Marco Aurélio Bittencourt

O seminário Estratégias de Desenvolvimento Sustentável, patrocinado pelo BNDES, contribuiu de forma contundente para a posição já bem conhecida de André Lara Resende sobre o desempenho do nosso Banco Central. Em especial sua ênfase sobre uma política de juros equivocada, iniciada no final de 2022, com uma escalada nos juros até chegar ao nível absurdo de quase 14% a.a, frente a uma inflação de no máximo 6%. Essa estratégia entrega a economia brasileira uma taxa de juros real por volta de 8%. – a maior do planeta.

No vídeo que está disponível na Internet – https://www.youtube.com/watch?v=HXsbSiOH8bE -, encontramos as falas dos três economistas. Faço, aqui, uma síntese sobre o ponto de vista dos três participantes.

André Lara Resende destaca que esperava um crescimento da economia mais robusto após o sucesso do Plano Real. Não foi o que aconteceu de lá até hoje, com crescimentos episódicos. Ele esclarece o motivo. Primeiro, destaca que o investimento cresceu muito pouco; o investimento público colapsou – caiu abaixo de 2% do PIB. Frisa que bem sabemos a causa.  Na tentativa de conter as despesas públicas com o teto dos gastos, as despesas obrigatórias correntes cresceram em demasia, espremendo as despesas com investimento, chegando à situação de nem sequer se investir para cobrir a depreciação da infraestrutura do País.

O Brasil tem uma carga fiscal alta (34% do PIB), mesmo se comparada com as dos países desenvolvidos. O País tem também taxas de juros extraordinariamente altas. O Banco Central fixou a taxa básica de juros (Selic) em quase 14%. Com a inflação próxima a 6%, chegamos a uma taxa de juros real de 8%. É a taxa de juros mais alta do mundo.  Sabe-se que sem investimento não há crescimento. A explicação dominante que ampara o Banco Central é que, como o Executivo não equilibra suas contas, isso gera um risco fiscal que o obriga a manter taxas de juros altas. Isso leva o professor Lara Resende a achar o assunto curioso. O Brasil não tem uma relação dívida/PIB elevada, ressaltando que se deve considerar a dívida líquida que colocaria essa razão em torno de 43%. Lembra ainda que essa dívida é integralmente doméstica, em moeda nacional e detidas por residentes em sua grande maioria (93%).  Por isso, portanto, não temos uma restrição que justifique essa política de juros.

Lara Resende, então, expõe sua tese: a relação pode ser inversa. Em vez da dívida levar a um aumento dos juros, são os juros muito altos que aumentam o próprio custo da dívida. Essa situação de juros altos leva, por sua vez, a um cumprimento do serviço da dívida que chega a 8,5 % do PIB, que se reflete em aumento de impostos e cortes nos gastos públicos. Em síntese, temos uma combinação perversa de juros e impostos muito altos e mesmo assim temos déficits nominais. A visão convencional quer que isso se resolva com geração de superávits primários, mesmo que tenha um custo social e econômico elevado. Essa estratégia trava o crescimento da economia, tanto pelo efeito no setor privado quanto no estatal.

Fala Lara Resende da inconsistência teórica dos modelos que o Banco Central tem se valido para justificar a taxa de juros no patamar exagerado em que ela se encontra. As preleções do atual Presidente do Banco Central apontam para o risco fiscal como uma de suas causas, mas dizem pouco sobre o risco que a própria política de juros altos acarreta à política fiscal. Nesse particular, André Lara Resende reflete sobre a necessidade de coordenação das políticas fiscal e monetária e que uma aritmética da dinâmica da dívida pública mostra que, se a taxa de juros estiver abaixo da taxa de crescimento da economia, a relação dívida/PIB decresce com o tempo e, portanto, converge para algum patamar de estabilidade. Se a taxa de juros estiver acima, o contrário acontece.

Lara Resende fez ainda a observação importante sobre essa razão dívida/PIB, que deve incorporar no seu numerador a dívida líquida. Nesse caso, tal razão estaria ao redor de 43%, ou seja, não temos um problema fiscal insanável. Ressalta que a coordenação de políticas é importante, porque juros da dívida pública são parte importante do orçamento e assim, se onerosos, o trava, fazendo encolher gastos em investimento, educação, saúde, etc. Essa redução necessariamente compromete o crescimento da economia. Em outras palavras, o próprio Banco Central exacerba o risco fiscal! E o lógico seria procurar cumprir a aritmética da dívida na sua formulação favorável, ou seja, juros abaixo da taxa de crescimento ou nessa direção. Não o contrário.

