Texto para discussão

Regulamentação e tributação das apostas esportivas online

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

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Editor:

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Ficha catalográfica

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Regulamentação e tributação das apostas esportivas online

Maria Eduarda Silva Menezes & Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

As apostas esportivas online, popularmente conhecidas como bettings, se difundiram de maneira global tornando-se um ramo indiscutivelmente relevante. Ponderando detidamente as legislações vigentes, constatam-se omissões do liame governamental em relação ao mercado de apostas e ao apostador. Por meio de pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa, nos baseamos na análise documental e no levantamento de dados para buscar identificar métodos efetivos para contribuir no sentido de que a iminente regulamentação e tributação das apostas online tenha consequências benéficas. Nossas conclusões sugerem a normatização da proposta e a incidência de tributação, respaldada pelo princípio da equivalência tributária. Por meio do direito comparado, inclusive propostas legislativas e jurisprudência, buscamos experiências para coibir práticas como a evasão de divisas, a ilegalidade no setor, a manipulação de resultados e, por outro lado, garantir a proteção do apostador e a confiabilidade desse mercado em ascensão.

Palavras-chave: Apostas esportivas online; betting; regulamentação; tributação.

Abstract:

Online sports betting, popularly known as bets, has spread globally, becoming an undeniably relevant branch in the economy. A close look at the current legislation reveals omissions from the governmental bond in relation to the betting market and the bettor itself. To this end, we opted for exploratory research, with a qualitative approach and based on document analysis and data survey. The study seeks to identify effective methods so that the imminent approval of the proposals for regulation and taxation of online gambling will have beneficial consequences, considering the present socioeconomic situation of the country, as well as the actors involved. The hypothesis initially raised is the regulation of the proposal and the incidence of a tax supported by the principle of tax equivalence. Observing proposed bills, case law, and even the repercussion of this issue from an international perspective, we gathered overseas experiences to curb practices such as currency evasion, illegality in the betting business sector, the manipulation of results, and on the other hand, to ensure the protection of the bettor and the reliability of this growing market.

Keywords: Online sports betting; regulation; taxation.

  1. INTRODUÇÃO

A expectativa quanto à regulamentação e tributação das apostas esportivas online é grande e demonstra a relevância e o potencial do setor. Hoje não há qualquer respaldo jurídico e tributário específico para a modalidade de entretenimento. Os jogos de azar estão presentes no país desde a chegada dos portugueses ao território brasileiro, tendo como objetivo inicial simplesmente garantir a recreação dos jogadores. Com o passar dos anos e o crescimento da antiga colônia, foi-se fomentado o debate acerca da moralidade e licitude das apostas. Sob o viés da moral e dos bons costumes, sua prática foi restringida até o início das operações de jogos sob o monopólio da Caixa Econômica Federal, em 1961[3].

A relevância e premência da regulamentação e tributação do setor vêm aumentando com o passar dos anos, à medida que o mercado de jogos online vem também afetando a sociedade em alcance mundial. Com o advento das novas tecnologias e a popularização da Internet nascem, como alternativa aos jogos de azar tradicionais, as apostas esportivas on-line. O tema vem sendo discutido em diversos países quanto à legalidade, à criação de normas efetivas e os prováveis tributos a serem estabelecidos para a atividade. Algumas nações fomentam esse mercado e têm legislações bem definidas, enquanto outras vedam completamente a exploração desses jogos e, para tanto, alegam valores éticos/morais, jurídicos e econômicos.

No contexto brasileiro já existem leis capazes de regulamentar os jogos de azar. Contudo, esses diplomas apresentam diversas lacunas, em se tratando das modalidades online de jogos. Essas omissões legislativas já deveriam ter sido sanadas, porém, a burocratização dos processos legislativo e regulamentar ocasionou a mora para definir e disciplinar os tributos incidentes. Em razão dessa omissão legislativa, os valores que deixaram de ser potencialmente recolhidos aos cofres públicos (renúncia fiscal por omissão legislativa) poderiam, por exemplo, ter sido usados para suprir áreas que carecem de incentivo governamental, afetando boa parte dos cidadãos brasileiros.

A ausência de clareza normativa pode também ocasionar problemas como a insegurança do apostador, o incentivo à criação de organizações criminosas, a evasão fiscal, lavagem de divisas e a exposição irrestrita ao vício. Governos e organizações internacionais têm empreendido esforços para a concepção de políticas e regras para garantir a integridade e a transparência do setor de apostas esportivas online.

Como forma de combater as irregularidades, a regulamentação e, consequentemente, a tributação das apostas esportivas virtuais são utilizados em diversas Jurisdições, como, por exemplo, o Reino Unido, os Estados Unidos da América e a Austrália. O tema tem gerado recentes discussões nos Poderes Legislativo e Executivo e na imprensa. Os Projetos de Lei 845/2023, 186/2014, 595/2015, 2.648/2019 e 4.495/2020 refletem a necessidade de reconhecimento e respaldo aos jogos de azar online.

É preciso buscar os métodos mais viáveis para regulamentar, regularizar e tributar as apostas esportivas virtuais, fornecendo insights aos presentes debates no Brasil e no mundo. O objetivo deve ser uma implementação estável e equilibrada dessa legalização/regulamentação, para garantir a proteção do mercado, a arrecadação governamental e a segurança do apostador, considerando a aplicabilidade em outros países e possíveis problemas a serem examinados e sanados, por intermédio da elaboração de lei direcionada ao setor ou pela complementação das legislações já existentes, a Lei 13.756/2018 e a Lei 14.183/2021.

Este artigo foi dividido em duas seções principais. A primeira seção abordará os trâmites atuais de propostas legislativas para a aprovação das apostas esportivas online e sua consequente tributação. Na segunda seção, o objetivo será realizar uma análise internacional comparada quanto à aplicabilidade e problemas a serem enfrentados na implementação deste setor no Brasil.

Os jogos tradicionais de azar têm um contexto histórico e sua prática é amplamente discutida. Contudo, seu respaldo legal não abrange a modalidade virtual ou online de apostas. Para melhor analisar esse fenômeno, utilizamos a pesquisa exploratória, por se tratar de um tema ainda em discussão, com rara produção no âmbito jurídico brasileiro.

Também optamos por uma abordagem qualitativa, considerando a subjetividade das motivações éticas, morais e mesmo econômicas que permeiam essa temática. Como forma de buscar solucionar a hipótese e o problema de pesquisa, foram utilizados o método indutivo e a análise de dados coletados.

O procedimento de coleta de dados se deu por intermédio de pesquisa bibliográfica e documental, com o objetivo de associar e comparar dados advindos da doutrina e legislação nacional e internacional e jurisprudência, para melhor compreensão e interpretação das propostas de regulamentação e tributação das apostas esportivas virtuais.

Também levamos em consideração embates históricos e morais, sob a égide de leis revogadas, até os dias atuais. Discussões fomentadas sobre a legalidade dos jogos de azar e de prejuízos ou, ao menos, falta de benefícios, decorrentes da ausência de tributação. Sob uma perspectiva mundial desse mercado e as possíveis implicações para a sua implementação no país,  buscamos identificar e elucidar resistências em solucionar essa questão. A polêmica em torno do tema transcende o alcance apenas aos principais envolvidos, operador e apostador, englobando os três Poderes e exercendo influência na sociedade de modo generalizado.  

2. REGULAMENTAÇÃO E TRIBUTAÇÃO DE APOSTAS ON-LINE

Analisamos aqui as vigentes propostas para a legalização das apostas esportivas on-line, assim como a possível tributação decorrente dessas operações. Também trazemos posicionamentos daqueles que são, direta ou indiretamente, afetados pela regulamentação do setor, sob o enfoque de especialistas do ramo.

2.1. A proposta de regulamentação das apostas esportivas on-line no Brasil

Insta destacar, previamente, que o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (Lei 3.688/41) veda a exploração de jogos de azar no país. O §3º do citado artigo 50 esclarece o que sejam jogos de azar: “a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; e c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva”.

O Decreto-Lei nº 9.215/46 também considera defesa a prática de apostas sobre quaisquer outros esportes. Em consonância com essa perspectiva, Damásio de Jesus (2015, p. 65) propôs como conduta típica do delito: “o estabelecimento e a exploração de práticas de jogos de revés em ambientes públicos e de fácil acesso da população, mediante a cobrança ou não do ingresso”.

Uma lacuna no referido decreto de 1946 seria que a proibição abrangeria apenas a criação de locais físicos para apostas, uma vez que, à época, inexistiam os meios virtuais. Logo, após essa evolução tecnológica, a prática de apostas esportivas online restou sem a devida regulamentação (SECKELMANN, 2021). Com a redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015, o §2º do artigo 50, da Lei 3.688/41 passou a prever uma multa para participantes de jogos de azar, ainda que por meios virtuais[4].

Com a aprovação da Lei 13.756 em 2018, foi possibilitada a operação de sites de apostas em território nacional. Sua regulamentação, contudo, deveria ter ocorrido nos dois anos subsequentes à sua aprovação. Para viabilizar essa prática, Augusto Sávio Leó do Prado explica:

Nessa modalidade, há três atores envolvidos com a entrega da experiência ao seu destinatário final, que sempre será o apostador. São eles: os operadores (casas de apostas); os fornecedores que viabilizam a operação (plataformas, streaming, dados, odds, meios de pagamento) e as instituições reguladoras e de integridade (PRADO, 2023).

