de preço razoável, território e restrições de clientes aos revendedores são legais. Os requisitos impostos pelo fabricante podem beneficiar os consumidores ao aumentar a concorrência entre diferentes marcas (concorrência intermarcas) e ao mesmo tempo reduzir a concorrência entre revendedores da mesma marca (concorrência intramarcas). Por exemplo, um acordo entre um fabricante e um revendedor para estabelecer preços máximos (ou “teto”) impede os revendedores de cobrar um preço não competitivo. Ou um acordo para definir preços mínimos (ou “pisos”) ou para limitar territórios pode incentivar os revendedores a fornecer um nível de serviço que o fabricante deseja oferecer aos consumidores quando eles compram o produto. Esses benefícios devem ser ponderados em relação a qualquer redução na concorrência das restrições.

Em regra, todos os programas de preços verticais (máximos ou mínimos) impostos pelo fabricante devem ser avaliados usando uma abordagem da regra da razão. Pois, “na ausência de restrições verticais de preços, os serviços de varejo que aumentam a concorrência entre marcas podem ser mal fornecidos. Isso ocorre porque os varejistas com descontos podem pegar carona nos varejistas que fornecem serviços.

Se um fabricante, por si só, adota uma política relativa a um nível de preços desejado, lhe é permitido que negocie apenas com varejistas que concordem com essa política. Um fabricante também pode deixar de negociar com um varejista que não segue sua política de preços de revenda. Ou seja, um fabricante pode implementar uma política de revendedor em uma base de “pegar ou largar”.

As limitações sobre como ou onde um revendedor pode vender um produto (ou seja, restrições de cliente ou território) são geralmente legais — se forem impostas por um fabricante agindo por conta própria (não em conluio). Esses acordos podem resultar em melhores esforços de vendas e atendimento na área atribuída do revendedor e, consequentemente, maior concorrência com outras marcas.

Podem surgir questões antitruste se um fabricante concordar com fabricantes concorrentes em impor restrições de preço ou não na cadeia de suprimentos (ou seja, ao lidar com fornecedores ou revendedores), ou se fornecedores ou revendedores agirem em conjunto para induzir um fabricante a implementar tais restrições. Novamente, a distinção crítica é entre uma decisão unilateral de impor uma restrição (legal) e um acordo coletivo entre concorrentes para fazer o mesmo (ilegal). Por exemplo, um grupo de revendedores de automóveis ameaçou não vender uma marca de automóveis, a menos que o fabricante alocasse carros novos com base nas vendas feitas aos clientes no território de cada revendedor. A autoridade antitruste considerou as ações dos revendedores irracionais e projetadas principalmente para impedir que um revendedor vendesse a preços baixos “sem pechincha” e via Internet para clientes em todo o país.

Determinar se uma restrição é “vertical” ou “horizontal” pode ser confuso em alguns mercados, particularmente onde alguns fabricantes operam em muitos níveis diferentes e podem até fornecer insumos importantes para seus concorrentes. O rótulo não é tão importante quanto o efeito: a restrição reduz excessivamente a concorrência entre os concorrentes em algum nível? A contenção vertical é produto de um acordo entre concorrentes? E rotular um acordo como um arranjo vertical não o salvará do escrutínio antitruste quando houver evidência de efeitos horizontais anticompetitivos.

Pergunta: Um dos meus fornecedores marca seus produtos com um preço de varejo sugerido pelo fabricante. Tenho que cobrar este preço?

Resposta: A palavra-chave é “sugerida”. Um revendedor é livre para definir o preço de varejo dos produtos que vende. Um revendedor pode definir o preço no de acordo com o valor sugerido pelo fabricante ou em um preço diferente, desde que o revendedor tome essa decisão por conta própria. No entanto, o fabricante também pode decidir não usar distribuidores que não adiram ao seu preço sugerido.

Pergunta: Sou um fabricante e ocasionalmente recebo reclamações de revendedores sobre os preços de varejo que outros revendedores estão cobrando pelos meus produtos. O que devo dizer a eles?

Resposta: Os concorrentes em cada nível da cadeia de suprimentos devem definir os preços de forma independente. Isso significa que os fabricantes não podem concordar com os preços no atacado e os revendedores não podem concordar com os preços no varejo. No entanto, um fabricante pode ouvir seus revendedores e agir por conta própria em resposta ao que aprende com eles.

Muitos casos antitruste privados envolvem um fabricante cortando um revendedor com desconto. Muitas vezes, há evidências de que o fabricante recebeu reclamações de revendedores concorrentes antes de encerrar o contrato com o vendedor que oferece descontos. Esta evidência por si só não é suficiente para mostrar uma violação; o fabricante tem o direito de tentar manter seus revendedores satisfeitos com sua afiliação. Questões legais podem surgir se parecer que os revendedores concordaram em ameaçar um boicote ou pressionar coletivamente o fabricante a agir.

Pergunta: Gostaria de vender os produtos de um determinado fabricante, mas a empresa já possui um revendedor franqueado na minha região. Isso não é uma restrição à concorrência?

