Descentralização financeira: o impacto dos criptoativos na soberania monetária estatal

Apresentação

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Ficha catalográfica

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Descentralização financeira: o impacto dos criptoativos na soberania monetária estatal

Gabriel Almeida Rodrigues de Souza[1]

Fernando de Magalhães Furlan[2]

Resumo:

Este artigo investiga o impacto dos criptoativos na soberania monetária dos Estados, destacando a descentralização financeira proporcionada pela tecnologia Blockchain. O estudo examina a evolução dos principais criptoativos, a exemplo do Bitcoin e do Ether (Ethereum), e discute os benefícios da descentralização, como a inclusão financeira, em contraste com desafios como a evasão fiscal e a regulação. Experiências com criptoativos em diferentes países e suas abordagens variadas são analisadas, ilustrando os efeitos sobre a política monetária. O artigo revela que, apesar das vantagens econômicas e tecnológicas dos criptoativos, eles representam desafios significativos para a soberania monetária estatal. Conclui-se que os governos devem adaptar as suas estratégias regulatórias para equilibrar a inovação com o controle monetário, contribuindo para um melhor entendimento do futuro das finanças globais.

Palavras-chave: descentralização financeira; criptoativos; soberania monetária, blockchain,

Abstract:

This paper investigates the impact of crypto assets on State monetary sovereignty, highlighting the financial decentralization enabled by Blockchain technology. The article examines the evolution of major crypto assets like Bitcoin and Ether (Ethereum) and discusses the benefits of financial decentralization, such as financial inclusion, in contrast with challenges like tax evasion and regulation. We analyze cases from different countries and their varied approaches to crypto assets, illustrating the effects on monetary policy. The article reveals that, despite the economic and technological advantages of crypto assets, they pose significant challenges to State monetary sovereignty. It concludes that governments must adapt their regulatory strategies to balance innovation with monetary control, contributing to a better understanding of the future of global finance.

Keywords: decentralization; crypto assets; monetary sovereignty; blockchain.

  1. INTRODUÇÃO

Este artigo investiga o impacto dos criptoativos na soberania monetária dos Estados, destacando a descentralização financeira proporcionada pela tecnologia Blockchain. Desde o surgimento do Bitcoin em 2009, as mudanças no panorama financeiro global foram radicais, pois passou-se a oferecer uma alternativa descentralizada às transações financeiras tradicionais. Contudo, essa inovação tecnológica apresenta desafios significativos para a soberania monetária estatal, o que exige uma análise aprofundada de seus efeitos.

A soberania monetária é um elemento essencial da capacidade de um estado exercer controle sobre a sua política monetária, fiscal e cambial, pois permite aos governos regular a oferta de moeda, estabilizar a economia, implementar políticas econômicas e fiscais eficazes, combater a evasão fiscal e o financiamento ilícito. No entanto, a  grande ascensão dos criptoativos desafia essa autoridade estatal tradicional.

Iniciamos com uma análise da evolução dos criptoativos, como o Bitcoin, e também sobre dos fundamentos da tecnologia Blockchain. Além disso, abordamos os benefícios da descentralização financeira, incluindo a redução da dependência de intermediários financeiros tradicionais, a promoção da inclusão financeira e o aumento da eficiência e segurança das transações.

Para compreender os impactos práticos dos criptoativos na soberania monetária, o trabalho analisa casos de diferentes países com abordagens diversas em relação aos ativos, desde a aceitação e integração, até a proibição e a restrição.

O artigo revela que, embora os criptoativos ofereçam significativos benefícios econômicos e tecnológicos, eles também representam um desafio substancial para a soberania monetária estatal. Recomendamos, ao final, que os Estados desenvolvam regulamentos flexíveis e dinâmicos que permitam a exploração dos benefícios dos criptoativos, enquanto mitigam os seus riscos.

Este artigo busca contribuir para uma compreensão tecnicamente mais adequada de como os criptoativos podem reconfigurar o sistema financeiro global e impactar a autoridade dos Estados sobre as suas moedas e economias. O artigo sugere que a adaptação e a inovação regulatória serão cruciais para solucionar os complexos desafios e oportunidades apresentados pela ascensão dos criptoativos no cenário financeiro mundial.

2. O BITCOIN

Em 2008 surge o primeiro criptoativo que revolucionaria o mercado monetário tradicional, o Bitcoin. Segundo Moraes (2021, p. 9) o Bitcoin teve seu whitepaper[3], documento que descreve as diretrizes e bases desse ativo digital, publicado e que revelou que as transações do sistema seriam validadas e registradas pela própria rede. Sendo assim, serviria como um método de pagamento ou reserva de valor, sem intermediários. Em resumo, era um manual do criptoativo em que foram descritos, de forma resumida, os fundamentos do Bitcoin, explicando as transações peer-to-peer[4], que evitam a duplicidade das operações (a possibilidade de enviar os mesmos ativos mais de uma vez), além de operar sem intermediários, como os bancos, permitir o anonimato dos participantes e utilizar o algoritmo de Prova de Trabalho (proof of work), para gerar Bitcoins (um processo conhecido como mineração).

O criador (ou criadores) do Bitcoin, como explica Amoedo (2021, p. 94) denominou(ram)-se Satoshi Nakamoto. Porém, acredita-se ser apenas um apelido, pois a identidade real de Nakamoto nunca foi revelada. O envolvimento do criador no protocolo original foi concluído em meados de 2010. Porém, antes do afastamento de Nakamoto, sua conta continuava ativa, e ele continuava postando informações técnicas em fóruns e fazendo alterações na rede Bitcoin. Ele era responsável pela maior parte do desenvolvimento do protocolo e aceitava poucas contribuições de terceiros. Entre as diversas especulações, uma hipótese é que a anonimidade de Satoshi Nakamoto serve para evitar a personalização do criptoativo, preservando o seu caráter descentralizado.

Além disso, o uso de um pseudônimo pode ter como objetivo proteger o criador de possíveis consequências legais, como já ocorreu com outros desenvolvedores no passado. Por exemplo, em 1998, o norte-americano Bernard von NotHaus criou uma moeda chamada Liberty Dollars e foi posteriormente acusado e preso pelo governo dos Estados Unidos por violar a legislação federal. Da mesma forma, em 2007, a moeda digital E-gold foi desativada pelas autoridades sob a alegação de envolvimento em atividades de lavagem de dinheiro. Em 2013, Sergio Lemer (2020), analista e diretor de criptoativos da RSK, procurou o caminho dos primeiros bitcoins, e conseguiu encontrar uma carteira de Satoshi Nakamoto, a qual possuía 980 mil unidades de Bitcoin, o que equivaleria, atualmente, a aproximadamente 8 bilhões de dólares. Apesar desse enorme valor, nenhum criptoativo foi movimentado desde a criação da carteira, ou seja, não houvera transferências, nem furtos, o que comprova a segurança do sistema, pois, caso fosse frágil, certamente já teria ocorrido algum tipo de invasão hacker.

 O Bitcoin pode ser definido, de acordo com Amoedo e Schramm (2021, p. 98, 335) como um ativo virtual dentro de uma rede descentralizada, desenvolvida por meio de um código aberto e cujas transações são armazenadas de forma pública e transparente. Além de ser considerado o primeiro ativo digital global descentralizado, estabeleceu um sistema financeiro alternativo, independente e livre.

De acordo com Ulrich (2014, p. 17) o Bitcoin é um ativo digital peer-to-peer, de código aberto e independente de uma autoridade central. Ele destaca que o Bitcoin se diferencia por ser o primeiro sistema de pagamentos global totalmente descentralizado. Moraes (2020, p.12) menciona também que o limite arbitrário para a quantidade de bitcoins foi estabelecido em 21 milhões, e estima-se que o último “Satoshi[5]” (0,00000001 de um bitcoin) será minerado por volta do ano 2140). Além disso, ele observa que, com o tempo, a complexidade computacional aumenta, o que significa que a dificuldade de encontrar novos blocos válidos é ajustada automaticamente para garantir que a média de 10 minutos, entre a descoberta de blocos, seja mantida.

Ulrich exemplifica, em sua obra, que se Maria quisesse enviar 100 reais a João pela Internet, ela precisaria de intermediários como o PayPal ou a Mastercard para registrar a transação e evitar o gasto duplo (duplicidade). Sem esses intermediários, o dinheiro digital, como um arquivo de computador, poderia ser duplicado e enviado a várias pessoas, pois Maria manteria uma cópia do arquivo. Esse é o problema do “gasto duplo”, que, antes do Bitcoin, só podia ser resolvido por terceiros confiáveis que mantinham registros históricos de transações. Dessa forma, nota-se a característica revolucionária do Bitcoin, que resolveu o problema da duplicidade (gasto duplo), sem a necessidade de um terceiro/intermediário.

É importante notar que as transações de Bitcoin, via Blockchain, não são denominadas em dólares, euros ou reais, como o são no PayPal ou na Mastercard. Em vez disso, são denominadas em Bitcoins. Isso torna o sistema não apenas uma rede de pagamentos decentralizada/distribuída, mas também um ativo virtual. O valor intrínseco do ativo não deriva de algum lastro metálico, como o ouro, ou de alguma garantia estatal ou governamental, mas do valor que o mercado lhe atribui, a partir de sua própria escassez (máximo de 21 milhões de Bitcoins em circulação até 2140) e de sua crescente demanda. O valor de um Bitcoin é determinado em um mercado aberto, da mesma forma que são estabelecidas as taxas de câmbio entre diferentes moedas mundiais, por exemplo (Ulrich, 2014 p. 18).

3. SOBERANIA MONETÁRIA ESTATAL

Segundo Ulrich (2013, pag.105), o ativo digital criado por Satoshi Nakamoto oferece grandes vantagens em relação às moedas fiduciárias (moedas soberanas, emitidas pelos bancos centrais). Contudo, o Bitcoin não é apenas uma maneira de realizar transações globais, com baixo custo nenhum custo. Ele representa uma forma de opor-se à opressão monetária. Essa é a sua principal “raison d’être”. O autor também afirma que o surgimento da moeda digital não foi uma mera coincidência, pois o Bitcoin surgiu como uma resposta natural ao colapso da ordem monetária vigente, à constante perda de privacidade financeira e a uma estrutura bancária cada vez mais perniciosa ao cidadão comum. Com o Bitcoin, os governos não conseguem inflacionar ou desinflacionar a moeda, apropriar-se da rede, corromper ou desvalorizar os Bitcoins. Além disso, não podem proibir a transferência de Bitcoins para comerciantes, seja no Maranhão, seja no Tibete.

Ulrich (2013, pag. 106) revela que o Bitcoin, ou qualquer alternativa que venha a surgir no futuro, estabelece uma concorrência real frente ao poder econômico dos bancos e às moedas emitidas pelos bancos centrais. A Internet proporcionou liberdade de comunicação e o Bitcoin tem o potencial de garantir autonomia sobre as finanças. Em essência, o Bitcoin é a aplicação da Internet ao dinheiro.

Como disse Satoshi Nakamoto:

“O problema fundamental da moeda convencional é a confiança necessária para que ela funcione. Precisamos confiar que o banco central não irá desvalorizar o dinheiro, mas a história das moedas fiduciárias está repleta de quebras dessa confiança. Os bancos têm a responsabilidade de guardar nosso dinheiro e transferi-lo eletronicamente, mas eles o emprestam em ciclos de bolhas de crédito, mantendo apenas uma fração em reserva. Devemos confiar neles para preservar nossa privacidade, confiando que não permitirão que ladrões de identidade drenem nossas contas”.

Ainda, para Ulrich (2013, pag. 106), o Bitcoin elimina a dependência de intermediários fiduciários, que historicamente violam os direitos dos clientes. Ele torna a tirania monetária praticamente impossível, sendo um feito admirável para qualquer defensor da liberdade e uma necessidade vital para cidadãos de regimes autoritários. Assim, qualquer país com um histórico de agressões à moeda se beneficiará significativamente do uso do Bitcoin.

O autor (2013, pag. 108) cita o exemplo do Brasil, que já enfrentou diversos planos econômicos fracassados, e, portanto, teria muito a ganhar com um ativo financeiro que protege a população genuinamente das arbitrariedades de governos que, ao longo da história, abusaram do poder e desrespeitaram os direitos de propriedade de seus cidadãos. Ele, provavelmente, se referia ao vexatório confisco da poupança popular do Governo Collor de Mello[6].

O autor enfatiza que a história revela que nenhum sistema político foi capaz de conter os abusos governamentais na esfera monetária e que o Bitcoin surge, portanto, como uma alternativa necessária. Pois, quando as Constituições e a separação de poderes falham em garantir uma moeda inviolável, a tecnologia pode assumir esse papel. A separação entre o Estado e a moeda se tornará uma questão tecnológica, não política. O autor propõe a imaginação de uma situação hipotética de um mundo sem inflação, sem bancos centrais desvalorizando o dinheiro para financiar os excessos fiscais dos governantes. Um mundo sem confisco de poupanças, sem manipulação das taxas de juros e sem controle de capitais. Sem banqueiros centrais que têm o poder de aumentar a base monetária, a qualquer momento, para resgatar banqueiros ineficazes que usaram os depósitos dos cidadãos em aventuras privadas[7].

O fator, que impulsionou o Bitcoin, segundo Amoedo e Schramm (2021, p. 146) para ser um criptoativo relevante e com um grande valor na economia mundial, chegando a possuir um valor de mercado atual próximo a 1,7 trilhão de dólares (maior que o Produto Interno Bruto- PIB de muitos países), é a desconfiança no sistema monetário tradicional. Diversas crises financeiras foram ocasionadas por decisões de terceiros (políticos) que interferiram negativamente na economia. Os políticos, por melhores intenções que tenham, não conseguem evitar colapsos institucionais.

Isso acontece, segundo Amoedo e Schramm (2021, p. 26) porque a moeda estatal tende a uma perda real, pois os governos podem se financiar apenas de três formas. A primeira é a tributação, porém há uma limitação demonstrada pela curva de Laffer[8], citada por Amoedo (2021, p.340), que afirma que existe um limite para o aumento da carga tributária, a partir do qual a arrecadação do governo começa a cair. Isso em razão do desincentivo dos contribuintes em pagar os tributos devidos, ou seja, uma diminuição da carga tributária, em alguns casos, significa uma maior arrecadação.

A segunda forma, segundo Amoedo e Schramm (2021, p. 26), de financiamento é a emissão de moeda. Porém, também há um limite determinado pela inflação, que corrói o seu valor. Pois, no caso de emissão de mais moeda, aquelas já em circulação perderão valor. A inflação, segundo Ulrich (2013, pag. 37), se refere ao aumento na quantidade de moeda em uma economia, levando, inevitavelmente, à elevação dos preços. Em uma economia moderna, a oferta de moeda não se limita apenas a cédulas e moedas metálicas; os depósitos bancários também fazem parte dessa oferta, pois cumprem a mesma função que a moeda física. Embora os depósitos não existam materialmente, eles são considerados parte da oferta monetária total. Portanto, quando há emissão de moeda ou criação de depósitos bancários, sem lastro na realidade, ocorre inflação. Assim, quanto maior a quantidade de dinheiro em circulação, menor será o poder de compra de cada unidade monetária.

 A terceira forma, também segundo Amoedo e Schramm (2021, p. 26), do governo se financiar é a contratação de dívida. Essa alternativa também encontra limites para encontrar credores que estejam dispostos a emprestar. Muitos países atualmente, inclusive o Brasil, estão próximos de seus limites fiscais, o que causa insegurança nos investidores, que buscam novas maneiras de proteger o seu patrimônio, retirando as suas economias de moedas fiduciárias fracas e colocando em alguma reserva de valor, como o ouro ou o Bitcoin.

Sendo assim, de acordo com Schramm (2021, p. 47), devido a esses motivos, surge o Bitcoin. Ele atende aos critérios de Aristóteles da definição de dinheiro, como a fungibilidade, a divisibilidade, a durabilidade, a portabilidade e, também, a escassez, para ser reserva de valor.  O Bitcoin se destaca nesses aspectos pois possui tecnologia que combina todos esses fatores, além de possuir uma tendência inflacionária menor que o ouro. O único quesito em que o Bitcoin ainda não se provou é a durabilidade, pois o ouro, por exemplo, já está no mercado como ativo financeiro, há séculos. Pode-se notar um padrão de mudança nos sistemas monetários. O cobre, por exemplo, foi desmonetizado pela prata, que, por seu turno, foi substituída pelo ouro. O ouro foi superado pelas moedas fiduciárias, como o dólar, o euro e o real. Agora, a indagação é se essas moedas tendem a ser desmonetizadas pelo Bitcoin.

Com isso, Renato Amoedo afirma em seu livro (Amoedo, p. 147) que o motivo pelo qual o Bitcoin se destaca é a falência de todos os sistemas monetários anteriores, sejam eles baseados em moedas fiduciárias ou no padrão ouro, que falharam em cumprir as suas promessas de manter o seu valor a longo prazo. A moeda fiduciária é adotada, mesmo em sistemas falhos, porque resolve o problema da dupla coincidência de desejos entre pessoas que querem trocar bens. A riqueza é subjetiva e resulta do trabalho ou comércio. Dessa forma, é possível que todos estejam em melhor condição apenas redistribuindo bens para aqueles que mais os valorizam. Há mais trocas quando se usa moeda, em vez de apenas permutar bens diretamente (que podem não ser divisíveis, duráveis ou transportáveis).

O gráfico comparativo a baixo analisa a evolução do preço do dólar e do ouro, ao longo do tempo. Ao comparar o comportamento do dólar com o do ouro, percebe-se que, ao longo dos anos, é necessário um montante crescente de dólares para adquirir a mesma quantidade de ouro. Isso evidencia a tendência de desvalorização do dólar em relação ouro.

Figura 1- Preço do ouro em dólar

Fonte: Banco Central dos EUA – 2021

Com isso, de acordo com Amoedo e Schramm (2021, p. 110), com o fim do Acordo de Bretton Woods em 1971 e o abandono do padrão ouro (gold window), quase todas as moedas do mundo tornaram-se totalmente fiduciárias. Quando os governos começaram a imprimir moeda de forma ilimitada, a moralidade política começou a entrar em declínio. Ainda segundo Amoedo e Schramm (2021, p. 149), uma demonstração disso é que em 1933, a moeda de 20 dólares (USD ou US$) era feita de uma onça de ouro. Já em 2020, uma onça de ouro chegava a custar mais de 2,000 USD (dois mil dólares estadunidenses), ou seja, quem poupou em dólar perdeu mais de 99% (em ouro), em menos de 90 anos.

Além disso, Ulrich afirma que, atualmente, as moedas emitidas pelos governos não têm lastro algum, exceto a confiança que as pessoas têm neles. Com o tempo, o sistema monetário evoluiu de tal forma que não há mais qualquer vínculo com o ouro ou a prata, que foram utilizados como dinheiro por milênios. O padrão-ouro se tornou um fato histórico, com poucas chances de retorno, não porque não funcionasse, mas porque impunha limitações ao apetite inflacionário dos governos. Quando esses governos emitiam moeda em excesso, percebiam a fuga de ouro para fora de suas fronteiras e eram obrigados a depreciar o valor da moeda em relação ao metal precioso.

Sendo assim, também de acordo com Fernando Ulrich, desde 1971, quando o presidente Richard Nixon suspendeu a conversibilidade do dólar em ouro, entramos na era do papel-moeda fiduciário, na qual os bancos centrais têm a capacidade de imprimir dinheiro quase sem limites, a não ser pelo risco de que as pessoas percam a confiança na moeda e se recusem a utilizá-la em transações, o que costuma ocorrer em situações de hiperinflação.

Na prática, os governos historicamente recorreram à impressão de dinheiro para cobrir déficits, financiar guerras ou sustentar um estado gastador que não conseguia sobreviver apenas com os tributos arrecadados da população. A tentação de usar o poder de imprimir dinheiro é grande demais para ser ignorada.

É interessante observar que o whitepaper do Bitcoin foi publicado dias depois da falência de um dos maiores bancos dos Estados Unidos, o Lehman Brothers[9], e que foi diretamente ligada à crise de 2008, ocasionada por uma elevada liberação de crédito ligado a um momento de muita especulação no mercado imobiliário, sendo a maior crise financeira desde a chamada grande depressão de 1930. Fernando Ulrich (2014, p. 35) explica que, apesar da coincidência de o ativo digital ter surgido durante a maior crise financeira desde a Grande Depressão de 1930, não se pode ignorar o avanço do Estado interventor, as medidas sem precedentes e arbitrárias das autoridades monetárias na primeira década do novo milênio, e a crescente perda de privacidade enfrentada pelos cidadãos em muitos países desenvolvidos e emergentes. Assim como, Fernando Antônio de Barros Júnior, professor doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, considera que a coincidência temporal entre os dois eventos é apenas isso: uma coincidência. Segundo ele, “é improvável que o Bitcoin tenha sido criado em resposta à crise. No próprio whitepaper, está claro que Nakamoto não pretendia criar um ativo financeiro, mas sim um meio de pagamento seguro e fora do controle governamental.”

Como o Bitcoin é um tipo de ativo digital, uma de suas principais características é a ausência de regulação estatal. Ou seja, não existe um banco central que controle e administre as transações feitas com esse ativo. Devido à falta de uma regulamentação uniforme, o Bitcoin é altamente volátil, o que faz com que o seu preço possa oscilar de maneira significativa e imprevisível. Aliás, como qualquer ativo de renda varável, como as ações.

4. BITCOIN: ATIVO FINANCEIRO OU MOEDA?

Sobre a tangibilidade do Bitcoin, Ulrich (2014, p.59) explica que hoje em dia, quando se pensa em dinheiro, geralmente associa-se a algo físico, como cédulas e moedas que carregamos, como também nos depósitos bancários, à vista, a prazo ou poupança. Esses números nas contas bancárias representam a moeda escritural, que é quase inteiramente digital. Uma diferença fundamental entre o sistema monetário atual e o de séculos atrás é a existência de um banco central, que tem o monopólio da emissão de moeda física, bem como cria moeda escritural, na forma de reservas bancárias. Embora os bancos possam criar moeda escritural, a emissão de moeda física é exclusiva de um banco central. A capacidade dos bancos de gerar moeda escritural é limitada, sendo o banco central responsável por regular e incentivar essa criação. Apesar disso, pode-se questionar a importância da moeda escritural nos dias de hoje. Dados[10]dos bancos centrais mostram que, nos EUA, a moeda escritural representa mais de 55% do dinheiro em circulação. No Brasil esse número chega a 52%, e em países como Japão, Suíça, China e os da Zona do Euro, esse valor ultrapassa os 80%. No Reino Unido, a moeda física não chega a 5% do total.

Dessa forma, nota-se que a característica intangível do ativo/moeda não é uma inovação do Bitcoin, mas uma realidade do sistema monetário, desde a criação da moeda escritural, com a prática das reservas fracionárias. A intangibilidade da moeda é antiga, mas a sua escassez sempre foi controlada pelos bancos centrais.

Ulrich (2014. pag. 60) também afirma que, com a criação do Bitcoin, essa vulnerabilidade foi sanada. E isso faz toda a diferença. Do dinheiro commodity material (gado, sal, ouro ou prata), o mundo evoluiu ao papel-moeda e à moeda escritural. A intangibilidade desta permitiu aos bancos a criação quase ilimitada de moeda, corroendo continuamente o poder de compra do dinheiro que usamos. A intangibilidade do Bitcoin, por outro lado, propiciou justamente o oposto: assegurou a escassez da moeda, a fim de preservá-la e não corroer o seu poder de compra. Da intangibilidade do Bitcoin também é possível evoluir ou materializar ao dinheiro físico. Alguns empresários, ávidos por satisfazer a demanda de alguns usuários, criaram moedas físicas, lastreadas em unidades monetárias de Bitcoin.

Sendo assim, também segundo Ulrich (2014, pag. 62), entende-se que o dinheiro se origina naturalmente no mercado, por meio de trocas voluntárias, o que é essencial para compreender o fenômeno do Bitcoin. O autor também exemplifica que a introdução e evolução do dinheiro são fundamentais para diminuir os custos associados às transações, resolvendo o problema da “dupla coincidência de desejos”, como quando alguém possui uma vaca e deseja pão, mas o padeiro prefere um terno. A moeda simplifica essas trocas, reduzindo o que os economistas chamam de custos de transação. Assim, em um ambiente de concorrência, a moeda que mais eficientemente reduzir esses custos, acabará prevalecendo no mercado.

Com isso, Ulrich (2014, pag. 65) afirma que o Bitcoin, sendo a própria unidade monetária (1 BTC), elimina a necessidade de substitutos de dinheiro, ao oferecer baixos custos de transação, algo que os substitutos normalmente proporcionariam. Suas propriedades digitais tornam improvável o surgimento de novos intermediários e têm o potencial de tornar o sistema bancário irrelevante, prevenindo a expansão artificial de crédito e ciclos econômicos. Uma das maiores vantagens do Bitcoin é seu sistema peer-to-peer, que dispensa intermediários, como bancos, e utiliza criptografia moderna para garantir a segurança e a solidez do ativo/moeda, substituindo a confiança no fator humano, por comprovação matemático-criptográfica.

Ulrich (2014, pag. 67) conclui que o Bitcoin é uma forma superior de ativo/moeda, combinando a escassez do ouro com a portabilidade e divisibilidade instantâneas dos substitutos digitais, sem depender de intermediários, como bancos ou entidades financeiras, eliminando o risco de contraparte. A tabela abaixo traz uma comparação entre os sistemas monetários mais comuns: o ouro e o papel moeda, e o Bitcoin:

AtributoOuroPapel-moedaBitcoin
1. DurabilidadeAltaBaixaPerfeita
2. DivisibilidadeMédiaAltaPerfeita
3. MaleabilidadeAltaAltaIncorpóreo
4. HomogeneidadeMédiaAltaPerfeita
5. Oferta (Escassez)Limitada pela naturezaIlimitada e controlada politicamenteLimitada matematicamente
6. Dependência de terceiros fiduciáriosAltaAlta    Baixa ou quase nula

Moraes (2021, pag. 9) afirma que em janeiro de 2009 foi lançada a versão 0.1 do Bitcoin, e no final do mesmo ano, a versão 0.2 também foi liberada. Esse ano também marcou a primeira transação de bitcoins, realizada entre Nakamoto e Hal Finney[11]. Naquele período, a taxa de câmbio entre a moeda virtual e o dólar foi estabelecida pelo New Liberty Standard [12]como USD 1 = BTC 1.309,03, aproximadamente 0,0025 centavos de dólar americano

Fernando Ulrich (2014, p. 18) menciona que alguns meses depois, em maio de 2010, uma pizza (Exame, 2022) foi vendida por 10 mil bitcoins, o equivalente a 25 dólares à época. Essa quantidade de bitcoin utilizada para comprar uma pizza, equivaleria hoje a aproximadamente US$ 592,500.00 (quinhentos e noventa e dois milhões e quinhentos mil dólares)

Entre 2011 e 2012, os criptoativos foram amplamente utilizados em mercados clandestinos da eep web[13], em vendas de drogas e armas. Nesse mercado específico, foram movimentados mais 9,9 milhões de bitcoins, o que correspondia a 214 milhões de dólares à época. Durante o mesmo período, o preço do Bitcoin variou de 30 centavos a 31,50 dólares, por unidade.

Moraes (2020, p.13) destaca o aspecto da volatilidade do Bitcoin, pois é crucial lembrar que o seu preço não é definido por um fundo monetário ou qualquer outro órgão estatal ou interestatal regulador. Sua cotação não segue nenhuma regulamentação formal, sendo estabelecida diretamente entre os negociantes, baseada na lei da oferta e demanda. Em outras palavras, quanto mais transações e ativos existam no mercado virtual, menor tende a ser o preço do Bitcoin. Essa ausência de regulamentação e regulação estatal torna o mercado de criptoativos bastante arriscado, já que os valores do Bitcoin podem cair drasticamente, sem que o Estado consiga intervir de maneira eficaz para estabilizar o mercado. Como o faz, por exemplo, no câmbio. A falta de regras claras desde o surgimento do Bitcoin deixa o mercado exposto a grandes oscilações.

Sendo assim o preço atual do Bitcoin (março de 2025) é de aproximadamente US$80,000, oitenta mil dólares estadunidenses (Coinbase, 2024). O gráfico abaixo ilustra a evolução do preço do Bitcoin ao longo do tempo. Percebe-se que as flutuações significativas e as tendências de valorização e desvalorização do criptoativo mostram como o preço do Bitcoin tem variado em resposta a eventos de mercado e fatores econômicos. Apesar das quedas e elevações, ao longo do período analisado, o gráfico revela que o preço do Bitcoin tem se mantido, em média, em uma trajetória de ascensão.

Figura 2 – Gráfico sobre o preço do Bitcoin

Fonte: Crypto – 2024

Entre 2010 e 2012, o Bitcoin enfrentou um período de desvalorização e estagnação, devido a várias fraudes e problemas técnicos em diversas bolsas de negociação. Nos anos seguintes, o Bitcoin ganhou popularidade. No entanto, a verdadeira ascensão do Bitcoin ocorreu em 2020, quando, apesar da crise global provocada pela pandemia de Covid-19, seu valor alcançou cifras superiores a $30,000 dólares por unidade. Portanto, vários fatores contribuíram para essa valorização, incluindo a introdução de produtos financeiros relacionados ao Bitcoin, na bolsa de Frankfurt[14], uma das maiores do mundo. Nesse período, o Bitcoin consolidou-se como um ativo de reserva de valor, especialmente em um cenário de instabilidade financeira global, causado pela pandemia.

5. AQUISIÇÃO DE BITCOIN

Há diversas formas de se adquirir Bitcoin. Por exemplo, a compra direta de pessoa para pessoa (peer-to-peer), a compra por meio de uma corretora (exchange), ou por meio da mineração.

A mineração de Bitcoin, de acordo com Amoedo (2021, p. 199) é baseada em um sistema de recompensas. Sempre que um dispositivo criptográfico resolve, com sucesso, os desafios matemáticos, ele tem o direito de adicionar um novo bloco de transações e, como recompensa, recebe uma quantidade de criptoativos (Bitcoins). Portanto, cada minerador enfrenta um problema matemático exclusivo, que é influenciado pelas informações que ele inclui no bloco, como transações a serem validadas, valores transacionados e endereços de origem e destino. Cada bloco validado, de acordo com Amoedo e Schramm (2021, p. 347), recebe uma assinatura criptográfica, chamada de Hash[15], que o vincula ao bloco anterior. Isso cria uma cadeia (chain) indissociável, onde cada bloco faz referência aos dados do bloco anterior e contém o hash desse bloco.

Por exemplo, se alguém tentar transferir a mesma moeda duas vezes, a segunda tentativa será rejeitada, pois a transação já foi registrada em um bloco anterior. A validação das transações ocorre por meio do consenso entre os dispositivos da rede. Todos os computadores na rede realizam cálculos, e a transação só é registrada na blockchain[16] se a verificação for correta. Os demais computadores da rede verificam as soluções propostas pelos mineradores para cada bloco. Se houver consenso na validação, o bloco é adicionado à blockchain e o minerador responsável recebe a recompensa. Essa recompensa é a única maneira de gerar novos criptoativos.

A segurança do sistema é garantida pela dificuldade de fraudar a maioria dos dispositivos, já que há milhares a dezenas de milhares de computadores minerando ou participando da rede de outras formas. A mineração de bitcoin tem esse nome pois há uma similaridade com a mineração de ouro. Por exemplo, o minerador aparece validando uma transação feita, em que, quando completa, cria bitcoins e os envia ao minerador, como recompensa. A diferença é que o ouro é regulamentado por diversas leis, que controlam a sua extração, demanda e comércio, enquanto o bitcoin é descentralizado/distribuído. Ulrich afirma (2021, p. 22) que no contexto do Bitcoin, a criptografia desempenha duas funções principais: primeiro, ela garante que um usuário não possa gastar os bitcoins da carteira de outro usuário, assegurando a autenticidade e a veracidade das informações; segundo, ela protege a blockchain contra violações e corrupção, garantindo a integridade e a segurança das informações e evitando o gasto duplo (duplicidade). Além disso, a criptografia também pode ser utilizada para proteger uma carteira, por meio de uma senha definida pelo proprietário, garantindo que somente ele possa acessar e utilizar os bitcoins armazenados.

Sobre o armazenamento do Bitcoin, de acordo com Amoedo (2021, p. 199-201), por se tratar de um ativo digital e, portanto, não ter uma forma física, é guardado em endereços públicos na blockchain, acessíveis por meio de chaves privadas que permitem ao usuário acessar os fundos e assinar transações de forma segura. As transações na blockchain do Bitcoin são realizadas por meio da combinação da chave pública do destinatário com a chave privada. Portanto, também segundo os autores (2021, p.173) há várias formas de carteiras para o Bitcoin, e que oferecem diferentes funcionalidades e níveis de segurança.

Por exemplo, tem-se uma carteira de papel que é um documento que contém um endereço público na rede do Bitcoin, utilizado para receber fundos, e uma chave privada, que autoriza o gasto ou a transferência dos Bitcoins armazenados nesse endereço. Esses documentos são frequentemente apresentados como códigos QR[17], facilitando a digitalização e a adição das chaves a uma carteira de software[18] para realizar transações. A grande vantagem de uma carteira de papel é que as chaves não são armazenadas digitalmente em nenhum lugar. Sendo assim, é imune a ataques de hackers[19]para furto de criptoativos.

Outra forma de armazenar Bitcoins é em carteiras web, que guardam as chaves privadas em servidores de empresas (custódia) e estão sempre conectados à Internet. Os provedores de carteiras oferecem diversas funcionalidades, incluindo a integração entre carteiras móveis e de desktop[20], sincronizando os endereços nos dispositivos.

6. REGULAMENTAÇÃO ESTATAL

Moraes (2020, p. 12-15) enfrenta a questão da regulamentação do Bitcoin em sua obra, considerando que é necessária para proporcionar segurança aos consumidores e para atrair investidores institucionais, como grandes bancos e fundos internacionais, com reservas bilionárias.

Fernando Ulrich (2013, pag. 33) afirma que as leis e regulamentações atuais não contemplam tecnologias como a do Bitcoin, resultando em zonas legais cinzentas. Isso acontece porque o Bitcoin não se encaixa nas definições regulamentares existentes de moeda, instrumentos financeiros ou instituições, tornando complicado determinar quais leis se aplicam a ele e de que forma. Além disso, essa nova tecnologia possui características de um sistema eletrônico de pagamentos, moeda e commodity, entre outras. Isto significa que deverá ser alvo de supervisão por diversos reguladores. Vários países debatem sobre o Bitcoin em nível governamental e alguns já adotaram posturas que vão desde a neutralidade, até uma abordagem mais cautelosa. Dado o rápido crescimento desse mercado, novidades legais e regulatórias deverão surgir em breve.

Porém, até a chegada da Lei 14.478/2022[21] (Brasil, 2022) o Brasil não possuía uma regulamentação legal específica para a prestação de serviços de ativos virtuais. As empresas que oferecem esses serviços são conhecidas como exchanges[22] ou corretoras. A nova lei visa a proteger os consumidores nesse mercado e estabelecer boas práticas de governança e transparência. No passado, e até certo ponto ainda hoje, existia uma assimetria informacional entre o que os consumidores sabiam e o que as corretoras sabiam. Para reduzir essa assimetria, é crucial que as corretoras provem, de forma robusta, suas reservas, por meio de auditorias independentes. E que os mecanismos de proteção dos ativos dos clientes sejam claros. A transparência nas relações informacionais é uma das diretrizes do direito privado no século XXI. Sendo assim, a Lei 14.478/2022 (Brasil, 2022) é uma legislação fundamental para regular as empresas que operam no mercado de ativos virtuais, trazendo mais segurança aos usuários. A Lei 14.478/2022, em seus artigos 2º [23]e 4º[24],  não especifica qual órgão da administração pública federal será responsável pela regulamentação e fiscalização, sendo provável que essa tarefa seja atribuída ao Banco Central. Como comparação, em termos econômicos, a regulação pode beneficiar o setor, similar ao que ocorreu com as fintechs[25], como o Nubank. Reguladas, essas fintechs passarão a competir com grandes bancos e ampliarão a sua base de clientes. Sendo assim, é relevante recordar a frase de George Ripert, professor e reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Paris, que, na década de 1940, disse: “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito”.

Entre outros pontos, essa nova lei acrescenta ao Código Penal, ou Decreto-lei 2.848 de 1940 (Brasil, 1940), um novo tipo de estelionato, com pena de reclusão de quatro a oito anos e multa. Será enquadrado no crime de “fraude com a utilização de ativos virtuais” quem organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações envolvendo criptoativos para obter vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro. Na Lei 9.613, de 1998 (Brasil, 1998), conhecida como “Lei de Lavagem de Dinheiro”, a norma inclui os crimes cometidos por meio da utilização de ativo virtual entre aqueles com agravante de um terço a dois terços de acréscimo na pena de reclusão de três a dez anos, quando praticados de forma reiterada. O texto também determina que as empresas deverão manter registro das transações, para fins de repasse de informações aos órgãos de fiscalização e combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro[26].

Um dos principais pontos abordados na consulta pública do Banco Central sobre a nova legislação relativa aos criptoativos, é a regra de segregação patrimonial. De acordo com esse princípio, os ativos das carteiras de criptoativos dos clientes devem ser mantidos separados dos ativos patrimoniais das empresas. Na prática, isso implica que as exchanges passem a seguir regras similares às aplicadas a bancos, financeiras e corretoras. Por exemplo, a Binance[27] já adota a prática de manter os ativos virtuais dos clientes em contas distintas das contas de ativos da própria empresa. Para a exchange, essa abordagem deve ser adotada por todo o setor para assegurar a proteção dos usuários. A companhia acredita que as prestadoras de serviços de ativos virtuais (VASPs)[28] devem possuir uma infraestrutura própria de carteira para assegurar a proteção dos ativos. Além disso, defende que cada cliente deva ter uma conta identificada por um código único, conhecido como UID, onde seus saldos seriam registrados. Entre as medidas e ferramentas implementadas pela empresa está a “prova de reservas”, que utiliza uma árvore Merkle — um modelo criptográfico para organizar e verificar grandes volumes de dados. Esse sistema permite aos investidores verificar se seus ativos estão devidamente protegidos e disponíveis na plataforma, garantidos pelas reservas de fundos da companhia.

Apesar da regulamentação pela lei 14.478/2022 (Brasil, 2022), o Banco Central do Brasil já havia divulgado o Comunicado nº 31.379, em 16 de novembro de 2017 (Brasil, 2017), alertando sobre os riscos associados à aquisição de “moedas virtuais” e à realização de transações com essas moedas. O comunicado alertava que, considerando o crescente interesse dos agentes econômicos (sociedade e instituições) nas denominadas moedas virtuais, o Banco Central do Brasil lembra que esses ativos/moedas não são emitidos(as), nem garantidos(as) por qualquer autoridade monetária. Por isso, não têm garantia de conversão para moedas soberanas e tampouco são lastreados(as) em ativo real de qualquer espécie, ficando todo o risco com os detentores. Seu valor decorre exclusivamente da confiança conferida pelos indivíduos ao seu emissor.

Além do Brasil, outros países têm começado a explorar formas de regulamentar os criptoativos, buscando equilibrar a inovação tecnológica com a proteção dos interesses públicos. As estratégias incluem desde a criação de diretrizes claras para exchanges e empresas que operam com criptoativos, até a implementação de sistemas de monitoramento e compliance mais rigorosos. Santos (2014) relata que a Receita Federal dos EUA (Internal Revenue Service – IRS) definiu o Bitcoin como uma forma de “propriedade”, em vez de “moeda”, implicando que cada transação com o ativo virtual estaria sujeita à tributação sobre ganhos de capital. Além disso, a atividade de mineração de Bitcoin foi estabelecida como tributável, com base no valor de mercado do ativo, na data da atividade específica (Santos, 2014, p.132).

A correta classificação tributária dos criptoativos pelo Estado é um aspecto crucial em sua regulamentação. Essa sistematização não apenas visa a evitar a evasão fiscal, mas também proporcionar ao Estado uma compreensão mais precisa dos investimentos dos cidadãos. Portanto, a positivação do tratamento tributário relacionado ao dinheiro virtual é considerada uma prioridade (Campos, 2015 p.77).

O Decreto 11.563, de 2023 [29](Brasil, 2023) atribuiu a competência de regulamentação dos criptoativos ao Banco Central, respeitando as atribuições da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), e visa a reforçar a proteção dos investidores em ativos virtuais. A regulamentação busca estabelecer regras que garantam maior transparência sobre os benefícios e riscos associados a esses investimentos. Para avançar na regulamentação do mercado de criptoativos no Brasil, o Banco Central optou por dividir o processo em fases. Nagel Lisanias Paulino, do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do BC, ressalta que a regulação tem um papel crucial em tornar mais claras as práticas inadequadas que envolvem esses ativos e que podem prejudicar consumidores e agentes do setor, em casos de golpes e fraudes. A intenção é definir requisitos mínimos para que os prestadores de serviços de ativos virtuais atuem de maneira adequada e transparente com seus clientes. A ideia é avançar na criação dos atos normativos que vão tratar tanto dos aspectos de negócios, quanto das autorizações necessárias.

De acordo com a Lei 14.478, de 2022 (Brasil, 2022), as prestadoras de serviços de ativos virtuais só poderão operar no Brasil mediante autorização do BC. Entre as suas atividades regulamentadas estão a oferta direta, a intermediação e a custódia de criptoativos.

A regulamentação dos ativos virtuais será implementada de maneira gradual e por etapas, para acompanhar o avanço do conhecimento dos reguladores e as práticas recomendadas por organismos internacionais, como o GAFI[30]. O Banco Central (BC), com o apoio de outras entidades reguladoras como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), vai abordar aspectos específicos dos ativos virtuais que são relevantes para essas instituições e outros órgãos governamentais. Os próximos passos para a regulamentação dos criptoativos, estabelecidos pelo próprio incluem:

1) Segunda consulta pública: realização de uma nova consulta pública sobre as normas gerais para a atuação e autorização dos prestadores de serviços de ativos virtuais (Banco Central, 2024);

2) Planejamento para stablecoins[31]: estabelecimento de um planejamento interno para regulamentar stablecoins, especialmente nas áreas de pagamentos e mercados de câmbio e capitais internacionais, sob a jurisdição do Banco Central (Banco Central, 2024);

3) Desenvolvimento de normas complementares: criação e aprimoramento de um conjunto de normas adicionais para regulamentar a atuação das VASPs no mercado de câmbio e capitais internacionais, além de aspectos como regulamentação prudencial, prestação de informações ao BC, contabilidade, tarifas e adequação (Banco Central, 2024).

Depois dessas etapas, espera-se que as contribuições recebidas sejam avaliadas e as propostas normativas finalizadas e apresentadas.

Além disso, a regulamentação visa a manter a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional, uma das responsabilidades do BC. Isso inclui assegurar que as regras para a prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo sejam seguidas, monitorar atividades suspeitas e garantir que os prestadores de serviços e outras instituições autorizadas cumpram as normas estabelecidas.

A regulamentação dos criptoativos no Brasil surge como uma resposta necessária à crescente complexidade e popularidade desses ativos no cenário financeiro global e doméstico. Ao tratar a classificação tributária como um pilar fundamental, conforme apontado por Campos, o Estado busca, não apenas evitar a evasão fiscal, mas, também, garantir um controle mais eficiente sobre os fluxos financeiros dos cidadãos, fortalecendo a soberania econômica e fiscal do país.

O Decreto 11.563/2023 (Brasil, 2024), que confere ao Banco Central a responsabilidade pela regulamentação dos criptoativos, marca um passo decisivo na estruturação de um mercado que, até então, operava, em grande parte, à margem da supervisão estatal. A colaboração com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e com a Receita Federal do Brasil (RFB) robustece um esforço coordenado para proteger investidores e trazer maior transparência e confiança ao mercado de criptoativos.

A abordagem gradual, adotada pelo Banco Central, com consultas públicas e o desenvolvimento de normas complementares, reflete uma estratégia prudente que visa a integrar o avanço do conhecimento regulatório às melhores práticas internacionais. Esse processo permite ao Brasil adaptar as suas regulamentações à medida que o mercado evolui, garantindo que as regras acompanhem o dinamismo do setor, sem comprometer a proteção dos consumidores e a integridade do Sistema Financeiro Nacional.

A Lei 14.478/2022 (Brasil, 2022) ao exigir que as prestadoras de serviços de ativos virtuais operem apenas com autorização do Banco Central, estabelece uma barreira regulatória que busca impedir a atuação de agentes mal-intencionados, contribuindo para um ambiente mais seguro e confiável. Além disso, a regulamentação se preocupa com a prevenção de práticas ilícitas, como a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, que podem encontrar nos criptoativos um terreno fértil, se não forem adequadamente monitoradas.

A regulação dos criptoativos no Brasil representa um esforço multifacetado para equilibrar a inovação tecnológica com a necessidade de proteger a economia e os cidadãos. Por meio  de uma combinação de classificação tributária rigorosa, supervisão regulatória robusta e um processo de implementação gradual e consultivo, o Brasil está construindo um arcabouço legal que permitirá a integração segura dos criptoativos no sistema financeiro, garantindo, ao mesmo tempo, a estabilidade econômica e a proteção dos investidores. Esse movimento é essencial para que o país possa aproveitar os benefícios das novas tecnologias financeiras, sem renunciar à segurança e da governança, que são fundamentais para um desenvolvimento econômico sustentável.

