Artigos de opinião

Convergência às melhores práticas internacionais pela autoridade monetária brasileira

Leandro Oliveira Leite

O Banco Central do Brasil (BCB), como autoridade monetária, tem desempenhado um papel fundamental na busca pela excelência e estabilidade do sistema financeiro. A convergência às melhores práticas internacionais é uma meta que reflete o compromisso do BCB em alinhar suas políticas e regulamentações aos padrões globais. Neste artigo, exploraremos como essa convergência se desdobra em diversas áreas-chave, delineando os progressos notáveis ​​em termos regulatórios, concorrência, supervisão do Sistema Financeiro Nacional (SFN), aspectos contábeis, sustentabilidade e gestão de riscos.

O processo de globalização exige que as instituições financeiras nacionais estejam homologadas com as melhores práticas internacionais para garantir a estabilidade e a eficiência do sistema financeiro e o BCB tem desempenhado um papel crucial nessa jornada de convergência.

Regulação

O BCB tem demonstrado um esforço contínuo para alinhar suas estruturas regulatórias com os padrões internacionais, a adoção de normas e diretrizes recomendadas por instituições como o Comitê de Supervisão Bancária da Basileia[1] tem sido uma prioridade. A implementação de acordos internacionais, como o arcabouço das recomendações conhecidas como “Basileia III”, fortaleceu a solidez do sistema bancário brasileiro, tornando-o mais resiliente a choques financeiros a partir da crise internacional de 2007/2008.

A participação ativa em fóruns internacionais tem permitido ao BCB contribuir para a formação de políticas globais, enquanto adapta esses princípios à realidade local. Esse diálogo contínuo promove uma convergência dinâmica que beneficia não apenas o Brasil, mas também a estabilidade financeira mundial.

O componente regulatório é a base para a efetivação da operação do sistema financeiro. O BCB tem buscado alinhar suas regulamentações com padrões internacionais para promover a transparência e mitigar riscos, especialmente no que diz respeito aos requisitos mínimos de capital (Pilar 1), aos princípios de supervisão (Pilar 2) e divulgação ampla de informações relacionadas aos riscos assumidos (pilar 3).

Além da regulação prudencial[2], o BCB tem avançado na implementação de regulamentação que promova a inovação responsável, como no caso das fintechs, mantendo um equilíbrio entre a promoção de novos modelos de negócios e a segurança financeira. O Sandbox Regulatório é uma iniciativa que permite que instituições já autorizadas e ainda não autorizadas a funcionar pelo BCB possam testar projetos inovadores (produtos ou serviços experimentais) com clientes reais, sujeitos a requisitos regulatórios específicos.

Concorrência

A promoção da concorrência é vital para a eficiência e inovação no setor financeiro, por isso o BCB tem adotado medidas, como vimos acima, para abrir o mercado a novos participantes, incentivando a entrada de fintechs e instituições financeiras inovadoras. Segundo dados de 2023 da Federação Brasileira de Bancos – Febraban, o orçamento de tecnologia dos bancos não ficou para trás e cresceu 128% nos últimos 5 anos.

Outro exemplo evidente aqui é a implementação do Open Banking, uma prática internacional que permite o compartilhamento seguro de dados entre instituições financeiras, fomentando a concorrência e ampliando as opções para os consumidores. Espera-se que, com a evolução do Open Banking, em até dois anos os brasileiros possam ter reunidos em um único aplicativo de celular (super app, como vem sendo chamado) todas as suas contas bancárias e serviços financeiros.

Supervisão do SFN

A supervisão efetiva do Sistema Financeiro Nacional é crucial para garantir a segurança e a integridade do sistema, sendo assim o BCB tem fortalecido seus mecanismos de supervisão, incorporando as melhores práticas indicadas em jurisdições financeiras avançadas. A ênfase na transparência, responsabilidade e comunicação eficaz tem sido notável.

A convergência às melhores práticas de supervisão não se limita apenas às instituições financeiras tradicionais, mas também se estende às fintechs e outras entidades emergentes. Isso reflete a capacidade adaptativa do BCB em um ambiente financeiro em constante evolução.

A integração vanguardeira de tecnologias avançadas na fiscalização, como análise de big data e inteligência artificial – IA, exemplifica o compromisso do BCB em modernizar sua supervisão, alinhando-se com as exigências globais de supervisão bancária.

Contábil

As Normas Internacionais de Relatórios Financeiros (IFRS, na sigla em inglês) são um conjunto de princípios contábeis e normas de relatórios financeiros que foram desenvolvidos pelo International Accounting Standards Board (IASB) e são amplamente aceitos em todo o mundo.

A convergência contábil financeira também é um componente vital da integração do Brasil às melhores práticas internacionais, a harmonização das normas contábeis nacionais com os padrões internacionais. Isso não apenas facilita a comparação global das projeções financeiras, mas também promove a confiança dos investidores.

O alinhamento contábil contribui para a transparência e a prestação de contas, elementos cruciais para o funcionamento eficiente dos mercados financeiros. A busca pela clareza e comparabilidade é fundamental para atrair investimentos e fortalecer a posição do Brasil nos mercados internacionais.

O Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC emite pronunciamentos técnicos, orientações e interpretações. A partir destes trabalhos, os órgãos reguladores (BCB é um dos componentes) tem emitido suas regulamentações próprias, permitindo assim a uniformização do processo de produção de normas.

A transição suave para o IFRS representa um passo significativo na direção da convergência contábil internacional, contribuindo para a solidez e transparência do setor. Assim, é possível padronizar a forma como a contabilidade é feita, independente do país de origem da empresa.

Sustentabilidade

O BCB foi uma das primeiras instituições a dar luz ao tema sustentabilidade e economia verde e fazer parte da Network for Greening the Financial System (NGFS), sendo uma rede de 114 bancos centrais e supervisores financeiros que visa acelerar a expansão das finanças verdes e desenvolver recomendações para o papel dos bancos centrais nas mudanças climáticas.

A agenda global tem ganhado cada vez mais ênfase na sustentabilidade financeira, o BCB tem respondido a esse chamado, integrando considerações ambientais, sociais e de governança (Environmental, Social and Governance – ESG) em em suas práticas regulatórias. A convergência às melhores práticas em sustentabilidade não apenas responde às demandas dos investidores conscientes, mas também posiciona o Brasil como uma economia responsável e comprometida com a preservação do meio ambiente.

A introdução de regulamentações que incentivam práticas sustentáveis, como linhas de financiamento verde (Bureau de Crédito Verde[3]) e critérios de divulgação de Relatórios de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos (Relatório GRSAC[4]), ilustra o compromisso do BCB com uma abordagem holística da estabilidade financeira.

A adesão às recomendações da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (Task Force on Climate-Related Financial Disclosures – TCFD) destaca o compromisso do BCB em promover a sustentabilidade no sistema financeiro brasileiro.

Além disso, o BCB tem incentivado iniciativas que visam a inclusão financeira e o desenvolvimento sustentável, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.

Gestão de Riscos

A gestão eficaz de riscos é fundamental para a estabilidade financeira, assim o BCB tem buscado aprimorar suas práticas de gestão de riscos, alinhando-se com as normas internacionais, como as condicionantes pelo Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (COSO), uma entidade sem fins lucrativos, dedicada à melhoria dos relatórios financeiros através da ética, efetividade dos controles internos e governança corporativa.

A implementação de práticas robustas de gestão de riscos fortalece a resiliência do sistema financeiro diante de turbulências econômicas. A utilização de tecnologias avançadas, como estatísticas e simulações de cenários, reflete a determinação do BCB em adotar as melhores práticas globais na gestão de riscos.

Aliada aos princípios de Basileia, de forma prudencial, o BCB tem acertadamente segmentada a regulação[5] do mercado na proporção do perfil de risco das instituições financeiras e a sua relevância sistêmica, ou seja, os maiores bancos tem maiores exigências normativas e requerimentos mínimos de capital para fazer face aos riscos decorrentes de suas atividades.

Conclusão

O compromisso do BCB com a convergência às melhores práticas internacionais é evidente em várias dimensões. Desde a esfera regulatória até a gestão de riscos, o BCB tem adotado abordagens inovadoras e tecnologias avançadas para fortalecer o sistema financeiro brasileiro. Esse processo contínuo de aprimoramento não apenas promove a estabilidade, mas também solidifica a posição do Brasil nos mercados financeiros globais, inspirando confiança entre investidores nacionais e internacionais.

A Agenda BC# é um conjunto de iniciativas lançadas pelo BCB para modernizar o sistema financeiro brasileiro. Isso inclui a introdução de novas tecnologias, como blockchain, Drex, Pix e Open Banking para aumentar a eficiência e reduzir os custos das transações financeiras. Essas iniciativas alinham o BCB com esforços internacionais para incorporar inovações tecnológicas e concorrência no setor financeiro.


[1]  Comitê de Supervisão Bancária da Basileia constituiu-se em um fórum de discussão para o melhoramento das práticas de supervisão bancária, buscando aperfeiçoar as ferramentas de fiscalização internacionalmente. Apesar de não ter autoridade para fazer cumprir suas recomendações, a maioria dos países, membros ou não, tendem a implementar as políticas ditadas pelo Comitê. O Comitê de Basileia é constituído por representantes de autoridades de supervisão bancária dos bancos centrais de 27 países, entre os quais: África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, República Popular da China, França, Alemanha, Hong Kong, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Países Baixos, Rússia, Arábia Saudita, Singapura, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos, além de Luxemburgo e Espanha.

[2] A regulação prudencial é um tipo de regulação financeira que estabelece requisitos para as instituições financeiras com foco no gerenciamento de riscos e nos requerimentos mínimos de capital para fazer face aos riscos decorrentes de suas atividades.

[3] O Bureau de Crédito Verde, criado pelo Banco Central do Brasil irá reunir as informações do Crédito Rural, concedidas por Bancos Brasileiros, definindo se essas operações estão de acordo com os critérios de sustentabilidade, tomando como exemplo a recuperação de pastagens e uso de energia renovável.

[4]Resolução BCB nº 139 estabelece requisitos para divulgação do Relatório e a Instrução Normativa nº 153 que entrou em vigor em 1º de dezembro de 2022 e define tabelas padronizadas para fins da divulgação.

[5] São cinco segmentos (do S1 ao S5) determinados pelo porte, nível da atividade internacional e perfil de risco das instituições.


LEANDRO OLIVEIRA LEITE. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.


Blackout no CADE

Pedro Zanotta & Dayane Garcia Lopes Criscuolo

De acordo com o Regimento Interno do CADE (RICADE)[1], o Tribunal do CADE é composto por um Presidente e 6 (seis) Conselheiros, nomeados pelo Presidente da República, depois de sabatinados e aprovados pelo Senado Federal. O mandato do Presidente e dos Conselheiros é de 4 (quatro) anos.

Compete ao Plenário do Tribunal[2], dentre outras atribuições, decidir (i) sobre a existência de infrações à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei; (ii) decidir os processos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, instaurados pela Superintendência-Geral; (iii) aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do acordo em controle de concentrações, bem como determinar à Superintendência-Geral que fiscalize seu cumprimento; (iv) apreciar e julgar processos administrativos de atos de concentração econômica, na forma da Lei.

As decisões do Tribunal são tomadas por maioria, com a presença mínima de 4 (quatro) membros para a instalação da sessão de julgamento, sendo o quórum de deliberação mínimo de 3 (três) membros[3]. Se, no caso de encerramento de mandato dos Conselheiros, a composição do Tribunal ficar reduzida a número inferior, os prazos previstos na Lei de Defesa da Concorrência (LDC)[4] serão automaticamente suspensos e, nos casos em que o processo estiver no Tribunal, será suspensa a tramitação dos processos, continuando-se a contagem do prazo imediatamente após a recomposição do quórum[5].

E é justamente este o cenário atual do CADE. Isto porque, no mês de outubro, findaram os mandatos de 3 (três) Conselheiros, Sérgio Ravagnani, Lenisa Prado e Luiz Hoffmann. No início do mês de novembro, encerrou-se o mandato do Conselheiro Luís Braido. A questão preocupante, até o momento, é que não houve pelo Presidente da República a indicação de nenhum nome ao Senado, travando as atividades do Tribunal, o que irá gerar um verdadeiro blackout.

Sem que haja um quórum mínimo, atrasa-se não apenas a análise e julgamento de processos administrativos que aguardam resolução no Tribunal, mas, também, a aprovação definitiva de quaisquer operações que devam ser submetidas ao CADE[6]. Isso porque a ausência de quórum mínimo, além de suspender deliberações do Tribunal, traz discussão sobre a suspensão dos prazos de avocação. Com relação às operações, até mesmo aquelas consideradas de menor complexibilidade, ainda que sem qualquer preocupação concorrencial, aprovadas sem restrições pela Superintendência-Geral (SG), ficarão travadas, na medida em que qualquer Conselheiro pode avocá-la ou terceiros interessados podem questioná-la, de modo a rever o trabalho da SG no Tribunal. E esses prazos estão suspensos.

