Pedro Gabriel dos Santos Aquino

A inteligência artificial e os impactos no Judiciário brasileiro – Vol. 2, n. 1, 2024 – Publicado: 14/12/2023

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marco Aurélio Bittencourt – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

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A inteligência artificial e os impactos no Judiciário brasileiro

Pedro Gabriel dos Santos Aquino & Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

O presente artigo objetivou compreender os desafios enfrentados pelo Judiciário brasileiro no que tange à implementação da inteligência artificial nas tomadas de decisões. Também buscou identificar experiências de tribunais, órgãos públicos e magistrados, para, a partir delas, discutir como minimizar a não aceitação da tecnologia, baseada na inovação e nos desafios que pretende enfrentar. Foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica e estudos diretos sobre o tema. A partir das pesquisas, foi observado quais as principais barreiras enfrentadas pelos magistrados para adesão à inteligência artificial. Inicialmente, foi constatado que a baixa oferta de treinamento é um fator relevante, uma vez que, para se utilizar tecnologia tão inovadora, devem os magistrados saber exatamente quais pontos deverão merecer maior atenção. Atualmente já há projetos de lei no Congresso Nacional que trazem uma delimitação sobre o uso da inteligência artificial dentro nos tribunais brasileiros. Todavia, para que todos os tribunais comecem a implementar a IA, deve-se voltar atenção maior para a sua regulamentação.

Palavras-chave: 1° inteligência artificial; 2° aplicação no Judiciário; 3° regulamentação; 4º desafios.

Abstract

The present work aimed to understand the challenges faced by the Brazilian judiciary regarding the implementation of artificial intelligence in decision-making, as well as to identify the experiences of public bodies and magistrates, to be able to discuss how to make this non-acceptance based on the challenges minimized. For this, the method of bibliographical research and direct studies on the subject were used. From the research it was observed which the main barriers faced by the magistrates for the adhesion of artificial intelligence are. Initially, it was verified that the low supply of training is a relevant factor, since the use of such an innovative technology would require magistrates to know in advance the points they should pay attention to. In addition to the lack of implementation of a law that deals directly with the subject presented, it is known that currently there are bills in the National Congress which aim at a delimitation on the use of artificial intelligence within the Brazilian courts.

Keywords: 1º artificial intelligence; 2º application in the Judiciary; 3º regulation; 4º challenges.

Sumário

1.       INTRODUÇÃO

2.       INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

2.1.    Sistemas que agem de maneira racional

3.       CONCEITOS OPERACIONAIS

3.1.    Machine learning

3.2.    Deep learning

3.3.    Big data

4.       O USO DA INTELIGENCIA ARTIFICIAL NO JUDICIÁRIO

4.1.    Hórus – Tribunal de Justiça do Distrito Federal

4.2.    Victor- Supremo Tribunal Federal

5.       ATUAL REALIDADE NA TOMADA DE DECISÕES E OS LIMITES JUDICIAIS DE ACORDO COM O PROJETO DE LEI Nº 5.501/2019

6.       CONCLUSÃO

Introdução

O presente artigo tem por objetivo tratar da aplicação da inteligência artificial às decisões judiciais, pois é inegável a evolução da tecnologia dentro das diversas áreas do conhecimento, inclusive na área do direito. É preciso, contudo, refletir sobre a evolução tecnológica e a eventual possibilidade de causar prejuízos. Quando falamos de tutela de bens jurídicos e possíveis desdobramentos que isso pode causar na vida das pessoas, o Poder Judiciário tem a missão de dirimir conflitos e trazer a pacificação social.

Desta forma, a adoção da inteligência artificial pelo Judiciário serve para auxiliar na celeridade e qualidade, objetivando contribuir com o trabalho dos juízes e dos servidores dos tribunais. Para que essa evolução seja bem aceita pelos magistrados e serventuários, deve-se, em primeiro lugar, verificar como o uso da inteligência artificial poderá auxiliá-los, seja para mapear processos em repetição ou proferir decisões, com o auxílio físico do juiz.

A inteligência artificial é uma maneira de reprodução, por meios tecnológicos, dos pensamentos e ações que poderiam ser tomados ou pensados no dia-dia. O Judiciário atualmente tem notado a relevância da tecnologia, de forma geral, para uma abordagem específica, observando, de maneira enfática, a contextualização social e cultural da sociedade. Reparemos que máquinas programadas para tarefas racionais podem oferecer perspicácia em várias facetas da experiência humana, ao passo que os seres humanos empregam a tecnologia para ajustar e aprimorar o seu desempenho.

A inserção da inteligência artificial (IA) nas dinâmicas processuais judiciais traz um alívio, mesmo que ainda não evidenciado, em face de processos novos, pois muitos são os avanços em que a autonomia da inteligência artificial poderá proporcionar aos tribunais. Assim, é crucial que os tribunais realizem uma reestruturação, simplificando procedimentos e assegurando que, ao avaliar o mérito de cada caso, possam atender eficazmente às necessidades da sociedade, sem comprometer os princípios legais fundamentais estabelecidos. Ou seja, entregar Justiça com qualidade e em tempo razoável.

Inicialmente, examinaremos e conheceremos sobre a inteligência artificial e seu progresso tecnológico, no contexto da incorporação dos sistemas aos tribunais brasileiros. Especialmente quando se discute a viabilidade de um “juiz-robô”, na perspectiva jurídica de poder e ter a capacidade jurídica e ética para tomar, de forma autônoma, uma decisão. A inteligência artificial, no âmbito jurídico, é percebida como uma ferramenta criada pela humanidade para auxiliar os tribunais na sua adaptação às crescentes exigências da sociedade contemporânea.

No terceiro capítulo, iniciaremos nossa análise explorando os conceitos da inteligência artificial. Posteriormente, abordaremos os conceitos de machine learning, big data e deep learning, com um enfoque mais específico nas distintas facetas tecnológicas que compõem a inteligência artificial. Consideraremos como a crescente busca por avanços tecnológicos trouxe, ao campo jurídico, a adoção de sistemas que refletem a perspectiva dos profissionais do direito em direção a um contínuo esforço de progresso e melhoria no sistema de Justiça.

Em seguida, no quarto capítulo, abordaremos o uso e os impactos da inteligência artificial no Poder Judiciário, com base nos princípios e no direito. Nosso objetivo é compreender os benefícios que acompanham a aplicação da inteligência artificial, examinando as crescentes expectativas da sociedade em relação ao Judiciário, desde o momento da entrada de um pedido, até a prolação de uma decisão final. Para ilustrar, consideraremos dois projetos, já em uso no Brasil, como exemplos: o sistema “Hórus”, adotado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, e o sistema “Victor”, atualmente em uso e atualização pelo Supremo Tribunal Federal. Esses sistemas foram projetados para processar informações em larga escala de maneira significativamente mais rápida do que os seres humanos.

No quinto e último capítulo, o tema central de discussão se concentra na necessidade de analisar cada caso de forma individualizada. Partimos do pressuposto de que a maioria da população brasileira vê o Poder Judiciário como a única instância para a resolução de conflitos, o que, por sua vez, leva a uma sobrecarga do sistema, potencialmente resultando em dificuldades na prestação eficaz de serviços jurisdicionais. Além disso, abordaremos proposições legislativas que destacam a importância da proteção da privacidade, dos dados pessoais, da transparência e da supervisão humana na operação de sistemas de inteligência artificial. A ênfase será sempre na busca pela qualidade e eficiência dos serviços oferecidos à sociedade.

O desenvolvimento deste artigo seguirá uma abordagem metodológica, baseada em pesquisa bibliográfica-documental, como procedimento técnico. O método de abordagem empregado será o dedutivo, e a análise adotada terá uma natureza predominantemente qualitativa. Para obter uma compreensão abrangente do cenário social atual, relacionado à adoção de novas tecnologias, recorreremos a uma variedade de fontes, incluindo livros, estudos acadêmicos, recursos online, artigos científicos, periódicos, monografias e textos legislativos.

2. Inteligência artificial e desenvolvimento tecnológico

A inteligência artificial é uma forma de reprodução do pensamento e ações humanas, realizada por sistemas e máquinas, a partir de robôs, com a capacidade de realizar tarefas que vão além do simples raciocínio lógico e respostas rápidas que, na maioria as vezes, exigem de interferência humana. Atualmente, um robô ou sistema com inteligência artificial, tem, na maioria das vezes, a plena capacidade de raciocinar de maneira autônoma. Quando falamos da inserção da inteligência artificial no direito brasileiro, devemos ir muito além de pensar somente em sistema, mas devemos considerar, também, a agilidade na prestação jurisdicional e a contextualização social e cultural, pois são importantes e fundamentais para o direito. (NICOLA, 2021)

Por meio da inserção da (IoT) Internet of Things, popularmente conhecida como “Internet das coisas”, a capacidade de conectividade, como, por exemplo, na casa inteligente, da inteligência artificial traz consigo centenas de possibilidades a partir de conectividades parecidas com essa para o meio jurídico. (NICOLA, 2021)

O aprendizado rápido e assertivo faze parte de um conjunto de algoritmos sofisticados, que estimulam o aprendizado por meio de processamento, análise e pesquisa de dados, além da coleta de informações. Dessa maneira, o sistema pode simular o raciocínio de um profissional do Direito. Atualmente, esses softwares vêm sendo usados de maneira difundida nos escritórios de advocacia, mas também nos tribunais, uma vez, que são utilizados como um suporte, o que traz uma organização e agilidade maior ao trabalho. Para que um sistema de software se torne uma solução de inteligência artificial é necessário, de forma genérica, que deixe de, simplesmente, auxiliar e passe a exercer atividade direcionada à decisão, atuando como assistente virtual dos profissionais e tribunais.