7. CONCLUSÃO

A análise do ambiente da regulamentação dos criptoativos no país revela um cenário de desconhecimento e falta de legislação específica. Essa situação revela uma grande incerteza jurídica. Com isso, nota-se uma movimentação por parte dos legisladores, pois perceberam uma crescente utilização de criptoativos por se tratar de uma nova alternativa monetária descentralizada, e por isso buscam dar uma resposta à essa lacuna jurídica, a fim de aumentar a segurança dos usuários.

Portanto, com base na investigação realizada, nota-se que o tema relacionado aos criptoativos está presente na atual sociedade, e ganha, de forma exponencial, relevância com o passar do tempo, principalmente quando se trata do Bitcoin.

Surgido em 2008, o Bitcoin, com sua nova tecnologia, elimina a necessidade de uma entidade centralizadora e resolve o chamado “problema do gasto duplo”. Além disso, ressalta-se a característica de anonimado do criador Satoshi Nakamoto, que de forma inteligente se manteve oculto da sociedade para aumentar a integridade do projeto, além de gerar mais confiança na moeda digital. Essa confiança é algo de extrema relevância, tendo em vista que, atualmente, as moedas fiduciárias tendem a perder valor.

Além disso, a possibilidade de transações globais, com custos reduzidos e sem a interferência de intermediários, trouxe uma alternativa viável e mais economicamente interessante de movimentar patrimônio, e com isso, tem-se a oportunidade de proteger o capital, principalmente em um contexto de regimes autoritários que ameaçam a liberdade financeira da população.

Dessa forma, é inegável que a criação do Bitcoin tenha sido algo revolucionário, e marcante na história econômica, principalmente em relação aos sistemas monetários, por ser uma proposta financeira alternativa aos modelos monetários ainda dominantes.

O Bitcoin surge como uma inovação tecnológica, amplamente recebida pela sociedade. Ele trouxe a reflexão sobre o futuro do dinheiro e o desafio do Estado em manter a sua soberania monetária, já que as moedas tradicionais estão sob constante pressão inflacionária e, portanto, enfrentam crises de desconfiança. A tecnologia do Bitcoin trouxe características como a descentralização, que reestabeleceu a confiança e a privacidade sobre o patrimônio próprio. Sendo assim, pode-se afirmar que o Bitcoin não é algo irrelevante, não é apenas um simples ativo digital, mas algo que pode mudar a forma que a sociedade interage com o dinheiro nas próximas décadas.

O Bitcoin trouxe diversos impactos no campo jurídico. A maioria dos legisladores ainda desconhece o ativo digital, o que ocasiona falta de regulamentação. Exatamente num momento em que há crescente adoção do ativo digital, o que gera problemas potenciais. Por isso é necessária e urgente a sua regulamentação, principalmente com o fim de aumentar a segurança e prevenir crimes relacionados ao ambiente digital. Assim, é fundamental que os legisladores reconheçam a presença da criptoativos na economia nacional, além de compreenderem o seu desenvolvimento tecnológico e particularidades. Pois não é possível conter os avanços tecnológicos, e, portanto, deve haver uma união entre a tecnologia e a ciência do Direto, com vistas ao progresso da sociedade, visto que o Direito é um conjunto de normas que regulam as relações sociais e objetivam garantir a paz social e a convivência harmônica da coletividade.

Em síntese, a regulamentação dos criptoativos impulsionada pela lei 14.478/2022 e pelo Decreto 11.563/2023, traz um grande avanço no mercado de ativos virtuais. A criação de normas para as exchanges e prestadoras de serviços de ativos virtuais não protegem apenas os consumidores, como também colabora para uma melhora do sistema financeiro como um todo. Com isso, a cooperação do Banco Central com a Comissão de Valores Mobiliários e a Receita Federal é crucial para a implementação efetiva de uma regulamentação que proteja o investidor e busque um ambiente responsável no mercado.

O Brasil, apesar de ainda não haver regulamentado, de forma completa e abrangente todos os aspectos relacionados aos criptoativos, é um país protagonista na regulamentação e regulação dos ativos digitais, e, desse modo, alinha-se às melhores práticas internacionais, em busca de um sistema financeiro saudável.


REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

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  3. BRASIL. Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em 27/08/2024;
  4. BRASIL. Decreto nº 11.563, de 13 de junho de 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20232026/2023/Decreto/D11563.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%2011.563%2c%20DE%2013%20DE%20JUNHO%20DE%202023&text=Regulamenta%20a%20Lei%20n%C2%BA%2014.478%2cao%20Banco%20Central%20do%20Brasil. Acesso em 27/08/2024;
  5. BRASIL. Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022. Disponível em: https://planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14478.htm. Acesso em 27/08/2024;
  6. COINBASE. BTC/USD: converter Bitcoin (BTC) em United States Dollar (USD), [S. l.], p. 1, 27 ago. 2024. Disponível em: https://www.coinbase.com/pt-br/converter/btc/usd. Acesso em: 27 ago. 2024;
  7. COINTELEGRAPH. Há 12 anos foi definido o primeiro preço do Bitcoin e usuário comprou 50 mil Bitcoins por US$ 35. Disponível em: https://br.cointelegraph.com/news/12-years-ago-the-first-bitcoin-price-was-established-1-300-btc-for-us-1-dollar. Acesso em 18 setembro 2024;
  8. COMUNICADO nº 31.379: BACEN esclarece sobre riscos da aquisição de moedas virtuais. Disponível em: https://www.garciaemoreno.com.br/legislacao/17181/comunicado_n_31379:_bacen_esclarece_sobre_riscos_da_aquisio_de_moedas_virtuais.html. Acesso em: 27 ago;
  9. CRIPTOMOEDAS: Regras para corretoras de moedas digitais avançam no Brasil e no mundo, trazem segurança e podem atrair investidores: Disponível em: https://www.poder360.com.br/conteudo-patrocinado/metade-dos-brasileiros-quer-mercado-de-criptomoedas-regulado/. Acesso em 18 de setembro de 2024;
  10. EXAME. Bitcoin Pizza Day: o que é e qual a importância da data? Disponível em:https://exame.com/future-of-money/bitcoin-pizza-day-o-que-e-e-qual-a-importancia-da-data/. Acesso em: 18 de setembro de 2024;
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  17. PODER, [S. l.], p. 1, 28 fev. 2024. Disponível em: https://www.poder360.com.br/conteudo-patrocinado/metade-dos-brasileiros-quer-mercado-de-criptomoedas-regulado/. Acesso em: 27 ago. 2024;
  18. SANTANA, André Garcia. Olhar Agro e Negócios. Tudo o que você precisa saber antes de investir em bitcoins economista da UFMT explica agitação em torno das criptomoedas;
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  20. ULRICH, F. Bitcoin: A moeda na era virtual. São Paulo. Instituto Ludwig von Misses Brasil. 2014.

[1] Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac. E-mail: Gabriel.email.12345@gmail.com. Aprovado no concurso para Auditor-fiscal da Agência DF Legal.

[2] Professor doutor da Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac. Doutor pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). E-mail: fernandomfurlan@gmail.com.

[3] O whitepaper do Bitcoin é um documento que descreve as bases para a criação de uma moeda digital, o Bitcoin, e que foi publicado em 2008 por uma entidade anônima chamada Satoshi Nakamoto. (Open AI, 2024).

[4] Peer-to-peer (P2P), ou “ponto a ponto” em português, é um modelo de rede distribuída que permite o compartilhamento de recursos entre os próprios usuários, sem a necessidade de um servidor central (Open AI, 2024).

[5] Satoshi (unidade de medida) Existem 100 milhões de satoshis (sats) em um bitcoin, o que significa que cada satoshi vale 0,00000001 BTC.

[6] Em março de 1990, o governo de Fernando Collor de Mello implementou o Plano Collor, que, além de medidas como a troca da moeda e congelamento de salários e preços, incluiu o inconstitucional confisco de poupanças, com o objetivo de conter a hiperinflação. 

[7] A crise dos subprimes, também conhecida como a crise financeira de 2007-2008, foi desencadeada pela expansão de créditos hipotecários de alto risco (subprime) nos EUA, que, após o estouro da bolha imobiliária, resultaram na falência de bancos e instituições financeiras, com efeitos globais. Para evitar um colapso, o governo norte-americano renacionalizou as agências de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac, privatizadas em 1968, que ficaram sob controle governamental por tempo indeterminado, injetando 200 bilhões de dólares nas duas agências, considerada a maior operação de socorro financeiro feita pelo governo norte-americano até então.

[8] A curva de Laffer foi desenvolvida para indicar a relação entre a alíquota de imposto cobrada pelo Governo e a capacidade Zde arrecadação desse tipo de tributo. Na prática, a curva de Laffer demonstra que nem sempre aumentar a carga tributária pode levar a um crescimento do total arrecadado pelo Governo.

[9] Lehman Brothers foi uma empresa de serviços financeiros norte-americana que quebrou em 2008, marcando o ápice da crise financeira de 2008, também conhecida como crise do subprime. (Open AI, 2024)

[10] Usando os dados de 29 de novembro de 2013, a relação foi calculada dividindo os depósitos à vista contidos no agregado monetário Ml pelo próprio M1 (papel-moeda + depósitos à vista = Ml).

[11] Hal Finney foi um programador e um dos primeiros colaboradores do Bitcoin, conhecido por ser o primeiro a receber uma transação de Bitcoin de Satoshi Nakamoto. Ele foi um defensor da moeda digital e contribuiu para seu desenvolvimento. Finney também lutou contra a esclerose lateral amiotrófica (ELA) e faleceu em 2014, deixando um legado importante na comunidade de criptoativos.

[12] New Liberty Standard foi um modelo rudimentar de corretora que na verdade era um site p2p, onde o usuário que queria comprar BTC fazia um pagamento via PayPal e, depois de algumas horas, recebia o Bitcoin em sua carteira pessoal (Cointelegraph, 2021)

[13] Deep Web é o termo usado para descrever o conjunto de páginas da web que não são encontradas pelos mecanismos de busca, como o Google e o Bing. A Deep Web é composta por conteúdos que estão protegidos por senha ou que não são de livre acesso.

[14] A Bolsa de Frankfurt é a maior bolsa de valores da Alemanha e uma das maiores do mundo. Localizada em Frankfurt am Main, na Alemanha, ela é considerada uma das mais eficientes instalações de trading do mundo.

[15] O hash do Bitcoin é uma sequência alfanumérica gerada a partir de um bloco de transações processado por um algoritmo de hash específico. O hash é um código compactado dentro de um padrão específico, e o seu detentor não consegue recriar os dados originais, mas é possível testar o encaixe com a sequência anterior (Mynt, 2024)

[16] A tecnologia blockchain é um mecanismo de banco de dados avançado que permite o compartilhamento transparente de informações na rede de uma empresa. Um banco de dados blockchain armazena dados em blocos interligados em uma cadeia. (Amazon, 2024)v

[17] O código QR, ou Quick Response Code, é um código de barras bidimensional que armazena e transmite informações através de um scan. O nome vem da capacidade de ser interpretado rapidamente, permitindo que o usuário acesse informações de modo instantâneo

[18] Software é o conjunto de instruções, dados ou programas que fazem com que um computador ou outro dispositivo eletrônico funcione e execute tarefas específicas.

[19] Hacker é uma palavra inglesa que se refere a alguém com conhecimento profundo de informática e programação que explora sistemas, redes e dispositivos.

[20] Um computador pessoal projetado para ser usado em um local fixo, como uma mesa, devido ao seu tamanho e consumo de energia.

[21] A Lei 14.478/2022 posicionou o Brasil como um dos pioneiros na regulação das criptoativos, o que pode atrair mais investimentos internacionais no setor. A Lei nº 14.478/2022, ou “Lei das Criptomoedas”, regulamenta o setor de criptoativos no Brasil ao exigir que as prestadoras de serviços de ativos virtuais (VASPs) obtenham autorização do Banco Central do Brasil (BC) para operar. A lei define as atividades permitidas para as VASPs, como oferta, intermediação e custódia de criptoativos, e modifica o Código Penal para incluir crimes relacionados à fraude e estelionato envolvendo ativos virtuais. Além disso, a legislação altera a Lei de Lavagem de Dinheiro, incorporando as VASPs em suas disposições, e exige que as empresas mantenham registros das transações para fiscalização pelos órgãos competentes.

[22] Exchanges são plataformas digitais onde é possível comprar, vender, trocar e guardar criptoativos, como Bitcoin (Infomoney, 2024)

[23] Art. 2º As prestadoras de serviços de ativos virtuais somente poderão funcionar no país mediante prévia autorização de órgão ou entidade da Administração pública federal.

[24] Art. 4º A prestação de serviço de ativos virtuais deve observar as seguintes diretrizes, segundo parâmetros a serem estabelecidos pelo órgão ou pela entidade da Administração Pública federal definido em ato do Poder Executivo:

I – livre iniciativa e livre concorrência; II – boas práticas de governança, transparência nas operações e abordagem baseada em riscos; III – segurança da informação e proteção de dados pessoais; IV – proteção e defesa de consumidores e usuários; V – proteção à poupança popular; VI – solidez e eficiência das operações; e VII – prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, em alinhamento com os padrões internacionais.

[25] Fintechs são empresas que usam tecnologia para oferecer serviços financeiros inovadores, com o objetivo de tornar as transações financeiras mais acessíveis, rápidas e econômicas (Open AI, 2024)

[26] Agência Senado.

[27] A Binance é uma exchange de criptoativos, ou seja, uma bolsa de valores de ativos criptográficos, que permite a compra, venda e negociação de criptoativos.

[28] As prestadoras de serviços de ativos virtuais (VASPs) são empresas ou indivíduos que fornecem serviços relacionados a ativos digitais, como criptoativos, tokens não fungíveis (NFTs), tokens de segurança e tokens de utilidade.  As VASPs desempenham um papel central no criptomercado, conectando os usuários e investidores com os ofertantes de ativos digitais. Elas podem ser plataformas digitais centralizadas ou descentralizadas.  No Brasil, as VASPs só podem funcionar mediante autorização do Banco Central (BC). O BC está em fase de regulamentação dos ativos virtuais e das VASPs, com o objetivo de preservar a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional.

[29] O Decreto nº 11.563, de 13 de junho de 2023, regulamenta a Lei nº 14.478 e designa o Banco Central do Brasil (BC) como o órgão responsável pela regulação dos ativos digitais no país. O decreto define o que constitui um criptoativo, estabelece quem pode comercializar moedas digitais, autoriza o funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais e supervisiona essas prestadoras. O decreto não altera as competências da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que continua a ser responsável pela regulamentação e supervisão de valores mobiliários

[30] Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI.

[31] Ativos virtuais atrelados a uma moeda fiduciária estável, como o dólar, por exemplo.


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Imunidade tributária do ITBI sobre imóveis integralizados ao capital social de empresas: análise da sua aplicabilidade e limitações

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

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Editor:

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Ficha catalográfica

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Imunidade tributária do ITBI sobre imóveis integralizados ao capital social de empresas: análise da sua aplicabilidade e limitações

Jhully Hermes de Castro

Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

Este artigo tem o objetivo de examinar a extensão normativa da imunidade tributária ao Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) em operações de integralização de capital social com imóveis, conforme prevista no artigo 156, § 2º da Constituição Federal de 1988. A análise se baseou em pesquisa doutrinária e jurisprudencial, com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre a regra-matriz desse imposto e esclarecer a operação de integralização de capital social, sob a perspectiva jurídica, por meio da análise sistemática do direito positivo brasileiro. Além disso, foi investigado o contexto fático e processual de um caso paradigmático escolhido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para resolver as controvérsias nacionais sobre o tema. Por fim, foi realizada uma apreciação dos impactos econômicos e tributários da aplicabilidade da imunidade do ITBI, evidenciando as limitações significativas no alcance normativo da imunidade tributária com a adoção do Tema 796 de repercussão geral pelo STF.

Palavras-chave: Imunidade tributária; Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI); Integralização de capital social;

Abstract

This article aims to examine the normative extension of the tax immunity of the Real Estate Transfer Tax (ITBI) in operations involving the payment of subscribed capital with real estate, as provided for in Article 156, § 2 of the Federal Constitution of 1988. The analysis was based on doctrinal and jurisprudential research, with the aim of deepening knowledge about the main rule of this tax and clarifying business operations of payment of subscribed capital from a legal perspective, through the systematic analysis of Brazilian positive law. Furthermore, we investigated the factual and procedural context of a paradigmatic case chosen by the Federal Supreme Court (STF) to resolve national controversies on the subject (Topic 796 of STF’s General Repercussion Regime). Finally, we analyzed the economic and tax impacts of the applicability of ITBI immunity, highlighting the specific limitations in the normative scope of tax immunity raised by Topic 796.

Keywords: Tax immunity; Real Estate Transfer Tax (ITBI); Payment of subscribed capital.

Introdução

A imunidade tributária no contexto do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) representa tema de grande relevância e complexidade dentro do direito tributário brasileiro. Este artigo se propõe a explorar, com alguma profundidade, essa temática, com foco nos casos em que imóveis são integralizados ao capital social de empresas. A questão central é compreender até que ponto a imunidade tributária se aplica nesses casos, considerando as nuances constitucionais, legais e jurisprudenciais, buscando esclarecer as ambiguidades e os debates que envolvem a questão.

Para isso, é necessário interpretar as normas imunizantes com precisão, investigar o alcance efetivo da imunidade tributária e examinar como o Supremo Tribunal Federal (STF) tem se posicionado sobre o tema. Esses pontos são essenciais para formar um entendimento abrangente e fundamentado da matéria.

A norma pilar está prevista no artigo 156, caput e inciso II, da Constituição Federal de 1988, que atribui aos municípios a competência para instituir um imposto sobre a transmissão de bens imóveis entre vivos, a qualquer título e por ato oneroso, bem como sobre direitos reais relacionados a esses imóveis, excetuando-se os de garantia e a cessão de direitos à sua aquisição. Além disso, essa disposição também fundamenta a imunidade tributária, estabelecendo que o ITBI não incide sobre a transmissão de bens ou direitos que sejam incorporados ao patrimônio de uma pessoa jurídica, por meio da integralização de capital, nem sobre as transmissões resultantes de incorporação, fusão, cisão ou extinção da pessoa jurídica. A exceção se aplica somente quando a atividade principal da sociedade empresarial for a comercialização desses bens ou direitos, a compra/venda/aluguel de imóveis ou a locação mercantil (Brasil, 1998).

Importante destacar que o Código Tributário Nacional (Brasil, 1966) também dispõe sobre o ITBI e a imunidade tributária, fornecendo diretrizes para a interpretação e aplicação dessas normas. O CTN, ao regulamentar os aspectos tributários, oferece um arcabouço jurídico que orienta os contribuintes e os entes tributantes, proporcionando um entendimento mais claro das obrigações fiscais e das isenções.

Nessa mesma linha, é especialmente necessária a análise dos reflexos do julgamento do Tema 796 do Supremo Tribunal Federal – STF (Recurso Extraordinário 796.376 do Estado de Santa Catarina), afetado em Repercussão Geral, que discutiu o alcance da imunidade tributária do ITBI. Esse julgamento esclareceu como a imunidade se aplica a imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica, particularmente quando o valor total desses bens ultrapassa o limite do capital social a ser integralizado.

O STF determinou que essa imunidade se aplica apenas ao valor dos imóveis que corresponda ao capital social integralizado; ou seja, qualquer valor que exceda esse limite está sujeito à tributação. Apesar de ser um tema de repercussão geral já julgado e definido, existem muitas discussões e debates sobre as zonas limítrofes entre tributação e imunidade ao ITBI. Isso ocorre porque há uma falta de disciplina específica voltada a restringir o gozo da imunidade, mesmo que o CTN estabeleça requisitos, ainda persistem controvérsias sobre a interpretação teleológica, que, como será discutido, introduziu limitações não previstas pela Constituição Federal.

Justifica-se a relevância deste artigo pela frequência com que a integralização de imóveis ao capital social ocorre no ambiente empresarial e pela importância de um entendimento claro e consistente sobre a aplicação da imunidade tributária. Pois a correta aplicação da legislação tributária é fundamental, tanto para a segurança jurídica das empresas, quanto para a arrecadação estatal. Assim, este artigo visa a preencher lacunas existentes no conhecimento sobre o tema, oferecendo uma análise das disposições legais e das interpretações jurisprudenciais, além de avaliar os impactos econômicos dessa imunidade. Em última análise, ao proporcionar uma compreensão mais aprofundada sobre o alcance da imunidade tributária no ITBI, este artigo pretende contribuir para a melhoria da aplicação da legislação tributária, promovendo maior eficiência e segurança jurídica no âmbito tributário.

1. Revisão bibliográfica

1.1. Imunidade tributária e as limitações ao poder de tributar

As imunidades tributárias são entendidas como exceções que ganham relevância quando se consideram as normas que distribuem a competência tributária entre os diferentes entes federativos. Schoueri (2021, p. 434) explica que isso se dá porque a imunidade atua como uma limitação à competência tributária. Após ser estabelecida pela Constituição Federal (Brasil, 1988), essa competência permite que um ente federado crie um tributo sobre um determinado fenômeno econômico, enquanto a imunidade estabelece uma restrição ao exercício dessa competência.

Segundo Lima Júnior (2023, p. 133) as imunidades tributárias possuem a natureza de cláusulas pétreas, pois são garantias concedidas pelo legislador constituinte originário que protegem determinadas situações, fatos e pessoas da tributação, por refletirem finalidades essenciais. Dessa forma, nenhuma emenda constitucional pode revogar (abolir) essas imunidades, conforme o disposto no inciso IV, §4º, art. 60 da Constituição Federal (Brasil, 1988).

Embora isso não impeça a criação de novas imunidades, o constituinte derivado não pode alterar aquilo que foi considerado, pela Assembleia Nacional Constituinte, como insuscetível de tributação, elevando-o à condição de garantia fundamental do cidadão frente ao Estado.

Para a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Regina Helena Costa (2019, p. 112), as imunidades tributárias abrangem situações em que a tributação não se aplica e possuem uma dupla natureza. De um lado, são normas constitucionais que definem os limites da competência tributária, ao estabelecer casos em que o imposto não pode ser cobrado; de outro, representam um direito público subjetivo concedido às pessoas beneficiadas, garantindo-lhes dispensa de tributação.

Com base nessa perspectiva, Costa (2019, p. 113) define imunidade tributária como uma “exoneração estabelecida pela Constituição (Brasil, 1988), expressa em normas que impedem a atribuição de competência tributária ou derivam de princípios constitucionais, conferindo a certas pessoas o direito de não serem tributadas, de acordo com os limites definidos pela norma”.

Por sua vez, Carvalho (2018, p. 205) define imunidade tributária como um “conjunto restrito e claramente definido de normas jurídicas presentes na Constituição Federal (Brasil, 1988)”. Essas normas estabelecem, de forma explícita, a limitação da competência das entidades políticas para cobrar tributos que se aplicam a situações específicas e bem delimitadas.

A exclusividade da Lei Maior (Brasil, 1988) para tratar de imunidades decorre do fato de que essas normas são parte integrante da competência tributária, como tais, elas só podem ser estabelecidas pela Lei Maior (Brasil, 1988), que é responsável pela distribuição de competências entre os entes federativos no Brasil (Dias, 2020, p. 18).  

Carvalho (2018, p. 206), ao examinar o conceito de imunidades com maior profundidade, argumenta que elas não devem ser vistas como limitações à competência tributária. Enquanto limitações, têm a finalidade de restringir ou eliminar competências, as imunidades definem o alcance da competência atribuída a cada ente tributante, estabelecendo, junto com outras normas constitucionais, o escopo das atribuições dos entes tributantes.

De acordo com Coêlho (2020, p. 136), as normas tributárias definem situações tributáveis, enquanto as normas imunizantes e isentivas definem situações intributáveis, no plano normativo, todas as previsões de tributabilidade e intributabilidade se integram no contexto da norma tributária. Portanto, as imunidades também delimitam o poder do Estado de legislar para instituir tributos.

É importante distinguir entre limitação constitucional ao poder de tributar e limitação das competências tributárias. Para Dias (2020, p. 18) o poder de tributar é uma capacidade política, enquanto a competência é um conceito jurídico derivado das normas legais. Imunidades tributárias limitam o poder de tributar ao impedir que os entes políticos realizem certas ações que aumentariam a arrecadação, simultaneamente, funcionam como normas de competência negativa, ao vedar determinadas atribuições a esses entes.

Carvalho (2018, p. 206) destaca que as imunidades têm uma função estruturante, estabelecendo regras para a incidência dos tributos e definindo as situações em que a tributação não é permitida. O autor defende que a imunidade deve ser clara e autoaplicável, sem necessidade de recursos adicionais para a sua compreensão. Assim, a interpretação das normas imunizantes deve respeitar suas características intrínsecas para não distorcer o seu propósito e violar os princípios constitucionais.

No presente artigo, é importante distinguir entre duas categorias: as imunidades incondicionadas, que têm aplicação direta e imediata, sem necessidade de outra norma que as regule; e as imunidades condicionadas, que dependem de uma lei complementar para definir os requisitos de sua aplicação. A diferenciação, no entanto, está na necessidade de verificar, nas imunidades condicionadas, se os requisitos estabelecidos pelo legislador infraconstitucional foram atendidos (Serrano, 2023, p. 75).

1.2. Análise normativa da imunidade do ITBI

No contexto do ITBI a imunidade é especificada no inciso II do artigo 156, da Constituição Federal (Brasil, 1988), que delega aos municípios a competência para instituir o imposto sobre a transmissão intervivos, por ato oneroso, de propriedade de bens imóveis. A incidência do ITBI abrange direitos reais sobre imóveis, como o usufruto e a servidão, mas exclui direitos de garantia, como hipotecas e penhores, que não implicam na transferência plena da titularidade.

Esta norma assegura que os municípios possam arrecadar receitas decorrentes das transferências efetivas de patrimônio imobiliário, fortalecendo a sua autonomia financeira. Vejamos:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

II – Transmissão intervivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Além da previsão constitucional, o imposto, sua imunidade e a exceção a ela estão regulamentados nos artigos 35, 36 e 37 do Código Tributário Nacional (CTN) (Brasil, 1966). Embora o código mencione que a competência sobre o ITBI pertença aos estados, na verdade, o tributo é de competência dos municípios. Essa divergência ocorre porque o CTN foi promulgado antes da Constituição de 1988 (Brasil, 1988), quando a ordem constitucional vigente atribuía aos estados a competência sobre a transmissão de bens imóveis causa mortis, já que, à época, esse era considerado um único tributo de competência estadual (Machado, 2019, p. 88).

Assim, o artigo 36 do CTN (Brasil, 1966) define as regras para a aplicação da imunidade tributária ao ITBI, verbis:

Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:

I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;

II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.

Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.

O artigo supramencionado especifica que o imposto não é cobrado na transferência de bens ou direitos que sejam incorporados ao patrimônio de uma pessoa jurídica, como integralização de capital social. Idem para as transferências resultantes de fusão ou incorporação de uma empresa por outra. Além disso, o artigo assegura que o ITBI não incida na devolução desses bens aos alienantes originais, caso sejam retirados do patrimônio da pessoa jurídica adquirente.

O objetivo da regra é facilitar a mobilização (custos de entrada) e posterior desmobilização (custos de saída) de bens imóveis, promovendo a formação, fusão, transformação, cisão e extinção de sociedades comerciais e civis, sem embaraçar a movimentação dos imóveis com o ITBI, quando comprometidos com tais situações. Essa exceção, estabelecida ao final do artigo 156, inciso II, § 2º, assegura a aplicação justa da imunidade do ITBI, impedindo o seu uso como meio de evasão fiscal, fundamental para manter o equilíbrio fiscal e a integridade do sistema tributário (Brasil, 1966).

A análise da definição da hipótese de incidência tributária e da consequente obrigação tributária exige um exame detalhado da norma tributária, em sentido estrito, conhecida como “regra-matriz de incidência tributária”. Conforme ensina Schoueri (2021, p. 288), essa expressão refere-se à hipótese e à relação jurídico-tributária que daí se estabelece, representando um método essencial para a compreensão do fenômeno tributário.

Segundo Maia e Antunes (2022, p. 250) a regra-matriz de incidência tributária é composta por três aspectos antecedentes: material, temporal e espacial, que definem a hipótese tributária; e dois aspectos consequentes: quantitativo e pessoal, que determinam a obrigação tributária. Cada um desses aspectos é fundamental para identificar quando e como o fato gerador de determinado tributo ocorre, bem como para estabelecer quem são as partes envolvidas e o valor da obrigação a ser recolhida.

No caso específico do ITBI, a análise dos aspectos antecedentes define quando e onde ocorre a transferência de propriedade, enquanto os aspectos consequentes estabelecem quem são os sujeitos da relação tributária (contribuinte e Fisco) e qual será o montante devido. Inicialmente, constata-se que a Constituição Federal (Brasil 1988) delineou dois critérios materiais para a incidência do ITBI; o primeiro é a transmissão “intervivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis (seja por sua natureza ou por acessão física[3]) e de direitos reais sobre imóveis, com exceção dos direitos de garantia, como hipoteca, anticrese[4] e propriedade fiduciária instituída como forma de garantia; o segundo critério material é a cessão de direitos sobre a aquisição de tais bens ou direitos.

O critério espacial, que delimita a competência territorial do tributo, está relacionado ao município onde se localiza o bem imóvel. A Constituição (Brasil, 1998) atribui expressamente aos municípios a competência para instituir e cobrar o ITBI, reforçando que o território do Município onde o imóvel está situado é o espaço geográfico relevante para a incidência do imposto. Por fim, o critério temporal, que é o último aspecto antecedente da regra-matriz de incidência tributária, refere-se ao momento da transmissão da propriedade do imóvel, que ocorre quando o título é registrado no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do artigo 1.245, caput e §1º, do Código Civil (Brasil, 2002). Esse dispositivo estabelece que a propriedade do imóvel só é efetivamente transmitida após o registro do título no Registro de Imóveis. Assim, o momento da incidência do ITBI coincide com a conclusão formal da transferência de propriedade, consolidada no registro (Maia; Antunes, 2022, p. 251).

Conforme Coêlho (2020, p. 135), os princípios que embasam a imunidade do ITBI estão diretamente ligados à atividade econômica, eles promovem a formação de estruturas societárias essenciais para o crescimento e desenvolvimento econômico ao isentar a transmissão de bens ou direitos para a integralização de capital subscrito, demonstrando a intenção dos legisladores constituintes de estimular o investimento privado, a oferta de trabalho, enfim, o progresso econômico e social.

A doutrina especializada aponta que o constituinte decidiu imunizar as operações previstas no art. 156, §2º, I, da Constituição (Brasil, 1988) como uma forma de incentivar o crescimento e a capitalização das empresas, evitando que o ITBI se tornasse um obstáculo ao desenvolvimento econômico. Baleeiro (2015, p. 157), por exemplo, defende que a imunidade do imposto em transmissões destinadas à formação de empresas é um meio de fomentar o desenvolvimento econômico do país. De modo semelhante, Barreto sustenta que a imunidade tem como objetivo facilitar a constituição e a alteração de empresas, promovendo a livre iniciativa, o crescimento das empresas e, por consequência, o desenvolvimento econômico. (2009, p. 161-162).

De fato, a personalidade jurídica exerce um papel essencial na organização e no incentivo às atividades econômicas e sociais. A criação de uma pessoa jurídica, separada da figura dos sócios e com patrimônio próprio, proporciona maior eficiência administrativa à atividade desenvolvida e aumenta a liquidez do capital investido. Além disso, possibilita a adoção de mecanismos para prevenir, gerir e resolver conflitos entre os sócios, entre outros benefícios (Andrade Júnior; Felício, 2019, p. 336-338).

Assim, conforme definido por Ataliba (1994, p. 306-307), a imunidade do ITBI se classifica como uma imunidade específica, pois se aplica exclusivamente a esse imposto e é dirigida aos municípios, que são os responsáveis por sua instituição. Além disso, trata-se de uma imunidade circunstancial, que protege uma situação particular, delimitada pela norma constitucional, não possuindo como objetivo principal a proteção de valores constitucionais amplos e fundamentais.

1.3. A Transmissão de bens imóveis em realização de capital social

Para Braum (2022, p. 22) o capital social reflete a contribuição dos sócios para a empresa, tanto no momento de sua criação, quanto em etapas futuras, fornecendo os recursos essenciais para alcançar os objetivos da sociedade. Em outras palavras, a integralização do capital consiste na transferência de ativos (valores ou bens) para o patrimônio da sociedade, com o propósito de gerar riqueza.

Nesse cenário, o capital social pode ser composto por qualquer bem (corpóreo ou incorpóreo[5]) que possua um valor passível de ser registrado no balanço da sociedade, incluindo bens imóveis. Esses bens devem ser transferidos à sociedade, de acordo com as normas que regem a sua natureza jurídica. No caso de bens imóveis, o instrumento legal adequado para a sua transferência, devido à sua natureza jurídica especial, é a transcrição no Registro de Imóveis do ato societário, devidamente registrado na Junta Comercial, que aumenta o capital social com a conferência do imóvel (Lamy Filho, 1999, p. 204).

Assim, os bens imóveis são incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica, deixando de pertencer ao antigo proprietário. Em troca, a empresa que adquire o imóvel emite novas ações ou quotas, que são entregues ao antigo proprietário do bem, conferindo-lhe a condição de sócio ou acionista.

Em relação à transferência de bens imóveis, como mencionado, o legislador constituinte procurou estimular a formação de empresas e impulsionar o crescimento econômico, limitando a capacidade dos municípios de cobrar o ITBI. Assim, foi definido que o imposto não se aplicaria à transmissão de bens ou direitos que fossem incorporados ao patrimônio de uma pessoa jurídica para fins de integralização de capital, nem às transferências resultantes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. A exceção aplica-se somente quando a atividade principal do comprador for a comercialização desses bens ou direitos, a locação de imóveis ou o leasing mercantil (Brasil, 1988; Braum, 2022, p. 23).

Essa norma impede que os municípios tenham competência para criar leis que instituam a cobrança do ITBI na transmissão de bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital. Essa limitação constitucional é reforçada pelo CTN (Brasil, 1966), que também confirma a não incidência do imposto.

Ademais, a jurisprudência nacional, como a posição do STJ no EDcl no AgRg no REsp 798.794/SP (Brasil, 2006), era consistente em entender que a administração municipal deveria considerar dois fatores, ao avaliar pedidos de reconhecimento da imunidade tributária do ITBI. Primeiramente, era necessário verificar se a transferência do imóvel teria ocorrido como parte da integralização de capital social de uma pessoa jurídica. Em segundo lugar, deveria ser analisado se a atividade preponderante da pessoa jurídica receptora dos imóveis não se enquadrava como atividade imobiliária. A atividade preponderante do transmitente, por outro lado, era considerada irrelevante para a determinação da imunidade tributária do ITBI. Assim, esse entendimento prevaleceu até o julgamento do Tema 796 pelo STF (2020) (Carrazza, 1997, p. 125; Braum, 2022, p. 23).

Se ambos os critérios fossem atendidos, ou seja, se o valor integral do imóvel transferido fosse destinado ao capital social, e a atividade preponderante da empresa receptora não fosse imobiliária, estariam preenchidos os requisitos para a concessão da imunidade tributária do ITBI. Nesse contexto, uma negativa municipal ao reconhecimento da imunidade tributária do ITBI, nessa situação, seria considerada inconstitucional. No entanto, essa interpretação passou a ser reavaliada após o julgamento do Tema 796 de Repercussão Geral (STF, 2020), conforme será discutido no próximo capítulo.

1.4. Alcance da imunidade do ITBI

A natureza densa e complexa do Direito Tributário se reflete, tanto nos prolongados processos judiciais que frequentemente envolvem questões tributárias, quanto nos debates acalorados e nas extensas negociações políticas que caracterizam a tramitação de proposições legislativas de ordem tributária no Congresso Nacional. Essas propostas legislativas, em sua maioria, impactam diretamente a carga tributária dos contribuintes e as receitas dos entes federativos, prolongando ainda mais o ciclo de discussões (Coelho, 2016, p. 338).

O texto do artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal permite identificar duas situações em que a imunidade tributária foi concedida pelo constituinte: (i) a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de uma pessoa jurídica para a realização de capital social; e (ii) as transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de uma pessoa jurídica.

Contudo, Silva (2021, p. 188) observa que há uma exceção a essa imunidade, ela não se aplica quando a atividade principal do adquirente é a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de imóveis ou o arrendamento mercantil.

Assim, a questão central reside na interpretação da expressão “salvo se, nesses casos”. De acordo com a análise de Guilherme Traple (2012, p. 89), a vírgula e o vocábulo “nem” presentes no dispositivo são cruciais para entender essa expressão, uma vez que a conjunção aditiva com efeito de negação sugere uma divisão entre circunstâncias distintas. O autor explica que a expressão poderia ser substituída por “e não”, o que indicaria a separação de dois contextos diferentes. Além disso, o termo “nesses casos” é visto como uma contração da preposição “em”, que visa a adequar o texto ao português formal.

Dessa forma, o termo “esses” seria usado para se referir a uma ideia mencionada anteriormente, o que implica que a expressão “nesses casos” também retoma os termos precedentes. Com base nessa interpretação, há duas situações que podem ser consideradas para imunização: a transmissão em realização de capital social e as transmissões resultantes de alterações societárias e extinção de pessoa jurídica. Na visão literal, a exceção à imunidade se aplicaria apenas às últimas situações, ou seja, a imunidade não seria concedida se a atividade preponderante fosse de natureza imobiliária, como especificado no dispositivo (Silva, 2021, p. 119).

A interpretação da norma constitucional envolve compreender, investigar e disseminar o conteúdo semântico dos enunciados presentes na Constituição (Brasil, 1988), tanto em seus aspectos formais, quanto materiais. Essa atividade tem o objetivo de revelar o significado e o conteúdo da norma para, posteriormente, aplicá-la a um caso concreto (Canotilho, 1995, p. 214).

Barroso (2014, p. 107-108) explica que a interpretação constitucional exige também a definição do conceito de construção. O autor leciona que a Constituição é composta principalmente por normas principiológicas, que são abstratas e visam a abranger situações que não estão detalhadas no texto. Enquanto a interpretação busca o sentido literal de uma expressão, a construção vai além, permitindo que se tirem conclusões sobre questões que não estão diretamente expressas; essas conclusões são extraídas do espírito da norma, embora não constem de sua letra. Assim, a interpretação se restringe ao texto, enquanto a construção pode incluir considerações externas.

Nesse contexto, em um cenário atualizado, ainda não resta nítido, muito menos consolidado, quais seriam os limites ou alcance de gozo da imunidade tributária do ITBI, visando a uma aplicação precisa de uma interpretação dos dispositivos legais, a jurisprudência vigente é fundamental para definir os limites dessa imunidade.

1.4.1. A interpretação gramatical do artigo 156, §2º, I

Como já mencionado, a controvérsia sobre a interpretação do artigo 156, §2º, I, da Constituição (Brasil, 1998), gira em torno da expressão “nesses casos“. A questão central que surge é se os “casos” mencionados no texto constitucional incluem ambas as exceções previstas no dispositivo — ou seja, a primeira relacionada à transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica durante a realização de capital social, e a segunda referente às transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica — ou se se restringem apenas às transmissões resultantes de reorganizações societárias.

De acordo com Barroso (2014, p. 131), a interpretação jurídica deve começar pelo texto da norma, buscando o conteúdo semântico das palavras, o que justifica o uso inicial da interpretação gramatical.

Segundo a gramática, os pronomes demonstrativos “este”, “esse” e “aquele” e suas variações têm a função de indicar a posição de objetos ou seres no tempo ou espaço, eles são utilizados para apontar a proximidade ou distância entre os elementos do discurso. Maia e Antunes (2022, p. 262) explicam que “este” indica proximidade com a pessoa que está falando, “esse” sugere proximidade com a pessoa com quem se fala, e “aquele” se refere a algo distante de ambas as partes.

Aplicando essa regra gramatical, parece que o constituinte de 1967 usou a expressão “salvo se estas” para se referir exclusivamente às transmissões de bens em fusões, incorporações, extinções ou reduções de capital de pessoas jurídicas. Excluindo, portanto, a transmissão de bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica da exceção à regra de imunidade, verbis:

§ 3º O imposto a que se refere o n.º I não incide sobre a transmissão de bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica nem sobre a fusão, incorporação, extinção ou redução do capital de pessoas jurídicas, salvo se estas tiverem por atividade preponderante o comércio desses bens ou direitos, ou a locação de imóveis (Brasil, 1967).

No entanto, é relevante destacar que a Constituição Republicana de 1891 (Brasil, 1891) não previu qualquer hipótese de não incidência do imposto sobre a transmissão de propriedade (art. 9º, §3º). As Constituições subsequentes de 1934 (art. 8º, ‘c’), 1937 (art. 23, I, ‘b’) e 1946 (art. 29, III), embora não tenham introduzido a não incidência, inovaram ao prever expressamente a incidência do imposto sobre a transmissão de propriedade imobiliária intervivos, inclusive nos casos de incorporação ao capital de sociedade. Isso pode levar à conclusão de que o uso do pronome “estas” na Constituição de 1967 (Brasil, 1967) tenha sido um erro linguístico do legislador.

Por outro lado, Frota (2018, p. 119) entende que o termo “nesses casos”, presente no inciso I do §2º do art. 156 da Constituição (Brasil, 1998), se refere a todos os casos mencionados anteriormente no inciso, sem distinção entre a primeira parte (transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica como capital social) e a segunda parte (transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica). Frota argumenta que, se o legislador tivesse a intenção de diferenciar entre as duas partes do inciso, teria utilizado a expressão “nestes casos” para se referir especificamente às hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

Segundo Maia e Antunes (2022, p. 264), a modificação no texto visou, inicialmente, a ampliar a exceção para situações em que o comprador do imóvel, no caso da extinção de uma pessoa jurídica, fosse uma pessoa física e não uma outra entidade, desde que sua atividade principal estivesse relacionada ao setor imobiliário. No entanto, essa justificativa se torna menos convincente, pois ao examinar os registros da Assembleia Nacional Constituinte, não se encontra nenhuma evidência, explicação ou discussão que sustente essa intenção.

Diante disso, conclui-se que a interpretação gramatical do artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal (Brasil, 1998) não oferece elementos suficientes para uma compreensão clara do alcance da exceção à regra de imunidade. Embora existam argumentos linguísticos que sugiram que a expressão “nesses casos” visava a condicionar apenas a segunda hipótese de imunidade, tais como a escolha deliberada de incluir a expressão “nesses casos“, quando poderia ter sido omitida; o uso do vocábulo “nem”, que delimita as hipóteses, com a expressão “nesses casos” inserida na última situação de não incidência, esses argumentos são enfraquecidos pela controvérsia sobre o significado de “esse”, em contraste com “este”; e a escolha do termo “esse”, quando poderia ter sido usado “este” (Maia; Antunes, 2022, p. 265).

1.4.2. A interpretação teleológica

Além da interpretação gramatical, existe a interpretação teleológica que busca compreender a norma com base na sua finalidade, ou seja, o objetivo para o qual foi criada. Segundo o Vocabulário Jurídico Tesauro[6], esse método interpretativo visa a identificar a razão finalística da norma, indo além do seu conteúdo literal. A teleologia, portanto, foca na descoberta do propósito subjacente à criação da norma, permitindo uma interpretação mais eficiente ao esclarecer o motivo pelo qual a regra foi elaborada[7].

Segundo Zahran (2015, n.p), ao combinar a interpretação teleológica com o contexto histórico, o método histórico-teleológico se propõe a captar a intenção da norma, levando em consideração a realidade histórica no momento da sua criação e a finalidade prática pretendida, que permite que a norma seja interpretada de forma mais abrangente, já que leva em conta tanto os aspectos linguísticos, quanto os objetivos que ela visa a atingir.

As imunidades têm como objetivo evitar a elaboração de normas que instituam tributação sobre determinados sujeitos e situações essenciais para a promoção de valores fundamentais à sociedade; nesse sentido, a doutrina defende que a interpretação teleológica deve orientar a aplicação desse instituto. Machado (2015, p. 160) enfatiza essa perspectiva ao destacar que o aspecto finalístico é fundamental e que a norma imunizante visa a garantir que o Estado respeite todas as formas de manifestação.

É importante lembrar que essa legislação não pode restringir o alcance da imunidade prevista pelo Constituinte. Assim, cabe ao intérprete realizar uma interpretação literal, como se fosse uma mera verificação de requisitos, bem como aplicar a interpretação teleológica. Essa abordagem pretende avaliar o alcance e a finalidade da norma imunizante, garantindo que os valores considerados fundamentais pelo Constituinte para o Estado Democrático de Direito não sejam indevidamente limitados (Lima Júnior, 2023, p. 133).

Para Jorge (2014, p. 36) a interpretação não deve ser vista apenas como um ato de extrair o sentido já presente no texto, mas como um processo de construção do significado a ser realizado pelo intérprete, que pode ser alcançado por meio de outros métodos interpretativos, como o teleológico.

Carrazza (1997, p. 534) ressalta que cabe ao intérprete, ao lidar com a lei, afastar termos inúteis ou redundantes e buscar o verdadeiro significado das palavras. No entanto, o intérprete não pode atribuir qualquer sentido ao texto normativo, devendo fazê-lo de acordo com o contexto social e histórico em que se insere, seguindo os métodos de interpretação.

