Fernando de Magalhães Furlan

O Decreto 11.129 entrou em vigor em 18 de julho de 2022, alterando a regulamentação da Lei nº 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

O Novo Decreto trouxe as seguintes principais alterações à Lei da Empresa Limpa:

  1. Dosimetria das multas:

Em relação à dosimetria das multas, foram modificados alguns critérios e alíquotas que determinam precisamente o valor final da penalidade, quais sejam, base de cálculo, circunstâncias agravantes e atenuantes, e limites mínimo e máximo. 

Apesar de a base de cálculo padrão da multa ainda consistir no faturamento bruto da pessoa jurídica no último exercício anterior ao da instauração do PAR, o Novo Decreto inovou ao:

      (I) ampliar as formas de apuração do faturamento, por meio da inclusão da estimativa e da identificação do montante total de recursos recebidos pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no referido período; 

      (II) estabelecer que, na hipótese de empresas de um mesmo grupo econômico terem praticado os atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção ou concorrido para a sua prática, a base de cálculo consistirá na soma dos faturamentos brutos de todas as empresas envolvidas; e 

      (III) determinar que, excepcionalmente, caso a pessoa jurídica comprovadamente não tenha tido faturamento no último exercício anterior ao da instauração do PAR, a base de cálculo consistirá no último faturamento bruto apurado pela pessoa jurídica, atualizado até o último dia do exercício anterior ao da instauração do PAR (arts. 20 e 21).

Quanto às circunstâncias agravantes e atenuantes aplicáveis ao cálculo da multa após o estabelecimento da respectiva base de cálculo, o Novo Decreto não só alterou determinadas hipóteses de incidência, como também modificou, ainda que pouco, a quase totalidade das respectivas alíquotas aplicáveis ao cálculo sob análise (artigos 22 e 23).

Por exemplo, o decreto aumentou de 4% para 5% o fator de redução da multa, no caso de a empresa possuir um programa de integridade efetivo. Confira:

Art. 23.  Do resultado da soma dos fatores previstos no art. 22 serão subtraídos os valores correspondentes        aos seguintes percentuais da base de cálculo:

      V – Até cinco por cento no caso de comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de       integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo V”.

Essa medida busca incentivar as empresas e instituições a adotarem reais medidas de aprimoramento de seus programas de integridade. Para isso, o novo decreto agora traz detalhamento maior de alguns parâmetros para avaliar a efetividade de tais programas.

Por exemplo: a necessidade de realizar diligências apropriadas para contratar e supervisionar terceiros, agora com a menção expressa a despachantes, consultores e representantes comerciais, que deverão ter verificações prévias nos chamados background checks e poderão responsabilizar a empresa pela Lei Anticorrupção, caso pratiquem atos de corrupção, agindo em seu interesse ou benefício.

Com relação à dosimetria da multa prevista no art. 6º, I, da Lei Anticorrupção, o decreto 11.129 trouxe modificações expressivas em relação à norma anterior (Decreto 8.420/15). O primeiro destaque é o da inserção de um novo fator para o cálculo da multa, o da existência de concurso de atos lesivos. A regulamentação anterior não era clara quanto a essa hipótese, o que proporcionava insegurança jurídica. Doravante, quando a prática de mais de um ato lesivo estiver sendo objeto de um processo administrativo de responsabilização, haverá a imposição de multa de até 4% sobre o faturamento bruto da empresa, vejamos (art. 22, I, do Decreto 11.129/2023):

Art. 22.  O cálculo da multa se inicia com a soma dos valores correspondentes aos seguintes percentuais da base de cálculo:

I – Até quatro por cento, havendo concurso dos atos lesivos;

2. Acordos de Leniência:

Os preceitos sobre a celebração de acordos de leniência também foram objeto de modificações significativas. Em vez de exigir o reconhecimento de participação da empresa signatária na infração, como previa o decreto 8.420/15, o decreto 11.129/22 permite a mera admissão da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica pelo ato lesivo à Administração Pública.

Também foi incluída previsão de que, para a assinatura do acordo de leniência, deve haver a reparação integral da parcela incontroversa do dano causado e a perda/devolução dos valores correspondentes ao acréscimo patrimonial indevido ou ao enriquecimento ilícito.

Outra novidade consiste na previsão de que a assinatura de memorando de entendimentos seria causa interruptiva do prazo prescricional de 5 anos previsto na lei 12.846. Tal previsão, contudo, pode ser alvo de questionamentos futuros, pois essa hipótese não está prevista na lei como causa interruptiva da prescrição.

Além disso, eventuais infrações à Lei da Empresa Limpa, que também representem violação administrativa à Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública, serão julgadas em conjunto em um mesmo processo.

O novo decreto também confere algumas proteções ao proponente do acordo de leniência, como por exemplo, o sigilo da negociação.

3. Cálculo da vantagem auferida:

O decreto também prevê, em seu art. 26, três novas possibilidades para se calcular a vantagem auferida ou pretendida para fins de multa ou acordo:

“Art. 26.  O valor da vantagem auferida ou pretendida corresponde ao equivalente monetário do produto do ilícito, assim entendido como os ganhos ou os proveitos obtidos ou pretendidos pela pessoa jurídica em decorrência direta ou indireta da prática do ato lesivo.

§ 1º  O valor da vantagem auferida ou pretendida poderá ser estimado mediante a aplicação, conforme o caso, das seguintes metodologias:

I – pelo valor total da receita auferida em contrato administrativo e seus aditivos, deduzidos os custos lícitos que a pessoa jurídica comprove serem efetivamente atribuíveis ao objeto contratado, na hipótese de atos lesivos praticados para fins de obtenção e execução dos respectivos contratos;

II – pelo valor total de despesas ou custos evitados, inclusive os de natureza tributária ou regulatória, e que seriam imputáveis à pessoa jurídica caso não houvesse sido praticado o ato lesivo pela pessoa jurídica infratora; ou

III – pelo valor do lucro adicional auferido pela pessoa jurídica decorrente de ação ou omissão na prática de ato do Poder Público que não ocorreria sem a prática do ato lesivo pela pessoa jurídica infratora”.

4. Contratação de Pessoas Politicamente Expostas – PEPs:

Além de diligências na contratação de terceiros, o novo decreto regulamentador exige que sejam realizadas diligências apropriadas, baseadas em riscos, para contratar e supervisionar as pessoas expostas politicamente (PEPs), ou seja, pessoas que ocupam ou ocuparam, nos últimos cinco anos, cargos de escalão superior ou funções públicas proeminentes, seus familiares, estreitos colaboradores e pessoas jurídicas das quais participem.


Fernando de Magalhães Furlan. Antigo Secretario-Executivo do Ministerio do Desenvolvi mento, Industria e Comercio Exterior (MDIC) e assessor especial da CAMEX. Foi presidente do Conselho de Administracao do BNDES e da BNDESPAR. Foi presidente, conselheiro e procurador-geral do CADE. Foi também diretor do Departamento de Defesa Comercial (DECOM) e chefe de gabinete do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi membro do Conselho de Administração da FINAME/BNDES. Atualmente e membro do grupo de especialistas do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL e consultor ad hoc de projetos de defesa da concorrência das Nações Unidas (UNCTAD). É professor de direito em Brasília e atua, como professor ou pesquisador, em universidades e institutos no Brasil e no exterior. É consultor externo ou membro não-governamental de organizações e institutos brasileiros e estrangeiros e consultorias. Graduado em Administração pela UDESC/ESAG e em Direito pela UnB, tem mestrado e doutorado pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), com pós-doutorado pela Universidade de Macau, China.


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