Marco Aurélio Bittencourt

Já sabemos que, em nome de uma análise com teor científico, necessitamos de dois elementos: modelo e prova do seu funcionamento. O modelo pode ser visto, num sentido amplo, como uma narrativa que embute alguma matemática ou lógica. Para sua consolidação teórica, precisa ter dados e teste. Este é o pacote científico numa versão livre e resumida. O ponto é que os dois elementos se casam, mas podem ser elaborados separadamente. Vou me ater ao campo da narrativa sobre o tema proposto.

Algumas hipóteses são imprescindíveis. Vejamos o contexto. Aqui falamos das importações livres pela internet que alcançam o limite de US$ 50,00. Supomos que os compradores locais , ao comprar tais produtos, alcancem alguma folga financeira que , por hipótese, se dirige ao mercado interno. Então, há um efeito tributário indireto pela compra do produto estrangeiro: o aumento da arrecadação decorrente dessa folga financeira que se dirige aos produtos locais. Outra hipótese que assumimos que tais produtos importados atendem a uma faixa populacional de poucos recursos, podendo incluir outras faixas. Não tenho os dados sobre isso. Então nessa contabilidade hipotética quem ganha e quem perde? Ganham os consumidores. Perdem as empresas que teoricamente competem com as importações asiáticas. Quais seriam essas empresas? Lojas americanas, Rener, Magazine Luíza, Carrefour e similares. Em outras palavras, para produtos que saem , pela importação asiática, por R$ 120,00 estariam sendo vendidas , digamos, por R$ 170,00, ou seja, não conseguem competir. De novo, não tenho os dados. É uma estimativa. O fisco ainda manteria receita sobre os R$ 50,00 que se dirigiria ao mercado interno; digamos 20% sobre os R$ 50,00, ou seja, R$ 10,00.

Agora, façamos o experimento: impor alíquota sobre os produtos importados. A questão fundamental: qual a alíquota ? Suponhamos dois casos: uma impeditiva e outra parcialmente impeditiva. No primeiro caso, não se tem arrecadação fiscal pelas importações que iriam a zero.  Então os R$ 50 seriam perdidos com prejuízo de R$ 10,00 para o fisco. Mais agora o importador brasileiro tem que pagar pelo produto R$ 170,00. Certamente, irá reduzir suas compras. Então suponha que isso acarrete uma redução pela metade no valor gasto, ou seja R$ 85,00 iria se dirigir ao mercado interno. Isso daria, um ganho tributário de R$ 17,00 e liquidamente R$ 7,00 (computando a perda pelo comercio internacional – o ganho indireto pela folga orçamentária). Certamente, pelo aumento de preços que agora o consumidor se depara, terá que reescalonar seus gastos , reduzindo-os e isso tem um efeito recessivo indireto que apareceria ao longo do tempo. Quem ganharia? Certamente, os empresários citados que teriam suas vendas acrescidas pelo redirecionamento forçado da demanda. O fisco, ganharia residualmente e declinante. E os pobres pagariam a conta. Qualquer outra alíquota, abaixo do limite impeditivo, traria alguma combinação desses valores, com ganhos para o fisco e o empresário.

As contas exatas requerem estimativas mais precisas. Independentemente dessa estimativa, a lógica básica se manteria: os consumidores mais pobres perderiam, os empresários ineficientes contariam com a proteção tarifária e o fisco aumentaria residualmente sua arrecadação, mas de forma declinante. Portanto, do ponto de vista social, o ganho fiscal certamente não superaria a perda de bem-estar da população.

Trata-se, portanto, de uma velha política brasileira: o domínio de grupos de interesse sobre a política, usando-a em seu benefício. Nessa luta política, vale todo tipo de propaganda, como a de injustiça tributária por isentar importações. Como sabemos, as exportações não são, como boa regra de comércio externo, taxadas e assim cada país escolhe o que taxar de produtos importados; o que depende de negociações, pela possibilidade de simples retaliação. As empresas estrangeiras não mudariam sua posição, exceto se a faixa tributária lhe permitir alguma competição.

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