Existem dois tipos de inteligência artificial, que se relacionam bem com o mundo jurídico: (i) a inteligência artificial forte, ramificação da inteligência artificial em que o sistema tem uma maior assertividade de raciocínio lógico, uma autoconsciência que emula o raciocínio lógico com perfeição; e (ii), a inteligência artificial fraca, que não tem a capacidade de imitar o raciocínio humano, pode também auxiliar de maneira assertiva, tratar um grande volume de dados, elaborar relatórios, porém, sem a capacidade da consciência humana. Nesse caso, as máquinas utilizam softwares e algoritmos criados para finalidades específicas, como simular uma conversa humana, por exemplo, o ChatGPT[1].

As mudanças que a tecnologia trouxe na última década foram de grande importância para o desenvolvimento mundial. O aperfeiçoamento da inteligência artificial (IA) e de muitas outras manifestações digitais trouxeram novos desafios inimagináveis para a humanidade, sobretudo, ao mundo jurídico, uma seara com poucas inovações até recentemente. Esse incessante avanço científico e tecnológico tem contribuído de maneira altamente positiva em várias disciplinas do conhecimento humano. À medida que nos deparamos com um vasto leque de possibilidades, vários especialistas e pesquisadores propõem a perspectiva de um futuro iminente, onde a inteligência artificial possa vir a suplantar ocupações atualmente conduzidas por seres humanos. (BUBNOFF; SERRANO, 2023).

Nesse sentido, a Doogue O´Brien George[2], uma firma de advocacia da Austrália, lançou um serviço de consultas online, uma espécie de advogado robô, que proporciona às pessoas a oportunidade de se prepararem para comparecer a um tribunal e defender os seus interesses, por meio da defesa adequada, sem a presença de um advogado, por meio de um texto escrito com base em informações inseridas no seu banco de dados. Hoje em dia, a inserção da IA dentro do Judiciário está também presente no exterior. Um sistema chamado Smartsettle[3] tem ajudado a resolver conflitos judiciais no Reino Unido. O algoritmo junta as prioridades das partes e ajuda-as a escolher as melhores formas para a resolução do conflito, assim chegando a um ótimo acordo (BUBNOFF; SERRANO, 2023).

Por esse motivo, a inteligência artificial traz consigo a capacidade de receber, processar e a autonomia de autoaprendizagem.

Com base em algoritmos de IA, é possível oferecer recomendações personalizadas para os usuários, seja em sítios de compras, plataformas de streaming ou aplicativos de música. Essas recomendações economizam tempo ao apresentar opções relevantes e interessantes, de forma automática, sem que os usuários precisem procurá-las. A IA também pode ser aplicada para prever falhas e realizar manutenção preditiva em equipamentos e máquinas. Isso ajuda a evitar paradas não intuitivas e reduzir o tempo de inatividade, otimizando o uso dos recursos disponíveis.

As aplicações da tecnologia são diversas e, no conjunto, contribuem para inaugurar uma nova fase no desenvolvimento material humano. Isso abrange a redefinição das dinâmicas comerciais, industriais e laborais, bem como das modalidades de interação social. Nesse contexto, emergem duas vertentes no uso da tecnologia, uma que reafirma nossa humanidade e outra que suscita questionamentos sobre ela. Quando a intensa disseminação dos meios digitais começa a tensionar os direitos individuais como, imagem, privacidade, vida pessoal, dados sensíveis, informações e transações que circulam nas redes sociais a um ritmo veloz, incessante, atemporal e em grande escala – é crucial estabelecer limites para coibir opressão, injustiças, intolerâncias, violência, humilhação, perversidades, variadas formas de subordinação e manifestações de desrespeito. (SARLET, 2022, p.16)

Ao utilizar máquinas como meio de facilitação, substituindo o ser humano em algumas tarefas, isso pode gerar a perda de empregos. Contudo, Russel (2013. p 1188) afirma que alguém poderia argumentar que milhares de trabalhadores foram demitidos por esses programas de IA, mas, de fato, se não houvesse os programas de IA, esses trabalhos não existiriam porque o trabalho humano adicionaria um custo inaceitável às transações. Até agora, a automação por meio da tecnologia de IA, criou mais empregos do que eliminou, e criou empregos mais interessantes e com remuneração mais elevada.

No entanto, é importante mencionar que a IA também apresenta desafios e considerações éticas, como a privacidade dos dados, o viés algorítmico e o impacto no mercado de trabalho. É necessário um desenvolvimento contínuo e uma regulamentação adequada para garantir que a IA seja usada de forma responsável e saudável à sociedade. Contudo, mesmo que a IA já esteja inserida na prestação de serviços, tanto na esfera pública, quanto na privada, percebe-se que ainda há certa resistência no Poder Judiciário, especialmente pelos mais tradicionalistas. Por mais que a IA esteja sendo utilizada em alguns tribunais e escritórios do país, ainda está distante de ser reconhecida como algo essencial.


Gráfico 1. Casos novos, por ramo da Justiça

Fonte: Retirado do site justiça em números CNJ

Gráfico 2. Casos pendentes, por ramo da Justiça

Fonte: Retirado do site justiça em números CNJ

Todavia, quando consideramos o relatório do CNJ (2019), percebemos a essencialidade da tecnologia na prestação jurisdicional, tendo em vista que, durante o biênio 2019-2020, o Poder Judiciário brasileiro acumulou 77,1 milhões de processos em tramitação. As figuras 2 e 3 mostram, em gráfico, esse acúmulo.

2.1. Sistemas que agem de maneira racional

Os testes de Turing[4] são altamente debatidos entre os cientistas da computação, em parte por causa da ambiguidade das regras e dos designs variados dos testes. Por exemplo, alguns testes foram criticados por usar interrogadores “não sofisticados”, enquanto outros testes usaram interrogadores que não tinham consciência da possibilidade de estarem conversando com um computador. Vencedores oficiais ou não, alguns computadores recentes nas competições de Turing são bastante convincentes.  Em 2014, por exemplo, um algoritmo de computador convenceu, com sucesso, um terço dos juízes da Royal Society, do Reino Unido, de que também era humano. (VESELOV, 2014)

A inteligência artificial, como vimos, pode ser usada em várias aplicações. Com isso, a IA pode também ser usada para a revisão de contratos, procedimento historicamente lento, e que revela seu imenso potencial para a automatização. Diversas startups, incluindo Lawgeex, Klarity e Clearlaw, estão desenvolvendo sistemas de inteligência artificial capazes de assimilar contratos propostos de forma automática. (CONTE, 2023)

Adicionalmente, essas plataformas têm a capacidade de analisar os contratos de maneira minuciosa, utilizando tecnologias de processamento de linguagem natural (PLN)[5], e de determinar as cláusulas viáveis de um contrato e quais podem apresentar desafios. Desse modo, a complexidade das obrigações empresariais, diante dos seus públicos interessados, pode ser simplificada. Nesse cenário, a Kira Systems[6] se destaca como um exemplo de empresa que desenvolve essa categoria de plataforma. (CONTE, 2023)

O Ministro Victor Nunes Leal foi membro ativo do Supremo Tribunal Federal (STF) durante 9 anos, de 1960-1969, e teve grande impacto no que diz respeito a novas ideias e grande mudanças. O Ministro Victor foi um dos grandes influenciadores do sistema de jurisprudência dos tribunais, por meio de súmulas. Justamente por esse motivo, hoje, o projeto de Inteligência Artificial do STF carrega o seu nome, como justa homenagem à visão dele.

O Sistema Victor, de inteligência artificial aplicada, é um robô, em fase inicial, que foi alimentado com todas as decisões já proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essa base de dados permite que o sistema auxilie, de maneira prática e eficaz, os magistrados e servidores do tribunal. A expectativa inicial é que essa tecnologia possa agilizar o trâmite processual, otimizar o tempo necessário para análise e reduzir erros, substituindo o processo manual por um mais automatizado.

Enquanto, anteriormente, uma análise puramente manual de um determinado recurso demorava cerca de 44 minutos, o sistema VICTOR é capaz de realizar a mesma tarefa em apenas 5 segundos. Isso indica uma redução significativa do tempo necessário para a realização dessa etapa do processo, o que pode contribuir para uma maior celeridade processual. O Sistema Victor é voltado para a análise de admissibilidade recursal e de repercussão geral. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou, em 2023, os testes de mais uma IA que irá auxiliar no tribunal. Batizada de VitórIA, o sistema visa a ampliar o conhecimento jurídico e fazer uma espécie de triagem de temas repetidos ou similares. A ferramenta fará essa identificação por meio do acervo de processos do próprio tribunal, fazendo, ainda, com que processos de mesmo conjunto possam resultar em uma resolução de repercussão geral. (BRASIL, 2023).

Para o SFT, a utilização de IA é essencial, afirma Rodrigo Canalli, assessor-chefe da Assessoria de Inteligência Artificial (AIA): “é um projeto voltado para ampliar a capacidade de análise de processos, propiciar julgamentos com maior segurança jurídica, rapidez e consistência, evitando, por exemplo, que processos similares tenham tratamento diferente”.

Os bots[7] podem provar ser altamente eficazes em oferecer ajuda legal às massas. A utilização de bots pode se revelar extremamente eficaz ao oferecer assistência jurídica e proporcionar amplo acesso aos serviços legais à população em geral. Um bot de advogado, por exemplo, é, essencialmente, um software que possui a capacidade de desempenhar tarefas automatizadas, normalmente executadas diretamente por um profissional.

Dentre os exemplos mais destacados de bots jurídicos, destaca-se o aplicativo DoNotPay, considerado o pioneiro como advogado virtual; assim como o assistente júnior de escritório, BillyBot. Este último auxilia indivíduos a obter orçamentos para serviços de mediação jurídica. (CONTE, 2023).

E não somente o STF está usando a IA para aprimoramento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua vez, também implementou um sistema de inteligência artificial (IA) chamado Sócrates, que tem como objetivo reduzir o tempo da tramitação processual em cerca de 25%, desde o momento da distribuição até a primeira decisão em recurso especial. Hoje, cada tribunal está trabalhando de forma autônoma, no que diz respeito à inteligência artificial. O próprio sistema do Processo Judicial Eletrônico (PJe) não tem uma padronização entre os tribunais dos estados. (CNJ, 2019).