Machado (2019, p. 82) defende que o exegeta deve priorizar o método teleológico ao interpretar normas constitucionais, buscando preservar o princípio da supremacia da Constituição (Brasil, 1998). Maximiliano (2005, p. 314) compartilha dessa visão, destacando a importância do método teleológico na interpretação constitucional. Essa abordagem é amplamente sustentada na doutrina brasileira, especialmente no que diz respeito às normas de imunidade tributária, que devem ser interpretadas dentro do contexto do sistema tributário e dos princípios constitucionais que fundamentaram a sua criação.

As imunidades tributárias possuem um elemento finalístico e sua interpretação deve buscar concretizar as finalidades expressas no texto normativo. Nesse sentido, Costa (2021, p. 115-116) afirma que a interpretação da norma imunitória deve ser feita de maneira equilibrada, a fim de evidenciar o princípio ou o valor que ela abriga. Assim, não é legítima uma interpretação ampla e extensiva que inclua mais do que a constituição pretende, nem a chamada “interpretação literal”, que poderia restringir indevidamente os limites da exoneração tributária. Em ambos os casos, a intenção constitucional estaria comprometida.

Castro, ao discutir o argumento teleológico como justificativa para a imunidade do ITBI em operações societárias, apresenta mais dois pontos de significativa relevância. Em primeiro lugar, ele afirma que, juridicamente, não ocorre uma transmissão de propriedade que configure a hipótese de incidência tributária nas operações de integralização de imóveis ao capital social de uma pessoa jurídica. Segundo ele, “o que ocorre na integralização de imóvel a sociedade é a substituição de bens imóveis (terrenos ou prédios) detidos pelos sócios, por bens móveis (quotas representativas do capital social da sociedade)” (2013, p. 253).

Em segundo lugar, mesmo que se admita a existência de uma transmissão, ele sustenta que essa não ocorre de forma onerosa. Para justificar esse ponto, argumenta que não há onerosidade para o transmitente, pois não lhe são impostas obrigações ou deveres adicionais, decorrentes da transmissão (Castro, 2013, p. 253).

Considerando que o método teleológico busca compreender a finalidade de uma norma, ou seja, a ratio essendi do preceito normativo, para, a partir disso, determinar seu real sentido e alcance, a interpretação do artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal (Brasil, 1998) deve ser guiada pelo propósito da imunidade tributária nele prevista (Soares, 2019, p. 50).

Nesse contexto, Greco esclarece que a imunidade funciona como um verdadeiro incentivo à criação e reorganização empresarial, uma vez que a empresa poderá utilizar seus bens para obter crédito e contratos, utilizando-os como garantia real (2018, p. 1843). Isso significa que a interpretação da imunidade prevista no inciso I, §2º, do art. 156 deve estar alinhada com a finalidade de estimular o empreendedorismo (livre iniciativa), a capitalização e o desenvolvimento econômico. Assim, para garantir que a norma de imunidade atinja a sua máxima eficácia, pode-se argumentar que a expressão “salvo se, nesses casos” deve ser interpretada de forma restritiva, limitando a exceção às transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de empresas.

Diante do exposto, conclui-se que a interpretação teleológica do artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal (Brasil, 1998) oferece um ponto de partida para entender a extensão da exceção à regra de imunidade. No entanto, a justificativa baseada na finalidade da norma de imunidade pode ser confrontada pela própria finalidade da norma de exceção. A exceção relacionada à atividade preponderante tem o intuito de evitar que pessoas jurídicas sejam criadas com o único propósito de escapar da cobrança do ITBI, o qual seria aplicado normalmente se a operação fosse realizada por uma pessoa física.

1.5. Entendimento doutrinário sobre a exceção à imunidade do ITBI

A doutrina tributária brasileira aborda de forma limitada o alcance da expressão “salvo se, nesses casos“, que introduz a segunda parte do inciso I, §2º, do art. 156 da Constituição Federal (Brasil, 1988). No mais das vezes, a doutrina simplesmente aponta a incidência do ITBI na integralização de imóveis ao capital social de pessoa jurídica imobiliária, sem aprofundar discussões ou controvérsias sobre possíveis restrições à exceção.

Costa (2021, p. 160) ressalta que o art. 156, § 2º, I, da Constituição (Brasil, 1988) prevê duas regras imunizantes com características objetivas e políticas. Contudo, essa imunidade é limitada quando a atividade principal do adquirente envolve a compra e venda de bens ou direitos imobiliários, a locação de imóveis ou o arrendamento mercantil. Segundo Costa, a imunidade não se aplica se o adquirente exercer essas atividades preponderantemente, sendo irrelevante a atividade do cedente ou transmitente; o objetivo da norma, de acordo com sua análise, é facilitar a transformação, formação, fusão, cisão e extinção de sociedades civis e comerciais.

Coêlho (2020, p. 246) também trata da exceção à imunidade em casos de integralização de capital em pessoa jurídica imobiliária, e observa que a norma visa simplificar a mobilização e desmobilização de bens imóveis, favorecendo a formação e transformação das sociedades sem que a movimentação de imóveis seja onerada pelo ITBI, exceto quando os adquirentes tenham por atividade preponderante a compra e venda de imóveis ou a locação, conforme previsto no art. 37, §§ 1º e 2º do CTN (Brasil, 1966).

Ambos os autores concordam que o objetivo central dessas normas imunizantes é evitar o embaraço fiscal nas operações societárias envolvendo imóveis, exceto em situações específicas em que a atividade preponderante dos adquirentes se relaciona diretamente com o mercado imobiliário.

Kiyoshi Harada (2021, p. 89-90) é um dos poucos estudiosos que faz uma análise detalhada sobre a exceção à imunidade tributária na integralização de capital social com bens ou direitos. Com base em uma interpretação gramatical do texto constitucional, Harada divide essa imunidade em duas categorias: a) imunidade autoaplicável e b) imunidade condicionada. Ele argumenta que a conjunção “nem”, presente no inciso I, §2º, do art. 156, indica a existência de duas situações distintas, cada uma com uma imunidade própria.

Na primeira parte do dispositivo, a imunidade é autoaplicável, abrangendo a transferência de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de uma pessoa jurídica para realização de capital; já na segunda parte, que trata da transmissão de bens em casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de uma pessoa jurídica, a imunidade é condicionada. Para que ela se aplique, é necessário que a atividade preponderante do adquirente não envolva a compra e venda de bens ou direitos, a locação de imóveis ou o arrendamento mercantil. Harada conclui que apenas a imunidade em reorganizações societárias está sujeita a essa condição da atividade preponderante, enquanto a imunidade na integralização de capital é incondicional, não sendo necessário verificar as condições estabelecidas no final do dispositivo.

Esse entendimento também é compartilhado por Alexandre (2016, p. 663), que aponta a ressalva quanto à atividade preponderante da adquirente apenas para operações de fusão, incorporação e cisão. Nesses casos, se a atividade principal do adquirente for a compra e venda de imóveis, locação ou arrendamento, haverá incidência do ITBI. O autor menciona, por exemplo, a situação em que uma imobiliária incorpora outra, o que justifica a tributação por envolver uma atividade típica do setor.

Dessa forma, a maioria dos doutrinadores parece concordar que a exceção à imunidade do ITBI aplica-se à integralização de bens imóveis ao capital social de pessoa jurídica cuja atividade principal seja o comércio de imóveis, locação ou arrendamento. Contudo, muitos desses posicionamentos são rasos no que se refere à interpretação gramatical e teleológica da norma.

1.6. Os Recursos Extraordinários nº 796.376/SC e nº 1.495.108/SP (Temas 796 e 1348)

Antes de analisar criticamente a aplicabilidade e a limitação da imunidade tributária no ITBI, é fundamental abordar o conteúdo completo do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC (que deu origem ao Tema 796, do instituto de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal) para uma melhor compreensão dos argumentos que levaram à sua conclusão (STF, 2020).

Em 1º de maio de 2010, seis pessoas físicas formalizaram a criação de uma sociedade empresária limitada, denominada “Lusframa Participações Societárias Ltda.” Na ocasião, os sócios estabeleceram que o capital social da empresa seria de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais), valor integralizado mediante a transferência de 17 (dezessete) bens imóveis. Esses imóveis estavam registrados nas respectivas Declarações de Ajuste Anual de Imposto de Renda (DIRPF) dos sócios, totalizando R$ 802.724,00 (oitocentos e dois mil, setecentos e vinte e quatro reais). Ao serem transferidos para a pessoa jurídica, a diferença entre o valor declarado e o valor atribuído ao capital social (ágio) foi contabilizada na conta de reserva de capital[8].

Após o registro do ato constitutivo da sociedade na Junta Comercial do Estado de Santa Catarina, a Lusframa Participações Societárias Ltda. solicitou, em procedimento administrativo junto ao Município de São João Batista, o reconhecimento da imunidade tributária referente ao ITBI na transferência dos imóveis mencionados, como parte da integralização do capital social. Durante esse processo, o município reconheceu que a atividade principal da Lusframa Participações Societárias Ltda. não era de natureza imobiliária.

No entanto, posteriormente, o município concedeu a imunidade tributária do ITBI apenas sobre o valor de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais), estipulando que a diferença entre o valor dos imóveis declarados pelos sócios (R$ 802.724,00) e o valor destinado ao capital social (R$ 24.000,00) deveria ser considerada como base de cálculo para a aplicação da alíquota do ITBI. Isso significava que, segundo a interpretação do município, o ITBI deveria incidir sobre a quantia de R$ 778.724,00 (setecentos e setenta e oito mil, setecentos e vinte e quatro reais).

O município justificou sua posição argumentando que a imunidade tributária do ITBI se restringe apenas aos valores utilizados para a subscrição do capital social, não se estendendo a valores excedentes.

Inconformada com a decisão administrativa, a Lusframa Participações Societárias Ltda. ajuizou uma ação de mandado de segurança na Justiça Estadual de Santa Catarina, buscando o reconhecimento da imunidade tributária sobre a totalidade da transferência dos imóveis utilizados para a integralização do capital social, sem que houvesse a incidência do ITBI sobre qualquer valor.

O juiz da Vara Única do Município de São João Batista, com base em manifestação favorável do Ministério Público, concedeu liminar favorável à Lusframa Participações Societárias Ltda., determinando que o Secretário de Fazenda do Município de São João Batista se abstivesse de cobrar o ITBI sobre a transmissão dos imóveis incorporados ao patrimônio da empresa, para fins de realização do capital social.

Após a decisão, o Município de São João Batista interpôs recurso de apelação ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, buscando a revisão da sentença. O município argumentou que a base de cálculo para o ITBI deveria ser a diferença entre o valor total declarado dos imóveis pelos sócios (R$ 802.724,00) e o valor destinado ao capital social (R$ 24.000,00), totalizando R$ 778.724,00, e não apenas o valor do capital social.

No segundo grau, a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina novamente manifestou apoio ao contribuinte e contrariedade à tributação pretendida pelo município, postulando pela manutenção da sentença de primeiro grau. No entanto, a 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, à unanimidade, deu provimento ao recurso do município, reformando a sentença e negando a segurança solicitada pela Lusframa Participações Societárias Ltda. A decisão da câmara fundamentou-se na interpretação de que a imunidade do ITBI para integralização de capital social não impedia a tributação sobre valores adicionais ao capital social.

A Lusframa Participações Societárias Ltda., então interpôs Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, pedindo a reforma da decisão do Tribunal de Justiça e a concessão da segurança. O recurso foi admitido pelo Tribunal de Justiça em decisão monocrática, em 13 de dezembro de 2012.

Neste contexto, o Ministério Público, então representado pela Procuradoria-Geral da República, manifestou-se pela primeira vez, no processo, contra os interesses do contribuinte, opinando pelo desprovimento do Recurso Extraordinário.

No dia 05 de agosto de 2020, o Plenário do STF analisou o Recurso Extraordinário apresentado pela Lusframa Participações Societárias Ltda., sob o rito da repercussão geral. Naquela sessão, a maioria dos ministros decidiu negar provimento ao recurso, seguindo o voto divergente do ministro Alexandre de Moraes, que contou com o apoio dos ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Roberto Barroso e Rosa Weber. Os ministros Marco Aurélio (relator), Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e Cármen Lúcia ficaram vencidos. A tese fixada pelo STF foi: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal de 1988, não abrange o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.”

O ministro Alexandre de Moraes, ao redigir o voto vencedor, argumentou que seria uma interpretação extensiva indevida considerar que a imunidade abarcaria imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica, que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, mas sim a outro fim, como a formação de reserva de capital, como ocorreu naquele caso concreto. Ele ressaltou que a norma constitucional não permite que valores excedentes às quotas subscritas sejam isentos de ITBI, pois isso iria em prejuízo ao Fisco municipal e, portanto, à res publica.

Dessa forma, o julgamento do STF envolveu um caso em que imóveis foram incorporados ao patrimônio de uma pessoa jurídica, não para integralizar o capital subscrito, mas para formar uma reserva de capital. Essa foi a principal razão da decisão (ratio decidendi). Logo, a aplicação da tese fixada no Tema 796 deve se limitar aos casos em que os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica são destinados à formação de reserva de capital, e não à integralização do capital subscrito (esses sim imunes ao ITBI), definindo assim o alcance da repercussão geral.

Além do Tema 796 (relativo ao RE 796.376/SC), há também o recente Tema 1348, relativo ao RE nº 1.495.108/SP em que se discute o alcance da imunidade do ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição, para a transferência de bens e direitos em integralização de capital social, quando a atividade preponderante da empresa é a compra e a venda ou a locação de bens imóveis. Contudo, esse segundo recurso extraordinário somente teve o acórdão que atribuiu repercussão geral ao caso publicado em 08/11/2024. Ou seja, o STF ainda analisa o mérito do caso.

O recurso foi apresentado por uma empresa administradora de bens contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que considerou válida a cobrança de ITBI pela Prefeitura de Piracicaba relativo a um imóvel integralizado a seu capital social. Para a Justiça estadual, a exceção prevista na Constituição se aplica ao caso, em razão da atividade da empresa.

No STF, a administradora sustenta, entre outros pontos, que a incidência do imposto para empresas de compra e venda ou locação de bens imóveis só se aplicaria para transmissões de imóveis decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

Em manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, explicou que a discussão trata exclusivamente de interpretação do artigo 156, parágrafo 2º, inciso I da Constituição, a fim de definir se a ressalva constante da última parte do dispositivo condiciona as duas hipóteses de imunidade do ITBI ou apenas a segunda relativa às transmissões de bens imóveis decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

Ele destacou que, como o STF ainda não fixou orientação vinculante sobre o tema, tem sido recorrente o questionamento judicial sobre a cobrança de ITBI nessas situações. A resolução da controvérsia sob a sistemática da repercussão geral promoverá a isonomia e a segurança jurídica.

Por fim, Barroso ressaltou a relevância da questão, que tem repercussão sobre a arrecadação tributária dos municípios e sobre o regime de incentivo à livre iniciativa e à promoção de capitalização para o desenvolvimento de empresas.

Ainda não há data prevista para o julgamento do mérito do recurso.

1.6.1. Análise crítica e controvérsias

A definição do alcance da imunidade tributária do ITBI foi debatida no julgamento do Recurso Extraordinário 796.376/SC, que deu origem ao Tema 796 no Supremo Tribunal Federal (STF, 2020). Esse julgamento trouxe à tona uma série de argumentos e interpretações divergentes entre os ministros, refletindo a complexidade do tema e as diferentes perspectivas jurídicas e econômicas envolvidas.

No voto do relator, ministro Marco Aurélio, prevaleceu uma interpretação ampla e favorável ao contribuinte. Em caráter obiter dictum, o ministro relator observou que a imunidade do ITBI na integralização de capital não deveria ser condicionada à atividade preponderante do adquirente. Ele argumentou que a exceção à imunidade prevista no art. 156, §2º, I, da Constituição (Brasil, 1988) se aplica exclusivamente às transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica (Antunes; Maia, 2023, p. 271).

De acordo com o ministro Marco Aurélio, a Constituição (Brasil, 1988) não estabelece um limite explícito para a imunidade, e qualquer interpretação restritiva poderia prejudicar o incentivo à formação de capital social e ao crescimento econômico das empresas; ele defendeu que a imunidade tributária deve ser aplicada de maneira a não limitar as formas de integralização de capital, assegurando segurança jurídica e promovendo investimentos.

Por outro lado, o voto divergente do ministro Alexandre de Moraes adotou uma interpretação mais restritiva da imunidade tributária do ITBI. Moraes argumentou que a imunidade deve ser aplicada apenas ao valor correspondente ao capital social a ser integralizado, excluindo qualquer valor excedente registrado como reserva de capital. Ele sustentou que uma interpretação ampla poderia abrir espaço para abusos fiscais e para a elisão tributária, contrariando a finalidade original da imunidade prevista na Constituição (Brasil, 1988). Moraes destacou que a norma deve ser interpretada de maneira restritiva para evitar distorções e assegurar que o benefício fiscal seja utilizado conforme a sua finalidade constitucional

Nesse sentido, o voto vencedor do ministro Alexandre de Moraes, consagrou a tese de que “a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.” (Tema 796).

A Suprema Corte fez uma distinção clara entre as hipóteses previstas no texto constitucional, demonstrando que a segunda parte do dispositivo condiciona a imunidade à não exploração de atividade imobiliária, enquanto a primeira parte concede imunidade incondicionada (Lima Júnior, 2023, p. 158).

Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes partiu de uma interpretação gramatical do dispositivo constitucional, esclarecendo o conteúdo semântico da norma, o que permitiu à Corte Suprema avançar na interpretação e definir o alcance da imunidade tributária e da expressão relacionada ao valor dos bens envolvidos. A decisão confirmou que a transmissão de bens e direitos na integralização de capital foi excluída, de forma irrestrita, da incidência do ITBI, sem qualquer limitação (Lima Júnior, 2023, p. 158).

Com base nessa interpretação, foi estabelecido que a exceção à imunidade do ITBI aplica-se apenas às transmissões de bens decorrentes de “fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.” A decisão seguiu o entendimento do doutrinador Kiyoshi Harada (2021, p. 89), afirmando que a imunidade sobre os imóveis entregues para subscrição de capital é incondicionada e autoaplicável, independentemente da atividade desenvolvida pela pessoa jurídica adquirente.

No entanto, a decisão não abordou em profundidade várias controvérsias, como (i) a escolha do termo “nesse” em vez de “neste”, (ii) a interpretação histórica da norma de imunidade e sua exceção, e principalmente, (iii) a razão pela qual a norma diferencia entre as hipóteses de integralização de capital e as de reorganizações societárias (Antunes; Maia, 2023, p. 271).

Schoueri (2021, p. 276) destaca que o ministro Alexandre de Moraes, em sua consideração obiter dictum, argumentou que a imunidade ao ITBI na integralização de capital não deve ser restrita à atividade preponderante do adquirente. Ele observou que o artigo 156, § 2º, I, da Constituição (Brasil, 1988), ao mencionar a exceção “salvo se, nesses casos“, refere-se especificamente às transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção, e não à integralização de capital.

Schoueri (2021, p. 276) aponta que o entendimento da Suprema Corte é questionável por duas razões principais. Primeiro, a imunidade tributária deve abranger operações societárias que envolvam a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de uma pessoa jurídica. Uma vez identificada essa operação, a imunidade deve se aplicar independentemente da discrepância entre o valor do capital social e os imóveis incorporados. Segundo, a expressão “salvo se, nesses casos” não parece excluir a transmissão em realização de capital. A diferenciação proposta pelo STF não encontra uma justificativa clara e parece que a exceção para a atividade preponderante visa a evitar a criação de pessoas jurídicas exclusivamente para evitar o pagamento do ITBI pela pessoa física.

É importante destacar que a interpretação do ministro Alexandre de Moraes implica uma declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto, do caput do artigo 37 do CTN, o que inviabiliza a sua aplicação ao caso previsto no artigo 36, I, do mesmo código (Brasil, 1966).

A principal controvérsia nesse julgamento residiu na extensão da imunidade tributária do ITBI e na questão de se ela deve ser aplicada apenas ao valor do capital social ou também aos valores excedentes contabilizados como reserva de capital. As divergências entre os ministros refletem diferentes abordagens interpretativas e preocupações quanto aos impactos econômicos e fiscais das suas decisões.

Em suma, a decisão do STF que gerou o Tema 796 de Repercussão Geral (STF, 2020) tem implicações significativas tanto para os contribuintes, quanto para a arrecadação fiscal dos municípios. A interpretação restritiva adotada pode limitar a utilização de imóveis como meio de integralização de capital, enquanto a interpretação ampla, defendida nos votos vencidos, pode facilitar a captação de recursos pelas empresas, mas reduzir a arrecadação municipal de ITBI.

De qualquer forma, é sempre aconselhável entender corretamente a finalidade dos institutos jurídicos para, a partir daí, dar-lhes interpretação consentânea.

Pois de acordo com o artigo 200 da Lei 6.404/76, conhecida como Lei das S.A.:

Art. 200. As reservas de capital somente poderão ser utilizadas para:

I – absorção de prejuízos que ultrapassarem os lucros acumulados e as reservas de lucros (artigo 189, parágrafo único);

II – resgate, reembolso ou compra de ações;

III – resgate de partes beneficiárias;

IV – incorporação ao capital social;

V – pagamento de dividendo a ações preferenciais, quando essa vantagem lhes for assegurada (artigo 17, § 5º).

Nesse contexto, a incorporação ao capital social é somente uma, dentre cinco possibilidades de utilização das reservas de capital. O que nos leva à conclusão intuitiva de que as reservas de capital podem ou não ser utilizadas para fins de integralização ao capital social.

1.6.2. Impactos jurídicos

Mesmo não constituindo precedente vinculante, as considerações feitas no voto condutor sobre a exceção à imunidade do ITBI têm influência em decisões judiciais relacionadas ao tema. Após o julgamento do Tema 796, os municípios passaram a interpretar o conceito de “excedente” mencionado na tese fixada pelo STF ao avaliar pedidos de reconhecimento de imunidade tributária do ITBI na transferência de bens imóveis para a integralização de capital social de uma pessoa jurídica. Com base nessa interpretação, passaram a cobrar o ITBI sobre a transmissão de imóveis, mesmo quando a atividade principal da empresa adquirente não era imobiliária, aplicando o imposto sobre a diferença entre o valor venal do imóvel e o valor pelo qual foi transferido à pessoa jurídica (Braum, 2022, p. 31).

Diante desse entendimento, os contribuintes começaram a recorrer ao Poder Judiciário para garantir o direito à imunidade tributária na transmissão de imóveis para a realização de capital social. Assim, além do próprio julgamento do STF, é necessário examinar os desdobramentos desse precedente no Judiciário. Este artigo se concentrou nas decisões mais recentes dos tribunais de justiça dos estados mais populosos de cada região do Brasil, a fim de estabelecer um critério claro para a análise.

O Tribunal de Justiça do Paraná, ao interpretar o Tema 796, decidiu que o ITBI deve incidir sobre a diferença entre o valor venal do imóvel transferido e o valor atribuído pelo transmitente para o aumento de capital social. O tribunal entendeu que o Tema 796 não se aplica apenas aos casos de transferência de bens a título de reserva de capital, mas em qualquer situação onde haja diferença entre o valor venal e o valor de transferência para integralização de capital social. Além disso, concluiu que a imunidade total do ITBI só é aplicável quando o valor de mercado do imóvel for igual ou menor que o valor do capital social, independentemente do valor declarado para fins de imposto de renda (Brasil, 2021a).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo adotou a mesma posição, afirmando que “independentemente da escrituração do valor excedente do imóvel como reserva de capital, a empresa beneficiária da incorporação torna-se proprietária do bem cujo valor de mercado é significativamente superior ao valor pelo qual foi recebido” (Brasil, 2022b). Diversos julgados desse tribunal corroboram a ideia de que a diferença entre o valor venal do imóvel e o valor atribuído ao aumento de capital social constitui a base de cálculo sobre a qual deve incidir o ITBI.

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás seguiu a mesma linha dos tribunais mencionados anteriormente, optando por tributar a diferença entre o valor venal dos imóveis e o valor atribuído a eles, para fins de aumento de capital social. No entanto, chama a atenção a interpretação dada ao Tema 796 por esse tribunal, que afirma que essa diferença entre o valor venal e o valor do aumento de capital necessariamente forma uma reserva de capital sujeita à tributação pelo ITBI (Brasil, 2022a).

No entanto, há uma decisão isolada no Tribunal de Justiça de São Paulo que diverge dessa posição quase que unânime. Essa decisão diferenciou o caso tratado pelo STF em repercussão geral dos demais casos apresentados ao Judiciário, entendendo que o precedente do STF só deveria ser aplicado nos casos em que houvesse ágio no aumento de capital, ou seja, quando o valor dos imóveis fosse destinado à conta de reserva de capital. De acordo com esse entendimento, a imunidade tributária do ITBI deveria ser mantida integralmente, mesmo que os imóveis fossem transferidos para aumento de capital a um valor inferior ao valor venal (Brasil, 2021b).

Similar ao que ocorreu em São Paulo, o Tribunal de Justiça de Goiás também emitiu uma decisão isolada que contraria essa posição predominante. Nesse caso, o tribunal entendeu que a imunidade tributária do ITBI na transmissão de imóvel para realização de capital é incondicional e independe do valor atribuído ao bem para esse fim. Segundo essa decisão, o contribuinte pode, conforme permitido pela legislação federal, transmitir o bem pelo valor de sua declaração de bens, sem que isso gere um “excedente” sujeito à tributação, conforme estabelecido no Tema 796 do STF (Braum, 2022, p. 33).

Em resumo, o entendimento quase unânime tem sido o de que, se o transmitente transferir um imóvel a uma pessoa jurídica (mesmo que sua atividade preponderante não seja imobiliária) e atribuir a esse bem um valor inferior ao venal, a base de cálculo do ITBI será a diferença entre o valor venal e o valor pelo qual o capital social foi aumentado. Por exemplo, se um imóvel é transferido a uma pessoa jurídica para realização de capital por R$ 100.000,00, mas seu valor venal é de R$ 150.000,00, a diferença de R$ 50.000,00 será considerada a base de cálculo para a aplicação da alíquota do ITBI. Isso se aplica independentemente da atividade principal da pessoa jurídica.

A decisão da Supremo Corte no Tema 796, que abordou a imunidade tributária do ITBI sobre a transmissão de bens imóveis integralizados ao capital social de empresas, teve impactos significativos tanto para os contribuintes quanto para os municípios. Essa decisão, favorável ao entendimento de que a imunidade do ITBI não abrange os valores excedentes destinados à reserva de capital, acabou beneficiando a arrecadação municipal, mas impondo custos adicionais às empresas e desincentivando a prática de integralização de imóveis como capital social. A complexidade e as divergências inerentes ao tema refletem a necessidade de um equilíbrio entre incentivar o crescimento econômico e assegurar a sustentabilidade financeira dos municípios, pois continuariam a poder tributar os valores excedentes ao capital social integralizado, o que significa uma base tributária mais ampla para a cobrança do ITBI, resultando em maior arrecadação de receitas municipais.

Com uma maior arrecadação, os municípios teriam mais recursos para financiar serviços públicos e investimentos em infraestrutura, educação, saúde e outras áreas essenciais, o que contribui para o desenvolvimento local e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos

2. Metodologia

Este artigo, enquanto investigação teórica e bibliográfica, se apoiou em obras acadêmicas (livros), artigos científicos e jurisprudência. O método utilizado para conduzir a pesquisa envolveu a análise doutrinária sobre o tema, com ênfase na revisão de publicações científicas relacionadas à incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na integralização do capital social.

As fontes foram obtidas nas plataformas Google Acadêmico e Scielo utilizando palavras-chave como “imunidade”, “ITBI”, “Tema 796 STF” e “capital social”. Foram selecionados artigos em língua portuguesa, acessíveis gratuitamente e que abordassem o ITBI na integralização de capital social, dando preferência aos mais recentes. Além disso, foram incluídos artigos que analisaram decisões de outros tribunais no contexto do Tema 796. Foram excluídos artigos publicados em língua estrangeira, aqueles disponíveis apenas em formato físico e os que não estavam acessíveis gratuitamente.

A pesquisa adotou uma abordagem qualitativa para a interpretação dos dados coletados, que permitiu uma avaliação detalhada das contribuições dos autores e uma interpretação aprofundada sobre os limites da imunidade tributária.

3. Considerações finais

Este artigo buscou examinar o alcance da norma constitucional imunizante do Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Bens Imóveis por ato intervivos (ITBI), na hipótese de integralização do imóvel ao capital social de empresa, conforme discussão que teve a sua repercussão geral reconhecida pelo STF (Tema 796).

A questão central investigada foi a forma como o STF tem interpretado a imunidade tributária, no contexto da integralização de imóveis ao capital social e a relação dessa interpretação com a prática jurídica atual. Diante disso, o artigo revelou que o STF tem adotado uma abordagem mais restritiva, aplicando a imunidade apenas às operações onde o valor dos imóveis é diretamente incorporado ao capital social, excluindo aquelas em que os imóveis são registrados como reserva de capital.

A análise demonstrou que o STF tem favorecido a arrecadação tributária em situações em que o valor dos imóveis supera o capital subscrito. A avaliação das implicações dessa interpretação indicou que ela pode impactar a prática empresarial e a segurança jurídica, ressaltando a necessidade de maior clareza nas normas aplicáveis e na sua interpretação. As decisões judiciais têm seguido uma interpretação extensiva do Tema 796, com a maioria concordando com a posição dos municípios de que o “excedente”, mencionado na tese, corresponde à diferença entre o valor venal do imóvel e o valor pelo qual ele foi transferido à pessoa jurídica para integralização de capital social. Assim, o entendimento predominante é de que o ITBI deve incidir sobre essa diferença.

Em suma, este artigo buscou analisar a imunidade tributária relativa ao ITBI, na expectativa de contribuir para uma aplicação eficaz e segura da legislação tributária dentro do contexto empresarial, promovendo maior clareza e segurança jurídica, tanto às empresas quanto ao próprio sistema tributário nacional.

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[3] Um imóvel por acessão física é um bem imóvel que sofreu um acréscimo por meio de intervenção humana ou por causas naturais. A acessão pode ser natural ou artificial. A acessão natural ocorre por meio das forças da natureza, como a formação de ilhas, aluvião, avulsão e abandono de álveo. Já a acessão artificial ocorre por meio da intervenção humana, como construções e plantações.

[4] A anticrese é um direito real de garantia que consiste na transferência de um imóvel ao credor, para que este possa usar os frutos e rendimentos do bem para pagar a dívida.

[5] Direitos de propriedade intelectual, como obras científicas, patentes, marcas, desenhos industriais, softwares, indicação geográfica e proteção de cultivares.

[6] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/tesauro/pesquisa.asp?pesquisaLivre=REQUISITO. Acesso em 20/01/2025.

[7] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/tesauro/pesquisa.asp?pesquisaLivre=INTERPRETA%C3%87%C3%83O%20TELEOL%C3%93GICA#:~:text. Acesso em: 8 out. 2024.

[8] As reservas de capital são valores recebidos pela empresa que não se caracterizam como receita, isto é, não transitam pelo resultado do exercício, sendo contabilizados diretamente à conta de Patrimônio Líquido (Art. 200 da Lei 6.404/76).


Jhully Hermes de Castro. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – UNICEPLAC (2024). E-mail: jhully.jhully50@gmail.com

Fernando de Magalhães Furlan. Doutor pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). Professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – UNICEPLAC. E-mail: fernandomfurlan@gmail.com


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Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

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Ficha catalográfica

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A Reforma Tributária e o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)

Filipe Janson Lima Milhomem[1] e Fernando de Magalhães Furlan[2]

Resumo:

O presente artigo tem como objetivo geral analisar os impactos da criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)[3], inovação trazida pela Reforma Tributária, no federalismo fiscal brasileiro. Entre os objetivos específicos, busca-se apresentar a conformação tributária brasileira pré-reforma; entender a repartição das competências tributárias e sua importância para a persecução do interesse público; analisar as principais mudanças deflagradas pela alteração legislativa advinda da Emenda Constitucional n° 132/2023, com enfoque na constituição do Comitê Gestor do IBS. Além disso, o artigo se propõe a discutir se a transferência, pelos entes federativos, de atribuições decorrentes do poder de tributar, especialmente em relação às competências tributárias, ao referido Comitê, pode representar uma proposta tendente a abolir a forma federativa de Estado. A metodologia empregada é de caráter qualitativo, consistindo em uma pesquisa bibliográfica que abrange a análise de obras acadêmicas, artigos científicos, legislações e documentos oficiais. Concluímos que a atuação do Comitê Gestor do IBS mitiga a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Munícipios, sem que isso, porém, signifique, por si só e a priori, uma afronta ao pacto federativo.

Palavras-chave: Reforma Tributária; Comitê Gestor do IBS; Pacto Federativo.

Abstract:

The general objective of this paper is to analyze the impacts of the creation of the IBS (Levy on Goods and Services) Steering Committee, an innovation brought about by the Tax Reform to the Brazilian fiscal federalism. The specific objectives include presenting the pre-reform Brazilian tax system, understanding the distribution of tax powers and its importance for pursuing the public interest, analyzing the main changes triggered by the legislative amendment brought about by Constitutional Amendment 132/2023, with a focus on the creation of the IBS Steering Committee and discussing whether the transfer by the federal entities of powers deriving from the right to tax to the aforementioned Committee may represent a proposal to abolish the federal form of State. The methodology employed is qualitative in nature, consisting of bibliographical research that includes the analysis of academic works, scientific articles, legislation and official documents. In the end, it was found that the actions of the IBS Steering Committee mitigate the autonomy of the states, the Federal District and the municipalities, but this does not in itself mean an affront to the federative pact.

Keywords: Tax Reform; IBS Management Committee; Federative Pact.

  1. INTRODUÇÃO

Para que um Estado federado exista, é necessário que os estados membros tenham a capacidade de determinar a sua própria estrutura institucional, permitindo a descentralização do poder e a viabilização da persecução do interesse público. Tal noção se estende ao âmbito fiscal, devendo os entes possuírem autonomia tributária, em homenagem ao federalismo fiscal.

Autonomia, segundo leciona Carvalho Filho (2022, p.05), “significa ter a entidade integrante da federação capacidade de auto-organização, autogoverno e autoadministração.” No caso desta última, para o seu exercício pleno, é imprescindível que o ente possa realizar o recolhimento e gerenciamento dos seus próprios recursos, especialmente no que toca a receita advinda dos tributos.

Contudo, a criação do Conselho Federativo, inovação trazida pela Emenda Constitucional n° 132/2023, parece ameaçar a referida autonomia, visto que há uma tendência à concentração da receita tributária, a qual está consubstanciada, por exemplo, na norma constante do inciso III do art. 156-B da proposta, cujos termos apontam que ao Conselho Federativo caberá “efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios” (Brasil, 2023, p.1).

Da análise de tal previsão, assim como de outras que integram a proposta, verifica-se que há uma mitigação do poder dos entes federados de administrar os seus próprios recursos, vez que a competência que antes era por eles exercida, é transferida ao Conselho. Esta medida, pode representar um grave abalo para a autonomia dos entes federados e para o equilíbrio da federação, o que atenta diretamente contra a forma federativa de Estado, cláusula pétrea (art. 60, §4°, I, da Constituição Federal).

Ademais, um conselho com competências que são primariamente dos entes federados, enfraquecem os corpos legislativos competentes, os quais são as instâncias apropriadas para a proposição, análise, debate e resolução de assuntos tributários, sob jurisdição estadual e municipal. Tais entes legislativos (assembleias legislativas e câmaras de vereadores) são compostos por representantes eleitos pelo povo, legalmente autorizados a lidar com tais questões, ao contrário de um conselho composto por burocratas selecionados por critérios técnicos e distantes do escrutínio público.

Lado outro, é forçoso reconhecer que o atual sistema tributário nacional é demasiadamente complexo e defasado. Há uma infinidade de normas tributárias e constates disputas entre os entes federados (e.g. “guerra fiscal”). Nesse cenário, um conselho composto por representantes das pessoas políticas, responsável por coordenar a arrecadação, fiscalização, cobrança e distribuição das receitas dos tributos, pode significar um nível mais aprofundado de integração entre as entidades federativas, fortalecendo a busca por um federalismo fiscal cooperativo e equilibrado.

Assim, o presente artigo analisará, por meio de pesquisa bibliográfica, se o modelo proposto poderá acarretar a sujeição dos entes subnacionais ao ente central; situação que resultaria em perda de autonomia, estando, assim, viciada por inconstitucionalidade material à Emenda Constitucional n° 132/2023. Ou se, em sentido oposto, será um passo positivo na mitigação dos imbróglios presentes na atual conjuntura do tributarismo brasileiro, com os consequentes efeitos benéficos, tanto para os sujeitos passivos da relação jurídico-tributária (contribuintes), quanto para o federalismo.

  • BREVE RESTROPECTO HISTÓRICO DOS TRIBUTOS NO BRASIL

Para os fins do presente artigo, é essencial que façamos um análise histórico-evolutiva do Direito Tributário no Brasil, a fim de entendermos a conformação que este ramo teve ao longo dos séculos, e como ganhou os contornos atuais.

Nos primeiros 30 anos posteriores ao descobrimento do Brasil, com os portugueses com os olhos voltados para as Índias, a atividade predominante desenvolvida em solo nacional era a extração de pau-brasil. Sobre tal atividade, conforme Balthazar (2005), já incidia tributo, o qual era chamado de “Quinto do pau-brasil”.

O quinto era cobrado pela Coroa Portuguesa, detentora suprema das riquezas da, então, Ilha de Vera Cruz, de todos os particulares que exploravam a aludida madeira. Por não haver moeda corrente, explica Oliveira et al (2023), o tributo era pago “in natura”, isto é, com o próprio produto.

No período de 1530 a 1550, são editados dois importantes documentos por Portugal, a saber, a Carta de Doação e a Carta Foral. O primeiro, esclarece Balthazar (2005), disciplinava as doações de porções de terras aos representantes do Rei de Portugal na Colônia, os denominados donatários. Tem-se, portanto, a instituição das Capitanias Hereditárias, no total de 14. Já o segundo, tratava, sobretudo, das espécies de tributos a serem pagos pelos colonos e suas respectivas alíquotas.

Em 1560, com a comércio aquecido pela necessidade de mão de obra, e a instituição do pernicioso sistema escravocrata, iniciou-se a cobrança de tributos sobre as operações que envolviam exportação e alienação de escravos, que possuíam o status de res (coisa). Mudança significativa no sistema exposto, aduz Oliveira et al (2023), se deu quando o General Gomes Freire de Andrade, foi nomeado Vice-Rei, momento em que passaram a incidir tributos sobre outras mercadorias produzidas ou extraídas na colônia, tais como: algodão, açúcar, ouro e aguardente.

Neste período, ante a crise do mercado de açúcar, tem-se a inauguração do Ciclo do Ouro, em que milhares de colonos se dirigiam a Minas Gerais em busca de jazidas de metais e pedras preciosas. Sobre essa nova atividade econômica, aclara Mesgravis (2015), recaíam dois tipos principais de cobranças tributárias, quais sejam, o Quinto do ouro e a polêmica “Derrama. O quinto correspondia a 20% do ouro[4] extraído e registrado nas Casa de Fundição, o qual deveria ser pago para a Coroa. A Derrama, por sua vez, era uma espécie de constrição patrimonial forçada, motivada pelo inadimplemento do quinto devido.

Tal constrição, passou a ser usada massivamente durante a decadência da economia mineradora[5], ocasião em os colonos, aponta Balthazar (2005), acumularam diversas dívidas com o governo, vez que não tinham mais condições de pagar os tributos. Assim, a pesada carga tributária provocou inúmeros conflitos entre os colonos e Portugal, sendo a Inconfidência Mineira o mais conhecido deles.

A vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, que fugia da sanha imperialista de Napoleão, modificou profundamente a estrutura e o governo do Brasil da época. Com a abertura dos portos marítimos às nações amigas, Balthazar (2005) instrui que sobre os produtos importados passaram a incidir tributos cuja alíquota padrão era de 24% para os países aliados, com exceção da Inglaterra, cuja alíquota era de 15% e de Portugal, que era de 16%. Fato curioso é que, nessa época, já havia uma espécie de imunidade tributária para os livros, podendo ser essa a origem da imunidade de imprensa (livros, jornais, periódicos e papel), presente na Constituição de 1988.

Ademais, foram instituídos tributos sobre os prédios urbanos, no valor de 10% sobre o valor de lucro dos prédios, bem como nas transmissões imobiliárias e causa mortis. Em virtude da precária administração tributária, Oliveira et al (2023) afirma que era comum a ocorrência do fenômeno da bitributação, isto é, quando há incidência tributária mais de uma vez sobre o mesmo fato gerador.

Diante disso, a fim de dar mais eficiência ao sistema de cobranças e fiscalização tributária, destaca Oliveira et al (2023), são criados os Conselho da Fazenda, o Conselho Ultramarino e a Alfândega. A partir de tais estruturas, aumentou-se o escrutínio dos tributos devidos e sua arrecadação.

Em que pese o aumento das hipóteses de incidência e o fortalecimento do Fisco, leciona Linck (2009, p.89) que “a doutrina entende que esses tributos cobrados na época do Brasil Colonial não faziam parte de um conjunto harmônico de normas, de princípios, e de institutos, devidamente sistematizados, capazes e caracterizar um Direito Tributário brasileiro”.

Após o retorno da família real à Portugal e a Declaração da Independência, em 1822, com o país independente, assinala Oliveira et al (2023), surge a necessidade de erigir uma estrutura administrativa firme, funcional e efetiva, especialmente na seara tributária. Nesse diapasão, a Constituição de 1824, também conhecida como “Constituição da Mandioca[6], previa em seu art. 36 que era da Câmara o dever de criar tributos, além disso aduzia o art. 175, inciso XV, que “ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus deveres” (Brasil, 1824, p.1).

Nesse período, Dom Pedro I implementa uma minirreforma fiscal. Dentre as mudanças, conforme Ferreira (2012), houve a eliminação de certos tributos, como o Quinto do ouro (Decreto de 30 de agosto de 1828), e concessão de isenção a outros, como o de jornais e revistas. Além disso, minorou-se a alíquota sobre produtos como o charque, o sal, o trigo e o algodão.

Com o intuito de descentralizar o controle financeiro, Oliveira et al (2023) afirma que foram instituídas as chamadas tesourarias provinciais, órgãos incumbidos de gerir e estruturar a atividade financeira das regiões. Em virtude disso, as províncias puderam estabelecer os seus tributos e destinar o produto de sua arrecadação, como bem lhes aprouvesse.

Em 1834, por meio do Ato Adicional foram criadas as chamadas “Rendas Gerais”, “que definiu diversos tributos sobre diversos serviços e produtos, como: importação, exportação, compra de embarcações estrangeiras, estabelecimentos comerciais, mineração de ouro, entre outros” (Oliveira et al, 2023, p.1). 

A Constituição de 1891, promulgada após a Proclamação da República, também conhecida como Golpe Republicano, foi um importante passo na conformação do sistema tributário que conhecemos hoje. Com a adoção da forma federativa de Estado, leciona Linck (2009), os entes federados passaram a ter autonomia administrativa, política e financeira, passando a existir a possibilidade de a União e os estados instituírem e cobrarem os seus próprios tributos.

É sobre o manto daquela Magna Carta que surge o Imposto de Renda. Instituído pela Lei Orçamentária 4.625, seu art. 31 versava que “Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, anualmente, por toda a pessoa física ou jurídica, residente no território do país, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto líquido dos rendimentos de qualquer origem” (Brasil, 1922, p.1).

Inaugurada a Era Vargas, promulga-se a Constituição de 1934. Essa, consoante Oliveira et al (2023), trouxe a vedação à bitributação de forma expressa e delimitou os tributos de competência da União e dos estados. Além disso, conferiu aos municípios competência tributária e criou as contribuições de melhoria.

As inovações daquela Lei Maior pavimentaram o caminho para a sistematização do Direito Tributário. Balthazar (2005, p.90) advoga que “se ainda não foi o texto que sistematizou a legislação tributária, firmou princípios antes ausentes das Cartas anteriores ou presentes de forma implícita ou ilimitada, como é o caso do princípio da imunidade recíproca“.

Sob o Estado Novo, fase ditatorial da Era Vargas, foi outorgada a Constituição de 1937. Salienta Balthazar (2005), que essa não albergou mudanças significativas, apenas pontuais, como, por exemplo, o imposto sobre indústria e profissões, anteriormente de competência privativa dos estados, foi transferida para os municípios (metade da arrecadação desse imposto já lhes pertencia). Superada a Ditadura Vargas, em 1946, mais uma Carta Magna é promulgada e que, quanto à matéria tributária, possibilitou:

[…] a cobrança de tributos extraordinários, para além daqueles definidos na Constituição em situações específicas. Acrescentou o princípio de capacidade contributiva, isto é, definiu como regra a necessidade de a União, Estados e Município considerarem quanto cada cidadão pode contribuir para uma cobrança mais justa de tributos e instituiu o princípio da anualidade, no qual as rendas e despesas eram avaliadas com a frequência anual (Oliveira et al, 2023, p.1).

