Se não têm concorrência, que comam brioches. Do horror ao populismo ao horror ao pobre no Direito da Concorrência

Angelo Prata de Carvalho

O Direito da Concorrência como um todo passa por um período de rediscussão de suas premissas. Isso porque as aparentemente sólidas bases do Antitruste norte-americanos, sedimentadas ao longo de várias décadas de repetição do breviário neoclássico da Escola de Chicago, vêm sendo progressivamente criticadas e até superadas em razão da ascensão de uma escola crítica – hoje já ocupando cargos de destaque na política de defesa da concorrência dos Estados Unidos – que questiona tanto as metodologias fixadas pelo posicionamento antes dominante quanto dogmas como a eleição do “bem-estar do consumidor” como finalidade do Direito da Concorrência, passando-se então a admitir outros fins a serem perseguidos por este ramo do direito.

Já se teve a oportunidade de afirmar nesta coluna a perplexidade que se deve ter diante da importação desse debate ao contexto brasileiro, no qual a Lei de Defesa da Concorrência não se fundamenta no direito norte-americano, mas sim em uma ordem econômica constitucional que remonta a tradição jurídica radicalmente diversa daquela que contamina a água de Chicago. Assim, da mesma maneira que é forte a tentação por aplicar-se o direito alheio quando suas metodologias parecem oferecer caminhos mais simples a questões essencialmente complexas em nosso sistema constitucional, é também comum a difusão de críticas a transformações operadas no direito estrangeiro que, na verdade, direcionam-se contra as próprias bases do direito pátrio.

É este o caso da chamada crítica ao “populismo antitruste”, normalmente definido como a instrumentalização do Direito da Concorrência para a obtenção de finalidades políticas, extrapolando seu cariz técnico de tutela dos mercados e do bem-estar do consumidor para tutelar também outros bens jurídicos (que, normalmente, teriam maior interesse eleitoral). Chama a atenção, nesse ponto, a ambivalência que marca o conceito de populismo para os seus críticos no Direito da Concorrência, que não raro aproximam a utilização do Antitruste para a promoção de outros objetivos que não a proteção do bem-estar do consumidor conforme definida por Bork (ou, mutatis mutandis, a eficiência alocativa dos mercados), movimento comumente associado ao “populismo antitruste”, da ascensão de governos populistas, que, caracterizados por algum grau de autoritarismo, imprimiriam tal atributo também à política de defesa da concorrência ao torná-la mais interventiva sobre os mercados.

Conforme explica Hovenkamp, a inserção do Direito da Concorrência no debate político é de fundamental importância para a própria difusão da livre concorrência, no entanto a utilização do Antitruste como ferramenta de política econômica muitas vezes se opõe ao que o autor denomina “Antitruste Técnico”, isto é, as abordagens de Direito da Concorrência que estabelecem o conjunto de circunstâncias sociais desejáveis para que se obtenha um ambiente concorrencial considerado saudável, a serem perseguidas com a implementação das normas de defesa da concorrência em prol do incremento da eficiência alocativa, da eficiência produtiva, e do bem-estar do consumidor[1]. A preocupação do Direito da Concorrência, assim, seria com o poder econômico propriamente dito, e não com o poder político, de forma que se teria de partir da premissa de que haveria uma rigorosa separação entre as duas searas.

Acontece que partir da premissa abstrata e metafísica de que o poder econômico pode ser analisado de maneira completamente estéril e controlada, indene de influências do poder político, significa ignorar não somente a natureza do poder e de suas repercussões, mas principalmente ignorar o contexto social complexo em que são essas repercussões produzidas. Da mesma maneira, entender-se que o Direito da Concorrência deve ser aplicado com base em pressupostos técnicos objetivamente definidos, em contraposição a visões mais abrangentes e preocupadas com outros objetivos – que seriam, então, denominadas populistas e atécnicas, na medida em que apelariam para o pathos em lugar do logos –, significa, especialmente na matriz constitucional brasileira, ignorar que somente se pode pensar em livre concorrência em conjunto com a valorização do trabalho humano, a justiça social, a soberania nacional, a propriedade privada e sua função social, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades sociais e regionais e a busca do pleno emprego.

Atécnico seria, por conseguinte, entender que o Direito da Concorrência brasileiro deveria partir de premissas outras que não aquelas fixadas pela Constituição da República, o que acaba ocorrendo especialmente quando são adotadas compreensões abrangentes e universalizantes sobre o Antitruste (ou, ainda, que advoguem pela “convergência” das políticas de defesa da concorrência), que no mais das vezes ignoram as distintas tensões a que são submetidas as diferentes jurisdições. Ignora-se, aliás, as dilacerantes desigualdades que marcam sobretudo os países da periferia global, que não elaboraram regimes constitucionais protetivos por outro motivo senão a necessidade de tutela dessas desigualdades, das riquezas naturais constantemente submetidas à exploração desmedida, do desemprego e da exploração brutal do trabalho humano, do fantasma da fome que já assombra o cotidiano de mais de trinta milhões de brasileiros, dentre muitas outras tensões que definem o comportamento do indivíduo muito mais do que seu ímpeto de comprar ou não produtos premium ou de buscar um hospital a um determinado raio de sua residência.

A crítica ao dito “populismo” parece deliberadamente ignorar a realidade complexa em que se insere o Direito da Concorrência para guindá-lo ao posto de técnica isenta, aplicável em um ambiente controlado e indene que muito mais se assemelha à paz de cemitério repleto dos sepulcros caiados mencionados pelo evangelista. Afirma Schrepel[2] que, nos últimos trinta anos, o Direito da Concorrência (norte-americano) afastou-se de “ideias populistas” que o instrumentalizariam como uma “simples ferramenta política” (simple political tool). Evidentemente que o Direito da Concorrência não é uma simples ferramenta política, ou, no mínimo, não é apenas uma ferramenta política, porém ignorar o papel político do Direito da Concorrência – assim como a sua importante função de implementação de políticas públicas – é posicionamento que não somente beira a ingenuidade épica a que alude Adorno[3] (na medida em que se limita a expor um único aspecto de uma realidade complexa em prol da beleza da narrativa), como procura ocultar por detrás da objetividade técnica das metodologias econômicas a escolha ideológica pela promoção da eficiência alocativa (no mais das vezes travestida de “bem-estar do consumidor”).

O que Schrepel critica, assim, é o fato de que aquilo que denomina populismo – ou, na expressão que o autor cunhou, nas abordagens “românticas” do Direito da Concorrência – demoniza uma elite “tecnológica” (sendo notável o receio do autor com a carga valorativa da expressão – possivelmente mais precisa – “tecnocrática”) cujos interesses seriam contrários àqueles dos dominados, de sorte que consumidores e pequenos empresários seriam constantemente oprimidos pelas grandes corporações e, na atualidade, pelos gigantes tecnológicos, por mais que tais agentes dominantes possam eventualmente colaborar para dinamizar o sistema econômico. Joshua Wright[4] e Aurelien Portuese, em sentido semelhante, sustentam que o “populismo” prejudica a objetividade e a certeza dos parâmetros de análise antitruste em prol de objetivos excessivamente vagos, ignorando a atividade inovativa de grandes agentes econômicos e os benefícios que produzem ao mercado.

É verdade que determinadas metodologias econômicas são capazes de identificar benefícios oriundos da concentração de mercado em torno de grandes agentes econômicos, ou mesmo na supressão da concorrência em razão de artifícios engenhosos produzidos por agentes inovadores – fenômeno comum na era digital. No entanto, partir da premissa de que o Direito da Concorrência deve se reduzir a essas metodologias econômicas e adotar objetivos que são, na verdade, simplificações deliberadas de elementos complexos de uma realidade social multifacetada, consiste em produzir um grosseiro arremedo dos mercados e especialmente das sociedades em desenvolvimento, castigadas por inúmeras mazelas que invariavelmente transformam a organização do sistema econômico em objeto de preocupação política.

Não se trata, assim, de criar maniqueísmos inexistentes ou demonizar determinados grupos de agentes ao defrontá-los com os mais afetados por suas práticas, mas sim de reconhecer que tutela do sistema econômico é inafastavelmente política, e apontar tais preocupações como populistas leva à invisibilização dos indivíduos ocultados pela figura diáfana do consumidor. É preocupante, aliás, que o consumidor seja diáfano a ponto de se lhe poder olhar através, pois ignora-se que o “consumidor” representa, em última análise, a massa de desfavorecidos cuja sorte se encontra abandonada ao arbítrio tanto da tecnocracia que alegadamente deveria orientar a aplicação do Direito da Concorrência quanto do poder econômico dos agentes dominantes. Daí a razão pela qual, especialmente em países em desenvolvimento, a crítica ao populismo muito mais se assemelha à síndrome de Caco Antibes: o horror a pobre.


[1] HOVENKAMP, Herbert. Whatever Did Happen to the Antitrust Movement? Notre Dame Law Review. v. 94, n. 2, pp. 583-638, 2018.

[2] SCHREPEL, Thibault. Antitrust without romance. New York University Journal of Law & Liberty. v. 13, n. 2, pp. 326-431, 2020.

[3] ADORNO, Theodor. Sobre a ingenuidade épica. In: _______. Notas de literatura I. São Paulo: 34, 2003. pp. 47-54.