Essa lógica do Banco Central, que segue a macroeconomia dominante, foi posta em xeque a partir das crises financeiras, e por isso merece ser revista. Os dois palestrantes americanos são expoentes na crítica à macroeconomia dominante que sustenta a ideia de estabilização com superávits primários, pois são contraproducentes. A ideia de austeridade laissez-faire, com impostos e juros altos, está sob severas críticas mundo afora. Para cumprir o que propõe o atual governo como meta – crescimento sustentável e inclusivo -, é necessária a compreensão dessa armadilha que nos envolve há décadas.

O Estado é parte da solução do problema. Não é possível ter aumento de produtividade sem a participação do Estado. Não existe dinamismo na economia sem a participação de um Estado competente. O Estado tem que usar os recursos de forma eficiente, não ser burocrático e muito menos atrapalhar os negócios, criando dificuldades. Sem um Estado competente não há produtividade, não há crescimento. Assim, segundo Lara Resende, ao concluir sua exposição, as considerações dos palestrantes americanos nos ajudarão a cumprir o papel de suporte para quem apoia a ideia de crescimento sustentável e inclusivo, objeto desse seminário.

Ambos os economistas americanos corroboraram a exposição de Lara Resende e criticaram o nosso modelo de Banco Central por excessiva independência. Banco Central ater-se apenas à questão inflacionária não é mais um modus operanti aceito.

Stiglitz fala sobre diversos itens. Valho-me aqui de suas ideias expressas alhures, pois ajuda a encaixar os assuntos debatidos. Comecemos pela desigualdade de renda. Ele é voz atuante contra a ideia de que, se fazendo o bolo crescer, a desigualdade diminui com o tempo. Cita Lucas (outro prêmio Nobel) como um dos defensores dessa tese tempos atrás. Stiglitz se opõe a ela frontalmente. É preciso políticas públicas que garantam oportunidades aos mais pobres, concomitantemente às de crescimento.

Stiglitz fala sobre o tamanho do Estado. A turma dos liberais prega a tese de Estado mínimo e afrouxamento na regulação. Stiglitz mostra que essa foi exatamente a política de Reagan, mantida por bom tempo. Resultado: crises financeiras, concentração de renda e aumento do poder de mercado para vários segmentos. O economista defende mais Estado. Aqui é bom uma ressalva: isso não autoriza ninguém a concluir sobre mais estatais e regulamentação geral do mercado. Ele prega a sempre e bem difundida ideia expressa nos livros texto que ações de governo são necessárias, quando ocorrem falhas nesse mecanismo de autorregulação eficiente dos mercados pelo sistema competitivo de preços. Isto ocorre na presença de bens públicos, bens comuns, bens semipúblicos, externalidades, mercados não perfeitamente concorrenciais, informação assimétrica e desemprego dos fatores de produção. A regulação é necessária para combater então essas falhas de mercado. Uma boa política pública amplia a matriz competitiva e não privilegia conglomerados; o funcionamento do mercado se dá sob a égide de políticas públicas que promovam uma economia competitiva, além de instituições que gerem os incentivos corretos e garantam o funcionamento do mecanismo de mercado para alocação de recursos.

Quanto à privatização, ele sugere analisar caso a caso.

Sobre política de juros, Stiglitz fala o óbvio: juros na dimensão do Brasil são sufocantes ao investimento e deprime a economia.  Juros altos e política de austeridade não faz sentido econômico. É o crescimento da economia que, mesmo na presença de déficit do governo, irá reduzir a razão dívida/PIB.  O investimento é a causa motora do crescimento, junto com inovações e oportunidade de emprego para ampla faixa da população. Principalmente investimento público em infraestrutura e pesquisa. Para piorar, como os credores da dívida pública são em sua grande maioria os mais ricos, o pobre, em suas compras cotidianas ou em seus empréstimos habituais, é que arcarão com grande parte desse ônus financeiro, piorando o quadro da distribuição de renda. Evidentemente, tem reflexo no próprio serviço da dívida que fatalmente exigirá cortes em investimentos, educação e saúde, reduzindo ainda mais a trajetória de crescimento.

Quanto à solução do déficit público, o economista se opõe às políticas recessivas. A melhor política para estabilizar a razão dívida/PIB é aquela que privilegie os investimentos, inclusive o público, pois levará ao crescimento e assim poderá reduzir essa razão dívida/PIB. Isso se acrescenta a necessidade de se reduzir os juros da dívida pública. 

