Fernando de Magalhães Furlan

Algumas dúvidas frequentes de pequenos negócios sobre concorrência

Fernando de Magalhães Furlan

Estudos têm demonstrado que a maioria das MPMEs tem um conhecimento muito limitado de seus direitos e obrigações em relação às leis de concorrência, e ainda menos inclinação para utilizá-los em seu benefício, a menos que seja assistida por uma associação comercial ou organismo semelhante[1].

Isso também se aplica quando uma MPME é vítima de uma violação da lei de concorrência por outra empresa. Muitas sequer têm ciência de tais violações ou conhecimento das medidas corretivas disponíveis. Além disso, o sistema legal na maioria dos países é lento, caro de utilizar e raramente oferece um resultado comercialmente viável. Consequentemente, em questões de concorrência, as pequenas empresas estão efetivamente tendo o acesso negado à justiça e a políticas públicas econômicas eficazes[2].

Para as economias em desenvolvimento, onde o conhecimento das leis e políticas de concorrência pode ser limitado, as associações representativas têm um papel fundamental a desempenhar, tanto educando suas MPMEs sobre a existência de leis de concorrência, quanto auxiliando no seu cumprimento e na sua aplicação[3].

Apesar de se reconhecer que, muitas vezes, associações podem ser instrumentos para, por exemplo, a formação de cartéis “inocentes” envolvendo MPMEs[4], também deve-se considerar que a colaboração empresarial lícita pode resultar em melhor acesso a mercados.

A pesquisa empírica constata[5] que os laços horizontais permitem o uso coletivo de recursos, bem como a inovação conjunta de produtos e fornecem um meio de contornar a limitação de escala e infraestrutura[6]. Da mesma forma, os laços verticais podem fornecer maneiras eficazes de atualizar empresas nacionais, facilitando a transferência de tecnologia, conhecimento e habilidades, melhorando as práticas de negócios e de gestão e facilitando o acesso a mercados[7].

As associações empresariais de MPMEs, portanto, têm um papel essencial de conscientização e compliance em relação aos mecanismos disponíveis nas leis de concorrência para isentar ou autorizar condutas. É natural que as MPMEs, individualmente, tenham receio de represálias ou de danos à reputação com fornecedores e consumidores, sendo crucial a representação por meio de associações.

São muitas e frequentes as dúvidas dos pequenos negócios em relação ao cumprimento da legislação antitruste e do seu próprio papel no mercado e seus direitos. Abaixo tentamos reunir brevemente algumas das dúvidas mais frequentes das MPMEs quanto à defesa da concorrência.

Potenciais condutas anticompetitivas no relacionamento com fornecedores

a. Recusa de contratação/fornecimento

Em geral, um vendedor tem o direito de escolher seus parceiros de negócios. A recusa de uma empresa em negociar com qualquer outra empresa é lícita, desde que a recusa não seja produto de um acordo anticompetitivo com outras empresas ou parte de uma estratégia predatória ou excludente para adquirir ou manter um monopólio.

Pergunta: Sou proprietário de uma pequena loja de roupas e o fabricante de uma linha popular de roupas recentemente me deixou como outlet (loja de preços com descontos). Tenho certeza de que foi porque meus concorrentes reclamaram que eu vendo abaixo do preço sugerido. A explicação foi a política do fabricante: seus produtos não devem ser vendidos abaixo do preço de varejo sugerido, e os revendedores que não cumprirem estão sujeitos à rescisão. É legal que o fabricante me corte?

Resposta: Sim. Um fabricante pode ter uma política de que seus revendedores devem vender um produto acima de um determinado preço mínimo e encerrar um revendedor que não honre essa política. Os fabricantes podem optar por adotar esse tipo de política porque incentiva os revendedores a fornecer atendimento completo ao cliente e impede que outros revendedores, que podem não fornecer o serviço completo, retirem clientes e “peguem carona” nos serviços prestados por outros revendedores. No entanto, pode ser ilegal que o fabricante o abandone se ele tiver um acordo com seus concorrentes para cortá-lo para ajudar a manter um preço com o qual eles concordaram.

