Convergência às melhores práticas internacionais pela autoridade monetária brasileira
Leandro Oliveira Leite
O Banco Central do Brasil (BCB), como autoridade monetária, tem desempenhado um papel fundamental na busca pela excelência e estabilidade do sistema financeiro. A convergência às melhores práticas internacionais é uma meta que reflete o compromisso do BCB em alinhar suas políticas e regulamentações aos padrões globais. Neste artigo, exploraremos como essa convergência se desdobra em diversas áreas-chave, delineando os progressos notáveis em termos regulatórios, concorrência, supervisão do Sistema Financeiro Nacional (SFN), aspectos contábeis, sustentabilidade e gestão de riscos.
O processo de globalização exige que as instituições financeiras nacionais estejam homologadas com as melhores práticas internacionais para garantir a estabilidade e a eficiência do sistema financeiro e o BCB tem desempenhado um papel crucial nessa jornada de convergência.
Regulação
O BCB tem demonstrado um esforço contínuo para alinhar suas estruturas regulatórias com os padrões internacionais, a adoção de normas e diretrizes recomendadas por instituições como o Comitê de Supervisão Bancária da Basileia[1] tem sido uma prioridade. A implementação de acordos internacionais, como o arcabouço das recomendações conhecidas como “Basileia III”, fortaleceu a solidez do sistema bancário brasileiro, tornando-o mais resiliente a choques financeiros a partir da crise internacional de 2007/2008.
A participação ativa em fóruns internacionais tem permitido ao BCB contribuir para a formação de políticas globais, enquanto adapta esses princípios à realidade local. Esse diálogo contínuo promove uma convergência dinâmica que beneficia não apenas o Brasil, mas também a estabilidade financeira mundial.
O componente regulatório é a base para a efetivação da operação do sistema financeiro. O BCB tem buscado alinhar suas regulamentações com padrões internacionais para promover a transparência e mitigar riscos, especialmente no que diz respeito aos requisitos mínimos de capital (Pilar 1), aos princípios de supervisão (Pilar 2) e divulgação ampla de informações relacionadas aos riscos assumidos (pilar 3).
Além da regulação prudencial[2], o BCB tem avançado na implementação de regulamentação que promova a inovação responsável, como no caso das fintechs, mantendo um equilíbrio entre a promoção de novos modelos de negócios e a segurança financeira. O Sandbox Regulatório é uma iniciativa que permite que instituições já autorizadas e ainda não autorizadas a funcionar pelo BCB possam testar projetos inovadores (produtos ou serviços experimentais) com clientes reais, sujeitos a requisitos regulatórios específicos.
Concorrência
A promoção da concorrência é vital para a eficiência e inovação no setor financeiro, por isso o BCB tem adotado medidas, como vimos acima, para abrir o mercado a novos participantes, incentivando a entrada de fintechs e instituições financeiras inovadoras. Segundo dados de 2023 da Federação Brasileira de Bancos – Febraban, o orçamento de tecnologia dos bancos não ficou para trás e cresceu 128% nos últimos 5 anos.
Outro exemplo evidente aqui é a implementação do Open Banking, uma prática internacional que permite o compartilhamento seguro de dados entre instituições financeiras, fomentando a concorrência e ampliando as opções para os consumidores. Espera-se que, com a evolução do Open Banking, em até dois anos os brasileiros possam ter reunidos em um único aplicativo de celular (super app, como vem sendo chamado) todas as suas contas bancárias e serviços financeiros.
Supervisão do SFN
A supervisão efetiva do Sistema Financeiro Nacional é crucial para garantir a segurança e a integridade do sistema, sendo assim o BCB tem fortalecido seus mecanismos de supervisão, incorporando as melhores práticas indicadas em jurisdições financeiras avançadas. A ênfase na transparência, responsabilidade e comunicação eficaz tem sido notável.
A convergência às melhores práticas de supervisão não se limita apenas às instituições financeiras tradicionais, mas também se estende às fintechs e outras entidades emergentes. Isso reflete a capacidade adaptativa do BCB em um ambiente financeiro em constante evolução.
A integração vanguardeira de tecnologias avançadas na fiscalização, como análise de big data e inteligência artificial – IA, exemplifica o compromisso do BCB em modernizar sua supervisão, alinhando-se com as exigências globais de supervisão bancária.
Contábil
As Normas Internacionais de Relatórios Financeiros (IFRS, na sigla em inglês) são um conjunto de princípios contábeis e normas de relatórios financeiros que foram desenvolvidos pelo International Accounting Standards Board (IASB) e são amplamente aceitos em todo o mundo.
A convergência contábil financeira também é um componente vital da integração do Brasil às melhores práticas internacionais, a harmonização das normas contábeis nacionais com os padrões internacionais. Isso não apenas facilita a comparação global das projeções financeiras, mas também promove a confiança dos investidores.
O alinhamento contábil contribui para a transparência e a prestação de contas, elementos cruciais para o funcionamento eficiente dos mercados financeiros. A busca pela clareza e comparabilidade é fundamental para atrair investimentos e fortalecer a posição do Brasil nos mercados internacionais.
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC emite pronunciamentos técnicos, orientações e interpretações. A partir destes trabalhos, os órgãos reguladores (BCB é um dos componentes) tem emitido suas regulamentações próprias, permitindo assim a uniformização do processo de produção de normas.