De acordo com dados levantados pelo Valor Econômico[7], a SG conseguiu encerrar a análise de 79 (setenta e nove) atos de concentração até o dia 16 de outubro, praticamente zerando o estoque. Essa era a data limite para a análise e publicação de pareceres da SG sobre os casos e, ainda, ter os 15 (quinze) dias, previstos pelo RICADE, para terceiros e/ou Conselheiros questionarem a análise e, eventualmente, levarem os casos ao Tribunal. Todas as demais análises realizadas a partir desta data, não poderão ser concluídas em razão da falta de quórum[8].

Importante destacar que, sem que haja a aprovação pelo CADE, em decisão definitiva, as operações não podem ser consumadas, sob pena de configuração de gun jumping, o que enseja possível declaração de nulidade da operação, imposição de multa pecuniária em valores que variam entre R$ 60.000,00 e R$ 60.000.000,00 – a depender da condição econômica dos envolvidos, dolo, má-fé e do potencial anticompetitivo da operação, entre outros – e a possibilidade de abertura de processo administrativo contra as partes envolvidas. Desta forma, deverão ser preservadas, até a decisão final da operação, as condições de concorrência entre as empresas envolvidas[9]

Esta não é a primeira vez que a Autarquia vivencia esta situação preocupante, que implica na paralisação de parte de suas atividades, e na qual questões políticas interferem e causam sérios impactos e prejuízos em nossa economia, que necessita de negócios e investimentos, com decisões céleres, como é a tradição do CADE.

Durante o período no qual o Tribunal permanece sem quórum, os Conselheiros voltam seus olhos para os trabalhos administrativos, analisando casos outrora recepcionados, envolvendo investigação de condutas (cartéis, condutas unilaterais etc.) e a preparação de atos de concentração para que, assim que possível, sejam julgados pelo Tribunal.

O fato de esta situação ter acontecido reiteradas vezes, nos faz refletir acerca da efetividade da estrutura do Tribunal, algumas vezes levantadas para discussão como, por exemplo, do número de Conselheiros ou, ainda, se não seria oportuno a existência de Conselheiros substitutos, evitando-se, desta maneira, a repetição deste blackout. No entanto, até o momento, referidos assuntos não passam de discussões no Legislativo e no Executivo, sem ainda resultados práticos efetivos.

A Lei 12.529/2011 tentou impedir que isso acontecesse, dispondo sobre os prazos de mandato de maneira não uniforme, sendo de 2, 3 e 4 anos, dependendo do caso. No entanto, os atrasos nas indicações, ao longo do tempo, provocaram a situação que nos encontramos hoje.

A nós, administrados, resta apenas aguardar e torcer para que as indicações, a serem realizadas pela Presidência da República, e a sabatina e aprovação, pelo Senado Federal, sejam tratadas como um tema prioritário, como deve ser. Ou teremos que pensar em pedir socorro ao Judiciário, para impedir que prejuízos à economia e às empresas sejam ampliados.


[1] Artigo 12, RICADE.

[2] Art. 9º, Lei 12.529/2011: Art. 9º Compete ao Plenário do Tribunal, dentre outras atribuições previstas nesta Lei:

I – zelar pela observância desta Lei e seu regulamento e do regimento interno;

II – decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei;

III – decidir os processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica instaurados pela Superintendência-Geral;

IV – ordenar providências que conduzam à cessação de infração à ordem econômica, dentro do prazo que determinar;

V – aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do acordo em controle de concentrações, bem como determinar à Superintendência-Geral que fiscalize seu cumprimento;

VI – apreciar, em grau de recurso, as medidas preventivas adotadas pelo Conselheiro-Relator ou pela Superintendência-Geral;

VII – intimar os interessados de suas decisões;

VIII – requisitar dos órgãos e entidades da administração pública federal e requerer às autoridades dos Estados, Municípios, do Distrito Federal e dos Territórios as medidas necessárias ao cumprimento desta Lei;

IX – contratar a realização de exames, vistorias e estudos, aprovando, em cada caso, os respectivos honorários profissionais e demais despesas de processo, que deverão ser pagas pela empresa, se vier a ser punida nos termos desta Lei;

X – apreciar processos administrativos de atos de concentração econômica, na forma desta Lei, fixando, quando entender conveniente e oportuno, acordos em controle de atos de concentração;

XI – determinar à Superintendência-Geral que adote as medidas administrativas necessárias à execução e fiel cumprimento de suas decisões;

XII – requisitar serviços e pessoal de quaisquer órgãos e entidades do Poder Público Federal;

XIII – requerer à Procuradoria Federal junto ao Cade a adoção de providências administrativas e judiciais;

XIV – instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica;

XV – elaborar e aprovar regimento interno do Cade, dispondo sobre seu funcionamento, forma das deliberações, normas de procedimento e organização de seus serviços internos; Vide Decreto nº 9.011, de 2017

XVI – propor a estrutura do quadro de pessoal do Cade, observado o disposto no inciso II do caput do art. 37 da Constituição Federal ;

XVII – elaborar proposta orçamentária nos termos desta Lei;

XVIII – requisitar informações de quaisquer pessoas, órgãos, autoridades e entidades públicas ou privadas, respeitando e mantendo o sigilo legal quando for o caso, bem como determinar as diligências que se fizerem necessárias ao exercício das suas funções; e

XIX – decidir pelo cumprimento das decisões, compromissos e acordos.

[3] Artigo 9°, §1º, Lei 12.529/2011.

[4] Lei 12.529/2011.

[5] Artigo 12, §5º, RICADE.

[6] Conforme artigos 88 e 90, Lei 12.529/2011 e Portaria Interministerial 994/2012.

[7] Valor Econômico. Olivon, Beatriz. Cade está em vias de perder o quórum mínimo para julgamentos. Enquanto não repuser vagas abertas, órgão vai se limitar a dar andamento administrativo e adiantar processos. Publicado em 03.11.2023. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/11/03/cade-esta-em-vias-de-perder-o-quorum-minimo-para-julgamentos.ghtml . Acesso em 08.11.2023.

[8] Mandato do Conselheiro Luís Braido encerrou em 04.11.2023.

[9] Artigo 88, § 3º e §4º, LDC.


Pedro S. C. Zanotta. Advogado em São Paulo, com especialidade em Direito Concorrencial, Regulatório e Minerário. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, em 1976. Foi titular dos departamentos jurídicos da Bayer e da Holcim. Foi Presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica – CECORE, da OAB/SP, de 2005 a 2009. Foi Presidente do Conselho e é Conselheiro do IBRAC. Autor de diversos artigos e publicações em matéria concorrencial. Sócio de BRZ Advogados.

Dayane Garcia Lopes Criscuolo. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Magistratura – EPM. Mestre em Cultura Jurídica pelas Universitat de Girona – UdG (Espanha), Università degli Studi di Genova – UniGE (Itália) e Universidad Austral de Chile – UAch (Chile). Aluna do Programa de Doutorado da Universidad de Buenos Aires – UBA (Argentina). Membro dos comitês de Mercados Digitais e Direito Concorrencial do Instituto Brasileiro de Concorrência, Relações de Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). Pesquisadora REDIPAL – Red de Investigadores Parlamentarios en Línea de la Cámara de Diputados de México. Autora de diversos artigos relacionados ao Direito da Concorrência, Direitos Humanos e questões de gênero.


Linguagem é ação: tenhamos calma com o ChatGPT

Adriana da Costa Fernandes

“Scrivimi, quando il vento avrà spogliato gli alberi

Gli Altri sono andati al cinema, ma tu vuoi restare sola

Poca voglia di parlare allora scrivimi

Servirá a sentirti meno fragile, quando nella gente troverai

Solamente indifferenza, tu non ti dimenticare mai di me

E se non avrai da dire niente di particolare

Non ti devi preoccupare, io saprò capire (…)”

Tu Scrivimi

Scrivimi

Renato Russo

Com o raiar da 4ª Revolução Digital às portas do Mundo Contemporâneo Global, não importando aqui o grau exato por Nação, para efeitos do que vamos abordar, é perceptível que o Direito passou a andar de mãos atadas com as demais Ciências Sociais e a sentir ainda mais frontalmente seus efeitos.

Esse fato se observa em razão do impacto massivo da computação e da inteligência artificial em todos os ramos da vida, ao se cruzar, de forma matricial, cotidianamente todos os ramos e ciências através dos efeitos algorítmicos, não havendo mais como negar a interferência dos efeitos da Psicologia, da Sociologia, da Antropologia e da Filosofia, por exemplo, nas decisões judiciais emanadas.

Isto significa que o efeito esperado da computação, ainda que não pareça a olhos leigos, está sendo atingido. O homem vem voltando a si mesmo, à sua essência, mesmo que seja longo o percurso. Esse foi e é o objetivo. Que a tecnologia propicie ao homem mais tempo, mais agilidade, mais coerência, mais questionamento, mais competência e mais especialização em alguns campos. Ainda que em alguns destes aspectos haja muito trabalho a ser feito.

Ocorre, que justamente com a chegada de IA na “ponta da lança” das transformações tecnológicas, resta claro que não há mais como se prescindir da Linguística e de maior efetividade na Comunicação Humana em tudo o que se pretende, especialmente no Direito.

Uma situação seria por meio da adoção de Teorias Linguísticas, como a de Implicaturas Conversacionais aliada aos melhores conceitos Jurídicos, como os Hermenêuticos, devidamente programados via Machine Learning, adaptando-os ao caso segundo uma estrutura seletiva com vistas à aplicação em situações mais fáceis ou difíceis, e ajustando-se a isto ao perfil de equipe, de acordo com a experiência e trajetória individual.

O melhor dos mundos para os adeptos de Kant, segundo quem, a mente não pode conhecer o que está fora do tempo e do espaço, senão dentro da experiência.

Francamente, meu olhar é outro, mas que assim ora seja.

Do que aqui abordo e considero hoje é acerca da Linguística no Direito.

E neste artigo, considero fundamental destacar como os Operadores do Direito estão redigindo, bem como alertar a urgência na elaboração de um novo estudo da qualidade das decisões judiciais, tanto em estrutura, quanto em eficácia e compreensão social dos julgados.

Assim, delegar ao ChatGPT a grande saída para questões de sobrecarga ou despreparo de equipe é tecnologicamente naif, tanto quanto imaginar andar de bicicleta sem sequer saber andar. Além de irresponsável diante das funções essenciais da Justiça.

É essencial que se compreenda em definitivo que quem maneja a tecnologia é o homem, e não ao contrário, por mais que alguns imaginem que isto possa ser revertido no futuro.

A inteligência humana é ampla e desconhecida, capaz do inimaginável, portanto, cabe a este novo homem que surge, diante do volume exponencial de informações provenientes da Revolução Digital, utilizá-la sabiamente.

Já se tem notícias de estudos sérios de possível disrupção em ótica cambriana deste homem em face de tamanho impacto. O que há de vir, aguardemos.

Portanto, o ChapGPT nada mais é do que mais um recurso de aceleração como outrora surgiu o incrível Office, respeitadas as tecnologias das épocas.

Desta forma, cumpre separar adequadamente os papéis institucionais e  operacionais.

Decisões judiciais não podem e não devem ser fundamentadas com base em ChatGPT, lembrando o que está por trás enquanto programação humana, o Machine Learning em desenvolvimento e o input de dados incompleto em seara legal, posto que o Direito ainda se encontra em caminhada rumo a este promissor encontro com a tecnologia e buscando o seu próprio meio Linguístico de interface com esta ciência.

Nesta abordagem, observe-se que, em 1897, no campo da Linguística, Michel Bréal em seu “Essai de Sémantique”, desenvolvendo suas investigações acerca das palavras, abordou do “grau de precisão que temos necessidade para compreendê-las bem”, ou seja, do como exatamente, se pretende atingir um alvo e alcançar um dado índice de efetividade nas decisões e julgados, especialmente quando uma vida, até mesmo frágil, está em jogo e, em especial, em se tratando de Garantias Individuais e Direitos Fundamentais.

Lembre-se que o Brasileiro pouco lê e do contexto deficiente da Educação Nacional. Preocupar-se em ser bem entendido há de ser premissa.

Após a “Virada Linguística” e com o surgimento da “Filosofia Analítica”, capitaneada por Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein buscando enquadrar a linguagem em padrões matemáticos, foi, de fato, com Ferdinand Saussure, post mortem, e a divulgação de seus estudos focados em Desempenho, na década de 1920, que a Linguística assumiu status de Ciência. Outras escolas vieram posteriormente, como a de Praga e o Estruturalismo Europeu, a Norte-Americana, com Noam Chomsky e o Funcionalismo. E se debruçaram sobre o tema, dentre outros, Richard Rorty e Jünger Habermas.

Por que a adoção de Padrões Linguísticos no Direito?

Por absoluta necessidade, sob o ponto de vista de que a linguagem constitui realidade, se tornando ação em concreto. Tudo o que pensamos é mera convenção de nomes e características materializado para o mundo físico e refletido nos pareceres, peças e decisões.