Vale destacar que a prática de fixação de preços de revenda – em diferentes modalidades, como preço sugerido, preço mínimo de revenda, preço máximo de revenda etc. – é vista com reservas por autoridades de defesa da concorrência em diferentes jurisdições, como Estados Unidos da América, Reino Unido, União Europeia e, inclusive, Brasil – sendo que em sua análise os possíveis benefícios decorrentes desse tipo de política alegados pelas empresas devem ser claramente demonstrados.

b. Contratos de exigência ou negociação exclusiva

Contratos exclusivos de negociação ou de requisitos entre fabricantes e varejistas são comuns e geralmente são legais. Em termos simples, um contrato de negociação exclusiva impede um distribuidor de vender os produtos de um fabricante diferente, e um contrato de requisitos impede um fabricante de comprar insumos de um fornecedor diferente. Esses arranjos são julgados sob um padrão de regra de razão, que equilibra quaisquer efeitos pró-competitivos e anticompetitivos.

Contratos de negociação exclusiva podem ser benéficos porque incentivam o suporte de marketing para a marca do fabricante. Ao se tornar um especialista em produtos de um fabricante, o revendedor é incentivado a se especializar na promoção da marca desse fabricante. Isso pode incluir a oferta de serviços ou comodidades especiais que custam dinheiro, como uma loja atraente, vendedores treinados, horário comercial longo, estoque de produtos à mão ou serviço rápido de garantia. Mas os custos de fornecer algumas dessas comodidades – que são oferecidas aos consumidores antes do produto ser vendido e podem não ser recuperados se o consumidor sair sem comprar nada – podem ser difíceis de repassar aos clientes na forma de um preço de varejo mais alto. Por exemplo, o consumidor pode pegar uma “carona” nos valiosos serviços oferecidos por um varejista e, em seguida, comprar o mesmo produto a um preço mais baixo de outro varejista que não oferece comodidades de alto custo, como um armazém de desconto ou um serviço online. Se o varejista de serviço completo perder vendas suficientes dessa maneira, poderá eventualmente parar de oferecer os serviços. Se esses serviços fossem genuinamente úteis, no sentido de que o produto mais os serviços juntos resultaram em vendas maiores para o fabricante do que o produto sozinho teria, há uma perda tanto para o fabricante quanto para o consumidor. Como resultado, a lei antitruste não veda a priori restrições verticais não relacionadas a preços, como contratos de negociação exclusiva que visam a incentivar os varejistas a fornecer serviços extras.

Por outro lado, um fabricante com poder de mercado pode potencialmente usar esses tipos de arranjos verticais para impedir que concorrentes menores tenham sucesso no mercado. Por exemplo, contratos exclusivos podem ser usados ​​para negar a um concorrente o acesso a varejistas ou distribuidores sem os quais o concorrente não pode realizar vendas suficientes para ser viável.

Em algumas situações, a negociação exclusiva pode ser usada pelos fabricantes para reduzir a concorrência entre eles.

Pergunta: Sou um pequeno fabricante de monitores de tela plana de alta qualidade. Eu gostaria de colocar meus produtos em um grande varejista, mas a empresa diz que tem um acordo para vender Resposta: Acordos de distribuição exclusiva como este não são proibidos pela lei antitruste. Embora o varejista seja impedido de vender monitores de tela plana concorrentes, esse pode ser o tipo de produto que requer um certo nível de conhecimento e serviço para vender. Por exemplo, se o fabricante investe no treinamento da equipe de vendas do varejista sobre a operação e os atributos do produto, pode razoavelmente exigir que o varejista se comprometa a vender apenas sua marca de monitores. Este nível de serviço pode beneficiar os compradores de produtos eletrônicos sofisticados. As leis antitruste provavelmente não interferirão nesse tipo de acordo exclusivo, a menos que se observem efeitos líquidos claramente negativos à concorrência, acarretando prejuízos aos consumidores, como por exemplo, restrição das possibilidades de escolha do consumidor (em relação à variedade de produtos e de ofertantes) e aumentos de preços.

c. Requisitos impostos pelo fabricante

A imposição de preço razoável, território e restrições de clientes aos revendedores são legais. Os requisitos impostos pelo fabricante podem beneficiar os consumidores ao aumentar a concorrência entre diferentes marcas (concorrência intermarcas) e ao mesmo tempo reduzir a concorrência entre revendedores da mesma marca (concorrência intramarcas). Por exemplo, um acordo entre um fabricante e um revendedor para estabelecer preços máximos (ou “teto”) impede os revendedores de cobrar um preço não competitivo. Ou um acordo para definir preços mínimos (ou “pisos”) ou para limitar territórios pode incentivar os revendedores a fornecer um nível de serviço que o fabricante deseja oferecer aos consumidores quando eles compram o produto. Esses benefícios devem ser ponderados em relação a qualquer redução na concorrência das restrições.