No ano de 2021, com o advento da Lei 14.183, houve apenas o estabelecimento da possibilidade de regulação/fiscalização das apostas de quota fixa e a alteração da destinação dos recursos arrecadados. Ainda, conforme entendimento do supramencionado autor, alguns detalhes foram modificados com a aprovação da Lei 14.183/21. Foi inserido o conceito de GGR (Gaming Gross Revenue), para o cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Já a base de cálculo para recolhimento da PIS (Contribuição para o Programa de Integração Social) e da COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), seria considerada nos moldes do turnover[5] (PRADO, 2023).

Em razão dessa omissão, permeiam indefinições acerca da regulamentação e da tributação do setor de apostas esportivas online no país. Em se tratando do Judiciário, discute-se, no Tema 924[6] de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, a legalidade dos jogos de azar, considerando o disposto no art. 50 da Lei Contravenções Penais.

Também tramita, no Senado Federal, o Projeto de Lei 845/2023. Apresentado pelos senadores Jorge Kajuru (PSB/GO) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), este modelo visa a suprir omissão legislativa e alcançar meios de conscientização, como o chamado “Jogo Responsável”[7], que diz respeito à limitação publicitária e à cobrança de tributos. Com base no referido projeto, pode-se definir aposta virtual como: “uma aposta realizada diretamente pelo apostador em sítios eletrônicos, aplicativos, ou outros meios virtuais, antes do evento real a que se refira a aposta ou durante a sua ocorrência” (SENADO FEDERAL, 2023).

O ponto em questão é a ausência de tributação em relação ao setor de apostas online. Já há legislação vigente a respeito, entretanto, a modalidade não foi devidamente regulamentada no Brasil, vez que não existem tributos e repasses à Administração Pública. Sendo assim, as operações são realizadas de forma livre e as grandes empresas não possuem sede no país. Contudo, veiculam suas imagens em canais de televisão abertos e por meio do patrocínio a diversos clubes esportivos. Em conformidade com o portal desportivo BNL Data[8] (2023), estima-se que o ramo obtenha lucro aproximado de 12 bilhões de reais, em 2023. Aliás, essa arrecadação deve alcançar números ainda maiores, quando ocorrem eventos em nível mundial, como a Copa do Mundo da FIFA.

Com o intuito de regulamentar outros ramos de apostas e a atividade de cassinos, também tramitam no Congresso Nacional os Projetos de Lei 186/2014, 595/2015, 2648/2019 e 4.495/2020. A modalidade de exploração das loterias, sob o comando da Caixa Econômica Federal, é um exemplo de regulamentação de apostas, sob constante supervisão estatal. Reputa-se que a atividade traga benefícios ao interesse nacional, por intermédio da criação de vagas de trabalho direto e indireto, e da consequente geração de renda. Poderá também haver estímulo ao turismo. O outro lado da moeda seriam potenciais problemas, conforme a experiência internacional mostra, de que os grandes cassinos são usados para a lavagem de divisas, eventual financiamento ao terrorismo e às milícias, tráfico de drogas e prostituição. A fiscalização desse setor é muito difícil. Além disso, o vício em jogos e apostas integra o Código Internacional de Doenças.

Em outros aspectos, a regulamentação coibiria o tratamento abusivo dessas apostas, reduzindo crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento de atos criminosos, tendo em vista que a quantia arrecadada estaria sob o modelo regulatório estatal. Segundo os autores Danilo Serra Tavares e Felipe Mello Cerqueira, escrevendo no portal Migalhas (2022), essa possibilidade de validação de práticas desportivas, como os jogos de azar, é dotada de relevância social, porém mostra-se condicionada à regulamentação para garantir sua permanência e efetivação. Ao criar e aplicar sanções àqueles que contrariarem as normas, está se resguardando bens juridicamente tutelados, bem como preservando a vida harmoniosa em sociedade e as partes envolvidas.

Há, contudo, opiniões contrárias à tal controle estatal, uma vez que consideram que o Estado falha na fiscalização e que a prática exacerbada de apostas poderia incentivar os apostadores ao vício. Em consonância com essa perspectiva, o psiquiatra Valdir Campos, em entrevista concedida ao jornal A Tribuna (2022), esclareceu que há indivíduos na sociedade com maior propensão a desenvolver patologias ligadas ao vício em jogos. Para inibir o adoecimento de parcela da população, seria necessário vedar a prática de jogos de azar, e, esse combate seria considerado uma política pública. Há ainda o posicionamento contrário atrelado à religião, tendo como um dos representantes a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), que critica a proposta, salientando os prejuízos à família, à moral e à sociedade como um todo.

Para Chris Doughan, da Genius Sports[9], em entrevista à Lincoln Chaves, da Radio Nacional,tornar essas apostas legais seria um modo de evolução, tanto no ramo fiscalizatório, quanto no tributário, vez que 75% dos componentes do mercado de apostas atuam de maneira ilegal. O especialista ainda complementa afirmando que, com a ausência de regulamentação não há contabilização das apostas, nem segurança ao apostador e visibilidade ao esporte. Assim, o Estado deixa de tributar a modalidade, sem garantir os benefícios dela decorrentes (AGÊNCIA BRASIL, 2019).

Em que pese as possíveis regras que serão adotadas para regulamentar as apostas em território nacional, empresários do ramo foram favoráveis à proposta e à possibilidade de tributação sobre as operações. O CEO global da Plataforma KTO[10], Andreas Bardun, prestou informações publicadas pelo portal GZH Geral (2023)[11], no sentido favorável à arrecadação tributária governamental, tendo em vista que essa tributação ocorre em diversos países em que sua empresa atua, de forma licenciada. A regulamentação de apostas esportivas e a tributação do setor certamente alavancam aspectos econômicos e o crescimento nos índices de empregabilidade.

Acredita-se que o regramento da tributação do setor, a exigência de sede das empresas no país, a fiscalização de atividades consideradas suspeitas e a garantia do respeito à integridade das apostas, afastaria empresas que poderiam ser prejudiciais, visto que os dados estariam sob análise constante da Receita Federal do Brasil e do Banco Central. Para tanto, utilizariam a tecnologia e a inteligência artificial para o efetivo monitoramento do comportamento dos usuários, além de mecanismos de conformidade (compliance) como, por exemplo, “conheça o seu cliente” ou “know your client – KYC” e “conheça a sua transação” ou “know your transaction – KYT”. Esses procedimentos servem para observar os dados dos utilizadores e eventual histórico negativo de envolvimento em fraudes, ou, de atividades relacionadas à lavagem de divisas. De acordo com o diretor da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte[12], esses mecanismos de inteligência artificial avaliam fatores como a periodicidade de apostas e os possíveis aumentos súbitos de quantias apostadas, evitando prejuízos decorrentes de fraudes e possibilitando a notificação aos órgãos moderadores (GHZ Geral, 2023).

Desde a promulgação da Lei 13.756/18 e mesmo sem a devida regulamentação, essa prática tornou-se uma realidade no contexto nacional, sendo incontestáveis o seu crescimento e a ascensão constante do número de adeptos.

2.2. A possibilidade de tributação das apostas virtuais em âmbito nacional

Como proposta inicial de regulamentação, o governo federal sugeriu, na gestão Bolsonaro (2019-2022), que as empresas do setor de apostas arcassem com uma taxa, aproximada entre 22 e 30 milhões de reais, para operarem no Brasil, por um período de 5 (cinco) anos. Contudo, a atual gestão federal (2023-2026) considera esse valor superado e propõe 30 milhões para a obtenção da licença, valor que tem sido considerado exagerado por representantes do setor. Este é um fator crucial e que poderá afastar potenciais investidores e, consequentemente, reduzir o recolhimento de tributos. Conforme a concepção de Luiz Felipe Maia, advogado especialista em apostas, em entrevista à Máquina do Esporte (2023): “No final do dia, cobrar uma licença mais cara, vai gerar uma arrecadação mais baixa. Porque a arrecadação do dia a dia vem sobre a operação de quem está devidamente licenciado, legalizado”.

Partindo dessa premissa, necessária uma análise acerca do equilíbrio na tributação que será implementada, com a finalidade de manter o interesse de empresas do ramo e dos apostadores, sem afetar o recolhimento dos tributos. Tendo como alicerce o princípio da proporcionalidade, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento atinente a essa temática mediante a Questão de Ordem da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.551[13], relator o Ministro Celso de Mello, que concluiu que:

[…] A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atividade estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixados em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência, entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro) configurar-se-á, então, quanto a esta modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV da Constituição da República (BRASIL, 2003).

Consoante o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista à Reuters[14], a tributação das apostas se dará por medida provisória. Entretanto, será previamente analisada pela Casa Civil e, após a sua publicação, serão editados portarias e atos infralegais, definindo um regramento efetivo. Em pesquisa pública, realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas[15] (2023), obteve-se como resultado que, dentre o público questionado, 55,2% são a favor da cobrança de tributos de empresas de apostas esportivas online. Outros 27,9% dos entrevistados se disseram desfavoráveis à proposta, enquanto 16,9% não souberam responder ou não opinaram.