Stiglitz é favorável a políticas industriais e cita o caso dos Estados Unidos do estímulo à produção de chips e elogia o BNDES. Reconhece que há falhas na implementação de políticas públicas pelo BNDES e diz que as falhas representam um processo de aprendizagem. E, na sua palestra no BNDES, foi cortês: lembrou que conhecia os erros recentes e lançou a esperança de que teríamos aprendido com eles. Uma visão otimista é sempre bem-vinda. O ponto central do BNDES seria sua conexão com políticas industriais que devem ser desenhadas adequadamente. Não entrou em detalhes, mas citou o exemplo americano que criou lei de incentivos às empresas locais para produção de chips. Bem diferente da nossa estratégia que foi a criação de uma empresa estatal, alvo de um processo de liquidação iniciado em 2021.

Sobre o Banco Central, dá uma aula sintética e bem resumida. O nosso Banco Central é excessivamente independente. Nos EUA, o Banco Central é independente, mas o senso democrático dos seus ocupantes é que faz a diferença (mais uma vez cortês). Outros objetivos além da inflação ocupam a sua agenda, tais como desemprego, crescimento e estabilidade financeira.  O senso de responsabilidade é também explicitado nos depoimentos do presidente do Banco Central ao Congresso, justificando sua política. Stiglitz defende a necessidade de se ter representantes da sociedade na direção do Banco Central, como sindicatos e outros, porque seriam afetados por decisões de política financeira ou monetária.  Complementando esse quadro, aborda regras de governança, citando a que impede pessoas do mercado financeiro ocuparem posição de comando nos Bancos Centrais.

Por fim, fala também sobre tributação dos mais ricos e do sistema financeiro, objetivando dirigir os recursos dos poupadores para investimentos produtivos e ajuste na matriz energética, em busca de uma política verde. A tributação deveria ajudar a formatar a economia. Daí a inclusão dos chamados impostos verdes que desencorajariam o uso de combustíveis fósseis. No sistema financeiro, a tributação deveria objetivar reduzir a volatilidade. Enfim, impostos que possam ajudar no crescimento da economia pelos incentivos que poderiam gerar. Nessa linha de estimular o crescimento, fala sobre impostos reduzidos para empresas que se engajam em investimento produtivo.

Quanto ao Professor Galbraith, sua exposição foi sintética e direta. Falou do Banco Central e fez referência aos agregados relevantes: razão dívida/PIB e inflação. Confirmou os dados de André Lara Resende e apontou que a inflação estaria mais associada aos problemas de oferta agregada. Trouxe à baila a questão da taxa de juros e ressaltou que taxas reais altíssimas, como as que estão sendo praticadas, teriam efeitos profundos sobre a distribuição de renda, aumentando a riqueza dos que já a tem e tornando mais onerosa as dívidas dos mais pobres ou mesmo suas compras cotidianas.

Além disso, segundo o professor, taxas altas aumentam a própria despesa do governo, retraem o investimento público e privado e aumentam os custos dos empresários. Conclui o mesmo que André Lara Rezende e Stiglitz: a política adequada seria mais crescimento e mais inclusão, refletidos pelo padrão de investimentos adequados para essas finalidades. E mais: a situação de autonomia financeira que o Brasil desfruta, juntamente com os ativos que sustentam as operações do Banco Central, garantem uma retaguarda razoável para as mudanças aqui propostas.

Nada a opor sobre a posição teórica dos eminentes professores. Muito pelo contrário. A concordância é plena. O problema surge na aplicação de suas ideias ao Brasil. Não que expressem ideias erradas e desconheçam nossas falhas. Mas, olhando pelo retrovisor que leva ao passado e ao farol baixo que ilumina o presente, torna difícil acreditar que os erros foram aprendidos e não se repetirão. Tudo vai depender do arranjo político que se desenrolará.  E conforme expressa Stiglitz, o caráter resiliente do sistema é importante no encaminhamento da solução. Esse é o ponto!

No caso das políticas industriais e o papel do BNDES, é crucial que não se repita a estratégia de promover mais aumento de poder de mercado ao financiar grandes grupos econômicos que apenas aumentaram o seu patrimônio, incorporando o de terceiros ou investindo no exterior. Os casos caricatos são os da AMBEV e JBS. A nossa atuação equivocada sobre política industrial é crítica, diferentemente do que prega Stiglitz que estabelece incentivos dirigidos ao setor privado e não pela criação de estatais.