Assim, como um dia muitos aprendemos a datilografia e digitar, hoje outros aprendem coding para programar e lidar com robôs, havendo a necessidade inconteste de ajustes de linguagem do Direito face a tecnologia, uma vez que os computadores se utilizam de padrões matemáticos e lógicos. O Direito precisa de simplificação, já tendo deixado há muito de ser uma ciência isolada e hoje se mostrando vinculado à Economia, às Engenharias e às diversas Ciências.

Primeiramente, se os Tribunais pretendem se utilizar de recursos tecnológicos aprimorados, em último grau,  precisam: (1) dispor de um centro coordenado, e não mais falar linguagens diferenciadas; (2) estabelecer critérios iguais para que os Operadores de Direito compreendam a necessidade de rever suas linguagens – cartilhas e tamanho de peças.

O que esperamos socialmente? Até quando não verificar o efeito das decisões? Com IA, volume não pode e não deve mais ser álibi. Por que a preocupação apenas com a causa e não com eficácia? E quanto a mitigar suposto desvio?

Em segundo ponto, para a boa extração de Relatórios, os textos produzidos hão de ser curtos, práticos e focados, com número máximo definido de páginas e distribuídas em torno de 5 partes: (1) contexto; (2) fundamentação doutrinária global e regional; (3) argumentação técnica prática; (4) decisão detalhada – o agir; (5) decisão resumida com prazos e cronograma para acompanhamento.

Um excelente modelo corporativo que poderá ser utilizado por IA vem a ser 5W1H – WHAT (O quê), WHO (Quem), WHEN (Quando), WHOW (Como), WHY (Porque), HOW (Como), basilar na vida das organizações privadas.

Que o objetivo seja a elaboração de decisões em uma linguagem liberta de ambiguidades, sem dificuldade de entendimento ao público leigo, aproximando os Tribunais da população e ampliando o cumprimento das decisões judiciais.

Que Eficácia Decisional seja meta.

Afinal, escreveu J. L. Austin, “Quando dizer é fazer”.


Adriana da Costa Fernandes . Advogada com atuação em 3 eixos: Direito Público; Infraestrutura e Tecnologia (em especial Telecom, TI, Digital, Energia Elétrica e Ferrovias) e Cível Estratégico (foco em Consumidor e Contratos). Mestranda em Direito Constitucional pela UNINTER PR sob a tutela da Profa. Dra. Estefânia Barboza e com tese sobre PRAGMATISMO CONSTISTUCIONAL HUMANISTA na Era Digital, unindo Direito Constitucional, Digital, Filosofia e Ciência Política. Pesquisadora vinculada ao NEC CEUB DF sob a mentoria da Profa. Dra. Christine Peter da Silva e ao IDP – Observatório Constitucional do Professor André Rufino do Vale. Aluna da Escola de Magistratura do Distrito Federal – ESMA DF. Pós-graduada (MBA) em Marketing pela FGV RJ, especializada em Relações Governamentais e Institucionais (RELGOV) pela CNI / Instituto Euvaldo Lodi (IEL), com Extensão em Energia Elétrica pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e detentora de diversas titulações em instituições de renome Nacional e Internacional. Consultora e Parecerista. Com experiência em empresas renomadas, de portes expressivos e atuação em mercados relevantes e agências governamentais. Atualmente com escritório próprio e atuação voltada para Tribunais Superiores, Tribunal de Contas da União e CARF.


A gradativa consolidação de uma Corte Digital no STJ – Parte I

Gabriela Pimenta R. Lima

Em 2007, quando o Supremo Tribunal Federal estava sob a presidência da Ministra Ellen Gracie, foi publicada a Emenda Regimental (ER) 21, que incluiu a possibilidade de o relator submeter a análise da repercussão geral (RG) de processos por meio eletrônico, podendo os demais ministros encaminhar, também por meio eletrônico, manifestação sobre a RG, criando-se, assim, o plenário virtual (PV), que desde então vem contribuindo significativamente para o aprimoramento do STF como uma Corte Constitucional Digital.

A criação do PV está diretamente ligada à RG, introduzida no ordenamento jurídico pela EC 45/2004, disciplinada pela Lei 11.418/2006, e efetivamente implementada pela referida ER 21/2007. À época de sua criação, um dos principais objetivos da RG era reduzir o acervo de processos, bem como garantir a segurança jurídica, garantindo que casos semelhantes tenham a mesma solução.

De lá para cá, o plenário virtual teve suas competências ampliadas. Em 2010, a ER 42/2010 permitiu o julgamento do mérito de questões com RG, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, por meio eletrônico. Em 2016, a ER 51 incluiu os agravos internos e os embargos de declaração no PV. Em 2019, a ER 52 possibilitou o uso do PV para o julgamento de agravos regimentais, medidas cautelares em ações de controle concentrado, referendo de medidas cautelares e de tutelas provisórias, desde que a matéria tivesse jurisprudência dominante na Corte.

Em março de 2020, com a decretação da pandemia causada pela Covid-19, as sessões presenciais de julgamento do STF foram suspensas, e para dar andamento aos julgamentos, a ER 53/2020 ampliou ainda mais a competência do PV, permitindo que todos os processos de competência da Corte fossem submetidos a julgamento em listas, no ambiente presencial ou no eletrônico, equiparando o plenário virtual ao físico.

Após a ER 53/2020 foram publicadas as Resoluções 669/2020 e 675/2020, que possibilitaram a disponibilização dos votos e a apresentação de sustentação oral e de esclarecimento fáticos, por meio de gravação de vídeo, enviada antes do início da sessão virtual.

As alterações normativas refletiram na proporção de decisões proferidas no PV. Conforme dados da pesquisa científica “O plenário virtual na pandemia da Covid-19”[1], desenvolvida pela Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação do STF, em 2019, o Tribunal proferiu 81,9% de decisões colegiadas em ambiente virtual; em 2020, 95,5%; e, até junho/2021, 98,4%.

Segundo a pesquisa, o primeiro aumento significativo de decisões virtuais está diretamente ligado à expansão da competência do PV, implementada pela ER 51/2016. E o segundo aumento significativo ocorreu em 2020, por causa da pandemia, quando ocorreram 17.400 julgamento virtuais, enquanto 10 anos antes, ocorreram apenas 112.

É inegável a importância que o PV adquiriu no modelo decisório do STF nos últimos 16 anos, mostrando-se como mecanismo importante para a redução do acervo de processos, que na presente data é de 24.361, contra 129.623, em 2007, segundo dados do programa “Corte Aberta”[2] do STF.

Em que pese seus avanços, o PV ainda sofre muitas críticas. Após a publicação da ER 53, advogados manifestavam preocupação quanto à limitação ao direito de defesa[3]. À época, mais de 100 advogados, incluindo ministros aposentados do STF, como Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Francisco Rezek, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Cezar Peluso, assinaram abaixo-assinado apresentado ao então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, pedindo a revogação da ampliação do PV, em razão da violação aos princípios da ampla defesa, do devido processo legal, do contraditório e da publicidade, bem como do art. 133, da CF, que prevê a indispensabilidade do advogado à administração da Justiça, e do art. 93, X, da CF, que determina a publicidade de todos os julgamentos do Poder Judiciário[4].

Diante de muitas manifestações contrárias à ampliação do PV, o STF anunciou algumas mudanças, como i) a inclusão das sustentações e votos no andamento processual; ii) a possibilidade dos advogados encaminharem memoriais durante a sessão virtual; e iii) a obrigatoriedade de os ministros passarem pelas sustentações orais para ter acesso ao campo de votação.

De fato, hoje, todas essas medidas foram adotadas, mas não foram suficientes para dirimir a questão. Sob uma ótica menos positivista, podemos reconhecer que o direito de apresentar a defesa oral está sendo assegurado, afinal, o advogado pode encaminhar o vídeo de sua sustentação, mas o problema está na forma como o direito vem sendo assegurado, pois desconsidera-se o interesse do advogado em sustentar de forma presencial/telepresencial, isto é, em tempo real na presença dos julgadores, impossibilitando o acompanhamento do julgamento e de eventuais discussões, bem como da apresentação de eventuais esclarecimentos fático durante o julgamento.

O tema segue em discussão. Mais recentemente, em 19/09/2023, após a retirada de processos relacionados aos atos antidemocráticos do 8 de janeiro da pauta presencial do Plenário[5], o Conselho Federal da OAB enviou ofício[6] à Corte propondo que o envio de julgamentos para o PV seja feito somente se houver a anuência do advogado do processo, sob pena de violação do devido processo legal, do contraditório e do direito de defesa do direito de defesa, bem como do art. 7º, X, XI e XII, do Estatuto da OAB, que prevê garantias quanto ao uso da palavra, indispensável ao exercício do direito de defesa.

Até o momento, o STF não se manifestou sobre o ofício. Contudo, observamos uma importante mudança implementada pelo novo presidente da Corte, ministro Barroso, que tomou posse em 28/09/2023.

A fim de promover o diálogo entre os julgadores, o ministro Barroso adotou um novo formato de julgamento presencial, no qual são realizadas duas sessões de julgamento. Na primeira, é lido o relatório e são feitas as sustentações orais. Após, a sessão é suspensa, sendo marcada uma nova data apenas para os ministros proferirem seus votos. Segundo o ministro Barroso, o novo modelo atenderia a um pleito antigo dos advogados, que alegam que por vezes a sustentação oral é mera formalidade porque os votos já estão prontos antes do julgamento e são proferidos logo após a sustentação, impossibilitando que os julgadores tenham tempo para analisar os argumentos expostos nas sustentações.

A mudança já foi colocada em prática, no julgamento do ARE 1309642, que ocorreu em 18/10/2023, exclusivamente, para leitura do relatório e realização das sustentações orais. Após, o julgamento foi suspenso para aguardar o agendamento de nova sessão para os ministros apresentarem seus votos.

Pensando em aplicar o novo formato de julgamento presencial aos julgamentos virtuais, quando o caso for incluído na pauta do PV, os advogados teriam duas opções, 1) seguir o caminho que temos hoje, isto é, enviar o vídeo da sustentação no prazo regimental, ou 2) no mesmo prazo, manifestar o interesse na realização de sustentação oral de forma presencial, então, o caso seria retirado do PV para que seja agendada nova data para inclusão em sessão presencial apenas para a realização da sustentação, em seguida, 2.1) ou o caso voltaria para o PV e seguiria o rito que já é adotado hoje, 2.2) ou se for do interesse do relator e/ou de algum dos ministros, o caso seria destacado do PV para seguir no julgamento presencial.

Certamente a discussão sobre as sustentações no PV ainda dará muito “pano para a manga”, mas o debate é uma importante ferramenta para aprimorar o funcionamento desse mecanismo decisório, eficaz pelo número de processos que são julgados, adequado para apreciação de demandas de diversas complexidades e fundamental para o desenvolvimento do STF como uma “Corte Constitucional Digital”.


[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). O plenário virtual na pandemia da Covid-19 [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2022, p. 31.Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/codi/anexo/Pesquisa_Plenario_virtual

.pdf. Acesso em: 01 nov. 2023.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). O plenário virtual na pandemia da Covid-19 [recurso eletrônico] / Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2022, p. 15.Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/codi/anexo/Pesquisa_Plenario_virtual

.pdf. Acesso em: 01 nov. 2023.

[3] POMPEU, Ana. Sessões virtuais do STF preocupam advogados e geram críticas de partes das ações. JOTA, 2020. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/sessoes-virtuais-do-stf-preocupam-advogados-e-geram-criticas-de-partes-das-acoes-28042020. Acesso em: 06 nov. 2023.

[4] Advogados, dentre os quais 6 ex-ministros do STF, peticionam contra plenário virtual. JOTA, 2020. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/advogados-dentre-os-quais-6-ex-ministros-do-stf-peticionam-contra-plenario-virtual-16042020. Acesso em: 06 nov. 2023.

[5] Ação penal dos atos antidemocráticos será julgada no Plenário Virtual. Supremo Tribunal Federal, 2023.  Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=514341&ori=1. Acesso em: 06 nov. 2023.

[6] Em audiência com Alexandre de Moraes, OAB requer respeito à prerrogativa de sustentação oral. OAB Nacional, 2023.  Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/61445/em-audiencia-com-alexandre-de-moraes-oab-requer-respeito-a-prerrogativa-de-sustentacao-oral. Acesso em: 06 nov. 2023.


GABRIELA PIMENTA R. LIMA. Cursando o LL.M. em Processo e Recursos nos Tribunais no IDP. Mestre em D. Constitucional pelo IDP (2021). Pós-graduada em D. Tributário pelo IDP (2014). Especialista em D. Tributário pelo IBET (2014). Graduada em Direito pelo CEUB (2011).


De Davi a Gigantes Corporativos: Reflexões sobre o Poder de Mercado e a Influência das Histórias

Maxwell de Alencar Menezes

Steve Jobs, o fundador e ex-CEO da Apple, afirmou que o contador de histórias é a pessoa mais poderosa do mundo. Ele ilustrou que o mundo é feito de histórias e não de átomos[i]. Ao utilizar esses princípios, Jobs conseguiu transformar sua empresa e o mundo com o lançamento do Iphone. Uma inovação que é fruto não apenas de um engenho tecnológico, mas também de uma história muito bem contada, que estimulou com as pessoas a adotarem até hoje esse novo meio de comunicação e interação.