 Primando pela clareza, a Lei Maior de 1946 discriminou as competências de cada ente federado, prevendo, a título de ilustração, em seu art. 15, que competia à União decretar impostos sobre a (I) importação de mercadorias de procedência estrangeira; (II) consumo de mercadorias; (III) produção, comércio, distribuição e consumo, e bem assim importação e exportação de lubrificantes e de combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza, estendendo-se esse regime, no que for aplicável, aos minerais do País e à energia elétrica; (IV) renda e proventos de qualquer natureza; (V) transferência de fundos para o exterior; (VI) negócios de sua economia, atos e instrumentos regulados por lei federal; e (VII)  propriedade territorial rural, (Brasil, 1946).

No que diz respeito aos impostos estaduais, o art. 19 definiu que os impostos que recaíam sobre a (I) transmissão de propriedade causa mortis; (II) vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive industriais, isenta, porém, a primeira operação do pequeno produtor; (III) exportação de mercadorias de sua produção para o estrangeiro, até o máximo de 5% (cinco por cento) ad valorem, vedados quaisquer adicionais; (IV) os atos regulados por lei estadual, os do serviço de sua Justiça e os negócios de sua economia, competiam aos estados (Brasil, 1946).

Desse modo, a Constituição, defende Linck (2009, p.91), “estabeleceu com maior clareza os repasses da União e dos estados das rendas obtidas através da tributação aos municípios e outorgou ao Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas, a fiscalização da administração financeira.”

Em 1964, após o golpe de Estado, instaura-se no Brasil a ferrenha Ditadura Militar. Com o fim de atender a uma política econômica arrojada, em 1965, é iniciada uma reforma tributária. Essa reforma, em conjunto com outras medidas adotadas, proporcionou o chamado Milagre Econômico, vez que estabeleceu:

[…] normas que determinavam a aquisição de recursos adicionais não-inflacionários para cobrir o déficit da União e que buscavam o equilíbrio das finanças com a economia mundial. Houve também a edição de leis que estabeleciam meios que facilitassem e que aperfeiçoassem a arrecadação fiscal, como, por exemplo, a Lei 4.506/64 que alterou a legislação do imposto sobre a renda; ainda, a criação de uma comissão especial formada por juristas e por técnicos do Ministério da Fazenda com a finalidade de elaborar um anteprojeto de emenda constitucional (Linck, 2009, p.92).

Nesse cenário, é aprovada a Emenda à Constituição n° 18/65, que, finalmente, deu os contornos normativos finais para o sistema tributário nacional. Essa, foi recepcionada pela Constituição de 1967, que passava a ter a previsão expressa de três espécies de tributos, a saber, impostos, taxas e contribuições de melhoria. Antes da Emenda, leciona Scaff (2014, p.1):

[…] a divisão da competência tributária se pautava por um critério meramente político, sem nenhuma correspondência econômica. A legislação de estados e municípios não possuía nenhum vínculo com as incidências federais, se constituindo em sistemas autônomos. Estados e municípios criavam incidências amparados no que atualmente se chama de “competência residual”, que antes era ampla em todos os entes federados e tornou-se centrada na União, onde remanesce até os dias atuais (embora hoje a amplitude da arrecadação federal ocorra no âmbito das contribuições, e não no dos impostos).

Diante disso, Linck (2009, p.92) assevera que tal emenda “surgiu para terminar de desenhar o sistema tributário brasileiro, uma vez que organizou de forma ordenada a cobrança dos tributos, ao limitar as competências e ao estabelecer os princípios que deveriam ser seguidos pelas administrações”.

No ano seguinte à publicação da referida emenda, foi instituído o Código Tributário Nacional (CTN), estabelecendo assim uma separação definitiva entre o Direito Tributário e o Direito Financeiro. A tributação, pelo espírito do CTN, para Linck (2009), deixou de ser apenas um meio para a manutenção do Estado, passando a assumir uma função mais ampla de política econômica.

O CTN apresentou ainda, em seu art. 3°, o conceito de tributo que é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (Brasil, 1966, p.1).

Vale pontuar que, apesar da criação de um sistema tributário nacional, fundamentado em princípios e normas de competência, estabelecidos pela Constituição Federal, os anos subsequentes à sua promulgação foram marcados por uma fase obscura na história do Brasil. A Carta Magna e as legislações ordinárias, segundo Linck (2009), possuíam pouco valor diante dos Atos Institucionais[7], que emprestavam um verniz de legitimidade para o Estado autoritário e repressivo que o Governo Militar erigiu.

Contudo, ares democráticos passaram a soprar no Brasil. Em 1985 se encerra o Regime Ditatorial, sendo promulgada a atual Constituição Federal de 1988. Estribada em valores como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, a Lei Maior, defende Linck (2009), passa a privilegiar a isonomia tributária e a capacidade contributiva dos sujeitos passivos.

Nessa toada, para Linck (2009), com o advento da “Constituição Cidadã” (1988), o tributo perde seu caráter meramente arrecadatório, destinado apenas à preservação e funcionamento das pesadas engrenagens do Estado. Passa, então, a ser um valioso meio de garantia e patrocínio das políticas públicas e outras ações e diretrizes voltadas para a efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Assim, o estudo do Direito Tributário passou a ter como foco a busca pela harmonia entre o poder de tributar do Estado e os direitos fundamentais do contribuinte.

Ademais, buscando se adequar aos princípios, direitos e garantias constitucionais, o conceito de tributo é ampliado, passando a ser entendido como:

[…] uma fonte de recursos financeiros destinados ao custeio de despesas públicas gerais (art. 167, IV) ou especiais (arts. 149, 149-A e 195); (b) é instituído e cobrado pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (arts. 148, 149, 149-A, 153-156); (c) no exercício de um poder de tributar limitado (Seção II); (d) exigido de pessoas jurídicas ou físicas enquanto sujeitos passivos de relações obrigacionais (art. 150, § 7º); (e) em função de “fatos geradores” definidos em lei (arts. 146, III, “a”, e 150, III, “a”), que, por sua vez, podem ser atos administrativos ou dele decorrentes (art. 146, II e III), direitos ou negócios jurídicos de direito privado sem vinculação com uma ação estatal (arts. 153-156), tais como a propriedade de bens móveis (art. 155, III) e imóveis (arts. 153, VI, e 156, I), a importação de produtos (art. 153, I), operações de crédito, câmbio e seguro (art. 153, V), a transmissão causa mortis e doação de bens ou direitos (art. 155, I), a circulação de mercadorias (art. 155, II), a prestação de serviços (art. 156, III), entre outros mais (Sehn, p. 44, 2024).

No entanto, nem tudo são flores. Há ainda muitas fragilidades e desigualdades no sistema tributário vigente, especialmente no que diz respeito à efetivação da capacidade contributiva. A maior carga fiscal, advoga Balthazar (2005), está encerrada nos impostos indiretos, isto é, aqueles incidentes sobre o consumo. Em razão disso, uma pessoa de baixa renda tem, proporcionalmente, maior comprometimento de sua renda do que uma pessoa que dispõe de alto poder aquisitivo, o que contribui para o aprofundamento das desigualdades sociais.

  • COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Um Estado federado é, por definição, um conjunto de entes livres. Tais entes possuem parcelas de poder, cuja distribuição é conferida, em regra, por lei. Uma das ramificações desse poder, ensina Carvalho Filho (2023), é a autonomia, caracterizada pela autoadministração, autogoverno e auto-organização.

Um fator de especial importância para a plenitude e manutenção da autonomia do ente federado, é a sua capacidade financeira, isto é, a disponibilidade de recursos capazes de viabilizar a consecução dos objetivos sociais, políticos e econômicos da entidade estatal. No cenário brasileiro, a arrecadação tributária é grande fonte de recursos públicos.  A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, em prestígio ao federalismo fiscal[8], possuem a capacidade de instituir e cobrar os seus próprios tributos, a fim de arrecadarem haveres para financiar o interesse público (Sehn, 2024).

Desse modo, para a existência de um federalismo saudável e equilibrado, é necessário que haja regras claras no que concerne à delimitação das competências tributárias e da repartição de receitas provenientes dos tributos. Competência tributária, leciona Mazza (2024), é a aptidão para criar, modificar, reduzir e extinguir tributos, por meio de lei, em observância ao princípio da legalidade. Como se depreende do próprio conceito, pode-se afirmar que a aludida competência é uma espécie de competência legislativa, cabendo ser exercida pelo Parlamento.

Por ser um tipo de competência legislativa, explica Mazza (2024), é a Constituição Federal que define as competências tributárias, isto é, ela que atribuirá ao ente os poderes inerentes à sua competência. Tendo isso em vista, a atual Carta Magna conferiu aos entes federados, ou seja, às pessoas jurídicas de direito público integrantes da Administração direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), a titularidade da competência tributária, a qual é indelegável. Desse modo, podemos asseverar que a Lei Maior não cria tributos, apenas atribui poder para que a entidade federativa competente o faça.

Ademais, cabe fazermos uma relevante distinção entre competência tributária e capacidade tributária ativa. A primeira, de viés legislativo e abstrato, leciona Mazza (2024), diz respeito à habilitação para criar tributos. Já, a segunda, de caráter administrativo e concreto, se refere ao exercício da aptidão para cobrar e arrecadar tributos, o que não deve ser feito, necessariamente, pela pessoa jurídica que o institui.

 Assim, de acordo Sabbag (2021), um ente pode criar tributo, mas outro o cobrar, sem que isso implique em delegação ou usurpação de competência. A esse fenômeno, damos o nome de parafiscalidade (art. 7°, do CTN)[9].

Faz-se, ainda, pertinente esclarecer que a Magna Carta, conforme expõe Mazza (2024), se valeu de diferentes métodos para repartir competências tributárias entre a União e os entes subnacionais, trazendo em seu bojo 5 (cinco) espécies de competência, a saber, competência privativa, comum, cumulativa, especial e residual.

Na privativa, afirma Sabbag (2021), determinado imposto é atribuído a um ente tributante, sendo que a Constituição prevê quais são os impostos e a quem lhes cabe. Assim, o Imposto sobre a Circulação de Bens e Serviços (ICMS) é conferido aos estados e ao Distrito Federal (no exercício de sua competência estadual) e o Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) é atribuído aos municípios e ao Distrito Federal (no exercício de sua competência municipal).

Por sua vez, segundo Mazza (2024), a competência comum é concedida concomitantemente a todas as pessoas políticas, podendo ser usada quando essas realizarem o fato gerador[10] do tributo, o qual é vinculado a uma prestação do ente federativo (por exemplo, taxas devidas em razão do exercício do poder de polícia). Lado outro, expõe Sehn (2024), a competência cumulativa (art. 147, da CF) é aquela que habilita uma entidade federativa a cobrar e fiscalizar os seus tributos, além de tributos cuja competência caberia, originalmente, a outro ente federado. É o que ocorre com a União em relação aos territórios federais, por exemplo. A União passa a acumular a competência tributária estadual e, caso o território não seja divido municípios, também a competência tributária municipal. A título de exemplo e melhor visualização, tínhamos a competência cumulativa da União sobre o então território federal de Fernando de Noronha (hoje distrito estadual de Pernambuco), que, dada a exiguidade de seu território, não estava (e ainda não está) dividido em municípios.

Já a competência especial, aduz Sabbag (2021, p.50), pode ser entendida como sendo “o poder de instituir empréstimos compulsórios (art. 148 da CF) e contribuições especiais (art. 149 da CF)”.

 É válido mencionar, aclara Sabbag (2021), que tal tributo só pode ser usado em situações fáticas específicas, quais sejam: (I) calamidade pública, (II) guerra externa ou sua iminência e (III) investimento público de caráter urgente e relevante interesse nacional (art. 148, I e II, da CF c/c art. 15, I e II, do CTN).

Por fim, a competência residual (art. 154, I, e art. 195, § 4.º) diz respeito à possiblidade de a União instituir impostos que não estejam contemplados na Lei Maior, assim como outras fontes de contribuição para o financiamento da Seguridade Social[11], por meio de lei complementar. Ao tratar do assunto, Sabbag (2021, p.50) ensina que:

[…] No que tange aos impostos, a competência residual indica que o imposto novo deverá ser instituído, por lei complementar, pela União, obedecendo-se a duas limitações: (I) respeito ao princípio da não cumulatividade; e (II) proibição de coincidência entre o seu fato gerador ou a sua base de cálculo com o fato gerador ou a base de cálculo de outros impostos;

[…] Quanto às contribuições para a seguridade social, o raciocínio é parcialmente idêntico, tendo em vista o atrelamento textual do art. 195, § 4.º, da CF ao art. 154, I, da CF. Nessa medida, as contribuições residuais para a seguridade social devem respeitar os seguintes parâmetros: (I) instituição, por lei complementar, pela União; (II) respeito ao princípio da não cumulatividade; (III) proibição de coincidência entre o seu fato gerador ou a sua base de cálculo com o fato gerador ou a base de cálculo de outras contribuições.

Do exposto, não é temerário declarar que a competência tributária é um dos mais significativos instrumentos de descentralização política e financeira, que permite que cada um dos entes federados, em suas respectivas esferas de atuação, busquem a implementação do interesse público. Neste contexto, a distribuição de competências tributárias é uma afirmação da Federação brasileira. A despeito disso, o modelo vigente vem sofrendo críticas. Conforme entendem Marcus Abraham e João Ricardo Catarino (2018), o federalismo fiscal à brasileira é assimétrico, vez que a União, em comparação com as outras pessoas jurídicas da administração direta, concentra um número consideravelmente maior de competências, o que a coloca em um patamar de superioridade[12].

Assim, mostrava-se imperioso mudar a conformação tributária vigente, a fim de resolver mazelas como a da concentração de competências pela União, já aludida, assim como outras tão prementes quanto. Em vista disso e com o intuito de corrigir distorções e perniciosidades do sistema tributário nacional, foi proposta e promulgada a Emenda à Constituição n° 132/2023, a qual estudaremos mais detidamente a seguir.

  •  EMENDA CONSTITUCIONAL n°132/2023 E AS MAZELAS DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

O Sistema Tributário Brasileiro é, sem dúvida, um dos mais ultrapassados e problemáticos do mundo. A maioria dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, de acordo com Eduardo Maneira (2022), quanto à tributação do consumo, adotou, há décadas, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que possui uma alíquota padrão. No Brasil, há 5 (cinco) impostos que incidem sobre o consumo, com diferentes entes competentes para cobrá-los. Tal fato faz com que tenhamos um desenho tributário complexo e confuso, em sentido totalmente antagônico ao de outras nações mais desenvolvidas, o que nos coloca em uma posição de atraso e isolamento.

São inúmeros os entraves e distorções gerados pelo atual modelo tributário brasileiro. Porém, a fim de não sermos exaustivos, vamos nos ater aos pontos mais sensíveis, de acordo com Brasil (2023), quais sejam: base de cálculo fragmentada, cumulatividade, complexidade, guerra fiscal, opacidade e litigância exacerbada.

De início, é relevante pontuar que a incidência de alguns impostos sobre o consumo é determinada pela identificação de seus respectivos fatos geradores (fatos tributários imponíveis), isto é, a circulação de uma mercadoria ou a prestação de um serviço. Essa distinção, segundo Brasil (2023), nem sempre é simples, especialmente em um mercado cada vez mais permeado por produtos digitais, os quais, muitas vezes, ficam em uma zona cinzenta. Isso acaba por gerar insegurança para o contribuinte e conflitos de competência entre os entes tributantes.

 Outro embaraço, para Brasil (2023), é a cumulatividade, que impede o creditamento do sujeito passivo em relação aos tributos já recolhidos e assoberba a produção nacional, deixando o país em desvantagem competitiva em comparação com outros países. Tal cumulatividade, se dá tanto em razão dos “tributos cumulativos, como o ISS e a PIS/COFINS, no regime cumulativo; como também em razão das inúmeras restrições ao creditamento nos tributos não cumulativos, como o ICMS, a PIS/COFINS e o IPI não cumulativos” (Brasil, 2023, p.03).

Em continuação, temos a elevada complexidade do sistema tributário. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (2021)[13], desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, já foram editadas 466 mil normas que versam sobre matéria tributária, o que equivale a 37 normas tributárias por dia útil. Além disso, conforme estimativa do mesmo instituto, no Brasil, as empresas desembolsam, por ano, cerca de R$ 181 bilhões de reais, com o intuito de acompanharem as constantes mudanças legislativas. Desse modo, fica claro que esse emaranhado de normas contribui para a defasagem e evasão de investimentos no mercado interno e para desestimular a iniciativa privada.

Além disso, uma pesquisa realizada pela Doing Business (2021) com a PWC[14], revelou que no Brasil gasta-se, em média, 1.500 horas nos cálculos e adimplemento de tributos, um número que é consideravelmente maior do que o de outros países, conforme a figura 1:

Figura 1 – Ranking de complexidade tributária geral

             Fonte: IBS sistemas (2020) apud Doing Business Subnacional Brasil 2021

Acrescente-se a esse cenário, já demasiadamente caótico, a guerra fiscal travada entre as entidades federativas, sobretudo os estados. Muitos dos impostos são pagos no estado de origem (por exemplo, o Imposto sobre a Circulação de Bens e Serviços – ICMS). Em virtude disso, sustenta Brasil (2023) que, com o objetivo de atrair empresas para os seus territórios, as unidades federativas travam uma batalha ferrenha, se valendo, para vencê-la, de armas como a concessão de benefícios tributários, especialmente. Em decorrência disso, temos o estabelecimento de um entrave que só serve para aumentar as desigualdades regionais e desmantelar a harmonia federativa.

Outrossim, no que tange à opacidade do sistema, pode-se afirmar que:

[…] atualmente é praticamente impossível se saber a carga tributária efetivamente cobrada, dada a profusão de alíquotas, reduções de base de cálculo, benefícios fiscais e regimes especiais de tributação, além de haver incidência de tributos sobre tributos, cálculo por dentro, restrições à não cumulatividade e existência de créditos presumidos na cadeia (Brasil, 2023, p. 03).

Assim sendo, ante a ausência de transparência, mostra-se patente o predomínio da insegurança jurídica para o contribuinte. Por fim, o elevado grau de litigiosidade é outro fruto amargo que deriva do caos fiscal. A alta litigância fica demonstrada, de acordo o relatório “Justiça em Números”, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (2021)[15], no exorbitante número de execuções fiscais em curso nos tribunais nacionais[16], as quais já somavam 28,8 milhões, representando uma taxa de 89,7% de congestionamento. É o que se pode ver na representação gráfica retratada na figura 2:

Figura 2 – Série histórica do impacto da execução fiscal na taxa de congestionamento

  Fonte: Conselho Nacional de Justiça (2021)

Considerando esse quadro alarmante, em 2019, pontua Eduardo Maneira (2022), foi apresentada a Proposta de Emenda à Constituição n° 45, a qual, após longos debates e alterações nas duas Casas Legislativas, foi promulgada em 20/12/2023, redundando na Emenda Constitucional nº132/2023 (Reforma Tributária). Com foco na simplificação, na segurança jurídica, na alteração do modo de repartição de receitas e na eliminação da regressividade tributária, a Reforma Tributária buscou eliminar ou, ao menos, minorar as dificuldades supra referidas.

A Reforma tributária trouxe diversas mudanças para o sistema tributário nacional, sendo a criação do IVA dual, indubitavelmente, a mais significativa delas. O IVA, Imposto sobre Valor Agregado, representa a conjugação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), por isso a terminologia dual. E terá alíquota estimada em 27,27% (Mello, 2024).

A CBS, de competência da União, foi instituída para substituir o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), principais contribuições incidentes sobre o consumo (Spina, 2024). O IBS, por sua vez, foi criado em substituição ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS), de competência dos estados e do Distrito Federal, e ao Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), o qual é de competência dos municípios e do Distrito Federal (no exercício de sua atribuição municipal), segundo se vê na figura 3:

Figura 3– Nova configuração tributária  

Fonte: Agência Senado, 2023.

Para os fins do presente artigo, passaremos a destrinchar os aspectos relativos ao IBS.

Após a promulgação da Emenda Constitucional n°132, a Constituição Federal, em seu artigo 156-A, passou a prever a criação do IBS, uma espécie de imposto com gestão compartilhada entre os estados, o Distrito Federal e os municípios, e que será regulamentado por meio de lei complementar nacional (Brasil, 1988). Tal imposto tem por preceito a neutralidade, que nada mais é do que a tentativa de repelir distorções relativas ao consumo, e a padronização em todo o Brasil, o que produz simplificação e segurança jurídica, tanto para entes tributantes quanto para os contribuintes (Brasil, 2024).

Com a finalidade de atingir esses objetivos, o novo imposto em comento (i) terá tratamento legislativo uniforme em todo território nacional; (ii) não admitirá exceções relativas a benefícios e incentivos fiscais, salvo as previstas na Carta Magna; (iii) terá suas alíquotas-referência fixadas pelo Senado Federal e as alíquotas específicas definidas por cada ente competente, sendo que tais alíquotas devem ser as mesmas para todas as operações com bens materiais, imateriais, direitos ou serviços, com exceção das hipóteses previstas na Constituição[17] (Brasil, 1988).

Ademais, a instituição do IBS pretende acabar com a perniciosa dinâmica do imposto em cascata, em que o imposto incide em várias etapas do processo de circulação de mercadorias e impede o creditamento do contribuinte, deixando a operação complexa e custosa. Por isso, o IBS será (i) não cumulativo, isto é, haverá a compensação do imposto devido com o total arrecadado em todas as operações; (ii) não integrará a sua própria base de cálculo; (iii) será exigido pelo valor da soma das alíquotas do estado e do município final do negócio jurídico[18] (Brasil, 1988).

No que concerne à estrutura legislativa do IBS, a Lei Maior definiu que (i) é a própria Constituição que atribui competência para a regulamentação do IBS; (ii) tal regulamentação se dará por lei complementar que, no momento, está em fase de tramitação na casa revisora (Senado Federal), sob o nome Projeto de Lei Complementar n° 68/2024; (si) terá alíquota-referência estabelecida pelo Senado Federal; (iv) lei específica, editada pelos entes subnacionais, quais sejam, estados, Distrito Federal, e municípios, fixará alíquotas incidentes sobre as operações onerosas com bens ou serviços deflagradas nas zonas de sua competência, desde que sejam o destino (Brasil, 1988).

Em relação às imunidades dos IBS, isto é, situações em que não incidirá o imposto, mesmo que implementado o seu fato gerador, definiu o Projeto de Lei Complementar n° 68/2024, que são imunes (i) as exportações de bens e serviços para o estrangeiro; (ii) as transações deflagradas pelos entes políticos; (iii) as operações onerosas realizadas por entidades religiosas e templos de qualquer crença, incluindo suas organizações de assistência e beneficência; (iv) as operações desenvolvidas por partidos políticos, abrangendo também suas fundações, entidades sindicais representativas dos trabalhadores e instituições privadas sem fins lucrativos dedicadas à educação e assistência social; (v) as operações com livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; (vi) prestações de serviços de comunicação, nas bandas de radiofrequência, nas modalidades de radiodifusão sonora e televisiva, destinadas à recepção livre e gratuita pelo público, dentre outras (Brasil, 2024).

Da análise das diretrizes, pode-se notar que, com a união das competências, somada à troca da incidência do tributo da origem para o destino, haverá uma maior uniformidade no tratamento do imposto pelos entes federados, o que, potencialmente, poderá conter as “guerras fiscais” entre eles, promovendo uma distribuição de renda mais equilibrada, além de mitigar as desigualdades regionais e aumentar a competitividade na iniciativa privada. Lado outro, conforme ensina Florêncio (2021, p. 116), a eliminação da competência exclusiva, pode extenuar “a possibilidade de os entes federados concederem benefícios fiscais, uma vez que estes não mais detêm a competência legislativa para outorga de isenções, nem a capacidade tributária ativa exclusiva para exigência do crédito tributário”.

Ao lado da uniformização, com o advento do IBS, temos também a simplificação do atual modelo praticado, vez que haverá maior clareza sobre a natureza da operação, a incidência do fato gerador e a atribuição de cobrança e arrecadação do ente, abolindo outro problema crônico do sistema tributário nacional que é o conflito de competências. Nesse sentido, ensina Albano (2024, p. 75) que:

[…] o IBS promete encerrar discussões outrora travadas a título de   conflito   de   competência decorrentes da dubiedade da natureza jurídica das operações sob   a   incidência   do   ISS, ICMS   ou   que   se encontravam no limbo. Situação esta que enseja   não   apenas   insegurança   jurídica   ao sujeito passivo   da   relação   tributária, como também aumenta exponencialmente o “custo Brasil”.

Vale mencionar que a Reforma Tributária estabeleceu um cronograma de substituição para a implementação dos novos tributos e a extinção dos antigos, o qual terá início em 2026. Ao longo deste período, o sistema tributário nacional se encontrará imerso em um regime de transição, no qual os novos tributos serão arrecadados simultaneamente aos antigos, os quais estão destinados ao aniquilamento gradual. A substituição total dos tributos mencionados se dará, somente, ao término do prazo previamente estipulado, qual seja, 2033 (Brasil, 2024). Vejamos na figura 4, abaixo, o esboço das modificações:

Figura 4– Transição Fiscal  

Fonte: Agência Câmara dos Deputados, 2024.

Por fim, a administração do IBS ficará a cargo do chamado Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, o qual foi introduzido no Sistema Tributário Nacional pela Reforma Tributária e cuja atuação será regida por lei complementar, atualmente em tramitação no Congresso Nacional (Brasil, 2023).

  • COMITÊ GESTOR DO IBS

O Comitê Gestor do Imposto Sobre Bens e Serviços (CG-IBS)[19], ainda em fase de apreciação e deliberação legislativa, no âmbito do Projeto de Lei Complementar n° 108/2024, possuirá, conforme o art. 156, §1°, da CF, natureza jurídica de “entidade pública sob regime especial[20], gozando de autonomia técnica, administrativa, orçamentária e financeira”. É por meio dele que os entes federados exercerão as competências administrativas relacionadas ao IBS, a saber, “I-editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto; II-arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios; III-decidir contencioso administrativo” (Brasil, 1988).

O desenho constitucional e institucional do Comitê buscou privilegiar a integração dos entes federativos e uma representatividade paritária, de modo que a entidade pública será composta por dois grupos, cada um com 27 membros, sendo um responsável por defender os interesses de cada estado e do Distrito Federal, e outro por representar o agrupamento de municípios e o Distrito Federal. Neste último caso, 14 (quatorze) dos 27 (vinte e sete) membros serão eleitos, por meio de votos com peso igual de cada Município, já os outros 13 (treze) serão escolhidos levando em consideração os votos de cada Município, ponderados pela população correspondente (Brasil, 1988).

Ademais, no tocante às deliberações no CG-IBS, temos que estas serão aprovadas, atendendo a um critério cumulativo, pela maioria absoluta dos representantes, isto é, 8 (oito membros) e “de representantes dos estados e do Distrito Federal que correspondam a mais de 50% (cinquenta por cento) da população do País” (Brasil, 1988, seção V-A, art. 156-B, §4°, inciso I, al “b”). Já em relação ao bloco municipal, faz-se necessária a maioria absoluta de seus membros participantes do Comitê para aprovação das resoluções. Ao comentar a estrutura de representação e os critérios de voto adotados, Albano (2024, p. 76) observa que:

O critério meramente quantitativo é aliado ao qualitativo de representação populacional em nível nacional. A exigência qualitativa cria um obstáculo à possibilidade de regionalização das   decisões.   É   dizer:   as   regiões   norte   e nordeste que representam 16 dos 27 componentes do bloco estadual de tal forma que, em conjunto, asseguraria a maioria em quórum, não representam o quantitativo populacional necessário à aprovação

A instauração do CG-IBS será, em um primeiro momento, custeada pela União no período de 2025 a 2028. Após o referido período, com a efetiva operacionalização do IBS, o financiamento da entidade será feito por meio de uma parcela do produto da arrecadação do imposto. Cabe mencionar que os valores despendidos pela União serão ressarcidos (Brasil, 2024).

Do ponto de vista de comando organizacional, é válido aduzir que o comitê será presidido por alguém com notório saber no campo da administração pública, sendo nomeado após deliberação e aprovação do Senado Federal, por sua maioria absoluta. Além disso, o presidente do comitê gestor, à semelhança dos ministros de Estado, poderá ser convocado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, assim como por suas respectivas comissões, para apresentar informações, sob sanção de incorrer em crime de responsabilidade (Brasil, 1988).

Por sua vez, o controle externo, ou seja, a fiscalização contábil, operacional, e patrimonial do CG-IBS, segundo art. 40 do PLP n° 108/24, ficará a cargo dos tribunais de contas estaduais ou municipais (Brasil, 2024).

É possível afirmar que algumas alterações deflagradas pela Reforma Tributária indicam a possibilidade de desmantelo da organização federativa do Estado, o que significaria malferir cláusula pétrea (art. 60, inciso IV, da CF). Nesse sentido, a primeira problemática que pode ser aventada, está relacionada à criação de um imposto, como é o caso do IBS, de gestão compartilhada, disciplinado por lei complementar federal (Brasil, 1988). Os impostos substituídos pelo IBS, quais sejam, ICMS e ISS, eram instituídos e tinham as suas alíquotas definidas, por lei, pelo ente competente para editá-la, no exercício de sua competência exclusiva, a qual é conferida pela Lei Maior.

Agora, é uma lei complementar, de caráter nacional, que ditará as regras que os entes federados deverão observar no tratamento do novo imposto. Destarte, aclara Albano (2024, p. 81) que “o ente não mais   terá   autonomia   para   definir   os elementos básicos do tributo, tais como o seu fato gerador, a sua base de cálculo, o sujeito passivo tributário e as penalidades. Diante disso, é forçoso reconhecer o incremento do poder federal e o consequente achatamento da autonomia dos entes federativos”.

Por outro lado, não se pode ignorar o fato de que uma harmonização legislativa teria o condão de arrefecer as guerras fiscais e mitigar as desigualdades regionais. A possibilidade de edições de leis autônomas pelos estados e municípios, muitas vezes, produz um cenário de insegurança jurídica e abala o equilíbrio federativo, vez que cada ente almeja atrair para si a receita advinda dos tributos. Assim, ensina Merheb (2024, p.1) que “[…] o prejuízo não é à autonomia e, sim, à predação fiscal, que expande distorções alocativas e incentiva a rivalidade”.

Outro ponto nevrálgico, e que merece atenção, diz respeito às competências do CG-IBS. Nota-se que a entidade passará a exercer as competências tributárias que atualmente cabem aos entes subnacionais. Atribuições como arrecadar o imposto, efetuar compensações, conceder benefícios, distribuir a receita da arrecadação, e decidir o contencioso administrativo não serão mais realizadas pelos próprios entes, mas sim pelo comitê gestor, o que pode produzir uma assimetria federativa (Brasil, 1988).

Dessa maneira, a atuação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios se restringirá a definir as alíquotas específicas do imposto quando forem destino da circulação de serviços ou mercadorias e a votarem no colegiado do CG-IBS, cujas regras de deliberação e aprovação foram retromencionadas. Acerca disso, Martins (2023, p.1) entende que:

A criação de uma entidade com competências próprias de ente federativo, esvazia a competência dos órgãos legislativos competentes, instâncias apropriadas para proposição, discussão, deliberação e decisão acerca de matérias tributárias de competência de estados e municípios. Órgãos legislativos estes compostos por representantes eleitos pelo povo, legitimados, portanto, para tratarem de tais assuntos, diferentemente de um conselho que será formado por burocratas escolhidos por critérios técnicos e longe dos olhos da população.

Contudo, em que pese a perda de parcela de autonomia pelos entes tributantes, o que se transferirá à entidade pública será, tão somente, o exercício da atividade em favor de uma integração e cooperação tributárias, preservando-se a titularidade desta, o que não implica, necessariamente, em uma proposta tendente a abolir a forma federativa de Estado. Tanto é assim, que as entidades subnacionais manterão sua ingerência sobre outras figuras tributárias que lhes competem, o que desnatura a ideia de elisão federativa (Albano, 2024, p.82).  

Ademais, a vedação à concessão de incentivos e benefícios fiscais, com exceção daqueles previstos na Constituição Federal, é mais uma questão sensível na conformação tributária dada pela Reforma. Com a instituição do IBS, as entidades políticas regionais e locais não mais poderão conferir benefícios fiscais em sua zona de competência. Tal medida se justifica pela necessidade de atingir o propósito da uniformização tributária pretendido pela Reforma, a fim de alcançar as benesses ligadas a essa harmonização, como segurança jurídica, correção das distorções fiscais, disparidades regionais e locais, dentre outras (Brasil, 1988).

Porém, é imperioso reconhecer que a aludida vedação retira parte da autonomia do ente tributante, o que por si só, não fere de morte a organização do Estado. Ainda subsistirão outras formas de gerar atratividade fiscal e estimular investimento, sem que isso represente discrepâncias e prélios aviltantes (Meherb, 2024, p.1).

É válido, ainda, aduzir que as entidades federativas perderam. em prol do CG-IBS, a legitimidade para resolver o contencioso administrativo em relação ao imposto. Caberá aos entes apenas lavrar os autos de infração, não possuindo mais poder para processá-los e julgá-los. Essa característica, combinada com outras já supramencionadas, torna o IBS uma espécie tributária sui generis, vez que a “[…] União institui o imposto; estados e municípios, instituem as alíquotas e fiscalizam o imposto; e o Comitê Gestor promove a arrecadação, a partilha do imposto e julga os processos administrativos tributários oriundos de autos de infração lavrados por estados e municípios” (Harada,2024, p.1).

Uma solução para a manutenção da autonomia e para fazer frente à ameaça de afronta à cláusula pétrea da forma federativa do Estado, é redesenhar a estrutura e as atribuições do CG-IBS, de modo a devolver aos entes subnacionais as competências que lhes são típicas e que decorrem do seu poder de tributar. Dessa maneira, manter-se-ia sua capacidade de autoadministração, o que permite maior efetividade na busca da realização do bem comum e do fortalecimento da estrutura financeira das entidades federadas (Martins, 2023, p.1).

Lado outro, manter o atual sistema é, indubitavelmente, conservar as anomalias que ele possui hoje. Vale dizer que mitigação de autonomia, não implica, em si mesma, em abolição do arcabouço federativo. Nessa toada, Albano (2024, p.82) assevera que:

[…] a criação de uma entidade pública composta   por representantes   dos entes federativos não denota, por si só, intuito de abolir a forma   federativa.   Na verdade, remodela os contornos federativos ao passo que substitui a multiplicidade legislativa, a ausência de uniformidade e o mau uso das políticas de incentivo por uma atuação integrada, concentrada em    uma entidade pública composta por representantes dos níveis federativos, em sua totalidade quanto estadual e majoritário quanto ao municipal. Pode-se, por assim dizer que em matéria de tributação sobre o consumo observa-se uma faceta do federalismo que pode ser denominada de integrativo-representativo já que:  integra os entes -em contraposição às autonomias estanques, isoladas e conflituosas -e o faz mediante a estruturação de uma entidade   representativa que deliberará os temas afetos ao tributo de competência compartilhada.

Teme-se que essa retirada de autonomia dos entes subnacionais, estribada no fundamento de aumento da cooperação federativa e na correção de problemas que há tempos afligem os contribuintes, seja apenas um subterfúgio para justificar uma centralização autoritária e cerceadora. Assim, corre-se o risco de que a idílica troca de benefícios mútuos, transforme-se, ao fim e ao cabo, na preponderância de um ente sobre outro, o que promoveria uma falência do federalismo fiscal (Conti; Mascarenhas, 2023, p. 125).

Entretanto, é irrefragável que a criação do IBS e do comitê responsável por gerí-lo, a priori, pode significar um passo importante para a reestruturação do nosso teratológico sistema tributário. A alteração do exercício direto, para uma atuação colegiada e representativa por parte dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, aliada a uma harmonização tributária, parece ser um caminho viável para a edificação de um sistema caracterizado pela simplicidade, transparência, justiça tributária, e cooperação. Assim, se bem implementada, pode ser uma inovação capaz de robustecer o pacto federativo, elevando a integração entre os entes pactuantes, além de fazer florescer esperanças de recuperação de uma máquina fiscal que há muito tempo respira por aparelhos.

  • CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com uma proposta arrojada e ambiciosa, a Reforma Tributária pretende, por meio do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), produzir uma profunda e bem-vinda reestruturação do sistema tributário brasileiro. Ao conjuminar o ICMS e o ISS, transformando-os em IBS, a alteração legislativa almeja simplificar o sistema, eliminar a perniciosa e contraproducente cumulatividade, além de propiciar maior transparência às operações tributárias. Tais mudanças são significativos avanços para o combate e eliminação dos vermes que corroem, há bastante tempo, o federalismo fiscal. A guerra fiscal entre os estados e a complexidade da legislação tributária estão entre eles.

Além disso, com uma reformulação da tributação sobre o consumo, que tanto aflige os contribuintes, especialmente os mais pobres, associada a uma mitigação das desigualdades regionais e locais, a Reforma Tributária busca promover a justiça tributária, privilegiando a capacidade contributiva e a criação de um ambiente saudável e atrativo para os negócios. Ao vedar as concessões de incentivos e benefícios fiscais e uniformizar a legislação, a receita do IBS pode ser redistribuída de modo mais igualitário, vez que se eliminam as distorções geradas pelas inúmeras leis autônomas, editadas pelos entes políticos, e a sanha competitiva entre eles. No entanto, este propósito somente poderá ser atingido se os entes subnacionais tiverem a liberdade de fixar as alíquotas do novo tributo, de forma a atender às necessidades regionais e locais.

É relevante pontuar que a substituição da antiga dinâmica tributária pela nova, a qual findará em 2033, exigirá articulação e colaboração entre diferentes níveis de governo. Nesse interregno, em que haverá a coexistência dos antigos e do novo imposto, será importante, para não dizer indispensável, a adoção de mecanismos que permitam uma transição suave e que minimizem os impactos negativos sobre a arrecadação. Desse modo, o aprimoramento da comunicação e educação fiscal para preparar os contribuintes e as administração tributária são peças-chave para o sucesso das alterações. 

A centralização, em um Comitê Gestor, das competências que antes eram exercidas pelos entes federados, representa uma transformação de paradigma na administração tributário-fiscal brasileira. Em que pese essa abordagem estar estribada na promessa de maior uniformidade e eficiência, é incontendível que ela suscita receios em relação à preservação da autonomia dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, corolário de uma federação. Dessa maneira, haverá a inarredável necessidade de equilibrar a integração e a cooperação entre os entes políticos, com a preservação de sua independência, com vistas a não se ultrapassar a linha tênue entre mitigação de autonomia e abolição do federalismo, o que tornaria parte da Reforma Tributária inconstitucional.

Assim, face ao exposto, aprioristicamente, não se pode afirmar taxativamente que a criação do IBS e do Comitê responsável por geri-lo sejam propostas tendentes a abolir a forma federativa de Estado. É fato, contudo, que os entes subnacionais terão um achatamento em sua autonomia, porém isso não leva necessariamente a uma corrosão do federalismo. A partir da implementação do novo modelo tributário, poderemos ter, na verdade, a celebração de uma repactuação federativa, marcada pela integração, cooperativismo e representatividade. Caberá, assim, em grande medida, ao Conselho Federativo e ao Comitê Gestor delinear o futuro de nosso sistema tributário pátrio.

REFERÊNCIAS

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36. SEHN, S. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559648634. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559648634/. Acesso em: 19 jun. 2024.

37. SPINA, Vanessa Damasceno Rosa. Reforma tributária: o IBS, a CBS e o processo judicial. Consultor Jurídico. Publicado em 24 de março de 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-24/o-ibs-a-cbs-e-o-processo-judicial/. Acesso em: 02/12/2024.


[1]Graduando do Curso de Direito, do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac. E-mail: filijanson@gmail.com.

[2] Professor do Curso de Direito, do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac. Doutor pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). E-mail: fernandomfurlan@gmail.com.

[3] De acordo com a Reforma Tributária, o IBS substituirá, gradativamente, o ICMS e o ISSQN.

[4] Balthazar (2005, p. 58) leciona que “Além do ouro, havia também o diamante, riqueza intensamente explorada e objeto da ação feroz do fisco lusitano. Os mesmos mecanismos de arrecadação utilizados nas regiões auríferas chegaram às áreas de diamante (Distrito Diamantino), só que de modo mais severo. Houve uma novidade, o Quinto foi substituído pelos contratos de monopólio”.

[5] A diminuição da produção aurífera também se refletiu nos rendimentos dos impostos de Entradas. Tratava-se da cobrança de uma taxa significativa sobre todos os artigos importados e exportados que era feita de acordo com o peso da mercadoria. Essa forma, um tanto estranha de cobrança, tinha grandes inconvenientes para o desenvolvimento da economia em geral e da atividade mineradora: produtos como ferramentas, ferro bruto e outros artigos necessários para desenvolver qualquer trabalho saíam muito caros, enquanto bens de luxo, como tecidos, joias, sapatos, saíam muito baratos, o que encorajava o consumo de ostentação (Mesgravis, 2015, p. 51).

[6] A Constituição de 1824 ficou conhecida como a “Constituição da Mandioca” porque estabelecia que somente brasileiros com renda anual similar a 150 alqueires de mandioca poderiam votar. 

[7] Os Atos Institucionais foram normas jurídicas excepcionais que suplantavam quaisquer outras, inclusive a Constituição, e foram editadas pelos comandantes das Forças Armadas ou pelo presidente da República durante o Regime Militar (1964-1985).

[8]    Segundo Elizabete Mello (2013. p.27): O    Federalismo    Fiscal    consubstancia    na divisão do poder de tributar entre os entes Federativos (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios).  Esse poder de    tributar    não    se    refere    apenas    à competência tributária de criar/instituir e legislar    sobre    os    tributos    descritos    na Constituição    Federal    de    1988 (artigos 145/149-A), mas    também    se    refere    à capacidade    tributária    para    fiscalizar    e arrecadar os tributos.

[9] Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do art. 18 da Constituição”.

[10] Conforme disposição do art. 114 do Código Tributário Nacional, fato gerador é “a situação definida em lei como necessária e suficiente para a ocorrência da obrigação tributária”.

[11] Consoante o art. 1° da Lei 8.212/91, a Seguridade pode ser definida como sendo um “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social”.

[12] Acerca disso, Marcus Abraham e João Ricardo Catarino (2018, p.199) lecionam que há uma […] preocupação quanto ao desequilíbrio do poder fi­scal entre os três entes federativos, uma vez que a indesejada concentração do poder no federalismo fi­scal brasileiro em favor da União, em detrimento dos Estados e Municípios, propicia negativas consequências, tais como: a) o enfraquecimento do processo democrático decorrente da luta entre as forças políticas regionais e a central; b) uma indesejada competição ­fiscal – vertical e horizontal – entre os entes federativos, conhecida como “guerra fi­scal”; c) a incapacidade de o governo central exercer satisfatoriamente sua função coordenadora em todo o território, gerando práticas autônomas dos governos regionais e locais incompatíveis com o interesse nacional; d) a minimização dos processos de redução das desigualdades regionais e do estímulo ao desenvolvimento social e econômico local.

[13] Disponível em: https://ibpt.org.br/em-media-legislacao-brasileira-edita-quase-40-normas-tributarias-por-dia-desde-1988-revela-estudo-do-ibpt/. Acesso em: 27/11/2024.

 

[15]Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-justica-em-numeros2021-221121.pdf. Acesso em: 27/11/2024.

[16] Ainda segundo o relatório o maior impacto das execuções fiscais está na Justiça Estadual, que concentra 86% dos processos. A Justiça Federal responde por 14%; a Justiça do Trabalho por 0,2%; e a Justiça Eleitoral por apenas 0,01% (CNJ, 2021, p. 06).

[17] Art.156-A, §1º, VI, daConstituiçãoFederalde1988, incluído pela Emenda Constitucional nº132/2023.

[18] Art.156-A, §1º, VII, VIII, IX, da Constituição Federal de1988, incluído pela Emenda Constitucional nº132/2023.

[19] A instância máxima de decisões do CG-IBS será o Conselho Superior, a ser criado 120 dias após a sanção da lei complementar. O Conselho terá 54 membros remunerados: 27 indicados pelos governos dos estados e do Distrito Federal e outros 27 eleitos para representar os municípios e o DF. Também haverá número igual de suplentes. Além do Conselho Superior, outros órgãos do Comitê Gestor do IBS são: diretoria executiva, com ao menos nove diretorias; secretaria geral; assessoria de relações institucionais e federativas; corregedoria e auditoria interna. Fonte: Agência Senado.

[20] Uma entidade pública sob regime especial é, em regra, uma autarquia que possui características próprias que a diferenciam das autarquias comuns, como maior autonomia administrativa, técnica ou financeira. Essas prerrogativas devem estar previstas na lei de criação da autarquia. A Agência Senado informa que o Comitê Gestor não terá vinculação a nenhum órgão público. Contudo, de acordo com o Decreto-Lei 200/1967, artigo 4º, inciso II, que dispõe sobre a organização da Administração Federal: “[a] Administração Federal compreende: I – A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios e II – A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista e d) fundações públicas”. E no artigo 19 prevê que: “[t]odo e qualquer órgão da Administração Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente”.

Extrafiscalidade na distribuição de renda no Brasil: análise dos instrumentos de política fiscal da Lei nº 14.754/23 (Lei das off-shore)

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.


Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

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Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

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Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

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Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutora em direito

Vanessa Vilela Berbel – Doutora em Direito

Ficha catalográfica

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Extrafiscalidade na distribuição de renda no Brasil: análise dos instrumentos de política fiscal da Lei nº 14.754/23 (Lei das off-shore)

Ester Ramos dos Santos Santiago[1] e Fernando de Magalhães Furlan[2]

Resumo:

O objetivo deste estudo é avaliar a efetividade da extrafiscalidade tributária na promoção da equidade econômica no Brasil. A pesquisa se dedicará à análise da concentração de renda sob a ótica da política fiscal, buscando identificar o papel dos instrumentos fiscais na redução das desigualdades. Em remate, a Lei nº 14.754/23 será abordada como um caso prático de política tributária progressiva, ilustrando as potencialidades e desafios dessa estratégia A justificativa reside na descomunal concentração de renda no país, ínsita em um sistema tributário de natureza essencialmente regressiva. A ineficiência das políticas fiscais na redistribuição de renda torna as transferências diretas uma medida paliativa, mas não estrutural, para combater as disparidades socioeconômicas. A tributação de fundos offshore e exclusivos, conforme prevista na referida legislação, representa uma ruptura paradigmática e um avanço significativo na política fiscal brasileira. Essa medida visa corrigir as distorções inerentes à estrutura tributária nacional, que, historicamente, sobrecarrega os segmentos de menor renda, por meio de impostos indiretos. Assim, ao canalizar recursos financeiros dos setores de alta concentração de renda para políticas públicas sociais, o Estado promove uma distribuição mais justa da renda, desde o processo de arrecadação. Embora a implementação desta nova imposição tributária possa não gerar impactos macroeconômicos imediatos e expressivos, sua implementação é essencial para a construção de um sistema tributário mais progressivo. Para alcançar os fins propostos, a pesquisa adotará uma abordagem metodológica indutiva, de natureza eminentemente bibliográfica, que incluirá análise de doutrina, artigos acadêmicos e relatórios sobre a estrutura tributária e econômica do Brasil, além da utilização de dados empíricos fornecidos pela Receita Federal do Brasil, IBGE, IPEA e outras fontes para mapear a distribuição da carga tributária e os impactos econômicos. Quanto à abordagem, adota uma perspectiva qualitativa e quantitativa; e em relação aos fins, é descritiva e exploratória.

Palavras-chave: Extrafiscalidade Tributária; Política Tributária Progressiva; Distribuição de Renda; Lei nº 14.754/23.

Abstract:

The objective of this study is to evaluate the effectiveness of tax extra-fiscality in promoting economic equity in Brazil. The research will focus on analyzing income concentration from the perspective of fiscal policy, seeking to identify the role of fiscal instruments in reducing inequalities. Finally, Law No. 14,754/23 will be addressed as a practical example of progressive tax policy, illustrating the potential and challenges of this strategy. The justification lies in the colossal concentration of income in the country, stemming from a tax system that is essentially regressive in nature. The inefficiency of fiscal policies in income redistribution makes direct transfers a palliative, but not structural, measure to combat socioeconomic disparities. The taxation of offshore and exclusive funds, as stipulated in the legislation, represents a paradigm shift and a significant advancement in Brazilian fiscal policy. This measure aims to correct the distortions inherent in the national tax structure, which historically overburdens lower-income segments through indirect taxes. By channeling financial resources from sectors with a high concentration of income to social public policies, this initiative promotes a fairer distribution of income during the collection process itself. While the implementation of this new tax measure may not generate immediate and significant macroeconomic impacts, it is essential for the construction of a more progressive tax system. To achieve the proposed goals, the research will adopt an inductive methodological approach, primarily relying on a bibliographic review. This will include an analysis of doctrine, academic articles, and reports on Brazil’s tax and economic structure. Additionally, the study will utilize empirical data from the Federal Revenue Service, IBGE, IPEA, and other sources to map the distribution of the tax burden and its economic impacts. Regarding the approach, it adopts both a qualitative and quantitative perspective; as for its purposes, it is descriptive and exploratory.

Keywords: Tax Extra-fiscality; Progressive Tax Policy; Income Distribution; Law No. 14.754/23.

1. Introdução

Com o fim do autoritarismo do regime militar e em resposta às demandas sociais, a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 estabeleceu uma nova ordem político-social, consolidando um Estado Democrático de Direito, com foco na justiça social. O deputado Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara dos Deputados durante a promulgação da Constituição Federal de 88, destacou o influxo e o valimento das reivindicações populares, declarando: “Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar.”[3]

A alarmante desigualdade histórica e as aspirações sociais, em um cenário de concentração de renda nas mãos de poucos e uma vasta massa populacional vivendo em condições de extrema pobreza e miséria, foram forças motrizes das lutas que resultaram na Constituição Federal de 1988. Dessarte, a Constituição, com seu caráter garantista, estabeleceu princípios tributários fundados na justiça fiscal e social, reconhecendo a necessidade de utilizar o sistema tributário como mecanismo para amenizar as disparidades socioeconômicas.

O artigo 170, inciso VII, da Constituição Federal de 1988 consagra a redução das desigualdades regionais e sociais como princípio fundamental da ordem econômica brasileira. Essa norma, alinhada a outros dispositivos constitucionais, visa garantir a todos uma existência digna, promovendo a distribuição equitativa da carga tributária e assegurando direitos sociais fundamentais, como educação, saúde e trabalho.

Paradoxalmente, a realidade brasileira é sublinhada por uma alta concentração de renda, com o 1% mais rico da população detendo 28,3% da renda total do país (Montferre, 2023). Sob a ótica estrita da política fiscal, não desconsiderando que a desigualdade é fruto de múltiplos fatores, a relação entre tributação e desigualdade revela que a neutralidade tributária, ao não considerar a capacidade contributiva dos indivíduos, tende a acentuar as disparidades existentes.

É patente o fato de que o sistema tributário brasileiro não satisfaz os princípios de justiça fiscal e social, nem o princípio da equidade, que preconiza uma tributação baseada na capacidade contributiva, de maneira oposta, perpetua a copiosa desigualdade de renda com uma tributação hegemonicamente regressiva.

Impende, ainda, frisar que a desigualdade não é apenas um problema moral, mas também um obstáculo ao desenvolvimento econômico e à coesão social do país. Com efeito, é inevitável a necessidade de ações afirmativas para mitigar as dissimilitudes sociais, especialmente em um contexto exacerbado pela pandemia de COVID-19[4], que acometeu o país em um quadro iminente de estagflação[5].

Diante disso, a pesquisa examina como os mecanismos tributários extrafiscais influenciam a distribuição de renda no Brasil, ilustrando a eficácia da Lei nº 14.754/23 e os desafios para promover uma distribuição mais equitativa.

Para compreender os desafios na promoção da equidade de renda no Brasil, é necessário realizar uma análise do cenário tributário e econômico atual. Assim, a seção inicial deste estudo visa identificar esses desafios por meio de uma revisão histórica do cenário tributário internacional, seguida de uma contextualização do panorama tributário e econômico atual do país.

Partindo do pressuposto que a política fiscal constitui um instrumento crucial no combate à desigualdade de renda e riqueza, conforme demonstrado em estudos empíricos mencionados na seção anterior, a segunda seção deste trabalho explora de forma abrangente como a extrafiscalidade tributária pode ser empregada como um instrumento de política fiscal, visando a construção de um sistema tributário mais progressivo.

Por derradeiro, a última seção deste estudo examina os mecanismos de extrafiscalidade tributária presentes na Lei nº 14.754/23, que tributa a renda obtida por pessoas físicas residentes no Brasil em aplicações financeiras no exterior, em entidades controladas e trusts, avaliando seu impacto na distribuição de riqueza.

2. Análise do panorama tributário e econômico atual

2.1. A influência das políticas tributárias na concentração de riqueza e desigualdade: um estudo comparativo entre EUA, Reino Unido e Europa Continental, no Século XX

Desde os estudos dos fisiocratas no século XVIII, a distribuição de riqueza e renda tem sido um tema central na economia. Os fisiocratas focavam na distribuição do excedente agrícola, por considerarem a agricultura como principal fonte de riqueza. Essa preocupação foi expandida pelos economistas clássicos, como Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx, que ampliaram a análise para outras formas de produção e para a distribuição do valor gerado pelo trabalho (Iturriet et al, 2016, p. 15).

No século XX, as conflagrações mundiais, com proeminência para a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), alinhadas às políticas públicas pós-guerra implementadas por cada nação, tiveram um papel fundamental na atenuação das disparidades sociais. No entanto, essa trajetória não foi linear. A partir dos anos 1970-1980, a desigualdade reacendeu em diversas nações, evidenciando a influência das dinâmicas institucionais e políticas específicas de cada país (Piketty, 2014, p. 307).

Insta salientar ainda que, ao longo do século XX, países que adotaram políticas fiscais mais progressivas, taxando de forma mais elevada a renda, a riqueza e as heranças de indivíduos e famílias mais abastados, conseguiram reduzir de maneira consistente a concentração de renda e riqueza. Nações como Japão, Suécia, França e Alemanha exemplificam essa tendência. Em contraste, sociedades com sistemas tributários mais liberais, como o Reino Unido e os Estados Unidos, enfrentaram desafios distributivos mais significativos, embora mitigados pela presença histórica de impostos quase confiscatórios sobre a transferência de riqueza (Humberto, 2011, p. 8).

Em resposta direta à Grande Depressão, entre as décadas de 1930 e 1970, o governo dos Estados Unidos, sob a liderança de Franklin D. Roosevelt, implementou um conjunto de políticas econômicas e sociais conhecido como New Deal. Essas políticas, lastreadas nos princípios da justiça social, visavam redistribuir a riqueza, elevando substancialmente a alíquota dos impostos sobre a renda dos mais ricos, que chegava a 80-90%. A concentração excessiva de renda e poder, segundo a análise da época, contribuíram diretamente para o colapso financeiro que precipitou a crise (Piketty, 2014, p. 628).

Sucede que, ao fim dos anos 1970, a narrativa de declínio econômico nos Estados Unidos tornou-se cada vez mais comum, com a mídia destacando o sucesso industrial da Alemanha e do Japão. No Reino Unido, o cenário era ainda mais preocupante, com o PIB per capita caindo abaixo dos níveis observados na Alemanha, França, Japão e, até mesmo, na Itália. Essa percepção de declínio e atraso foi um fator crucial no surgimento da “revolução conservadora”, que teve como principais líderes Margaret Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos (Piketty, 2014, p. 630-631).

A partir do decênio de 80, sob a influência de políticas neoliberais, tanto o governo americano, quanto o britânico mudaram radicalmente de direção. Influenciados por tais políticas, ambos países prometeram reduzir o Welfare State[6], as taxas de imposto sobre a renda dos mais ricos foram drasticamente reduzidas, caindo para 30-40% nos anos de 1980-2010. Esse movimento marcou uma reviravolta rumo a políticas que favoreciam o crescimento das grandes fortunas e a diminuição das intervenções estatais na economia (Piketty, 2014, p. 630-631).

Em comparação, países da Europa continental, como França e Alemanha, e o Japão, mantiveram maior estabilidade em suas políticas fiscais, conservando as alíquotas sobre as rendas mais altas em torno de 50-60%, entre 1930-2010. Embora esses países não tenham seguido o caminho de desregulamentação e corte de impostos dos anglo-saxões (Estados Unidos da América e Reino Unido), a taxa de crescimento do PIB per capita foi símil. Logo, as evidências empíricas sugerem que a redução da taxa marginal superior, uma política frequentemente associada à teoria da oferta[7], não é uma panaceia para o crescimento econômico (Piketty, 2014, p. 631-632).

É imperioso observar que a era Reagan-Thatcher, influenciada por pensadores como Friedrich Hayek e Milton Friedman, foi marcada por um desdobramento sinuoso das disparidades globais. As políticas associadas ao neoliberalismo, que incluem a redução de impostos para os mais abastados, a desregulamentação dos mercados e a privatização de empresas estatais, contribuíram para o enfraquecimento dos mecanismos de redistribuição de renda e a concentração de riqueza e poder em uma elite econômica restrita (Santos, 1999, p. 119).

Embora a retórica neoliberal defenda um mercado livre e a mínima intervenção estatal, na prática, o capitalismo exige concentração de poder econômico e intervenção estatal para operar de maneira eficaz, regular a economia, controlar monopólios e garantir a estabilidade. A falta de reconhecimento dessas necessidades práticas molda a política econômica e impacta adversamente a democracia, ao promover medidas que reduzem a intervenção estatal e nutrem uma utopia (Santos, 1999, p. 120-121).

Defender o capitalismo puro implica em rejeitar integralmente a Terceira Via[8], que procurou fugir da polarização característica da Guerra Fria. O sistema capitalista se desenvolveu ao longo da evolução social, incorporando características e contradições inerentes que não podem ser ignoradas. Apesar de sua promessa de eficiência e liberdade, o capitalismo laissez-faire[9] não elimina, mas sim intensifica, as contradições sociais; é imprescindível uma intervenção estatal para funcionamento do mercado e o impulsionamento do crescimento econômico e do emprego (Santos, 1999, p. 126-130)

Através de um decote da ascensão das políticas neoliberais nos EUA, é possível observar que a sua saída da recessão econômica foi às custas da população de baixa renda. Durante a administração Reagan, foi implementada uma série de políticas econômicas conhecidas como Reaganomics ou trickle-down economics, objetivando estimular o crescimento econômico por meio de cortes de impostos, especialmente para os mais abastados, e pela desregulamentação da economia, sob a premissa de que esses benefícios se alastrariam para o restante da sociedade (Komlos, 2018, p. 10-11).

Arthur Laffer postulou a existência de um ponto ideal de tributação, além do qual aumentos nas alíquotas podem comprometer a arrecadação. No entanto, os resultados práticos das políticas econômicas implementadas pelo Governo Reagan, que se fundamentaram, em parte, na curva de Laffer, não corresponderam às expectativas teóricas. Apesar de um crescimento econômico moderado, observou-se um esvaziamento da classe média, com os benefícios desse crescimento sendo direcionados demasiadamente para os mais ricos (Komlos, 2018, p. 11-13).

Dados do Country Economy indicam que, entre 1980 e 2001, o índice de desigualdade na distribuição de renda nos EUA aumentou em 24,2%.

A trajetória das políticas tributárias nos EUA demonstra como as escolhas políticas podem impactar sobremaneira a distribuição de renda e a estrutura social de um país. As políticas econômicas Reaganomics intensificaram a concentração de riqueza e aumentaram significativamente a dívida pública, que dobrou de 30% para 60% do PIB, gerando repercussões que suplantam o tênue crescimento econômico. Esse panorama sublinha a importância de políticas tributárias e econômicas na promoção de uma distribuição mais equitativa dos recursos (Komlos, 2018, p. 13).

A desigualdade não é um fenômeno natural, mas resulta em demasia de escolhas políticas e econômicas de cada Estado, desafiando a visão determinista da curva de Kuznets[10]. De maneira objetiva, verifica-se que a desigualdade é um componente multidimensional, moldado por aspectos históricos, institucionais e políticos, que influenciam a mobilidade social e as oportunidades de cada indivíduo (Piketty, 2014, p. 307, 347-350).

Em remate, para Piketty, em sua obra seminal O Capital no Século XXI, a desigualdade é um fenômeno hermético, resultado da interação de diversos fatores que são influenciados por aspectos institucionais — como leis, políticas governamentais e a atuação de instituições econômicas e sociais — que moldam a dinâmica entre o Estado e as elites econômicas, e fatores estruturais — como relações de poder dentro da sociedade, a organização da produção e as regras que governam a propriedade e o comércio. Esses aspectos se inter-relacionam de forma intrincada, contribuindo para a perpetuação ou mitigação das disparidades socioeconômicas.

2.2. Análise histórica e perspectivas do sistema tributário brasileiro, segundo Varsano

O sistema tributário hoje vigente no país é fruto de uma lenta evolução que se conforma às linhas gerais das teorias a respeito, tradicionalmente encontradas na literatura econômica” (Varsano, 1996, p.19). Em um primeiro momento, o sistema tributário brasileiro do início, do século XX, mantinha características herdadas do período imperial, com uma forte dependência dos impostos sobre o comércio exterior. Até a década de 1930, praticamente metade da receita pública brasileira provinha dos tributos sobre produtos estrangeiros que entravam no país (Varsano, 1996, p. 2).

A Constituição Republicana de 1891 preservou aspectos do sistema tributário antepositivo. Todavia, ao instituir o federalismo[11], conferiu autonomia financeira aos demais entes federativos, visando garantir que pudessem exercer as suas funções de maneira independente em relação à União. Essa medida, no entanto, demandou a criação de um sistema tributário mais complexo, com a adoção do regime de separação de fontes tributárias (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891; Varsano, 1996, p. 2).

Diversas fontes de renda foram incorporadas à base tributária durante as primeiras décadas da República, como impostos sobre vencimentos pagos por cofres públicos e sobre benefícios distribuídos por sociedades anônimas.  Com a necessidade de financiar as crescentes despesas do Estado, somada a influência de modelos tributários de outros países e a pressão por uma maior justiça tributária, três décadas após a promulgação da Constituição de 1891, a lei nº 4.625 de 1922 instituiu um imposto de renda abrangente (Nóbrega, 2014, p. 28-29; Varsano, 1996, p. 2).

Art. 31. Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto líquido dos rendimentos de qualquer origem (Brasil, 1922).

Rui Barbosa, primeiro ministro da Fazenda do período republicano, foi um defensor fervoroso do imposto sobre a renda, dedicando parte do seu relatório de janeiro de 1891 a essa temática. Ele abordou a história e a aplicação do imposto, enfatizando as suas qualidades como justo, indispensável e necessário. No entanto, destacou que, no Brasil, a atenção governamental estava predominantemente voltada para impostos indiretos, especialmente os direitos de alfândega, em detrimento do imposto sobre a renda (Nóbrega, 2014, p. 27).

Desde o início das discussões sobre o Imposto de Renda no Brasil, o princípio da justiça social, que preconiza a contribuição proporcional dos mais ricos para o financiamento do Estado, foi um dos principais argumentos em defesa desse tributo. No entanto, a implementação do IRPF enfrentou diversas resistências políticas. Após a sua instituição em 1922, o imposto passou por profusas modificações, sendo influenciado por debates nacionais e por tendências internacionais. A estrutura atual, com alíquotas progressivas, é resultado desse longo processo de construção (Cardoso, 2016, p. 41).

No que concerne à tributação interna sobre produtos, desde o ano seguinte à promulgação da Carta Republicana, vigorou um imposto sobre o fumo, estendendo a tributação a outros produtos, antes do final do século XIX, estabelecendo-se o imposto sobre o consumo. Em 1922, foi criado o imposto sobre vendas mercantis, que posteriormente foi denominado imposto sobre vendas e consignações e transferido para a competência estadual (Varsano, 1996, p. 2-3).

A Primeira Guerra Mundial provocou uma mudança no perfil da arrecadação, com uma maior ênfase nos impostos sobre o consumo interno. A Constituição de 1934 e as leis complementares posteriores introduziram mudanças significativas no sistema tributário brasileiro, diminuindo a dependência de impostos sobre o comércio exterior e aumentando a importância dos impostos sobre o consumo interno. Essa nova dinâmica, iniciada no início do século XX, se manteve ao longo das décadas seguintes, caracterizando o sistema tributário brasileiro até os dias atuais (Cardoso, 2016, p. 41; Varsano, 1996, p. 3).

Art. 8º Também compete privativamente aos Estados: 

I, decretar impostos sobre: 

d) consumo de combustiveis de motor de explosão; 

e) vendas e consignações effectuadas por commerciantes e productores, inclusive os industriaes, ficando isenta a primeira operação do pequeno productor, como tal definido na lei estadual; 

g) indústrias e profissões; 

f) exportação das mercadorias de sua producção até o maximo de dez por cento ad valorem, vedados quaesquer addicionaes; 

(Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934)

Em virtude da Segunda Guerra Mundial a participação do imposto de importação na receita total reduziu bruscamente. Entre 1946 e 1966, a tributação passou a explorar, sobretudo, as bases domésticas de consumo, que, às vésperas da reforma de 1960, era responsável por mais de 45% da receita tributária da União. O Imposto de Vendas e Consignações correspondia a quase 90% da receita tributária estadual e o Imposto de Indústrias e Profissões, gerava quase 45% da receita tributária dos municípios (Varsano, 1996, p. 4-6).

Em 1952, o governo brasileiro criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) com o objetivo de atrair capital estrangeiro, por meio da oferta de incentivos e utilizando o Imposto sobre Produtos Importados como ferramenta de proteção à indústria nacional. Esse impulso à industrialização resultou em um aumento da despesa do Tesouro Nacional, que alcançou 13% do PIB, no início dos anos 60. Esse aumento nas despesas públicas não foi acompanhado por um crescimento equivalente das receitas (Varsano, 1996, p. 7).

Diante da crise econômica e política, surgiu a necessidade de uma reforma tributária para resolver o problema orçamentário e angariar recursos essenciais às demais reformas. Contudo, o que ocorreu foi uma reestruturação do aparelho arrecadador, gerando grande descontentamento entre as elites econômicas, devido à alta carga tributária sobre o setor produtivo, resultante da cumulatividade dos impostos sobre o consumo e do crescente imposto de renda sobre pessoas jurídicas, tornando ineficaz o aprimoramento do sistema arrecadatório (Varsano, 1996, p. 7-8).

Entre 1964 e 1966, foi implementado um novo sistema tributário no Brasil, cuja prioridade era restaurar as finanças federais e atender às demandas de alívio tributário dos setores empresariais, que sustentavam politicamente o regime. Nesse período, foram realizadas diversas reformas significativas: a administração fazendária foi reestruturada; o Imposto de Renda passou por revisões substanciais, resultando em um expressivo aumento da arrecadação; e o Imposto sobre o Consumo foi reformulado, originando o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) (Varsano, 1996, p. 9).

A reforma tributária da década de 1960, além de ter alcançado, com sucesso, o objetivo de restaurar rapidamente as finanças federais, com uma notável recuperação da receita do Tesouro Nacional, eliminou os impostos cumulativos, substituindo-os pelo Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), estabelecendo um sistema com objetivos econômicos, que servia como um instrumento estratégico para o crescimento acelerado, delineado pelos mandatários do período (Varsano, 1996, p. 9).

Logo, o foco principal era aumentar o esforço fiscal da sociedade para alcançar o equilíbrio orçamentário e gerar recursos para incentivos à acumulação de capital, visando a impulsionar o crescimento econômico, favorecendo os detentores da riqueza e negligenciando a equidade. De acordo com a estratégia traçada, o governo federal controlaria o processo de crescimento, centralizando decisões econômicas e moldando o setor privado, por meio de incentivos fiscais. Enquanto os estados e os municípios receberiam recursos suficientes para cumprir as suas funções sem prejudicar o crescimento (Varsano, 1996, p. 9-10).

Apesar da concessão intensa de incentivos fiscais, a carga tributária do Brasil manteve-se acima de 25% do PIB até 1978, com a União arrecadando cerca de 75% dos recursos. No entanto, desde 1970, o governo já percebia que esses incentivos estavam corroendo a receita excessivamente. Para reforçar suas fontes de financiamento, o governo federal introduziu o PIS (Programa de Integração Social), que trouxe de volta a cumulatividade na tributação. Além disso, determinou que parte dos incentivos fosse direcionada para programas sociais e de desenvolvimento regional, reduzindo os benefícios fiscais das empresas (Varsano, 1996, p. 10).

A partir de 1975, o sistema praticamente deixou de ser utilizado como um instrumento para implementar novas políticas econômicas e sociais. Isso se deu por diversos fatores, incluindo o esgotamento do modelo econômico adotado durante a fase do “milagre brasileiro”, incluindo a difusão de incentivos fiscais, que comprometeram a capacidade arrecadatória do Estado. As deficiências, em termos de equidade, se tornaram tão pronunciadas que ajustes na legislação do Imposto de Renda foram realizados em 1974 para mitigar a regressividade da tributação (Varsano, 1996, p. 11).

Com a Constituição de 1988 foi estabelecido um sistema tributário resultante de um processo participativo e democrático, com decisões de caráter eminentemente político, inobstante à competência técnica da equipe. Todavia, devido à dificuldade de coordenação e ao prazo apertado, esse processo constituinte ímpar na história do Brasil apresentava riscos. Como resultado, o sistema tributário emergente, definido nas comissões, acabou sendo insuficiente para financiar o Estado, consolidando um desequilíbrio orçamentário existente em vez de resolvê-lo (Varsano, 1996, p. 12-13).

Em suma, a descentralização ocorrida com o fortalecimento da Federação e autonomia fiscal dos estados e municípios não foi fruto de uma política deliberada, mas sim uma resposta a restrições fiscais. Isso resultou em uma queda na qualidade do sistema tributário, sem solucionar o desequilíbrio financeiro e fiscal, enquanto a capacidade dos governos subnacionais de atender às demandas sociais permaneceu limitada (Varsano, 1996, p. 16).

As iniciativas de correção das distorções arrecadatórias no Brasil, como a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF)[12] e o Imposto Territorial Rural (ITR), não tiveram o impacto esperado. O IGF[13], apesar de previsto constitucionalmente, nunca foi regulamentado, permanecendo ineficaz como instrumento de redistribuição de riqueza. O ITR, por sua vez, tem tido um impacto limitado nas receitas fiscais, devido à baixa arrecadação, além de ter sua receita compartilhada com os municípios, o que dilui ainda mais a sua efetividade fiscal (Passos et al, 2018, p. 6).

A evolução da carga tributária brasileira revela um perfil distinto dos países da OCDE. Em 2015, a tributação sobre a renda, lucros e ganhos de capital no Brasil era consideravelmente inferior à média da OCDE, enquanto a tributação sobre bens e serviços era significativamente maior.   Essa composição atípica da carga tributária brasileira contribui para a acentuação das distorções econômicas observadas no país (Passos et al, 2018, p. 6).

As principais ineficiências tributárias do Brasil impactam não apenas a distribuição de renda, mas também a volatilidade do crescimento econômico, o baixo nível de investimento e a composição da carga tributária, máxime em relação à tributação sobre o capital e a organização dos tributos sobre bens e serviços. As principais ineficiências distributivas e arrecadatórias são a baixa tributação da renda e do capital, a fraca capacidade de arrecadação dos impostos sobre a propriedade e a ausência de regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (Passos et al, 2018, p. 7).

Como forma de resposta imediata às alarmantes desigualdades, na transição para o século XXI, houve uma crescente visibilidade e eficácia de projetos locais voltados para a garantia de uma renda mínima aos segmentos mais vulneráveis da população, que culminaram na promulgação da Lei nº 9.533/97, que instituiu o Programa Renda Mínima. Este marco legislativo sinalizou o início dos programas de transferência de renda, como uma resposta estruturada às demandas emergentes da população de baixa renda (Lício, 2004, p. 38).

Ocorre que, apesar de seus benefícios, os programas de transferência de renda enfrentam desafios e limitações notáveis, como a fragmentação de recursos e altos custos administrativos (Lício, 2004, p. 38). Ademais, as transferências diretas de renda, por si só, mostram-se insuficientes para corrigir os desequilíbrios macroeconômicos. O Brasil enfrenta profundas desigualdades estruturais, com grande parte da riqueza concentrada em uma pequena elite, onde o 1% mais rico[14] detém 11,77% da renda nacional (PNAD, 2024).

Promover a equidade de renda no Brasil requer não apenas políticas robustas de transferência de renda, mas concomitantemente políticas fiscais que corrijam os desequilíbrios macroeconômicos, fortalecendo a progressividade e a eficiência do sistema tributário. Enquanto as transferências desempenham um papel vital na conjuntura econômica, a política tributária emerge como uma ferramenta pujante na redução das disparidades econômicas e sociais, fazendo com que o Estado goze de um papel ativo no panorama distributivo (Rodrigo, 2016, p. 19).

2.3. Ineficiência tributária brasileira

Cesar Roxo Machado[15], em entrevista à Agência Senado, ressaltou que o sistema tributário brasileiro agrava a concentração de renda em vez de reduzi-la. Embora as reformas apresentadas ao Congresso Nacional frequentemente priorizem a simplificação dos tributos, elas negligenciam a busca por uma justiça tributária, que é crucial. Para ele, os tributos devem ser utilizados como ferramentas para reduzir as desigualdades sociais, não apenas por meio de políticas públicas, mas também no ato da arrecadação, onde os que possuem mais devem contribuir proporcionalmente mais do que aqueles com menos recursos (Westin, 2021).

Ainda de acordo com Cesar Roxo Machado, um dos grandes equívocos no debate sobre tributos no Brasil é a ideia de que a carga tributária no país é excessivamente alta. Ele esclarece que a carga tributária brasileira, representando 33% do PIB, é comparável à de países assistencialistas. Machado questiona: “[q]uando dizem que a carga tributária é alta, eu pergunto: ‘[a] carga é alta para quem?’. Ela só é alta para quem ganha pouco. Os pobres são os únicos que podem dizer que a carga tributária brasileira é alta.” (Westin, 2021).

É importante observar, ainda, que a regressividade do sistema tributário brasileiro, aliada à necessidade de complementar serviços públicos essenciais com recursos privados, impõe uma espécie de duplo pagamento à classe média. Assim, ela arca com uma parcela significativa da carga tributária e, simultaneamente, enfrenta altos custos privados para acessar serviços básicos de qualidade, como saúde e educação. Esse cenário exacerba a desigualdade social e limita a mobilidade social, dificultando a ascensão da classe média.

O impacto da carga tributária sobre a desigualdade deriva da distinção entre tributos diretos, sobretudo progressivos[16], visto que consideram a capacidade econômica do indivíduo, e indiretos, que taxam o consumo, ignorando à capacidade contributiva e resultando em encargo tributário mais penoso sobre a classe baixa, uma vez que a proporção de consumo em relação à renda é maior nas classes mais pobres do que nas mais ricas. Portanto, a progressividade geral do sistema tributário depende dos pesos atribuídos a cada tipo de tributação, o que resulta em uma nova distribuição de renda após a tributação (Rodrigo, 2016, p. 21).

O sistema tributário brasileiro é, senão regressivo quando analisado pela composição da arrecadação tributária, neutro do ponto de vista distributivo, quando considerados outros aspectos metodológicos da literatura especializada. De todo modo, tais fatores reforçam o inequívoco: o sistema tributário tem diminuto potencial para enfrentar a desigualdade, um dos maiores problemas socioeconômicos do país (Passos et al, 2018, pág. 2-3).

Antagonicamente, dados do Boletim de Estimativa da Carga Tributária Bruta do Governo Geral de 2023, publicado pelo Tesouro Nacional, revelam uma maior dependência de tributos sobre bens e serviços (ISS, ICMS, PIS/COFINS etc.) em comparação aos tributos sobre renda, lucros e ganhos de capital. Enquanto os tributos sobre bens e serviços correspondem a 12,68% do total de 24,19% do PIB do país, os tributos sobre renda, lucros e ganhos de capital representam 8,66% do PIB, com uma redução de 0,37 pontos percentuais em comparação ao ano anterior (Ministério da Fazenda, 2024).

O sistema tributário brasileiro é altamente adicto a impostos indiretos, de caráter intrinsecamente regressivo, que podem chegar a representar mais de 45,1% da receita tributária total do país. Por conseguinte, os brasileiros com menor renda desembolsam 21,2% de seus ganhos em impostos indiretos e 3,1% em impostos diretos. Em contrapartida, os brasileiros com maior renda pagam 7,8% de seus rendimentos totais em impostos indiretos e 10,9% em impostos diretos, comprometendo o princípio da capacidade contributiva (Pestana, 2024, p. 4-5).

Ao invés de promover a justiça social, a neutralidade do sistema tributário brasileiro, em sua atual estrutura, reforça e perpetua as desigualdades históricas. O senador Jaques Wagner (PT-BA), afirma que a isenção de Imposto de Renda a dividendos distribuídos a pessoas físicas destoa das políticas fiscais do resto do mundo, contribuindo para que o Brasil tenha um sistema tributário altamente regressivo, que não tributa a renda e o patrimônio dos mais ricos (Westin, 2021).

Ademais, enquanto a renda do trabalho é tributada de maneira progressiva, com alíquotas que podem chegar a 27,5%, os rendimentos provenientes de ganhos de capital muitas vezes são tributados a taxas significativamente mais baixas e lineares. Os ganhos líquidos mensais de até R$20 mil em operações na bolsa de valores de mercadorias, de futuros e assemelhadas, inclusive day trade, são tributadas à alíquota de 20% e as demais operações à alíquota de 15%, conforme dispõe a lei nº 11.033 de 2004.

O economista Eduardo Fagnani[17] ressalta a afirmação falaciosa de que a redistribuição da carga tributária, diminuindo o tributo dos desfavorecidos e o aumentando dos opulentos, por meio da tributação da renda e do patrimônio, é uma política peculiar a países de governo de esquerda. Na realidade, trata-se de uma política liberal, que foi um ponto de inflexão, tanto para a revitalização da economia norte-americana após a crise de 1929, quanto para a expansão das políticas sociais na Europa do pós-guerra (Westin, 2021).

Historicamente, o modelo de política fiscal brasileiro tem priorizado a eficiência econômica em detrimento da justiça distributiva, sob a premissa de que uma maior progressividade tributária poderia comprometer o crescimento econômico. Esse enfoque resultou em um sistema tributário com menor ênfase na redistribuição de renda e maior ênfase na eficiência arrecadatória, sustentado pela crença de que uma tributação menos progressiva poderia minimizar distorções econômicas e evitar a evasão de capitais para países com regimes fiscais mais favoráveis (Passos et al, 2018, p. 12).

É necessário equilibrar os aspectos da equidade, que se refere à justiça fiscal, e da eficiência, capacidade do sistema tributário de minimizar as distorções que a tributação pode causar na economia. Um sistema eficiente é capaz de arrecadar impostos sem causar interferências significativas na economia, evitando prejudicar a produção, o consumo ou os investimentos. Dessa forma, a formulação de políticas tributárias deve levar em conta tanto a necessidade de promover justiça social quanto a de evitar distorções econômicas, avaliando cuidadosamente os objetivos e interesses da sociedade (Passos et al, 2018, p. 6).

3. Extrafiscalidade como mecanismo de redistribuição de renda no Brasil

A obrigação tributária possui uma natureza peculiar que a distingue de outras relações jurídicas. Na relação jurídico-tributária, a obrigação surge da lei, ex lege, e não da vontade das partes, ex voluntate. Isso significa que não prevalece a liberdade de iniciativa ou contratual, tampouco a autonomia individual da vontade, mas sim a soberania estatal. Assim, as finanças públicas são oriundas das competências estabelecidas pela Constituição, das finalidades públicas e das despesas essenciais para a manutenção do Estado e a realização de seus objetivos constitucionais (Neto, 2012, p. 67).

O tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir; que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (Brasil, 1966).

A função precípua arrecadatória do tributo é vinculada pela Constituição Federal, a qual estipula que o tributo é a principal fonte de receitas para o financiamento das competências institucionais do Estado Fiscal[18], ao passo que a restringe à exploração econômica e confere um papel secundário às demais formas de arrecadação de receitas públicas (Neto, 2012, p.67). Por meio do instrumento fiscal, “o Estado supre-se das economias privadas a fim de atender às carências políticas” (Quiroga, 2005, p. 560 apud Neto, 2012, p. 67).

A tributação, enquanto mecanismo de geração de recursos, desempenha um papel crucial no financiamento de políticas públicas destinadas à concretização de direitos fundamentais. Nesse sentido, as normas tributárias são vistas como instrumentos de custeio para a implementação de ações que visam à efetivação desses direitos. Particularmente relevantes são os direitos de segunda geração, como saúde, educação, previdência e assistência social, que requerem intervenções positivas do Estado, geralmente de elevado custo (Barros, 2017, p. 41).

Para viabilizar o custeio desses direitos, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 149, determina tributos específicos cuja arrecadação é vinculada a determinadas finalidades. Um exemplo claro é o artigo 195, que estabelece que a seguridade social será financiada por meio de contribuições sociais, evidenciando a conexão entre os direitos que integram a seguridade social — saúde, assistência e previdência — e os tributos designados para o seu financiamento, as contribuições (Barros, 2017, p. 41).

Por meio da política fiscal, o governo molda a economia valendo-se das exações e dos dispêndios. Essa ação se desenrola por intermédio das funções alocativa, distributiva e estabilizadora. A função alocativa consiste no fornecimento de bens públicos, que não possuem um acesso democratizado, suprindo necessidades básicas da sociedade. A função distributiva envolve mecanismos que ajustam a distribuição de forma mais equitativa, utilizando instrumentos como impostos progressivos, subsídios e transferências. Por fim, a função estabilizadora visa a garantir o crescimento da economia, do emprego e o controle da inflação (Mori, 2009, p. 22-23).

Nesse contexto, o governo exerce uma função crucial na regulação da economia. A trajetória do pensamento econômico sobre a intervenção estatal apresenta uma evolução significativa, transitando da crença na existência de mecanismos automáticos de ajuste econômico para a percepção da necessidade do Estado na estabilização do produto interno e do emprego. A Grande Depressão constituiu um marco decisivo. Naquela época, houve queda de 30% do PIB, entre 1929 e 1933, enquanto a taxa de desemprego alcançou 25,2%, em 1933, e a economia norte-americana demonstrou ausência de mecanismos automáticos eficazes para restabelecer o pleno emprego e a estabilidade dos preços (Mori, 2009, p. 24-25).

Decerto, o tributo é essencialmente instrumental. Todavia, a atividade tributária é inclinada para o alcance do interesse público de forma mediata, gerando receita pública (fiscalidade), e imediata, intervindo na ordem econômica (extrafiscalidade). No primeiro cenário, é perceptível uma estrita relação entre receita e despesa, sendo alcançado o interesse público no redirecionamento das verbas para a Administração Pública, a qual realiza o alcance direto do interesse público. No segundo cenário, o tributo deixa de ser um meio e torna-se um fim em si mesmo, atuando diretamente como instrumento de política pública, independente da realização da despesa pública. (Neto, 2012, p. 64)

Cabe notar que a distinção dos dois fundamentos não se dá, na prática, de forma perceptível, dado que não há dessemelhanças formais entre os tributos fiscais e extrafiscais, exceto no que concerne às derrogações e peculiaridades positivadas do fenômeno extrafiscal. Ademais, quanto à finalidade visada e à eficácia produzida, nota-se uma coexistência de ambos os fundamentos da norma tributária (Neto, 2012, p. 65-66).

A terminologia extrafiscalidade não se encontra positivada no ordenamento pátrio, originando-se de uma construção doutrinária. O vocábulo refere-se a uma situação atípica de exercício da competência tributária: elementos que extrapolam o interesse arrecadatório, preconizando o tratamento individualizado de situações específicas ou normas tributárias. Dessarte, a extrafiscalidade expõe uma faceta mais complexa dos tributos: como instrumentos de política pública, atuando na intervenção econômica e social (Neto, 2012, p. 62)

O prefixo “extra” do adjetivo “extrafiscal” apresenta certa ambiguidade, subentendendo-se que há a inclusão no discurso tributário de temas não pertinentes à sua matéria, devendo a tributação ser, em alguma medida, neutra. A neutralidade fiscal alvitra a não interferência do tributo no processo econômico, este não devendo alcançar outros fins, senão o arrecadatório. Afirmar que as exações não devem extrapolar a finalidade arrecadatória é assumir que, inevitavelmente, os tributos farão mais do que alimentar os cofres públicos (Neto, 2012, p. 62;75)

O pensamento de que o imposto tem funções econômicas, sociais e políticas, data da criação dos primeiros tributos. Nunca houve tributo neutro. Todos os impostos têm função social, econômica e política, inclusive aqueles que costumeiramente não são tidos por extrafiscais, porque os próprios impostos chamados de pura fiscalidade são transferidores de riquezas de uma para outra classe ou criadores de novas fontes de produção para o bem-estar social (Deodato, 1949, p. 147-148 apud Neto, 2012, p. 76).

Cumpre observar que a não interferência pode representar um “intervencionismo às avessas”, na medida em que contribui para a manutenção ou acentuação das desigualdades existentes. O direito tributário busca, principalmente, gerar receita para o Estado, mas também pode influenciar comportamentos, por meio da extrafiscalidade. A neutralidade do sistema tributário é, na verdade, direcionada a fins específicos e não é absoluta; ela visa evitar distorções e promover efeitos positivos que ajudem a cumprir objetivos constitucionais e garantir a isonomia (Neto, 2012, p. 92-93).

Uma análise intrigante sugere que a desigualdade de renda e riqueza possui um caráter inercial significativo, moldado por fatores estruturais e aspectos institucionais. Isso resulta em diversas decisões políticas que favorecem uma dinâmica entre o Estado e as elites econômicas. As instituições têm o potencial de mitigar a desigualdade por meio de intervenções tributárias, que podem criar oportunidades ou acarretar desvantagens. O sistema político institucional desempenha um papel crucial como mediador nas questões distributivas da economia (Silva, 2020, p. 44).

Desde 1988, diversas legislações foram implementadas para regulamentar e reformar o sistema tributário brasileiro. Mudanças significativas ocorreram em 1995 e 1996, com um pacote tributário destinado a estimular o investimento, o que gerou resultados contrários ao esperado. Recentemente, o debate nacional tem se concentrado na simplificação tributária e na diminuição da carga fiscal. Embora novas propostas visem a desonerar o setor produtivo — um aspecto crucial para o desenvolvimento — elas não são suficientes para garantir um crescimento inclusivo e uma sociedade mais justa, resultando em um foco na eficiência, em detrimento da equidade (Silva, 2020, p. 45).

Outra margem de interpretação que os étimos do termo extrafiscalidade sugere é de que o tributo pode alcançar outras finalidades além da arrecadatória e gerar mudanças significativas na conjuntura em que se encontra. É assumir que, inquestionavelmente, a atividade tributária suplanta o caráter instrumental e o elemento finalístico do tributo, influenciando a atividade econômica, realocando recursos e moldando as condutas dos contribuintes. A extrafiscalidade possibilita a análise da eficácia e da finalidade da matéria tributária, expandindo a interpretação das alusivas normas jurídicas (Neto, 2012, p. 62-63)

Infere-se que o termo extrafiscalidade abrange mais de um sentido, sendo aplicável em âmbitos distintos. Celso de Barros Netos (2012), elucida as diferentes exteriorizações do fenômeno da extrafiscalidade: (1) intento não financeiro que respalda o uso atípico do tributo; (2) regime jurídico especial, o qual expõe faceta diversa da arrecadação e impõe supressões à espécie; (3) leis e regulamentos que não apenas buscam a arrecadação de tributos (norma jurídica tributária extrafiscal) e (4) impactos sociais e econômicos gerando norma tributária. Nesse contexto, a extrafiscalidade é considerada uma abordagem eficaz (Neto, 2012, p. 80-84).

O sistema tributário brasileiro apresenta distorções que prejudicam a economia, especialmente quando analisado sob a ótica da eficiência tributária. Enquanto a equidade se preocupa com a isonomia entre contribuintes e sua capacidade de pagamento, a eficiência busca minimizar as distorções econômicas causadas pela tributação. Portanto, é crucial considerar os objetivos sociais ao projetar o sistema tributário, já que, em certos casos, eficiência e equidade podem exigir abordagens opostas para promover a justiça social. (Passos et al, 2018, p. 6).

As normas tributárias podem ser vistas como instrumentos essenciais para a efetivação de direitos fundamentais, especialmente aqueles de terceira geração. Nessa perspectiva, não se estabelece uma oposição entre tributos e direitos fundamentais, e a tributação não se limita a ser um mero meio de financiamento. Ao contrário, a legislação tributária desempenha um papel ativo na realização desses direitos, que são entendidos como metas a serem alcançadas. Um exemplo ilustrativo é a utilização de “normas tributárias indutoras” — por meio de agravamentos ou desonerações — direcionadas à proteção ambiental, conforme estipulado no artigo 225 da Constituição (Barros, 2017, p. 41).

É pertinente mencionar que a extrafiscalidade não se limita a uma única categoria tributária, manifestando-se pelas diversas espécies e por meio de diferentes mecanismos e formas. Isso abrange, desde a hipótese de incidência e as normas tributárias, até outras disposições que possam alterar os efeitos da norma original e a destinação específica dos recursos. A atuação extrafiscal pode ser exercida de maneira positiva, por meio de incentivos ou agravamentos, ou de forma negativa, por meio de desagravos, visando a alcançar as suas metas específicas. Insta salientar que a essência tributária da norma permanece inalterada, embora a sua finalidade seja extrafiscal (Neto, 2012, p. 95-96).

A política fiscal, ao utilizar a tributação como ferramenta, busca promover a justiça social, onde aqueles com maior capacidade contributiva pagam mais impostos, permitindo que o Estado invista em benefícios para toda a sociedade. Contudo, a realidade brasileira diverge desse modelo ideal. Ao contrário dos países da OCDE, que priorizam a tributação da renda e da riqueza, o Brasil impõe uma carga tributária maior sobre o consumo e a prestação de serviços, invertendo a lógica esperada (Silva, 2020, p. 64 e 65).