Não sei se Stiglitz tem notícia, por exemplo, da nossa experiência traumática do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada – estatal que produziria chips.  Ela apresentava recorrentes prejuízos e seus gestores não conseguiram provar que ela se justificaria do ponto de vista social e o Governo Bolsonaro iniciou um processo de liquidação que foi revertido pelo governo Lula. A governança sobre as instituições estatais é simplesmente crítica e favorece o corporativismo, com o inchaço salarial e de postos de trabalho. Evidentemente, esse inchaço não é generalizado e localiza-se mais na estrutura administrativa e nas estatais lucrativas. Vale lembrar a ênfase de Lara Resende sobre a gestão pública: o governo deve ser competente!

Certamente, Stiglitz deve conhecer a experiência bem-sucedida da ditadura militar que foi a criação da Embrapa. Do ponto de vista social, a Embrapa é altamente superavitária, como se depreende do seu Balanço Social. Com toda justiça, Lula a trata melhor do que todos os outros presidentes eleitos, principalmente aos seus técnicos, como o faz para as demais instituições do Executivo, abonando-os com reajustes salariais merecidos que acontecem sempre depois de algum jejum salarial imposto por governos anteriores. Novamente, esse é o caso e novamente Lula assume o prejuízo político. O problema aqui é que a estrutura salarial do setor governamental é bastante superior à do setor privado, o que fará aumentar a animosidade contra os servidores públicos, abrindo espaço político para a sua fragilização.

Quanto à independência do nosso Banco Central, fazem os palestrantes críticas acertadas. O problema é que a mídia tradicional as abafa e sempre faz parecer tonto quem ouse criticar o Banco Central. Sempre bom ouvir um arrazoado coerente, responsável e sério.

Hoje, com o retorno do PT ao poder, estamos num compasso de espera, porque o básico do primeiro ano de qualquer mandato presidencial é fruto do governo anterior. Ponto importante. As agendas microeconômicas não têm sido atacadas em grande escala; o que é muito bom. Outra exceção importante está nos exageros da privatização que provavelmente Stiglitz concordaria (eu também), como a idéia tosca de se privatizar os Correios; questão resolvida pelo governo atual.

De qualquer sorte, o caráter resiliente de que tanto fala Stiglitz em suas palestras, tudo indica, cai bem em Lula. Até agora, constatamos o ensaio de políticas industriais de auxílio às multinacionais automobilísticas com aproveitamento da classe média mais abastada, manutenção da tributação excessiva e rearranjo político com ocupação política das instituições públicas e ressurgimento de empresas estatais como a dos chips que poderiam e devem ser conduzidas pelo setor privado com o devido apoio estatal. Se no governo Bolsonaro, o seu quadro técnico não mudou significativamente, por que teria que mudar agora?

Feitas as minhas considerações, fico aqui com o otimismo de Stigler e faço a reprodução das palavras finais de André Lara Rezende que resumem bem as palestras dos economistas americanos. Assim, o fez:

  1. Claramente, taxa de juros excessivamente altas são injustificáveis, tanto na presença de déficit público ou de uma dívida pública alta. É injustificável para combater a inflação quando ela não é de demanda. Mais do que injustificável, taxas altas podem ser contraproducentes, ter efeitos perversos, contrários do que se pretende. Inviabilizam o crescimento. Podem agravar a inflação; agravam o déficit público, pioram a relação dívida/PIB. Adicionalmente, têm efeitos negativos na distribuição de renda. Taxa de juros elevadas é uma política profundamente equivocada.
  2. O Banco Central pode ter autonomia operacional para executar as metas definidas democraticamente, mas não pode ser um quarto poder, sem prestar contas e responsabilidade aos poderes democraticamente constituídos.
  3. A ideia de uma política industrial em nome de uma referência de investimentos e direção ao País é fundamental em todos os momentos e especialmente hoje com necessidade de reorganização da matriz energética, descarbonização da economia. O crescimento econômico não necessariamente engloba todo mundo. A política de crescimento tem que adicionalmente contar com medidas outras para aqueles que ficam fora do crescimento produzido por esse esforço de investimento publico e rearranjo das políticas em direção ao crescimento.
  4.  O Brasil está numa situação relativamente privilegiada no mundo; nós é que erramos com uma política equivocada nas últimas décadas, especialmente a monetária de juros, e uma adoção impensada do neoliberalismo com essa visão equivocada de que Estado deve ser suprimido ao mínimo, amordaçado e impedido de ter políticas. Isso nos levou à estagnação nesses últimos anos. Temos tudo para sair disso.

MARCO AURÉLIO BITTENCOURT. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb.


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