Resposta: Um fabricante pode decidir quantos distribuidores terá e quem serão. Do ponto de vista da concorrência, um fabricante pode decidir que usará apenas revendedores franqueados com territórios exclusivos para competir com maior sucesso com outros fabricantes. Ou pode decidir que usará revendedores diferentes para atingir grupos de clientes específicos.

Há prós e contras em ser um revendedor franqueado. Ao concordar em ser um revendedor franqueado, você provavelmente terá que cumprir os requisitos do fabricante para vender o produto, como horário de funcionamento, padrões de limpeza e similares. Essas restrições são vistas como limites razoáveis ​​sobre como você administra seus negócios em troca de negociar com uma marca estabelecida que os consumidores associam a um certo nível de qualidade ou serviço. Por exemplo, um cervejeiro pode exigir que todas as lojas de varejo armazenem sua cerveja a uma certa temperatura para preservar sua qualidade, porque os consumidores provavelmente culparão a má qualidade do fabricante – reduzindo assim as vendas em todos os pontos de venda – em vez de culpar o método inadequado de armazenamento do varejista.

Pergunta: Meu fornecedor oferece um programa de publicidade cooperativa, mas não posso participar se anunciar um preço abaixo do preço mínimo anunciado do fornecedor. Acho isso injusto.

Resposta: É permitido que um fabricante tenha uma margem de manobra considerável para definir os termos da publicidade que ele ajuda a pagar. O fabricante oferece esses programas promocionais para competir melhor com os produtos de outros fabricantes. Existem situações limitadas em que esses programas podem ter um efeito irracional nos níveis de preços. Por exemplo, uma determinada autoridade antitruste contestou as políticas de preço mínimo anunciado de cinco grandes distribuidores de música pré-gravada porque as políticas não eram razoáveis ​​em seu alcance: proibiam anúncios com preços com desconto, mesmo que o varejista pagasse pelos anúncios com seu próprio dinheiro; aplicavam-se à publicidade na loja; e uma única violação exigia que o varejista perdesse os fundos de todas as suas lojas por até 90 dias. Essas políticas, em vigor para mais de 85% das vendas do mercado, não eram razoáveis ​​e impediam os varejistas de informar aos consumidores sobre descontos em discos e CDs.

Pergunta: Sou prestador de serviços de saúde e quero ingressar em um novo grupo de seguros para prestar serviços a um grande empregador em minha cidade. Meu contrato com outro grupo de seguros exige que eu dê a eles o menor preço pelos meus serviços. Se eu aderir ao novo grupo, terei que baixar meus preços para o outro grupo de seguros?

Resposta: Essas cláusulas, chamadas de “cláusulas de nação mais favorecida (MFN)”, são bastante comuns. Geralmente, uma MFN promete que uma parte do acordo tratará a outra parte pelo menos tão bem quanto trata as outras. Na maioria das circunstâncias, as MFNs são uma forma legítima de reduzir os riscos. Em algumas circunstâncias, no entanto, as MFNs podem limitar de forma irracional a oferta de descontos direcionados e criar um preço industrial de fato. Uma determinada autoridade antitruste contestou uma cláusula MFN usada por uma rede de farmácias em contratos individuais com suas farmácias-membro que as desencorajava a oferecer descontos nas taxas de reembolso. A rede era um grupo de mais de 95 por cento das farmácias concorrentes no mercado relevante. A MFN desencorajou qualquer farmácia individual de oferecer preços mais baixos para outro plano porque quaisquer descontos teriam que ser aplicados a todas as suas outras vendas por meio da rede.


[1] Schaper, M. (2016) “Small Business, The Law and Access to Justice: Issues and Challenges” in Clark, D.; McKeown, T. & Battisti, M. (eds) (2016) Rhetoric and Reality: Building Vibrant and Sustainable Entrepreneurial Ecosystems, Melbourne: Tilde Press, pp.21-35.  Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[2] Australian Small Business & Family Enterprise Ombudsman (2018) Access to Justice: Where Do Small Businesses Go? Canberra: ASBFEO; Burgess, R. (2016) “SMEs and Private Enforcement of Competition Law: Achieving Redress” Global Competition Law Review, No. 3, pp.85-88. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[3] Burgess, R. Trade Associations: Competition Law Advocates or Offenders? in Schaper, M. and Lee, C. (eds) (2016) Competition law, Regulation and SMEs in the Asia-Pacific: Understanding the Small Business Perspective, Singapore: ISEAS – Yusof Ishak Institute. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[4] How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[5] Mesquita, L. & Lazzarini, S. (2009) Horizontal and vertical relationships in developing economies: Implications for SMEs’ access to global markets in New Frontiers in Entrepreneurship, Springer, pp. 31–66. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[6] Markusen, A. (1996) Sticky Places in Slippery Space: A Typology of Industrial Districts. Economic Geography, Vol 72, No.3, pp. 293-313. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[7] UNCTAD (2008) Creating business linkages https://unctad.org/en/Docs/diaeed20091_en.pdf (accessed on 28 June 2020).