[4] WRIGHT, Joshua; PORTUESE, Aurelien. Antitrust populismo: towards a taxonomy. Disponível em: https://deliverypdf.ssrn.com/delivery.php?ID=770086120101088002118088103078108102097019000017052006005002009125003114010120026098011033116011014051125089013101089079091101119041046028050091096095111118005100030052077045008066094083027001093087101091087071110090096023109016073113027015000081083097&EXT=pdf&INDEX=TRUE.

Petrobras e a Armadilha do Neoliberalismo Tardio

Lucia Helena Salgado

“No dia em que o Brasil passar de comprador a vendedor de petróleo, então deixaremos de ver essa coisa tristíssima de hoje – milhões de brasileiros descalços, analfabetos, andrajosos – na miséria. O Brasil tem todos os elementos para tornar-se um país riquíssimo – mas riquíssimo de verdade, e não, como hoje, apenas rico de “possibilidades” ou de “garganta”.”

(Lobato, 1937)[*].

Foi assim que o Visconde de Sabugosa resumiu, no terceiro dos serões sobre geologia no sítio de Dona Benta, a convicção de Monteiro Lobato de que a exploração e refino do petróleo (tido, na época, como inexistente no Brasil) por uma empresa pública nacional, de um lado, e o desenvolvimento econômico e social, de outro, estavam intimamente ligados.

Monteiro Lobato não viveu para ver as esperanças que tinha para o Brasil, pelo menos em parte, concretizadas. A empresa pública com que sonhou foi criada cinco anos após sua morte, a Petrobras. Esta tornou-se a maior empresa do país e da América Latina, desenvolveu tecnologia própria, capacidade multiplicadora de demanda por suprimentos nacionais e aceleradora de investimentos, ocupou papel central no planejamento da politica energética e industrial do pais – implantando a petroquímica e a indústria de fertilizantes durante o II PND após o choque do petróleo de 1973 –, segue investindo em P&D para desenvolver fontes de energia renováveis como biomassa; a composição do legado que proporcionou ao pais é mesmo vasta.

Contudo, foi apanhada na armadilha do neoliberalismo tardio, zeitgeist dominante neste país. “O Brasil não é para principiantes”, dizia o maestro Tom Jobim. É espantoso como ideias superadas pela realidade, teses falsificadas pelas evidências, são requentadas e defendidas aqui como achados; museu de grandes novidades este nosso Brasil.

Os anos 1990 foram marcados por mudanças radicais, prenunciando novos tempos: a queda do muro de Berlim, a derrocada da União Soviética e, com ela, o fim da guerra fria, tudo apontava para um “caminho único” – o fim da História? – para os países industriais avançados e para aqueles agora denominados emergentes. O caminho único para o pleno desenvolvimento já tinha uma receita pronta, conhecida como o “Consenso de Washington”: liberação do comércio exterior, privatização, disciplina fiscal, redução do tamanho (sobretudo dos gastos sociais) do Estado. Era a formula pela qual os países em desenvolvimento (agora renomeados emergentes) participando da globalização alcançassem a prosperidade.

A fórmula neoliberal para o desenvolvimento parecia ao mesmo tempo tão simples e consistente que influenciou desenhos de políticas públicas mesmo entre segmentos tradicionalmente ligados ao ideário socialdemocrata – aquele que desenhou a Constituição- Cidadã de 1988. Ali nos anos 1990, muitos de nós estávamos convencidos de que a concessão de serviços públicos e a extinção de monopólios legais, acompanhados do desenho cuidadoso de instrumentos e instituições reguladoras, seriam suficientes para atrair novos investidores, introduzir a concorrência e revelar todas as virtudes de uma economia de mercado apoiada por um Estado regulador competente e bem-intencionado.

Mas não só aqui; na Europa do Sul (Espanha, Portugal, Itália e Grécia), no Reino Unido e na França, muita esperança foi depositada na privatização de empresas estatais operando em serviços públicos, como caminho para introdução da concorrência e oferta de melhores serviços e preços mais baixos. O fundamento seria a superioridade operacional da empresa privada que, mais eficiente, atenderia melhor a sociedade com preços menores.

Essa hipótese foi posta à prova em várias experiências reais, mas tanto o volume de casos de abuso de posição dominante como as evidências de que os mercados permaneciam fortemente concentrados revelaram a ingenuidade do pressuposto; em uma frase: abrir mercados para a concorrência privatizando estatais ou concedendo serviços públicos não tornou os mercados competitivos.

A teoria da organização industrial tem explicado o aparente paradoxo da livre entrada não ser suficiente para eliminar o poder de mercado (e o abuso do poder de mercado). Continuam presentes elementos estruturais como barreiras à entrada, custos afundados, externalidades de redes e custos de troca pelos usuários. Ademais, em indústrias que operam em rede, a diversificação e a verticalização reduzem custos de transação, de logística e coordenação, geram economias de escopo e reduzem riscos de portfolio. O desmembramento, desinvestimento e restrição de operação em um segmento onde a empresa apresente vantagens comparativas não necessariamente leva a uma situação socialmente ótima.

Concluída a longa digressão, voltamos à Petrobras e à armadilha do neoliberalismo tardio em que a empresa se deixou apanhar. A melhor expressão da doutrina neoliberal aplicada à gestão empresarial foi exposta no artigo de Milton Friedman publicado em 13/12/1970 no jornal New York Times: “The Social Responsibility of Business is to increase its profits.” O titulo sumariza toda a doutrina que por cinquenta anos reinou como dogma nas escolas de negócios e nos conselhos de administração. Como observou Marianne Bertrand[1], a primazia do acionista, ignorando-se as vozes de trabalhadores, consumidores e das comunidades, traduzindo uma única função objetivo para a empresa, foi a visão dominante desde os anos 1970 nos Estados Unidos e em países que seguiram seu ideário. Por décadas se acreditou que “o que fosse bom para o acionista era bom para a sociedade.[2]

Essa crença foi posta em xeque sobretudo a partir de 2008, com a debacle provocada pela crise financeira que se estendeu após a quebra da casa bancária Lehman Brothers nos Estados Unidos, evento que levou todo o mercado financeiro internacional à beira do colapso. As contradições, tensões e fracassos do capitalismo globalizado em sua expressão mais desenvolvida, nos Estados Unidos, trouxeram à luz o quadro de concentração de renda e riqueza, com seu fardo de sofrimento para milhões, como jamais a humanidade conhecera ao longo de sua história. Neste ambiente, ganha força uma nova consciência sobre as responsabilidades das empresas não apenas com a “teoria do valor do acionista”, mas também com o meio ambiente, a comunidade, os trabalhadores, os consumidores. É o momento em que se fortalece o movimento que já se organizava desde os anos 1970 e que hoje responde pelo acrônimo ESG (Environmental, Social and Governance).

Paralelamente, chama atenção o movimento denominado Patriots Millionaires[3]: centenas de herdeiros, investidores e empresários que se reúnem desde os anos 2010 em torno de uma pauta: queremos pagar mais impostos, o credo da maximização de lucros à custa do bem-estar da sociedade não mais nos representa.

É espantoso que, enquanto nas economias avançadas do mundo ocidental, uma nova mentalidade se forma[4], no Brasil a maior empresa do país é instada a operar sob o antigo credo friedmaniano: a única responsabilidade social da empresa é maximizar o lucro do acionista! Com o agravante de que se trata de uma monopolista de fato atuando livre, leve e solta, sem qualquer restrição à precificação de monopólio!

Ora, empresas mistas como a Petrobras sofrem, por definição, da síndrome que Abranches (1978) denominou de “dupla lógica da empresa estatal”: convivem com o dilema de, por atuarem no mercado, precisarem ser produtivas e rentáveis, serem vistas como importantes instrumentos de políticas públicas de curto e de longo prazo para os governos[5]. Sob o comando de uma agenda neoliberal centrada no desmonte de políticas públicas (que não combinam com o ideal de um Estado mínimo) e destituída de qualquer resquício de estratégia de desenvolvimento, a Petrobras tem se empenhado na implosão de suas capacidades – com a venda de ativos e saída de segmentos[6] –  e numa démarche anacrônica de “maximizar o lucro do acionista”.

Desde 2017, no governo Temer, a Petrobras passou a adotar uma política de preços cuja função objetivo é exclusivamente maximizar lucros. Com aval governamental, passou a se comportar como se o acionista principal já não fosse a União, estando a empresa liberada de perseguir objetivos de longo prazo, colaborando com o planejamento energético do país. O parâmetro adotado passou a ser o preço de paridade internacional (PPI), que na pratica representa equivalência com o preço de importação – supostamente para estimular a concorrência com importadores[7]. De fato, a importação de petróleo ainda é necessária, visto que o óleo mais leve trazido de outras fontes é misturado ao nacional para torna-lo adequado à produção de combustível. O refino do petróleo extraído nas bacias brasileiras, em quantidade superior ao consumo, demandaria investimentos para modernizar e adaptar refinarias que foram projetadas para um tipo de petróleo mais leve que só recentemente, no Pré-Sal, passou a ser produzido no país. não à toa, das oito refinarias que o Cade determinou a venda pela Petrobras em 2019, decisão aplaudida e apoiada pelo governo, apenas duas encontraram até agora interessados[8].