Neste quinto artigo para o WebAdvocacy, apresentam-se histórias adicionais que se somam às já discutidas, tais como a história da Microsoft e sua venda casada[ii], mencionada no primeiro artigo; além das histórias sobre o bom, o mau e o feio no antitruste do segundo artigo[iii]; e o conhecimento do Cade[iv] e as dificuldades enfrentadas pelos concorrentes comuns[v], abordados nos terceiro e quarto escritos. Todas são hipóteses que não representam a opinião de qualquer instituição em particular, nem necessariamente do autor, mas são apenas cenários de reflexão.

Nesse sentido, o escritor uruguaio Galeano, que foi perseguido pelo regime militar, narra em sua crônica “A burocracia/3”[vi] uma história sobre um quartel onde um soldado estava sempre de guarda ao lado de um banco. Passaram-se muitos anos até que um certo comandante decidiu investigar a razão para isso e descobriu que o banco havia sido pintado muito tempo atrás. O comandante daquela época havia ordenado a alguém: “Fique de olho para que ninguém se suje com a tinta fresca.” Desde então, esse cuidado desnecessário continuou, sem que ninguém questionasse se ainda fazia sentido manter essa prática para sempre.

A partir deste ponto, inicia-se o fio condutor deste artigo, cujo objetivo é examinar se o banco pintado, na perspectiva antitruste relacionada ao receio das grandes corporações, continua fresco ou se a sentinela está lá por mero hábito.

A primeira história trazida aqui é a famosa luta entre Davi e Golias. Davi, um jovem judeu mirrado que mal conseguia carregar uma armadura de combate, enfrentou um Gigante Filisteu[vii], que habitava o que hoje é a Faixa de Gaza e naquela época ameaçava continuamente o exército israelita. No entanto, Davi enfrentou-o com um estilingue e derrubou-o com uma única pedrada. Essa história ilustra e modela a ideia de como um Gigante, que, no contexto atual, pode ser interpretado como uma corporação com grande poder de mercado, pode potencialmente eliminar os pequenos. No entanto, a agilidade do pequeno em contraste com o gigantismo pode, na realidade, revelar a verdade desse cenário concorrencial.

Essa imagem do grande vilão contra o pequeno indefeso tem implicações na defesa da concorrência. Segundo o critério do Cade para notificação obrigatória de atos de concentração, uma operação envolvendo um grupo A com um faturamento de R$ 750 milhões e um grupo B com um faturamento de R$ 75 milhões deve ser notificada. Esse critério pode ser interpretado como uma salvaguarda contra a situação em que um gigante ataca um concorrente dez vezes menor. Tanto que, no caso de dois grupos com um faturamento na faixa de R$ 600 milhões, a notificação não seria obrigatória, mesmo que o grupo resultante da operação atinja R$ 1,2 bilhão, bem maior do que pelos limites mínimos estabelecidos, que atingiria R$ 825 milhões.

Ainda em relação aos gigantes, há o ‘EB’, que não se refere ao Exército Brasileiro, embora pudesse, mas, neste contexto, se trata do Elefante Branco. Ele foi até homenageado tornando-se nome  de uma escola[viii] em Brasília. Esse termo, de acordo com o sociólogo e ensaísta alemão Robert Kurz[ix], remonta à história de um ‘presente’ dado no antigo reino de Sião: o rei presenteava alguém com um Elefante Branco, e o presenteado acabava por falir devido aos custos de manutenção. Kurz também considerava a máquina militar, especialmente a dos Estados Unidos, como o maior e mais pesado de todos os elefantes brancos.

De modo análogo, o filósofo inglês Thomas Hobbes ressuscita outro gigante, o Leviatã bíblico, há muito tempo exterminado pelo próprio criador, e o coloca na figura do Estado como o ente responsável por cuidar dos indivíduos egoístas, que, de outro modo, não são capazes de deixar de abusar uns dos outros. Seguindo essa linha de raciocínio, no caso de empresas gigantes, elas precisariam de uma estrutura estatal gigante para impedi-las de devorar as menores. Aqui, cabe destacar que não se intenta nenhuma crítica à atuação do Cade, que se pauta nas regras definidas. Tratam-se de reflexões a respeito de um ponto anterior a essas regras, no sentido de perscrutar as histórias que de algum modo as influenciaram a se tornar o que são.

Por outro lado, observa-se que a vida de gigante não é tão maravilhosa quanto parece. A própria Apple, após a saída de Steve Jobs, quase faliu enfrentando forte concorrência da Microsoft e da IBM[x], que, aliás, também enfrentou grandes dificuldades. Mais recentemente, o Facebook[xi] enfrentou fortes turbulências com quedas no valor de suas ações e o rápido crescimento da base de usuários de concorrentes como o TikTok. Além disso, existem exemplos como o Yahoo, Xerox, Kodak e Nokia, gigantes que, assim como o Titanic, não conseguiram manobrar rapidamente o suficiente para desviar de obstáculos, ou pelo menos evitar grandes quedas das quais não conseguiram se recuperar totalmente.

Gennaro Cuofano, o criador do ágil e inovador FourWeekMBA, ao tratar de como as empresas mudam com o tamanho[xii], ilustra como o Facebook inicialmente tinha agilidade para transformar sua empresa rapidamente. No entanto, a olhos vistos, perdeu essa característica que o impulsionou à grandeza. O lema da rede social, que era “mova-se rápido e quebre as coisas”, foi alterado para “mova-se rapidamente com infraestrutura estável”, o que nitidamente se tornou um paradoxo e um freio. Um sinal claro de que o custo e o risco de simples correção de falhas aumentaram de tal forma que tornou a empresa, em certa medida, lenta e, por isso, vulnerável, como é o caso de outros gigantes, sejam estatais ou privados.

Além dos custos e dos riscos, há também que se considerar a influência da cultura organizacional que tende a resistir a mudanças, muitas vezes funcionando como um mecanismo de defesa contra a introdução de elementos externos em sua estrutura. Em parte, é por isso que surgem as spin-offs, empresas criadas por organizações de grande porte com o propósito de explorar inovações ou novos mercados. Em resumo, as spin-offs servem como uma forma de manter um grupo de pessoas com mentalidades diferentes isolado da influência e das restrições da organização principal, que muitas vezes se concentra em seus processos estabelecidos. Em outras palavras, sou tão grande que preciso me fazer pequeno para conseguir me manter relevante e competitivo.

As startups, por sua vez, são empresas pequenas e inovadoras criadas por empreendedores que identificam oportunidades negligenciadas pelas grandes corporações. Essas empresas disruptivas atraem investidores aos montes para o Brasil, que usualmente se voltava mais para o consumo e revenda de produtos estrangeiros do que para a produção de inovações tecnológicas. De acordo com o Sebrae, nos últimos quatro anos, as startups nacionais conquistaram mais de 60%[xiii] do total de investimentos em empresas inovadoras na América Latina, totalizando cerca de R$ 108 bilhões.

Além disso, as grandes corporações não de hoje procuram terceirizar bastante sua operação. Com isso, a intenção seria tornar o Elefante Branco menos custoso, para que possa focar seus esforços em seu core business, a fim de manter-se competitivo frente aos concorrentes mais leves, sem toda essa bagagem adquirida. Tanto é assim que, em alguns casos, até mesmo os fabricantes de equipamentos optam por terceirizar a produção desses equipamentos[xiv], direcionando seu foco para a concepção e os projetos, em vez de se concentrarem nas operações de chão de fábrica. O que pode ser entendido como uma tentativa de emular o modelo operacional de uma startup.

Até agora, tornou-se evidente que manter-se como uma grande empresa traz consigo inúmeros desafios e leva muitas organizações a adotarem estratégias de compartimentação e redução organizacional para se manterem competitivas.

A preocupação central gira em torno da possibilidade de os gigantes do mercado, de forma unilateral, praticarem abuso de poder econômico, particularmente quando se trata de manipulação artificial de preços, o que pode prejudicar os consumidores e o mercado. Uma tática clássica adotada por empresas com poder suficiente é a redução excessiva de preços, a ponto de eliminar seus concorrentes.

O único exemplo encontrado de condenação pelo Cade por práticas abusivas de preço predatório ocorreu em 1987 no caso Centralsul Defensa[xv], no qual o Dr. Mauro Grinberg, colunista do WebAdvocacy, atuou como Conselheiro-Relator.

No entanto, ao analisar os brevíssimos resumos dos casos a seguir, torna-se evidente que a maioria das condutas relacionadas ao abuso do poder econômico, que estão em certa parte ligadas a manipulações unilaterais de preços, foi arquivada devido à falta de indícios suficientes para caracterizar tais práticas.

Em 2022, a Superintendência-Geral do Cade conduziu uma investigação sobre possíveis infrações à ordem econômica no mercado de transporte aéreo doméstico de passageiros. A análise incluiu a possível prática de preços abusivos. No entanto, devido à ausência de indícios robustos, o Inquérito Administrativo foi arquivado[xvi].

Além disso, durante a apuração de um possível aumento abusivo de preços por parte de empresas de saúde, em resposta à alta demanda por produtos farmacêuticos devido à COVID-19, o Cade concluiu que não houve abuso de poder de mercado[xvii].

No caso de uma suposta prática de discriminação de preços e condições de contratação no fornecimento de gás natural pela Petrobras às concessionárias de distribuição de gás canalizado, a análise do Cade não encontrou evidências de efeitos anticompetitivos no mercado, resultando no arquivamento do caso[xviii].

Uma outra investigação envolveu a conduta da Rodopetro, que alegadamente deixou de recolher tributos de forma deliberada e recorrente para praticar preços mais baixos na distribuição de etanol hidratado. No entanto, o Cade decidiu arquivar o caso devido à ausência de indícios de condutas anticompetitivas por parte da empresa[xix].

Em relação ao mercado de vales benefício, o Cade investigou alegações de subsídio cruzado e uso anticompetitivo de dados pela iFood.com. A prática de subsídio cruzado, onde a empresa utilizava receitas de sua plataforma digital dominante para subsidiar descontos e vantagens no mercado de vales benefício, foi arquivada devido à falta de indícios de infração à ordem econômica, embora com indicação de que poderia ser objeto de investigação futura[xx].

No mercado de intermediação de milhas aéreas, o Cade apurou alegada manipulação de valores e eliminação de descontos aos consumidores. Contudo, o caso foi arquivado devido à insubsistência de indícios de infração à ordem econômica[xxi].

Por outro lado, e para concluir, um caso emblemático de condenação  não diz respeito a preços, mas envolveu a cobrança de taxas por parte do operador portuário do Porto de Suape/PE[xxii].

Aqueles que chegaram até este ponto podem começar a conectar algumas peças e refletir sobre o que foi sugerido no início deste artigo. Um momento de parar para pensar, questionar e investigar práticas que persistem, examinar os personagens das histórias apresentadas, como o Soldado do banco pintado, o Gigante Golias, o Elefante Branco, o Leviatã, as grandes corporações enfrentando desafios e seus esforços de terceirização, bem como as spin-offs e startups, juntamente com o que parecem ser raros casos de efetivo abuso de poder por parte desses temíveis gigantes de forma unilateral, mesmo nos mais variados mercados.

Nesse cenário, onde as grandes corporações podem ter sua aura de invencibilidade e perigo decorrente de seu poder de mercado desmistificada, poderia se considerar uma investigação mais minuciosa do algoritmo que, na prática, determina que aqueles com a capacidade de cometer abusos realmente o façam. Em semelhança a como todos os automóveis têm o potencial de causar danos, mas na realidade, apenas uma pequena parcela deles exerce esse potencial.

Outro aspecto, embora venha ser abordado por último, não é menos importante: o mindset derrotista versus o perseverante. Davi, naquele tempo, assim como as startups de hoje, acreditam plenamente em sua capacidade de se tornarem os próximos gigantes. Elas não veem a necessidade de intervenção de um monstro atrapalhado como o Leviatã para ajudá-las, pois os dinossauros, devido ao peso de sua grandeza, não sobreviveriam nos dias de hoje.

A mentalidade conhecida como “síndrome do balde de caranguejo” ou “crab bucket syndrome” não é exclusiva de regiões costeiras no nordeste ou em qualquer lugar específico. Trata-se de um fenômeno estudado pela psicologia em todo o mundo[xxiii], que se manifesta de várias maneiras. Uma dessas manifestações, talvez influenciada pelo inconsciente coletivo e pela disseminação de histórias, é a tendência a controlar concentrações. O que significa que, quando uma empresa parece estar saindo dos limites do “balde” (ultrapassando thresholds de concentração), pode haver forças normativas que tentam puxá-la de volta para dentro, para a comunidade, para a tragédia dos concorrentes comuns.

Essa mentalidade reflete como histórias e influências culturais podem impactar as ações e decisões das pessoas, inclusive no mundo dos negócios. Um exemplo notável desse fenômeno é o trabalho do psicólogo israelense Daniel Kahneman, que recebeu o Prêmio Nobel de Economia por suas pesquisas sobre a racionalidade humana na tomada de decisões.