A transição suave para o IFRS representa um passo significativo na direção da convergência contábil internacional, contribuindo para a solidez e transparência do setor. Assim, é possível padronizar a forma como a contabilidade é feita, independente do país de origem da empresa.
Sustentabilidade
O BCB foi uma das primeiras instituições a dar luz ao tema sustentabilidade e economia verde e fazer parte da Network for Greening the Financial System (NGFS), sendo uma rede de 114 bancos centrais e supervisores financeiros que visa acelerar a expansão das finanças verdes e desenvolver recomendações para o papel dos bancos centrais nas mudanças climáticas.
A agenda global tem ganhado cada vez mais ênfase na sustentabilidade financeira, o BCB tem respondido a esse chamado, integrando considerações ambientais, sociais e de governança (Environmental, Social and Governance – ESG) em em suas práticas regulatórias. A convergência às melhores práticas em sustentabilidade não apenas responde às demandas dos investidores conscientes, mas também posiciona o Brasil como uma economia responsável e comprometida com a preservação do meio ambiente.
A introdução de regulamentações que incentivam práticas sustentáveis, como linhas de financiamento verde (Bureau de Crédito Verde[3]) e critérios de divulgação de Relatórios de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos (Relatório GRSAC[4]), ilustra o compromisso do BCB com uma abordagem holística da estabilidade financeira.
A adesão às recomendações da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (Task Force on Climate-Related Financial Disclosures – TCFD) destaca o compromisso do BCB em promover a sustentabilidade no sistema financeiro brasileiro.
Além disso, o BCB tem incentivado iniciativas que visam a inclusão financeira e o desenvolvimento sustentável, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.
Gestão de Riscos
A gestão eficaz de riscos é fundamental para a estabilidade financeira, assim o BCB tem buscado aprimorar suas práticas de gestão de riscos, alinhando-se com as normas internacionais, como as condicionantes pelo Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (COSO), uma entidade sem fins lucrativos, dedicada à melhoria dos relatórios financeiros através da ética, efetividade dos controles internos e governança corporativa.
A implementação de práticas robustas de gestão de riscos fortalece a resiliência do sistema financeiro diante de turbulências econômicas. A utilização de tecnologias avançadas, como estatísticas e simulações de cenários, reflete a determinação do BCB em adotar as melhores práticas globais na gestão de riscos.
Aliada aos princípios de Basileia, de forma prudencial, o BCB tem acertadamente segmentada a regulação[5] do mercado na proporção do perfil de risco das instituições financeiras e a sua relevância sistêmica, ou seja, os maiores bancos tem maiores exigências normativas e requerimentos mínimos de capital para fazer face aos riscos decorrentes de suas atividades.
Conclusão
O compromisso do BCB com a convergência às melhores práticas internacionais é evidente em várias dimensões. Desde a esfera regulatória até a gestão de riscos, o BCB tem adotado abordagens inovadoras e tecnologias avançadas para fortalecer o sistema financeiro brasileiro. Esse processo contínuo de aprimoramento não apenas promove a estabilidade, mas também solidifica a posição do Brasil nos mercados financeiros globais, inspirando confiança entre investidores nacionais e internacionais.
A Agenda BC# é um conjunto de iniciativas lançadas pelo BCB para modernizar o sistema financeiro brasileiro. Isso inclui a introdução de novas tecnologias, como blockchain, Drex, Pix e Open Banking para aumentar a eficiência e reduzir os custos das transações financeiras. Essas iniciativas alinham o BCB com esforços internacionais para incorporar inovações tecnológicas e concorrência no setor financeiro.
[1] Comitê de Supervisão Bancária da Basileia constituiu-se em um fórum de discussão para o melhoramento das práticas de supervisão bancária, buscando aperfeiçoar as ferramentas de fiscalização internacionalmente. Apesar de não ter autoridade para fazer cumprir suas recomendações, a maioria dos países, membros ou não, tendem a implementar as políticas ditadas pelo Comitê. O Comitê de Basileia é constituído por representantes de autoridades de supervisão bancária dos bancos centrais de 27 países, entre os quais: África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, República Popular da China, França, Alemanha, Hong Kong, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Países Baixos, Rússia, Arábia Saudita, Singapura, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos, além de Luxemburgo e Espanha.
[2] A regulação prudencial é um tipo de regulação financeira que estabelece requisitos para as instituições financeiras com foco no gerenciamento de riscos e nos requerimentos mínimos de capital para fazer face aos riscos decorrentes de suas atividades.
[3] O Bureau de Crédito Verde, criado pelo Banco Central do Brasil irá reunir as informações do Crédito Rural, concedidas por Bancos Brasileiros, definindo se essas operações estão de acordo com os critérios de sustentabilidade, tomando como exemplo a recuperação de pastagens e uso de energia renovável.
[4] A Resolução BCB nº 139 estabelece requisitos para divulgação do Relatório e a Instrução Normativa nº 153 que entrou em vigor em 1º de dezembro de 2022 e define tabelas padronizadas para fins da divulgação.
[5] São cinco segmentos (do S1 ao S5) determinados pelo porte, nível da atividade internacional e perfil de risco das instituições.
LEANDRO OLIVEIRA LEITE. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.