Hoje, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) lidera o ranking de tribunais, com sistema de inteligência artificial já em funcionamento (CNJ, 2020). Atualmente, o TJDFT conta com quatro projetos, já desenvolvidos e em uso, e mais dois projetos em fase final de testes, sendo eles:

  • Amon – basicamente um sistema de reconhecimento facial, a partir de imagens. Foi desenvolvido com o objetivo de supervisionar a administração unificada do acesso às instalações do tribunal. Desde junho de 2020, esse sistema tem capacidade para verificar a identidade de cada indivíduo, por meio de reconhecimento facial, o que resulta em um aprimorado controle de ingresso no Tribunal. Como resultado, o TJDFT consegue fortalecer a segurança para juízes, funcionários e todas as pessoas que entram nos edifícios da instituição;
  • Artiu – sistema para agilização do envio de mandados à Coordenadoria de Administração de Mandados (COAMA), que necessita do CEP do destinatário para a distribuição e o cumprimento apropriados. Caso essa informação não esteja disponível, devido a dados ausentes ou inconsistências, a inteligência artificial (IA) procura determinar o setor de destino do mandado e, de forma automatizada, realiza os ajustes necessários no endereço. (TJDFT, 2021);
  • Hórus – projeto que conta com aplicação da tecnologia de um sistema vinculado à inteligência artificial e tem se revelado valioso no âmbito judicial, presente também no TJDFT. Essa IA tem sido empregada, com êxito, para agilizar o andamento e a prestação de Justiça. Tanto as Varas de Execuções Fiscais (VEF), quanto os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), têm aproveitado plenamente essa inovação em suas tomadas de decisão. Na VEF, o projeto Hórus foi implantado e trouxe uma notável agilidade na administração de processos já digitalizados. Ele integrou, de maneira eficaz, a digitalização de processos físicos ao PJe e possibilitou movimentações processuais no sistema judicial legado, o SISTJ.

Simultaneamente, o sistema empregado pelos CEJUSCs já possuía a capacidade de importar processos automaticamente. A implementação do projeto no VEF elevou essa capacidade, permitindo que os CEJUSCs classificassem novos procedimentos, por meio de IA avançada, que, por sua vez, enriquecem o aprendizado das máquinas. (DISTRITO FEDERAL, 2019)

O programa “Natureza Conciliação” atende às demandas dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, os CEJUSCs. O sistema de conciliação que esses centros usavam anteriormente, já tinha a capacidade de importar automaticamente processos do PJe, reduzindo-os a termos. Após a conclusão daquele projeto, o sistema agora possui a capacidade de avaliar procedimentos usando o processo de aprendizado da máquina (machine learning).

Cada processo importado cria um procedimento que resulta em uma ou mais sessões de conciliação. Após a sua criação, cada um desses processos deve passar por uma avaliação para obter as informações possíveis para conduzir a sessão. O próprio sistema automatizou essa etapa, que busca eliminar as tarefas repetitivas. (DISTRITO FEDERAL, 2021).

  • Toth – é um sistema em projeto que visa a definir a classe e a(s) matéria(s) do processo, durante o fluxo de peticionamento. Baseia-se no treinamento de algoritmos. Como se trata de um sistema em fase inicial, os testes, quando possíveis, serão realizados na 1º Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões de Santa Maria-DF. São projetos que visam a ajudar o Poder Judiciário do DF e Territórios e, além disso, trazem agilidade e mais assertividade na tomada de decisões. Aliás, o TJDFT está com mais um projeto em desenvolvimento, visando auxiliar os processos de execução fiscal.

Segundo (Rodas, 2022), o desenvolvimento e evolução rápida da Internet e dos sistemas de comunicação levou à criação desse novo formato de interação. Uma vez que os sistemas agora são criados com a finalidade de promover a automatização e os serviços jurídicos, sem a necessária atuação de um advogado, nem todos tem aceitado bem essa nova tendência.

3. Conceitos operacionais

A inteligência artificial implica uma importante e significativa mudança de paradigmas na sociedade contemporânea, um avanço para facilitar as atividades cotidianas. Estamos passando por uma evolução nunca imaginada, principalmente em relação à quantidade de informação recebida e processada ao longo do dia por vários canais, e a responsabilidade no seu tratamento e aplicação.

É perceptível que as tecnologias que vêm sendo criadas atualmente são no sentido de prestar maior e melhor assistência ao ser humano, como, por exemplo, a aplicação nas diversas áreas da ciência e da medicina. Porém, o fascínio tem sido estudar e entender a capacidade da Inteligência Artificial. Após diversas pesquisas, foi possível identificar que uma certa porcentagem da programação é capaz de, compreender, prever, além de perceber situações e manipular ações que sejam até maiores que a sua própria capacidade. Essas percepções são possíveis por conta da capacidade interlocutória que a Inteligência Artificial adquire (RUSSELL; NORVIG, 2013).

De acordo com Russell e Norvig (2013), a inteligência artificial e a computação estão familiarizadas devido à capacidade de processamento e pela conexão da tecnologia presente em ambos. Para Farias e Medeiros (2013), o surgimento do computador integrador, durante as décadas de 1940 e 1950, foi o ponta pé inicial para toda uma geração de computadores e, assim, abrisse as portas para a formalização do conceito conjunto entre algoritmo e computação. 

Outro momento importante na evolução da inteligência artificial foi o final do século XX, quando surgiram novas tecnologias, novos programas inteligentes e máquinas que mostravam ter uma grande capacidade para processar. O objetivo principal dessas máquinas era concorrer, de maneira igualitária, com a capacidade humana. Muitas vezes as máquinas não só conseguiram atingir a meta esperada, como superaram e ultrapassaram os limites estipulados. Certa vez, um computador e um software, criados pela IBM, surpreenderam pela velocidade em realizar cálculos muito complexos. A sensação, para quem estivesse assistindo, era a de que o computador estava, efetivamente, raciocinando (TEXEIRA, 2013).

A inteligência Artificial, além de todas as suas possíveis evoluções, em vários aspectos, busca, de maneira prioritária e essencial, se equiparar à forma de pensar do ser humano. Contudo, na verdade, a IA vem, desde meados dos anos 2000, se mostrando superior ao humano. Segundo Winston (1993), a área de atuação da Inteligência Artificial, vai além da produção de um equipamento ou mesmo de um estudo. Apoiado nesse ponto de vista, um estudo realizado desenvolveu diversas técnicas e ideias, dentre elas a ciência cognitiva, que busca a hipótese de total compreensão, dentro do seu espaço e construção no tempo.

De acordo com Russell; Norvig (2013), a inteligência artificial é uma área amplamente ativa e presente em diversas disciplinas científicas e na educação, tornando desafiador estabelecer uma definição precisa, sendo, em certa medida, uma disciplina empírica. Da mesma forma, Pacheco (2019) concorda que a inteligência artificial está intimamente ligada à engenharia de criação de máquinas inteligentes, com foco principal em programas de computador, destacando que não existe uma definição definitiva para essa área. Assim, é inegável que a base fundamental da inteligência artificial reside na busca pela racionalidade humana e na tentativa de aproximá-la ou até mesmo superá-la.

Dessa forma, a inteligência artificial deixou de analisar pequenas coisas, como linhas e números, e começou a analisar grandes coisas, com maior volume de dados, o chamado big data, de forma simultânea, com dados de diferentes tipos e possibilidades, alterando também a forma de coleta e qualidade.

3.1. Machine learning

Para melhor ilustrar, as áreas de aplicação da Inteligência Artificial dividem-se em três: Machine Learning, Deep Learning e Natural Learning Processing (TACCA; ROCHA, 2018).

O aprendizado de máquina, conhecido por Machine Learning, é uma parte de estudo da Inteligência Artificial, que explora os estudos existentes e a construção de algoritmos computacionais, partindo do aprendizado de dados presentes. A principal finalidade de um sistema de Machine Learning é construir um sistema de computador que tenha um banco de dados já pré-instalado, e que, ao final, gere um modelo de predição, classificação ou detecção, buscando um padrão de vários conjuntos variáveis, com o escopo de prever implicações específicas (ARAÚJO, et al., 2023).

A constante busca por praticidade, otimização e celeridade na resolução de problemas jurídicos resultou na utilização exacerbada do Machine Learning, despertando nos operadores do direito uma necessidade de evoluir. Assim, com o passar do tempo foram desenvolvidas diversas ferramentas com o intuito de economizar tempo, minimizar falhas e auxiliar na tomada de decisões.

Diante disso, softwares vêm sendo desenvolvidos todos os dias. A jurimetria é um exemplo de um software criado com a finalidade de aplicar o direito, por meio de uma análise simples e direta. Os posicionamentos e reiterações que ocorrem no âmbito do Direito visam a conferir efetividade às normas e instituições (MARINHO, et al. 2022. p.11-16).

A jurimetria está se tornando parte integral da prática jurídica cotidiana, à medida que a forma de oferecer e consumir serviços legais passa por transformações significativas. A revolução da ciência de dados e da inteligência artificial, que já revolucionou outros setores nas últimas décadas, chegou inevitavelmente ao campo jurídico. Essa transformação afetará diversos aspectos da profissão jurídica, sendo uma das mudanças mais marcantes a integração da jurimetria com a necessidade dos clientes de ter uma ferramenta habitual para análises, estudos e tomada de decisões. A Tikal Tech, uma startup de tecnologia com sede em São Paulo, está dedicada ao desenvolvimento de soluções inovadoras para o setor jurídico. Eles introduziram a LegalNote, uma ferramenta que faz uso de robôs para rastrear a internet em busca de qualquer alteração ou tramitação dos processos cadastrados por advogados. Após coletar os dados do processo, os robôs passam por um processo de aprendizado de máquina para ler, classificar e identificar as informações pertinentes ao advogado (MARINHO et al. 2022. p.11-16).