Em regra, todos os programas de preços verticais (máximos ou mínimos) impostos pelo fabricante devem ser avaliados usando uma abordagem da regra da razão. Pois, “na ausência de restrições verticais de preços, os serviços de varejo que aumentam a concorrência entre marcas podem ser mal fornecidos. Isso ocorre porque os varejistas com descontos podem pegar carona nos varejistas que fornecem serviços.

Se um fabricante, por si só, adota uma política relativa a um nível de preços desejado, lhe é permitido que negocie apenas com varejistas que concordem com essa política. Um fabricante também pode deixar de negociar com um varejista que não segue sua política de preços de revenda. Ou seja, um fabricante pode implementar uma política de revendedor em uma base de “pegar ou largar”.

As limitações sobre como ou onde um revendedor pode vender um produto (ou seja, restrições de cliente ou território) são geralmente legais — se forem impostas por um fabricante agindo por conta própria (não em conluio). Esses acordos podem resultar em melhores esforços de vendas e atendimento na área atribuída do revendedor e, consequentemente, maior concorrência com outras marcas.

Podem surgir questões antitruste se um fabricante concordar com fabricantes concorrentes em impor restrições de preço ou não na cadeia de suprimentos (ou seja, ao lidar com fornecedores ou revendedores), ou se fornecedores ou revendedores agirem em conjunto para induzir um fabricante a implementar tais restrições. Novamente, a distinção crítica é entre uma decisão unilateral de impor uma restrição (legal) e um acordo coletivo entre concorrentes para fazer o mesmo (ilegal). Por exemplo, um grupo de revendedores de automóveis ameaçou não vender uma marca de automóveis, a menos que o fabricante alocasse carros novos com base nas vendas feitas aos clientes no território de cada revendedor. A autoridade antitruste considerou as ações dos revendedores irracionais e projetadas principalmente para impedir que um revendedor vendesse a preços baixos “sem pechincha” e via Internet para clientes em todo o país.

Determinar se uma restrição é “vertical” ou “horizontal” pode ser confuso em alguns mercados, particularmente onde alguns fabricantes operam em muitos níveis diferentes e podem até fornecer insumos importantes para seus concorrentes. O rótulo não é tão importante quanto o efeito: a restrição reduz excessivamente a concorrência entre os concorrentes em algum nível? A contenção vertical é produto de um acordo entre concorrentes? E rotular um acordo como um arranjo vertical não o salvará do escrutínio antitruste quando houver evidência de efeitos horizontais anticompetitivos.

Pergunta: Um dos meus fornecedores marca seus produtos com um preço de varejo sugerido pelo fabricante. Tenho que cobrar este preço?

Resposta: A palavra-chave é “sugerida”. Um revendedor é livre para definir o preço de varejo dos produtos que vende. Um revendedor pode definir o preço no de acordo com o valor sugerido pelo fabricante ou em um preço diferente, desde que o revendedor tome essa decisão por conta própria. No entanto, o fabricante também pode decidir não usar distribuidores que não adiram ao seu preço sugerido.

Pergunta: Sou um fabricante e ocasionalmente recebo reclamações de revendedores sobre os preços de varejo que outros revendedores estão cobrando pelos meus produtos. O que devo dizer a eles?

Resposta: Os concorrentes em cada nível da cadeia de suprimentos devem definir os preços de forma independente. Isso significa que os fabricantes não podem concordar com os preços no atacado e os revendedores não podem concordar com os preços no varejo. No entanto, um fabricante pode ouvir seus revendedores e agir por conta própria em resposta ao que aprende com eles.

