Pedro Zanotta e Dayane Garcia Lopes Criscuolo

O Manual para Uso de Trustee*, elaborado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, assim define:

“Trustees são terceiros independentes (podendo ser firmas de consultoria e auditoria, consultores independentes, escritórios de advocacia, entre outros) contratados pelos administrados sujeitos a remédios antitruste (genericamente referidos como Compromissárias), a pedido das autoridades concorrenciais, para auxiliá-las no cumprimento ou monitoramento de decisões adotadas, seja pela falta de recursos disponíveis ou pela necessidade de expertise específica para execução de alguma tarefa ou adoção de medida necessária para implementação de remédios mais complexos. Ou seja, os Trustees são designados para executar procedimentos, sob ordens do Cade, nos processos de fiscalização do cumprimento das decisões, compromissos e acordos aprovados.”[1]

A atuação do Trustee tem ganhado relevância, já que ele é a figura que auxilia o CADE no cumprimento e no acompanhamento de suas decisões, principalmente nos casos em que, em razão do volume de dados e informações, ou em razão da expertise, a autoridade possui uma limitação ou inexistência de recursos necessários para tal. Ele age no interesse do CADE, apesar de ser ele contratado e remunerado pela Compromissária[2], ou seja, a parte que celebra com o CADE um Termo de Cessação de Conduta (TCC[3]) ou um Acordo em Controle de Concentração (ACC[4]).

A atividade por ele desenvolvida encontra respaldo na legislação vigente, mais especificamente nos artigos 9º, 10, 13, 52, 85 e 91, da Lei nº 12.529/2011, no Regimento Interno do CADE e na Resolução CADE nº 35/2024. Em referidos dispositivos, encontramos informações acerca da função da Superintendência-Geral do CADE (SG) fiscalizar o cumprimento das decisões, compromissos e acordos aprovados pelo Tribunal do CADE, razão pela qual será ela a responsável pela seleção e contatos com o Trustee.

Conforme esclarece o CADE em seu Manual, “ainda que haja previsão, no ACC ou no TCC, de necessidade de uso de Trustee ou similar, as obrigações impostas às Compromissárias não são suspensas até que o Trustee ou similar seja nomeado, sendo as Compromissárias, em última linha, responsável por essas obrigações e por sua implementação”[5]. Neste sentido, e dentro de um prazo determinado pela autoridade[6], a Compromissária deverá apresentar, ao menos, 3 indicações para exercer essa função.

Após a aprovação[7] do Trustee pelo Tribunal, este reportará seu trabalho ao CADE por meio de relatórios periódicos e pareceres, conforme definidos na decisão, ou relatórios extraordinários, sempre que for o caso, onde deverão constar tanto as informações relacionadas ao cumprimento dos compromissos assumidos pela Compromissária, seu eventual descumprimento e/ou denuncia de terceiros relacionada ao objeto da fiscalização. Ademais, além de ter o dever de confidencialidade com relação às informações recebidas no desenvolvimento de sua atividade, deverá prestar informações claras, verídicas e coerentes, nos prazos estipulados pela autoridade e, em não o fazendo, poderá estar sujeito às penalidades dispostas nos artigos 40 e 43 da Lei nº 12.529/2011, que preveem o pagamento de multas com valores que variam de acordo com cada situação. 

Em contrapartida, a Compromissária, além do dever de pagar pelos serviços prestados pelo Trustee, tem ainda o dever de dar condições para que ele desempenhe este trabalho, fornecendo informações verídicas, assistência, documentos e o que mais for necessário, tempestivamente, sendo esta cooperação limitada ao escopo da atuação do Trustee, conforme definido em TCC ou ACC. O não atendimento pode levar ao descumprimento parcial da decisão, compromisso ou acordo, além das demais sanções previstas na Lei nº 12.529/2011.

O prazo de vigência das obrigações do Trustee será estabelecido no ACC ou TCC. Após o seu último reporte, a SG realizará a análise e, entendendo que a Compromissária “cumpriu as obrigações relacionadas à implementação do remédio que estejam atreladas ao escopo de atuação do Trustee – e que, portanto, a atuação do Trustee não será mais necessária –, emitirá nota técnica entendendo pela conveniência de desoneração do Trustee”[8]. Em seguida, os autos são remetidos à Presidência para referendo pelo Tribunal.  Importante ressaltar que a decisão sobre o cumprimento ou descumprimento de decisão, compromisso ou acordo é exclusiva do CADE, sendo, desta forma, a manifestação do Trustee apenas de caráter sugestivo.

Por fim, com a publicação, no Diário Oficial da União, da ata da sessão de julgamento do Tribunal referendando o Despacho proferido pela Presidência, concordando com a Nota Técnica da Superintendência-Geral, o Trustee será considerado definitivamente exonerado de suas funções/obrigações.


[1] Item 2, página 6 – Manual Trustee.

[2] Apesar desta obrigação, a Compromissária não poderá interferir, de qualquer forma, no relacionamento entre Trustee e CADE.

[3] Neste caso, são adotados Trustees de monitoramento.

[4] Neste caso, podem ser adotados Trustees de monitoramento, de desinvestimento e “de operação” (hold separate manager ou operating Trustee).

[5] Item 3, página 14 – Manual Trustee.

[6] Para maiores informações, vide item “3.1.1. Prazo” do Manual Trustee.

[7] A aprovação passará por duas instâncias, SG e Tribunal, conforme Resolução CADE nº 35/2024. Para saber mais sobre os critérios/requisitos para a aprovação do Trustee (plano de trabalho, capacidade operacional, qualificação técnica), acesse o Manual Trustee do CADE.

[8] Item 10, página 35 – Manual Trustee,


[*] Fonte: Manual Trustee – Conselho de Defesa Econômica (CADE). Disponível em: https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/superintendencia-geral-do-cade-publica-manual-para-uso-de-trustee/Manualdetrusteefinal.pdf   .Acesso em 11.04.2024.

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