É importante destacar que os chatbots não estão destinados a substituir o atendimento humano, ou seja, não são “robôs-advogados” que representem uma ameaça às profissões jurídicas no Brasil. Na verdade, os chatbots inteligentes estão projetados para auxiliar os profissionais, permitindo-lhes concentrar-se em oferecer um atendimento mais eficaz e liberando-os de tarefas repetitivas. Isso proporciona mais tempo para lidar com questões que exigem uma análise mais aprofundada e abrangente. Consequentemente, à medida que o software é utilizado, ele aprende e se torna cada vez mais inteligente e preciso na interação entre o sistema judiciário e a sociedade.

É relevante mencionar que o cientista britânico Stephen Hawking expressou preocupações sobre o potencial risco de a inteligência artificial em robôs representar uma ameaça à humanidade, podendo levar ao fim da raça humana, caso a IA alcance seu pleno desenvolvimento. Em uma conferência realizada em 2015, aquele físico teórico afirmou que “os computadores superarão os humanos com sua IA nos próximos 100 anos.” (HENRIQUE, 2015).

Destaca-se, do mesmo modo, que as ocupações podem ser parcialmente automatizadas, de forma que o objetivo das automatizações e aplicações não é a substituição de um advogado, mas o seu devido auxílio, em determinadas situações. Por exemplo, algoritmos que filtram dados sensíveis (pré-determinados), com a finalidade de trazer mais eficiência ao trabalho dos advogados.

A dinâmica diz respeito à automação na revisão de documentos probatórios em litígios, em que os algoritmos de machine learning não desempenham o papel de substituir – nem têm a capacidade de fazê-lo – tarefas cruciais do advogado. Essas tarefas incluem a determinação da relevância de documentos ambíguos, de acordo com as normas legais vigentes ou a avaliação de seu potencial valor estratégico em um processo judicial (MARINHO et al. 2022. p.11-16).

Em vez disso, em muitos cenários, os algoritmos podem ser eficazes na tarefa de filtrar uma grande quantidade de documentos que, provavelmente, são irrelevantes, permitindo que o advogado economize seus recursos cognitivos limitados ao não precisar analisá-los detalhadamente. Além disso, esses algoritmos podem identificar documentos potencialmente relevantes, destacando-os para chamar a atenção do advogado. Assim, o algoritmo não substitui o advogado, mas automatiza certos aspectos das tarefas (REBELO, 2018).

Os programas e algoritmos de machine learning estão sendo usados para gerar tipos de modelos preditivos, sejam eles aplicados à prática do direito ou não (REBELO, 2018).

Os tribunais de Justiça dos estados divergem em algumas questões no que tange à aplicação de uma norma sobre o assunto, uma vez que ainda não se tem uma legislação clara sobre o tema. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 3ª Vara de Fazenda Pública, o Juiz Luis Manuel suspendeu a licitação para a aquisição de câmeras para o sistema de reconhecimento facial. Em sua decisão, o juiz argumentou que a utilização do reconhecimento facial poderia violar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e representar uma grave ameaça a direitos individuais. Assim escreveu o magistrado (GUIMARÃES, 2023):

“A dimensão do impacto que o sistema tecnológico de monitoramento por reconhecimento facial produz impõe a responsabilidade ao Poder Público de apenas considerar o seu uso após a definição de regras legais precisas que ponderem os objetivos da segurança pública com os direitos fundamentais. Daí porque não há como adquirir o sistema de videomonitoramento sem se saber como esses dados podem ser processados (Lei Geral de Proteção de Dados) e como devem ser ponderados em proteção aos direitos fundamentais”.

A inserção da inteligência artificial dentro do Judiciário é algo controverso, vez que os próprios juízes divergem entre si no que tange à matéria. Alguns processualistas chegam a dizer que a introdução da inteligência artificial viola os princípios da Constituição e as normas nacionais vigentes, presentes no Marco Civil da Internet e do Código de Defesa do Consumidor. O TJMG permitiu ao usuário de um aplicativo o direito de apresentar defesa baseada em dados eletrônicos, uma vez que o uso de recursos digitais se tornou imprescindível no ambiente social (GUIMARÃES, 2023). 

Por sua vez, o TJSP não teve o mesmo entendimento em caso semelhante, em que a inteligência artificial da Amazon, durante uma verificação padrão, suspendeu a conta da usuária-autora, por coincidências entre a conta dela e a de seu noivo, tendo ela ficado impossibilitada de exercer a função de vendedora na plataforma.  Ao tomar a sua decisão, a juíza levou em consideração que “no sofisticado sistema de informação da Amazon, claramente gerenciado por inteligência artificial, surgiu essa coincidência cadastral”. Diante dessa circunstância, a magistrada considerou que a “suspensão da conta é justificada, a fim de preservar o mínimo de segurança dos usuários da plataforma”. No entanto, dado que a vendedora entrou em contato com a Amazon e explicou “os eventos de maneira transparente”, ao solicitar a reativação da conta, a magistrada não viu justificativa para manter a suspensão da conta. Consequentemente, ela concluiu que a Amazon “causou uma falha no serviço ao não reativar a conta da autora dentro do razoável prazo estabelecido por lei, que é de 30 dias (de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, artigo 18, parágrafo 1º)” (GUIMARÃES, 2023). 

3.2. Deep learning

Em uma outra vertente da Inteligência Artificial, o Deep Learning funciona como um subconjunto de aprendizados, em uma rede neural com três ou mais camadas. As redes que compõe o Deep learning buscam simular a atividade cerebral. Contudo, a inteligência artificial ainda é mais utilizada com a permissão de que se aprenda com grandes volumes de informações e dados. De qualquer forma, redes neurais com mais de 3 camadas podem ser mais assertivas no que tange a aprimorar as suas conclusões.

As redes neurais do Deep Learning são interconectadas, o que tem produzido resultados que impactam ao deparar com padrões existentes nos dados, ou ainda estabelecer lógicas ou relacionais (BATHAEE, 2012, p. 13-14).

Contudo, além do conceito de camada, há também o conceito de bloco, que auxilia no compêndio da complexibilidade. O que ocorre é que, quando se fala em blocos de conhecimento, são eles muito voláteis, podendo conter entre uma ou mais camadas neurais, ou, ainda, conter um modelo inteiro, que pode ser ajustado em uma mesma rede neural. (PEIXOTO, 2020)

O Deep learning traz uma grande influência para todos os aplicativos e sistemas que usam a IA como referência, trazendo, em si, um maior e melhor sistema de automação, com a realização de tarefas sem a interferência humana. A tecnologia do Deep learnig está mais presente no nosso cotidiano do que imaginamos. Ela é, por exemplo, a base dos softwares presentes nos aparelhos de TV ativados por comando de voz, nos assistentes virtuais, bem como em carros autônomos.

Qual, afinal, qual a diferença entre o Deep learning e o Marchine learning? A principal finalidade do Deep learning é eliminar parte do pré-processamento dos dados que são inseridos, normalmente adquiridos durante o processo de aprendizado da máquina (machine learning). A importância da utilização desses algoritmos é justamente para que haja uma filtragem no controle de dados que não são estruturados, como por exemplo, imagens, que dispensa parte da dependência de especialistas humanos.

Soluções baseadas em Deep learning têm alcançado resultados altamente avançados em contextos mais desafiadores, como o desenvolvimento de classificadores na área de visão computacional, sistemas de suporte a diagnósticos e mecanismos de recomendação em diversas aplicações (PEIXOTO, 2020).

3.3. Big data

O conceito de big data é duplamente amplo. De um lado, busca relacionar-se a um conjunto de dados numa escala massiva, e, por outro, objetiva a compreensão da tecnologia e de processos envolvidos. O processo de melhoramento de dados é levado a cabo por algoritmos, que fazem a interpretação, por meio, também, da descoberta e correlação entre os bancos de dados (DOMINGOS, 2012). 

Nos primeiros anos da década de 2000, o analista Doug Laney introduziu a concepção de Big Data, por meio do conceito dos três Vs: volume, velocidade e variedade. O volume representa a acumulação massiva de informações provenientes de diversas fontes, resultando em enormes conjuntos de dados. Esses dados são transmitidos a uma velocidade sem precedentes, demandando um processamento ágil e eficaz. Além disso, os formatos dos dados são notavelmente diversos, podendo ser estruturados ou não, abrangendo uma ampla gama de possibilidades. (NACARATTI; PESSOA, 2018).

Dentro do atual cenário, é fundamental destacar a significativa relevância do campo conhecido como Big Data Analytics na análise de dados e na ampliação das aplicações de informações, particularmente com o auxílio da inteligência artificial (IA). Nesse sentido, é notável que um amplo espectro de disciplinas do conhecimento desempenhou e continua a desempenhar um papel vital no desenvolvimento da IA. Isso se justifica pelo fato de que a IA, enquanto um termo abrangente, engloba tarefas complexas, como aprendizado, raciocínio, planejamento, compreensão da linguagem e robótica, tornando-se um campo multidisciplinar em constante evolução (ALENCAR, 2022).

De fato, seguindo a abordagem de Wolfgang Hoffmann-Riem, identificam-se três distintos métodos analíticos empregados com objetivos específicos, a saber: análise descritiva, análise preditiva e análise prescritiva.

A análise descritiva é empregada para a triagem e a preparação de dados, com a finalidade de avaliação. Um exemplo prático desse processo é a utilização do Big Data para a prática de Data Mining, que envolve a coleta e a sistematização de informações, com destaque para atividades como priorização, classificação e filtragem (SARLET; BITTAR, 2022).

Entretanto, é fundamental que os critérios ou parâmetros previamente estabelecidos estejam em conformidade com as normas legais e adotem princípios de transparência e motivação. É importante ressaltar que, apesar da automação de tarefas jurídicas, os seres humanos ainda desempenham um papel central nesse processo, e a implementação da automatização no âmbito jurisdicional deve ser planejada e validada pelos membros do Poder Judiciário (ALENCAR, 2022).