O imposto progressivo é um método relativamente liberal para diminuir desigualdades, pois mantém a livre concorrência e a propriedade privada, ao mesmo tempo que altera os incentivos privados de forma previsível e contínua, seguindo regras estabelecidas democraticamente em um Estado de direito. Esse tipo de imposto reflete um compromisso ideal entre justiça social e liberdade individual. Por isso, não é surpreendente que os países anglo-saxões, historicamente mais valorizadores das liberdades individuais, tenham avançado com mais firmeza na progressividade fiscal no século XX (Piketty, 2014, p. 627).

A questão dos impostos transcende a técnica, sendo fundamentalmente política e filosófica. Tradicionalmente, distingue-se entre impostos sobre a renda, sobre o capital e sobre o consumo. No entanto, um critério mais relevante para classificar os impostos é a sua natureza proporcional ou progressiva. Um imposto é considerado proporcional quando a taxa é a mesma para todos e é progressivo quando a taxa é maior para os mais ricos. Os impostos regressivos, por sua vez, são aqueles que a taxa diminui para os mais ricos, seja por escaparem do regime ordinário ou ou devido à estrutura do sistema, como ocorreu com o poll tax, que contribuiu para a queda de Margaret Thatcher em 1990 (Piketty, 2014, p. 612-614).

A progressividade fiscal tem um impacto significativo na desigualdade. A análise da progressividade exclusivamente com base na renda atual tende a subestimar a desigualdade, uma vez que não leva em conta a riqueza herdada, a qual é frequentemente sujeita a uma tributação inferior. Deste modo, ao incluir a herança na análise, a desigualdade se mostra ainda maior, especialmente entre os mais ricos. Logo, o imposto progressivo é essencial para o funcionamento do Estado de Bem-Estar Social, mas enfrenta desafios, como a escassez de discussões aprofundadas sobre sua relevância e a concorrência fiscal entre países, que possibilita indivíduos de alta renda eludirem a tributação (Piketty, 2014, p. 614-616).

4. Análise da extrafiscalidade da Lei nº 14.754/23: tributação de rendas no exterior e impacto na distribuição de riqueza

As estruturas societárias no exterior são os instrumentos financeiros mais utilizados pelos brasileiros para investir fora do país, sendo ordinariamente denominadas de entidades offshore[19] que, em sua maioria, estão localizadas em jurisdições consideradas paraísos fiscais[20] (Navarro, 2022, p. 196; Piovesan et al, 2023). A Medida Provisória nº 1.171, de abril de 2023, introduziu mudanças significativas na tributação de rendimentos auferidos por pessoas físicas residentes no Brasil, em investimentos no exterior, sujeitando-os ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), além de promover uma atualização na tabela progressiva do IRPF (Caldeira, 2023, p. 4).

As offshore são consideradas mais fáceis de manejar, em comparação com outros instrumentos de investimento internacional. Do ponto de vista legal, essas estruturas oferecem soluções eficazes para aqueles que desejam preservar e perpetuar o patrimônio alocado. Sob a perspectiva fiscal, destacam-se vantagens como a possibilidade de compensar ganhos e perdas na carteira de investimentos no exterior, consolidando os lucros e prejuízos na própria entidade. Para mais, havia a isenção de tributação sobre os lucros no país de domicílio da entidade offshore, bem como a possibilidade de diferimento do imposto de renda sobre eventuais lucros e ganhos (Navarro, 2022, 196).

Esses arranjos societários possibilitavam, ainda, o acúmulo de capital isento de tributação no exterior. Ao mesmo tempo que o diferimento[21] da tributação traz vantagens para o investidor, ele prejudica os interesses nacionais ao comprometer a equidade tributária e distorcer a alocação de recursos (Caldeira, 2023, p. 7). Um investidor que adquire um título do Tesouro de outro país é tributado no Brasil ao receber os juros. No entanto, ao utilizar empresas em jurisdições de baixa ou nula tributação, os juros ficavam isentos de impostos no Brasil, sendo a tributação aplicada apenas na transferência do lucro para a pessoa física, como em dividendos ou retiradas (Ministério da Fazenda, 2023, p. 6).

Verifica-se que o comprometimento do interesse nacional se manifesta no fato de que os aportes brasileiros estão sujeitos à tributação antes de qualquer reinvestimento (Ministério da Fazenda, 2023, p. 7). Isso leva a uma preferência por remeter recursos para o exterior, em vez de investir localmente, resultando em distorções no mercado. Dados do Ministério da Fazenda (2024) indicam que cerca de 100 mil brasileiros possuem ativos que somam mais de R$1 trilhão no exterior, os quais permaneciam quase isentos de tributação, até serem transferidos para o Brasil (Piovesan et al, 2023). Além disso, esse diferimento gera injustiça tributária e contribui para a concentração de renda, uma vez que favorece os contribuintes de alta renda, que são os principais detentores desses investimentos no exterior.

A discussão sobre a tributação de lucros em paraísos fiscais é longínqua. Ao longo dos anos, diversas propostas legislativas foram apresentadas com o objetivo de incluir esses rendimentos na base de cálculo do Imposto de Renda, como a Medida Provisória 627/2013, que propunha tributar esses lucros a 15%, e o Projeto de Lei 2.337/2021, que estabelecia alíquotas de até 27,5% (Ministério da Fazenda, 2023, p.7). A mais recente tentativa frustrada foi o texto da MP 1.171/23, incorporado à MP 1.172/23, que reajustou o salário-mínimo. Após negociações políticas, a MP 1.172/23 foi aprovada, sem a inclusão desse ponto (Piovesan et al, 2023).

A lei 14.754/2023 representa um avanço em relação a tentativas anteriores de regulamentar a tributação de investimentos no exterior. Oriunda do Projeto de Lei 4.173/2023, retoma a discussão sobre a tributação de rendimentos obtidos por brasileiros em fundos e outras entidades financeiras estrangeiras, similar ao que foi proposto na Medida Provisória 1171/23. A Exposição de Motivos[22] nº 00105/2023, relativa ao PL 4173/23, destaca a desigualdade e a regressividade do sistema tributário brasileiro. No que diz respeito aos trusts[23], instrumentos usados por famílias de alta renda para planejamento patrimonial e sucessório, aponta que a ausência de regulamentação sobre sua tributação cria insegurança jurídica.

A retromencionada legislação, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2023-2026), conduziu transmutações significativas no regime tributário nacional, especialmente no que concerne à tributação de ativos financeiros no exterior pertencentes a pessoas físicas residentes no Brasil. Isto posto, constata-se que esse novo encargo tributário suplanta a mera arrecadação, forcejando implementar as seguintes políticas públicas: (1) redistribuição de renda; (2) esquivança da evasão fiscal; e (3) fomento à transparência. Outrossim, viabiliza-se proveitos na melhora da competitividade das empresas brasileiras e fortalecimento da cooperação internacional.

Com o objetivo de tornar a tributação mais uniforme e progressiva, o §1º do art. 2º institui uma nova diretriz para a tributação dos rendimentos provenientes de capital aplicado no exterior, instituindo a alíquota única de 15% para esses haveres. O caput do artigo define que os rendimentos de capital obtidos fora do país devem ser declarados separadamente na Declaração de Ajuste Anual (DAA). No caso dos ganhos de capital obtidos por meio de alienação, baixa ou liquidação de bens e direitos localizados no exterior, que não sejam aplicações financeiras, a tributação segue normas específicas previstas na Lei nº 8.981/1995 (Brasil, 2023).

É facultado à pessoa física que possui uma entidade controlada no exterior a escolha pelo regime de transparência fiscal desta instituição, exclusivamente para fins de imposto de renda. Esse regime propende otimizar a tributação e impedir que a offshore seja empregada como um instrumento para adiar a incidência de tributos sobre lucros e rendimentos. A classificação dos bens da offshore como propriedade direta da pessoa física permite à Receita Federal garantir uma tributação mais imediata sobre o patrimônio e os rendimentos provenientes desses ativos (Ministério da Fazenda, 2023, p. 26).

Art. 8º Alternativamente ao disposto nos arts. 5º, 6º e 7º desta Lei, a pessoa física poderá optar por declarar os bens, direitos e obrigações detidos pela entidade controlada, direta ou indireta, no exterior como se fossem detidos diretamente pela pessoa física. (Brasil 2, 2023)

 O § 3º do art. 2º conserva a isenção para a variação cambial de depósitos não remunerados mantidos no exterior, revogando o § 4º do art. 25 da Lei nº 9.250/1995, aprimorando a redação do dispositivo para proporcionar maior segurança jurídica. Os §§ 4º e 5º do art. 2º incluem no Projeto as normas de tributação referentes aos ganhos obtidos com a alienação de moeda estrangeira em espécie, estabelecendo a isenção da incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) até o limite de US$ 5.000,00 (cinco mil dólares americanos) (Brasil, 2023).

O art. 5º aborda questões relacionadas à subtributação dos lucros de sociedades e outras entidades, sejam elas personificadas ou não, localizadas no exterior e controladas por pessoas físicas residentes no Brasil, que se coadunam ao conceito de controlled foreign corporations (CFC), assegurando a tributação periódica desses rendimentos e evitando o deferimento tributário (Brasil, 2023).

Naturalmente, há um desestímulo à sonegação fiscal com uma tributação mais veemente aos rendimentos obtidos no exterior. Na DAA, o cidadão tributante deverá incluir todos os rendimentos provenientes de aplicações financeiras no exterior do ano-base, como juros recebidos e resgates de títulos, tanto de investimentos diretos quanto de empresas offshore, aplicando uma alíquota de 15%. A tributação ocorre quando os lucros são reconhecidos no balanço, independentemente da decisão sobre a distribuição de dividendos. A obrigatoriedade de declarar separadamente esses rendimentos viabiliza um aumento na transparência, na arrecadação e combate à evasão fiscal (Ministério da Fazenda, 2023, p. 4; 10-11).

Insta mencionar ainda que a tributação de trusts fundamenta-se no conceito de transparência fiscal, comumente aplicado em outros países para regulamentar esse instituto. Inicialmente, os ativos transferidos para o trust são considerados como pertencentes ao instituidor. Posteriormente, quando esses ativos são disponibilizados ao beneficiário ou no caso de falecimento do instituidor, eles são transferidos para a titularidade do beneficiário (Ministério da Fazenda, 2023, p. 12).

Art. 10. Para fins do disposto nesta Lei, os bens e direitos objeto de trust no exterior serão considerados da seguinte forma:

I – Permanecerão sob titularidade do instituidor após a instituição do trust; e

II – Passarão à titularidade do beneficiário no momento da distribuição pelo trust para o beneficiário ou do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro.

(Brasil, 2023)

A legislação em pauta se caracteriza como uma norma redistributiva que visa corrigir as distorções no sistema tributário brasileiro, ao instituir a tributação sobre os rendimentos de investimentos no exterior, em demasia realizados pela classe abastada da sociedade. Essa medida tem como objetivo decrescer a concentração de riqueza e promover uma distribuição mais equitativa dos recursos. O vácuo legislativo anterior produzia injustiças fiscais, à medida que consentia com o acúmulo de capital dos contribuintes de alta renda sem o devido aporte tributário (Ministério da Fazenda, 2023, p. 8).

Pode-se concluir que a tributação de pessoas físicas tem o potencial de introduzir um certo grau de progressividade no sistema, tendo em vista a viabilidade de graduação dos impostos pessoais, em função da renda auferida pelo contribuinte, em contraste com a tributação de empresas, que tendem a ser regressiva. Deste modo, fica evidente que o aprimoramento da administração tributária é fundamental para garantir a qualidade do sistema tributário (Piketty, 2014, p. 632).

5. Considerações finais

A querela sobre a distribuição de riqueza e renda tem sido um ponto crucial nas discussões econômicas, ao longo da história. A ideologia neoliberal do século XX, ao enfraquecer os instrumentos de redistribuição de renda, contribuiu para a formação de uma aristocracia moderna, concentrando riqueza em uma elite econômica. Desse modo, o contexto histórico e político-tributário global evidencia a necessidade da intervenção estatal para alcançar uma sociedade mais alinhada a um ideal democrático.

Como reação às crescentes desigualdades, o Brasil tem intensificado a implementação de programas de transferência de renda. Entretanto, a eficácia desses programas é limitada, uma vez que, isoladamente, não corrigem os desequilíbrios macroeconômicos, funcionando como medidas paliativas. Portanto, torna-se essencial a coadjuvação de políticas tributárias com as de transferência de renda para alcançar resultados mais abrangentes.

Logo, as fissuras centrais do sistema tributário brasileiro afetam não só a distribuição de renda, mas também o crescimento econômico, o nível reduzido de investimentos e a eficiência da carga tributária, especialmente no que diz respeito à tributação do capital e à organização dos tributos sobre bens e serviços.

É certo que a ação primeva das exações é o financiamento do Estado. Todavia este não é o depauperamento de seus efeitos. A tributação tem o potencial de influir na alocação de recursos econômicos e nos comportamentos presentes no sistema fiscal, contribuindo para uma distribuição mais equitativa da renda por meio da extrafiscalidade, dentre outros objetivos econômico-sociais.

Nessa vereda, a extrafiscalidade se revela um instrumental estratégico para a condução das políticas públicas, permitindo que o Estado, por meio da modulação da carga tributária, direcione as atividades econômicas e sociais para o alcance de objetivos específicos. Ao romper com o princípio da neutralidade fiscal cega e irrestrita, a tributação passa a ser utilizada como um mecanismo de intervenção estatal, viabilizando a redistribuição de renda e o desenvolvimento econômico.

Em síntese, a extrafiscalidade, ao transformar o sistema tributário em um instrumento de engenharia social, permite ao Estado direcionar o desenvolvimento econômico e social, promovendo a equidade, a eficiência econômica e a sustentabilidade. Ao adotar uma perspectiva multidimensional da política fiscal, o Estado pode conciliar os objetivos de crescimento econômico com a promoção da justiça social.

Posta assim a questão, frisa-se que a transformação necessária da política fiscal não se resume à simples elevação da carga tributária para alguns segmentos da população e à redução para outros. Ela exige uma análise crítica e uma otimização da eficiência do gasto público, reconhecendo que a forma como o governo aloca os recursos arrecadados é tão importante quanto a maneira de arrecadá-los.

Dessa maneira, a redistribuição de renda eficiente visa a alcançar a igualdade material, uma questão principiológica constitucional, e não somente penalizar os mais abastados, mas acorrer aos menos favorecidos e fomentar o desenvolvimento social.

Nesse contexto, a Lei nº 14.754/23, que dispõe sobre a tributação de aplicações financeiras e rendimentos no Brasil e no exterior, representa um avanço significativo na busca por maior equidade no sistema tributário brasileiro. Essa legislação surge como uma resposta à injustiça fiscal gerada por investimentos em paraísos fiscais, que nada contribuem com a evolução da sociedade e da economia brasileiras.

Com a intensificação da taxação de rendas superiores e a promoção da progressividade fiscal, a normativa busca contribuir para uma distribuição mais justa da riqueza, incorporando dispositivos que promovem maior transparência e evitam a fuga de capitais, assegurando que todos cumpram suas obrigações tributárias, independentemente da localização dos investimentos.

Em linhas gerais, ao tributar rendas que anteriormente escapavam à tributação, essa medida reduz a regressividade do sistema tributário, alinhando-o aos princípios de justiça social e equidade da Constituição de 1988, avançando para um sistema tributário mais justo e eficiente, com uma cobrança tributária mais equitativa e uma diminuição das possibilidades de evasão fiscal.

A desigualdade não é um fenômeno orgânico, mas decorre, em grande parte, das decisões políticas e econômicas adotadas por cada Estado. Este trabalho, de caráter eminentemente teórico, destaca uma problemática que intensifica a natureza multidimensional da inequidade de renda, sem pretender oferecer uma solução definitiva ou uma panaceia para essa questão histórica.

Ao ensejo da conclusão deste artigo, é fundamental reconhecer que a integração entre normas tributárias e direitos fundamentais não apenas reforça a função do sistema tributário como meio de financiamento, mas também o posiciona como um agente ativo na promoção de objetivos sociais. Assim, a tributação pode ser uma ferramenta poderosa para fomentar políticas públicas que visem à justiça social, à sustentabilidade e à igualdade, refletindo um compromisso com a realização plena dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição.

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[1]Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – UNICEPLAC. E-mail: esterramosdpdf@gmail.com.

[2] Professor do curso de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – UNICEPLAC. Doutor pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne).

[3]Discurso proferido na sessão de 5 de outubro de 1988, publicado no DANC de 5 de outubro de 1988, p. 14380-14382.

[4] Em 11 de março de 2020, o surto do SARS-CoV-2 foi caracterizado pela OMS como uma pandemia (OPAS).

[5]O neologismo denota um cenário de estagnação econômica combinada com inflação elevada, além do aumento do desemprego (Banco Mundial).

[6] Estado de Bem-Estar Social (do inglês, Welfare State) é um modelo de governo assistencialista e intervencionista.

[7] A ‘supply-side econonomics’ (economia do lado da oferta), defende que cortes significativos de impostos para indivíduos e corporações, juntamente com a desregulamentação e incentivos para investimentos, podem aumentar a oferta de bens e serviços, levando ao crescimento econômico sem inflação. Baseada na Lei de Say e apoiada por economistas clássicos e monetaristas, essa abordagem também é criticada pelos keynesianos, que acreditam que a demanda agregada é o principal motor da economia.

[8] Corrente ideológica da social-democracia que consiste em propor um modelo econômico que combina a proteção social com a eficiência do mercado, buscando um equilíbrio entre a intervenção estatal e a liberdade econômica.

[9] Expressão Francesa que significa “deixe fazer”. Ela simboliza o liberalismo econômico na sua forma mais pura, defendendo que o mercado deve funcionar sem intervenções do governo. 

[10] Teoria econômica proposta pelo economista Simon Kuznets, que descreve a relação entre o desenvolvimento econômico e a desigualdade de renda em uma sociedade. Segundo essa teoria, o crescimento econômico tende, em primeiro plano, a aumentar a desigualdade de renda. Contudo, no seu estágio mais avançado, observa-se uma diminuição orgânica das disparidades econômicas (Piketty, 2014)

[11] Forma de organização do Estado em que os entes federados são dotados de autonomia administrativa, política, tributária e financeira e se aliam na criação de um governo central por meio de um pacto federativo. O Federalismo surgiu da necessidade, principalmente, de países com grandes extensões territoriais descentralizar o seu poder. Nesses países, há diversidades culturais, climáticas, sociais e econômicas, de modo que as necessidades e prioridades diferem muito de uma região para a outra (Enap, 2017, p. 7).

[12] Países que cobram IGF: Espanha, Noruega, Suíça, Argentina, Bolívia, Uruguai e Colômbia.

[13] O Brasil apresentou proposta no G20 para criar um imposto global sobre grandes fortunas para financiar o enfrentamento das mudanças climáticas e da pobreza extrema, angariando a simpatia de algumas das nações mais poderosas do planeta para a iniciativa. Ministros da Alemanha, da França e da Espanha expressaram entusiasmo pela ideia, e a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), prometeu ajuda para tirá-la do papel (Balthazar, 2024).

[14] Outra forma de estudarmos a desigualdade de rendimentos, além do cálculo do Índice de Gini, é analisando os percentis de renda. Os percentis, decis e quantis são calculados ordenando a população de forma crescente a partir do nível de renda. Se uma economia possui 100 pessoas, por exemplo, ordenam-se essas pessoas por ordem de renda e divide-se a população em grupos com o mesmo número de pessoas. Assim, se existem 10 subsegmentos, temos os decis – cada grupo contendo 10% da população. Por fim, os dados ainda podem ser subdivididos em percentis, neste caso a população é dividida em centésimas partes, cada parte teria 1% dos dados. Para calcular uma medida de distribuição de renda, obtemos a renda apropriada por cada um dos decis da distribuição de renda, juntamente com o último percentil, que é o valor equivalente ao 1% mais rico da população. (PNAD, 2024).

[15]  Vice-presidente de Assuntos Tributários da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) (Agência Senado, Westin, 2021)

[16] Aumento (diminuição) da alíquota conforme o montante sujeito à cobrança aumenta (Rodrigo, 2016)

[17] Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Agência Senado, Westin, 2021)

[18] A doutrina chama de “Estado Fiscal” o modelo de estado cujas necessidades são essencialmente cobertas por impostos. A ideia de Estado Fiscal pode ser entendida como a projeção financeira do Estado de Direito (Neto, 2012, p.67).

[19] Offshore é um termo utilizado para designar “empresas” constituídas no exterior. Essas empresas podem ser uma sociedade limitada, ou uma sociedade por ações, como conhecemos no Brasil. Além disso, a depender da lei do país em que são constituídas, as offshores podem ser constituídas como sociedades ou entidades não personificadas, que não têm equivalente no Brasil, como partnerships, foundations e fundos de investimento com normas bem diferentes dos fundos brasileiros. Nos fundos de investimento com classes de cotas (como os segregated portfolio funds), cada classe de cotas deve ser considerada como uma entidade separada (Ministério da Fazenda, 2023, p. 5).

[20] Os brasileiros podem constituir empresa em qualquer país, seguindo a lei daquele país. No entanto, para investimentos financeiros, tipicamente, as off-shores são constituídas em países que não tributam a renda, ou que a tributam a alíquotas muito baixas, conhecidos como paraísos fiscais. A definição legal de jurisdição de tributação favorecida e de regimes fiscais privilegiados constam do art. 24 e do art. 24-A da Lei no 9.430, de 1996 (Ministério da Fazenda, 2023, p.8).

[21] Diferimento tributário é permitir a postergação do recolhimento do imposto até um momento futuro, que pode demorar muitos anos para ocorrer (Ministério da Fazenda, 2023, p.7).

[22] A exposição de motivos é um texto que acompanha proposições legislativas (p.e. projetos de lei), explicando a proposta e as razões para a edição e aprovação da norma proposta. 

[23] Os trusts são contratos regidos por lei estrangeira que trazem regras de destinação do patrimônio das pessoas que o instituem (“instituidores”) para os seus herdeiros (“beneficiários”). Os trusts funcionam como uma espécie de testamento mais sofisticado. O patrimônio fica em nome de um terceiro, que pode ser uma empresa especializada ou uma pessoa (“trustee”). O trust pode conter termos, encargos e condições para distribuição do patrimônio aos herdeiros (Ministério da Fazenda, 2023, p.12).

Remédios concorrenciais na Economia Digital

Fernando de Magalhães Furlan

Jurisdições antitruste ao redor do mundo têm se debruçado sobre os mercados digitais e os desafios trazidos pelas rupturas tecnológicas e mercadológicas.

As primeiras iniciativas legislativo-regulatórias adotadas, como na União Europeia e no Reino Unido, privilegiam um sistema híbrido, conjugando instrumentos típicos do controle antitruste prévio ou ex ante, com ferramentas características do controle posterior ou ex post. A esse sistema híbrido chamamos de “controle antitruste simultâneo”, em que as autoridades da concorrência mantêm um âmbito oficial de diálogo constante com os grandes operadores da economia digital, a fim de que possam acompanhar, esclarecer e, eventualmente, remediar preocupações concorrências nesses espaços cibernéticos.

Estudos sustentam, de maneira convergente, que existem aspectos econômicos específicos dos mercados digitais que favorecem elevados níveis de concentração. Entre eles:

  • economias de escala e de escopo relevantes, que, potencialmente podem incentivar comportamentos anticoncorrenciais em relação aos utilizadores empresariais a jusante ou a montante;
  • subsídios cruzados, especialmente quanto a receitas publicitárias que permitem oferecer serviços gratuitos a usuários de outros lados comerciais da plataforma;
  • coleta e utilização de dados dos utilizadores, isto é, as plataformas utilizam os dados como insumo essencial, criando uma “economia dinâmica de escala”, uma vez que empresas com mais dados melhoram os seus produtos a custos mais baixos do que outras (menores). Isto pode caracterizar potencial barreira à entrada de novos competidores;
  • (custos de mudança (switching costs): algumas plataformas podem gerar altos custos para os usuários mudarem de provedor de serviço, como configurar um novo perfil, enviar novos conteúdos ou criar nova comunidade de seguidores;
  • externalidades de rede: a utilidade de uma tecnologia ou serviço cresce à medida que aumenta o seu número de usuários. Os efeitos de bloqueio (lock-in) podem dificultar a substituição de uma plataforma dominante, mesmo que exista uma alternativa superior disponível;
  • competição “o vencedor leva tudo” (“winner takes all”) ou “o vencedor leva a maior parte” (“winner takes most”): o primeiro a entrar num mercado pode tornar-se forte tão rapidamente que deixa os participantes posteriores em desvantagem;
  • estratégias de auto favorecimento (self-preferencing) de produtos e serviços oferecidos pelo próprio grupo econômico da plataforma, para excluir seus rivais, tais como: mostrar classificações de pesquisa online com seus resultados primeiro, distribuição “desigual” de lojas de aplicativos e imposição de dificuldades à interoperabilidade, isto é, quando uma plataforma dominante restringe a capacidade dos concorrentes de interoperar com a sua plataforma ou acessar informações importantes, como dados, APIs ou lojas de aplicativos (barreiras à entrada);
  • as plataformas digitais também podem dar um novo significado aos comportamentos abusivos tradicionais, como práticas de exclusividade e vendas casadas. Os exemplos incluem a pré-instalação de aplicativos da empresa em sistemas operacionais móveis, a imposição de serviços conjuntos de mídia social e anúncios de comércio eletrônico.

Autoridades de defesa da concorrência mundo afora, inclusive no Brasil, têm defendido a adoção do modelo de controle prévio (ex ante) para os mercados digitais, além da adoção de normas específicas e preventivas para atender às peculiaridades da economia digital.

Exemplos de inciativas em jurisdições tradicionais nesse sentido são o Reino Unido (2023), a Alemanha (2021), a Austrália (2021), a África do Sul (2023), o Japão (2021) e o Canadá (2023). A ideia é adotar um quadro regulamentar flexível e adaptável, um modelo que se ajusta de forma dinâmica e permite um acompanhamento contínuo, mantendo o controle e a autonomia sobre a evolução das normas aplicáveis aos mercados digitais.

Limitações de um controle posterior (ex post)

O controle ex post da conduta, ainda que potencialmente, anticoncorrencial não é considerado adequado para os mercados digitais, quando considerado sozinho. Tem se considerado mais adequado, não somente a aplicação de ambos, o controle prévio (via atos de concentração econômica) e o controle posterior (via investigação de condutas); mas algo novo: um controle simultâneo da operação das grandes plataformas digitais.

Mesmo que a Lei de Defesa da Concorrência brasileira seja considerada moderna, especialmente quando contempla formas de intervenção mais flexíveis, como medidas preventivas, que inclusive têm sido utilizadas em casos envolvendo aplicativos digitais (iFood[1] e Gympass[2]), ou a celebração de acordos de cessação de conduta (TCC), não é suficiente e adequado enfrentar investigações, que podem durar anos e exigir a estrita observância dos direitos processuais, num contexto contraditório, que pode prolongar o processo de tomada de decisão para remediar a conduta anticompetitiva.

O desenho de soluções comportamentais ou estruturais eficazes é um desafio, uma vez que as condições de mercado tendem a mudar substancialmente, além de envolver questões como acesso a dados, interoperabilidade e portabilidade, que são difíceis de controlar.

Nos casos Google Shopping[3], Google AdWords[4] e Google Scraping[5], por exemplo, houve longos debates sobre os padrões de prova e a presunção de regimes de ilegalidade necessários para demonstrar os efeitos anticompetitivos das práticas analisadas. Isto acabou por determinar o arquivamento do processo.

Os conceitos de “mercado relevante”, “posição dominante” e “fechamento de mercado” enfrentam desafios adicionais em modelos de negócios baseados em dados, onde os efeitos anticoncorrenciais não relacionados com o preço permitem a configuração de situações de exclusão (por exemplo: exploração abusiva de dados, imposição de restrições à interoperabilidade, cópia de conteúdos em mercados de comparação de preços e relações de favoritismo em mercados de pesquisa etc.).

A definição de mercado relevante, focada na substitutibilidade e na participação de mercado, não considera a concorrência dentro do ecossistema, onde a competição por receitas emergentes de serviços complementares é mais relevante do que a rivalidade horizontal.

As estratégias utilizadas pelas plataformas digitais dominantes manifestam-se de formas que tornam difícil classificá-las como violações antitruste conhecidas, como “recusa de contratar”, “vinculação” ou “discriminação”.

Objetivos e fundamentos do controle prévio (ex ante)

O controle ex ante das plataformas e aplicativos digitais deve abordar as disfunções nos ecossistemas digitais como falhas funcionais e distributivas que afetam a geração e apropriação de valor, com peculiaridades em relação às falhas tradicionais de mercado[6].

A ideia seria adotar um modelo de diálogo contínuo, para orientar e garantir o cumprimento dos padrões de concorrência, reduzindo a necessidade de intervenções punitivas e permitindo uma aplicação mais ágil e adaptativa da lei, ajustando-se rapidamente às inovações do mercado.

Da mesma forma, esse modelo promoveria uma cultura de compliance, garantindo o pilar da prevenção voluntária de condutas, importante em qualquer jurisdição antitruste.

Assim, a intervenção antitruste “simultânea” promoveria a concorrência por meio da garantia pari passu da redução de barreiras à entrada, da contestabilidade dos mercados, da inovação (incremental, disruptiva ou radical) e o empreendedorismo (livre iniciativa).

A necessidade de um controle, não somente prévio, mas simultâneo, capaz de prevenir e impor imediatamente obrigações de proteção da concorrência aos operadores em mercados digitais, aliás, já foi objeto de legislação (hard law) ou regulamentação (soft law) em Jurisdições tradicionais.

A União Europeia aprovou no Parlamento Europeu o Digital Markets Act – DMA, lei para tornar os mercados no setor digital mais justos e contestáveis, estabelecendo um conjunto de critérios objetivos claramente definidos para identificar potenciais riscos à concorrência.

No Reino Unido, o Parlamento também aprovou o Digital Markets, Competition and Consumers Act – DMCC Act, ou Lei de Mercados Digitais, Concorrência e Consumidores, de 2024. Um projeto de lei apresentado pelo governo, incialmente à Câmara dos Comuns. O objetivo é a regulamentação da concorrência em mercados digitais, alterando a Lei da Concorrência de 1998 e a Lei Empresarial de 2002.  A nova lei também traz disposições relacionadas à proteção dos direitos do consumidor em mercados digitais.

Na Alemanha, o novo artigo 19-A da Lei Alemã da Concorrência, também com aprovação legislativa, a chamada “Lex GAFA” (iniciais de Google, Apple, Facebook e Amazon), do início de 2021, aborda “empreendimentos de suma importância para a concorrência em todos os mercados” e permite que o Bundeskartellamt, como autoridade da concorrência alemã, impeça certos comportamentos abusivos de detentores de grande poder de mercado. No entanto, procedimentos para declarar a Apple, o Facebook (Meta) e a Amazon como “empreendimentos de suma importância” (undertakings of paramount significance) ainda estão em andamento[7]. Embora, após quase um ano de avaliação, o Bundeskartellamt tenha declarado o Google (Alphabet) como um empreendimento de suma importância[8], medidas concretas ainda não foram tomadas.

O Senado dos Estados Unidos da América atualmente discute um projeto de lei conhecido como American Innovation and Choice Online Act (“AICO”)[9]. Tal proposição legislativa proíbe certas grandes plataformas on-line de se envolverem em atos específicos, incluindo dar preferência aos seus próprios produtos na plataforma, limitar injustamente a disponibilidade de produtos concorrentes de outra empresa ou discriminar na aplicação ou execução dos termos de serviço da plataforma entre usuários em situação semelhante.

Além disso, segundo a proposta em análise no Senado estadunidense, uma plataforma não pode restringir ou impedir materialmente a capacidade de um usuário comercial concorrente acessar ou interoperar com a mesma plataforma, sistema operacional ou recursos de hardware ou software. O projeto de lei também restringe a instalação ou desinstalação de software, funcionalidade de pesquisa ou classificação e retaliação por contato com a polícia em relação a violações reais ou potenciais da lei.

O que parece incontestável é a necessidade de adaptar e melhorar as leis de concorrência, as suas ferramentas e o desenho institucional das autoridades para serem capazes de fazer frente à dinâmica e inovadora economia digital e desempenhar o papel de prevenir e reprimir o abuso do poder econômico nesses mercados.

Conclusão

O “regulador” antitruste pode e deve adaptar o seu ferramental prático e teórico na medida em que novos desafios da realidade dinâmica dos mercados, especialmente os inovadores, se apresentam.

No contexto brasileiro, mostramos brevemente que isso vem sendo feito ao longo do tempo, com a adoção de soluções criativas, contudo realistas e fundamentadas, no direito e na economia, capazes de fazer frente à necessidade de implantação de providências para prevenir e remediar condutas potencialmente danosas.

Não há que se falar em “reorientação do direito da concorrência” em razão dos desafios postos pela Economia Digital. No máximo, estamos diante de uma adaptação. Os conceitos do direito da concorrência também continuam intocados, talvez merecendo um novo verniz, uma nova tonalidade.


[1] Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcaPonKpemYl591TZDVz41cKkeMG3znSccU-isTZDv-qj. Acesso em: 05/07/2024.

[2] Processo Administrativo nº 08700.004136/2020-65. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcSAlNG3BEuxBuDxuaTl21JtluCsnT1rW6o6w8bRweD-x. Acesso em: 05/09/2024.

[3] Processo Administrativo nº 08012.010483/2011-94. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yOb0rdAAnkZ36Rru6H33qbFO51_fjuVWb1uid6m5S5BxJ8gFyW8xprjnuylPdYbaX3VDhhG3SAtGWLJPIqjsEDX. Acesso em: 05/09/2024.

[4] Processo Administrativo nº 08700.005694/2013-19. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?2pXoYgv29q86Rn-fAe4ZUaXIR3v7-gVxEWL1JeB-RtUgqOwvr6Zlwydl0IhRNSr2Q22lByVKByYDYwsa13_Jxjwy0jsF2VUK9nLLMn4AapgzHPEyXU3WqUFUJvQc-tbB. Acesso em: 05/09/2024.

[5] Processo Administrativo nº 08700.009082/2013-03. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?2pXoYgv29q86Rn-fAe4ZUaXIR3v7-gVxEWL1JeB-RtUgqOwvr6Zlwydl0IhRNSr2Q22lByVKByYDYwsa13_JxuPKafcwvOhoHGvTOhF6VN9yQ1Q84rME0Sb3aYKzWyP2. Acesso em: 05/09/2024.

[6] Informação assimétrica, concentração de mercado, externalidades etc.

[7] Bauermeister, Tabea.  Section 19a GWB as the German “Lex GAFA” – lighthouse project or superfluous national solo run?   Working Paper Series No. 23/22. Jean Monnet Network on EU Law Enforcement Working Paper Series, p.2. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://jmn-eulen.nl/wp-content/uploads/sites/575/2022/05/WP-Series-No.-23-22-Section-19a-GWB-as-the-German-Lex-GAFA-Bauermeister.pdf. Acesso em: 06/09/2024.

[8] Idem, p.2.  Alphabet Inc. Google Germany GmbH (2021) B7-61/21 (BKartA).

[9] Disponível em: https://www.congress.gov/bill/117th-congress/senate-bill/2992/text. Acesso em: 18/09/2024.


Fernando de Magalhães Furlan. Antigo Secretario-Executivo do Ministerio do Desenvolvi mento, Industria e Comercio Exterior (MDIC) e assessor especial da CAMEX. Foi presidente do Conselho de Administracao do BNDES e da BNDESPAR. Foi presidente, conselheiro e procurador-geral do CADE. Foi também diretor do Departamento de Defesa Comercial (DECOM) e chefe de gabinete do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi membro do Conselho de Administração da FINAME/BNDES. Atualmente e membro do grupo de especialistas do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL e consultor ad hoc de projetos de defesa da concorrência das Nações Unidas (UNCTAD). É professor de direito em Brasília e atua, como professor ou pesquisador, em universidades e institutos no Brasil e no exterior. É consultor externo ou membro não-governamental de organizações e institutos brasileiros e estrangeiros e consultorias. Graduado em Administração pela UDESC/ESAG e em Direito pela UnB, tem mestrado e doutorado pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), com pós-doutorado pela Universidade de Macau, China.


Nivelando o “campo de jogo” por meio do financiamento de demandas judiciais

Eric Moura e Fernando de Magalhães Furlan

Introdução

O financiamento de litígios ou de demandas judiciais envolve um terceiro, pessoa(s) física(s) ou jurídica(s), cobrindo parte ou todas as despesas legais (custas, honorários etc.) em uma disputa, em troca de uma parte dos resultados recuperados da resolução da causa. Esse tipo de financiamento pode ser usado para apoiar várias reivindicações legais, incluindo disputas contratuais, disputas comerciais, reivindicações de propriedade intelectual, arbitragem, compra de recebíveis legais e enforcement de julgamentos (execução).[1]

Ele representa uma forma distinta de financiamento comercial, principalmente devido à sua natureza non-recourse[2]. Ou seja, ao contrário dos empréstimos bancários tradicionais, que são recourse — exigindo a devolução do principal e dos juros, independentemente do sucesso — o financiamento de litígios não obriga o reclamante a reembolsar valores, caso o litígio não resulte em uma recuperação deles.[3] Os financiadores de litígios, por meio de análise de viabilidade, veem os direitos de litígio como um ativo crível e oferecem financiamento, sem exigir garantias adicionais, estruturando o investimento como uma non-recourse. Esse arranjo permite que as partes busquem seus direitos sem assumir o ônus financeiro sozinhas.

A disponibilidade de financiamento nivela o campo de jogo (level the playing field) para o reclamante. Isso permite que sejam contratados os melhores advogados para o caso, pagos os honorários de especialistas e que recursos estejam disponíveis ao longo do ciclo de vida do caso para levá-lo a uma conclusão meritória.

O financiamento de litígios abrange vários tipos de arranjos de financiamento para apoiar disputas legais. O financiamento de caso único, por exemplo, fornece capital para as despesas legais de um único caso ou arbitragem, incluindo capital de giro contingente à recuperação do caso. Por outro lado, o financiamento de portfólio envolve múltiplos casos ou arbitragens de um escritório de advocacia ou de uma empresa, com o investimento do financiador e o correspondente retorno recuperados por meio de qualquer um dos casos do portfólio, o que é chamado de cross-collateralization (colateralização cruzada). O financiamento de multiparte apoia ações coletivas contra um réu, comum em ações de valores mobiliários, de disputas ambientais e de causas consumeristas.[4]

Financiamento de litígios para empresas: possibilitando disputas equilibradas

Os financiadores de litígios permitem que os departamentos jurídicos de empresas se transformem em centros de receita[5], permitindo que uma empresa exerça plenamente seus direitos. Empresas de todos os tamanhos vêm utilizando crescentemente o financiamento de litígios por várias razões estratégicas, as quais trazem benefícios comerciais únicos. O financiamento de litígios permite, principalmente, o acesso a recursos legais que poderiam ser financeiramente onerosos ou arriscados, não apenas para pequenas e médias empresas e startups, mas também para grandes corporações.

Enquanto entidades menores frequentemente usam o financiamento para nivelar o campo de jogo contra oponentes maiores, com grande capacidade financeira, grandes empresas também aproveitam o financiamento de litígios para otimizar a alocação de recursos e manter a flexibilidade financeira. Para essas entidades maiores, o financiamento de litígios permite que elas persigam batalhas legais complexas e potencialmente custosas, sem imobilizar capital que poderia ser usado para outros investimentos estratégicos ou necessidades operacionais.[6]

As implicações estratégicas do financiamento de litígios vão além do mero suporte financeiro. Ter o apoio de financiadores de litígios, que geralmente realizam uma diligência detalhada antes de investir, pode sinalizar a força da posição legal de uma empresa e suas chances de sucesso. Isso não apenas ajuda a tomar decisões legais mais informadas, mas também a assumir casos de longa duração, sem o risco de ficar sem capital ao longo do caminho. No geral, o financiamento de litígios não é apenas uma ferramenta financeira, mas um ativo estratégico que aprimora a capacidade de uma empresa de gerenciar riscos, controlar custos e apoiar objetivos comerciais mais amplos. Isso fica particularmente evidente nos cenários analisados a seguir e que destacam as variadas aplicações do financiamento de litígios em ambientes corporativos.

Para empresas enfrentando dificuldades financeiras, o instinto imediato é frequentemente implementar medidas de corte de custos, incluindo a redução de despesas legais que podem parecer não essenciais para as operações em andamento. No entanto, se tal empresa possui uma reivindicação, esse ativo pode resultar em um pagamento futuro significativo, embora possa levar anos até que o caso seja resolvido. O financiamento de litígios pode, nesse caso, desempenhar um papel crítico, monetizando a reivindicação antecipadamente, com base em seu valor futuro projetado ou cobrindo custos e despesas legais contínuas. Isso permite que a empresa retenha esse ativo enquanto melhora a sua estabilidade financeira imediata, reforçando diretamente o balanço patrimonial ou aliviando gastos contínuos.[7]

Nos casos em que empresas estão navegando pela recuperação ou falência, o financiamento de litígios também pode fornecer capital operacional crucial, geralmente disponível apenas por meio de financiamento Debtor in Possession (DIP). Tipicamente, o financiamento DIP é garantido por ativos tangíveis, mas o financiamento de litígios oferece uma alternativa que não requer garantia tradicional. Em vez disso, usa as recuperações de litígios futuras potenciais como uma garantia non-recourse, preservando assim a prioridade do credor garantido sênior sobre os ativos tangíveis da empresa. Esse financiamento pode cobrir taxas legais, custos de reestruturação ou outras despesas operacionais, permitindo que a empresa mantenha operações durante um período financeiramente tumultuado.[8]

Outro exemplo seria ampliar o orçamento do departamento jurídico para proteger mais proativamente a marca e o market share da empresa (por exemplo, por meio de demandas envolvendo propriedade intelectual ou concorrência). Isso vai além de simplesmente manter a despesa de litígio fora do balanço e gerar receita após a resolução. Está ativamente trabalhando em direção ao objetivo estratégico da empresa de crescer e manter sua vantagem competitiva.

Além disso, o financiamento de litígios oferece aos credores uma oportunidade valiosa de monetizar demandas contra um devedor em falência. Os credores podem enfrentar longas esperas enquanto o processo se desenrola, o que pode durar anos. Um financiador de litígios, que intervém para monetizar essas reivindicações, pode fornecer alívio financeiro imediato e reduzir a incerteza e os riscos associados a processos prolongados.

Esses cenários destacam o papel dinâmico e benéfico do financiamento de litígios em contextos de insolvência, proporcionando liquidez crítica e vantagens estratégicas. Ao transformar reivindicações/demandas de litígio em ativos tangíveis, os advogados in-house podem efetivamente alavancar essas ferramentas para salvaguardar e avançar os interesses financeiros de entidades em crise (distressed) ou insolventes e seus credores, navegando a complexidade da insolvência corporativa com maior perspicácia e estratégia.

Financiamento de litígios para escritórios de advocacia: uma ferramenta para monetização antecipada e expansão

O financiamento de litígios tem se tornado uma ferramenta cada vez mais popular também entre escritórios de advocacia para gerenciar os riscos financeiros associados a litígios. Ao compartilhar o risco com um financiador, os escritórios podem assumir casos significativos sem arcar com todo o ônus financeiro, suavizando assim os fluxos de caixa e mitigando o impacto de resultados de litígios potencialmente voláteis. Esse arranjo financeiro também apoia os escritórios na melhoria de seus resultados, permitindo-lhes perseguir mais casos e aumentar as receitas com uma abordagem associada ao risco. Além disso, possibilita que os escritórios ofereçam estruturas de preços competitivas, tornando os serviços jurídicos mais acessíveis aos clientes e melhorando a posição de mercado do escritório.

Os escritórios de advocacia utilizam o financiamento de litígios principalmente para mitigar riscos, especialmente em arranjos de honorários de contingência, onde o escritório arca com os custos do litígio e só recebe pagamento após um resultado bem-sucedido. Ao garantir financiamento externo, os escritórios podem perseguir casos significativos e potencialmente lucrativos, sem assumir todo o risco financeiro por conta própria.

Além disso, o financiamento de litígios ajuda os escritórios de advocacia a manter a estabilidade financeira. Como o financiamento é non-recourse — o que significa que não precisa ser reembolsado, se o litígio não for bem-sucedido — ele não impacta negativamente o balanço patrimonial do escritório. Os escritórios podem usar esse financiamento para cobrir custos operacionais, mantendo assim o fluxo de caixa e possibilitando expansões ou atualizações tecnológicas, sem tensão financeira.

O financiamento de litígios geralmente começa com o financiamento de caso único, onde os recursos são fornecidos especificamente para as despesas de um caso particular, mas também pode envolver financiamento de portfólio, que inclui a obtenção de fundos para um grupo de casos. Esta abordagem de portfólio ajuda a diversificar os riscos de litígio e pode atrair termos de financiamento mais favoráveis. Os portfólios também podem ser estruturados de maneira que casos adicionais possam ser incluídos ao longo do caminho, diversificando ainda mais o risco e oferecendo oportunidades adicionais para a cross-collateralization (colateralização cruzada).

Os principais financiadores de litígios frequentemente oferecem equipes internas que desenvolvem planos estratégicos de execução, tanto no início de um caso, quanto à medida que ele avança.[9] Esses planos geralmente envolvem a identificação de ativos do réu, que podem ser alvo para satisfazer uma decisão judicial ou entender mecanismos legais internacionais para a execução de decisões cross border.

O benefício de ter um plano de execução em vigor, ao longo da vida de um caso financiado, é reduzir o risco de um réu dissipar ou ofuscar seus ativos, de modo que, uma vez que uma decisão seja proferida, o reclamante tenha opções para a recuperação.

No geral, o financiamento de litígios oferece aos escritórios de advocacia uma ferramenta financeira estratégica para aprimorar suas capacidades de litígio, gerenciar riscos e melhorar a sua eficiência operacional, enquanto expande o acesso a serviços jurídicos para uma gama mais ampla de clientes.

Acesso ao financiamento[10]

Ao buscar financiamento de litígios, os potenciais reclamantes e seus representantes legais podem esperar um processo estruturado e meticuloso, que começa com o estabelecimento de um acordo de confidencialidade (NDA). Este passo crucial garante a confidencialidade e facilita a troca de informações necessárias para que o financiador avalie completamente os méritos do caso.

Na fase inicial, o financiador de litígios conduz uma análise aprofundada do caso ou portfólio, sob a proteção do NDA. Essa avaliação visa principalmente a determinar se o caso atende aos critérios do financiador/investidor. Ela envolve uma avaliação detalhada dos méritos do caso, dos danos potenciais e do entendimento de como as partes veem a divisão de riscos e outros fatores relevantes. A complexidade do caso, o tamanho do investimento proposto e o panorama jurídico geral influenciam esta análise inicial.

Caso haja interesse mútuo em prosseguir, o financiador pode emitir um term sheet. Este documento delineia os termos financeiros preliminares do investimento potencial. Os detalhes do term sheet, incluindo se é vinculativo e seu cronograma, podem variar significativamente, dependendo do financiador e das práticas regionais. Alguns financiadores podem exigir exclusividade durante o período de due diligence, enquanto outros podem estipular taxas de desistência ou outras condições.

Segue-se uma fase rigorosa de due diligence, onde os financiadores conduzem uma investigação abrangente sobre a oportunidade de investimento. Isso inclui uma análise exaustiva dos méritos das demandas/reivindicações, dos resultados possíveis e dos antecedentes financeiros e legais do reclamante e dos advogados envolvidos. O processo pode variar de uma firma de financiamento para outra, com algumas dependendo de equipes internas de litigantes experientes e outras recorrendo a advogados e assessores externos para obter insights.

Uma vez concluída a due diligence, a decisão de financiar o caso é tomada por um comitê de investimento ou órgão similar dentro da organização do financiador. Esta decisão é baseada em apresentações detalhadas dos resultados do caso. Se o investimento for aprovado, um Acordo de Financiamento de Litígios (LFA, na sigla em inglês) vinculante é redigido, detalhando os termos do investimento. Essa fase varia em duração, mas geralmente abrange várias semanas.

Após o investimento, o monitoramento do caso é tipicamente discreto. Os financiadores frequentemente adotam uma abordagem de “toque leve”, respeitando as decisões estratégicas da equipe jurídica enquanto retêm o direito de ser informados sobre desenvolvimentos significativos e ofertas de acordo. Atualizações regulares e discussões estratégicas ocorrem, com financiadores às vezes participando de procedimentos importantes como observadores, garantindo que permaneçam informados, sem comprometer a confidencialidade dos detalhes financeiros do reclamante.

Ao longo do processo, a expertise dos profissionais de financiamento de litígios, especialmente aqueles com formação jurídica, proporciona uma contribuição não vinculativa inestimável, que pode orientar a estratégia e influenciar a trajetória do caso, sublinhando seu papel não apenas como apoiadores financeiros, mas como parceiros estratégicos no processo de litígio.

Conclusão

O financiamento de litígios é uma ferramenta para empresas e escritórios de advocacia de todos os tamanhos, aprimorando estratégias legais e financeiras. Essa solução de financiamento inovadora não apenas alivia o ônus financeiro, associado a litígios custosos, mas também equipa escritórios e reclamantes com os recursos necessários para perseguir casos da forma a mais robusta possível.

As empresas se beneficiam do financiamento de litígios, pois ele permite que seus interesses sejam protegidos e seus direitos sejam afirmados, sem comprometer a sua liquidez operacional. Ao aproveitar o financiamento externo, as empresas podem perseguir reivindicações e proteger seus ativos, sem tensão financeira imediata, mantendo assim a estabilidade e focando em suas atividades principais.

Para os escritórios de advocacia, por outro lado, o financiamento de litígios pode transformar a maneira como gerenciam cargas de trabalho e relacionamentos com clientes. Isso permite que os escritórios aceitem casos mais complexos e de alto risco, sem o risco de esgotar os recursos do escritório, ampliando assim o seu alcance de mercado e potencialmente aumentando as suas taxas de sucesso e lucratividade. Esse tipo de financiamento apoia, não apenas a busca pela justiça, mas também o crescimento e a sustentabilidade do próprio escritório.

Além disso, o financiamento de litígios introduz uma camada de disciplina financeira e perspicácia jurídica no processo de litígio, pois os financiadores trazem a sua própria expertise e habilidades analíticas para avaliar os méritos das reivindicações.

Em última análise, o financiamento de litígios não se limita a fornecer recursos financeiros; trata-se de capacitar escritórios de advocacia e empresas a buscar estrategicamente seus direitos legais. Ao compensar riscos e possibilitar uma busca mais ativa em suas reivindicações, o financiamento de litígios ajuda a nivelar o campo de jogo, garantindo que todos os escritórios e empresas tenham acesso aos recursos que apoiam seu sucesso e saúde financeira a longo prazo.


[1] Disponível em: https://omnibridgeway.com/litigation-finance. Acesso em: 30/05/2024.

[2] Modalidade de empréstimo em que não há a exigência de garantias.

[3] Disponível em: https://omnibridgeway.com/litigation-finance. Acesso em: 30/05/2024.

[4] Idem.

[5]Disponível em: https://omnibridgeway.com/insights/blog/blog-posts/blog-details/global/2023/02/22/how-corporate-legal-departments-can-generate-revenue-with-legal-finance. Acesso em: 31/05/2024.

[6] Disponível em: https://iveybusinessjournal.com/unlocking-value-in-commercial-disputes/. Acesso em: 31/05/2024.

[7] Disponível em: https://omnibridgeway.com/insights/blog/blog-posts/blog-details/global/2024/05/21/the-in-house-view—-litigation-funding-and-corporate-insolvency-what-in-house-counsel-need-to-know/. Acesso em: 29/05/2024.

[8] Id.

[9] Disponível em: https://omnibridgeway.com/litigation-finance. Acesso em: 31/05/2024.

[10] Id.


Eric Moura. LLM in Global Business Law pela Columbia Law School. Consultor na Omni Bridgeway. E-mail: emoura@omnibridgeway.com

Fernando de Magalhães Furlan. Doutor pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Professor do Centro Universitário do Planalto Central (UNICEPLAC). E-mail: fernandomfurlan@gmail.com.


Direito tributário não acompanha novos modelos de negócios

Fernando de Magalhães Furlan

O mundo dos negócios, como deve ser, é extremamente dinâmico e busca sempre inovadoras soluções.

Marketing multinível

O marketing multinível (MM), ou marketing de rede, é um desses novos modelos de vendas em que um distribuidor/revendedor recebe uma participação nos lucros obtidos por ele e por sua rede de distribuidores/revendedores a jusante. Assim, os ganhos podem vir de vendas diretas e/ou do recrutamento de novos distribuidores/revendedores.

O modelo de marketing multinível foi criado em 1941, por Carl Rehnborg, nos Estados Unidos da América e hoje está amplamente difundido no mundo e no Brasil. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (ABEVD)[1], em 2022, foram comercializados produtos e serviços por venda direta no país, que geraram um volume de negócios de R$ 45 bilhões. A força de vendas no Brasil tem cerca de 3,5 milhões de empreendedores, que atuam como revendedores diretos das empresas, seja em modelo de marketing multinível ou mononível[2].

As ações de marketing de uma empresa são de inúmeros tipos, como, por exemplo, a promoção de vendas. Ladeira e Santini nos ensinam que uma promoção de venda é:

Uma técnica de marketing que (…) pode ser entendida como um agregado de técnicas que almeja aumentar a performance em vendas pela geração de incentivos adicionais no consumo, usando uma perspectiva de curto prazo e imediata, dentro de um período predeterminado, promovendo maior velocidade e maior volume na compra de bens, afetando diretamente diferentes públicos[3].

E acrescentam:

Observando esse conceito, podemos identificar sete etapas importantes no mecanismo de execução de uma técnica de promoção de vendas: (a) incentivos adicionais, (b) perspectiva de curto prazo, (c) imediatismo, (d) período predeterminado, (e) maior velocidade, (f) maior volume, (g) diferentes públicos e (h) aumento da performance[4].

A promoção de vendas está inserida dentro das estratégias de merchandising, que dizem respeito às ações de curto e longo prazo, que têm como objetivo estabelecer uma identidade entre a marca e os consumidores[5].

Estímulos de curto prazo das estratégias de merchandising podem ser potencializados pelo uso de promoções. As promoções de vendas agem em um período de curto prazo, estimulando os clientes a consumirem imediatamente e sinalizam, dentro das estratégias de merchandising, que algo pode ser consumido rapidamente, com uma vantagem no ato da compra. Essa vantagem pode ser um desconto; o direito a cupom para concorrer a um bem de valor no final da promoção; um brinde etc.

Aqui, portanto, é necessário fazer uma distinção entre a promoção de vendas, definida pela doutrina e no contexto de uma ação de merchandising, ou seja, de curto prazo, temporária, com período predeterminado; e a promoção de vendas enquanto esforço contínuo de fomento às vendas, perene, constante, que envolve muito mais do que uma breve exposição/demonstração de produtos em pontos de venda, mas um conjunto de ações contínuas, que objetiva não somente o incremento das vendas, mas a boa e adequada informação ao distribuidor e ao consumidor, a boa gestão empresarial, dentre outros.

Universidades Corporativas Abertas (UCs)

O conceito de Universidade Corporativa (UC)[6], ferramenta de desenvolvimento profissional, responsável por criar e reproduzir conhecimento nas organizações e outros ambientes corporativos e profissionais. O principal objetivo de uma universidade corporativa é aprimorar os profissionais para promover o crescimento deles, dos negócios e da organização. A empresa aplica uma série de treinamentos e técnicas para desenvolver habilidades e comportamentos dos colaboradores.

Alguns projetos de universidade corporativa atingem tamanho sucesso que acabam se transformando em verdadeiras escolas de negócios, abertas ao público interessado em geral.

Para Ribeiro[7], o apoio que a área de treinamento ou UC pode prestar aos profissionais envolvidos é relevante. Palestras sobre cenários e perspectivas dos negócios e da economia; cursos sobre desenvolvimento de novos produtos, embalagens e canais de distribuição; treinamento em técnicas de gestão de centros de distribuição, gestão da cadeia de suprimentos (supply chain management) e varejo, marketing e logística são alguns exemplos com resultados diretos na performance dos profissionais e das empresas.

Fomento ao empreendedorismo

De acordo com Oliveira[8], há alguns fatores externos e, portanto, geralmente não controláveis, que podem apresentar determinado nível de influência – forte ou fraca, positiva ou negativa, de longa, média ou curta duração – no processo de desenvolvimento do empreendedorismo.

Entre eles estão os incentivos que facilitam o empreendedorismo, pois o empreendedor fica livre de uma série de problemas provocados pelos governos (burocracia, tributos elevados etc.). Infelizmente, esses incentivos são temporários e, algumas vezes, direcionados a determinados produtos e serviços, gerando uma série de dúvidas quanto ao futuro do empreendimento.

Desde logo é importante lembrar que a Livre Iniciativa, que nada mais é do que o empreendedorismo, ou a disposição de implementar novos negócios, é fundamento da República, consoante o artigo 1º da Constituição Federal, além de fundamento da Ordem Econômica, de acordo com o artigo 170, caput.

Além disso, o artigo 170, inciso IX estipula como princípio geral da atividade econômica o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.

Liberdade econômica

A chamada Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 2019) instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo garantias de livre mercado aos empreendedores nacionais.

Nela, especificamente em seu artigo 2º, estão listados princípios que a norteiam: (i) a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; (ii) a boa-fé do particular perante o poder público; (iii) a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e (iv) o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

Adiante, em seu artigo 3º, a lei dispõe sobre os direitos de liberdade econômica, isto é, direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do país (…), dos quais destacamos:

(…)

III – definir livremente, em mercados não regulados, o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda;

(…)

V – gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário;

VI – desenvolver, executar, operar ou comercializar novas modalidades de produtos e de serviços quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente, nos termos estabelecidos em regulamento, que disciplinará os requisitos para aferição da situação concreta, os procedimentos, o momento e as condições dos efeitos;

O artigo 4º trata das Garantias de Livre Iniciativa, estabelecendo ser dever da Administração Pública, entre outros, (…) evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente: (…) IV – redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco; V – aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios; e (…) VII – introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas.

Por fim, o inciso IV, do artigo 3º da Lei, que estipula ser direito das empresas “desenvolver, executar, operar ou comercializar novas modalidades de produtos e de serviços quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado (…)”.

Decisões administrativas do Poder Executivo, suas interpretações, regulamentos e normativas devem estar atualizados e conseguir acompanhar o desenvolvimento tecnológico, fórmulas inovadoras, técnicas de última geração em performance, gestão/administração de negócios, enfim, uma miríade de ferramentas de desenvolvimento e atualização profissionais.

Afinal, como nos ensinam Anderle e Melo[9], “as mudanças do mercado e as exigências do mundo contemporâneo requerem modelos de negócios cada vez mais inovadores (…)”. Como reflexo jurídico dessa nova economia, os contribuintes diversificaram rapidamente as suas formas de organização produtivas e empresariais. Essas novas concepções de organização desenvolvidas pelas sociedades empresariais oferecem um desafio perene ao Direito e aos seus intérpretes para que ele possa se adaptar a esses novos métodos de estruturação.

Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal indica predileção pela liberdade de organização (CF/88, art. 170, caput), permitindo que o empreendedor tenha autonomia para decidir, explorar sua atividade de forma efetiva e, consequentemente, se subordinar aos regimes jurídicos que recaem sobre essa opção, instaura-se no cenário jurisprudencial incertezas sobre a licitude dos meios adotados para a reorganização operacional e societária das empresas, em especial pela oposição dos legítimos interesses de economia fiscal dos contribuintes, de um lado, e dos interesses arrecadatórios da Fazenda Pública, de outro.


[1] Disponível em: https://www.abevd.org.br/dados-e-informacoes/. Acesso em: 23/01/2024.

[2] No marketing mononível os ganhos estão relacionados, exclusivamente, à venda dos produtos oferecidos.

[3] LADEIRA, Wagner et SANTINI, Fernando. Merchandising e promoção de vendas: como os conceitos modernos estão sendo aplicados no varejo físico e na Internet. São Paulo: Atlas, 2018, p. 85.

[4] Idem.

[5] Ibidem, p. 3.

[6] UC ou Universidade corporativa é uma instituição empresarial que faz parte da estratégia da área de Treinamento & Desenvolvimento das organizações. Ela converge a agenda de treinamentos e a formação contínua de todos os colaboradores aos interesses e objetivos estratégicos da empresa.

[7] RIBEIRO, Antonio de Lima. Gestão de Treinamento de pessoas. 1ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 17.

[8] OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Empreendedorismo: vocação, capacitação e atuação direcionadas para o plano de negócios. São Paulo: Atlas, 2014, p.

[9] ANDERLE, Ricardo et al. Planejamento tributário na segregação de atividades. Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.ibet.com.br/wp-content/uploads/2023/06/Ricardo-Anderle-e-Naiara-Melo.pdf. Acesso em: 29/01/2024.


FERNANDO DE MAGALHÃES FURLAN. Antigo Secretario-Executivo do Ministério do Desenvolvi mento, Industria e Comercio Exterior (MDIC) e assessor especial da CAMEX. Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e da BNDESPAR. Foi presidente, conselheiro e procurador-geral do CADE. Foi também diretor do Departamento de Defesa Comercial (DECOM) e chefe de gabinete do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi membro do Conselho de Administração da FINAME/BNDES. Atualmente e membro do grupo de especialistas do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL e consultor ad hoc de projetos de defesa da concorrência das Nações Unidas (UNCTAD). É professor de direito em Brasília e atua, como professor ou pesquisador, em universidades e institutos no Brasil e no exterior. É consultor externo ou membro não-governamental de organizações e institutos brasileiros e estrangeiros e consultorias. Graduado em Administração pela UDESC/ESAG e em Direito pela UnB, tem mestrado e doutorado pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), com pós-doutorado pela Universidade de Macau, China.


Principais alterações na regulamentação da Lei da Empresa Limpa (Lei Anticorrupção), por meio do Decreto 11.129/2022

Fernando de Magalhães Furlan

O Decreto 11.129 entrou em vigor em 18 de julho de 2022, alterando a regulamentação da Lei nº 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

O Novo Decreto trouxe as seguintes principais alterações à Lei da Empresa Limpa:

  1. Dosimetria das multas:

Em relação à dosimetria das multas, foram modificados alguns critérios e alíquotas que determinam precisamente o valor final da penalidade, quais sejam, base de cálculo, circunstâncias agravantes e atenuantes, e limites mínimo e máximo. 

Apesar de a base de cálculo padrão da multa ainda consistir no faturamento bruto da pessoa jurídica no último exercício anterior ao da instauração do PAR, o Novo Decreto inovou ao:

      (I) ampliar as formas de apuração do faturamento, por meio da inclusão da estimativa e da identificação do montante total de recursos recebidos pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no referido período; 

      (II) estabelecer que, na hipótese de empresas de um mesmo grupo econômico terem praticado os atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção ou concorrido para a sua prática, a base de cálculo consistirá na soma dos faturamentos brutos de todas as empresas envolvidas; e 

      (III) determinar que, excepcionalmente, caso a pessoa jurídica comprovadamente não tenha tido faturamento no último exercício anterior ao da instauração do PAR, a base de cálculo consistirá no último faturamento bruto apurado pela pessoa jurídica, atualizado até o último dia do exercício anterior ao da instauração do PAR (arts. 20 e 21).

Quanto às circunstâncias agravantes e atenuantes aplicáveis ao cálculo da multa após o estabelecimento da respectiva base de cálculo, o Novo Decreto não só alterou determinadas hipóteses de incidência, como também modificou, ainda que pouco, a quase totalidade das respectivas alíquotas aplicáveis ao cálculo sob análise (artigos 22 e 23).

Por exemplo, o decreto aumentou de 4% para 5% o fator de redução da multa, no caso de a empresa possuir um programa de integridade efetivo. Confira:

Art. 23.  Do resultado da soma dos fatores previstos no art. 22 serão subtraídos os valores correspondentes        aos seguintes percentuais da base de cálculo:

      V – Até cinco por cento no caso de comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de       integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo V”.

Essa medida busca incentivar as empresas e instituições a adotarem reais medidas de aprimoramento de seus programas de integridade. Para isso, o novo decreto agora traz detalhamento maior de alguns parâmetros para avaliar a efetividade de tais programas.

Por exemplo: a necessidade de realizar diligências apropriadas para contratar e supervisionar terceiros, agora com a menção expressa a despachantes, consultores e representantes comerciais, que deverão ter verificações prévias nos chamados background checks e poderão responsabilizar a empresa pela Lei Anticorrupção, caso pratiquem atos de corrupção, agindo em seu interesse ou benefício.

Com relação à dosimetria da multa prevista no art. 6º, I, da Lei Anticorrupção, o decreto 11.129 trouxe modificações expressivas em relação à norma anterior (Decreto 8.420/15). O primeiro destaque é o da inserção de um novo fator para o cálculo da multa, o da existência de concurso de atos lesivos. A regulamentação anterior não era clara quanto a essa hipótese, o que proporcionava insegurança jurídica. Doravante, quando a prática de mais de um ato lesivo estiver sendo objeto de um processo administrativo de responsabilização, haverá a imposição de multa de até 4% sobre o faturamento bruto da empresa, vejamos (art. 22, I, do Decreto 11.129/2023):

Art. 22.  O cálculo da multa se inicia com a soma dos valores correspondentes aos seguintes percentuais da base de cálculo:

I – Até quatro por cento, havendo concurso dos atos lesivos;

2. Acordos de Leniência:

Os preceitos sobre a celebração de acordos de leniência também foram objeto de modificações significativas. Em vez de exigir o reconhecimento de participação da empresa signatária na infração, como previa o decreto 8.420/15, o decreto 11.129/22 permite a mera admissão da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica pelo ato lesivo à Administração Pública.

Também foi incluída previsão de que, para a assinatura do acordo de leniência, deve haver a reparação integral da parcela incontroversa do dano causado e a perda/devolução dos valores correspondentes ao acréscimo patrimonial indevido ou ao enriquecimento ilícito.

Outra novidade consiste na previsão de que a assinatura de memorando de entendimentos seria causa interruptiva do prazo prescricional de 5 anos previsto na lei 12.846. Tal previsão, contudo, pode ser alvo de questionamentos futuros, pois essa hipótese não está prevista na lei como causa interruptiva da prescrição.

Além disso, eventuais infrações à Lei da Empresa Limpa, que também representem violação administrativa à Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública, serão julgadas em conjunto em um mesmo processo.

O novo decreto também confere algumas proteções ao proponente do acordo de leniência, como por exemplo, o sigilo da negociação.

3. Cálculo da vantagem auferida:

O decreto também prevê, em seu art. 26, três novas possibilidades para se calcular a vantagem auferida ou pretendida para fins de multa ou acordo:

“Art. 26.  O valor da vantagem auferida ou pretendida corresponde ao equivalente monetário do produto do ilícito, assim entendido como os ganhos ou os proveitos obtidos ou pretendidos pela pessoa jurídica em decorrência direta ou indireta da prática do ato lesivo.

§ 1º  O valor da vantagem auferida ou pretendida poderá ser estimado mediante a aplicação, conforme o caso, das seguintes metodologias:

I – pelo valor total da receita auferida em contrato administrativo e seus aditivos, deduzidos os custos lícitos que a pessoa jurídica comprove serem efetivamente atribuíveis ao objeto contratado, na hipótese de atos lesivos praticados para fins de obtenção e execução dos respectivos contratos;

II – pelo valor total de despesas ou custos evitados, inclusive os de natureza tributária ou regulatória, e que seriam imputáveis à pessoa jurídica caso não houvesse sido praticado o ato lesivo pela pessoa jurídica infratora; ou

III – pelo valor do lucro adicional auferido pela pessoa jurídica decorrente de ação ou omissão na prática de ato do Poder Público que não ocorreria sem a prática do ato lesivo pela pessoa jurídica infratora”.

4. Contratação de Pessoas Politicamente Expostas – PEPs:

Além de diligências na contratação de terceiros, o novo decreto regulamentador exige que sejam realizadas diligências apropriadas, baseadas em riscos, para contratar e supervisionar as pessoas expostas politicamente (PEPs), ou seja, pessoas que ocupam ou ocuparam, nos últimos cinco anos, cargos de escalão superior ou funções públicas proeminentes, seus familiares, estreitos colaboradores e pessoas jurídicas das quais participem.


Fernando de Magalhães Furlan. Antigo Secretario-Executivo do Ministerio do Desenvolvi mento, Industria e Comercio Exterior (MDIC) e assessor especial da CAMEX. Foi presidente do Conselho de Administracao do BNDES e da BNDESPAR. Foi presidente, conselheiro e procurador-geral do CADE. Foi também diretor do Departamento de Defesa Comercial (DECOM) e chefe de gabinete do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi membro do Conselho de Administração da FINAME/BNDES. Atualmente e membro do grupo de especialistas do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL e consultor ad hoc de projetos de defesa da concorrência das Nações Unidas (UNCTAD). É professor de direito em Brasília e atua, como professor ou pesquisador, em universidades e institutos no Brasil e no exterior. É consultor externo ou membro não-governamental de organizações e institutos brasileiros e estrangeiros e consultorias. Graduado em Administração pela UDESC/ESAG e em Direito pela UnB, tem mestrado e doutorado pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), com pós-doutorado pela Universidade de Macau, China.


As contratações anticompetitivas das agências de publicidade

Fernando de Magalhães Furlan

Ao longo dos anos, tem sido prática comercial reiterada das agências de publicidade o desvirtuamento da competição por projetos de produção audiovisual (filmes publicitários), dentro de campanhas publicitárias, ao oferecerem tais serviços por meio de produtoras próprias, relacionadas ou parceiras, utilizando informações privilegiadas.

Além disso, o mercado de serviços de publicidade é altamente concentrado no Brasil, denotando posição dominante da parte de meia dúzia de mega agências, que, utilizando a sua influência econômica, desviam projetos de produção audiovisual para produtoras parceiras, fechando assim o mercado para as produtoras independentes.

Tal conduta das agências pode, potencialmente, caracterizar o chamado tying (venda casada, isto é, condicionar a venda de produto/serviço à aquisição de outro) ou o bundling (estratégia de venda de vários produtos ou serviços em conjunto, com supostos benefícios de aquisição para o cliente, em termos de preço e/ou funcionalidade)[1]. Além disso, essa atitude das agências de publicidade denota comportamento antiético[2], além de contrário à ordem econômica e à livre concorrência.

Além do tying (venda casa) e bundling[3] (venda em pacote), que se caracterizam por condutas unilaterais, o comportamento das grandes agências de publicidade também pode configurar condutas concertadas como o bid-rigging
(licitação fraudulenta) e a fixação de preços[4].

Aliás, a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos da América investigou, durante os anos de 2016 e 2018, as agências de publicidade daquele país sobre o uso de unidades de produção internas para a manipulação de licitações e fixação de preços, chamando a atenção para práticas há muito reclamadas por produtoras independentes e estúdios de efeitos/produções visuais.

O DoJ investigou se as agências de publicidade distorcem o processo de licitação privada, utilizando informação privilegiada[5], em favor de suas próprias unidades de produção interna, forçando empresas independentes de produção e pós-produção a aumentar os seus preços e, consequentemente, perder a competição/licitação privada.

Nos Estados Unidos, aliás, a questão das unidades de produção interna e as práticas anticompetitivas é algo que a Associação de Editores de Criação Independentes – AICE (Association of Independent Creative Editors), por exemplo, vem trabalhando há algum tempo. Em 2014, a AICE emitiu uma declaração oficial destacando as preocupações com questões de transparência, neutralidade e a prática de “verificar licitações”, isto é, “convidar empresas independentes a fazer propostas irrealistas, um processo que pode custar a essas empresas milhares de dólares de uma só vez, simplesmente para fazer aumentar os números em um campo que eles não podem ganhar[6].

A investigação esteve focada no mercado estadunidense, mas também chamou a atenção para a tensão mais ampla entre unidades de produção internas e fornecedores independentes em mercados ao redor do mundo.

Em Londres, a Associação dos Produtores de Publicidade (Advertising Producers’ Association – APA) respondeu à revelação com um memorando aos seus membros. A declaração diz que a APA defende que seus membros não façam licitações (processos seletivos) contra produtoras independentes e que os clientes sejam mais questionadores, exigindo transparência.

A investigação do DoJ, ou de qualquer outra autoridade antitruste, deve também se concentrar em averiguar se o dinheiro dos clientes (anunciantes) está sendo efetivamente gasto da maneira a mais robusta e rigorosa possível, com os melhores talentos disponíveis, a fim de entregar o melhor resultado; ou se, ao contrário, é mera solução conveniente, para suportar um fluxo previsível e confortável de receita para as agências.

A questão, portanto, vai além da manipulação de licitações privadas para o fornecimento de serviços de audiovisual, por exemplo, favorecendo produtoras internas/associadas das próprias agências de publicidade. Pois, ao cortarem o orçamento automaticamente, as unidades de produção internas das agências não estão dando aos clientes acesso aos melhores talentos e maior valor ao seu dinheiro. Pelo contrário, estão se apropriando de um bem-estar que deveria ser do anunciante/cliente (consumidor).

Apesar de a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos Estados Unidos haver arquivado/encerrado a investigação[7] de 2 anos sobre possível fraude a licitações e fixação de preços, de parte das agências de publicidade, para favorecerem unidades de produção internas, merece ser ressaltado que permanece em aberto investigação do Federal Bureau of Investigation – FBI sobre transparência entre anunciantes e agências de compra de mídia[8].

Em 10 de outubro de 2018, a Associação de Anunciantes Nacionais (ANA) notificou os seus membros de que o FBI lhe havia solicitado que informasse a seus membros sobre a investigação e pedisse que cooperassem, caso eles acreditassem que pudessem ter sido fraudados por suas agências de publicidade. Assim, o tema continua sob investigação, agora criminal, por parte das autoridades estadunidenses.

Além disso, o enforcement das autoridades antitruste estadunidenses, em relação ao setor publicidade, continua firme. Recentemente, em abril de 2022, a Comissão Federal de Comércio (Federal Trade Commission – FTC) e a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) realizaram outra fase de sua “turnê de audição” (listening tour), com foco na indústria de mídia e entretenimento. Como nos fóruns anteriores, a FTC e o DOJ promoveram a discussão para permitir que participantes menores do mercado – como artistas, criadores de conteúdo, jornalistas e o público em geral – expressassem as suas opiniões sobre os efeitos da consolidação na indústria de mídia e entretenimento.

A presidente da FTC, Lina Khan, abriu o fórum destacando as mudanças significativas do mercado na indústria de mídia e entretenimento na última década. Kahn observou uma quantidade significativa de consolidação vertical entre empresas nos últimos anos e expressou preocupação de que, atualmente, apenas um punhado de empresas controla a maior parte da cadeia de suprimentos de entretenimento.

Essas mudanças levaram a uma preocupação semelhante por parte dos observadores e estudiosos da indústria da publicidade, de que essas entidades integradas exerceriam o seu poder de mercado contra criadores de conteúdo e limitariam a diversidade de conteúdo que chegaria aos consumidores. Em suma, Kahn alertou que a consolidação descontrolada na indústria de mídia e entretenimento pode permitir “poder descomunal sobre como a informação é distribuída” afetando, em suas palavras, o “sangue vital” da democracia.

Ao que se vê, a FTC e o DOJ estão perfeitamente sintonizados em relação ao impacto da consolidação na indústria de mídia e entretenimento nas condições econômicas[9].

Vejamos, por exemplo a “Nota de Esclarecimento”[10] da Associação dos Produtores Comerciais Independentes – AICP, dos Estados Unidos da América, sobre a operação de unidades de produção e pós-produção internas de muitas holdings e agências de publicidade, que geralmente são listadas sob nomes não relacionados. A AICP criou uma lista de unidades internas de agências conhecidas para referência de suas associadas e as aconselha a verificar a lista ao considerar uma solicitação de licitação de uma agência para determinar se está licitando contra uma empresa independente ou uma agência e/ou entidade pertencente a uma holding.

No Brasil,por meio da Nota Técnica nº 11/2016/CGAA4/SGA1/SG/CADE, no Processo Administrativo nº 08012.008602/2005-09, a Superintendência Geral do CADE assim se manifestou, em sua “Avaliação final” dos efeitos anticompetitivos (item 2.1.10.4) sobre conduta concertada e fixação de preços da parte das agências de publicidade e do Conselho Executivo de Normas-Padrão (CENP):

Parágrafo 461. Foram analisadas também as condutas de fixação de porcentagem uniforme da comissão de veiculação, o desconto padrão de agência, e de fixação de limites para o repasse de parte do desconto padrão de agência aos anunciantes. Concluiu-se que as condutas também são potencialmente anticompetitivas, já que excluem a possibilidade de concorrência por preços entre as agências, induzindo à uniformização de práticas comerciais e vedando ao consumidor dos serviços publicitários a possibilidade de optar por veicular publicidade com preços mais baixos”.

O próprio Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP), isto é, o fórum de autorregulação do mercado publicitário no Brasil, assim se posicionou, por meio da Comunicação Normativa No. 016, de setembro de 2010, sobre a Certificação de Agências de Publicidade, em seu artigo 6º:

O CENP não certificará, por considerar atividades incompatíveis com as de Agência de Publicidade, as pessoas jurídicas que tenham em seu contrato social, ou não o tendo, comprovadamente, exerçam atividades de comércio de qualquer natureza, representação de Veículos de Comunicação, locação de espaço publicitário, produção de audiovisual ou material gráfico, comércio de brindes, editoração, pesquisa de mercado, pesquisa de opinião, consultoria empresarial, marketing político, licenciamento de marcas e patentes, captação de recursos, impressão gráfica, desenvolvimento de sistemas, cursos, palestras, treinamento, montagem de feiras e estandes, locação de mão de obra e tudo o que se relacionar a atividade de indústria e comércio de bens e serviços;” (grifos).

Ou seja, o próprio ente autorregulador dos serviços publicitários no país considera a produção audiovisual incompatível com as atividades de uma agência de publicidade. Isto é a produção audiovisual deve, obrigatoriamente, ser terceirizada/subcontratada por empresa independente, não relacionada à agência.

Ao agir de outra maneira, as agências de publicidade no país estão potencialmente praticando condutas ilícitas, nefastas à concorrência, fazendo incidir as hipóteses previstas no art. 36, caput, da Lei 12.529/11, seus incisos, parágrafos e alíneas, conforme abaixo:

– Limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; e

– Exercer de forma abusiva posição dominante.

Além disso, podem configurar as seguintes hipóteses previstas no § 3º do artigo 36, da LDC, sem prejuízo de outras:

I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:

  1. os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;

b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;

c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação (…);

II – Promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

IV – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

V – impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;

VIII – Regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar (…) a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;

X – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços; e XVIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem.


[1] “A consensus has emerged that a necessary condition for anticompetitive harm arising from allegedly exclusionary agreements is that the contracts foreclose rivals from a share of distribution sufficient to achieve minimum efficient scale (“MES”). This foreclosure concern is inextricably intertwined with the RRC paradigm and is applied by courts and agencies in cases involving allegedly exclusionary agreements of all kinds, including exclusive dealings, market share discounts, shelf space share agreements, category management arrangements, refusals to deal, tying, and bundling (…)”. RRC theories require an analytical link to be established between the allegedly exclusionary agreement and the MES of production. Joshua D. Wright, Moving Beyond Naïve Foreclosure Analysis, 19 GEO. MASON L. REV. 1163, 1163–64 (2012).

[2] CENP – Fórum de Autorregulação do Mercado Publicitário. Comunicação Normativa No. 016 (set/2010). Certificação de Agências de Publicidade (Objeto Social):  (…) “Art. 6º – O CENP não certificará, por considerar atividades incompatíveis com as de Agência de Publicidade, as pessoas jurídicas que tenham em seu contrato social, ou não o tendo, comprovadamente, exerçam atividades de comércio de qualquer natureza, representação de Veículos de Comunicação, locação de espaço publicitário, produção de audiovisual ou material gráfico, comércio de brindes, editoração, pesquisa de mercado, pesquisa de opinião, consultoria empresarial, marketing político, licenciamento de marcas e patentes, captação de recursos, impressão gráfica, desenvolvimento de sistemas, cursos, palestras, treinamento, montagem de feiras e estandes, locação de mão de obra e tudo o que se relacionar a atividade de indústria e comércio de bens e serviços; (…)”. (Grifos).

[3] Venda de diferentes itens (bens ou serviços) em conjunto, como um pacote.

[4] WRIGHT, Joshua – Simple but Wrong or Complex but More Accurate? The Case for an Exclusive Dealing-Based Approach to Evaluating Loyalty Discounts. Bates White 10th Annual Antitrust Conference. Washington, DC 3 June 2013 -https://www.ftc.gov/sites/default/files/documents/public_statements/simple-wrong-or-complex-moreaccurate-case-exclusive-dealing-based-approach-evaluating-loyalty/130603bateswhite.pdf “Improving foreclosure analysis to align more closely with the raising rivals’ cost framework and thereby to focus more intensely upon the ultimate competitive effects of the contracts at issue would significantly improve the existing legal framework. For example, I have suggested elsewhere that measuring the foreclosure attributable to the defendant’s conduct in loyalty discount cases – and all cases alleging contracts create market power via the raising rivals’ cost mechanism – should require a “counterfactual” analysis of the degree of foreclosure without the contracts in question”.

[5] Limites orçamentários do cliente contratante dos serviços, interesses estratégicos dos clientes etc.

[6] Disponível em: https://www.lbbonline.com/news/us-probe-into-agency-in-house-production-bid-rigging-sends-shockwaves-round-industry. Acesso em: 31/07/2023.

[7] Disponível em: https://www.clubedecriacao.com.br/ultimas/departamento-de-justica-dos-eua/. Acesso em: 10/07/2023.

[8] Disponível em: https://www.adotat.com/2018/11/fbi-initiates-media-buy-fraud-investigation/. Acesso em: 10/07/2023.

[9] Disponível em: https://www.hklaw.com/en/insights/publications/2022/05/media-and-entertainment-industry-gets-a-turn-in-doj-ftc-antitrust. Acesso em: 31/07/2023.

[10] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.aicp.com/assets/editor/Agency_InHouse_List_Final_March2018.pdf. Acesso em: 31/07/2023.

Empoderamento social por meio do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC): uma perspectiva das instituições de ensino fundamental do Distrito Federal

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marco Aurélio Bittencourt – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Vanessa Vilela Berbel – Doutora em Direito

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

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Empoderamento social por meio do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC): uma perspectiva das instituições de ensino fundamental do Distrito Federal

Valdeberto Pereira de Souza & Fernando de Magalhães Furlan

RESUMO

Este artigo revisa a literatura jurídica que deu início à participação de instituições filantrópicas na consecução de projetos sociais, por meio de parcerias com o Estado. Analisar-se-á o desenvolvimento das normas jurídicas para esse fim e observar-se-á o crescimento das parcerias entre Governos e OSCs (Organizações da Sociedade Civil), e o próprio crescimento numérico delas. Em tendo havido crescimento, buscar-se-á identificar se esse crescimento possibilitou um empoderamento social dos sujeitos alcançados, tendo em vista que tais instituições desenvolvem os seus projetos principalmente nas áreas de saúde, educação, assistência social e cultura. Este artigo toma como corpus as instituições que desenvolvem projetos na área da educação infantil. Assim, a pesquisa de dados se limitou ao âmbito do Distrito Federal. A pesquisa também buscou identificar se essas instituições estão inseridas em áreas centrais ou periféricas da polis, e se os sujeitos alcançados com a consecução dos objetos definidos pelo Estado e pelas OSCs estão inseridos em áreas de maior ou menor poder aquisitivo, já que que tais sujeitos, em razão de sua situação mais precária, sejam aqueles que mais dependam do apoio do Governo.

ABSTRACTO

Este trabajo de investigación revisa la literatura jurídica que ha dado inicio a la participación de instituciones filantrópicas en la consecución de proyectos sociales por medio de parcerías con el Estado. Se analiza el desarrollo de las normas jurídicas para ese fin y se observa si hubo un crecimiento de las parcerías entre Gobiernos y OSCs (Organizaciones de la Sociedad Civil), y también crecimiento del número de instituciones. Y aun si hubo crecimiento, se busca identificar si ese crecimiento posibilitó un empoderamiento social de los sujetos alcanzados, teniendo en cuenta que tales instituciones desarrollan sus proyectos mayormente en las áreas de salud, educación, asistencia social y cultura. En esta investigación se ha tomado como corpus instituciones que desarrollan proyectos en el área de educación infantil. Se limita la investigación en datos que ocurran en el ámbito del Distrito Federal. También se buscará identificar si tales instituciones están ubicadas en áreas céntricas o periféricas de la polis, y si los sujetos alcanzados con la consecución de los objetos definidos por el Estado y por las OSCs están ubicados en áreas de mayor o de menor poder adquisitivo, ya que se espera que tales sujetos, por falta de recursos suficientes, sean aquellos que más dependan de apoyo del Gobierno.

SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO

Esse artigo tem por objetivo estudar como as ações previstas no MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil) contribuem para o empoderamento social. Tal empoderamento é proporcionado pela internalização de direitos e deveres sociais que conscientizam os cidadãos na execução de ações que cobrem de seus representantes políticos atitudes para esse fim) em grupos de pessoas que se encontrem em situação de vulnerabilidade social, por meio da aplicação da Lei 13.019, de 31 de julho de 2014, regulamentada pelo Decreto Federal 8.726, de 27 de abril de 2016, que tratam das parcerias entre o Estado e as Organizações da Sociedade Civil (OSCs). O artigo também busca traçar um perfil do desempenho estatal por meio dessas parcerias, visando ao melhoramento das políticas públicas que tratam da oferta de serviços preponderantes para o desenvolvimento social.

O relacionamento entre o Estado e as OSCs, como se concebe atualmente, acentuou-se a partir da nova concepção do Estado, iniciando-se com a Reforma do Estado (Governo Fernando Henrique Cardoso – 1995). Essa relação, ao longo dos tempos, foi ora criticada, ora exaltada, e, passados quase 30 anos, pode-se ter uma visão holística positiva das parcerias, já que se testemunhou um aumento vertiginoso da relação jurídica do Estado com as organizações da Sociedade Civil (OSCs). As OSCs têm uma importância cada vez maior na execução de projetos, por meio da publicização de serviços públicos[1], que outrora estavam exclusivamente nas mãos do Estado. Isso não quer dizer que o Estado tenha perdido a tutela desses serviços, cujo caráter é público, já que, por serem mantidos pelo Estado, este tem total controle da efetividade dos serviços ofertados à comunidade, por meio dos diversos órgãos de controle estatal (Lei 13.019, de 31 de julho de 2014), e responde de forma solidária pelos possíveis desvios que vierem a ocorrer.   

Este artigo se propõe a fazer uma análise crítica das ações previstas na legislação aplicável, levando em consideração os resultados aferidos pelo próprio Governo e por seus órgãos de controle.

Para a análise sobre o crescimento da relação do Estado com as Organizações da Sociedade Civil, OSCs, como já mencionado, coletar-se-ão dados disponibilizados por órgãos oficiais no Distrito Federal, como a quantidade de OSCs por Região Administrativa do Distrito Federal (RA), em diferentes períodos, pois, tais dados podem mostrar se realmente as áreas mais vulneráveis, ou seja, as que mais dependem de ações governamentais para dirimir desigualdades sociais estão sendo os locais preferidos por essas OSCs, e se houve um aumento no número de instituições que surgiram ao longo dos anos nessas regiões.

Ao analisar a Lei, buscar-se-á identificar os artigos que mais influência exercem no combate à desigualdade social e na melhora crescente das condições necessárias para o desenvolvimento social, aqui entendido como uma forma de empoderamento da sociedade.  Com a publicização de serviços públicos, tornando-os mais acessíveis à comunidade, espera-se um aumento no nível de desenvolvimento daqueles que venham a desfrutar de tais serviços. Dessa maneira, pode-se também traçar um panorama do investimento econômico governamental visando à erradicação de problemas que são verdadeiros entraves para a educação e à saúde, por exemplo.

O artigo foca principalmente em projetos desenvolvidos no Distrito Federal que alcancem a educação básica, mais precisamente a educação infantil e a pré-escola, por meio de parcerias entre o Governo do Distrito Federal e as Organizações da Sociedade Civil aqui instaladas.

De forma particular, o artigo também pretende estudar as Organizações da Sociedade Civil (OSCs), o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) e a lei que regulamenta o Terceiro Setor como um todo, apontando prós e contras da relação jurídica entre essas instituições e o Estado. Especificamente, identificar na lei e na doutrina a definição de OSC e as consequências dessa definição na sua existência como pessoa jurídica e nas suas finanças, diferenciando-a, devido ao seu caráter legal, de outras pessoas jurídicas com finalidade de lucro. Também tem o artigo o intuito de perceber se a Lei 13019/94 tem alcance majoritariamente nas áreas centrais ou em áreas periféricas, identificar as ações desenvolvidas que causem o empoderamento social, por meio do conhecimento difundido, do objeto executado e o nível de conhecimento adquirido, por meio da execução de tais projetos e o alcance social do MROSC na concepção das entidades filantrópicas – OSCs.

Esse artigo se baseia na seguinte indagação: “como as ações previstas no MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil) contribuem para o empoderamento social?”.

As ações previstas com a aplicação da lei positivada no MROSC contribuirão para o empoderamento social à medida que cidadãos em situação vulnerável de saúde forem alcançadas por ações de instituições filantrópicas, como um braço alongado do Estado, poupando-lhes recursos e lhes auxiliando na melhoria do acesso à saúde, antes não alcançada sob a gestão exclusiva do Estado. Este é um exemplo de efetividade e eficácia da aplicação da verba pública. As famílias tornar-se-ão empoderadas quando alcançadas por programas de proteção às crianças, como, por exemplo, as creches, administradas por instituições da sociedade civil (OSCs), sem custo para as famílias e com boa qualidade, exigida e fiscalizada pelo Estado, mediante ações previstas com a aplicação do MROSC. Outro exemplo é que as famílias serão empoderadas com as ações previstas no MROSC porque, na maioria esmagadora dos casos, as ações desenvolvidas por instituições filantrópicas ocorrerão em áreas periféricas, ou até mesmo em áreas centrais, e os funcionários contratados para desempenharem as ações de alcance do objeto são, quase sempre, pessoas das próprias comunidades adjacentes a essas ações (programas). São pessoas que não fizeram um concurso público, mas que se sentirão parte do funcionalismo público, participantes do esforço nacional em prol das comunidades mais desassistidas. É o próprio Estado sendo fomentador da criação de empregos e bem-estar social, por meio de atividades desenvolvidas pelas OSCs.

1.1 JUSTIFICATIVA

Este artigo tem como intuito analisar a evolução do Marco Regulatório do Terceiro Setor, após a sua publicação e descortinar a possível influência de tais normas jurídicas no empoderamento dos sujeitos envolvidos, objeto das ações neles previstas.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 o papel da sociedade civil organizada tem se destacado como apoio ao alcance de resultados almejados pelo Estado, na busca do desenvolvimento da sociedade. A busca por afirmação nesse sentido leva-nos a fazer uma análise sobre o impacto das normas jurídicas que regulam a parceria do Estado com essas organizações civis.

Portanto, o artigo tem a finalidade de fazer uma análise da desenvoltura de tais normas jurídicas no seio social. Identificar se os objetivos almejados por seus precursores, os reformadores do Estado, estão sendo alcançados e o impacto disso para o empoderamento da sociedade.

Este artigo enfoca, sobretudo, as instituições de ensino fundamental do Distrito Federal.

2. EVOLUÇÃO DA PARCERIA DE OSCs COM A PUBLICIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Analisar-se-á, sob um enfoque diacrônico, a importância da participação de instituições filantrópicas da sociedade civil organizada, concomitantemente com o avanço da legislação brasileira, no que tange à execução e desenvolvimento de projetos sociais que transformaram ou transformam essa sociedade (e seus indivíduos) em uma sociedade mais justa e consciente do papel a desempenhar de forma intrínseca, para que essa mesma comunidade se empodere de conhecimentos e meios que a façam avançar e crescer no exercício da plena cidadania.

2.1 Reforma do Estado visando à publicização de serviços públicos

Pode-se definir como marco inicial da valorização participativa do terceiro setor (ONGs) na sociedade brasileira o movimento da reforma do Estado, lançado em 1995, sob a gestão federal do presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquele contexto reformista introduziu-se o conceito de publicização, que significa a transferência de serviços não exclusivos do Estado, ligados a diversas áreas, tais como: educação, saúde, cultura, fomento à pesquisa científica, dentre outras, para o setor privado que, embora não estatal, seja mantido em parte ou no todo por recursos públicos (BRESSER PEREIRA, 1999, p. 07).

A percepção da necessidade de ampliação do terceiro setor, que fugisse do totalmente público e do totalmente privado, surge com a concepção de que não é apenas o Estado que pratica altruísmo social e protege o interesse público, senão também organizações privadas e pessoas físicas que atuam em múltiplas áreas, como educação, saúde, assistência social, cultura, lazer, preservação do meio ambiente, dentre outras, e cujo interesse está centrado no bem-estar social, na responsabilidade com o bem público e na implementação de ações que visem ao benefício coletivo. Essas ideias coadunam com a declaração de Frei Caneca: “Uma constituição não é outra coisa, que a ata do pacto social, que fazem entre si os homens, quando se ajuntam e se associam para viverem em reunião ou sociedade” (VILLAR, 2004. p. 106).

Nesse diapasão, o Terceiro Setor surge como instrumento propulsor para que o país tenha esse pacto social amplamente implantado, por meio de parceria estatal (Estado) e sociedade organizada (setor privado). Ou seja, tal instrumento constitui-se em força motriz para que os setores organizados da sociedade civil se mobilizem e atuem em áreas de maior impacto social, mediante atitudes instrumentalizadas em ações voluntárias, que não visem lucros, e que tenham enfoque na erradicação de desigualdades sociais. (BRESSER PEREIRA, 1999, p. 09)

Mediante esse panorama, por meio do Decreto Federal 1.366/95, instituiu-se o Programa Comunidade Solidária, com o objetivo de coordenar as ações governamentais cujo objetivo era o atendimento de parcela da população que não dispunha de recursos suficientes para prover as suas necessidades básicas e, em especial, o combate à pobreza e à fome (Decreto 1.366/95, Art. 1º Caput.).

À posteriori, e ainda com o fim de fortalecer a concepção do Decreto 1.366/95, surge a Lei nº 9.790/1999, que dispõe sobre as chamadas OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), como entidades privadas de interesse público, e instituiu o termo de parceria a ser firma com o Poder Público (Estado, em qualquer de suas esferas). A Lei definiu também que seria o Ministério da Justiça que concederia esse título (OSCIP) às instituições que se encaixassem nas qualificações exigidas. Logo após, em 2011, surge o decreto federal que altera o referido dispositivo, instituindo o “Edital de Concurso de Projetos” pelo órgão estatal parceiro para a “obtenção de bens e serviços e para a realização de atividades, eventos, consultoria, cooperação técnica e assessoria, com o meio obrigatório para a seleção da OSCIP, com o intuito de firmar termo de parceria”. (BRASIL, Decreto nº 3.100/99, Art. 8º, caput)

Contudo, podemos assegurar que a relação entre Organização da Sociedade Civil e poder público aperfeiçoou-se com o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, publicado em 2014, com a Lei 13019/2014. Essa lei, regulamentada pelo Decreto 8.726/2016, é o instrumento que rege atualmente a parceria entre Estado e as OSCs no que tange a serviços públicos estatais que visam à melhoria, crescimento e qualidade total nos serviços públicos ofertados à sociedade civil. Como previa Bresser Pereira (BRESSER PEREIRA, 1999):

Dentro do contexto da Reforma Gerencial de 1995, a gestão pela qualidade total ganhou vida nova. As diferenças eram claras: enquanto a administração privada é uma atividade econômica controlada pelo mercado, a administração pública é um empreendimento político, controlado politicamente. Na empresa privada, o sucesso significa lucros; na organização pública, significa o interesse público. É possível transferir os instrumentos de gerenciamento privado para o setor público, mas de forma limitada. Pode-se descentralizar, controlar por resultados, incentivar a competição administrada, colocar o foco no cliente, mas a descentralização envolve o controle democrático, os resultados desejados devem ser decididos politicamente, quase-mercados não são mercados, o cliente não é apenas cliente, mas um cliente-cidadão revestido de poderes que vão além dos direitos do cliente ou do consumidor. Com a explicitação dessas diferenças e o aumento da autonomia e da responsabilização que os dirigentes estão assumindo no âmbito da reforma, o controle de qualidade na administração pública ganhou legitimidade e tornou-se a estratégia gerencial oficial para a implementação da reforma. (BRESSER PEREIRA).

Esse modelo de parceria entre o Estado e a sociedade civil organizada teria o “Contrato de Gestão” (atualmente chamado de “Termo de Colaboração”, pela Lei 13.019/2014) como meio de fiscalizar as práticas administrativas das OSCs. Nas palavras de Violín (2006, p. 200): “por meio do contrato de gestão, o núcleo estratégico define os objetivos das entidades executoras e os respectivos indicadores de desempenho, e garante a essas entidades os meios humanos, materiais e financeiros para sua execução”. Dessa forma, o Estado continua como o grande fomentador da oferta desses serviços, apenas não seria mais o executor, embora mantenha sob seu controle a qualidade das ações das OSCs, por meio dos órgãos estatais de controle. (FERREIRA, 2017, p. 138)

O antigo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE, 1997) cita ainda outras vantagens das parcerias:

Do ponto de vista da gestão de recursos, as Organizações Sociais não estão sujeitas às normas que regulam a gestão de recursos humanos, orçamento e finanças, compras e contratos na Administração Pública. Com isso, há um significativo ganho de agilidade e qualidade na seleção, contratação, manutenção e desligamento de funcionários, que, enquanto celetistas, estão sujeitos a plano de cargos e salários e regulamento próprio de cada Organização Social (Cadernos do MARE, Cad. 2, p. 15, 1997). Verifica-se também nas Organizações Sociais um expressivo ganho de agilidade e qualidade nas aquisições de bens e serviços, uma vez que seu regulamento de compras e contratos não se sujeita ao disposto na Lei nº 8.666 e ao SIASG. (Cadernos do MARE, Cad. 2, p. 16, 1997). Do ponto de vista da gestão orçamentária e financeira as vantagens do modelo organizações sociais são significativas: os recursos consignados no Orçamento Geral da União para execução do contrato de gestão com as Organizações Sociais constituem receita própria da Organização Social, cuja alocação e execução não se sujeitam aos ditames da execução orçamentária, financeira e contábil governamentais operados no âmbito do SIAFI e sua legislação pertinente; sujeitam-se a regulamento e processos próprios (Cadernos do MARE, Cad. 2, p. 16, 1997). No que se refere à gestão organizacional em geral, a vantagem evidente do modelo Organizações Sociais é o estabelecimento de mecanismos de controle finalísticos, ao invés de meramente processualísticos, como no caso da Administração Pública (Cadernos do MARE, Cad. 2, p. 16, 1997).

Com relação a esses pontos, quando da efetivação da reforma do Estado, sobretudo nos governos FHC, surgiram muitas críticas. Para Lúcia Cortes da Costa, a flexibilização da administração pública é importante para acabar com a burocracia e hierarquia, contudo, “sem um plano de carreira e sem a devida revalorização do servidor público, não há como criar uma cultura gerencial qualitativamente melhor” (COSTA, 1998, p. 191).

Segundo Lustosa da Costa (2010), faltou ao governo discutir melhor as funções do Estado, as políticas necessárias, a relação que deveria se estabelecer entre Estado e sociedade, assim como o modelo de gestão pretendido para a coisa pública. O que se observa é que houve uma discussão intensa sobre a função pública, esquecendo-se desses outros fatores importantes, o que tornou a reforma ainda mais polêmica, segundo os mais críticos. Tal linha de pensamento fica clara nas asserções de Lustosa da Costa:

Na verdade, foi o governo que, ao propor as modificações na Constituição e na legislação ordinária, conferiu excessiva ênfase ao problema do servidor público. Isso não quer dizer que a questão da estabilidade e de outras garantias não seja importante e não deva ser debatida pelo Congresso Nacional e por toda a sociedade nele representada. Continua sendo necessário clarificar de uma vez por todas as relações contratuais que o Estado deve manter com as diferentes categorias de servidores. Só assim será possível estabelecer um criterioso e arrojado programa de valorização da função pública. Mas, se a questão fosse apenas demitir funcionários, o governo teria à sua disposição uma série de mecanismos que lhe permitiriam atingir esse propósito, sem a necessidade de gerar tanta controvérsia. […] Entretanto, ao contrário do que foi feito, um programa de reforma do Estado deveria começar pela discussão das grandes missões do Estado moderno, de sorte a precisar o alcance de sua ação legítima. É identificando e definindo as políticas públicas e as esferas de governo que devem implementá-las que o agente modernizador pode estabelecer objetivos em termos de desestatização, democratização e flexibilização. […] Só depois dessas definições é que se deveria ter começado a discutir a função pública. Sabendo-se quais são as atividades típicas de governo, as políticas a implementar e as formas de geri-las, tornar-se-ia possível configurar os diferentes tipos de relações contratuais que o Estado deve manter com os seus servidores e empregados (LUSTOSA DA COSTA, 2010, p.175-176).

Outro ponto em questão é que, para Lustosa da Costa, o entendimento dos reformadores partia da premissa de que “com uma estrutura menor, com menor gasto de recursos, é possível realizar as mesmas funções, o mesmo número de atividades, e aí se incluem as fusões e incorporações, os cortes de pessoal, enxugamento de estruturas” (LUSTOSA DA COSTA, 2010, p. 177). Contudo, na visão do autor, esse era um pensamento equivocado, já que deixava de lado o verdadeiro foco que deveria ser a elevação da qualidade dos serviços públicos prestados, em detrimento de oferecer o serviço só pensando na redução de gastos.

Contudo, o que não é observado pelos críticos, é que esse novo Estado, pós-reforma, foi concebido por uma estrutura técnica racional, o que o tornou mais ágil no desempenho de suas funções e mais eficaz em face das novas necessidades advindas da reordenação política e econômica do mundo contemporâneo, utilizando-se, para isso, de todos os meios legais e possíveis, no que se enquadra a descentralização. Para Di Pietro (1997):

[…] o que muda é principalmente a ideologia, é a forma de conceber o Estado e a Administração Pública. Não se quer mais o Estado prestador de serviços; quer-se o Estado que estimula, que ajuda, que subsidia a iniciativa privada; quer-se a democratização da Administração Pública pela participação dos cidadãos nos órgãos de deliberação e de consulta e pela colaboração entre o público e privado na realização das atividades administrativas do Estado; quer-se a diminuição do tamanho do Estado para que a atuação do particular ganhe espaço; quer-se a flexibilização dos rígidos modos de atuação da Administração Pública, para permitir maior eficiência; quer-se a parceria entre o público e o privado para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais, a Administração Pública autoritária, verticalizada, hierarquizada (PIETRO, 1997, p. 11-12).

As bases dessa reforma fundamentaram-se no ajuste fiscal, enfocado na diminuição do quadro de servidores e modernização da Administração Pública, mediante o fortalecimento do núcleo estratégico do Estado – legislação, formulação de políticas públicas, fiscalização, regulamentação e financiamento de recursos – bem como de parcerias com setores e serviços da sociedade civil (BRESSER PEREIRA, 2001; AZEVEDO; ANDRADE, 1997).

COSTA (1998) faz uma crítica sobre a publicização e privatização assumida na reforma do Estado, afirmando que foi na verdade uma forma de fortalecimento do Estado de per si e “não na regulação social sobre as desigualdades que o mercado cria, e sim nas transformações de tudo o que antes era regulação em mecanismo de mercado”. (COSTA, 1998, p. 200)

Nós temos uma presença forte do Estado em áreas como saúde, educação e cultura. Com isso, a sociedade civil se retrai e delega ao governo o controle dessas áreas. Quando precisa de um hospital em um bairro, por exemplo, ninguém pensa em se organizar e buscar recursos; o que as pessoas fazem é se voltar para o governo. E, na verdade, a essência da filantropia é a autorregulação social. Por esse motivo, a ideia filantrópica no país está ligada ao conceito de assistencialismo. Só que isso é um equívoco:  mais do que boas ações isoladas ou caridade, a filantropia busca realizar mudanças estratégicas, efetivas e de longo prazo que promovam desenvolvimento econômico e social, e aqui vem coadunar o ideário de Estado reformado cujo conceito está taxado no MARE (Cadernos do MARE, Cad. 2, 1997).

De acordo com o art. 2º, da Lei 13.019/2014 (MROSC): “As parcerias disciplinadas nesta lei respeitarão, em todos os seus aspectos, as normas específicas das políticas públicas setoriais relativas ao objeto da parceria e as respectivas instâncias de pactuação e deliberação (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)”. Com isso, coloca-se em relevo que, apesar de não ser o Estado o executor dos projetos, objeto de parcerias entre si e as OSCs, mantém-se o compromisso de respeito às normas específicas das políticas públicas setoriais que estariam presentes, caso o próprio Estado estivesse ou esteja executando o serviço à sociedade. Portanto, não haveria que se falar em desvio com a publicização, objeto da reforma iniciada em 1995 (BRASIL, 2014).

2.2 OSCs distribuídas por regiões administrativas no Distrito Federal

Para que se possa fazer uma análise criteriosa sobre o crescimento da parceria estatal com as instituições filantrópicas e, por conseguinte, uma análise sobre a efetividade e eficácia da qualidade de serviços públicos desenvolvidos junto à população por ditas OSCs, com a sua publicização, far-se-á necessário identificar quantitativamente primeiro, por meio de gráficos, a quantidade de instituições existentes por regiões administrativas no Distrito Federal e a quantidade de pessoas envolvidas. Tal análise busca identificar se verdadeiramente áreas consideradas de maior vulnerabilidade são o foco das instituições e de aporte de recurso pelo Estado.

Utilizar-se-á como corpus para a análise nesta seção, instituições filantrópicas que se dedicam à educação infantil e alunos matriculados nessas instituições. As Regiões Administrativas foram aqui definidas como áreas não vulneráveis, áreas vulneráveis e áreas mais vulneráveis, segundo dados referentes à renda per capta de seus moradores (Wikipédia, 2023).

1 – Áreas não vulneráveis – Foram classificadas como áreas não vulneráveis, conforme tabela no anexo 1, as cidades cuja renda per capta de seus habitantes está registrada entre os valores R$ 6.778,00 (seis mil, setecentos e setenta e oito reais) e R$ 3.742,00 (três mil, setecentos e quarenta e dois reais), inclusive (WIKIPEDIA, 2023);

2 – Áreas vulneráveis – Foram classificadas como áreas vulneráveis, conforme tabela no anexo 1, as cidades cuja renda per capta de seus habitantes está registrada entre os valores R$ 2.381,10 (dois mil, trezentos e oitenta e um reais) e R$ 1.596,40 (mil, quinhentos e noventa e seis reais e quarenta centavos), inclusive (WIKIPEDIA, 2023);

3 – Áreas mais vulneráveis – Foram classificadas como áreas mais vulneráveis, conforme tabela no anexo 1, as cidades cuja renda per capta de seus habitantes está registrada entre os valores R$ 1.351,20 (mil, trezentos e cinquenta e um reais e vinte centavos) e R$ 797,10 (setecentos e noventa e sete reais e dez centavos), inclusive (WIKIPEDIA, 2023).

Os dados e valores da renda per capta de todas as cidades estão registrados na tabela demonstrada no ANEXO deste trabalho.

Com a coleta dos dados, utilizamos a ilustração, por meio de figura em gráfico, para uma maior percepção visual da real situação de atendimento à comunidade por essas instituições que representam o Estado junto às comunidades que usufruem de serviços de caráter público, embora executados por instituições privadas.

Figura 1. Gráfico de Instituições localizadas em áreas segundo a renda per capta no Distrito Federal

Fonte: própria

Figura 2. Gráfico de alunos matriculados em instituiçoes localizadas em áreas segundo a renda per capta de seus habitantes, no Distrito Federal

Fonte: Dados educacionais 2023

Percebe-se que as áreas mais vulneráveis são as que atualmente mais atraem o surgimento de novas ONGs (FERNADES, 94, P. 67). Se somarmos as áreas mais vulneráveis com as vulneráveis, perceber-se-á que, juntas, comportam quase 80% de todas as ações filantrópicas. Este fato é visto como algo natural, já que são as áreas que mais despertam os anseios de instituições filantrópicas, por expressarem maiores carências em serviços públicos, foco das instituições.

Segundo Fernandes (1994), as ONGs surgem de forma massiva no continente a partir da década de 1970 e, no, Brasil, especificamente na década de 1980. O Brasil, atualmente, detém quase 25% de todas as ONGs da América Latina, dado o seu tamanho e a sua população (FERNANDES, 1994, P. 70).

De acordo com os dados tabulados e copilados de sítios oficias (DADOSEDUCACIONAIS, 2023), percebe-se que o número de pessoas alcançadas pelas instituições filantrópicas, com os projetos sociais desenvolvidos, é muito superior nas áreas de maior vulnerabilidade, o que já era de se esperar, já que o intuito do Estado, com a publicização de serviços públicos, e todo o seu esforço legal (BRASIL, 2014), objetiva principalmente o alcance maior e com maior qualidade de sua presença junto às comunidades mais vulneráveis, valendo-se, para isso, da capilaridade dessas instituições.

Outro motivo que pode justificar uma maior adesão a esses serviços é dicotômico, pois, enquanto nas áreas não vulneráveis as famílias, por diversas razões, não acreditam que os serviços públicos ministrados de forma pública e gratuita, ainda que por instituições privadas, possam ser de qualidade, nas áreas mais vulneráveis a percepção é diferente. Há, inclusive, um clamor social para que tais serviços sejam ampliados. Talvez porque não haja muita escolha para as famílias mais vulneráveis que, ao provarem o atendimento, passem a aprová-lo por conhecerem as instituições e por estas se esforçarem na busca de qualidade para os serviços. Mister acrescentar que há também uma fiscalização do Poder Público visando exatamente à efetividade e qualidade dos serviços prestados.

A comunidade, por sua vez, ao desfrutar de serviços essenciais como saúde e educação, dentre outros, torna-se socialmente empoderada, pois a educação, por exemplo, é uma das mais eficazes ferramentas de transformação social. Gomes de Castro (REPOSITÓRIO, 2018, p. 12) lembra bem que o acesso ao ensino particular, por meio dos serviços dessas instituições, é forma de viabilizar acesso a posições na pirâmide social, dada a qualidade do ensino.

2.3 A Lei 13.019, de 31 de julho de 2014

Era necessário criar uma lei específica que regesse a relação do Estado com as Instituições Organizadas da Sociedade Civil, visando “maior transparência e democracia na efetivação dessas ações, e, ainda, o fortalecimento da sociedade civil, sem deixar de observar os princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade e da eficiência” (BRASIL, 2014).

A Lei Federal nº 13.019/2014 estabeleceu novas regras para firmar parcerias entre a Administração Pública e as OSCs. A lei prevê que quando não houver transferência de recursos financeiros, deverá ser celebrado um Acordo de Cooperação. Já quando a parceria envolver a transferência de recursos financeiros, deverá ser celebrado Termo de Colaboração ou o Termo de Fomento (BRASIL, 2014).

O Chamamento Público, instrumento usado para garantir igualdade de competição entre as OSCs na busca por recursos públicos e a seleção da melhor proposta, é o procedimento destinado a selecionar OSC para celebrar parceria com a Administração Pública. O Chamamento Público observará critérios claros e objetivos estabelecidos no edital, que garantam a presença dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e os princípios específicos das políticas públicas setoriais (BRASIL, 2014).

A Lei 13.019/2014 prevê, em seu art. 29 e 30, a possibilidade de se realizar parcerias sem que haja a necessidade de se fazer chamamento público, sem, contudo, ferir os princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade e da eficiência” (BRASIL, 2014).

De acordo com o procedimento de Manifestação de Interesse Social, por meio do qual os cidadãos, as OSCs e os movimentos sociais provocam a Administração Pública a reagir sobre a viabilidade de realizar o chamamento público para determinada política pública. As propostas enviadas descreverão o interesse público envolvido e a realidade a ser modificada, melhorada ou desenvolvida. É mister destacar que a OSC autora da proposta aprovada não desfruta de qualquer vantagem no chamamento ou direito de execução do projeto (BRASIL, 2014).

O art. 33 da Lei Federal n° 13.019/2014 estabeleceu alguns requisitos para que uma OSC celebre parceria com o Poder Público:

Figura 3. Exigência da lei para que OSCs firmem convênio com o Poder Público

ESTATUTO QUE CONTENHATEMPO DE EXISTÊNCIA MÍNIMO (CNPJ)EXPERIÊNCIA PRÉVIACONDIÇÕES MATERIAIS E CAPACIDADE TÉCNICA E OPERACIONAL
Objetivo a execução de atividades Cláusula de transferência do patrimônio líquido, em caso de dissolução, a outra pessoa jurídica de igual natureza e preferencialmente com igual objeto social   Cláusula prevendo a escrituração de acordo com as Normas Brasileiras de Contabilidade3 anos para parcerias com a União 2 anos para parcerias com o Estado e o Distrito Federal 1 anos para parcerias com Municípios1 anoComprovada

Fonte: ENTENDENDO-A-LEI- 2023

O art. 34, da Lei 13019/14 ainda estabelece outros documentos a serem apresentados necessariamente: certidão de regularidade fiscal, previdenciária, tributária, de contribuições e de dívida ativa, certidão ou cópia do estatuto da entidade, ata de eleição do quadro dirigente, comprovante de endereço da OSC e relação dos dirigentes, contendo nome, endereço, RG e CPF (BRASIL, 2014).

Com exceção da obrigatoriedade de chamamento público para celebração de parcerias para execução de atividades nas áreas de Assistência Social e Educação, nos casos em que haja credenciamento dessas instituições pelas secretarias gestoras da política, como dispõe o art. 30, inciso VI da Lei 13019/2014, todas as novas regras contidas no MROSC aplicar-se-ão às OSCs que atuem nas áreas de assistência social e educação. Além disso, o artigo 2º-A prevê expressamente que as parcerias respeitarão as normas específicas das políticas públicas setoriais concernentes ao objeto da parceria e as respectivas de pactuação e deliberação.

Também os artigos 27, § 1º e 59, § 2º preveem que os respectivos conselhos se responsabilizarão pela comissão de seleção de propostas, bem como pelo monitoramento e avaliação das parcerias financiadas com recursos de fundos específicos, respeitadas as exigências do MROSC.

Com relação às entidades de assistência social, o tipo de parcerias proposto pela Lei Federal n° 13.019/2014 não contraria as diretrizes e parâmetros estabelecidos nas normas vigentes no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. O citado artigo 2º-A reconhece a importância e influência da Comissão Intergestores Bipartite e da Comissão Intergestores Tripartite e dos Conselhos Federal, Estaduais e Municipais. Concomitante a isso, os conselhos sustentam o importante papel de acompanhar e fiscalizar a execução das parcerias entre as entidades de assistência social e a gestão local, e sem prejuízo da fiscalização pela administração Pública e pelos órgãos de controle, conforme estabelecido no art. 60 da Lei Federal n° 13.019/2014. (BRASIL, 2014)

De acordo com o art. 46, da Lei Federal n° 13.019/2014, torna-se possível remunerar trabalhadores do projeto que irão executar a parceria, inclusive de pessoal próprio da organização da sociedade civil, compreendendo as despesas com pagamentos de impostos, contribuições sociais, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, férias, décimo terceiro salário, salários proporcionais, verbas rescisórias e demais encargos sociais e trabalhistas, durante a vigência da parceria. Qualquer despesa para custeio da parceria, antecipadamente prevista no plano de trabalho do termo de colaboração ou termo de fomento, poderá ser executada com recursos da parceria, inclusive despesas de pessoal, diárias e custos indiretos ligados à execução do objeto. O art. 45 da Lei estabelece algumas vedações: despesas não condizentes com a finalidade da parceria, pagamento de servidores ou empregados públicos. (BRASIL, 2014)

Por meio do acompanhamento das parcerias subjaz a possibilidade de utilização de apoio técnico de terceiros (outros entes públicos, ou entidades próximas ao local onde é executada a parceria), com o intuito de promover um acompanhamento mais eficaz e assertivo quanto aos resultados da parceria. As informações coletadas por meio do monitoramento serão objeto de um relatório para a Comissão de Monitoramento e Avaliação, órgão colegiado, instituído por ato normativo próprio, que tem por atribuição acompanhar a execução das parcerias e analisar os relatórios de monitoramento e avaliação, emitindo parecer sobre ele. A ideia da Lei Federal n° 13.019/2014 é fortalecer o monitoramento para facilitar a confirmação do cumprimento do objeto e do alcance da finalidade da parceria durante a análise da prestação de contas. É proibida a exigência de contrapartida financeira como condição para a celebração, podendo, no entanto, tal contrapartida ser ofertada voluntariamente pela OSC. A contrapartida não financeira (em serviços e bens), quando exigida, deve ser informada no termo de colaboração e fomento, como determina o art. 35, §1° da Lei (BRASIL, 2014).

A Lei traz como algo novo uma prestação de contas com foco em resultados, desburocratizada. A OSC deverá apresentar elementos que possibilitem à Administração Pública avaliar se houve o cumprimento das metas e objetivos, ou seja, o alcance do objeto. Geralmente, solicitar-se-á uma prestação de contas simplificada. Em parcerias em que não seja comprovado o cumprimento de metas e do objeto acordado, solicitar-se-á apresentar documentos complementares de comprovação de despesas. Outra inovação é a previsão de que a prestação de contas efetuar-se-á eletronicamente, o que enseja maior transparência e dinamismo. Vale ressaltar que a Lei abre espaço para que outros entes federados (Municípios, Estados-membros e Distrito Federal) estabeleçam as suas próprias regras. Porém, ela também estabelece a necessidade de capacitação (por meio do fornecimento de manuais, por exemplo) para orientar todos os envolvidos na parceria sobre as regras a serem seguidas (BRASIL, 2014).

A Administração Pública deverá aplicar sanções à OSC quando verificar que a execução do objeto ocorreu de forma estranha ao previsto no plano de trabalho. Somente ministros e secretários estaduais ou municipais podem aplicar as sanções previstas na Lei. Além disso, a Lei Federal n° 13.019/2014, reforça a responsabilidade dos servidores públicos ao alterar a Lei Federal nº 8.429/1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa. Incluiu-se como ato de improbidade administrativa: (i) “frustrar a licitude de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos”; (ii) “agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas”; e (iii) “descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas”, entre outros (BRASIL, 2014).

Outro ponto relevante é a previsão de fortalecimento das organizações filantrópicas, ou seja, fortalecimento da própria sociedade civil, já que esta é representada por aquelas. A Lei 13.019/2014, a partir de seu art. 13, prevê tal fortalecimento, divulgando trabalhos bem-sucedidos desenvolvidos por ditas instituições para que sejam modelos para as demais. A lei prevê ainda a possibilidade de criação de conselho nacional e/ou regionais para o fomento, com a finalidade de divulgar boas práticas e de propor e apoiar políticas e ações voltadas ao empoderamento das relações de fomento e de colaboração (BRASIL, 2014).

Resta, portanto, evidente que a Lei 13.019/14, chamada de MROSC, novo marco regulatório das parcerias entre Estado (em todas as suas esferas) e instituições civis da sociedade organizada, ONGs, trouxe maior transparência e segurança jurídica para as instituições privadas. Antes do novo marco, muitas delas eram prejudicadas por serem vulneráveis, sob um ponto de vista político, dependendo da benevolência de agentes políticos. A Lei, por fim, estabeleceu parâmetros claros de responsabilidade para ambos os sujeitos envolvidos na parceria.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A prática ou os procedimentos metodológicos dizem respeito ao conjunto de ações e decisões com relação à eleição das técnicas usadas na pesquisa e na metodologia para a construção de um trabalho científico. É importante fazermos uma diferenciação entre metodologia e procedimentos metodológicos. Metodologia é a ciência que estuda os meios (métodos) da confecção do conhecimento, enquanto que os procedimentos metodológicos são todas as técnicas, opções e escolhas do cientista na aplicação dos métodos de investigação, pois, não há ciência sem o emprego de métodos científicos (LAKATOS e MARCONI, 1986).

Para a confecção deste trabalho, buscamos construir um texto científico que alcançasse os objetivos propostos. Assim, buscou-se identificar: (i) se os objetivos lançados com a reforma do Estado, na década de 90, foram ou estão sendo alcançados; (ii) se as propostas lançadas com a publicização de serviços públicos estão, de fato, sendo aplicadas; e (iii) se o “Empoderamento Social” (desfrute de melhor qualidade de vida proporcionada por meio da internalização de direitos e deveres sociais que conscientizam os cidadãos na execução de ações que cobrem de seus representantes políticos atitudes para esse fim) em grupos de pessoas que se encontrem em situação de vulnerabilidade social, é, de fato, perceptível.

O foco deste artigo, logo, é de cunho qualitativo, haja vista que o bojo do trabalho é um resultado crítico-funcional. Para chegar-se a um panorama avaliativo, revisou-se inicialmente a literatura sobre a origem do tema da publicização de serviços no Brasil, oriundo da reforma do Estado, visando a uma maior participação da sociedade organizada para a superação de nós que dificultavam ou dificultam a presença do Estado em áreas (locus) ainda não alcançadas (BRESSER PEREIRA, 1999). A posteriori, tratou-se também do avanço do cabedal legal que se usou para que a relação do Estado com as Organizações da Sociedade Civil fosse algo possível, transparente, producente e estivesse sob a tutela da Lei, até chegar ao ápice dessa relação com o advento do MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil), lei que trouxe grande avanço para a relação Poder público-OSCs (BRASIL, 2014).

Também analisamos os dispositivos da Lei 13.019/2014, identificando quão frutífera é para a comunidade não apenas a sua aplicação, senão também o efetivo conhecimento da mesma pelos cidadãos, objetivando uma conscientização de que, embora as instituições sejam pessoas jurídicas de direito privado, os serviços que elas prestam são serviços públicos, haja visto que são mantidos com verbas públicas, devendo inclusive ser fiscalizadas por aqueles que usufruem de seus serviços e pelos órgãos de controle.

Buscamos, outrossim, trazer dados concretos e atuais, originados na relação do poder público com as instituições filantrópicas (OSCs), e que dessem um panorama de avanço ou retrocesso dessa relação. Tais dados foram coletados em sítios da Internet de órgãos do Distrito Federal, concentrando a pesquisa nessa unidade da Federação. Elaboramos gráficos com os dados coletados para melhor visualização e compreensão do panorama social de serviços prestados pelas instituições filantrópicas. Esses gráficos mostram o quantitativo de instituições e de pessoas alcançadas diretamente nas regiões administrativas do Distrito Federal. Essas regiões foram classificas levando em consideração o poder aquisitivo de seus habitantes.

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

A chamada “Reforma do Estado”, ou melhor, “Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado”, da década de 90, nos Governos FHC, deu maior ênfase ao processo de publicização dos serviços públicos, com o objetivo de colocar parte da responsabilidade do desenvolvimento da Nação sob a responsabilidade da própria sociedade, por meio das Organizações Sociais Não Governamentais (ONGs), e não mais somente do Governo (BRESSER PEREIRA, 1999).

Ao longo dos anos seguintes, o que se viu foi um aumento vertiginoso dessa corrente iniciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso. Essa linha de pensamento, que já era popular na Europa, defende que não somente o Governo pode ser fomentador de desenvolvimento, concebendo liderando a execução de projetos que possibilitem melhor aproveitamento de recursos públicos, no tocante à qualidade e efetividade de seus resultados, mas também instituições da sociedade civil organizada.

O Governo fez a sua parte, criando soluções e removendo entraves para o acesso às verbas públicas. E, por outro lado, a sociedade civil se organiza e cria ONGs para diversos campos de atuação, sobretudo na saúde (o que já ocorria de forma bastante tímida, com as Santas Casas), na educação (ampliando o trabalho de pouquíssimas e louváveis instituições religiosas) e na cultura.

Não obstante, era preciso construir um caminho dentro da legalidade, para que tudo fosse feito à luz da transparência. Surge, com isso, o Decreto Federal 1.366/95, que instituiu o Programa Comunidade Solidária, seguido do ideário de reforma do Estado (Cadernos do MARE, Cad. 2, 1997). Com o fim de fortalecer a concepção do Decreto 1.366/95, surge a Lei nº 9.790/1999, que dispõe sobre as chamadas OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Em seguida, o 3.100/99 altera o decreto anterior, instituindo o Edital de Concurso de Projetos, pelo órgão estatal parceiro, para obtenção de bens e serviços e para a realização de atividades, eventos, consultoria, cooperação técnica e assessoria, como o meio obrigatório para a seleção da OSCIP, com o intuito de firmar termo de parceria. (BRASIL, Decreto nº 3.100/99, Art. 8º, caput).

Mas, o avanço maior se deu com o MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil), regulamentado pelo Decreto 8.726/2016, considerado pelo Governo e pelas OSCs um grande avanço na normalização da relação do Estado com as OSCs, trazendo segurança jurídica para ambos. O número de Termos de Parceria (instrumento usado para legalizar a parceria entre Estado e OSCs) assinados entre Governos, em todas as suas esferas, e OSCs, só vem crescendo ao longo dos anos, demonstrando que a iniciativa do Governo e da sociedade civil organizada foi frutífero, atingindo os seus objetivos.

Não resta dúvida que houve um grande crescimento no empoderamento social, já que o número de cidadãos alcançados com os projetos desenvolvidos pelas OSCs foi muito grande, quando se compara com anos anteriores ao MROSC. O empoderamento social se dá com o desfrute dos projetos sociais aplicados pelas OSCs, custeados com verba pública e fiscalizados não somente pelo Governo, mas também por órgãos de controle, Receita Federal e Ministério Público. Devido à capilaridade das OSCs, distribuídas em áreas mais vulneráveis da Polis, como demonstram os gráficos das figuras 1 e 2, o alcance dos projetos é maior em relação àqueles em condições de vulnerabilidade social.

Outro fator a considerar é o fortalecimento das OSCs que passam a contar com a confiança da sociedade, devido ao trabalho apresentado na própria localidade onde está inserida. Isto faz com que a própria sociedade seja também fomentadora das necessidades da própria instituição, já que o recurso aplicado no projeto deve ser exclusivo para esse fim, não podendo ser usado para a aquisição de bens que, embora necessários para a sobrevivência da própria instituição, não estejam no rol de itens imprescindíveis para a consecução do objeto.

Com a promulgação da Lei 13.019/2014, regulamentada pelo Decreto 8.726/2016, houve um ganho social do ponto de vista do interesse de OSCs em firmar Termo de Parceria com o Estado, pois, agora, há um sentimento de maior perenidade das políticas públicas, com o comprometimento de agentes de Estado e não somente do Governo de plantão.

As ações previstas no texto legal apontam para um empoderamento social, sob um olhar formativo, já que as ações, sejam elas no campo da saúde, da educação, da assistência social ou da cultura, visam à formação do cidadão, levando-o a ter maior percepção de si mesmo e de seus concidadãos, desenvolvendo seu próprio senso crítico que lhe possibilite compreender melhor o seu papel dentro da sociedade.

O conhecimento da Lei também possibilita ao cidadão perceber os seus direitos e deveres. É a compreensão de que, embora haja uma liberação de verba pública, isso não quer dizer que o cidadão deva estar eternamente agradecido e submetido ao governante. A verba é liberada porque é verba pública, e desde a origem está destinada a ser empregada no serviço que atenda a comunidade, não devendo gerar nenhum sentimento de dívida política a ser paga, senão a gratidão do senso-comum para aqueles que, no estrito cumprimento de suas obrigações, contribuíram republicanamente para a realização do bem comum.

Notou-se, por fim, que, na maioria esmagadora dos casos, as OSCs estão localizadas em áreas urbanas, levando atendimento aos cidadãos dessas áreas, majoritariamente. Há que se fomentar o surgimento de OSCs também em áreas periféricas e rurais, para que se leve ao homem do campo e da periferia dignidade, conhecimento e esclarecimento, por meio de projetos, como se faz em áreas urbanas.

A evolução natural e contemporânea do que foi a Reforma do Estado, dos anos 90, como está demonstrado na Figura 2, seria que o atual MROSC atingisse prioritariamente o cidadão da periferia e do campo, áreas de maiores vulnerabilidades sociais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se dizer que a parceria entre Instituições da Sociedade Organizada (OSCs) e a Administração Pública, felizmente, é um caminho sem volta. O MROSC permite que a sociedade civil auxilie o Estado na administração de projetos importantes para a comunidade, em suas mais diversas áreas, como saúde, educação, assistência social e cultura. As experiências adquiridas até aqui nos mostram que houve um ganho satisfatório com a participação direta dessas instituições na concepção e consecução de políticas públicas.

Este artigo se restringiu a analisar dados coletados sob a realidade do Distrito Federal, apenas uma unidade da Federação. Nossa análise concluiu que a sociedade brasileira se tornou mais empoderada ao longo dos últimos 30 anos. O crescimento do número de instituições filantrópicas cresceu exponencialmente nos últimos anos. A própria sociedade compreendeu que é possível complementar as ações governamentais, usando a própria estrutura da sociedade, para desenvolver projetos dentro das comunidades necessitadas.

É a própria sociedade que melhor conhece as suas necessidades e, assim, está mais preparada para apontar a direção do gasto público. Foi com tal espírito que o país deu início às iniciativas de empoderamento do terceiro setor nos anos 90 e que, mais recentemente, foi ampliado pelo MROSC.

O desafio atual, contudo, é ampliar e aprofundar as parcerias dentro do novo marco regulatório para que atinjam prioritariamente comunidades mais vulneráveis socialmente, especialmente aquelas inseridas na periferia de grandes centros urbanos, bem como na área rural.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Lei 13094 de 31 de julho de 2014, Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil; e altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999. (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015) . D.O.U. Brasília, DF, 13 de janeiro de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13094.htm. Acessado em 12 de maio de 2023.

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BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: Ed.34; Brasília: ENAP,1998.368p.

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; CUNILL-GRAU, Nuria. Entre o Estado e o mercado: O público não-estatal. In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; CUNILL-GRAU, Nuria (orgs.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas/CLAD.1999.

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BRESSER PEREIRA, L. C. Do Estado patrimonial ao gerencial. In: SACHS, I.; WILHEIM, J.; PINHEIRO, P. S. ed. Brasil: um século de transformações. São Paulo, Companhia das Letras, 2001. p.223-59.

COSTA, Lucia Cortes da. O estado brasileiro em discussão: análise do plano diretor da reforma do aparelho do estado-governo FHC/1996. Revista de História Regional. Departamento de História – UEPG, v.3, n.1. Verão.1998

DI PIETRO, M. S. Z. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 2.ed. São Paulo, Editora Atlas, 1997.

FERNANDES, R. C. Privado, porém público: O terceiro setor na América. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994

FERREIRA, Bruna Tamara de Souza. O papel do “terceiro setor” nas formulações dos governos FHC (1995-2002)” Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia, em Ciências Sociais, Uberlândia – MG, 2017.  180 f.: il, disponível em https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/24790/1/PapelTerceiroSetor..pdf, acessado em 12/05/2023.

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LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 1986.

LUSTOSA DA COSTA Frederico. Inovação em administração pública: pesquisa, ensino e ação. Governança &Desenvolvimento — Conselho Nacional de Secretários de Administração (Consad), v. 1, n. 1, abril. 2004.

SILVA, C.; MARTÍNEZ, M. L. Empoderamiento: proceso, nivel y contextoPsykhe, Santiago/Chile, v. 13, n. 1, p. 29-39, mai. 2004.

VASCONCELOS, EM. O poder que brota da dor e da opressão: empowerment, sua história, teorias e estratégias. São Paulo: Paulus; 2003.

VILLAR, Gilberto. Frei Caneca: gesta da liberdade – Rio de Janeiro: Muad, 2004. P. 106

VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro setor e as parcerias coma administração pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Fórum,2006.


ANEXO

Figura 1. ONGs existentes em cada uma das regiões administrativas

  OSCS POR REGIÃO ADMINISTRATIVA  
BEASLÂNDIAJI Menino Jesus
    CEILÂNDIACentro Social Luterano Cantinho do Girassol
Escola Centro Comunitário da Criança
Instituto Frederico Ozanam
      GAMACentro de Convivência e Educação Infantil Maria Mãe da Providência
Centro de Convivência e Educação Infantil Nossa Senhora do Carmo
Centro de Convivência e Educação Infantil Sagrada Família
Centro de Convivência Educacional Infantil Divino Espírito Santo
    GUARÁCreche Comunitária da QE 38
Creche Sorriso de Maria
Creche Tia Joana do Lúcio Costa
    NÚCLEO BANDEIRANTECentro de Educação Infantil e Assistência Social Leo Tigre Peter
Creche Cantinho de Você
Lar Educandário Nossa Senhora Mont Serrat
    PARANOÁCentro de Educação São Filippo Smaldone – CEFIS
Escola Profa. Maria America Guimarães
Instituto Educacional São Judas Tadeu
    PLANALTINACreche Irmã Dulce
Creche Magia dos Sonhos
Instituto São Vicente de Paulo
              PLANO PILOTOAção Social Paula Frassinetti
Associação de Mães Pais Amigos Reabilitadores de Excep – AMPARE
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE-DF
Associação Pestalozzi de Brasília
Casa da Criança Pão de Santo Antônio
Casa do Pequeno Polegar
Centro Educacional da Audição e Linguagem Ludovico Pavoni – CEAL
Centro Social Comunitário Tia Angelina
Creche Cruz de Malta São João Batista de Jerusalém
Creche Pioneira da Vila Planalto
Creche São Vicente de Paulo
Escola Infantil Casa de Ismael
Escola Infantil Cícero Pereira
JI Casa do Candango
  RECANTO DAS EMASAssociação Beneficente Coração de Cristo
Pró-Vida Centro de Educação Infantil
  RIACHO FUNDO IInstituto de Educação Haidee Neves – IEHN
Instituto de Educação Luiz Hermani
RIACHO FUNDO IIInstituto Nair Valadares – INAV
            SAMAMBAIACentro de Educação Infantil AFMA
Centro Integrado de Educação Infantil Nossa Senhora Mãe dos Homens
Creche Lar de Maria
Creche Maria de Nazaré
Creche Pastor Francisco Miranda
Educandário Espírita Sementinha de Luz
Instituição Educacional Santa Luzia
SÃO SEBASTIÃOInstituto Educacional Dom Leolino e Irmã Cecília Luvizotto
SOBRADINHOInstituto Educacional Pintando o Sete
        TAGUATINGAAssociação de Pais e Amigos Excepcionais e Deficientes – APAED
Casa do Caminho
Centro de Educação Infantil Sonho de Criança – CEISC
Creche Cantinho da Paz
Escola Flor de Lis

Dados coletados no sítio: https://www.educacao.df.gov.br/creches-df/. Acesso em 06/09/2023.


[1] A publicização de atividades é uma forma de descentralização por meio da qual atividades executivas desenvolvidas pela administração direta ou por autarquias tem sua execução repassada para entidades privadas sem fins lucrativos conhecidas como organizações sociais. A publicização de atividade demanda estudos que comprovem ser vantajosa, em sentido amplo, a transferência da execução da atividade por organização social. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/transformagov/catalogodesolucoes/publicizacao-de-atividades. Acesso em: 18/01/2024.


VALDEBERTO PEREIRA DE SOUZA. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (UNICEPLAC). Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: valdebertop@gmail.com.

FERNANDO DE MAGALHÃES FURLAN. Professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (UNICEPLAC). Doutor pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). E-mail: fernando.furlan@uniceplac.edu.br.