Elvino de Carvalho Mendonça

Na semana passada as big techs Apple e Google voltaram a cena nos EUA e na França.

O Departamento de Justiça dos EUA (USDOJ) condenou a gigante Apple por prática de monopolização no mercado de smartphones[1] e a Autoridade Francesa da Concorrência (Autorité de la Concurrence) impôs uma multa de 250 milhões de Euros ao Google em razão do descumprimento de compromissos previstos na decisão 22-D-13, de 21 junho 2022[2].

O combate das principais jurisdições concorrenciais contra condutas anticompetitivas de empresas com as características das conhecidas big techs é algo corriqueiro no mundo da defesa da concorrência.

Por que isso acontece?

Em primeiro lugar, deve-se pontuar que as empresas mencionadas e as demais big techs são detentoras de elevadas participações de mercado nos mercados onde atuam, condição necessária para que o poder se transforme em abuso.

Em segundo lugar, o crescimento destas empresas não se deu somente pela aquisição de empresas concorrentes, mas também pelo crescimento orgânico advindo da natureza dos negócios em que atuam[3].

O crescimento por meio de fusões e aquisições é controlado por grande parte das autoridades de defesa da concorrência no mundo via controle de estruturas. Neste caso, o controle do poder de mercado se dá pela imposição de filtros para a submissão obrigatória de operações às autoridades de defesa da concorrência.

Entretanto, quando o crescimento do market share é obtido de forma orgânica[4] não há nada que as autoridades de defesa da concorrência possam fazer em sede de estrutura e toda a intervenção em que podem atuar se dá no âmbito de investigação de condutas anticompetitivas.

No entanto, ainda que as principais autoridades de defesa da concorrência atuassem para identificar o nexo de causalidade entre a operação e o abuso de poder de mercado, a natureza de preço zero presente nos produtos das big techs tornaram ineficazes os métodos para identificação das fusões e aquisições sobre os preços e sobre o bem-estar do consumidor.

Associado a dificuldade de medir os efeitos da operação está o crescimento orgânico das big techs, cujo acompanhamento, conforme já afirmado, foge ao controle das autoridades de defesa da concorrência. Neste caso, todos os esforços de controle de estruturas neste mercado complexo não foram suficientes para evitar que estas empresas detivessem poderes de mercado próximos do monopólio.

Notícias de imposição de sanções a empresas com características das big techs por parte das autoridades de defesa da concorrência do mundo é e continuará a ser um expediente comum por um bom tempo, pois, muito embora a teoria antitruste já tenha evoluído bastante em matéria de análise de fusões e aquisições na economia digital[5] e possa evitar acréscimos de participação de mercado e exclusão de startups do mercado: (i) as operações de fusão e aquisição que deram origem a posição dominante das big techs já ocorreram; e (ii) a natureza do mercado digital gera por si só crescimento orgânico.


[1] Office of Public Affairs | Justice Department Sues Apple for Monopolizing Smartphone Markets | United States Department of Justice

[2] A decisão 22-D-13, de 21 junho 2022 trata de direitos conexos existentes entre o Google e os Google e os editores ou agências de notícias.

[3] É importante ressaltar que estas empresas, ao captarem volumes gigantescos de dados, são capazes de predizer os comportamentos de seus clientes e de determinar o seu consumo, o que tem uma relação direta com a conquista de participação de mercado.

[4] No Brasil, por exemplo, a legislação exige notificação obrigatória para operações em que pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 750 milhões e pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 75 milhões.

[5] Federal Trade Commission Withdraws Vertical Merger Guidelines and Commentary | Federal Trade Commission (ftc.gov)

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