Os dados extraídos por meio do Big Data são aqueles baseados no comportamento do usuário. A inteligência artificial é programada para o uso da base de dados e utilização de determinada plataforma para aprimorar os conhecimentos. Contudo, ao utilizar a plataforma de maneira diversa da “de costume”, o cruzamento de dados pode acabar bloqueando acessos e causando desconfortos. Como no caso, julgado pelo TJDFT, em que um usuário teve seu endereço de e-mail excluído da plataforma, fazendo com que ele perdesse todos os dados e informações do seu e-mail. Ementa do julgado:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO SIMULTÂNEO. CUIMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REATIVAÇÃO. CONTA DE EMAIL. MICROSOFT. DESCUMPRIMENTO. JUSTA CAUSA. ASTREINTES. AFASTAMENTO. LEVANTAMENTO DO VALOR. MANUTENÇÃO. 1.A Microsoft, na qualidade de desenvolvedora de softwares de computador, é a detentora da informação relativa à possibilidade técnica de cumprimento ou não da obrigação de reativar a conta de e-mail do Agravado, que, segundo consta, teve o conteúdo nela armazenado definitivamente apagado, não havendo possibilidade de reversão. 2.A conta de e-mail do Autor foi desativada após detectada, por meio da inteligência artificial, suposta contrariedade às regras de conduta do usuário, sendo crível que, nesse contexto, tenham sido apagados todos os arquivos armazenados naquele endereço eletrônico. 3.Sendo pessoal a obrigação, e alegando o devedor justo motivo, a impossibilidade do cumprimento da obrigação de fazer deve ser reconhecida, inviabilizando a continuidade da execução pelo rito do art. 536 e seguintes, sem prejuízo de o credor requerer a conversão em perdas e danos, nos termos do art. 816 c/c o art. 513 do CPC. 4.Em razão da demonstração de justa causa para o descumprimento da obrigação de fazer determinada em sentença, as astreintes fixadas na sentença devem ser excluídas, com fulcro no art. 537, § 1º, II, do CPC. 5.Não obstante o reconhecimento de impossibilidade de cumprimento da obrigação de fazer determinada na sentença exequenda, na instância de origem houve a condenação do réu em astreintes por descumprimento de liminar, penhora do valor correspondente para a satisfação do crédito e efetivo levantamento da quantia pelo credor após o trânsito em julgado da ação de conhecimento, sem que o devedor se insurgisse adequadamente, seja por meio de impugnação ao cumprimento de sentença ou mesmo por petição dirigida ao juiz da causa. 6.É certo que, em tese, a multa imposta para cumprimento de obrigação pode ser modificada a qualquer momento pelo juiz, de ofício ou a requerimento, quando verificado que a medida se tornou insuficiente ou excessiva (art. 537, §1º, I, do CPC), não havendo que se falar em preclusão ou coisa julgada. Contudo, já tendo sido levantado o valor pelo credor, inviável a rediscussão a respeito da adequação da quantia fixada, em agravo de instrumento interposto contra decisão que determina a expedição de ofício ao Banco para liberação do valor penhorado em favor do credor. 7.Em razão do reconhecimento de não serem devidas astreintes no bojo do cumprimento de sentença, perde o objeto agravo de instrumento interposto pelo credor objetivando a majoração da referida multa e a efetivação de demais medidas para a satisfação da obrigação de fazer. 8.Agravo de Instrumento n. 0738492-19.2021.8.07.0000. (DISTRITO FEDERAL, 2022).  

Por fim, é possível inferir que a inteligência artificial não se limitará apenas aos juízes, mas será empregada por todos os envolvidos no sistema de Justiça, o que resultará em um substancial aumento do conhecimento e da compreensão da sociedade sobre como o Direito é interpretado e aplicado por seus atores principais (ALENCAR, 2022).

4. O uso da inteligência artificial no judiciário

O Judiciário tem olhado cada vez mais para a tecnologia, especialmente a inteligência artificial, como um meio para otimizar seus processos. Embora muitos tribunais já estejam adotando a tecnologia, a implementação ainda é inicial. As transformações sociais modernas e a necessidade de se lidar com tarefas repetitivas são impulsionadores dessa tendência.

4.1. Hórus – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)

No cenário jurídico brasileiro, os avanços tecnológicos têm proporcionado novas maneiras de lidar com a gestão de processos e a tomada de decisões. Uma das ferramentas inovadoras nesse contexto é o sistema “Hórus”, desenvolvido e implementado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

O “Hórus” representa uma iniciativa de transformação digital no Poder Judiciário, buscando aproveitar os benefícios da inteligência artificial para otimizar e agilizar as operações judiciais. Seu nome, derivado do deus egípcio associado à visão e à percepção, reflete seu propósito: fornecer uma perspectiva mais clara e eficiente sobre os processos judiciais.

O Hórus utiliza algoritmos avançados para analisar dados de processos, identificando padrões e tendências. Isso permite aos magistrados e servidores do tribunal insights valiosos sobre os casos, melhorando a tomada de decisão.

Um dos maiores desafios enfrentados pelos tribunais é a carga massiva de processos. Com a ajuda do Hórus, muitas tarefas repetitivas, como a categorização de documentos e o preenchimento de campos em formulários, são automatizadas, liberando os profissionais para se concentrarem em tarefas mais complexas.

Ao fornecer informações relevantes e insights sobre os processos, o sistema auxilia juízes e servidores a tomar decisões mais informadas e justas. Como mencionado anteriormente, uma das vantagens da IA é a capacidade de reduzir vieses humanos na tomada de decisão. Embora o Hórus não substitua a decisão final do juiz, ele fornece uma análise objetiva, que pode ser usada como referência.

O Hórus é projetado para se integrar perfeitamente com outros sistemas judiciais, garantindo uma operação fluida e coesa. A natureza da inteligência artificial é tal que ela aprende e evolui constantemente. O Hórus está em contínua evolução, adaptando-se às necessidades do TJDFT e às mudanças no cenário jurídico.

Em conclusão, o sistema “Hórus”, do TJDFT é um exemplo notável de como a tecnologia, especificamente a inteligência artificial, está sendo utilizada para modernizar e melhorar o Poder Judiciário brasileiro. Enquanto a IA não está aqui para substituir a percepção e o discernimento humanos, ferramentas como o Hórus demonstram seu valor inestimável como auxiliares na tomada de decisões judiciais.

4.2. Victor – Supremo Tribunal Federal (STF)

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas aponta que há 72 tribunais no país que estão embarcando em projetos relacionados à inteligência artificial. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tem o programa “Victor”; o STJ conta com o “Sócrates”, e outros tribunais, tanto federais, quanto estaduais, também estão em diferentes estágios de adoção (ROQUE; SANTOS, 2020).

Os sistemas de IA são projetados para processar informações, em grande escala, muito mais rapidamente do que os seres humanos. No contexto do Judiciário, isso pode significar analisar documentos e precedentes legais em questão de segundos, auxiliando na tomada de decisões. A IA pode ajudar a garantir que decisões semelhantes sejam tomadas em casos similares, aumentando a consistência e a previsibilidade das decisões judiciais. Em um país como o Brasil, onde o número de processos judiciais é enorme, a IA pode ajudar a filtrar, categorizar e priorizar casos, reduzindo a carga sobre os magistrados e servidores e acelerando a resolução de disputas (SOUSA, 2020).

O Supremo Tribunal Federal (STF) introduziu o “Victor”, uma plataforma de IA, principalmente para auxiliar na categorização e triagem de processos. Ao identificar os temas dos processos, ele auxilia na aceleração do trâmite processual. A ideia é que, com a ajuda do Victor, o STF possa reduzir o tempo para analisar a admissibilidade de recursos, concentrando-se no mérito das questões judiciais (ROQUE; SANTOS, 2020).

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o “Sócrates” é um assistente virtual projetado para facilitar o acesso à jurisprudência do tribunal. Ele funciona como uma ferramenta de busca, onde advogados, magistrados e o público em geral, podem fazer perguntas e receber referências de jurisprudências relacionadas (SOUSA, 2020).

 A adoção da IA varia entre os tribunais, com alguns em fases iniciais e outros já implementando soluções mais sofisticadas. Esses sistemas podem ajudar em tarefas, desde a organização e digitalização de documentos, até a previsão de resultados com base em precedentes legais (SOUSA, 2020).

A integração da IA no Judiciário não está isenta de preocupações. Há questões éticas sobre a imparcialidade dos algoritmos, sua transparência e a possibilidade de perpetuação de vieses. Além disso, a IA nunca substituirá completamente o discernimento humano necessário na tomada de decisões judiciais (ROQUE; SANTOS, 2020).

No entanto, mesmo com a integração da tecnologia, o sistema judiciário brasileiro ainda enfrenta desafios. A eficiência do sistema é muitas vezes questionada devido ao acúmulo de casos que aguardam resolução. A busca incessante por resultados, muitas vezes, acaba priorizando o volume, ao invés da qualidade dos julgamentos (KOERNER; VASQUES, 2019).

O cenário pós-pandêmico intensificou a digitalização de muitos setores, inclusive o Judiciário. Como apontado por Roque e Santos (2020), o sistema judiciário teve que se adaptar rapidamente ao cenário imposto pela pandemia da Covid-19. Com restrições de interações físicas, o meio virtual se tornou uma ferramenta essencial, não apenas para a população em geral, mas também para juízes, advogados e todos os envolvidos nos processos judiciais.

Atualmente, tem-se observado um aumento nos investimentos em tecnologia para o setor. As mudanças decorrentes dessa integração estão sendo sentidas, especialmente pelos servidores. E a inteligência artificial se destaca como uma ferramenta promissora, visto que ela oferece soluções para lidar com o volume crescente de demandas (SOUSA, 2020).