Muitos casos antitruste privados envolvem um fabricante cortando um revendedor com desconto. Muitas vezes, há evidências de que o fabricante recebeu reclamações de revendedores concorrentes antes de encerrar o contrato com o vendedor que oferece descontos. Esta evidência por si só não é suficiente para mostrar uma violação; o fabricante tem o direito de tentar manter seus revendedores satisfeitos com sua afiliação. Questões legais podem surgir se parecer que os revendedores concordaram em ameaçar um boicote ou pressionar coletivamente o fabricante a agir.

Pergunta: Gostaria de vender os produtos de um determinado fabricante, mas a empresa já possui um revendedor franqueado na minha região. Isso não é uma restrição à concorrência?

Resposta: Um fabricante pode decidir quantos distribuidores terá e quem serão. Do ponto de vista da concorrência, um fabricante pode decidir que usará apenas revendedores franqueados com territórios exclusivos para competir com maior sucesso com outros fabricantes. Ou pode decidir que usará revendedores diferentes para atingir grupos de clientes específicos.

Há prós e contras em ser um revendedor franqueado. Ao concordar em ser um revendedor franqueado, você provavelmente terá que cumprir os requisitos do fabricante para vender o produto, como horário de funcionamento, padrões de limpeza e similares. Essas restrições são vistas como limites razoáveis ​​sobre como você administra seus negócios em troca de negociar com uma marca estabelecida que os consumidores associam a um certo nível de qualidade ou serviço. Por exemplo, um cervejeiro pode exigir que todas as lojas de varejo armazenem sua cerveja a uma certa temperatura para preservar sua qualidade, porque os consumidores provavelmente culparão a má qualidade do fabricante – reduzindo assim as vendas em todos os pontos de venda – em vez de culpar o método inadequado de armazenamento do varejista.

Pergunta: Meu fornecedor oferece um programa de publicidade cooperativa, mas não posso participar se anunciar um preço abaixo do preço mínimo anunciado do fornecedor. Acho isso injusto.

Resposta: É permitido que um fabricante tenha uma margem de manobra considerável para definir os termos da publicidade que ele ajuda a pagar. O fabricante oferece esses programas promocionais para competir melhor com os produtos de outros fabricantes. Existem situações limitadas em que esses programas podem ter um efeito irracional nos níveis de preços. Por exemplo, uma determinada autoridade antitruste contestou as políticas de preço mínimo anunciado de cinco grandes distribuidores de música pré-gravada porque as políticas não eram razoáveis ​​em seu alcance: proibiam anúncios com preços com desconto, mesmo que o varejista pagasse pelos anúncios com seu próprio dinheiro; aplicavam-se à publicidade na loja; e uma única violação exigia que o varejista perdesse os fundos de todas as suas lojas por até 90 dias. Essas políticas, em vigor para mais de 85% das vendas do mercado, não eram razoáveis ​​e impediam os varejistas de informar aos consumidores sobre descontos em discos e CDs.

Pergunta: Sou prestador de serviços de saúde e quero ingressar em um novo grupo de seguros para prestar serviços a um grande empregador em minha cidade. Meu contrato com outro grupo de seguros exige que eu dê a eles o menor preço pelos meus serviços. Se eu aderir ao novo grupo, terei que baixar meus preços para o outro grupo de seguros?

Resposta: Essas cláusulas, chamadas de “cláusulas de nação mais favorecida (MFN)”, são bastante comuns. Geralmente, uma MFN promete que uma parte do acordo tratará a outra parte pelo menos tão bem quanto trata as outras. Na maioria das circunstâncias, as MFNs são uma forma legítima de reduzir os riscos. Em algumas circunstâncias, no entanto, as MFNs podem limitar de forma irracional a oferta de descontos direcionados e criar um preço industrial de fato. Uma determinada autoridade antitruste contestou uma cláusula MFN usada por uma rede de farmácias em contratos individuais com suas farmácias-membro que as desencorajava a oferecer descontos nas taxas de reembolso. A rede era um grupo de mais de 95 por cento das farmácias concorrentes no mercado relevante. A MFN desencorajou qualquer farmácia individual de oferecer preços mais baixos para outro plano porque quaisquer descontos teriam que ser aplicados a todas as suas outras vendas por meio da rede.