O Brasil não é mesmo para principiantes. Movidos pela ingênua crença de que a concorrência se estabeleceria por meio de algumas poucas oportunidades e incentivos, transformamos um monopólio público[9] de direito em um monopólio privado de fato[10], que decide, às expensas da sociedade, maximizar seus lucros de monopólio, enquanto abre mão de sua capacidade de planejamento energético de longo prazo do país, desenvolvendo fontes de energia renováveis, pesquisa em novos insumos, em biofertilizantes e biodefensivos, em tecnologia de reciclagem de resíduos, tudo o que em um horizonte mais largo se mostra absolutamente indispensável para a retomada de desenvolvimento em bases sustentáveis.

Na contramão dos esforços empregados pelas suas rivais no cenário mundial, que investem pesadamente em fontes de energia renováveis, integração vertical e novos segmentos, adquirindo ou atuando em parceria com start-ups de tecnologia, a orientação imposta à Petrobras pelo comando escolhido pelo governo é esquecer o longo prazo e desfazer-se dos ativos em segmentos estratégicos e em novas fontes de energia, concentrando-se na atividade
mais lucrativa a curto prazo, a extração em águas profundas, para satisfação dos acionistas privados.[11]

Comportando-se como uma monopolista privada – e isolada da concorrência pelas características estruturais da indústria – a Petrobras atua hoje de forma nitidamente abusiva. Abusa de sua posição dominante com o expediente mais simples: estabelecendo paridade do preço dos combustíveis com o preço internacional como se não houvesse alternativas. Há. Conforme outros analistas já apontaram, a parcela dos lucros extraordinários – os windfall gains que são independentes de qualquer ação ou inação da empresa, função da flutuação de preços internacionais – poderia formar um fundo de estabilização do preços dos combustíveis, o que, considerando o grau de dependência que a cadeia logística e de transporte apresenta com relação aos combustíveis fósseis, teria forte impacto estabilizador sobre ampla gama de preços na economia.

Esses mesmos ganhos extraordinários – que nada devem a uma pretensa eficiência em gestão – poderiam ser também transformados em fonte importante de financiamento de pesquisa e desenvolvimento de fontes alternativas de energia. Estaria aí a forma mais rápida da Petrobras adaptar-se a novas regras, adequar-se ao novo padrão de conduta empresarial ESG, o mesmo que os grandes fundos de investimento comprometem-se em priorizar em suas aplicações[12].

Diversas soluções regulatórias já foram concebidas para compatibilizar interesses de uma monopolista natural privada e o interesse público, do conjunto da sociedade[13]. No entanto a agência regulatória do setor, a ANP, reluta em atuar onde quer que a palavra “preço” seja pronunciada. Da mesma forma, o Cade, autoridade de defesa da concorrência, permanece preso à teoria econômica convencional – irmã siamesa da doutrina neoliberal – fundamentada na  crença  de  que  os preços “livres”,  por carregarem  todas  as  informações  necessárias  para  promover  o  equilíbrio  entre  oferta  e demanda ,  tendem  a  se  ajustar  “naturalmente” desde  que  não  sujeitos  à interferência  artificial do Estado.

São momentos como este que atravessamos que exigem daqueles que se dedicam a propor saídas para impasses coletivos e tomam decisões com impacto sobre a sociedade, sobretudo criatividade e coragem. Ainda está nessas mãos a chance de realizar aquele projeto de país sonhado pelo Visconde de Sabugosa:

“o Brasil tem todos os elementos para se tornar uma país riquíssimo – (…) de verdade.”


[1] Professora de Economia da Universidade de Chicago, “Booth School of Business”.

[2] Artigo especial publicado na edição de 13/09/2020, nos 50 anos do ensaio de Friedman https://www.nytimes.com/2020/09/13/business/dealbook/milton-friedman-essay-anniversary.html

[3]Members of the Patriotic Millionaires say the income gap in the US has become a disaster – and it’s time to ‘take that money back’https://www.theguardian.com/us-news/2022/apr/08/patriotic-millionaires-one-percenters-pay-higher-taxes

[4] Em 2021, Larry Fink, CEO da Black Rock, maior fundo de investimento do planeta, em sua carta anual aos acionistas, tratando do lema ESG, conclamou-os à ação urgente para que a comunidade de negócios passe a desempenhar o papel que lhes cabe para fazer “um mundo melhor.” https://www.blackrock.com/br/2021-blackrock-client-letter.

[5] “A questão da empresa estatal: economia, política e interesse público.” Sergio Abranches in Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, 19(4): 95-105, out-dez 1979.

[6] O plano posto em marcha a partir de 2019 é concentrar-se no que rende lucro de monopólio de imediato, desfazendo-se de ativos à montante, à jusante (refinarias, distribuidora) bem como em segmentos estratégicos como insumos para fertilizantes e defensivos agrícolas (que o país até o presente não produz e do qual depende como de oxigênio), usinas eólicas e outros.

[7] Não obstante as importações representarem cerca de 8% do total do petróleo comercializado e desempenharem função complementar no refino, duas fortes sinalizações de que instrumentos regulatórios poderiam dar conta melhor dessa equalização, sem sacrifício de toda a cadeia de produção e todos os consumidores de combustível e gás.

[8] Decisão no mínimo controversa, visto que ao determinar a venda de dutos de transporte e refinarias em diferentes mercados relevantes geográficos, deverá dar origem a monopólios regionais.

[9] Até 1997 a Petrobras exercia o monopólio da pesquisa, exploração e refino do petróleo, quadro alterado pela Emenda Constitucional n. 9/1995 regulamentada pela lei n. 9.478/1997.

[10] Em 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a Petrobras passou a colocar papéis na bolsa de valores de Nova York. Desde então a União passou de 80% para 36% de controle do capital total da empresa (50% das ações com direito a voto), sendo que hoje cerca de 64% do capital da empresa pertence a acionsitas privados, sendo 40% desses papeis negociados no exterior. https://www.cut.org.br/noticias/afinal-quem-manda-na-petrobras-fup-pergunta-e-responde-e-o-presidente-do-brasil-333c

[11] https://www.cartacapital.com.br/opiniao/petroliferas-europeias-tem-visao-mais-ambiciosa-sobre-renovaveis-do-que-a-petrobras/

[12] Como a Black Rock, comentada na nota 5 acima.

[13] Por exemplo Optimal Regulation, Kenneth Train, The MIT Press, 1991 e The Theory of Regulation and Procurement, Jean Tirole e Jean-Jacques Laffont, The MIT Press, 1993.

[*] O Poço do Visconde, Monteiro Lobato, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1937.

Desafios à concorrência no mercado de pedidos online de comidas (“Aplicativos de delivery de food”): o potencial do open delivery

Felipe Fernandes Reis

A promoção da concorrência em mercados com plataformas e ecossistemas digitais vem centralizando a atenção de autoridades, profissionais e estudiosos, além de políticos preocupados com o poder das denominadas “big techs”, todos apresentando diversas sugestões e iniciativas para resolver eventuais problemas concorrenciais.

A despeito de tal debate, já existem alguns consensos sobre os desafios à concorrência. Nota-se, por exemplo, diversas evidências de que o modelo de negócio de algumas plataformas digitais tem por fundamento/efeito limitar a capacidade de multihoming dos usuários, os conduzindo a apenas contratar com a sua própria “rede” ou “ecossistema”, o que pode acontecer por meio de diferentes estratégias para aumentar os custos/barreiras de troca e a dependência do usuário à plataforma (efeito lock-in/aprisionamento).

Além disso, já se constatou a presença de barreiras técnicas e operacionais que dificultam a utilização de diversas plataformas ou a migração para aquela com a melhor oferta, o que pode ocorrer em razão da complexidade/empecilhos para integração das interfaces e sistemas de cada plataforma. De todo modo, trata-se de barreiras ao multihoming.

Aliás, é notório a correlação entre essas barreiras e o grau de concentração de mercados com plataformas digitais, conforme apontado no relatório realizado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), com base nos estudos de diversas autoridades antitruste sobre mercados e plataformas digitais[1].

Um exemplo claro de tal realidade é o “mercado de pedidos online de comidas”[2], o qual vem sendo constantemente objeto de análise pelo CADE, inclusive.

Nesse caso, inicialmente vale lembrar que, em 2018, a autoridade de defesa da concorrência autorizou a aquisição da Delivery Hero (“Pedidos Já”) pelo IFood ainda que reconhecendo a elevada concentração e a baixa rivalidade presente no mercado, porém, entendendo que esse “conta com fortes oportunidades de expansão, tendo sido observadas entradas de players internacionalmente relevantes nos últimos anos, como UberEATS e Rappi. Esse cenário gera a expectativa de acirramento da rivalidade no  futuro próximo.

Entretanto, em março de 2021, em razão de representação da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (“ABRASEL”) e de concorrentes do IFood, a própria SG/CADE[3] instaurou Inquérito Administrativo[4] e impôs medida preventiva contra o Ifood, impedindo que a plataforma (com aproximadamente 70-80% do mercado) celebrasse novos contratos de exclusividade com restaurantes, sob entendimento de que a continuidade dessa conduta tende a gerar sérios riscos concorrenciais, enquanto a sua cessação pode contribuir para promover um ambiente competitivo no mercado, reduzindo custos e barreiras para tanto.