Atualmente, o foco principal do Judiciário tem sido a produtividade, muitas vezes em detrimento da qualidade. Isso tem levado a uma percepção do sistema jurídico como uma fábrica de soluções rápidas, muitas vezes, sem a devida atenção aos princípios constitucionais e processuais. Em muitos casos, a pressa no processo judicial tornou-se a norma, mesmo que isso implique comprometer a Justiça (KOERNER; VASQUES, 2019).

Um dos principais desafios enfrentados pelos tribunais é a lentidão sistêmica, desde a entrada da demanda, até a sua decisão final. Para enfrentar essa questão, várias estratégias têm sido adotadas, incluindo a implementação de inteligência artificial. No entanto, algumas dessas medidas podem apenas mascarar a verdadeira ineficácia dos tribunais em lidar com as demandas da sociedade (SOUSA, 2020).

Este cenário se originou da expansão dos direitos constitucionais ao acesso à Justiça, permitindo que mais pessoas buscassem soluções judiciais para seus conflitos. Esse aumento no acesso à Justiça ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, período em que houve uma intensa discussão e implementação de direitos humanos, principalmente como uma resposta às atrocidades dos regimes autoritários. Como resultado, houve uma explosão no número de processos judiciais, muitos dos quais não eram essenciais, levando a problemas de tempo e eficiência (SALLES, 2016).

A Constituição Brasileira de 1946 foi o primeiro marco legal a reconhecer o direito de acesso à Justiça, estabelecendo que nenhuma lesão a direitos individuais poderia ser excluída da apreciação judicial (BRASIL, 1946). A Constituição atual manteve essa perspectiva, apenas expandindo e universalizando o conceito, garantindo que qualquer ameaça ou lesão a um direito seja sujeita à revisão judicial (BRASIL, 1988).

Nos últimos tempos, uma maior expectativa tem sido direcionada ao Judiciário pela população. Esse cenário foi chamado por Salles (2016) de “consumo de serviços judiciais”, referindo-se à tendência de levar ao Judiciário uma ampla variedade de questões sociais.

O Brasil, historicamente, tem enfrentado notáveis desigualdades, principalmente para os segmentos sociais mais marginalizados. Isso impulsionou um aumento desenfreado nas ações judiciais, à medida que as pessoas buscavam tratamento justo. No entanto, essa onda crescente de litígios sobrecarregou o Judiciário, levando a atrasos significativos na resolução de processos (SOUSA, 2020).

É vital salientar o papel dos magistrados nesse contexto. Eles enfrentam uma pressão crescente, devido ao aumento do volume de processos, afetando diretamente a sua capacidade de entregar Justiça, de forma eficaz e em tempo hábil. Além disso, a busca pela duração razoável do processo, um direito garantido pela Constituição, tornou-se um anseio, tanto da sociedade civil, quanto dos profissionais do direito (SOUSA, 2020).

A atual paisagem judiciária é, em grande parte, o resultado de políticas passadas que permitiram um acesso excessivo e, por vezes, imprudente ao sistema de Justiça. Esse sistema, em teoria, deveria ser uma opção secundária para a resolução de disputas. Em suas reflexões, Dallari (2008) sugere que a estrutura atual do Judiciário é fortemente influenciada por tradições e práticas anteriores, levando a um descompasso com as demandas da sociedade moderna.

Portanto, torna-se imperativo que os tribunais se reestruturem, simplificando práticas e garantindo que, considerando o mérito de cada caso, possam atender adequadamente às demandas da sociedade sem comprometer os princípios fundamentais estabelecidos na lei.

5. Atual realidade na tomada de decisões e os limites judiciais de acordo com o Projeto de Lei nº 5.501/2019

Lopes (2010) destaca uma falha no processo democrático de direito atual, onde o Poder Judiciário tem priorizado a eficiência numérica em detrimento de uma análise profunda e única para cada caso. Segundo a autora, esse enfoque ameaça pilares democráticos, como o devido processo legal e o contraditório, além de diminuir o valor da decisão fundamentada.

Face a essa realidade, a importância de analisar cada caso individualmente torna-se evidente, pois negligenciar tais detalhes viola princípios vitais para a democracia, como a ampla defesa e o devido processo legal. Em um cenário onde a tecnologia está em ascensão, a contribuição da inteligência artificial (IA) no setor jurídico deve ser examinada em termos de benefícios e desafios. Koerner, Vasques e Almeida (2019) observam que as máquinas, programadas para operações racionais, podem fornecer insights sobre diversas esferas humanas, enquanto os seres humanos utilizam a tecnologia para se adaptar e melhorar o seu desempenho. (ALVES, 2016).

Nesse contexto, a IA no campo jurídico é vista como uma ferramenta desenvolvida pelo homem para ajudar os tribunais a se adaptarem aos tempos modernos. Estas soluções tecnológicas têm a capacidade de atuar como seres humanos, mas com maior rapidez e eficiência. A Resolução 332[8], de 2020, do CNJ, reconhece o valor da IA para o Judiciário. Essa resolução destaca que a IA tem o propósito de melhorar a experiência dos cidadãos e proporcionar Justiça mais equitativa, explorando novos métodos e práticas para alcançar tais objetivos. (TACCA; ROCHA, 2018).

A mesma resolução também esclarece que a IA é alimentada por algoritmos humanos destinados a produzir resultados que imitam o pensamento humano, sempre alinhados aos propósitos para os quais foram criados.

No entanto, apesar do potencial da IA, é essencial reconhecer que, no contexto brasileiro, ainda existem obstáculos para a sua plena implementação. A adoção da tecnologia no sistema jurídico brasileiro tem sido lenta e, em algumas regiões, ainda há muito a ser feito para assegurar direitos que acabam sendo negligenciados.

De acordo com o relatório “Justiça em Números”, do CNJ, de 2020, no ano de 2019, o Judiciário tinha um acúmulo impressionante de 77 milhões de casos pendentes, sendo que 55,8% desses casos estavam em fase de execução. Além disso, é esperado que esse número cresça devido ao influxo de novos processos.

Esse cenário, que domina os tribunais brasileiros, reflete os esforços contínuos para garantir o direito de acesso à Justiça, ao mesmo tempo em que busca soluções para a superlotação e lentidão do sistema judiciário (ALVES, 2016).

O aumento constante da judicialização no Brasil é, em parte, resultado da falta de critérios claros sobre quais casos devem ser julgados e da ineficiência do sistema de precedentes. Isso desencadeia várias questões no sistema judiciário (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Muitos litígios, abordando uma ampla variedade de temas, demonstram a falta de estratégias claras dos órgãos judiciais para lidar com todos os problemas sociais. Além disso, muitos cidadãos veem o sistema judicial como a única opção para reivindicar direitos, como os de saúde, especialmente quando sentem que esses direitos estão sob ameaça. (ALVES, 2016).

De acordo com Barboza (2019), a crescente litigiosidade coloca uma enorme pressão sobre o sistema judiciário, levando a um acúmulo de processos e atrasos na entrega de decisões. A contínua entrada de novos processos é uma das principais causas dos desafios que o Judiciário enfrenta, pois, a demanda não mostra sinais de diminuição e os tribunais não estão equipados para lidar com ela de maneira eficiente (TACCA; ROCHA, 2018).

O fácil acesso ao Judiciário, muitas vezes com garantia de gratuidade de Justiça sem que fosse necessário, significa que muitos cidadãos o veem como a principal solução para seus conflitos, mesmo quando outras alternativas poderiam ser mais rápidas e benéficas. Isso resulta em uma onda crescente de litígios, que vem se tornando quase uma norma cultural. Esse aumento desenfreado de processos cria um peso insustentável sobre os tribunais, que lutam para atender às demandas da sociedade. (TACCA; ROCHA, 2018).

Em suma, embora o acesso à Justiça seja um direito fundamental, a falta de infraestrutura adequada nos tribunais brasileiros para lidar com o volume de casos resulta em um backlog significativo. Conforme indicado pelo CNJ (2020), esses “casos pendentes” são aqueles que ainda aguardam resolução em várias fases do processo judicial.

Acerca dessas garantias, Campos e Pedron (2018) destacam que foi por meio delas que as partes passaram a ter direito de participação na construção do provimento judicial. Para tanto, o processo, segundo os autores, deve se revestir nas garantias de direitos processuais e constitucionais (CAMPOS; PEDRON, 2018).

Todavia, os autores ressaltam que, como consequência do instrumentalismo ainda arraigado no direito brasileiro, onde preocupa-se mais com a rapidez em que se concretiza a resposta judicial do que com as garantias processuais e constitucionais dos sujeitos da lide, ocorre uma relativização, como extrai-se do trecho a seguir (2018, p. 64):

Algumas normas jurídicas sancionadas após a Constituição da República de 1988 demonstram como o instrumentalismo tem ainda influenciado o pensamento daqueles que defendem a busca da celeridade e de uma efetividade no processo, relativizando, muitas das vezes, ao alvedrio do devido processo constitucional (CAMPOS; PEDRON, 2018, p. 64).

Além disso, os tribunais têm se deparado com um congestionamento processual crescente, o que tem limitado o seu poder de prestar seus serviços de maneira adequada às pessoas que os buscam, e por isso, procuram por uma agilidade a todo custo (SAID FILHO, 2017). Nota-se que, para o funcionamento correto e com produtividade da máquina judiciária, é necessário um achatamento da curva das ações processuais, isto é, tratar do grande acervo de processos é crucial para que seja possível combater esse contexto de litigiosidade que assola os tribunais brasileiros, sem suprimir direitos das partes (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Assim, torna-se inegável que a estrutura judiciária não consegue cumprir com aquilo que a lei preceitua, pois tem que lidar com casos simples, que poderiam ser tratados por outros caminhos, e com demandas mais complexas, que deveriam ser analisadas com maior rigor, graças à atratividade do Judiciário para todos os tipos de conflitos sociais (SAID FILHO, 2017).