Como conclusão, sugere-se que, em vez de manter uma vigilância constante sobre o banco pintado, deveria se considerar a ideia de que, em vez de puxar o caranguejo de volta para o balde, instituições dedicadas à promoção da concorrência poderiam investir em capacitar outros para também saírem do balde. O que pode ser promovido por meio do investimento em programas de capacitação empresarial e na criação de incentivos que facilitem o acesso de novos concorrentes ao mercado, permitindo que compreendam os processos de sucesso que levaram algumas empresas a se tornarem grandes. O objetivo não deve ser apenas transferir o problema para outro lugar, mas sim promover um ambiente com mais concorrência e menos interferência, proporcionando benefícios para todos os envolvidos.


[i] Jobs, S. (1996). The next insanely great thing. Wired, 4(3), 74-821

[ii] Meneses, M. d. (2023). Venda casada de PC novo com sistema Operacional Microsoft. Fonte: WebAdvocacy: https://webadvocacy.com.br/2023/06/07/venda-casada-de-pc-novo-com-sistema-operacional-microsoft

[iii] Meneses, M. d. (2023). O Bom, o Mau e o Feio: Como um faroeste espaguete pode nos ensinar sobre antitruste. Fonte: WebAdvocacy: https://webadvocacy.com.br/2023/07/13/o-bom-o-mau-e-o-feioi-como-um-faroeste-espaguete-pode-nos-ensinar-sobre-antitruste/

[iv] Meneses, M. d. (2023). Onde reside o conhecimento do Cade? . Fonte: WebAdvocacy: https://webadvocacy.com.br/2023/08/18/onde-reside-o-conhecimento-do-cade/

[v] Meneses, M. d. (2023). A Tragédia dos Concorrentes Comuns. Fonte: WebAdvocacy: https://webadvocacy.com.br/2023/09/28/a-tragedia-dos-concorrentes-comuns/

[vi] Galeano, E. (2002). A burocracia/3. Em O livro dos abraços (p. 54). Porto Alegre: L&PM.

[vii] Romey, K. (2019). Origem dos filisteus pode ser finalmente revelada por DNA antigo. Fonte: National Geographic: https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia201907origem-dos-filisteus-pode-ser-finalmente-revelada-por-antigo-dna

[viii] Salomão, M., & Araujo, A. L. (2021). Educação libertadora: Elefante Branco faz 60 anos nesta quinta-feira. Fonte: Eu Estudante: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2021/04/4919466-educacao-libertadora-elefante-branco-faz-60-anos-nesta-quinta-feira.html

[ix] Kurz, R. (2001). Elefantes brancos. Folha de São Paulo.

[x] Denning, S. (2011). Why Did IBM Survive? Fonte: Forbes: https://www.forbes.com/sites/stevedenning/2011/07/10/why-did-ibm-survive/?sh=f404a2c1cac4

[xi] Kerry, F. (2023). Facebook vs TikTok: Everything you need to know! Fonte: Search Engine Insight: https://www.searchengineinsight.com/facebook-vs-tiktok/

[xii] Cuofano, G. (2023). Grandeza, Grande Demais Para Escalar: Como As Empresas Mudam Com O Tamanho. Fonte: FourWeekMBA: https://fourweekmba.com/pt/escada/

[xiii] Startups brasileiras conquistam 60% dos investimentos feitos na América Latina. (2023). Fonte: Agência Sebrae de Notícias: https://agenciasebrae.com.br/inovacao-e-tecnologia/startups-brasileiras-conquistam-60-dos-investimentos-feitos-na-america-latina/

[xiv] Flextronics assume parte da produção da Xerox no Brasil. (2001). Fonte: FolhaONLINE: https://www1.folha.uol.com.br/folha/reuters/ult112u6560.shtml

[xv] PROCESSO ADMINISTRATIVO N° 65/1981

[xvi] vide nota técnica nº 8/2022/cgaa8/sga2/sg/cade versão pública

[xvii] nota técnica nº 19/2022/cgaa2/sga1/sg/cade versão única de acesso público

[xviii] PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08700.002600/2014-30  VIDE VOTO ACESSO PÚBLICO GAB5

[xix] Inquérito Administrativo n° 08700.002532/2018-33 VIDE VOTO VOGAL – CONSELHEIRO MAURICIO  OSCAR BANDEIRA MAIA VERSÃO PÚBLICA ÚNICA

[xx] Inquérito Administrativo nº 08700.001797/2022-09 VIDE VOTO VOGAL – CONSELHEIRO SÉRGIO COSTA RAVAGNANI VERSÃO PÚBLICA

[xxi] Procedimento Preparatório nº 08700.001519/2019-48 VIDE VOTO VOGAL – conselheiro gustavo augusto versão pública

[xxii] Cade condena Tecon Suape por cobrança de THC2. (2021). Fonte: Conselho Administrativo de Defesa Econômica: https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/cade-condena-tecon-suape-por-cobranca-de-thc2

[xxiii] Breuning, L. G. (2019). When Others Hold You Back. Fonte: Psychology Today: https://www.psychologytoday.com/us/blog/your-neurochemical-self/201903/when-others-hold-you-back


Maxwell de Alencar Meneses. Cearense radicado em Brasília há 35 anos, é Cientista da Computação, MBA Especialista em Gestão de Projetos, Especialista em Defesa da Concorrência e Direito Econômico, atua no Cade na análise de Atos de Concentração e anteriormente no Projeto Cérebro, na área de Cartéis.  Participou e acompanhou por 30 anos a concorrência no mercado de inovação e tecnologia no âmbito do Governo Federal e em organizações líderes de mercado, como Fundação Instituto de Administração, Xerox do Brasil, Computer Associates, Bentley Systems e Vivo.


O PRO-REG (também) voltou!

Lucia Helena Salgado

O PRO-REG está de volta. O Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação, criado no início do 2º mandato do Presidente Lula (Decreto nº 6.062, de 16 de março de 2007), foi reformulado e relançado há poucos dias, pelo Decreto nº 11.738 de 18 de outubro de 2023. Vamos chamá-lo aqui de PRO-REG II. Assim como o PRO-REG I, o programa conta com o apoio financeiro do BID e a cooperação técnica da OCDE, dando continuidade à sua agenda de expandir a aplicação das melhores práticas desenvolvidas ao redor do mundo em regulação. Em seu novo formato, o PRO-REG será comandado por um Comitê Gestor no âmbito do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MIDIC), cuja Secretaria-Executiva será exercida pela Secretaria de Competitividade e Política Regulatória do MIDIC.

A despeito do hiato que o processo de construção institucional e aprimoramento das políticas públicas no país teve que enfrentar nos anos recentes, a retomada do PRO-REG não significa uma volta ao começo. Os anos de intensa atividade do programa, entre 2007 e 2014 semearam no terreno fértil das mentes que compõe o corpo dos (em sua maioria jovens) concursados das agências reguladoras e gestores lotados na administração direta.  Técnicas e saberes foram incorporados nas rotinas de trabalho das agências pelos servidores que participaram dos inúmeros cursos, treinamentos e visitas técnicas organizadas no âmbito do PRO-REG I. Assim, mesmo durante os anos de hiato institucional, a perseverança e determinação conjunta desse corpo estável de servidores manteve em marcha, mesmo contra a corrente, o planejamento original do programa.

Podemos tirar muitas lições dessa experiência, que se assemelha a um “experimento natural”: O PRO-REG foi desenhado de forma robusta, pensado como política de Estado, planejado como etapas ao longo de anos, de aprofundamento de técnicas e espalhamento de práticas a serem desenvolvidas, visando no longo prazo alcançar todos os níveis da administração pública. Seu modelo bottom-up – focado na conquista de corações e mentes do corpo técnico estável e qualificado dos especialistas em regulação e gestores públicos – garantiu a resistência e continuidade da agenda mesmo na ausência de qualquer apoio – e compreensão – dos centros de governo.

Esse desenho – baseado na divulgação de conhecimentos acumulados no curso de outras experiências nacionais, na capacitação de servidores de Estado, genuinamente dedicados à condução de políticas públicas, na disponibilização de instrumentos e métodos a serem paulatinamente incorporados nas rotinas de trabalho e empregados diretamente pelos servidores, numa dinâmica bottom-up, fortalecida pela harmonização de práticas entre as agências – é responsável pelo sucesso do PRO-REG I.

Evidência desse sucesso foi a continuidade do projeto, com a edição, depois de longa tramitação, da Lei Geral das Agências (Lei n 13.848 de 25 de junho de 2019), determinando o instituto da agenda regulatória e da análise de impacto regulatório e o Decreto nº 10.411, de 20 de junho de 2020, regulamentando as determinações legais e prevendo o instituto da análise de resultado regulatório, em conformidade com as melhores práticas.

O PRO-REG I previa, como segunda fase do programa, a extensão das boas práticas regulatórias para toda a administração pública federal, autárquica e fundacional no exercício de função regulatória de atividades e serviços de interesse da sociedade. Essa etapa da agenda foi cumprida, na instituição do decreto que regulamentou o instituto das análises de impacto, mais uma evidência do sucesso do programa em capacitar e motivar servidores para o aperfeiçoamento das políticas públicas.

 Figura como emblema desse sucesso, a despeito das nefastas circunstâncias, a impecável análise de impacto (risco-efetividade) da aprovação em caráter emergencial, em janeiro de 2021, das duas primeiras vacinas contra a covid-19 desenvolvidas respectivamente pelo Instituto Butantã e a Fundação Osvaldo Cruz em parceria com a Universidade de Oxford e o laboratório Astra-Zeneca. A análise feita pelos especialistas da ANVISA recomendando a aprovação, amparada na melhor técnica de Análise de Impacto, foi apresentada de público, transmitida pela internet e aprovada unanimemente pela diretoria da Agência; o episódio deixou registrada a autonomia e excelência da ANVISA e representou um marco no processo de construção institucional, iniciado há cerca de 25 anos.

 O novo PRO-REG, nosso PRO-REG II, avança no desenho de governança, ao criar um comitê-gestor, composto por representantes dos seguintes órgãos: I – Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, que o presidirá; II – Advocacia-Geral da União; III – Casa Civil da Presidência da República; IV – Controladoria-Geral da União; V – Ministério da Fazenda; VI – Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos; e VII – Ministério do Planejamento e Orçamento (Art. 5º do Decreto 11.738/2023), com a Secretaria-Executiva exercida por Secretaria dedicada justamente à Competitividade e à Politica Regulatória.

O modelo é muito bem-vindo, por replicar o desenho de governança que melhor funciona para a harmonização, articulação e coordenação de ações com impactos transversais. Confere, com sua formação colegiada, legitimidade para a adoção de medidas modernizadoras de maior impacto, resultando em maior transparência, controle social e racionalização nas iniciativas regulatórias. O comitê gestor deverá operar como verdadeiro órgão supervisor dos esforços coordenados pela Secretaria-Executiva e poderá contribuir para o desenvolvimento da capacitação regulatória que estados e municípios tanto necessitam para estimular atividades e proteger os cidadãos. Boa sorte e mãos à obra, PRO-REG II!


LUCIA HELENA SALGADO. Professora Títular da Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós Graduação em Ciências Econômicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com pós-doutorado pela Université de Toulouse I, Capitole – Toulouse School of Economics (TSE) 2012-2013 (apoio CAPES). Doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996). Professora visitante Toulouse School of Economics, Master 2 ECL – Economics and Competition Law, (fev. mar. 2014); foi pesquisadora visitante e doutoranda em intercâmbio na Universidade da Califórnia, Berkeley (1994-1996); mestre em Ciência Política pelo IUPERJ e bacharel em Economia pela UFRJ. Foi membro do grupo de trabalho que deu origem à lei brasileira de defesa da concorrência e conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) por dois mandatos, de 1996 a 2000. Foi Coordenadora de Estudos de Regulação e Mercados da Diretoria de Estudos e Políticas de Estado, Instituições e Democracia do IPEA de 2008 a 2013. Atualmente, é Professora visitante do curso de Pós-Graduação em Gestão da Inovação do Laboratório de Gestão de Tecnologia e Inovação do Instituto de Geociências da Unicamp desde 2006; é membro da equipe de pesquisa do NECTAR/ITA (Núcleo de Economia dos Transportes, Antitruste e Regulação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica). Tem coordenado grupos de pesquisa em escala nacional e internacional desde 1994 em Organização Industrial, Regulação Econômica, Mecanismos de Governança e Direito e Economia, atuando principalmente nos seguintes temas: instrumentos regulatórios e desenho de mecanismos, economia antitruste, propriedade intelectual e concorrência e nova economia institucional. Coordena o curso de pós graduação lato sensu em Direito e Economia da Regulação e da Concorrência, oferecido pela UERJ.


Onde estão as mulheres nas negociações de M&A no Brasil?

Danielli Gilbert de Souza L´Apiccirella 

Essa foi uma pergunta que fiz infinitas vezes ao sentar-me às mesas para negociar operações de M&A (fusões e aquisições). Regra geral, eu era a única, senão uma das únicas mulheres naqueles ambientes de negociação multimilionários. E esse cenário predominantemente masculino foi me intrigando cada vez mais com o passar dos anos. 