Especialistas acreditam que a tributação das empresas do setor de apostas online deveria se aproximar do percentual de 20%, levando em consideração a média do Gaming Gross Revenue (GGR), aplicada em outros países e que tem essa tributação como atrativo de investidores. O especialista Udo Seckelmann, durante o Webinar “Apostas Esportivas no Brasil – Análise Regulatória e Aspectos Tributários”, organizado pela Academia Nacional de Direito Desportivo,  apresentou uma análise conclusiva acerca da tributação de apostas esportivas no país. Ele concluiu que, atualmente, existem operações realizadas em território nacional que se adequam ao negócio de apostas esportivas. Contudo, com a ausência de um amparo jurídico regulamentador, o governo acaba não tributando essas atividades. Por fim, aquele especialista alerta para o fato de que deve ser observada a implementação de um tributo equilibrado e, consequentemente, atrativo para que os operadores se instalem no Brasil (SECKELMANN, 2021).

Com a aprovação da Lei 14.183/21, foi delimitada a aplicação do GGR. No entanto, subsistem aspectos ainda sem fundamentação legal, como a forma em que a tributação incidirá sobre a atividade, a instalação dessas empresas no Brasil e a tributação sobre os apostadores. Desse modo, o Gaming Gross Revenue diz respeito à receita bruta dos jogos e é calculado pelo volume de apostas, descontando o valor pago para a premiação. O Turnover, por sua vez, é o cálculo feito a partir de toda a receita ou pelo volume gasto nas operações de apostas, podendo ser variável o percentual de sua tributação.

            Nos moldes atuais, o Decreto 9.580/18, em seu artigo 732, traz a cobrança da alíquota correspondente a 30% para as hipóteses de lucros decorrentes de prêmios obtidos em loterias, turfe, sorteios, dentre outras modalidades. Esse tributo incide sobre os apostadores, contudo, sua aplicabilidade não está definida no que tange às apostas esportivas on-line. O especialista Luiz Felipe Maia acredita que o percentual de tributos sobre as empresas do setor esportivo se aproximaria de 19%, semelhante às empresas convencionais, sendo dividido em: 0,10% do pagamento de apostas realizadas em locais físicos e 0,05% para apostas virtuais. Os valores referentes à PIS e à COFINS são 9,25% e há, ainda, um percentual variável de acordo com o local em que a empresa é sediada entre 2% e 5% (MÁQUINA DO ESPORTE, 2023).

A atualização das normas tributárias não acompanha o desenvolvimento tecnológico e alguns países deixam de arrecadar valores bilionários com a fiscalização das modalidades de apostas sobre competições esportivas. O Brasil está caminhando para a regulamentação do registro de empresas do setor, de tributos incidentes e de ilícitos potenciais.

Como forma de definir a competência tributária para a aplicação do ISS sobre os jogos online, em caráter de apostas ou não, foi votado o Projeto de Lei Complementar nº 202/2019[16], que determina que o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) seja recolhido no local de domicílio do jogador (SENADO FEDERAL, 2019). Nota-se, portanto, que, apesar do lapso temporal decorrido desde a votação, o projeto supracitado encontra-se em plena tramitação.

Em contraposição ao aspecto da legalidade, há o princípio tributário pecunia non olet (“dinheiro não tem cheiro”). Apesar de ainda não serem tributáveis as atividades do setor de apostas, o contribuinte pessoa física deve arcar com o Imposto de Renda e eventuais outros tributos (IPTU, IPVA etc.), decorrentes da apuração de ganho de capital e bens adquiridos com a quantia arrecadada com apostas bem-sucedidas.  De acordo com Soares (2019, p.20): “[…] para fins de tributação, pouco importa se o ato praticado pelo sujeito passivo é legal ou ilegal, pois o que interessa, em termos de incidência, é o resultado econômico obtido”.

Para as premiações das apostas realizadas em loterias federais há um abatimento prévio, ou seja, uma alíquota de 30%, que é retida na fonte para o Imposto de Renda. No entanto, os valores que chegam ao ganhador são aqueles divulgados, uma vez que já houve desconto. (R7, 2022).

Aguardando apreciação, há também o Projeto de Lei 442/91, que tramita como PL 2234/22, cuja aprovação repercutiria diretamente em todo o setor de apostas. Tal proposição legislativa tinha o objetivo inicial de legalizar o “jogo do bicho”. Todavia, a proposta foi alterada para incluir a possibilidade de exploração de jogos de revés e de apostas em todo o Brasil (SENADO FEDERAL, 1991).

A dificuldade de fiscalização do setor de apostas é exatamente um dos obstáculos para a sua regularização.  Locais físicos e virtuais implementados de forma desregrada podem fomentar o vício, induzindo à incidência de práticas como o tráfico de entorpecentes, a ocultação de bens e o endividamento familiar.

3.  DIREITO COMPARADO E PARÂMETROS RELEVANTES PARA A VIABILIZAÇÃO DO SETOR DE APOSTAS ESPORTIVAS ONLINE NO PAÍS

Aqui exploramos os impactos da legalização das apostas esportivas on-line em diversos países, considerando a sua capacidade de tributação e de fiscalização em relação ao setor. Também analisamos aspectos socioeconômicos, caso sejam aprovadas e tributadas as operações das empresas de bettings no Brasil.

3.1 Análise comparativa: a operação das apostas online em outras Jurisdições

Consoante informações do laboratório estadunidense Tax Foundation (2022), houve autorização e tributação de apostas esportivas online em, aproximadamente, trinta estados daquela Jurisdição. Majoritariamente, lá é adotado o modelo Gaming Gross Revenue para realizar o pagamento aos apostadores. Como exemplo, o Estado de Nova Iorque definiu uma taxa GGR de 51%. Alguns estados estudam retirar a tributação de apostas promocionais, uma vez que o excesso de tributos pode reduzir a atratividade do mercado.

Também nos Estados Unidos, há uma espécie de tarifa (preço/custo privado) que varia de acordo com o tipo de aposta, chamada de vig (vigorish) ou juice, e que corresponde a uma quantia cobrada pelas casas de apostas somente para a participação do jogador, ressarcida em caso de vitória. Ainda poderá ocorrer a incidência de tributos federais, uma vez que, de acordo o Serviço de Receita Federal estadunidense, Internal Revenue Service – IRS, todos os ganhos advindos de apostas devem ser declarados como uma forma de renda extra. Contudo, esse tributo será aplicado a ganhos superiores a 600 dólares e pode sofrer variações conforme a premiação. Em apostas com ganhos superiores a 5 mil dólares, essa tributação pode se aproximar de 28%. Os apostadores ainda são submetidos a um tributo estadual cujo percentual varia de acordo com cada estado (FORBES BETTING, 2022).

O site Time2play[17] (2023) executou um levantamento das apostas realizadas nos Estados Unidos, durante o período da pandemia da COVID-19. Os resultados mostraram que, enquanto houve uma queda de 47% nas apostas realizadas de forma presencial, o setor de apostas esportivas on-line foi beneficiado com um aumento geral exponencial de 68%. Os resultados do estudo influenciaram estados, em que as apostas eram tidas como irregulares, a regulamentarem a prática, devido à receita adquirida durante o ano de 2020. O mesmo site ainda realizou uma pesquisa sobre a preocupação do cidadão dos Estados Unidos com o índice crescente de regularização de apostas. Os resultados mostraram que somente 20% dos entrevistados relataram ter certa preocupação, enquanto 42% não revelaram qualquer receio.

No Reino Unido a remuneração é realizada de maneira diversa, ou seja, o GGR é utilizado para recolher o percentual de 15% da receita bruta das apostas, somente das empresas de apostas on-line, cassinos e casas de apostas. O cidadão não é diretamente tributado, nem mesmo com Imposto de Renda sobre a premiação em si, independente do valor auferido, ou da região em que foi realizada a aposta. Apesar da ausência de tributação sobre o apostador aparentar ser prejudicial à arrecadação governamental, na realidade, esse é um fator atrativo para os jogadores e garante, desde o ano de 2018, em média, 2,9 bilhões de libras esterlinas arrecadadas do setor de apostas. Para garantir a legalidade são utilizados sites licenciados e aferidos pelo governo britânico (TECHROUND, 2023).

Em razão dessa estrutura bem definida, o Reino Unido tem um dos maiores mercados mundiais de apostas online. O seu marco inicial data de 2005, por meio do Gambling Act e complementado pelo Gambling Bill, de 2014. Segundo o site Aposta Legal[18] (2023), o cumprimento dessas regras é garantido pela Gambling Comission[19], que também é responsável por expedir as licenças para os operadores, pessoas físicas ou jurídicas, devendo observar fatores como o combate ao vício, a vedação da prática por crianças e o oferecimento de apostas justas. Também deve emitir relatórios das atividades realizadas para combater a fraude, obedecendo o regramento previsto na License Conditions and Codes of Practices. Seu descumprimento pode acarretar a suspensão da licença e sanções.