Apesar dessa decisão, é evidente que ainda permanece o cenário de concentração e barreiras concorrenciais no “mercado de pedidos online de comidas”, sendo recentemente noticiado o fim das operações de importantes agentes, como UberEats e Delivery Center, os quais justificaram, entre outros motivos, que os problemas concorrenciais presentes nesse mercado, como a elevada concentração no player incumbente e as suas práticas restritivas, dificultam o acesso aos restaurantes e a pressão competitiva por outros marketplaces.

Nota-se, portanto, que apesar da medida preventiva da SG/CADE, ainda existem obstáculos operacionais, tecnológicos e de gestão que dificultam os restaurantes a aderirem a diversos marketplaces/plataformas, os conduzindo ao single-homing, geralmente junto ao agente incumbente.

Explica-se: Para contratar com diferentes marketplaces, os restaurantes têm que cadastrar e adaptar seu cardápio conforme as disposições de cada um desses; também terá que monitorar os pedidos que são gerados com as informações, especificações e sistemática de cada plataforma/originadora; e organizar a entrega e experiência do cliente com base nas regras de cada uma dessas. Tais dificuldades desanimam/inviabilizam os estabelecimentos a atuarem com diversos marketplaces, e consistem em barreiras e custos para efetiva rivalidade no mercado.

Desse modo, é necessário reduzir essas barreiras ao multihoming dos usuários, o que pode ocorrer através de medidas que promovam a interoperabilidade e integração entre interfaces, ferramentas, produtos e os agentes do ecossistema de delivery.

Nessa linha, cita-se que, recentemente, o CADE autorizou a formação de joint venture entre importantes redes de food service que tinha por objetivo “estabelecer uma plataforma que consolide os pedidos online de diferentes originadoras em uma única interface, facilitando a gestão dos pedidos pelos operadores de foodservice.[5]

Vale também lembrar dos casos no âmbito do CADE envolvendo os setores bancário e de pagamentos, como a investigação sobre a negativa de acesso ao Guiabolso dos dados referentes aos clientes do Bradesco, que resultou na celebração de Termo de Compromisso de Cessação (TCC)[6] desse Banco com o CADE, com o compromisso de desenvolver protocolos de API para viabilizar a conexão, integração e interoperabilidade entre o seu sistema com o da referida fintech[7].

Aliás, foram essas as premissas do Open Banking brasileiro, que se espelhou na autoridade antitruste britânica (Competition and Markets Authority- CMA), a qual adotou o protocolo de API como medida para promover competitividade no setor bancário inglês.

Nesse espírito, e diante a situação do “mercado online de pedidos de comida”, a Abrasel, entidade representante dos bares e restaurantes brasileiros, com o apoio de diversos agentes, desenvolveu o Open Delivery, que tem como escopo a elaboração de protocolos de comunicação de API’s para fins de organizar a comunicação e integração dos diversos players e etapas do ecossistema de delivery, como os softwares de gestão (PDV) dos restaurantes com os diversos marketplaces originadores de pedidos, reduzindo barreiras técnicas e operacionais suportadas pelos estabelecimentos comerciais caso desejem trabalhar com múltiplas plataformas. Ou seja, para viabilizar a integração, interoperabilidade e eficiência operacional dos restaurantes que buscarem trabalhar com diferentes marketplaces.

Assim, com a oportunidade de trabalhar com diferentes originadores, a negociação entre restaurante e plataforma tende a ser mais equilibrada, eis que essa terá ciência da possibilidade e probabilidade de migração do restaurante para sua concorrente, o que reduz incentivos para imposição de eventuais cláusulas de exclusividades, subsídios cruzados e empacotamentos de serviços e produtos, por exemplo.

Ademais, as próprias plataformas também têm incentivos para aderirem ao Open Delivery, já que falhas e dificuldades de integração podem impactar o funcionamento de seu ecossistema e a ampliação de sua atuação, pois a integração entre os diversos mercados e agentes envolvidos é imprescindível para a sua eficiência, em razão dos efeitos de rede dos mercados digitais.

Dessa forma, o protocolo Open Delivery permite que informações e etapas básicas de comunicação sejam realizadas de forma organizada, viabilizando a integração eficiente entre os agentes. Até o presente momento, O Open Delivery desenvolveu protocolos de API sobre a jornada de cadastro dos restaurantes, de seus cardápios, da sua operação logística, e do recebimento e conciliação financeira dos seus pedidos, bem como instituiu medidas de transparência e eficiência na fase de contratação do marketplace pelo restaurante, ajudando-o a identificar as condições  pactuadas.

Com o Protocolo Open Delivery, os restaurantes terão incentivos e condições para contratarem com diversas plataformas (multihoming), pois, apenas precisarão cadastrar seu cardápio uma única vez; gerenciar os pedidos e sua operação pelo mesmo sistema e de maneira organizada; conseguirão compreender e identificar (de forma simples) as diferentes condições a serem (ou que foram) negociadas com os marketplaces; e melhorar a rastreabilidade da logística ao cliente, independentemente da forma realizada (por terceiros ou pelo próprio estabelecimento). Isso tudo através de seu software de gestão.

Para tanto, vale registrar, que o Open Delivery desenvolveu boas regras de compliance e de governança que permitem a elaboração de protocolos de API de forma isonômica, transparente, competitiva e democrática, considerando os diferentes modelos de negócio dos agentes, ou seja, sem criar reservas de mercado, restrições, dificuldades e barreiras à entrada.

Além disso, o protocolo é aberto, comum e acessível ao público em geral, o qual poderá apresentar dúvidas e sugestões a respeito de sua aplicação.

Ademais, o protocolo Open Delivery não adentra à relação comercial das partes, como: taxas, política comercial, formas e condições de contratação e outras especificações que cabem aos agentes diretamente negociarem. Do mesmo modo, o Open Delivery não uniformiza condutas ou induz ao alinhamento comercial entre empresas concorrentes, o que é expressamente vedado e fiscalizado pelo compliance Open Delivery.

Nota-se, portanto, que o protocolo Open Delivery foi(é) elaborado com a participação de agentes com perfis, tamanhos e modelos de negócios distintos, e devidamente acompanhados por boas regras de compliance e governança, partindo sempre da premissa da: (i) transparência; (ii) isonomia; (iii) competitividade; (iv) livre negociação entre as partes; e (v) eficiência.

Desse modo, é evidente o potencial do Open Delivery para contribuir na promoção da concorrência no mercado online de comida. Na verdade, trata-se de iniciativa que deve servir de exemplo a outros mercados com problemas concorrenciais dessa natureza, o que deve ser encorajado pelas autoridades antitrustes, pois, diferente de outras propostas sugeridas por especialistas, o Open Delivery conseguiu  harmonizar e equilibrar objetivos, valores e medidas geralmente apresentados como contrapostos, como: respeito à liberdade negocial dos agentes; promoção da efetiva concorrência; preservação do ambiente inovador; redução de assimetrias e barreiras à entrada; transparência; respeito aos diferentes modelos de negócio e segurança jurídica.

Para mais informações acesse o site: https://www.opendelivery.org.br/sobre

Autor: Felipe Fernandes Reis, advogado, coordenador da equipe de Direito Econômico e Concorrencial do Malard Advogados Associados. Graduado em Direito e Master of Laws (LLM) – Direito dos Negócios e Governança Corporativa pelo IDP/Brasília. Membro Consultor das Comissões de Direito Econômico e de Energia de OAB/Federal; e membro das Comissões de Defesa da Concorrência e de Relações Governamentais e Institucionais da OAB/DF. Associado Internacional da American Bar Association, nos comitês de Antitrust Law e Environment, Energy and Resource Law. Participa como assessor jurídico do Open Delivery, além de coordenador-técnico dos Comitês de Compliance e Comitê de Regulação.


[1] Acessível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-trabalho/2020/documento-de-trabalho-n05-2020-concorrencia-em-mercados-digitais-uma-revisao-dos-relatorios-especializados.pdf

[2] A definição desse mercado relevante guarda certa flexibilidade por parte do CADE, o qual tende a consignar a possibilidade de eventuais alterações, conduto, conforme precedentes recentes (AC’s: 08700.001691/2021-16,08700.001962/2019-19, 08700.002463/2020-82, entre outros) delimitou o mercado em Pedidos Online sendo segmentado conforme o papel do Marketplace, se (i) dedicado/exclusivo (próprio restaurante); se multi-restaurantes (mas sem oferecer a logística); ou se full service (com serviços adicionais ao delivery, especialmente a logística)

[3] Superintendência Geral do CADE.

[4] IA: 08700.004588/2020-47, Nota Técnica n.: 4/2021/CGAA1/SGA1/SG/CADE (SEI 0875341)

[5] PARECER N° 7/2021/CGAA1/SGA1/SG/CADE. Ato’s de Concentração n° 08700.006662/2020-60 e 08700.001691/2021-16

[6] Req. de TCC n.: 08700.003425/2020-47

[7] Conforme previsto no TCC: “3.1. O Compromissário compromete-se a desenvolver interfaces de conexão que possibilitem à empresa Guiabolso Finanças Correspondente Bancário e Serviço Ltda. (“Guiabolso”) oferecer e capturar o consentimento dos seus usuários clientes pessoa física do Compromissário e acessar os sistemas do Compromissário, permitindo-se o acesso a todos os dados de clientes pessoa física do Compromissário acessíveis por meio do canal Bradesco Celular.”