A mesma fotografia repetidas vezes: homens brancos, de todas as faixas etárias, sentados ao redor das mesas negociando. Por quê? A curiosidade quanto a essa resposta abriu caminho para minha dissertação de mestrado intitulada “A mulher na negociação de fusões e aquisições: presença, destaque e habilidades negociais”, disponível no link https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/32356?show=full.

Onze pessoas de renome no mercado de M&A responderam a essa pergunta como parte da pesquisa. Profissionais de sucesso com incontáveis projetos gigantescos, dentre eles, empresários, economistas, advogados sócios de escritórios e altos executivos, no total seis mulheres e cinco homens.

Todas as respostas de uma maneira ou de outra revelaram dois pontos centrais pra essa pergunta, o primeiro levando ao segundo, mas antes de falar deles, é importante fazer o alerta de que trabalhar com M&A pode ser apaixonante, mas que sem dúvida quase sempre envolverá uma relação de amor e ódio: 

O primeiro se relaciona com o tipo de rotina de vida imposta por esses modelos de negociação – há total imprevisibilidade de quando e onde essas reuniões de negociação vão ocorrer, começar e terminar, até que dois momentos principais aconteçam: a assinatura dos contratos definitivos (signing da operação – seria equivalente a um noivado) e a conclusão da operação (closing – seria como um casamento). 

O segundo tem a ver com o fato da vida pessoal precisar ficar em segundo plano quando o dever chama e o lugar dos filhos ou o desejo de maternidade. Todos os entrevistados, sem exceção, cansaram de testemunhar, ou mulheres que foram adiando a sua decisão de serem mães, ou que enfrentaram enormes batalhas diárias na tentativa de conciliação desses mundos paralelos, ou que acabaram desistindo da carreira de M&A.

Pois bem, se a palavra gênero não fizesse a menor diferença, esse segundo ponto central poderia até parecer absurdo, pois a única lógica posta seria o cuidado compartilhado dos filhos de forma equilibrada entre homens e mulheres. 

Porém, M&A ainda não existe nos contos de fadas e embora nas cartilhas mais atuais se ensine que a responsabilidade quanto ao cuidado dos filhos é conjunta, do pai e da mãe, a única lógica para muitos ainda hoje continua sendo a seguinte: o cuidado da família e dos filhos deve estar em primeiro lugar na vida das mulheres, não o trabalho, muito menos em M&A.

Mas por que continua tão viva ainda essa crença de que esse trabalho de cuidado é mais da mulher?

E a resposta é simples, por mais complexas que sejam as razões por detrás:  porque por milênios foi assim que fomos ensinados em casa ou pelas religiões, que esse dever de cuidado é da mulher e mais, que ele decorre de sua natureza biologicamente falando. Afinal de contas, por que ela que carregaria um útero (ler as obras feministas é imprescindível pra aprofundar o entendimento)?

Nesse raciocínio, que força possuem algumas décadas de novos pensamentos frente a uma cultura milenar ensinando que o cuidado dos filhos é o verdadeiro e mais nobre papel da mulher? 

Além das respostas dos 11 entrevistados, a pesquisa demonstrou que no ano de 2019, numa amostra de 19 escritórios de advocacia de renome do total de 26 avaliados, 31% dos sócios em M&A e Corporate eram mulheres, mas que apenas 7 mulheres advogadas desses escritórios foram ranqueadas no guia Chambers Latin America, face ao total 71 advogados ranqueados, ou seja, apenas 10%. 

Com isso, constata-se uma discrepância entre o percentual de mulheres da alta cúpula dos escritórios e o percentual de advogadas reconhecidas na área de M&A e Corporate pelo referido guia.

Há um trecho interessante das entrevistas que vale registrar: uma das advogadas que participou da pesquisa, que inclusive é ranqueada por esse tipo de guia com frequência, contou que ela própria uma vez, consternada, questionou o entrevistador de um desses guias, sobre o motivo de haver tão poucas mulheres nessas listas de destaque, considerando que essas mulheres existem no mercado de trabalho aos montes e são tão competentes quanto os homens.

Quanto à resposta que ela recebeu, foi mais ou menos essa: os nomes que constam das listas são recomendados pelos próprios escritórios (majoritariamente comandados por homens – afirmação confirmada pela pesquisa acima citada com a amostra de 26 escritórios de advocacia). 

Logo, não parece haver outra saída para que essa pergunta quanto ao paradeiro das mulheres nas mesas de negociação de M&A (assim como em outros espaços de poder) deixe de fazer sentido, a não ser a de cada vez mais colocar luz no tema e desmistificar esse conceito de que é a mulher a maior responsável pelo cuidado com os filhos e família, o que torna mais difícil o caminho da mulher na carreira de M&A. 

Nenhuma mudança estrutural acontece de um dia para o outro sem muito trabalho e grandes doses de suor e lágrimas.


Danielli Gilbert de Souza L´Apiccirella 

Advogada e Mestre em Direito dos Negócios pela FGV Law. Executiva da área jurídica com 20 anos de experiência na consultoria jurídica estratégica, com destaque para fusões e aquisições, operações financeiras e direito societário nacionais e internacionais, além de direito ambiental, imobiliário rural e propriedade intelectual. Mestre em Direito dos Negócios pela FGV Law com a dissertação “A mulher na negociação de fusões e aquisições: presença, destaque e habilidades” (2022).


Risco Regulatório, Governança e o PDL 365 sobre a TUST

Katia Rocha

A agenda para transição energética Brasileira, ao contrário dos países desenvolvidos, já parte de uma posição de destaque.  

A matriz elétrica Brasileira, uma referência mundial, apresenta participação de 85% de fontes renováveis, enquanto o mundo sequer alcança os 30%. Aparece em quarto lugar de capacidade instalada em renováveis, atrás apenas de China, Estados Unidos e Índia segundo dados da EPE

No entanto, a tarifa de energia elétrica, de cerca USD 0,163 kWh em 2023, não acompanha esse cenário virtuoso. Está acima da média mundial e de diversos países desenvolvidos e pares emergentes como ilustra a Figura 1. Um paradoxo.

Figura 1 – Tarifas de Energia Elétrica Residencial (kWh, U.S. Dollar)

Fonte: https://www.globalpetrolprices.com/electricity_prices/

Diversos são os motivos que podem explicar esse paradoxo. Um deles consiste nos encargos setoriais e subsídios de diversas políticas públicas implementadas ao longo dos anos, que, se somados aos impostos alcança, praticamente um terço da conta. Para se ter uma ideia, de acordo com dados da Aneel, o montante total de subsídios para 2023 é estimado em R$ 35 bilhões, sendo cerca de 29% para fontes incentivadas, 27% para conta CCC dos sistemas isolados, 18% para GD e 13% para tarifa social.

A racionalização dos encargos e subsídios, e a avaliação criteriosa das respectivas eficiências (Acordão TCU 2877/2019), faz parte da agenda de modernização do setor elétrico, objeto de amplo debate desde 2017, cujo objetivo consiste no fornecimento de energia ao menor custo, considerando a abertura de mercado, sustentabilidade da expansão e eficiência na alocação de custos e riscos.

Nesse sentido, o aperfeiçoamento metodológico das tarifas de uso do sistema de transmissão (TUST) pela ANEEL, a partir de 2023, com gradual intensificação do sinal locacional, é mais que meritória. Visa atribuir maiores encargos para os agentes que mais oneram o sistema de transmissão. Trata-se de uma correção da distorção verificada nos últimos anos, já documentada pela EPE, de modo a possibilitar uma sinalização de uso eficiente do sistema, como estabelecido na própria lei que instituiu a agência.

Um aprimoramento regulatório, objeto de extenso debate ao longo de 5 anos e 3 relatórios de análise de impacto. Caminha em direção a uma sinalização eficiente de preços, que evita subsídios cruzados e favorece a otimização da expansão do sistema de transmissão e da operação do sistema ao menor custo.

Na prática, os consumidores do Norte e Nordeste, que hoje pagam os valores mais altos de energia no país, mesmo estando próximos aos geradores de fontes incentivadas, poderiam ter uma redução na tarifa de energia elétrica.

No entanto, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 365/2022, que susta as resoluções da ANEEL sobre sinal locacional, foi recentemente aprovado na Comissão de Serviços de Infraestrutura, e, segue tramitando com sucesso em direção a Comissão de Constituição e Justiça e ao Plenário. A controvérsia opõe os geradores de renováveis (eólicas e solares) do Nordeste à ANEEL, MME além de associações e representantes dos consumidores de energia.

Não é de hoje que experimentamos essa dicotomia. Cada vez mais o Executivo perde seu protagonismo na definição de políticas públicas. Oportuno lembrar as tentativas recentes da Emenda 54/2023 que previa criação de “conselhos” que retirava poder e autonomia das agências reguladoras, e, do PDL 94/2022 cuja finalidade era “impossibilitar homologações” da ANELL no tocante ao reajuste tarifário anual da ENEL Ceará. Apropriado relembrar o reconhecimento da ANEEL em maturidade, transparência, qualidade regulatória e competências técnicas no relatório por pares (peer review) da OCDE.

Iniciativas como o PDL 365 impactam nosso risco regulatório, seja inicialmente do setor elétrico, mas com efeitos deletérios em todos os demais setores regulados da economia e ao país como um todo[1]. Afetam negativamente os indicadores de Governança (qualidade regulatória) e diminuem o volume de investimentos privados no setor de infraestrutura[2]. Reduzem nossa competitividade e produtividade, seja via um aumento no custo de capital requerido pelos investidores ou através postergações e cancelamentos de programas de investimentos[3].

Importante ressaltar que essas iniciativas vão na contramão de toda uma agenda do Estado Brasileiro – Lei das Agências Reguladoras, Lei das Estatais, entre outras – em direção à consolidação de um arcabouço regulatório propício aos investimentos em infraestrutura com maior segurança jurídica e perseguindo maior eficiência e qualidade na prestação de serviços.

O próprio lançamento do Novo PAC, que sinaliza grande parceria público/privada, a agenda de redução do Custo Brasil e o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG) tem como eixo principal as estruturas de Governança, que abrangem aperfeiçoamentos nas estruturas regulatórias e legais, com estabilidade, previsibilidade, transparência, análises de impactos, e incentivos a competição e concorrência.

Iniciativas como a do PDL 365, nocivas à agenda de Governança, também ajudam a explicar o paradoxo colocado no início desse artigo. A agenda positiva, que fortalece e respalda as estruturas de Governança, potencializa o impacto em direção ao crescimento e desenvolvimento social de forma consistente e no longo prazo.


[1] Ver Carrasco, Gustavo e Pinho (2014) e Bragança, Pessoa e Rocha (2014)

[2] Ver Rocha (2020), Rocha (2021)

[3] Ver FMI (2020).


Disclaimer. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade da autora, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do IPEA.


KATIA ROCHA. é Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), autarquia vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão desde 1997.

Doutora em Engenharia Industrial/Finanças, Mestre e Graduada em Engenharia Industrial e Elétrica pela Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora no Departamento de Engenharia Industrial (2002-2013).

Autora e revisora em diversos periódicos acadêmicos – Energy Policy, Journal of Fixed Income, Emerging Markets Review, Forest Policy and Economics, Pesquisa e Planejamento Econômico, Revista Brasileira de Finanças, Revista Brasileira de Economia, Economia Aplicada e Estudos Econômicos.

Atua no Planejamento, Desenvolvimento e Avaliação de Políticas públicas nas áreas de Investimentos em Infraestrutura , Economia da Regulação, Financiamento da Infraestrutura (Investidores Institucionais e Mercado de Capitais), Finanças Internacionais, Determinantes de Risco Soberano, IED e Fluxos de Capital para Economias Emergentes.


Colegialidade e formação de precedentes na busca por segurança jurídica

Maria Augusta Sampaio Ferraz

Antes de falarmos sobre o tema principal do presente artigo, qual seja, colegialidade e precedentes, faz-se necessário um breve resumo histórico do sistema jurídico brasileiro, que tem sua origem na tradição romano-germânica, também denominado como civil law. O referido sistema tem origem na Europa continental, no século XIII e, durante sua evolução, podemos dividi-lo em períodos.

O primeiro período tem início com o estudo do direito romano nas universidades, que durante os séculos foi se adaptando às necessidades da sociedade, tornando-se um direito sistematizado. Posteriormente, nos séculos XVII e XVIII, há uma renovação da ciência do direito, onde a legislação se torna a principal fonte do direito romano e do sistema civil law.

Anos mais tarde, a Revolução Francesa representa um marco histórico para consolidação do civil law, na medida em que, com a ascensão da burguesia ao poder, houve a ruptura com o Estado absolutista e a criação de um sistema que limitasse a atuação dos juízes, ainda aliados ao regime monárquico.

Na França, o juiz era proibido de interpretar a norma, pois imaginava-se que a legislação seria tão clara que não haveria margem para interpretação. O responsável por criar o direito (leis) seria o Parlamento, o que se mantem até os dias atuais.