[1] Schaper, M. (2016) “Small Business, The Law and Access to Justice: Issues and Challenges” in Clark, D.; McKeown, T. & Battisti, M. (eds) (2016) Rhetoric and Reality: Building Vibrant and Sustainable Entrepreneurial Ecosystems, Melbourne: Tilde Press, pp.21-35.  Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[2] Australian Small Business & Family Enterprise Ombudsman (2018) Access to Justice: Where Do Small Businesses Go? Canberra: ASBFEO; Burgess, R. (2016) “SMEs and Private Enforcement of Competition Law: Achieving Redress” Global Competition Law Review, No. 3, pp.85-88. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[3] Burgess, R. Trade Associations: Competition Law Advocates or Offenders? in Schaper, M. and Lee, C. (eds) (2016) Competition law, Regulation and SMEs in the Asia-Pacific: Understanding the Small Business Perspective, Singapore: ISEAS – Yusof Ishak Institute. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[4] How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[5] Mesquita, L. & Lazzarini, S. (2009) Horizontal and vertical relationships in developing economies: Implications for SMEs’ access to global markets in New Frontiers in Entrepreneurship, Springer, pp. 31–66. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[6] Markusen, A. (1996) Sticky Places in Slippery Space: A Typology of Industrial Districts. Economic Geography, Vol 72, No.3, pp. 293-313. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[7] UNCTAD (2008) Creating business linkages https://unctad.org/en/Docs/diaeed20091_en.pdf (accessed on 28 June 2020).

Atrasos de pagamento: como proteger as MPME nas suas relações comerciais?

Fernando de Magalhães Furlan

Os atrasos de pagamento são um grande fardo para as empresas de pequeno e médio portes, especialmente para as menores, seus clientes e empregados, além de ferir a competitividade geral do país.

Vimos, recentemente, infelizmente, a quebra de grandes empresas nos país como a Oi e a Americanas.  Esta última, aliás, reconhecidamente atrasava premeditadamente os seus pagamentos, inclusive para pequenos fornecedores, como forma de maquiar os seus resultados financeiros.

As MPMEs desempenham um papel fundamental na economia brasileira, respondendo por mais de um quarto do PIB brasileiro. Juntas, as cerca de 9 milhões de micro e pequenas empresas do país representam 27% do PIB, resultado que vem crescendo nos últimos anos. Em 1985, o IBGE calculava a participação das pequenas empresas no PIB brasileiro em 21%. Em 2001, o percentual passou para 23,2% e, em 2011, atingiu 27%.

Em valores absolutos, a produção gerada pelas micro e pequenas empresas quadruplicou em dez anos, saltando de R $ 144 bilhões em 2001 para R $ 599 bilhões em 2011, em valores da época. Elas são as principais geradoras de riquezas no comércio do Brasil, pois respondem por 53,4% do PIB do setor. No PIB da indústria, a participação das micro e pequenas (22,5%) já se aproxima das médias (24,5%). E no setor de serviços, mais de um terço da produção nacional (36,3%) vem de pequenos negócios. As pequenas empresas também empregam 52% da força de trabalho formal do país e respondem por 40% da massa salarial brasileira. Em resumo, são 9 milhões de pequenos negócios, que geram 27% do PIB, 52% dos empregos formais e 40% dos salários.

Os atrasos nos pagamentos têm um impacto negativo nas pequenas empresas, afetando a sua liquidez e o fluxo de caixa, dificultando a sua gestão financeira e atrapalhando o seu crescimento. Ao estabelecer prazos máximos para pagamentos a pequenas empresas, por parte de grandes empresas e administrações públicas na aquisição de bens ou serviços, está se garantindo “tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte” (CF art. 146, III, “d” c/c art. 170, IX e art. 179).

Para desencorajar uma cultura de pagamentos em atraso, as administrações públicas desempenham um papel particularmente importante ao dar o exemplo no pagamento imediato e transparente de seus fornecedores.

