Elvino de Carvalho Mendonça

O PLP 12/2024[1] é uma tentativa do Governo Federal de garantir que os motoristas de aplicativos percebam uma remuneração mínima e que contribuam com o Regime Geral de Previdência Social. Nada mais em linha com um governo que tem o discurso voltado para as questões sociais!!

No entanto, não basta ter “boa vontade”, é preciso lembrar que as relações econômicas não são feitas de benevolência, mas de incentivos corretos e em razão disso, trazemos destaques importantes para a redação do Projeto de Lei Complementar (PLP 12/2024), referente a relação de trabalho intermediado por empresas operadoras de aplicativos de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas, como passaremos a tratar.

A remuneração a ser paga pela empresa de aplicativo ao motorista está prevista no art. 9º do PLP 12/2024. O valor da remuneração é de R$ 32,0 por hora e está dividida em duas remunerações: remuneração pelo serviço prestado (R$ 8,03) e remuneração pelos custos incorridos na prestação do serviço[2] (R$ 24,07).

A inserção do motorista de aplicativo no Regimes Geral de Previdência Social (RGPS) está disposta no art. 10 que, em apertada síntese, dispõe que o motorista recolherá 7,5% do valor da remuneração horária e a empresa de aplicativo recolherá 20% do valor total da remuneração horária (art. 11, III[3] e Art. 26-A[4]).

O PLP 12/2024 também assegura a inexistência de qualquer relação de exclusividade entre o trabalhador e a empresa operadora de aplicativo, assegurado o direito de prestar serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículo automotor de quatro rodas, com intermediação de mais de uma empresa operadora de aplicativo no mesmo período (art. 3º, I) e a inexistência de quaisquer exigências relativas a tempo mínimo à disposição e de habitualidade na prestação do serviço (art. 3º, II).

Como forma de eliminar a hipossuficiência dos motoristas de aplicativo o art 3º, § 3º impõe que este serão representados por sindicato com as seguintes atribuições:  I – negociação coletiva; II – celebração de acordo ou convenção coletiva; e III – representação coletiva dos trabalhadores ou das empresas nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria.

Por fim, para evitar qualquer tipo de discriminação, o projeto de lei complementar assegura, no art. 6º, que o motorista de aplicativo não poderá ser excluído de forma unilateral pela empresa de aplicativos, a menos que estejam presentes as hipóteses de fraudes, abusos ou mau uso da plataforma[5].

Como se pode ver, dos quatro dispositivos citados no parágrafo anterior, dois alteram diretamente a estrutura de custos das empresas de intermediação (remuneração e recolhimento ao RGPS) e dois tratam das condições oferta dos motoristas de aplicativos (exclusividade e discriminação).

Não há mistério!! A elevação dos custos com remuneração e RGPS trará um choque de oferta no mercado de prestação de serviços de intermediação e isso terá consequências sobre tanto sobre o consumidor final quanto sobre o motorista de aplicativo, pois não se pode olvidar que o mercado de prestação de serviços de intermediação é extremamente concentrado no Brasil tanto no mercado a montante quanto no mercado a jusante.

No mercado a montante, não é difícil perceber que os motoristas de aplicativos são hipossuficientes e, como tal, pouco ou nada conseguem fazer de forma individual. As empresas de intermediação possuem poder de oligopsônio sobre os motoristas e, portanto, têm o poder para extrair ao máximo o excedente destes trabalhadores.

Não por outro motivo o PLP cria a figura da entidade sindical[6] a fim de fazer frente ao poder de mercado das empresas de intermediação. Nesse ponto, a teoria econômica também é clara: a presença de sindicatos amplia a rigidez salarial e a consequência é a inserção de uma quantidade menor de motoristas de aplicativo que se teria na ausência do sindicato[7].

No mercado a jusante, o efeito do poder de mercado das empresas de aplicativo sobre o passageiro não é diferente. A ausência de concorrência existente neste mercado associada com o conjunto informações pessoais que as empresas detêm a respeito dos passageiros, permite que elas extraiam o excedente do consumidor de uma forma muito eficiente em prejuízo, inevitavelmente, dos consumidores e dos motoristas de aplicativos.

A iniciativa de remunerar os motoristas por aplicativo e de os inserir no RGPS é uma preocupação mundial. O PLP 12/2024 tem mérito e está em consonância com as melhores práticas internacionais de respeito a dignidade do trabalhador, pois rodos os trabalhadores devem ter condições de trabalho digno[8], remuneração compatível e proteção previdenciária.

Apesar da boa vontade que o PLP incarna, há um fio solto nessa engrenagem e ele se chama poder excessivo de mercado da empresa de intermediação entre motoristas e passageiros chamada Uber.

O que fazer?

Esperar a benevolência de uma empresa monopolista é desafiar a teoria econômica. Fazer regulação de tarifas ou coisa que o valha é desafiar a teoria da regulação econômica, pois, afinal, em que lugar estão as falhas de mercado para serem tratadas?

O fio está solto e há risco de curto!!!


[1] prop_mostrarintegra (camara.leg.br)

[2] Art. 9º, §3º, in verbis:

 § 3º O valor da remuneração a que se refere o § 2º é composto de R$ 8,03 (oito reais e três centavos), a título de retribuição pelos serviços prestados, e de R$ 24,07 (vinte e quatro reais e sete centavos), a título de ressarcimento dos custos incorridos pelo trabalhador na prestação do serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros.

[3] III – 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento), no caso de trabalhador que preste serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículo automotor de quatro rodas, com intermediação de empresa operadora de aplicativo ou outra plataforma de comunicação em rede.

[4] Art. 26-A. Constitui receita da Seguridade Social a contribuição da empresa que opere aplicativo ou outra plataforma de comunicação em rede para oferecer serviços de intermediação a trabalhadores que prestem o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros e a usuários previamente cadastrados, incidente, à alíquota de 20%.

[5] Art. 6º A exclusão do trabalhador do aplicativo de transporte remunerado privado individual de passageiros somente poderá ocorrer de forma unilateral pela empresa operadora de aplicativo nas hipóteses de fraudes, abusos ou mau uso da plataforma, garantido o direito de defesa, conforme regras estabelecidas nos termos de uso e nos contratos de adesão à plataforma.

[6] A sindicalização do motorista por aplicativo está descrita no caput do art. 4º, in verbis:

Art. 4º Sem prejuízo do disposto no art. 3º, outros direitos não previstos nesta Lei Complementar serão objeto de negociação coletiva entre o sindicato da categoria profissional que representa os trabalhadores que prestam o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas e as empresas operadoras de aplicativo, observados os limites estabelecidos na Constituição.

[7] Os modelos de Labor Union demonstram que a presença de sindicatos conduz a solução do emprego para o second best.

[8] O Organização Internacional do Trabalho – OIT entende que [o] conceito de trabalho digno resume as aspirações de homens e mulheres no domínio profissional e abrange vários elementos: oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração justa; segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias; melhores perspetivas de desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas; e igualdade de oportunidades e de tratamento. [Trabalho Digno (ilo.org)]


Elvino de Carvalho Mendonça. Editor-Chefe da WebAdvocacy. Doutor em economia pela UNB e Ex-conselheiro do CADE.

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