Nesse sentido, o positivismo decorreu da Revolução Francesa e a lei tornou-se a principal fonte do direito, com o objetivo de garantir segurança jurídica e previsibilidade nas decisões judiciais.

O direito brasileiro, que tem como ascendência o direito português, também se filia, em sua origem, ao sistema civil law, e, portanto, adotou como lei sua principal fonte. Contudo, com o passar dos séculos, a evolução da sociedade e o aumento desenfreado de conflitos, percebeu-se que a lei já não era mais capaz de prever soluções para todas as situações apresentadas ao Judiciário.

Após séculos de um direito positivista, o direito brasileiro começou a introduzir ao seu sistema – até então fortemente positivista – alguns institutos originários de outro sistema jurídico (common law, que será tratado posteriormente), como os precedentes.

Assim, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o papel dos precedentes no direito brasileiro ganhou mais importância. A criação de um sistema de precedentes no cenário jurídico reforça a necessidade e o objetivo de uma prestação jurisdicional que entregue segurança jurídica, estabilidade e previsibilidade nas decisões judiciais, de forma que haja redução na judicialização e uma melhor e mais célere prestação jurisdicional.

Nesse sentido, o CPC de 2015 dispõe expressamente sobre a importância dos precedentes, no sentido de que os tribunais devem manter seus entendimentos uniformes para o alcance da almejada segurança jurídica, conforme disposto no seu artigo 926:

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Apesar de o direito brasileiro ser oriundo do sistema civil law, ou seja, de um sistema que tem como principal fonte do direito a lei, percebemos que, diante de toda evolução, a busca pela estabilização de entendimentos sobre questões constitucionais e federais traz o precedente como novo elemento. Ainda que o sistema brasileiro de precedentes seja próprio e não uma mera cópia do sistema common law, é importante entender a origem do instituto e suas principais características.

Os precedentes têm sua origem no sistema common law, onde vigora a doutrina da observância das decisões judiciais tais como postas nos casos pretéritos (doctrine of stare decisis), isto é, as decisões são proferidas observando o que já foi decidido em um caso anterior que tenha semelhanças com o caso a ser julgado.

Mesmo com origens e fonte do direito distintas, percebe-se que há uma aproximação entre os sistemas, de modo que a lei passa a ter maior importância no commom law e os precedentes maior importância no civil law.

As disposições trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, além de darem grande importância e força normativa às decisões proferidas pelos tribunais, mostram que, apenas a Lei como fonte de decisão (civil law), não é suficiente para garantir estabilidade, previsibilidade e segurança jurídica ao sistema. Luiz Guilherme Marinoni diz nesse sentido:

[…] Se no civil law imaginou-se que a segurança e a previsibilidade poderiam ser alcançadas por meio da lei e da sua estrita aplicação pelos juízes, no common law, por nunca ter existido dúvida de que os juízes podem proferir decisões diferentes, enxergou-se na força vinculante dos precedentes o instrumento capaz de garantir a segurança de que a sociedade precisa para se desenvolver.[1]

Diante deste cenário, a introdução dos precedentes judiciais no sistema brasileiro tem como objetivo a garantia de maior estabilidade do que é decidido pelo Judiciário. No Brasil, a força do precedente decorre de Lei. O exemplo principal do dispositivo legal que traz tal determinação é o artigo 927 do CPC, que dispõem sobre a necessidade de observância às decisões das Cortes Supremas.

Apesar dessa diferença, a matriz ideológica dos precedentes, em ambos os sistemas, é a busca por isonomia, segurança jurídica, estabilidade e previsibilidade das decisões judiciais.

Os precedentes reforçam o papel das Cortes Supremas (STF e STJ) de determinar como deve se dar a interpretação da legislação constitucional e federal, e, nesse sentido, é de extrema importância essas Cortes exercerem a sua colegialidade, que desempenha um papel crucial na garantia da segurança jurídica e refere-se à prática de tomar decisões judiciais por um grupo de magistrados. Essa abordagem colaborativa promove a discussão, a troca de ideias e a revisão cuidadosa dos casos, garantindo uma maior qualidade e consistência nas decisões.

Um órgão colegiado requer que cada membro aja de forma coordenada. Em outras palavras, é necessário que cada membro leve em consideração o trabalho dos outros membros, e o resultado final depende diretamente dessa abordagem. A colegialidade compartilha semelhanças com o trabalho em equipe, uma vez que ambos envolvem colaboração e deliberação entre seus integrantes. Essa interação é de extrema importância, já que o resultado obtido é o produto resultante desse processo.

Nesse contexto, uma decisão proferida como sendo do Tribunal, e não de um de seus membros, enfatiza a natureza impessoal, independente e imparcial dos julgadores, com o propósito de evitar a atribuição de responsabilidade a um único magistrado (despersonalização). Além disso, a colegialidade atua como um mecanismo de contenção do arbítrio individual, ou seja, como uma forma de impedir a concentração excessiva de poder em um único indivíduo – o próprio julgador. Portanto, a contenção do arbítrio individual visa, sobretudo, proteger os interesses das partes envolvidas no processo judicial e a qualidade das decisões judiciais, uma vez que incentiva o magistrado a adotar uma postura neutra, contribuindo assim para a uniformidade das decisões tomadas por todos os julgadores.

Nas Cortes Supremas brasileiras, como o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, a colegialidade é um princípio fundamental. Recentemente, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, discutiu a possibilidade do Plenário da Corte passar a construir decisões que condensem um voto majoritário e dessa forma reflitam a opinião da Corte como um todo.

Assim, a colegialidade contribui para a formação de precedentes sólidos e consistentes, uma vez que as decisões são tomadas por um coletivo de juízes com base em debates e argumentações e reflitam a posição do Tribunal. Isso reforça a previsibilidade e a uniformidade no direito, fortalecendo a confiança dos cidadãos no sistema judicial.

Assim, o julgamento colegiado que resulte em um posicionamento da Corte desempenha um papel fundamental no fortalecimento dessas instituições e na garantia da segurança jurídica. Algumas características demonstram a importância da colegialidade:

  1. Maior Consistência e Uniformidade Jurídica: A colegialidade ajuda a promover a consistência e a uniformidade nas decisões judiciais. Isso é crucial para garantir que casos semelhantes sejam tratados de maneira semelhante, o que é um princípio fundamental para a segurança jurídica. A aplicação consistente do direito constrói bons precedentes, evita arbitrariedades e garante que as decisões judiciais sejam previsíveis.
  2. Evita Concentração de Poder em um Único Juiz: Ao tomar decisões colegialmente, as Cortes Supremas evitam a concentração de poder em um único juiz. Isso é especialmente relevante em questões de grande importância, como as que são decididas pelo STF e STJ e formam precedentes. A dispersão do poder entre os juízes contribui para a proteção contra decisões unilaterais e subjetivas que podem ser influenciadas por preferências pessoais.
  3. Legitimidade e Aceitação Pública: A colegialidade também fortalece a legitimidade das decisões das Cortes Supremas. Quando um grupo de juízes chega a um consenso ou votação majoritária sobre um caso, isso aumenta a aceitação pública das decisões. Os cidadãos têm mais confiança nas decisões tomadas de maneira transparente e democrática do que em decisões individuais.
  4. Resistência a Pressões Externas: A colegialidade pode ajudar a proteger os tribunais de pressões políticas ou externas. Quando os juízes decidem em conjunto, é mais difícil influenciar um tribunal por meio de influências indevidas. A independência judicial é fortalecida pela tomada de decisões colegiais.
  5. Desenvolvimento do Direito: Os debates e discussões durante o processo colegial podem levar a um desenvolvimento mais rico do direito, o que é fundamental para a formação de precedentes. A jurisprudência resultante de tais debates tende a ser mais abrangente e aprofundada, contribuindo para a evolução do sistema jurídico.

Em suma, tanto os precedentes judiciais quanto a colegialidade nos tribunais superiores são elementos essenciais para a segurança jurídica no sistema jurídico. Eles trabalham em conjunto para garantir que o direito seja aplicado de maneira consistente e previsível, promovendo a estabilidade, confiabilidade e razoável duração do processo.


[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2016, p. 53.


MARIA AUGUSTA SAMPAIO FERRAZ. Advogada especialista em processo civil e em processos nas Cortes Superiores. Mestranda em processo civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Atua há 15 anos perante as Cortes Superiores (STF e STJ), com larga experiência e expertise na área.


André Lara Resende, Stiglitz e James Galbraith: suas contribuições relevantes ao debate sobre políticas públicas

Marco Aurélio Bittencourt

O seminário Estratégias de Desenvolvimento Sustentável, patrocinado pelo BNDES, contribuiu de forma contundente para a posição já bem conhecida de André Lara Resende sobre o desempenho do nosso Banco Central. Em especial sua ênfase sobre uma política de juros equivocada, iniciada no final de 2022, com uma escalada nos juros até chegar ao nível absurdo de quase 14% a.a, frente a uma inflação de no máximo 6%. Essa estratégia entrega a economia brasileira uma taxa de juros real por volta de 8%. – a maior do planeta.

No vídeo que está disponível na Internet – https://www.youtube.com/watch?v=HXsbSiOH8bE -, encontramos as falas dos três economistas. Faço, aqui, uma síntese sobre o ponto de vista dos três participantes.

André Lara Resende destaca que esperava um crescimento da economia mais robusto após o sucesso do Plano Real. Não foi o que aconteceu de lá até hoje, com crescimentos episódicos. Ele esclarece o motivo. Primeiro, destaca que o investimento cresceu muito pouco; o investimento público colapsou – caiu abaixo de 2% do PIB. Frisa que bem sabemos a causa.  Na tentativa de conter as despesas públicas com o teto dos gastos, as despesas obrigatórias correntes cresceram em demasia, espremendo as despesas com investimento, chegando à situação de nem sequer se investir para cobrir a depreciação da infraestrutura do País.

O Brasil tem uma carga fiscal alta (34% do PIB), mesmo se comparada com as dos países desenvolvidos. O País tem também taxas de juros extraordinariamente altas. O Banco Central fixou a taxa básica de juros (Selic) em quase 14%. Com a inflação próxima a 6%, chegamos a uma taxa de juros real de 8%. É a taxa de juros mais alta do mundo.  Sabe-se que sem investimento não há crescimento. A explicação dominante que ampara o Banco Central é que, como o Executivo não equilibra suas contas, isso gera um risco fiscal que o obriga a manter taxas de juros altas. Isso leva o professor Lara Resende a achar o assunto curioso. O Brasil não tem uma relação dívida/PIB elevada, ressaltando que se deve considerar a dívida líquida que colocaria essa razão em torno de 43%. Lembra ainda que essa dívida é integralmente doméstica, em moeda nacional e detidas por residentes em sua grande maioria (93%).  Por isso, portanto, não temos uma restrição que justifique essa política de juros.

Lara Resende, então, expõe sua tese: a relação pode ser inversa. Em vez da dívida levar a um aumento dos juros, são os juros muito altos que aumentam o próprio custo da dívida. Essa situação de juros altos leva, por sua vez, a um cumprimento do serviço da dívida que chega a 8,5 % do PIB, que se reflete em aumento de impostos e cortes nos gastos públicos. Em síntese, temos uma combinação perversa de juros e impostos muito altos e mesmo assim temos déficits nominais. A visão convencional quer que isso se resolva com geração de superávits primários, mesmo que tenha um custo social e econômico elevado. Essa estratégia trava o crescimento da economia, tanto pelo efeito no setor privado quanto no estatal.

Fala Lara Resende da inconsistência teórica dos modelos que o Banco Central tem se valido para justificar a taxa de juros no patamar exagerado em que ela se encontra. As preleções do atual Presidente do Banco Central apontam para o risco fiscal como uma de suas causas, mas dizem pouco sobre o risco que a própria política de juros altos acarreta à política fiscal. Nesse particular, André Lara Resende reflete sobre a necessidade de coordenação das políticas fiscal e monetária e que uma aritmética da dinâmica da dívida pública mostra que, se a taxa de juros estiver abaixo da taxa de crescimento da economia, a relação dívida/PIB decresce com o tempo e, portanto, converge para algum patamar de estabilidade. Se a taxa de juros estiver acima, o contrário acontece.

Lara Resende fez ainda a observação importante sobre essa razão dívida/PIB, que deve incorporar no seu numerador a dívida líquida. Nesse caso, tal razão estaria ao redor de 43%, ou seja, não temos um problema fiscal insanável. Ressalta que a coordenação de políticas é importante, porque juros da dívida pública são parte importante do orçamento e assim, se onerosos, o trava, fazendo encolher gastos em investimento, educação, saúde, etc. Essa redução necessariamente compromete o crescimento da economia. Em outras palavras, o próprio Banco Central exacerba o risco fiscal! E o lógico seria procurar cumprir a aritmética da dívida na sua formulação favorável, ou seja, juros abaixo da taxa de crescimento ou nessa direção. Não o contrário.