Os pagamentos em transações comerciais entre empresas ou entre empresas e a administração pública ainda são frequentemente efetuados com atraso. Como regra geral, a Administração, no Brasil, tem o prazo de até 30 dias para pagar o seu fornecedor. É aí que reside um dos grandes problemas de quem fornece para a Administração pública no país: é preciso que se tenha capital para suportar a espera que, como se verá, ultrapassa muito os 30 dias para recebimento. Isso porque esses 30 dias não são contados da entrega do objeto, mas da liquidação da despesa: “a liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito” (Lei 4.320/64, artigo 63). Ou seja, a própria burocracia do setor público acaba por alongar muito o prazo de pagamento.

Além disso, os direitos dos credores de pequeno porte são, em alguns casos, ainda mais violados ao condicionar os pagamentos, por exemplo, à renúncia do credor a reclamar juros de mora, bem como indenização por despesas de cobrança. As micro, pequenas e médias empresas (MPME) não têm a mesma solidez financeira das grandes empresas, são mais vulneráveis aos efeitos dos atrasos de pagamento, especialmente em tempos de recessão econômica e inflação, situações quase que “endêmicas” no Brasil.

Neste contexto, medidas para desencorajar uma cultura de pagamentos atrasados a fornecedores de pequeno porte somente poderá ser atingida se as autoridades públicas tomarem a iniciativa.  É preciso colocar a questão dos atrasos de pagamento e do acesso ao crédito pelos pequenos no topo das agendas política e de reformas econômicas. Aliás, no final de 2018, a Organização para Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizou um estudo[1] sobre políticas públicas para micro e pequenas empresas (MPEs) e empreendedorismo no Brasil. Como conclusão, a OCDE elencou recomendações para melhorar as políticas públicas brasileiras de acesso ao crédito.

Todos os anos, no mundo inteiro, milhares de micro, pequenas e médias empresas (MPME) vão à falência à espera de que as suas faturas sejam pagas. Perdem-se empregos e sufoca-se o empreendedorismo. Para as valiosas MPMEs, qualquer interrupção no fluxo de caixa pode significar a diferença entre solvência e falência. Além disso, para elas, os desafios apresentados pelos atrasos de pagamento aumentam desproporcionalmente à medida que as linhas de crédito e os empréstimos bancários se tornam menos disponíveis.

Na França, por exemplo, no primeiro semestre de 2022, a Direção-Geral da Concorrência, Consumo e Prevenção de Fraudes (DGCCRF), do governo francês, investigou os prazos de pagamento de 632 estabelecimentos. Na sequência das verificações realizadas, foram instaurados 138 procedimentos administrativos de multa, no valor de 13,8 milhões de euros[2].

Naquele país, o limite das condições de pagamento é definido pelos artigos L441-10 e seguintes do Código Comercial, estabelecendo que: “salvo acordo entre as partes, o prazo de pagamento é fixado em 30 dias, a contar da data de recepção dos bens ou da prestação do serviço”.

Já nos Países Baixos, estão sendo adotadas novas regras sobre os prazos máximos de pagamento. Atualmente, uma proposta legislativa está em discussão no parlamento neerlandês, segundo a qual grandes empresas (enquanto devedoras) são proibidas de adotar prazos de pagamento superiores a 30 dias, ao celebrar contratos comerciais com pequenos e médias empresas (PME) ou empresários independentes (enquanto credores). A expectativa é que a proposta legislativa seja adotada em muito em breve[3].

Infelizmente, não há e tampouco se discute, atualmente, no Parlamento brasileiro[4] ou no Executivo federal, qualquer proposta legislativa no sentido de obrigar grandes empresas e governos a pagar os seus fornecedores de pequeno porte em, no máximo 30 dias corridos.


[1] Disponível em: https://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview-Portuguese.pdf. Acesso em: 31/03/2023.

[2] Disponível em: https://www.economie.gouv.fr/cedef/delais-de-paiement-entre-entreprises. Acesso em: 31/03/2023.

[3] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://assets.contentstack.io/v3/assets/blt3de4d56151f717f2/bltec888c25b7e98118/6181fd557a22505a5c253b08/New_rules_on_maximum_payment_terms_in_the_Netherlands_-_November_202121760911v1.pdf. Acesso em: 3.