O CADE e os precedentes

Mauro Grinberg

Precedentes são costumeiramente invocados, nas Cortes e nos tribunais administrativos, por quem os tem a seu favor e combatidos por quem os tem a seu desfavor. De qualquer sorte, exercem – ou devem exercer – grande influência nas decisões. Aqui, por força do nosso objetivo precípuo, falamos dos precedentes no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Por ora vamos nos limitar aos precedentes do próprio Cade mas em breve poderemos tratar dos precedentes judiciais e sua aplicação aos processos administrativos.

Com efeito, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil (CPC), em decorrência da aplicação do art. 115 da Lei 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência – LDC), tem-se que o caput do art. 926 estabelece que “os Tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery explicam, a respeito do artigo acima, cuja formulação chamam de “curiosa”: “o texto dá a entender que a jurisprudência não poderá ser alterada, pois deverá set mantida estável. Evidentemente, o sentido de estabilidade pretendido pela lei é o de que a jurisprudência uniforme não deverá ser alterada sem propósito – ou, ao menos, se espera que seja este, pois não se pode pensar em entendimentos que não sejam passíveis de alteração, tendo em vista as transformações sociais e econômicas inerentes à sociedade moderna”[1].

Essa interpretação obviamente deve ser aplicada também ao processo administrativo do Cade, embora os precedentes não tenham eficácia normativa como nos sistemas jurídicos baseados na common law. Aplica-se-lhe, todavia, o art. 926 do CPC, tendo o Cade obrigação de manter sua jurisprudência “estável, íntegra e coerente”. Embora alterações sejam possíveis, elas devem ser feitas com os devidos cuidados.

Vemos, com Daniel Mitidiero, que “precedentes são razões jurídicas necessárias e suficientes que resultam da justificação das decisões prolatadas pelas Cortes Supremas a pretexto de solucionar casos concretos e que servem para vincular o comportamento de todas as instâncias administrativas e judiciais do Estado Constitucional e orientar juridicamente a conduta dos indivíduos e da sociedade”[2]. Luiz Guilherme Marinoni, todavia, adverte: “Embora as decisões, no sistema brasileiro, troquem livremente de sinal e não respeitem os julgados das Cortes superiores, deve-se assinalar que isto constitui uma patologia ou um equívoco que, infelizmente, arraigou-se em nossa tradição jurídica” [3].

Tentando levar tais ensinamentos para a jurisprudência do Cade, este não tem a hierarquia do Poder Judiciário, já que o órgão julgador coletivo – o Plenário – constitui instância única. Ainda assim, as suas próprias decisões devem ser respeitadas nas decisões seguintes, lembrando, com Deniel Mitidiero, que “se costuma aludir ao precedente como a ratio decidendi da questão enfrentada pela Corte”[4].

E, coroando o raciocínio, estabelece o § do art. 2º, XIII, da Lei 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo – LPA) que “nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de (…) interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”. Isto nada mais é do que a obrigatoriedade de seguir os precedentes. Ou seja, em princípio é vedado ao Plenário do Cade decidir – fala-se aqui, obviamente, da razão de decidir – diferentemente do que decidiu anteriormente. Com efeito, Luiz Guilherme Marinoni diz que “não há coisa julgada sobre fatos” e que “a parte da decisão que constitui precedente é, tão somente, aquela que trata de uma questão de direito”[5].

É interessante notar que a proibição legal não veda a possibilidade da autoridade alterar seu entendimento. Todavia, para Gustavo Marinho de Carvalho, “teria o legislador infraconstitucional optado pela eficácia prospectiva pura, segundo a qual os efeitos da nova decisão valem apenas para casos futuros, ou seja, não atingem a parte envolvida, tampouco os fatos ocorridos antes da superação do precedente e que continuam a ser regidos pela interpretação anterior”[6]

O fundamento aqui é claro. O administrado, conhecendo uma decisão do Cade segundo a qual determinada postura foi permitida ou pelo menos não foi considerada como uma infração, tem o direito subjetivo de agir de acordo com a orientação emanada de tal decisão. Isto é decorrente da aplicação do princípio da segurança jurídica. O administrado não pode ser punido por ter agido, de boa-fé, da mesma forma que outro administrado agiu e tal ação não foi considerada como uma infração. Ou seja, a segurança jurídica deve prevalecer.

O observador arguto pode perguntar se o Cade é obrigado a, sempre, seguir seus precedentes e nunca mudar suas decisões. É claro que a Administração Pública pode – e deve – se adaptar a novas condições, novas ideias e novas circunstâncias econômicas e sociais. E, obviamente, a novas leis. Não podendo violar a segurança jurídica do administrado, resta saber como fazê-lo.

A contribuição que o articulista pode trazer ao debate resulta da aplicação do inciso XIV do art. 9º da LDC (que trata da competência do Plenário do Tribunal do Cade): “instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica”. Aqui, uma decisão do Plenário, com base no inciso II deste mesmo artigo – “decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei”, pode considerar a existência de infração apenas em tese (para não quebrar as eventuais primariedades) e não aplicar sanção. Mas nesta hipótese a decisão deve servir de parâmetro para os administrados.

Ou seja, a partir daquela decisão (que, repita-se, não resultou em caracterização de infração nem em sanção porque o administrado agiu de acordo com jurisprudência anterior) as condutas passarão a ser punidas. Observe-se, todavia, que só deverão ser punidas as condutas praticadas a partir desta decisão e não aquelas já praticadas, devendo cessar as condutas contínuas. Costuma-se encontrar subsidio legal para a modulação no § 3º do art. 927 do CPC: “Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”. Não devemos nos impressionar pela limitação do texto legal a determinados juízos pois o que vale é o princípio, a ideia, a decisão legislativa de proteger o interesse social e a segurança jurídica.

A limitação a determinados tribunais, como visto acima, foi eliminada pelos arts. 23 e 24 da Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), com a dada pela Lei 12.376/2010: “A decisão administrativa, controladora ou judicial, que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”; “A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas”. O § único deste último artigo foi acrescentado pela Lei 13.655/2018: “Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público”.

Como é possível constatar, as decisões proferidas pelo Cade podem mudar a sua própria jurisprudência desde que modulem suas decisões, de modo a não atingir situações já ocorridas no império das decisões anteriores. A modulação, para Teresa Arruda Alvim, “é, sem dúvida, figura jurídica cujo objetivo é criar segurança jurídica, sob o prisma subjetivo, i.e., protegendo a boa-fé e a confiança. Trata-se, sem dúvida, de um instituto que dá funcionalidade ao princípio”[7]. Mais adiante a mesma autora esclarece que “o tipo mais comum de modulação é o temporal. Usualmente, neste tipo de modulação retira-se a retroatividade da eficácia da decisão, ou seja, a força para alcançar o passado”[8].

Outra possível solução é a edição de normas infralegais que estabeleçam novo entendimento do Cade. Esta é, de fato, uma solução mais fácil que não demanda um artigo para sua explicação.

Desta forma, respeita-se a segurança jurídica do administrado – cuja função é, segundo Gustavo Marinho de Carvalho, “propiciar previsibilidade e estabilidade às pessoas” – e, ao mesmo tempo, permite-se a alteração da jurisprudência, tudo isso sem alteração legislativa, utilizando-se o arsenal legislativo já existente.

Mauro Grinberg é ex-Conselheiro do Cade, Procurador da Fazenda Nacional aposentado e advogado especializado em Direito Concorrencial, sócio fundador de Grinberg Cordovil


[1] “Comentários ao Código de Processo Civil”, RT, São Paulo, 2015, pág. 1832

[2] “Precedentes – da Persuasão à Vinculação”, RT, São Paulo, 2017, pág. 90

[3] “Precedentes Obrigatórios”, RT, São Paulo, 2013, pág. 106

[4] Obra e pág. citadas

[5] Obra citada, pág. 108

[6] “Precedentes Administrativos no Direito Brasileiro”, Contracorrente, São Paulo, 2015, pág. 177

[7] “Modulação”, RT, 2019, São Paulo, pág. 36

[8] Obra citada, pág. 141

Protocolo Antitruste, Canja de Galinha e M&A: melhor prevenir que remediar

Eduardo Molan Gaban

Nesta semana de comemorações do aniversário de 10 anos da Lei de Defesa da Concorrência, brindamos uma das inovações mais expressivas da nova lei: a instituição do controle prévio de atos de concentração no Brasil.

Trata-se de um instrumento jurídico que aumentou a eficácia da tutela antitruste sobre operações de M&A de submissão obrigatória ao CADE (também conhecido como “controle de estruturas”). No modelo anterior (Lei nº 8.884/1994), a anuência do CADE era posterior à consumação das operações. Nas hipóteses de imposição de restrições ou até mesmo vetos, a autoridade antitruste enfrentava sérios problemas, já que usualmente lidava com fatos consumados. Isso gerava situações de difícil reversibilidade como aquela envolvendo a aquisição da Garoto pela Nestlè, dentre outras.