Essa lógica do Banco Central, que segue a macroeconomia dominante, foi posta em xeque a partir das crises financeiras, e por isso merece ser revista. Os dois palestrantes americanos são expoentes na crítica à macroeconomia dominante que sustenta a ideia de estabilização com superávits primários, pois são contraproducentes. A ideia de austeridade laissez-faire, com impostos e juros altos, está sob severas críticas mundo afora. Para cumprir o que propõe o atual governo como meta – crescimento sustentável e inclusivo -, é necessária a compreensão dessa armadilha que nos envolve há décadas.

O Estado é parte da solução do problema. Não é possível ter aumento de produtividade sem a participação do Estado. Não existe dinamismo na economia sem a participação de um Estado competente. O Estado tem que usar os recursos de forma eficiente, não ser burocrático e muito menos atrapalhar os negócios, criando dificuldades. Sem um Estado competente não há produtividade, não há crescimento. Assim, segundo Lara Resende, ao concluir sua exposição, as considerações dos palestrantes americanos nos ajudarão a cumprir o papel de suporte para quem apoia a ideia de crescimento sustentável e inclusivo, objeto desse seminário.

Ambos os economistas americanos corroboraram a exposição de Lara Resende e criticaram o nosso modelo de Banco Central por excessiva independência. Banco Central ater-se apenas à questão inflacionária não é mais um modus operanti aceito.

Stiglitz fala sobre diversos itens. Valho-me aqui de suas ideias expressas alhures, pois ajuda a encaixar os assuntos debatidos. Comecemos pela desigualdade de renda. Ele é voz atuante contra a ideia de que, se fazendo o bolo crescer, a desigualdade diminui com o tempo. Cita Lucas (outro prêmio Nobel) como um dos defensores dessa tese tempos atrás. Stiglitz se opõe a ela frontalmente. É preciso políticas públicas que garantam oportunidades aos mais pobres, concomitantemente às de crescimento.

Stiglitz fala sobre o tamanho do Estado. A turma dos liberais prega a tese de Estado mínimo e afrouxamento na regulação. Stiglitz mostra que essa foi exatamente a política de Reagan, mantida por bom tempo. Resultado: crises financeiras, concentração de renda e aumento do poder de mercado para vários segmentos. O economista defende mais Estado. Aqui é bom uma ressalva: isso não autoriza ninguém a concluir sobre mais estatais e regulamentação geral do mercado. Ele prega a sempre e bem difundida ideia expressa nos livros texto que ações de governo são necessárias, quando ocorrem falhas nesse mecanismo de autorregulação eficiente dos mercados pelo sistema competitivo de preços. Isto ocorre na presença de bens públicos, bens comuns, bens semipúblicos, externalidades, mercados não perfeitamente concorrenciais, informação assimétrica e desemprego dos fatores de produção. A regulação é necessária para combater então essas falhas de mercado. Uma boa política pública amplia a matriz competitiva e não privilegia conglomerados; o funcionamento do mercado se dá sob a égide de políticas públicas que promovam uma economia competitiva, além de instituições que gerem os incentivos corretos e garantam o funcionamento do mecanismo de mercado para alocação de recursos.

Quanto à privatização, ele sugere analisar caso a caso.

Sobre política de juros, Stiglitz fala o óbvio: juros na dimensão do Brasil são sufocantes ao investimento e deprime a economia.  Juros altos e política de austeridade não faz sentido econômico. É o crescimento da economia que, mesmo na presença de déficit do governo, irá reduzir a razão dívida/PIB.  O investimento é a causa motora do crescimento, junto com inovações e oportunidade de emprego para ampla faixa da população. Principalmente investimento público em infraestrutura e pesquisa. Para piorar, como os credores da dívida pública são em sua grande maioria os mais ricos, o pobre, em suas compras cotidianas ou em seus empréstimos habituais, é que arcarão com grande parte desse ônus financeiro, piorando o quadro da distribuição de renda. Evidentemente, tem reflexo no próprio serviço da dívida que fatalmente exigirá cortes em investimentos, educação e saúde, reduzindo ainda mais a trajetória de crescimento.

Quanto à solução do déficit público, o economista se opõe às políticas recessivas. A melhor política para estabilizar a razão dívida/PIB é aquela que privilegie os investimentos, inclusive o público, pois levará ao crescimento e assim poderá reduzir essa razão dívida/PIB. Isso se acrescenta a necessidade de se reduzir os juros da dívida pública. 

Stiglitz é favorável a políticas industriais e cita o caso dos Estados Unidos do estímulo à produção de chips e elogia o BNDES. Reconhece que há falhas na implementação de políticas públicas pelo BNDES e diz que as falhas representam um processo de aprendizagem. E, na sua palestra no BNDES, foi cortês: lembrou que conhecia os erros recentes e lançou a esperança de que teríamos aprendido com eles. Uma visão otimista é sempre bem-vinda. O ponto central do BNDES seria sua conexão com políticas industriais que devem ser desenhadas adequadamente. Não entrou em detalhes, mas citou o exemplo americano que criou lei de incentivos às empresas locais para produção de chips. Bem diferente da nossa estratégia que foi a criação de uma empresa estatal, alvo de um processo de liquidação iniciado em 2021.

Sobre o Banco Central, dá uma aula sintética e bem resumida. O nosso Banco Central é excessivamente independente. Nos EUA, o Banco Central é independente, mas o senso democrático dos seus ocupantes é que faz a diferença (mais uma vez cortês). Outros objetivos além da inflação ocupam a sua agenda, tais como desemprego, crescimento e estabilidade financeira.  O senso de responsabilidade é também explicitado nos depoimentos do presidente do Banco Central ao Congresso, justificando sua política. Stiglitz defende a necessidade de se ter representantes da sociedade na direção do Banco Central, como sindicatos e outros, porque seriam afetados por decisões de política financeira ou monetária.  Complementando esse quadro, aborda regras de governança, citando a que impede pessoas do mercado financeiro ocuparem posição de comando nos Bancos Centrais.

Por fim, fala também sobre tributação dos mais ricos e do sistema financeiro, objetivando dirigir os recursos dos poupadores para investimentos produtivos e ajuste na matriz energética, em busca de uma política verde. A tributação deveria ajudar a formatar a economia. Daí a inclusão dos chamados impostos verdes que desencorajariam o uso de combustíveis fósseis. No sistema financeiro, a tributação deveria objetivar reduzir a volatilidade. Enfim, impostos que possam ajudar no crescimento da economia pelos incentivos que poderiam gerar. Nessa linha de estimular o crescimento, fala sobre impostos reduzidos para empresas que se engajam em investimento produtivo.

Quanto ao Professor Galbraith, sua exposição foi sintética e direta. Falou do Banco Central e fez referência aos agregados relevantes: razão dívida/PIB e inflação. Confirmou os dados de André Lara Resende e apontou que a inflação estaria mais associada aos problemas de oferta agregada. Trouxe à baila a questão da taxa de juros e ressaltou que taxas reais altíssimas, como as que estão sendo praticadas, teriam efeitos profundos sobre a distribuição de renda, aumentando a riqueza dos que já a tem e tornando mais onerosa as dívidas dos mais pobres ou mesmo suas compras cotidianas.

Além disso, segundo o professor, taxas altas aumentam a própria despesa do governo, retraem o investimento público e privado e aumentam os custos dos empresários. Conclui o mesmo que André Lara Rezende e Stiglitz: a política adequada seria mais crescimento e mais inclusão, refletidos pelo padrão de investimentos adequados para essas finalidades. E mais: a situação de autonomia financeira que o Brasil desfruta, juntamente com os ativos que sustentam as operações do Banco Central, garantem uma retaguarda razoável para as mudanças aqui propostas.

Nada a opor sobre a posição teórica dos eminentes professores. Muito pelo contrário. A concordância é plena. O problema surge na aplicação de suas ideias ao Brasil. Não que expressem ideias erradas e desconheçam nossas falhas. Mas, olhando pelo retrovisor que leva ao passado e ao farol baixo que ilumina o presente, torna difícil acreditar que os erros foram aprendidos e não se repetirão. Tudo vai depender do arranjo político que se desenrolará.  E conforme expressa Stiglitz, o caráter resiliente do sistema é importante no encaminhamento da solução. Esse é o ponto!

No caso das políticas industriais e o papel do BNDES, é crucial que não se repita a estratégia de promover mais aumento de poder de mercado ao financiar grandes grupos econômicos que apenas aumentaram o seu patrimônio, incorporando o de terceiros ou investindo no exterior. Os casos caricatos são os da AMBEV e JBS. A nossa atuação equivocada sobre política industrial é crítica, diferentemente do que prega Stiglitz que estabelece incentivos dirigidos ao setor privado e não pela criação de estatais.

Não sei se Stiglitz tem notícia, por exemplo, da nossa experiência traumática do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada – estatal que produziria chips.  Ela apresentava recorrentes prejuízos e seus gestores não conseguiram provar que ela se justificaria do ponto de vista social e o Governo Bolsonaro iniciou um processo de liquidação que foi revertido pelo governo Lula. A governança sobre as instituições estatais é simplesmente crítica e favorece o corporativismo, com o inchaço salarial e de postos de trabalho. Evidentemente, esse inchaço não é generalizado e localiza-se mais na estrutura administrativa e nas estatais lucrativas. Vale lembrar a ênfase de Lara Resende sobre a gestão pública: o governo deve ser competente!

Certamente, Stiglitz deve conhecer a experiência bem-sucedida da ditadura militar que foi a criação da Embrapa. Do ponto de vista social, a Embrapa é altamente superavitária, como se depreende do seu Balanço Social. Com toda justiça, Lula a trata melhor do que todos os outros presidentes eleitos, principalmente aos seus técnicos, como o faz para as demais instituições do Executivo, abonando-os com reajustes salariais merecidos que acontecem sempre depois de algum jejum salarial imposto por governos anteriores. Novamente, esse é o caso e novamente Lula assume o prejuízo político. O problema aqui é que a estrutura salarial do setor governamental é bastante superior à do setor privado, o que fará aumentar a animosidade contra os servidores públicos, abrindo espaço político para a sua fragilização.

Quanto à independência do nosso Banco Central, fazem os palestrantes críticas acertadas. O problema é que a mídia tradicional as abafa e sempre faz parecer tonto quem ouse criticar o Banco Central. Sempre bom ouvir um arrazoado coerente, responsável e sério.

Hoje, com o retorno do PT ao poder, estamos num compasso de espera, porque o básico do primeiro ano de qualquer mandato presidencial é fruto do governo anterior. Ponto importante. As agendas microeconômicas não têm sido atacadas em grande escala; o que é muito bom. Outra exceção importante está nos exageros da privatização que provavelmente Stiglitz concordaria (eu também), como a idéia tosca de se privatizar os Correios; questão resolvida pelo governo atual.

De qualquer sorte, o caráter resiliente de que tanto fala Stiglitz em suas palestras, tudo indica, cai bem em Lula. Até agora, constatamos o ensaio de políticas industriais de auxílio às multinacionais automobilísticas com aproveitamento da classe média mais abastada, manutenção da tributação excessiva e rearranjo político com ocupação política das instituições públicas e ressurgimento de empresas estatais como a dos chips que poderiam e devem ser conduzidas pelo setor privado com o devido apoio estatal. Se no governo Bolsonaro, o seu quadro técnico não mudou significativamente, por que teria que mudar agora?

Feitas as minhas considerações, fico aqui com o otimismo de Stigler e faço a reprodução das palavras finais de André Lara Rezende que resumem bem as palestras dos economistas americanos. Assim, o fez:

  1. Claramente, taxa de juros excessivamente altas são injustificáveis, tanto na presença de déficit público ou de uma dívida pública alta. É injustificável para combater a inflação quando ela não é de demanda. Mais do que injustificável, taxas altas podem ser contraproducentes, ter efeitos perversos, contrários do que se pretende. Inviabilizam o crescimento. Podem agravar a inflação; agravam o déficit público, pioram a relação dívida/PIB. Adicionalmente, têm efeitos negativos na distribuição de renda. Taxa de juros elevadas é uma política profundamente equivocada.
  2. O Banco Central pode ter autonomia operacional para executar as metas definidas democraticamente, mas não pode ser um quarto poder, sem prestar contas e responsabilidade aos poderes democraticamente constituídos.
  3. A ideia de uma política industrial em nome de uma referência de investimentos e direção ao País é fundamental em todos os momentos e especialmente hoje com necessidade de reorganização da matriz energética, descarbonização da economia. O crescimento econômico não necessariamente engloba todo mundo. A política de crescimento tem que adicionalmente contar com medidas outras para aqueles que ficam fora do crescimento produzido por esse esforço de investimento publico e rearranjo das políticas em direção ao crescimento.
  4.  O Brasil está numa situação relativamente privilegiada no mundo; nós é que erramos com uma política equivocada nas últimas décadas, especialmente a monetária de juros, e uma adoção impensada do neoliberalismo com essa visão equivocada de que Estado deve ser suprimido ao mínimo, amordaçado e impedido de ter políticas. Isso nos levou à estagnação nesses últimos anos. Temos tudo para sair disso.

MARCO AURÉLIO BITTENCOURT. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb.