Marco Aurélio Bittencourt

Falar sobre desenvolvimento inclui, necessariamente, um mesmo olhar sobre crescimento econômico. Já sabemos os contornos para o crescimento econômico: capital físico e humano, população, tecnologia, progresso tecnológico e Instituições. Mas ligar esses elementos de tal sorte que desabroche o modelo de desenvolvimento tem sido o esforço dos economistas. Tarefa até o momento inglória, por conta principalmente do item instituições que é difícil medi-la adequadamente para o teste sempre necessário. Por essa razão, o apelo às narrativas (também etapa necessária na condução científica do assunto) tem sido empregado a rodo.

Particularmente, não me adequo a nenhuma das versões, embora abrace a ideia do rent seeking (Caçador de rendas). O que esboçarei tem um pé nessa ideia de rent seeking e instituições (Veja Democracy and Growth in Brazil, Marcos Lisboa e Zeina Latif).

Meu modelo começa com a chamada hipótese de Domar que, ao analisar a escravidão, coloca a hipótese de que não podem conviver conjuntamente classe ociosa, terra livre e trabalhador livre. Para a existência de classe ociosa, necessariamente tem-se trabalhador não livre ou terra não livre. Isso retrata bem o que aconteceu no Brasil em tempos imperiais. A elite brasileira (classe ociosa) já tinha em conta que, desde o segundo quartel do século XIX 1830-1840, a escravidão teria fim. A experiência inglesa de libertação dos escravos em suas colônias em 1883 feita gradualmente até 1840 era o espelho que se refletiria à América do Sul. Por conta disso trataram de inverter um dos elementos da hipótese de Domar: trocaram terra livre e trabalhador não livre, por terra não livre e trabalhador livre. Isso se deu com a lei das terras em 1850, mas a transição foi totalmente diferente das colônias inglesas. Durou quase 40 anos.

O que esse esquema da hipótese de Domar revela? Simples. Se deixarem as portas das oportunidades de negócios abertas, não poderá haver classe ociosa. Evidentemente que essa hipótese é cristalina quando se analisa a escravidão. Fica mais complexo, num contexto sem escravidão. Falta agora identificar os elementos que substituam a terra não livre. Faço um esforço especulativo e adianto as seguintes quebras estruturais.

  1. Derrubada do Império
  2.  Acordo de Taubaté e acordo dos governadores
  3. Revolução de 1930
  4. Derrubada do modelo nacionalista com a morte de Getúlio Vargas e ascensão de JK
  5. Ditadura militar e aprofundamento dos acordos com a elite
  6. Redemocratização e nova república
  7. Plano Real

Para esse fim, usarei como referência básica o gráfico abaixo que retrata o salário-mínimo em termos de poder de compra de 1 jornal, O Estadão. Para o período Imperial, usaremos uma referência estimada do equivalente ao salário-mínimo.

Fácil ver que estaríamos melhor com o Imperador do que com a república. Tivemos um período exitoso: Getúlio Vargas.

As quebras estruturais indicadas representam os marcos importantes para referência sobre desenvolvimento ou subdesenvolvimento brasileiro. O período imperial pode ser caracterizado, no padrão da Hipótese de Domar, como terra livre, trabalhador não livre e classe ociosa. Os destaques seriam: lei das terras de 1850 e construção das ferrovias. No final do período teríamos, então, terra não livre, trabalhador livre e classe ociosa, destacando-se a política imigratória que teria duas ramificações: a colonização do sul e o setor de cafeicultura – política essa de colonização do sul que se mostra exitosa e duradoura ao olharmos o padrão de vida dessa região e em especial o de Santa Catarina.  

No segundo período que corresponde a velha república, o modelo prossegue no compasso terra não livre, trabalhador livre e classe ociosa. O destaque seriam os acordos de Taubaté (1906) e a modernização destruidora. O acordo de Taubaté garantiu a renda dos plantadores de café e a extinção gradual dos acordos de cooperação no campo, com o aumento da concentração de renda no campo. A modernização destruidora abriu espaço para a especulação imobiliária que modificou para pior o padrão urbanístico do país. Fácil ver que, fazendo uma avaliação simples, a construção de um edifício de 10 andares com 40 apartamentos de 140 m2 cada um poderia dar um lucro, em preço atual, de cerca de 20 milhões. História não contada ainda pelos pesquisadores sobre cidades brasileiras. Certamente, fonte de recursos para outros empreendimentos. A destruição urbanística significa ausência de plano diretor consistente e duradouro nas cidades importantes. Era um modelo que tinha sua força de crescimento, mas concentradora e provavelmente traria um achatamento salarial pela dominância de um estilo de modelo escravocrata sem escravos, mas com oportunidades restritas às pessoas analfabetas e de visão negocial quase nula. Acrescente-se também o fortalecimento da indústria, no contexto protetivo.

No terceiro período, a reação a um modelo concentrador e ausente de políticas publicas reparadoras. Veio a revolução de 1930 com Getúlio Vargas na liderança. Figura complexa do ponto de vista histórico, mas que deixou marcas de mudanças sociais relevantes tanto na educação, quanto na economia propriamente dita. Seu rumo era um nacionalismo que se identificava com o espectro político da direita e não com a esquerda, embora as fantasias políticas indicassem exatamente o contrário. O fato é que foram criadas instituições relevantes que deram conta dos códigos de água, do subsolo e das empresas públicas estratégicas e outros empreendimentos relevantes para a economia do país, em destaque para o setor industrial e mineral. Getúlio tinha claro a moralidade e o sentido público dos seus atos. Clamava pelos empresários brasileiros por investimentos que geralmente pediam favores, traduzidos em proteção e dinheiro fácil. Criou a siderúrgica nacional, a fábrica nacional de motores e tantas outras empresas que modernamente seriam consideradas eixo de políticas industriais. Mas ele era o empecilho para que o sistema político que fecha as portas das oportunidades aos mais pobres voltasse retumbante. Foi-se Getúlio e veio outra figura carismática, Juscelino Kubitscheck (JK), mas de compromisso com o povo em outra dimensão prática.

Chegamos ao quarto período: JK e seus acordos políticos com a elite. Primeiro foi com a construção civil embalada pela mesma modernidade que fechou o Império. Veio Brasília e acordos industriais de peso. Trata-se da indústria automobilística, com a garantia às multinacionais do mercado interno, em troca da franja das autopeças ao baronato paulista.  Com a desordem orçamentaria, iniciou-se uma redução efetiva do poder de compra dos trabalhadores, embora sustentasse uma taxa de crescimento satisfatória. Mas estava aqui o retorno ao poder do grupo baronato, retomando as rédeas políticas. Sua herança política foi trágica: Jânio que tentou um retorno liberal, mas não nos moldes de Getúlio Vargas e, por artimanha própria, viu-se obrigado a renunciar. Veio Goulart que acenava um retorno às estratégias socioeconômicas de Vargas. Não conseguiu e sucumbiu ao golpe militar de 1964.

Chegamos, então, a quinta quebra estrutural: o modelo estatizante e manutenção dos pactos com o baronato. Esse é um período complexo, mas preso aos acordos prejudiciais à população e de moldura política ainda pouco desvendada, embora haja material jornalístico de peso para fundamentar uma análise robusta: Ver o acervo do jornalista Carlos Castello Branco. (um dos maiores analistas do sistema político brasileiro e que serviu de ponte de comunicação entre políticos civis e o grupo duro dos militares  www.carloscastellobranco.com.br ). Mas a lógica do poder militar não é difícil de perquirir. O rodízio do poder estava amarrado a grupos privados e o lugar-tenente era o comando do SNI. Independentemente da filiação do General-Presidente ao seu grupo de interesse, os demais grupos não eram açodados pelo grupo privilegiado. Pelo contrário, sempre dividiram o butim. O fato relevante para a derrocada do regime militar se deu com Geisel que estava associado ao grupo da petroquímica alavancado por sua política de combustível. Veio a crise do petróleo e o próprio Geisel, com a estratégia amalucada do todo poderoso Mario Henrique Simonsen (um péssimo policymaker!) de endividar o país, decretou que o modelo estaria falido. A desordem orçamentária tomou conta do processo político e a batida em retirada foi arquitetada por Golbery: escantear o grupo nacionalista e catapultar o grupo conivente com a ditadura. Chegamos a nossa sexta quebra estrutural: a nova república.

O grupo político que chega ao poder com o fim da ditadura militar vai ser representado pelo mesmo grupo que já bajulava o circo do poder após a morte de Getúlio Vargas. Com o desequilíbrio interno e externo passamos por um período inflacionário sem precedentes. Nada de novo foi feito e mantivemos os mesmos pactos que começaram a ser desfeitos em pequena escala pelo governo Collor – mas não por razões nacionalistas e sim por interesse próprio do grupo palaciano em participar do grupo das autopeças – a franja industrial cedida ao baronato paulista, em troca da reserva de mercado às multinacionais. O desiderato desse período foi a entrega do Plano Real pelo Presidente Itamar Franco.

Isso nos leva á última quebra estrutural: O Real. Nada de novo acontece após o real que poderia, em seu início, resolver definitivamente o nó orçamentário e acatar em plenitude a Constituição de 1988. Mas o caminho escolhido pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso foi outro totalmente distinto.  Chegava ao poder a esquerda leopardo: tudo muda para nada mudar!

O gráfico indicado sugere essas quebras: a herança do período Imperial é salutar, mas a primeira república reduz o patamar do poder aquisitivo do populacho. Veio o período de Getúlio Vargas que sopra uma esperança nacionalista refletida na montanha russa que chega ao limite e começa a definhar com JK que ainda entrega um patamar de poder aquisitivo razoável. Veio a ditadura que não consegue devolver sequer o patamar final do governo JK. Inicia-se um período de deterioração do poder aquisitivo que se prolonga com a chegada ao poder do grupo bajulador. A transmissão do poder à esquerda brasileira tupiniquim continua com a derrocada do poder aquisitivo, só inflexionada pela mesma esquerda tupiniquim, mas sob o comando de outro marinheiro: Lula. O fato auspicioso é que, com exceção do período nacionalista de Getúlio, toda mudança estrutural rebaixa o patamar do salário real e ainda não conseguimos recuperar o patamar Imperial. Que volte o Imperador!


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