A política fiscalizatória é rigorosa, uma vez que são exigidos relatórios contendo o histórico de cada apostador e analisadas as transações financeiras das casas de apostas e dos clientes. Para manter o licenciamento no Reino Unido, paga-se uma taxa anual de 3% sobre o total da receita recebida naquele ano pelos estabelecimentos. Deste modo, ficam seguras juridicamente as empresas do setor, o apostador e o próprio governo, considerando que possuem um ente que regulamenta e fiscaliza o setor de apostas, incluindo aquelas realizadas virtualmente, com publicidade e transparência para coibir trapaças e a inserção dos cidadãos no vício, decorrente de jogos.

Na Espanha, por intermédio da Lei nº 13, de 2011[20], foram regulamentados os jogos online. Em que pese o grande crescimento do setor de apostas e consequente aumento no número de arrecadações naquele país, alguns autores espanhóis demonstram preocupação com a exposição deliberada às apostas, sobretudo da população mais jovem. Com isso, é estudada uma vertente da ludopatia[21], diretamente relacionada aos jogos desportivos virtuais. Isso se dá por fatores que transcendem a amplitude e a propagação da modalidade, mas também incluem a facilidade em alcançar os resultados, quando rapidamente encantam esse público (FERNÁNDEZ; ALGARIN, 2019).

A Austrália é um exemplo de local onde as apostas e os jogos de azar são explorados de forma abrangente. Em 2017, a entidade responsável pela regulamentação do setor fez algumas alterações na Interactive Gambling Act, de 2001. A Australian Communications and Media Authority (2022), modificou o referido ato regulamentador para restringir as apostas de australianos a grupos de jogos ilegais do exterior. Essa alteração, segundo o portal governamental, reduziu significativamente o prejuízo dos jogadores. Ademais, com as modificações de 2017, foram elencadas dez medidas para auxiliar apostadores com vícios ou demandas decorrentes da atividade desportiva, por meio da Estrutura Nacional de Proteção ao Consumidor.

No continente asiático, o tratamento do setor de apostas esportivas é diversificado. Há países, como a Indonésia, onde a prática é proibida e outros, como Singapura, onde a prática não está vedada e tem regulamentação. Existem também casos como o do Japão e o da Coreia do Sul, em que a legalidade abarca somente determinados setores, como as corridas de cavalo. O caso da República Popular da China é delicado, do ponto de vista fiscalizatório, uma vez que, mesmo com legislação que define a prática de apostas como ilegal no país, muitos chineses procuram sites do exterior e os acessam de forma sigilosa. Segundo o portal SIGMA News (2021)[22], O Ministério de Segurança Pública da República Popular da China declarou que a polícia local havia investigado, aproximadamente, 17.000 casos de jogos de azar entre fronteiras. Em cerca de um ano, as autoridades chinesas fecharam 3.400 plataformas de jogos de azar online e 2.800 plataformas de provedores de pagamentos ilegais.

Portanto, com as peculiaridades de cada país, observam-se também os valores morais e sociais de cada local, atrelados ao bem-estar dos cidadãos, que são fatores decisivos para a regulamentação ou proibição da prática de apostas esportivas. Em contraposição, este fenômeno é contemporâneo, por isso carece da devida atenção estatal. A era da informatização traz inúmeras possibilidades, inclusive a de burlar aquilo que é vedado. Com a ausência de fiscalização e a omissão do Estado, cidadãos ficam expostos ao hábito de apostar de forma desembaraçada, podendo contrair distúrbios psicológicos e, da mesma forma, desenvolver condições como a compulsão em relação aos jogos de azar, chamada ludopatia.

3.2 Impasses para a regulamentação das apostas esportivas online em território nacional

Um dos fatores que mais fomenta a discussão acerca da legalização de apostas esportivas on-line é de crimes como a evasão e lavagem de divisas. No limbo legislativo em que se encontra o setor no país, esses crimes são praticamente uma consequência, tendo em vista que as casas ou sites de apostas não podem ter sede no Brasil e atualmente são operados por empresas do exterior. Não são observadas as movimentações financeiras dessa atividade, o que enseja a possibilidade de sua utilização para uma retirada financeira com intuito de ludibriar as cobranças.

Sendo assim, rendimentos provenientes de atividade ilícita podem ser declarados como premiações de jogos de azar (lavagem de divisas). Para coibir esses ilícitos é necessário analisar medidas adotadas no contexto internacional e adequar a legislação existente para que alcance os estabelecimentos comerciais, sedes e filiais, evitando condutas ilícitas e elencando como dever dos operadores comunicar atividades suspeitas e promover avaliações frequentes.

Apesar do Decreto 9.215/46 prever ser irregular o setor de apostas no Brasil, essa proibição é somente sobre a atividade de cassinos, bingos e demais jogos de azar presenciais. Com a utilização da Internet, essa norma foi superada, pois não dispõe acerca das apostas esportivas virtuais ou online, além da atuação dos operadores ocorrerem em outros países. Neste contexto, resta afastada a punibilidade de jogadores/apostadores online, sob o aspecto da Lei de Contravenções Penais e da posterior Lei nº 13.756/18.

É irrefutável a demora do governo federal em suprir lacunas normativas e tributar um mercado que movimenta bilhões de reais anualmente e está em plena ascensão. A mera cobrança do imposto de renda sobre os ganhos dos apostadores denota perda de arrecadação, “valores que poderiam ser utilizados para promover políticas públicas e a criação de novas vagas de emprego” (PRADO et al., 2021).

Outro aspecto a ser analisado é a confiabilidade dos mercados de apostas esportivas. O relatório do Sportradar[23] (2022) revelou que o Brasil é o país em que houve o maior índice de possível manipulação de resultados. Para isso, foram analisados erros de resultados e indícios fortes obtidos a partir de algoritmos e de um banco de dados, constantemente atualizado. Nos dias atuais, as apostas esportivas transcenderam a máxima de que para obter a premiação seria necessário apenas identificar o ganhador e o resultado da partida. No futebol, por exemplo, são considerados acertos sobre detalhes como o número de escanteios e a quantidade de cartões aplicados durante a partida.

Algumas operações foram deflagradas para investigar suspeitas de manipulação de resultados em partidas de futebol dos campeonatos cearense e amazonense. Destaque para uma operação deflagrada pelo Ministério Público do Estado de Goiás, chamada de “Operação Penalidade Máxima”. Nela é investigado um esquema na série B do Campeonato Brasileiro, em que os jogadores deveriam cometer pênaltis, ainda na primeira etapa do jogo, favorecendo determinados apostadores virtuais e empresários (GE, 2023). O caso teve tanta repercussão que ocasionou a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas na Câmara dos Deputados, em Brasília[24].

Essas fraudes evidenciam mais transtornos decorrentes da falta de fiscalização e promovem questionamentos sobre a credibilidade dos esportes, em um mercado com ausência de regulamentação. Aliás, o Código de Ética da FIFA de 2023 veda a participação de jogadores, técnicos, agentes, árbitros e demais profissionais ligados ao futebol em apostas, exatamente para coibir a manipulação. A indústria de apostas esportivas está em crescimento mundial, em que pese a ausência de um marco regulatório brasileiro. O Comitê Olímpico Internacional, desde o ano de 2022, já demonstra preocupação com a adulteração nos resultados de jogos para trazer lucro a uma parcela determinada de apostadores, empresários e, até mesmo, atletas (IGAMING BRAZIL, 2023).

A fiscalização e repressão a golpes e fraudes, tanto no âmbito esportivo, quanto nas apostas físicas e virtuais são atividades complexas, devido à dificuldade de contabilizar o número de empresas às quais o apostador submete seus jogos e fornece seus dados, bem como para monitorar dados sobre atitudes suspeitas dos próprios jogadores. Preocupações relativas a organizações criminosas e esquemas de pirâmide financeira, encobertos pela atividade de apostas, são fatores preocupantes e com grande potencial negativo sobre o setor.

O apostador, por sua vez, é um dos maiores alvos das condutas criminosas. É ele o autor de investimento financeiro, sem estar devidamente resguardado e protegido pelas normas jurídicas vigentes. As próprias operadoras, no mais das vezes, criam seus próprios mecanismos internos (KYC/KYT)[25] para verificar atividades ilícitas e o comportamento do consumidor. Com a normatização das apostas, os adeptos da modalidade gozarão da possibilidade de escolher entre diversas empresas, devidamente licenciadas, sob supervisão do Estado, podendo minimizar golpes e propiciar o recebimento garantido da premiação.

Existem maneiras saudáveis de utilizar as apostas como forma de entretenimento, como por intermédio do “Jogo Responsável”[26], que é um conjunto de propostas com o objetivo alertar sobre possíveis danos decorrentes de apostas e restringir a faixa etária dos apostadores. As loterias da Caixa Econômica Federal são exemplo, pois ocupam local de destaque no estímulo em relação a esse programa de boas práticas e conscientização, em nível mundial.

Ferramentas como o background check (“verificação de antecedentes”) digital, que corresponde a uma maneira de obter informações acerca de pessoas jurídicas e físicas, além de prováveis envolvimentos em fraudes, processos e problemas financeiros, apenas com o uso da razão social e do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, ou, do nome e Cadastro de Pessoas Físicas. Há também, a utilização do know your costumer – KYC (“conheça seu cliente”), que confere uma validação da documentação cadastrada e o reconhecimento facial pelos usuários, assim que seu cadastro é criado, para evitar fraudes com a vinculação deliberada de documentos de qualquer pessoa. Com o auxílio tecnológico e de inteligência artificial, as empresas são capazes de monitorar a atividade dos apostadores e a origem dos valores aplicados, garantindo mais segurança aos operadores (IDWALL, 2022).

A publicidade dos sites de apostas virtuais tem sido criticada e demonstrou a necessidade de regulamentação própria para proteger a população da tendência ao vício e de consequentes problemas financeiros. Contudo, as empresas do setor têm investido em massivas campanhas publicitárias nas mídias sociais, em diversos meios de comunicação e no patrocínio aos clubes de futebol. Os problemas sociais derivados se estendem, por exemplo, quando crianças e adolescentes passam a fazer parte da população que é ludibriada por promessas de lucro fácil, rápido e descomplicado. Tanto mais quando os “garotos-propaganda” são ídolos do futebol internacional.

No Reino Unido, por exemplo, devem ser seguidas regras rigorosas para evitar a inserção dos apostadores no vício e estimular a jogabilidade equilibrada. Assim, as campanhas publicitárias no setor têm restrições, sendo vedadas durante a programação infantil e no transporte público. Segundo o site Igaming Brazil[27] (2022), o Comitê para Prática de Publicidade do Reino Unido está restringindo o uso de imagens de jogadores de futebol para o marketing, pois entende como potente apelo para estimular a participação do público jovem nas apostas.

Uma legislação bem definida e apropriada sobre as apostas esportivas online, atrelada à Lei Geral de Proteção de Dados (2018), trariam confiança e proteção ao apostador. Os dados dos clientes em potencial seriam tratados e compartilhados somente com a sua expressa permissão, incluindo a finalidade à qual seriam utilizados. Em caso de eventuais vazamentos, irregularidades ou descumprimento dos requisitos legais, as empresas poderiam sofrer penalidades de até R$ 50 milhões por infração e um percentual de 2% do total faturado pela empresa. Com base em legislação, experiências e diretrizes de outros países é possível construir um alicerce sólido para a exploração das apostas esportivas virtuais no Brasil, aproximando-se de um sistema ético, conforme e transparente.

Recentemente, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, o assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, José Francisco Manssur, informou[28] sobre as diretrizes tributárias elencadas na chamada “Medida Provisória das Apostas Esportivas”[29], restringindo essa pauta às loterias de prognósticos de resultados de esportes, afastando assim a regulamentação de jogos azar, como o bingo e o cassino. Dos operadores será exigida sede da empresa no país, o pagamento de uma licença de R$ 30 milhões e a tributação seguirá um modelo próximo ao implementado no Reino Unido, de 15% no GGR, ou seja, esse percentual será descontado do lucro obtido pela empresa, sob pena de atuarem na ilegalidade. Os percentuais de Imposto de Renda, PIS e COFINS manteriam os moldes atuais para pessoas jurídicas, com a contribuição de alíquota próxima de 10% para a Seguridade Social. Em relação ao apostador, serão observados os critérios já definidos na Lei 13.756/18, de 30% sobre o Imposto de Renda, respeitando a faixa de isenção preexistente. Parte dos congressistas considera inconstitucional a utilização de medida provisória para esses fins tributários, considerando o disposto no artigo 146 da Constituição Federal, que exigiria lei complementar para tanto: “[c]abe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;(…)”. O texto está sendo apreciado pelo Congresso Nacional (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2023).

Não obstante, o Ministério da Fazenda, informou, pela plataforma digital do Governo, sobre a finalização da proposta de regulamentação dos bettings, por medida provisória a ser encaminhada ao Congresso Nacional. Todavia, houve alteração do percentual a ser utilizado, que será de 16% sobre o GGR, tendo uma destinação às áreas essenciais, como segurança, educação e ações sociais. A regulação da comunicação, publicidade e propaganda ficaria a cargo do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR) e seria criada uma secretaria no próprio Ministério da Fazenda para exercer o controle de apostas e das empresas a serem credenciadas (GOV.BR, 2023).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou trazer luzes à regulamentação e tributação das apostas esportivas virtuais no país. O fenômeno das apostas online é contemporâneo e complexo, envolvendo desde a legalidade dos jogos de azar, incluindo as chamadas bettings, até as possíveis intercorrências na implantação e atuação segura e lícita do setor no Brasil, além do devido equilíbrio para coibir exigências exacerbadas do poder público e tributação excessiva, que acabam por afastar operador e apostador.

O objetivo foi analisar a viabilidade da operação do setor de apostas em território nacional, considerando o contexto socioeconômico e governamental. Buscou-se um método capaz de fornecer proteção aos principais envolvidos, explorando o tratamento do tema por outros países. Concluímos ser possível realizar fiscalização e tributação adequadas, já que o Estado brasileiro não tem tributado os lucros decorrentes de apostas esportivas online, gerando insegurança jurídica e financeira, além de deixar de coibir ilícitos fiscais e contribuir para o crescimento da desigualdade socioeconômica.

Foram analisadas diferentes legislações, proposições legislativas, entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que abordam as apostas de quota fixa, a verificação de métodos utilizados como atrativos e normas, em diversos países, que podem influenciar essas operações no Brasil e identificar dificuldades a serem enfrentadas em caso de efetiva regulamentação do setor. Verificou-se, portanto, que a ausência de regulamentação gera insatisfação e desafios, pois os jogadores são expostos à prática deliberada, à insegurança e a empresas desconhecidas, que têm a possibilidade de atuar, inclusive, de maneira irregular e fraudulenta.

O estabelecimento de diretrizes transparentes, protetivas e íntegras definirá o mercado de apostas virtuais, por intermédio de licenças, fiscalização, combate à fraude e a outros ilícitos relacionados. Ao garantir que essa prática pertença a um ambiente saudável, em que a sua tributação seja sinônimo de benefícios para o país, a arrecadação tributária decorrente dessa indústria em ascensão ensejaria um exponencial auxílio para as finanças públicas, atraindo investimentos fundamentais para o desenvolvimento do Brasil.

            É crucial que as normas sejam elaboradas de forma criteriosa e equilibrada, considerando as experiências internacionais, bem como o atendimento ao interesse das partes envolvidas. Para isso, um elo entre poder público, especialistas e sociedade é imprescindível para a criação de marco regulatório justo e adequado, que proteja o consumidor e incentive o crescimento do setor de apostas. Além disso, a devida observância de questões relativas à saúde mental do apostador, que está suscetível a desenvolver a ludopatia, é imprescindível. Também os operadores do mercado e o próprio Estado necessitam estar atentos para evitar crimes como a manipulação e fraude dos resultados, que, inclusive, ensejou a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas, no âmbito da Câmara dos Deputados. A prevenção e o combate aos crimes do setor são cruciais para a consolidação e confiabilidade dessa modalidade em território nacional.

            Em suma, com a globalização tecnológica, alavancada pela pandemia de COVID-19, houve um aumento da procura da sociedade por entretenimento e consumo online. A regulamentação e a tributação das apostas esportivas online é o meio apropriado para dissociar as práticas ilegais deste mercado daquelas lícitas e construtivas. Por intermédio da implementação de legislação bem estruturada, seria possível garantir proveitos, ao Estado e à sociedade, decorrentes dessa atividade. A indicação ou criação de uma autoridade para o monitoramento dos sites, controle de apostas e de publicidade é essencial para um determinante cumprimento da legislação. Tal autoridade seria certamente auxiliada pelas inovações da tecnologia e pela inteligência artificial no cumprimento de suas tarefas. Enfim, a devida garantia de arrecadação pelo Estado, um ambiente seguro ao apostador, a transparência e o incentivo às empresas do ramo são critérios a serem considerados pelas autoridades para a consolidação desse setor e para o desenvolvimento socioeconômico do país.

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SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 442, 21 de março de 1991. Dispõe sobre a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional; altera a Lei nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984; e revoga o Decreto-Lei nº 9.215, de 30 de abril de 1946, e dispositivos do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais), e da Lei nº 10.406, de 19 de janeiro de 2002 (Código Civil). Diário do Congresso Nacional, Brasília, 21 mar. 1991. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD01MAI1991.pdf#page=43. Acesso em: 22 mar. 2023;

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 845, de 2023. Dispõe sobre a regulamentação da modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa, estabelecida pela Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018. Diário do Senado Federal, Brasília, 03 mar. 2023. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/112097?sequencia=10. Acesso em: 15 mar. 2023;

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TIME2PLAY. Gambling statistics 2022: The definitive guide.21 fev. 2023. Disponível em: https://time2play.com/gambling-statistics/ Acesso 05 mai. 2023.


[3] Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-monopolio-de-loterias-no-brasil/936747172#:~:text=A%20Caixa%20Econ%C3%B4mica%20Federal%20tem%20o%20monop%C3%B3lio%20das%20loterias%20desde%201961. Acesso em: 04/07/2023.

[4] “§ 2o Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador”. 

[5] A tributação por turnover cobra taxas sobre todo o dinheiro transacionado pelos apostadores em uma casa de apostas. Ou seja, sobre as apostas realizadas. Esse modelo desconsidera boa parte dos valores que não ficam com a casa, por exemplo: o pagamento de prêmios e bônus, despesas com promoções etc.