Segundo a Lei, as operações empresariais de submissão obrigatória não podem ser consumadas antes da aprovação irrestrita do CADE, sob pena de nulidade e de imposição de pesadas sanções pecuniárias (podem atingir o patamar de R$ 60 milhões).[1]

Nesses 10 anos de vigência, a jurisprudência do CADE estabeleceu bem a abrangência do conceito de “consumação”. Esta abrange desde as situações mais obvias, como os fechamentos de operações de M&A, às situações menos óbvias, como o compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis fora do contexto de efetivos protocolos antitruste.

A Lei e a jurisprudência são muito claras: gun jumping é uma infração processual. Para a aplicação dessa sanção processual pouco importa se a operação é analisada sob rito sumário ou ordinário. Ainda, pouco importa se resulta sobreposição horizontal ou integração vertical. Basta ser de submissão obrigatória para estarem as partes obrigadas a se acautelarem para não antecipar os efeitos da consumação antes da decisão de aprovação irrestrita do CADE.

Se hoje está muito claro o que pode e o que não pode ser feito para se evitar a autuação por gun jumping, no início de vigência da Lei, o tema causava grande insegurança. Nesse sentido, na época, o CADE publicou o “Guia Para Análise Da Consumação Prévia De Atos De Concentração Econômica”. O Guia, de caráter orientativo e não vinculante, coletou boa parte da experiência internacional sobre o tema (leia-se, dos EUA e da EU) e ajudou a esclarecer qual seria a abrangência do conceito de “consumação” e de atos que antecipariam, na perspectiva antitruste, seus efeitos.

Além disso, também em alusão à experiência internacional, o Guia também colaborou em conscientizar o público local sobre as usuais alternativas contratuais (Protocolo Antitruste, Clean Teams etc.) empregadas nas operações de M&A em outras jurisdições para auxiliar as partes a mitigarem riscos de serem autuadas por gun jumping.

Todavia, talvez pela incipiência do momento de sua publicação (logo no início da vigência da Lei), o Guia gerou ambiguidades no tocante à regra de incidência da norma sancionatória do gun jumping. Isto é, se por um lado apresentou o amplo leque de situações que caracterizariam antecipação dos atos de consumação de operações de M&A, o Guia gerou ambiguidade ao afirmar que os fatores mitigadores como Protocolos Antitrustes e Clean Teams seriam recomendáveis apenas em operações grandes e complexas.

Ora, sendo o gun jumping uma infração processual, pouco ou nada importa a magnitude ou relevância concorrencial da operação de M&A para livrar as partes da sanção. Fosse procedente essa assertiva do Guia, ad absurdum tantum, todas as punições por gun jumping aplicadas pelo CADE em atos de concentração de procedimento sumário seriam nulas de pleno direito já que impostas em operações com pouca ou nenhuma relevância concorrencial.[2]

Em verdade, falha o Guia nesse aspecto já que a irrelevância concorrencial de uma operação de M&A (isto é, resultante de baixa ou nenhuma concentração horizontal ou integração vertical) não caracteriza hipótese de não incidência da norma de gun jumping contida na Lei Antitruste.[3]

Em julho de 2019 foi aprovada a Resolução nº 24/2019. Essa Resolução disciplina procedimentos administrativos para apuração de atos de concentração. Até a edição da referida Resolução, o CADE calculava a multa por gun jumping com base nas diretrizes gerais previstas na Lei Antitruste para a dosimetria das penas por infração à ordem econômica, quais sejam a boa-fé do infrator, situação econômica do infrator, efeitos econômicos negativos produzidos no mercado, grau de lesão à livre concorrência e reincidência. Até então, a autarquia havia imposto multas por gun jumping em 17 operações de M&A. Em dez delas, o valor desembolsado por infratores foi inferior a R$ 1 milhão; em outros seis casos, o valor das multas variou entre R$ 1 milhão e R$ 3 milhões; e a multa recorde foi de R$ 30 milhões.

Na vigência da Resolução nº 24/2019, a multa para os casos de gun jumping passou a ser calculada à partir de uma pena-base de R$ 60 mil, sendo majorada: (i) pelo decurso do prazo, no valor equivalente a 0,01% do valor da operação por dia de atraso, contado da data da consumação até a notificação do ato de concentração ou da emenda, caso houver; (ii) pela gravidade da conduta, em até 4% do valor da operação; e (iii) pela intencionalidade, em até 0,4% do faturamento médio dos grupos econômicos envolvidos, conforme a boa-fé do infrator.

Mesmo nesse contexto de abundante amostragem de “como” e “quando” as partes devem se acautelarem com a não consumação prematura das operações de M&A, empresas ainda negligenciam os mandamentos legais e tomam desnecessário risco junto ao CADE. Exemplo disso parece ter sido a aplicação de multa, durante a última Sessão Ordinária de Julgamento do CADE, no montante de R$ 60 milhões, conforme se passa a expor[4].

Em novembro de 2020, o CADE recebeu denúncia formulada pela Suez. Segundo a denúncia, o negócio jurídico não submetido à anuência prévia do CADE consistiu na aquisição, pela Veolia, de ações detidas pela Engie e representativas de 29,9% do capital social e votante da Suez[5].

Em sua resposta, a Engie, a fim de justificar a ausência de notificação prévia da operação, informou que, no momento da alienação da participação de 29,9% da Suez para a Veolia, a Engie, como vendedora, assegurou que a Veolia, como adquirente, tivesse adotado as medidas necessárias para evitar qualquer consumação prematura da operação, através do compromisso da Veolia de (i) não exercer os direitos de voto inerentes à participação minoritária adquirida na Suez, e (ii) não ser representada no conselho da Suez até que todas as aprovações relevantes tenham sido obtidas.

A Veolia, por sua vez, argumentou que a aquisição da participação societária da Engie foi apenas o primeiro passo da proposta de aquisição, pela Veolia, do controle acionário sobre a Suez – não devendo, portanto, ser analisada como uma operação independente. Aduziu, assim, que esta etapa integrava parte de uma oferta pública, de forma que a aquisição se inseriria em hipótese de isenção prevista no art. 107, §1º, do Regimento Interno do CADE (RICADE), que autoriza a realização de aquisições feitas por meio de ofertas públicas antes da aprovação final pelo CADE, desde que não houvesse exercício dos direitos políticos atrelados à participação adquirida.

A Veolia explicou, ainda, que mesmo que se considerassem as operações como independentes e, portanto, de notificação obrigatória, o negócio entabulado entre as partes seria comparável a uma aquisição feita no contexto de uma oferta pública e, consequentemente, a operação ainda se beneficiaria da isenção prevista no art. 107 do RICADE. Alegou, ao final, que independentemente da forma de análise da operação, a aquisição não resultaria em preocupações concorrenciais.

A despeito das justificativas apresentadas pelas representadas, a Superintendência Geral do CADE (SG) assinalou que as representadas assinaram contrato de compra e venda de ações no contexto da operação objeto de apuração, a qual – diferentemente do que ocorre nas aquisições de ações em bolsa e nas ofertas públicas de ações – foi deliberadamente implementada pelas partes antes de qualquer avaliação do CADE.

Nessa linha, aduziu a SG que, caso a aquisição inicial fizesse parte de uma pretendida operação mais abrangente (i.e., de aquisição de controle), a Veolia (i) teria apresentado, sucessivamente, a oferta unilateral de aquisição do controle (que só foi apresentada três meses depois da aquisição de 29,9% das ações da Suez) ou (ii) teria realizado pré-notificação da operação ao CADE, considerando o porte econômico das partes. Porém, no caso, somente houve a pré-notificação após a oferta de aquisição de controle pela Veolia.

Por tais razões, a SG considerou que a aquisição de 29,9% das ações da Suez não foi realizada como uma primeira etapa para aquisição do controle da Suez pela Veolia, uma vez que se trata de negócio jurídico independente, válido e que já possuía eficácia, mesmo sem o exercício de direitos políticos decorrentes dessas ações.

Concluiu a SG, por fim, que a transferência de titularidade das ações da Suez à Veolia imediatamente após a celebração do contrato com a Engie já caracterizaria a consumação da operação com efeitos imediatos ao mercado, independentemente do exercício ou não dos direitos políticos por parte da Veolia.

Após estes desdobramentos, as representadas manifestaram seu interesse em realizar acordo junto ao CADE para encerramento do caso. Para tanto, a Veolia apresentou uma proposta de acordo, na qual se comprometeu a pagar R$ 60 milhões como contribuição pecuniária por ter consumado operação com a Engie sem autorização prévia da autarquia. Como visto, os R$ 60 milhões de reais correspondem ao valor máximo previsto na legislação para casos de gun jumping.

Na Sessão de 25 de maio de 2022, a conselheira relatora do caso, Lenisa Prado, reconheceu a configuração de gun jumping e votou pela homologação da proposta de acordo apresentada. O entendimento da relatora foi seguido pelo Tribunal, por unanimidade.