[4] Disponível em: https://www.camara.leg.br/busca-portal?contextoBusca=BuscaProposicoes&pagina=1&order=relevancia&abaEspecifica=true&q=pequenas%20empresas&tipos=PL. Acesso em: 31/03/2023.

Updates in Antitrust Private Enforcement in Brazil

Fernando de Magalhães Furlan

A very recent legislative innovation in Brazil pertains to the private enforcement of Competition Policy in the country. On November 16, 2022, Law nº 14,470/2022[1] was enacted, which delivers new provisions, applicable immediately, to the repression of violations of the economic order (competition). The new law amends provisions of the Brazilian Competition Law (Law nº 12,529/11).

The very site of the Brazilian Competition Authority, CADE, published[2] that “ten years after the entry into force of Law nº 12,529/2011, the publication of Law nº 14,470/2022 encourages and facilitates the filing of private actions by the harmed individuals and firms for anticompetitive practices” [emphasis added]. The enactment of Law nº 14,470/2022 ushers in a new era for the competition private prosecution system and details important issues for its development, such as the applicable statute of limitations and the initial term that must be used in its count.

In addition, it deals with the distribution of the burden of proof and the provision of double compensation for damages, generating greater legal certainty and adequate incentives. In line with the international best practices on competition private enforcement, the new Brazilian law establishes a double damages system, that is, double compensation for damages suffered by third parties due to violations against competition and the economic order.

Another important point concerns the inversion of the burden of proof in relation to the defense thesis usually presented by the offenders: the “pass-on defense” (pass-on the guilt to the supply chain).

Finally, the updates in the Brazilian Competition Law increase the dissuasive nature of antitrust enforcement, better integrating the complementarity between the sanctioning law, of a public nature, and that of civil liability, of a private nature.  This is because, in addition to imposing double compensation, the new law also makes Cade’s decision capable of justifying the granting of protection of evidence, allowing the judge to make a preliminary decision on indemnity actions in defense of individual or homogeneous individual interests, confirming the court’s deference to the decisions of the Competition Authority, which is a specialized and independent body. This is a very important legislative innovation toward granting more power to CADE’s decisions on the discussion of evidence in competition private damage litigation.

It is true that civil liability and administrative liability run different systems, but it’s also true that, in Brazil, the legislator wanted, ultimately, to make a direct connection between them, as anticompetitive behavior is so vile for the economy and the society, as wholes, but also for the individual economic agent. And so, the last applicable and specific legislation toward that issue is Law nº 14,470/2022, which recognizes that by establishing a “double damages” formula for civil damage proceedings in Brazil and allowing any judge to make a preliminary decision on indemnity actions in defense of individual or homogeneous individual interests, based on the evidence gathered by CADE, The Brazilian Competition Authority.

The Brazilian Competition Law, of a public nature, has a clear trend toward making private antitrust enforcement a key player in the deterrent effect of the country’s competition policy. We invite the reader to take into adequate account the recent enactment of Law nº 14,470/2022, with a reinforcing regime for double civil/private liability for anticompetitive behavior and judicial deference to CADE’s decisions, amongst other legislative improvements.

Judicial Deference in Brazil:

The Brazilian Supreme Court (STF) recently (2020)[3] reaffirmed its standard of judicial deference in the judgment of Recurso Extraordinário (Extraordinary Appeal) No. 1083955[4], stating that “the technical expertise and institutional capacity [of an agency or authority] demands a deferential posture from the Judiciary to the merits of the decisions handed down by the Administrative Authorities. Judicial control should limit itself to examining the legality or abusiveness of administrative acts and decisions”.

Due to the judgement of the Federal Supreme Court (STF), which granted deference to a decision by CADE on the imposition of penalties for breaches of antitrust legislation, judicial deference constitutes a posture of the Judiciary Power regarding the assessment of aspects formal and substantial aspects of the administrative-regulatory act, and that the decision of the agency/authority must be respected and maintained, when the criteria of legality, reasonableness and proportionality are fulfilled, with the judge being prohibited from replacing the administrator, or administrative judge, in what concerns administrative merits.

For the Rapporteur of RE 1085399, Justice Luiz Fux: “the examination of the materiality of the conducts and the identification of the damages to the markets demand specialized and qualified treatment, reveals the reduced expertise of the Judiciary for the jurisdictional control of the political and technical choices underlying the economic regulation, as well as its systemic effects[5].