[6] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4970952&numeroProcesso=966177&classeProcesso=RE&numeroTema=924. Acesso em: 04/07/2023.

[7] Disponível em: https://www.caixa.gov.br/jogo-responsavel/Paginas/default.aspx. Acesso em: 04/07/2023.

[8] Disponível em: https://bnldata.com.br/. Acesso em: 04/07/2023.

[9] Disponível em: https://www.geniussports.com/. Acesso em: 21/06/2023.

[10] Disponível em: https://www.kto.com/pt/. Acesso em: 21/06/2023.

[11] Disponível em: https://www.osul.com.br/pessoas/ceo-kto-andreas-bardun-visita-pampa/. Acesso em: 21/06/2023.

[12] Disponível em: https://abradie.com/pt/. Acesso em: 21/06/2021.

[13] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1978816. Acesso em: 04/0-7/2023.

[14] Disponível em: https://www.reuters.com/article/brazil-economy-sportsbetting-idINL1N3592NE. Acesso em: 04/07/2023.

[15] Disponível em: https://www.paranapesquisas.com.br/pesquisas/parana-pesquisa-divulga-pesquisa-realizada-em-territorio-nacional-com-o-objetivo-de-avaliar-o-mercado-de-apostas-esportivas-online-marco-2023/. Acesso em: 04/07/2023.

[16] Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/matéria/-/matéria/138471. Acesso em: 26/06/2023.

[17] Disponível em: https://time2play.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[18] Disponível em: https://apostalegal.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[19] Disponível em: https://www.gamblingcommission.gov.uk/. Acesso em: 04/07/2023.

[20] Disponível em: https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2011-9280. Acesso em: 04/07/2023.

[21] Condição médica caracterizada pela compulsão de uma pessoa por jogos de azar, o que pode levar a graves consequências para o indivíduo: financeiras, sociais, físicas e emocionais. O vício em jogos de azar é classificado pelos CID-10-Z72.

[22] Disponível em: https://sigma.world/news/. Acesso em: 26/06/2023.

[23] Disponível em: https://sportradar.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[24] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2351335. Acesso em: 26/06/2023.

[25] KYC – Know your customer. KYT – Know your transaction.

[26] Disponível em: https://www.caixa.gov.br/jogo-responsavel/Paginas/default.aspx. Acesso em: 26/06/2023.

[27] Disponível em: https://igamingbrazil.com/. Acesso em: 28/06/2023.

[28] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/952244-governo-devera-editar-medida-provisoria-para-regulamentar-apostas-esportivas. Acesso em: 26/06/2023.

[29] Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/governo-regulamenta-apostas-esportivas-de-quota-fixa-no-brasil-1. Acesso em: 26/06/2023.


Maria Eduarda Silva Menezes. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Planalto Central – Uniceplac. E-mail: eduardamaria750@gmail.com.

Fernando de Magalhães Furlan. Professor doutor do curso de Direito do Centro Universitário do Planalto Central – Uniceplac. E-mail: fernando.furlan@uniceplac.edu.br


Competição e Cooperação no Futebol Brasileiro

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


Competição e Cooperação no Futebol Brasileiro

Marcio de Oliveira Junior[i]

Sumário

1.     Introdução. 1

2.    Impactos da negociação coletiva na receita com direitos de transmissão das partidas. 3

3.    A visão dos principais clubes sobre negociação coletiva. 4

4.    Mercado de atenção. 6

5.    Concorrência entre ligas. 8

6.    Conclusão. 10

1.       Introdução

Segundo a SportsValue (2022)[ii], a receita dos vinte maiores clubes de futebol brasileiros em 2021 foi de US$ 1,25 bilhão (R$ 6,75 bilhões usando a taxa de câmbio média de 2021 para conversão). A receita obtida com direitos de transmissão das partidas foi de US$ 644 milhões (R$ 3,48 bilhões), ou seja, esses direitos correspondem a cerca de 51% das receitas dos vinte maiores clubes brasileiros. Recentemente, houve duas mudanças legislativas importantes que podem impactar a forma de venda dos direitos de transmissão das partidas, a principal fonte de receita dos maiores clubes brasileiros.

Uma das mudanças foi a Lei nº 14.205, de 2021, que alterou a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé). Segundo a regra do art. 42 da Lei Pelé, o direito de transmissão de uma partida de futebol (direito de arena) pertencia conjuntamente aos clubes que a disputavam. Portanto, esses clubes tinham que chegar a um acordo sobre para qual comprador (por exemplo, uma emissora de televisão) deveria ser vendido o direito de transmissão de cada um dos jogos. Se esses clubes negociassem seus direitos de transmissão com emissoras diferentes, elas teriam que concordar com a transmissão da partida nas grades de programação uma da outra. Caso contrário, a partida não era transmitida e ocorria o “apagão”.

A Lei nº 14.205, de 2021, alterou a disciplina do direito de arena por meio da inclusão do art. 42-A na Lei Pelé. Segundo esse dispositivo, “pertence à entidade de prática desportiva de futebol mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo”, ou seja, o direito de comercializar os direitos de transmissão de cada partida pertence ao clube mandante. Uma das consequências dessa nova regra seria evitar as situações de “apagão”. Além disso, os clubes mandantes terão mais liberdade para comercializar os direitos de transmissão com diferentes plataformas, como serviços de “streaming”. De acordo com os que defendem a alteração da Lei Pelé, além de ter o potencial de aumentar as receitas dos clubes, a mudança introduzida pelo art. 42-A beneficia os consumidores, que terão mais opções para assistir às partidas. Entretanto, há quem aponte que, por si só, essa nova regra para a comercialização dos direitos de transmissão não trará esses benefícios e que ela teria que ser combinada com outras mudanças, como a venda coletiva dos direitos de transmissão das partidas.

A segunda mudança relevante foi a Lei nº 14.193, de 2021, que, entre outros pontos, instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (“SAF”). Segundo a Lei, os clubes de futebol brasileiros que disputam campeonatos profissionais, que, de acordo com a Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil), são organizados sob a forma de associação civil, poderão se organizar como SAF (conhecida como “clube empresa”). No caso de direitos de transmissão de partidas de futebol, caberá às SAFs comercializá-los, pois, segundo o art. 42-A da Lei Pelé, o direito de arena pertence à entidade de prática desportiva mandante. O § 4º do art. 1º da Lei nº 14.193, de 2021, estabelece que, para os efeitos da Lei Pelé, “a Sociedade Anônima do Futebol é uma entidade de prática desportiva”. Portanto, os direitos de transmissão pertencerão às SAFs que sucederem os clubes e lhes caberá comercializá-los.

Paralelamente a essas duas mudanças legais, voltou a ser discutida a criação de uma liga de futebol nacional que seria liderada pelos clubes e SAFs, e não pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Há duas ligas em discussão. Uma delas é a Liga do Futebol Brasileiro (“Libra”), que, segundo Pooler (2023)[iii], tem o apoio de dezesseis clubes que disputam as séries A e B do Campeonato Brasileiro e é assessorada pelo BTG Pactual, que tenta atrair uma injeção de R$ 4,75 bilhões no empreendimento pelo Fundo Mubadala. A outra é a Liga Forte Futebol, que tem o apoio de 26 clubes e, de acordo com o mesmo autor, é assessorada pela XP e pela Alvarez & Marsal, que buscam a injeção de recursos por um grupo de investidores dos EUA[iv].

As duas alterações legais e a criação de uma liga podem ter um impacto positivo para promover o campeonato brasileiro, levando-o a competir com os campeonatos promovidos por ligas europeias, como a alemã, a espanhola, a francesa, a inglesa e a italiana. Para isso, os clubes e as SAFs brasileiros têm que aumentar suas receitas, inclusive com a venda dos direitos de transmissão de suas partidas. Um dos meios para fazer isso é com a venda coletiva desses direitos por meio de uma liga.

Para mostrar como a negociação coletiva desses direitos pode aumentar a receita dos clubes e SAFs, impactando a qualidade e a competitividade do campeonato brasileiro de futebol, este artigo foi organizado em cinco seções além desta introdução. Na seção 2, explica-se por que a venda coletiva dos direitos de transmissão tem o potencial de aumentar as receitas dos maiores clubes brasileiros. Na terceira seção, são expostas as opiniões de alguns desses clubes sobre a negociação coletiva dos direitos de transmissão das partidas. A seção 4 apresenta uma discussão sobre o funcionamento dos mercados de atenção, o quadro analítico adequado para a discussão sobre a concorrência entre os diferentes campeonatos de futebol (objeto da quinta seção). A seção 6 contém as conclusões.

2.      Impactos da negociação coletiva na receita com direitos de transmissão das partidas.

A criação de uma liga liderada pelos maiores clubes e SAFs é importante para que eles negociem os direitos de transmissão da forma mais lucrativa possível. A liga poderia desenhar mecanismos para vender os direitos de transmissão das partidas de forma coletiva, por meio de leilões, aumentando seu valor em comparação com o que seria obtido em negociações individuais, o modelo usado pelos clubes brasileiros atualmente[v]. Seria um modelo de negociação coletiva parecido com os das principais ligas europeias[vi].