Todos estes pontos demonstram que o CADE procura maximizar a eficácia das regras de notificação prévia de operações de M&A de submissão obrigatória. E, para tanto, está empreendendo esforços para endurecer as sanções, em especial no caso de operações envolvendo valores elevados entre grupos econômicos de grande porte. Nesse tipo de caso, os critérios de dosimetria da Resolução nº 24/2019 provavelmente sujeitarão as partes a multas próximas ao máximo legal (R$ 60 milhões). Isso ainda que o caso em si não suscite qualquer preocupação concorrencial de mérito, isto é, seja passível de análise pelo rito sumário – exatamente como foi o caso da operação envolvendo a Veolia e a Engie, que foi aprovada sem restrições.

É importante que agora, mais do que nunca, as partes de uma operação de M&A tenham em mente o comportamento mais rigoroso do Tribunal e evitem potenciais violações da legislação, especialmente em relação a trocas não acauteladas de informações, integração prematura dos negócios das partes, transferência do controle de gestão, coordenação do comportamento competitivo e transferência de uma quantidade excessiva do risco de negócio associado ao negócio do alvo.

Como bem prega o ditado popular: “precaução e canja de galinha não fazem mal a ninguém”.


[1] GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito Antitruste. 4ª ed. Saraiva. 2016. p. 135.

[2] Nesse sentido, veja-se ACs nº 08700.005775/2013-19; 08700.008289/2013-52; 08700.008292/2013-76; 08700.002285/2014-41; e 08700.002655/2016-11

[3] A ressalva quanto ao grau de segurança jurídica do Guia está presente na sua página 6, na qual se lê: “Deve-se destacar também que, por suas próprias características, eventual prática de gun jumping deve ser sempre analisada e verificada conforme as particularidades de cada caso, não sendo possível fazer generalizações em abstrato que sejam aplicáveis a todas as situações. Não obstante, os parâmetros abaixo podem ser utilizados como referências para agentes econômicos em suas negociações e avaliações de atos de concentração”. Em suma, embora possua importância para aclarar algumas hipóteses, não possui força de precedente ou jurisprudência. Portanto, as partes devem tomar a devida cautela de analisar, em primeira mão, a lei antitruste, para que não sejam erroneamente induzidas a erro pelo Guia. Nesse sentido, vide: GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito Antitruste. 4ª ed. Saraiva. 2016. p. 137.

[4] Procedimento Administrativo para Apuração de Ato de Concentração nº 08700.005713/2020-36.

[5] Cumpre pontuar, por oportuno, que operação referente a aquisição do controle da empresa alvo apenas foi notificada em maio de 2021, ou seja, após a denúncia da Suez. Nesse sentido, o Ato de Concentração nº 08700.002455/2021-17.

Breves notas sobre a tributação da energia

Fábio Luiz Gomes

Introdução

           A Revolução Industrial foi a grande impulsionadora do ambientalismo e dos primeiros movimentos ambientais nascidos no Mundo (Europa), durante o século XIX. As alterações causadas em nível global levaram à necessidade do belo e do natural, preocupações com a melhor gestão dos recursos naturais.[1]

         Essa conscientização ambiental desenvolveu-se com força nas décadas de 50 e 60, sendo discutido na Conferência Intergovernamental sobre o Uso e Conservação dos Recursos da Biosfera (Paris, 1968), o tema sobre sustentabilidade.

         Verifica-se que o estudo energético permite uma complexa interligação entre os vários conhecimentos humanos, impondo, inclusive, o aprofundamento da convivência entre espécies, onde se busca o menor impacto possível no meio ambiente.

        Estabelece-se uma lógica racional na busca da maior eficiência energética que torne a dimensão ambiental siamesa à existência humana.

         Dessa forma, entender quais são as formas energéticas, sua natureza e como se intercedem com a existência humana.

         Salienta-se que a escassez dos recursos naturais já é um assunto conhecido mundialmente, e, ainda, que o ser humano consome mais do que aquilo que o planeta consegue repor.

         Buscam-se, então, instrumentos jurídicos que estabeleçam critérios de regulação, e, ainda, na tributação como forma de sustentabilidade ambiental.

1. Combustível – Conceito

         Inicia-se o presente estudo estabelecendo uma conceituação de combustível: “Que ou substância ou produto que produz combustão”[2], acrescente-se que produz calor na combustão. Os combustíveis podem ser sólidos, líquidos e gasosos.”[3]

        Observa-se que a definição de combustível incorpora características complexas, como a capacidade de reação com o oxigênio, a característica de ser exotérmica (a reação exotérmica é de combustão).

        Estabelece-se, portanto, a relação entre a química e os combustíveis.

        Para os objetivos do presente trabalho, pretende-se destacar dois grupos de combustíveis: a. os combustíveis fósseis e b. os combustíveis renováveis.

         Os combustíveis fósseis são considerados fontes de energia convencionais, encontrados na natureza em quantidades limitadas.       Acrescenta-se, ainda, que a sua incessante extração resulta na impossibilidade de regeneração das reservas naturais.

        De outro lado, as energias renováveis permitem uma possível alternativa, contudo não proporcionam a mesma estabilidade, em termos produtivos, quando comparadas ao combustível fóssil, uma vez que existe a tecnologia, mas a produção em massa ainda gera altos custos.

2. Tributação de Energia – Preço

       Observa-se que o preço deveria informar aos consumidores sobre o custo da produção de determinado bem, contudo na maior parte dos casos os preços não demonstram com precisão, como consequência ter-se-ia a sobre-exploração por parte dos agentes econômicos.

        Neste sentido, verificam-se distorções econômicas, nomeadamente no comportamento do contribuinte, seja ele destinatário final ou mesmo um dos agentes econômicos que fazem parte como intermediários.

        Constata-se que a exemplo da União Europeia, onde a justificativa para os altos preços dos combustíveis fósseis seria a de desestimular o seu consumo, na verdade é fonte de receita que para ser substituída seria necessário encontrar outra fonte.

        Neste sentido, a existência do tributo que incida sobre a eficiência energética estabelecerá influência no comportamento dos produtores/consumidores na utilização/consumo de produtos menos poluentes, ressaltando novamente que essa tributação represente importante fonte de receita.

3. Definição de Imposto Ambiental

          A formação da investigação e desenvolvimento de estudo comparado entre os diferentes sistemas tributários e correspondendo estruturação dos impostos no território dos Estados Membros.

           Define-se o imposto ambiental como um imposto, cuja base tributável assenta numa unidade física de algo que comprovadamente causa impacto negativo no ambiente.

Conclusão

         Ao tratarmos dos impostos sobre a energia, a Eurostat definiu os impostos em quatro categorias:

  1. Impostos sobre energia (incluem os impostos sobre o dióxito de carbono);
  2. Imposto sobre transporte;
  3. Imposto sobre a poluição;
  4. Impostos sobre os recursos (com exclusão do petróleo e extração do gás natural) com ou sem chumbo, o gasóleo, os produtos energéticos usados como carburantes, o flueóleo leve ou pesado, o gás natural, o carvão – estes são tributados por impostos sobre a energia.

         A nomenclatura dos impostos identificados pelo Eurostat estabelece a extensão objetiva: energia, transporte, poluição e recursos, como dito acima tenciona-se estabelecer uma natureza extrafiscal a esses tributos.

          Como sabido a energia é essencial a dignidade humana, e nos dias atuais com a grande quantidade de pessoas, não só o transporte, ou mesmo a luz, mas o aquecimento ou a refrigeração garantem a própria vida de diversas pessoas.

          Portanto, a busca por desenvolvimento tecnológico com o intuito a causar o menor impacto ambiental possível – desenvolvimento sustentável, acaba por corroborar no equilíbrio possível com o desenvolvimento econômico.

          Equivocadamente, busca-se atribuir de forma absoluta aos tributos ecológicos uma função a justificar o desestímulo do consumo a determinada fonte de energia, isto é, será tributado com maiores alíquotas.

          Na verdade, se não forem disponibilizadas outras fontes de energia, essa tributação mais severa acaba por penalizar a pessoa com maiores alíquotas, e que o intuito de racionalizar o consumo energético estabelece-se até certo limite.

            A existência digna, esta instransponível, que deve ser colocado nessa balança, a esse tipo de tributação, e a extrafiscalidade a elas inerente, também deverá considerar a pessoa humana dentro desse conceito.


[1] Convenção para a Preservação de Animais, Pássaros e Peixes de África – 1900.

[2] Minidicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Editora Nova Fronteira S/A: Rio de Janeiro, 1977, p. 113.

[3] PAPE – Programa Auxiliar de Pesquisa Estudantil. VolIII. DCL – Difusão Cultural do Livro Ltda: São Paulo, p. 778.

Nós, que aqui estamos, por vós esperamos. As premissas da teoria do direito como parâmetros de controle para introdução da teoria econômica no campo jurídico

Angelo Prata de Carvalho

A teoria do direito passou por diversas transformações e controvérsias no sentido de superar a utopia de objetividade proposta pelo positivismo do século XIX – formulada com o objetivo assegurar a independência do ordenamento jurídico das razões ético-valorativas que orientavam visões jusnaturalistas –, inclusive com vistas a mitigar o entendimento segundo o qual o direito deveria ser estudado segundo aquilo que ele realmente é, ou seja, sem que se fizesse permanente referência a um direito ideal[1]. Em outras palavras, a ideia de racionalidade que se atribuiu ao direito na atualidade em muito se afasta da objetividade cientificista pretendida, por exemplo, pela Escola da Exegese francesa e pela Pandectística alemã, que tiveram finalidades relevantes para a afirmação do pensamento jurídico em suas épocas e locais, porém vão radicalmente de encontro ao paradigma pós-positivista que governa a interpretação e a aplicação do direito na atualidade[2].