Ademais, é imperioso ressaltar que esse costume da população de buscar sempre a figura do juiz para dirimir seus conflitos traz problemas não apenas para o desenvolvimento das atividades dos tribunais, uma vez que essa quantidade sobre-humana de processos acarreta uma incapacidade de prestação jurisdicional de qualidade, o que alimenta a supressão de princípios e direitos. (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Nesse mesmo sentido, Wolkart (2015, p. 6) destaca que: “é notório que a crise da Justiça brasileira é de quantidade e de qualidade. A quantidade de processos é imensa, absurda, sobre-humana, em todas as instâncias da Justiça”. Com tal quantidade, naturalmente compromete-se a qualidade. Juízes e tribunais passam a julgar por atacado (WOLKART, 2015). O modelo tradicional de jurisdição, desse modo, encontra-se precário e a realidade dos tribunais, como bem destacado, é de crise, dado que não conseguem responder às demandas que lhe são postas, restando evidente que não deve ser mais adotado. Nesse ínterim, diante dessa fragilidade,, que assevera o espaço jurídico, as ferramentas da tecnologia de informação transformam-se num novo aliado do Judiciário.

A inteligência artificial, apesar de suas notáveis vantagens na otimização de processos, não deve ser utilizada de forma autônoma em julgamentos judiciais. Isso porque poderia contrariar princípios constitucionais brasileiros, como o da ampla defesa e o do contraditório. A ideia é que, embora a IA possa, potencialmente, agilizar algumas atividades judiciais, a decisão final e a responsabilidade devem sempre residir num magistrado humano.

Embora a tecnologia possa melhorar a eficiência dos tribunais, o uso autônomo da IA em julgamentos poderia levar a interpretações tendenciosas ou unilaterais. Isso porque os algoritmos, conforme observado por Koerner, Vasques e Almeida (2019), podem ter vieses, focando em objetivos específicos e marginalizando questões individuais e nuances que são cruciais para um julgamento adequado e justo. (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Essa automação no processo decisório pode comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos. Cada caso judicial tem suas particularidades e, portanto, deve ser avaliado à luz dos princípios democráticos, sem depender apenas da análise automática de um sistema.

Quando se pensa em incorporar a IA ao sistema judiciário, é essencial que tal implementação esteja em conformidade com princípios democráticos e respeite diretrizes éticas em IA, como supervisão humana, transparência e responsabilização, como apontado por Brehm et al (2020).

Pedron (2017) reforça a ideia de que o julgamento não é um ato isolado, mas um processo que considera os argumentos e perspectivas das partes envolvidas. Uma decisão judicial não deve ser um produto padronizado, mas uma resposta apropriada às nuances específicas de cada caso.

Assim, enquanto a IA tem potencial para melhorar a eficiência dos tribunais, seu uso não deve objetivar apenas a economia de recursos. A principal prioridade deve ser garantir que os direitos dos cidadãos e a integridade do processo judicial sejam mantidos. Em resumo, a inteligência artificial deve servir como uma ferramenta de apoio, não como um substituto para o discernimento humano no processo judicial. (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

No contexto contemporâneo, enfrentamos o fenômeno do “neoliberalismo processual”, onde os processos judiciais são frequentemente vistos como meros números a serem reduzidos, priorizando-se a eficiência numérica, em detrimento da qualidade da resolução de disputas. Esse enfoque “neoliberal” valoriza a maximização da produtividade, muitas vezes à custa do devido processo legal e dos direitos fundamentais das partes envolvidas (CAMPOS; PEDRON, 2018).

Entretanto, é inegável que os desafios atuais do sistema judiciário brasileiro pedem soluções inovadoras. Muitos desses desafios, conforme apontado por Walkart (2015), envolvem questões de gestão, formação e infraestrutura. De fato, na era pós-moderna, há uma crescente demanda pela intervenção do Poder Judiciário em questões sociais diversas, exacerbando os problemas já existentes na estrutura judicial.

Com a crescente complexidade e volume de demandas judiciais, torna-se essencial repensar as práticas jurídicas atuais, a fim de otimizar a gestão de processos e recursos. Neste cenário, a tecnologia, e mais especificamente a inteligência artificial, surge como uma ferramenta promissora. No entanto, como Rosa (2019) destaca, enquanto a IA pode ajudar a melhorar a eficiência, é crucial garantir que seu uso não comprometa os princípios fundamentais do processo democrático.

É vital que qualquer adoção de IA no sistema judiciário respeite as particularidades de cada caso e os direitos fundamentais das partes. Caso contrário, corremos o risco de sacrificar a Justiça em nome da eficiência. O desafio não é simplesmente acelerar o processo judicial, mas sim garantir que as decisões tomadas sejam justas, equitativas e fundamentadas. (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Em última análise, a implementação da inteligência artificial no Judiciário deve ser feita de forma responsável, sempre respeitando os princípios constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa e o juiz natural. É essencial que as decisões judiciais permaneçam fundamentadas, individualizadas e justas, sem cair na tentação de soluções automatizadas e genéricas (CAMPOS; PEDRON, 2018).

Em 16 de setembro de 2019, o Senador Styvenson Valentim introduziu dois projetos de lei direcionados à regulamentação do uso da inteligência artificial (IA) no Brasil: o PL nº 5.051, que define princípios para a aplicação da IA, e o PL nº 5.691, que propõe a Política Nacional de Inteligência Artificial. Embora ambos estejam em tramitação, compartilham similaridades em seu conteúdo. (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

O PL nº 5.051, composto por 7 artigos, destaca o uso da IA visando ao bem-estar humano e enfatiza valores como dignidade, liberdade, democracia, igualdade, direitos humanos, pluralidade e diversidade. Também salienta a importância da proteção da privacidade, dados pessoais, transparência e supervisão humana na operação de sistemas de IA. O projeto sublinha que a IA deve ser um complemento à decisão humana, com a supervisão variando conforme a magnitude da decisão tomada. Em caso de danos resultantes do uso da IA, a responsabilidade recairia sobre o supervisor humano (BRASIL, 2019)

O projeto delineia diretrizes para os entes federativos no avanço da IA no Brasil, que incluem: promover a educação alinhada ao desenvolvimento da IA, desenvolver políticas para proteger e qualificar os trabalhadores, assegurar uma introdução gradual da IA e ter uma abordagem proativa na sua regulamentação. O PL ainda destaca que, quando usada pelo setor público, a IA deve visar à qualidade e à eficiência dos serviços oferecidos à população (BRASIL, 2019).

A justificativa associada ao projeto reconhece o cenário global de adoção da IA, os potenciais benefícios em produtividade e qualidade, mas também os riscos, ressaltando a essencialidade de uma regulação. Ela esclarece que o principal propósito da legislação é garantir que a evolução da IA seja compatível com a valorização do trabalho humano, objetivando o bem-estar coletivo. Conclui enfatizando a necessidade de supervisão humana em todos os sistemas de IA e a responsabilidade do supervisor, além de sublinhar a importância da formação e qualificação profissional na área.

Nesse contexto, Hartmann Peixoto; Silva (2019) afirmam que a proposta legislativa sobre a regulamentação da IA no Brasil parece ecoar preocupações mencionadas por diversos pesquisadores, referindo-se aos desafios dessa tecnologia. As interferências potenciais de algoritmos em debates públicos e processos eleitorais, o uso discriminatório e violação de liberdades civis, uso não autorizado de dados pessoais, aumento do desemprego devido à substituição por máquinas e responsabilização por danos são algumas das inquietações destacadas na literatura. A justificativa do PL é clara ao reconhecer que, apesar dos potenciais benefícios da IA, os riscos associados à sua implementação necessitam de regulamentação.

É inquestionável que todas as atividades, incluindo a IA, devem aderir a princípios fundamentais, como dignidade, liberdade, democracia, direitos humanos e outros, já resguardados constitucionalmente. Barrilão (2016) defende que o direito constitucional pode ser a resposta para as incertezas tecnológicas, focando em mitigar riscos ao progresso tecnológico, sem comprometer valores essenciais da sociedade.

No entanto, ao analisar a adequação e a necessidade, surge um questionamento: seria realmente imperativo um projeto de lei específico para garantir que a IA respeite valores já consagrados na Constituição? Por sua vez, Hartmann Peixoto; Silva (2019) alertam para uma abordagem excessivamente centrada no risco da IA, argumentando que isso pode obscurecer os benefícios evidentes da tecnologia. Brundage (2018) encoraja uma perspectiva mais otimista da IA focando em sistemas que funcionem como o esperado, minimizando erros e respeitando o controle humano. Superando desafios técnicos e éticos, a IA pode trazer impactos significativamente benéficos à sociedade.

A OCDE (2020), por meio da Recomendação nº 449, do Conselho sobre Inteligência Artificial[9], delineou princípios para orientar o desenvolvimento da IA reconhecendo sua expansão global e impacto em diversos setores. O documento destaca que a IA já está influenciando significativamente sociedades e mercados de trabalho. Apesar de reforçar a importância de princípios como inclusão, bem-estar e transparência, também reconhece que muitos destes princípios já são defendidos em legislações pré-existentes, indicando que não estamos iniciando de um vácuo regulatório.

O campo de pesquisa e desenvolvimento em IA apresenta desafios significativos para os reguladores, dados os aspectos inerentes à sua natureza. A IA opera frequentemente em uma estrutura de difícil acesso e transparência, com profissionais de diferentes setores e localidades colaborando em seus componentes. Estes componentes podem ser criados em lugares variados, em tempos distintos e sem uma coordenação centralizada. Além disso, os detalhes operacionais de um sistema de IA podem permanecer secretos e imunes à engenharia reversa. No entanto, essas peculiaridades não são exclusivas da IA; muitas outras tecnologias contemporâneas e anteriores compartilham características similares. Assim, embora a IA possa resistir a regulamentações prévias, será inevitavelmente submetida a responsabilidades que afetarão a conduta da indústria (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

De acordo Hartmann Peixoto e Silva (2019) o PL destaca a supervisão humana como um pilar essencial no uso da IA, o que parece entrar em conflito com a essência autônoma dessa tecnologia. A IA atual busca precisamente a autonomia, permitindo que máquinas executem tarefas cognitivas sem intervenção humana constante. Por exemplo, no domínio do aprendizado de máquina (machine learning), as tecnologias evoluem para operar com mínima supervisão, aprendendo e adaptando-se de maneira independente. A supervisão humana contínua sobre decisões de IA pode ser um ideal irrealista, já que limita o verdadeiro potencial da tecnologia.