A venda coletiva pela liga tem o potencial de aumentar as receitas por diversas razões. Entre elas, porque o mercado para a aquisição de direitos de transmissão de partidas de futebol mudou. Os canais de televisão aberta e fechada não são mais os únicos compradores. Há empresas capazes de transmitir as partidas via “streaming”, como Facebook, Amazon e DAZN. Essas empresas têm bases de clientes grandes e entraram na disputa pela aquisição de direitos de transmissão de eventos esportivos, o que tende a pressionar os preços desses direitos para cima, pois a maior base de clientes aumenta as receitas potenciais com publicidade e a avaliação (“valuation”) dos direitos de transmissão, possibilitando que esses compradores potenciais se disponham a pagar mais por eles.

Em função dessas mudanças, a liga brasileira, titular dos direitos de transmissão, poderia especificar as “regras do jogo” para os leilões de venda dos direitos, fomentando a competição pela sua aquisição e, dessa forma, maximizando as receitas. Por exemplo, a liga poderia organizar diferentes leilões para licenciar seus direitos de transmissão para todas as plataformas (TV aberta, TV paga e “streaming”). Outra opção é licenciar o conteúdo para cada plataforma separadamente. Ela também poderia licenciar os direitos de transmissão em pacotes de jogos (por exemplo, partidas de quarta-feira, partidas de domingo, semifinais ou finais, partidas passadas).

O aumento do valor arrecadado com os direitos de transmissão teria um impacto positivo sobre as receitas dos membros da liga, possibilitando que eles tenham condições de arcar com o custo mais alto de um elenco mais qualificado, o que, por sua vez, aumentaria o valor dos direitos de transmissão. Isso ocorreria porque o mercado de trabalho dos jogadores, principalmente dos mais talentosos, é internacional. Desse modo, se os salários nos clubes e SAFs brasileiros forem mais baixos que os pagos em outros países, os jogadores mais talentosos deixarão o Brasil, sendo que a experiência mostra que, quanto mais talentoso for o jogador, mais cedo ele deixa o Brasil e mais tarde ele volta para o País. Por isso, o campeonato nacional não conta com os principais jogadores brasileiros durante as melhores fases de suas carreiras. Seria difícil pensar em salários no Brasil competitivos, por exemplo, com os da Premier League inglesa, mas, se os salários subirem no Brasil, os principais jogadores poderiam sair do País mais tarde ou voltar mais cedo, com efeito positivo sobre a qualidade do campeonato nacional, beneficiando os consumidores (torcedores) brasileiros. Além disso, a melhora da qualidade do campeonato nacional permitirá que a liga brasileira concorra com as europeias na venda de direitos de transmissão.

Apesar desses benefícios potenciais, a negociação coletiva por intermédio de uma liga não é consenso entre os principais clubes brasileiros, como será visto na seção seguinte.

3.      A visão dos principais clubes sobre negociação coletiva.

Os benefícios da comercialização coletiva dos direitos de transmissão por uma liga não são consenso entre os clubes brasileiros. Essa afirmação decorre da análise das respostas de clubes[vii] a ofícios que lhes foram enviados pela Superintendência Geral do CADE (“SG”) no âmbito do Inquérito Administrativo 08700.004453/2019-48[viii]. A SG fez a seguinte pergunta aos clubes: “informar qual modelo de negociação – direta ou coletiva, individual ou consensual – mostra-se mais rentável para o clube e se o clube acredita que existam modelos mais vantajosos, inclusive adotados internacionalmente, para a negociação do direito de transmissão dos jogos”. As respostas podem ser divididas em três grupos: clubes que preferem a negociação coletiva, os que preferem a negociação individual e os que são indiferentes.

O Internacional respondeu que acredita no fortalecimento do modelo de negociação coletiva. O Atlético Mineiro afirmou que prefere a negociação coletiva e que “a negociação individual desvaloriza o valor do produto (competição)”. O Palmeiras também é favorável à negociação coletiva. Segundo sua resposta ao ofício, “o direito de mandante é a norma vigente nas grandes ligas do mundo e, conjugada com modelos de negociação coletiva, representa a melhor prática para negociação de direitos nas ligas mais desenvolvidas do mundo”.

O Flamengo expressou preferência pelo modelo de negociação individual: “parece ser mais rentável aos Clubes o modelo de negociação direta, ou seja, aquele em que o Clube possui liberdade e autonomia para negociar diretamente os seus direitos com empresas interessadas em transmitir os seus jogos, e de forma individual, no qual o mandante da partida negocia por si os seus direitos”.

O São Paulo respondeu que “há dificuldade de informar qual dos modelos é mais rentável, pois temos pouco histórico com cada um dos modelos sugeridos que permita essa comparação”, o que indica que não há uma preferência clara por um dos modelos de negociação. Na mesma linha, o Grêmio afirmou que “entende que não há necessariamente um modelo de negociação mais vantajoso para transacionar o direito de transmissão dos jogos” e que “as diferentes formas de negociação a que o Clube participou até hoje se apresentaram adequadas ao Clube”. O Botafogo também não expressou uma preferência clara, mas respondeu que “é fundamental que os interesses dos Clubes sejam representados em bloco único”.

Embora o Corinthians não tenha manifestado uma clara preferência entre os modelos de negociação individual e coletiva, ele respondeu que “os modelos de negociação coletiva tendem a valorizar o produto como um todo, possibilitando uma melhor negociação comercial e uma distribuição mais equilibrada das receitas do próprio produto”. O Corinthians afirmou ainda que “os modelos de negociação individual tendem a privilegiar os clubes com maior apelo popular e, consequentemente, de maior audiência”.

A resposta do Corinthians é interessante e ajuda a compreender a resposta do Flamengo, pois mostra que, para os clubes de maior torcida, as duas formas de negociação não são muito diferentes no curto prazo. A razão é que, como seus jogos têm grande audiência, eles têm poder de barganha para conseguir bons preços pelos direitos de transmissão em negociações individuais. Porém, isso aumenta a assimetria entre os clubes no longo prazo e torna o campeonato menos competitivo, o que prejudica o próprio campeonato.

Por outro lado, uma liga negociando os direitos de transmissão coletivamente sem os clubes de maior torcida não faz sentido. Portanto, para convencê-los a aderir a uma liga que irá negociar os direitos de transmissão coletivamente, algum mecanismo de compensação aos times de maior torcida seria necessário, muito embora haja o risco de, com isso, manter a assimetria entre os clubes e tornar o campeonato menos competitivo, o que desvalorizaria o valor dos direitos de transmissão.

O temor de que a assimetria possa levar à perda de valor do campeonato parece ter ocorrido na Espanha. Segundo a Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE[ix], até 2015 os direitos de transmissão eram negociados de forma individual, o que beneficiava Barcelona e Real Madrid. De fato, segundo o Statista[x], em 91 anos de Campeonato Espanhol, os dois maiores clubes ganharam 61 vezes. Segundo a Nota Técnica, “desde 2015, o modelo de negociação na Espanha foi alterado para tentar corrigir a situação de desequilíbrio”. Ainda de acordo com a Nota do CADE, “atualmente, a liga de clubes espanhola (LaLiga) centraliza a negociação e redistribui os valores arrecadados com base em critérios equitativos pré-fixados”. Essa alteração ainda não surtiu efeito, pois, desde 2016, o Barcelona ganhou quatro campeonatos, o Real Madrid dois e o Atlético de Madrid um. A expectativa é que uma divisão equitativa dos recursos possibilite aos times com menor torcida ter mais recursos para arcar com os custos de melhores elencos, tornando o campeonato mais competitivo e aumentando o valor dos direitos de transmissão.

Campeonatos equilibrados e disputados são importantes para atrair a atenção dos telespectadores, o que impacta a receita com publicidade das empresas que transmitem as partidas e, consequentemente, o preço dos direitos de transmissão. Para entender melhor essas relações, é útil compreender como funcionam os mercados de atenção, objeto da próxima seção.

Antes de passar à próxima seção, e embora a discussão sobre as receitas com publicidade dos clubes e SAFs brasileiros não sejam o foco deste trabalho, deve-se destacar que há potencial para aumentá-las. De acordo com a SportsValue (2022, op. cit.), os clubes brasileiros exploram pouco as receitas de patrocínio e de licenciamento de marca, que a publicação chama de receitas comerciais. Segundo esse estudo, o Brasil é o quinto maior mercado de publicidade do mundo, mas, somadas, as receitas comerciais dos nossos vinte maiores clubes estão em 14º lugar quando comparadas às de outras ligas. As receitas comerciais dos 20 maiores clubes brasileiros (US$ 170 milhões em 2021) ficam abaixo das de ligas como a de Portugal (US$ 172 milhões), Áustria (US$ 176 milhões), México (US$ 250 milhões) e Turquia (US$ 294 milhões). Quando comparadas ao total do mercado de publicidade brasileiro (US$ 12,5 bilhões), as receitas comerciais dos 20 maiores clubes do País representam apenas 1,4%, reforçando a conclusão de que há potencial para aumentá-las.