Em outras palavras, tanto não faria sentido atribuir ao direito um ideal de racionalidade descolado do contexto histórico em cultural do ordenamento em questão, quanto seria postura demasiadamente ingênua a que defendesse que o direito pudesse libertar-se da linguagem e dos mecanismos de interpretação em prol de uma objetividade aritmética ou mesmo de um raciocínio puramente consequencialista que desconsiderasse os bens tutelados pelas normas jurídicas. Pelo contrário, a dogmática jurídica é ideológica e historicamente localizada justamente em virtude da necessidade de manutenção de seu potencial persuasivo, tendo em vista que não faria sentido sustentar um direito descolado do ambiente social e cultural que o reproduz[3].

            Não é sem motivo que mesmo o positivismo normativista kelseniano, notadamente a partir da publicação da edição de 1960 da Teoria Pura do Direito, não deixa de levar em consideração o fato de que a interpretação e a aplicação do direito não constituem atos de conhecimento decorrentes da aplicação de método científico a um corpo de normas, mas sim atos de vontade consistentes na escolha fundamentada de uma conclusão dentre as várias possíveis sob a égide de determinado ordenamento[4]. Em outras palavras, mesmo os esforços de construção de estatuto de ciência ao direito não ignoram que, na prática – ou naquilo que Kelsen chamou de “política do direito” –, o direito é necessariamente marcado por elementos valorativos.

            Significa dizer que a busca por ideais de objetividade que são próprios das ciências exatas desafia a própria tentativa de descrição do estatuto epistemológico do direito, considerando que o pós-positivismo procurou justamente estruturar um conjunto de técnicas de interpretação e aplicação do direito que, conscientes da textura aberta[5] das normas jurídicas, oferecessem não um caminho para superar subjetividades e ideologias, mas sim soluções que adequadamente refletissem os acordos constitutivos da sociedade que originou determinado sistema de normas[6].

            Em outras palavras, o giro linguístico representa a superação, pelo próprio positivismo, do apego típico do modernismo do século XVII (isto é, em sentido cartesiano, representante por antonomásia do pensamento do pós-medievo) a tentativas de demonstração matemático-empírica de fenômenos associados à conduta humana. Não é sem motivo que Deirdre McCloskey assevera que a metodologia oficial da ciência econômica é este “Modernismo” (ou, ainda “positivismo”, apesar do esforço da autora em separar a postura dos economistas do positivismo que é próprio das ciências sociais, que, não obstante, tende a ser apontado justamente como ideal metodológico), no qual qualquer outro elemento distinto de hipóteses falsificáveis em sentido popperiano deve ser descartado, tendo em vista que a ciência, a partir dessa concepção, apresenta-se como axiomática e matemática, separando seu campo do reino das formas, valores, beleza, bondade e qualquer outro elemento que não possa ser medido[7].

            Tal comentário faz referência direta à parêmia de gustibus non est disputandum, título de artigo de George Stigler e Gary Becker que vem a tornar-se verdadeiro bordão da análise econômica do direito, destinado a neutralizar a análise econômica de quaisquer aspectos que digam respeito às individualidades dos agentes que compõem os mercados e à formação dessas individualidades, imputando aos sujeitos parâmetros de racionalidade abstrata que se descolam da realidade concreta não por ignorarem que há uma realidade subjacente à ação individual, mas por deliberadamente ignorarem aspectos essenciais dessa realidade em prol de uma empiria estatística[8] que, no afã de simplificar o mundo para explicá-lo, elege como instrumentos analíticos aqueles com suposto caráter de “cientificidade” – isto é, aqueles que são capazes de ser aferidos objetiva e matematicamente.

            É por essa razão que Pierre Bourdieu, ao tratar das teorias da escolha racional (com expressa referência à obra de Becker e Stigler), assevera que
“Esta filosofia atomista e mecanicista exclui puramente e simplesmente a história. Ela exclui, primeiramente, agentes cujas preferências, que não devem nada às experiências passadas, são inacessíveis às flutuações da história, a função de utilidade individual sendo decretada imutável ou, pior, sem pertinência analítica”[9].

                   Evidentemente que as reflexões a respeito da introdução de critérios da análise econômica no raciocínio jurídico não ficam infensas a esse tipo de crítica direcionada às abordagens de inspiração neoclássica, de tal maneira que em larga medida também se pretende trazer para o campo jurídico abordagens que procuram superar (ou ao menos mitigar) alguns dos dogmas da economia neoclássica, como é o caso da economia institucional – que, justamente, admite que as regras do jogo a serem observadas pelos atores econômicos podem advir das mais diversas fontes, o que inclui normas culturais e constrangimentos oriundos do contexto histórico-social em que se inserem os agentes. No entanto, não se pode deixar de notar que mesmo os conceitos que compõem a economia institucional podem se instrumentalizados no intuito de perpetuar a lógica neoclássica, substituindo-se a maximização de utilidade[10] por objetivos como a redução de custos de transação (que muitas vezes acaba por tornar-se verdadeiro sucedâneo daquilo que significa a eficiência alocativa para a economia neoclássica) [11].

                   O que se verifica, por conseguinte, é que, por mais que o direito contemporâneo tenha sido desenvolvido sobre sólidas bases metodológicas que resultaram da superação dos dogmas positivistas pelos pressupostos que marcam o chamado pós-positivismo – notadamente o giro linguístico e a assunção da postura hermenêutica segundo a qual o discurso jurídico é diretamente condicionado pela textura aberta da linguagem, de maneira a lançar à terra pretensões irreais de neutralidade ou absoluta objetividade –, o movimento de introdução de argumentos econômicos no discurso jurídico aponta para verdadeiro retrocesso no processo de amadurecimento da metodologia que é própria à ciência jurídica.

                   Isso porque o discurso da teoria econômica neoclássica tende justamente a eleger um método específico, baseado em presunções irreais de racionalidade, como resposta para problemas jurídicos que não conseguem ser resolvidos senão com uma abordagem abrangente, que leve em consideração tanto a textura aberta da linguagem quanto elementos sociais, políticos e culturais que invariavelmente moldam a normatividade que é própria do discurso jurídico. Curiosamente, a incerteza que advém das metodologias jurídicas – notadamente a hermenêutica jurídica – é justamente um dos pontos de crítica das abordagens que pretendem importar metodologias do campo econômico.


[1] Ver: BOBBIO, Norberto. O positivo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 136.

[2] É o que ensina, por exemplo, Miguel Reale: “Cada época, em verdade, fixa as normas e os limites de sua exegese do Direito, em função dos valores culturais dominantes, tendo representado grande avanço a compreensão de que a interpretação jurídica não constitui senão uma das formas constantes e fundamentais da Teoria Geral da Interpretação, ao lado da exegese filosófica, artística, histórica, etc. […] Posta a questão nesse contexto, preciso é convir que as Escolas da Exegese e dos Pandectistas corresponderam aos ideais de seu tempo. A atitude que, aos olhos atormentados do jurisconsulto ou do politicólogo de nossos dias parece ser passiva perante a lei, era antes a única posição correspondente aos anseios e aspirações da civilização individualista. Foi somente quando esta entrou em crise, em virtude de ter-se revelado” (REALE, Miguel. Para uma hermenêutica jurídica estrutural. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. v. 72, n. 1, pp. 81-91, 1977. p. 81.

[3] Ver: ROESLER, Claudia. Entre o paroxismo de razões e a razão nenhuma: paradoxos de uma prática jurídica. Quaestio juris. v. 8, n. 4, pp. 1-15, 2015.

[4] Nesse sentido: “A interpretação jurídico-científica tem de evitar, com o máximo de cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação ‘correta’. Isto é uma ficção de que se serve a jurisprudência tradicional para consolidar o ideal da segurança jurídica. Em vista da plurissignificação da maioria das normas jurídicas, este ideal somente é realizável aproximativamente” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 251).

[5] Nesse sentido: HART, H.L.A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.

[6] Ver: CARVALHO NETTO, Menelick; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito. Belo Horizonte: Fórum, 2020.

[7] MCCLOSKEY, Deirdre N. The rhetoric of Economics. 2.ed. Madison: The University of Wisconsin Press, 1998. p. 142.

[8] Para abordagem crítica da empiria estatística comumente adotada pela economia neoclássica, notadamente a respeito do conceito de significância, ver: ZILIAK, Stephen C.;MCCLOSKEY, Deirdre N. The cult of statistical significance: How the standard error costs us jobs, justice, and lives. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2011.

[9] BOURDIEU, Pierre. O campo econômico. Política e Sociedade. n. 6, pp. 15-57, abr. 2006. pp. 52-53.

[10] Ver: SKIDELSKY, Robert. What’s wrong with economics. New Haven: Yale University Press, 2021. pp. 115-118.

[11] Nesse sentido, para análise empírica sobre o uso das ideias de Coase no contexto do Judiciário norte-americano, ver: WHITE, Barbara Ann. Coase and the courts: economics for the common man. Iowa Law Review. v. 72, pp. 577-635, 1987.