A analogia proposta sugere que vincular estritamente a IA à figura de um supervisor humano é semelhante a restringir o Direito a uma mera aplicação de regras preestabelecidas. Assim como o Direito vai além da mera aplicação de normas, a IA tem um potencial que vai além da constante supervisão humana. Em vez de impor supervisão direta, seria mais produtivo estabelecer práticas recomendadas e princípios, refletindo responsabilidades éticas e legais nas fases de validação, verificação e segurança da IA. O projeto de lei ressalta a importância da inteligência artificial (IA) como ferramenta de apoio, e não substituição, às decisões humanas, salientando a necessidade de adequar o nível de supervisão humana à gravidade e implicações das decisões tomadas com auxílio da IA. Essas máquinas, equipadas para simular habilidades cognitivas humanas, como raciocinar e aprender, possuem potencial para exceder habilidades humanas em certas áreas, especialmente na análise de grandes volumes de dados e na previsão de resultados (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Segundo Hartmann Peixoto e Silva (2019), com o auxílio de técnicas como redes neurais, lógica difusa, computação evolutiva e agentes inteligentes, a IA tem sido uma aliada valiosa na tomada de decisões, especialmente em situações complexas e com grandes volumes de dados. A contribuição da IA para a tomada de decisões é reconhecida, mas seu papel na decisão judicial é um tópico sensível.

Decisões judiciais são altamente complexas e podem ser influenciadas por diversos fatores, desde o entendimento do magistrado até suas experiências pessoais. Embora a IA possa minimizar certos vieses humanos, sua incorporação em processos judiciais deve ser feita com cautela, considerando os valores e nuances humanas inerentes a tais decisões (SILVA; SILVA FILHO, 2020).

Estudos indicam que algoritmos podem superar juízes humanos, em termos de precisão e imparcialidade. Contudo, a decisão de conceder à IA o poder de decidir sobre direitos humanos é uma escolha política e social significativa que requer um debate cuidadoso (CAMPOS; PEDRON, 2018).

Nesse sentido, embora a IA tenha demonstrado capacidades notáveis e potencial para melhorar a eficiência e precisão das decisões, sua integração à esfera judicial deve ser vista como uma ferramenta de apoio, e não substituição, à sagacidade e discernimento humanos.

Conclusão

O advento da tecnologia, particularmente da inteligência artificial, tem transformado o modo como diversas instituições operam em nossa sociedade. No cenário jurídico brasileiro, essa transformação tornou-se evidente na forma como os processos são gerenciados e nas decisões que são tomadas. A implementação de sistemas como o “Hórus”, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), sinaliza um salto significativo nessa direção.

A capacidade de analisar grandes volumes de dados, identificar padrões, automatizar tarefas repetitivas e fornecer insights objetivos é revolucionária para o campo jurídico. Por muito tempo, os tribunais brasileiros enfrentaram desafios relacionados à sobrecarga de processos e à lentidão na tomada de decisões. Ferramentas como o Hórus não apenas atenuam esses desafios, mas também instigam uma melhoria contínua na prestação de serviços judiciais.

Importante destacar que a tecnologia não busca, de forma alguma, substituir o discernimento humano, que é fundamental no campo jurídico. Ao invés disso, a IA serve como uma ferramenta auxiliar que complementa a capacidade humana, fornecendo uma perspectiva mais ampla, reduzindo vieses e garantindo uma abordagem mais eficiente e justa dos casos.

Contudo, é fundamental que a implementação de tais sistemas seja feita com cautela e responsabilidade. Assim como a IA tem o potencial de melhorar significativamente as operações judiciais, seu uso inadequado pode acarretar consequências indesejadas. Por isso, é essencial que haja uma constante avaliação, atualização e treinamento dos profissionais envolvidos.

Neste sentido, a era digital promete grandes avanços para o setor jurídico, com o uso correto e adequado das ferramentas que estão sendo disponibilizadas. As iniciativas como o sistema “Hórus” representam o início de uma jornada que visa a modernização, eficiência e justiça no Poder Judiciário brasileiro. Se conduzida de maneira ética e informada, essa jornada pode resultar em um sistema jurídico mais ágil, transparente e alinhado com as necessidades contemporâneas da sociedade.

Além disso, é vital que, à medida que o sistema e ferramentas semelhantes evoluam, sejam incorporados mecanismos de transparência e responsabilidade. Em um domínio tão sensível quanto o Judiciário, a capacidade de entender e interpretar as decisões tomadas por sistemas de IA é crucial. Cada decisão, mesmo que informada ou sugerida por um algoritmo, deve ser passível de revisão, compreensão e, quando necessário, contestação.

A capacitação dos profissionais que operam no âmbito judiciário é outro aspecto crucial. O advento da IA no sistema judiciário não deve ser visto apenas como uma ferramenta de otimização, mas também como uma oportunidade para formação e educação contínua. A familiaridade com os sistemas de IA, compreensão de suas limitações e potencialidades, e habilidade em utilizar essas ferramentas de forma ética e eficaz são competências essenciais para o Judiciário do futuro.

Outra preocupação emergente é a privacidade e segurança dos dados. Com o aumento da digitalização dos processos judiciais e a implementação de ferramentas de IA, é imperativo garantir que os dados dos cidadãos estejam seguros e protegidos contra possíveis ameaças. O Tribunal de Justiça deve estar à frente em adotar as melhores práticas de segurança cibernética, garantindo a integridade dos dados e a confiança do público no sistema.

Apesar da rápida evolução das máquinas e sistemas, o Poder Legislativo tem se esforçado para garantir que qualquer modificação no sistema jurídico brasileiro seja realizada de forma meticulosa e precisa. Mesmo diante da complexidade e abrangência dos sistemas inteligentes, as máquinas ainda não conseguem substituir a capacidade de avaliação e julgamento humanos. Portanto, a principal preocupação é assegurar a transparência necessária para a implementação e evolução que estejam alinhadas com as expectativas da população do país.

A natureza evolutiva da tecnologia também sugere que o sistema de inteligência artificial, precisará ser atualizado e adaptado regularmente para refletir as mudanças na legislação, na jurisprudência e nas expectativas da sociedade. Esse compromisso contínuo com a inovação e adaptação é essencial para garantir que o sistema permaneça relevante e eficaz ao longo do tempo.

Em conclusão, a integração da inteligência artificial no judiciário, exemplificada, representa uma etapa promissora e desafiadora na jornada de modernização do sistema judicial brasileiro. Com os cuidados adequados, responsabilidade, e a participação ativa dos profissionais do setor, o futuro promete um sistema judiciário mais eficiente, justo e alinhado com as necessidades do século XXI.

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[1] ChatGPT (Chat Generative Pre-Trained Transformer) é um chatbot online de inteligência artificial (IA), desenvolvido pela OpenAI e lançado em novembro de 2022. O Transformador Generativo Pré-treinado é um tipo de modelo de linguagem grande (Large Language Model, LLM). O ChatGPT é construído com base nos modelos GPT fundamentais da OpenAI, especificamente GPT-3.5 e GPT-4, e foi ajustado para aplicações conversacionais usando uma combinação de técnicas de aprendizado supervisionado e de reforço.

[2] Disponível em: https://www.criminal-lawyers.com.au/criminal-law-ai-chatbot. Acesso em 01.12.2023.

[3] Disponível em: https://www.smartsettle.com/. Acesso em: 13.11.2023.

[4] O Teste de Turing testa a capacidade de um computador de exibir comportamento inteligente equivalente ao de um ser humano, ou indistinguível deste. 

[5] Processamento de língua natural (PLN) é uma subárea da ciência da computação, inteligência artificial e da linguística que estuda os problemas da geração e compreensão automática de línguas humanas naturais.

[6] Disponível em: https://kirasystems.com/. Acesso em: 13.11.2023.

[7] Bot, diminutivo de robot (robô), também conhecido como Internet bot ou web robot, é uma aplicação de software para simular ações humanas repetidas e padronizadas. Como programa de software, pode ser um utilitário que desempenha tarefas rotineiras, com recurso à inteligência artificial.

[8] Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3429. Acesso em 01.12.2023.

[9] Disponível em: https://legalinstruments.oecd.org/en/instruments/OECD-LEGAL-0449. Acesso em: 01.12.2023.


Pedro Gabriel dos Santos Aquino. Graduando do curso de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac. E-mail: pedro.aquino@direito.uniceplac.edu.br.

Fernando de Magalhães Furlan. Antigo Secretario-Executivo do Ministerio do Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior (MDIC) e assessor especial da CAMEX. Foi presidente do Conselho de Administracao do BNDES e da BNDESPAR. Foi presidente, conselheiro e procurador-geral do CADE. Foi também diretor do Departamento de Defesa Comercial (DECOM) e chefe de gabinete do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi membro do Conselho de Administração da FINAME/BNDES. Atualmente e membro do grupo de especialistas do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL e consultor ad hoc de projetos de defesa da concorrência das Nações Unidas (UNCTAD). É professor de direito em Brasília e atua, como professor ou pesquisador, em universidades e institutos no Brasil e no exterior. É consultor externo ou membro não-governamental de organizações e institutos brasileiros e estrangeiros e consultorias. Graduado em Administração pela UDESC/ESAG e em Direito pela UnB, tem mestrado e doutorado pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), com pós-doutorado pela Universidade de Macau, China.