Such trend was even more consolidated in Brazil with the entry into force of Law No. 14,470, at the end of last year (2022). This very recent law inserts Section (Art.) 47-A in the current Brazilian Competition Law (Law 12,529/11), which reads: “The decision of the Tribunal of CADE referred to in art. 93 of this Law can substantiate the granting of guardianship of evidence, allowing the judge to decide on the actions provided for in art. 47 of this Law”. (Included by Law 14,470/22).

            In conclusion:

  1. Private competition enforcement is a pillar of the Brazilian Competition Policy and has two main goals: (i) compensation for damages suffered by economic agents, and (ii) contributing to the deterrence of anticompetitive conducts. The very recent legislative improvements in Brazil (specially Law 14,470/22) clearly points precisely to a broad application of Article 33 of the Brazilian Competition Law. The competitive damage lies in the distortion of competition and affects the private agent(s) in its (their) own activity(ies). The offended diffuse (general) interest is individualized into a private interest, in the sense that the damage to the market also qualifies as damage to the competitor(s) and vice-versa.
  • Law No. 14,470 of 2022 brought the brand-new first paragraph (§ 1º) of Article 47 that reads: “The aggrieved persons will be entitled to double compensation for the damages suffered due to infractions to the economic order provided for in items I and II of § 3º of art. 36 of this Law, without prejudice to the sanctions applied in the administrative and criminal spheres” [emphasis added]. The new Brazilian Law, which amends the current Competition Law clearly and undoubtably affirms the right of damaged persons and firms to double compensation in a judicial private damage claim for losses imposed by anticompetitive conducts, since they were proved in a CADE’s decision.
  • The civil indemnity claim can be addressed to any of the members of the anticompetitive conduct, regardless of legal ties, contracts, or partnerships. This is because the conduct of all those who participated, directly or indirectly (by action or by default), in the anti-competitive practice contributed, anyhow, to the harm caused. Therefore, participants in anti-competitive conducts are jointly and severally liable for the damages caused, under the terms of the paragraph of Article 942 of the Brazilian Civil Code and Article 33 of the Brazilian Competition Law (Law 12.529/11), regardless of whether they have maintained direct relations with the claimant(s). If one of the participants in the conduct is obliged to pay the indemnity in full, it will have the right of recourse against the other offenders, under the terms of article 283 of the Brazilian Civil Code.

[1] Available at: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.470-de-16-de-novembro-de-2022-443760820. Access on February 11, 2023.

[2] Available at: https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/lei-que-estrutura-o-sistema-de-persecucao-privada-concorrencial-e-promulgada. Access on February 13, 2023.

[3] October 25th, 2020.

[4] Judgment statement: “DIVERGENCE REQUESTS IN REQUESTS OF STATEMENT IN THE INTERNAL APPEAL ON THE EXTRAORDINARY APPEAL (RE). ECONOMIC AND ADMINISTRATIVE LAW. COMPETITION. HARMFUL PRACTICE TENDED TO ELIMINATE POTENTIAL COMPETITION FROM NEW RETAILER. ANALYSIS OF MERITS OF THE ADMINISTRATIVE ACT. IMPOSSIBILITY. NO PROOF OF JURISPRUDENTIAL DISAGREEMENT. ABSENCE OF FACTICAL SIMILITUDE. NON-EXISTENCE OF ANALYTICAL COLLECTION. REQUEST OD DIVERGENCE UNADMITTED”. Available at: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5287514. Access: February 13, 2023.

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Agravo Regimental no Recuso Extraordinário n. 1.083.955/DF. Agte(s): Cascol Combustíveis para Veículos Ltda. et all. Rapporteur: Justice Luiz Fux. Date of judgment: 28/05/2019. Date of Publication: June 7th, 2019. P. 16. Apud MUNDSTOCK, João Pedro Mallmann. “O DEVER DE DEFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO DIANTE DOS ATOS ADMINISTRATIVO-REGULATÓRIOS DE ALTA COMPLEXIDADE TÉCNICA”. Monografia de conclusão de curso. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. FACULDADE DE DIREITO.