4.      Mercado de atenção

É preciso analisar por que campeonatos mais competitivos e com jogadores talentosos levam ao aumento do valor dos direitos de transmissão das partidas. Para isso, deve-se compreender como funcionam os mercados de atenção. Segundo Newman (2020)[xi], na cadeia de produção desses mercados, os consumidores finais, pessoas físicas, são os fornecedores do insumo, ou seja, os produtores de atenção. Os anunciantes, empresas que querem vender algum bem ou serviço, são os consumidores finais de atenção, pois são eles que pagam pela atenção dos consumidores. Os intermediários, por sua vez, são o equivalente aos distribuidores em uma cadeia de produção “tradicional” – eles são as empresas que compram os direitos de transmissão. São eles que captam a atenção dos consumidores (pessoas físicas) e a vendem aos anunciantes. A cadeia de produção em mercados de atenção tem o seguinte formato:

Figura 1 – Cadeia de Produção em Mercados de Atenção.

  Consumidores (Telespectadores)  
  Atenção   Jogos
  Compradores de direitos de transmissão de partidas de futebol (Emissoras de TV aberta e fechada e empresas de “streaming”, por exemplo)  
  Atenção   Pagamento ($)
  Anunciantes  

Fonte: elaboração própria a partir de Newman (2020).

Os compradores dos direitos de transmissão de partidas de futebol – emissoras de televisão, por exemplo – os usam para atrair a atenção de seus telespectadores. Quanto maior for a atenção atraída, maior será a demanda dos anunciantes por espaços de publicidade e maior será o preço de venda desses espaços. Isso aumenta a expectativa de receita dos compradores dos direitos [Pagamento ($), na figura acima]. Por isso, eles se dispõem a pagar preços maiores pelos direitos de transmissão. Por último, e este é o cerne da questão, campeonatos mais competitivos e que contam com jogadores talentosos atraem mais atenção dos telespectadores e por isso seus direitos de transmissão são mais caros.

Isso explica por que, segundo a Deloitte (2022)[xii], a Premier League inglesa obteve uma receita com direitos de transmissão de cerca de US$ 4,06 bilhões (€ 3,8 bilhões) na temporada 2020/21. De acordo com a SportsValue (2022), os direitos de transmissão de suas partidas são vendidos para 188 países. Portanto, a atração de atenção é imensa, o que se reflete em um patamar de receitas bem superior aos de outras ligas europeias.

No caso da Espanha, o segundo país que mais arrecada, as receitas com direitos de transmissão foram de US$ 2,14 bilhões (€ 2 bilhões), praticamente metade do valor obtido pela Premier League (Deloitte 2022). Esse valor se deve, segundo a SportsValue (2022), à atenção atraída pelas partidas da dupla Barcelona e Real Madrid. Nesse sentido, há potencial para aumentar a receita se o torneio espanhol se tornar mais competitivo. Portanto, a mudança nas regras de distribuição dos recursos da LaLiga para torná-la mais equitativa pode estar ligada ao objetivo de explorar esse potencial e aumentar as receitas com a venda dos direitos de transmissão das partidas.

Em terceiro e quarto lugares, ainda segundo a Deloitte (2022), vêm Itália e Alemanha, com receitas de, respectivamente, US$ 1,89 bilhão (€ 1,77 bilhão) e US$ 1,77 bilhão (€ 1,66 bilhão). Já a Ligue 1 francesa teve uma receita com direitos de transmissão de US$ 893 milhões (€ 836 milhões). A baixa receita relativa da Ligue 1 com a venda dos direitos de transmissão parece estar ligada ao fato de que, de acordo com o SportsValue (2022), o Paris Saint Germain é a equipe que atrai mais atenção, ou seja, de o campeonato francês ser assimétrico.

As receitas com a venda dos direitos de transmissão das partidas de uma liga de futebol são, portanto, função da atenção que essas partidas conseguem atrair. O desafio de uma liga brasileira para vender os direitos de transmissão de forma mais eficiente é fazer com que suas partidas atraiam mais atenção de telespectadores brasileiros e estrangeiros. Por isso, a criação de duas ligas nacionais, como Pooler (2023), não é uma boa opção, pois elas concorreriam entre si pela atenção dos telespectadores, canibalizando-se. Além disso, assumindo que nenhuma das duas terá os vinte maiores clubes e SAFs brasileiros, a capacidade de atração da atenção de telespectadores de outros países também diminuiria, comprometendo a capacidade de concorrer com ligas de futebol de outros países, objeto da próxima seção.

5.      Concorrência entre ligas

Note que as partidas da eventual liga de futebol brasileira concorrerão por parte da atenção de telespectadores (brasileiros e estrangeiros) que hoje a dirigem para outras ligas, como as europeias. Portanto, para que os compradores (emissoras de TV, operadoras de TV por assinatura e empresas de “streaming”) se disponham a pagar preços maiores pelos direitos de transmissão dos jogos da nossa liga, a qualidade das nossas partidas deve ser comparável com as europeias. Para isso, deve haver algum investimento inicial para que possamos contratar bons jogadores (reter os nossos jogadores mais talentosos no Brasil por mais tempo ou fazer com que eles voltem a jogar no País durante os anos de auge de suas carreiras). Esse investimento inicial é importante também para oferecer melhor capacitação aos treinadores brasileiros e para contratar treinadores estrangeiros.

A captura de parte da atenção que hoje é dirigida para outros campeonatos aumentará a disposição dos compradores a pagar mais pelos direitos de transmissão das partidas do campeonato brasileiro, pois, como explicado na seção anterior, eles conseguirão vender os espaços de publicidade por preços mais altos. Portanto, parte da receita que as ligas europeias aferem, seja no Brasil ou no exterior, podem ser capturadas pela liga brasileira, que comercializaria os direitos de transmissão de forma coletiva.

Esse esforço para melhorar nosso torneio de futebol também é importante porque estudos publicados pela SportsValue [SportsValue (2021)[xiii] SportsValue (2018)[xiv]] permitem concluir que não nos basta atrair parte da atenção destinada às partidas das ligas europeias. É preciso também minimizar o risco de que parte da atenção que atualmente se dirige às partidas do torneio brasileiro seja desviada para partidas de campeonatos de outros países, como Holanda, Portugal, Turquia e até mesmo para a Major League Soccer dos EUA, que são concorrentes do campeonato brasileiro.

A venda coletiva dos direitos de transmissão poderia enfrentar alguns óbices. Pode ser questionado, por exemplo, se a venda coletiva seria um ilícito concorrencial, uma vez que ela poderia ser interpretada como uma cooperação entre os clubes para maximizar as receitas com a venda dos direitos de transmissão por meio da alavancagem seu poder de barganha na negociação com os compradores. A resposta é não, por várias razões. Em primeiro lugar, em uma eventual negociação coletiva dos direitos de transmissão das partidas de uma liga brasileira de futebol, também interessa a concorrência com partidas de outras ligas pela atenção dos telespectadores. Nesse sentido, os compradores terão à disposição direitos de transmissão de partidas de ligas de outros países para os quais poderão desviar sua demanda caso considerem os preços altos[xv]. Deve também ser considerado o ganho de bem-estar dos consumidores, pois a qualidade das partidas do campeonato brasileiro deverá aumentar.

O próprio CADE indicou na Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE[xvi] que não consideraria a negociação coletiva um ilícito. Segundo essa Nota, “a necessidade de se assegurar o equilíbrio de competições seria justificativa para permitir negociações coletivas entre os competidores no mercado de futebol”. O CADE está correto na sua análise. Em primeiro lugar porque, como analisado anteriormente, o campeonato tende a ser mais competitivo, principalmente se a distribuição de receitas for equitativa. Partidas mais competitivas são de melhor qualidade e beneficiam os consumidores. Além disso, com mais recursos, os clubes terão melhores jogadores e instalações, o que também beneficia os consumidores. Não está dito explicitamente no documento do CADE, mas parece que, com essas afirmações, a autoridade de concorrência considera que o eventual aumento do poder de mercado decorrente da negociação coletiva seria compensado por ganhos de bem-estar.

Sobre notificar a liga como um ato de concentração, Cordeiro e Oliveira Neto (2022)[xvii] afirmam que as operações entre SAFs devem ser notificadas ao CADE, que avaliará se elas suscitam preocupações concorrenciais. Como a liga pode envolver clubes e SAFs, pode haver a interpretação de que a notificação como um ato de concentração é obrigatória. Ainda que seja, há razões para afastar preocupações concorrenciais. De acordo com Shapiro (2002)[xviii], há várias formas de colaboração entre empresas, que vão desde a integração por meio de um ato de concentração até contratos relativos a uma transação comercial. Uma liga entre clubes e empresas (SAFs) estaria entre esses dois extremos. Assim, o ponto a analisar é se essa associação entre clubes e SAFs afeta seus incentivos e sua capacidade para prejudicar a concorrência.

Os clubes e as SAFs não têm incentivos e capacidade para suprimir a concorrência entre eles. Em relação aos incentivos, como já analisado, isso tornaria o campeonato menos competitivo e, com isso, os preços dos direitos de transmissão tenderiam a cair. A ausência de capacidade decorre do disposto no art. 4º da Lei nº 14.193, de 2021, que instituiu as SAFs, que veda participações cruzadas. Nesse sentido, o caput desse artigo estabelece que “o acionista controlador da Sociedade Anônima do Futebol, individual ou integrante de acordo de controle, não poderá deter participação, direta ou indireta, em outra Sociedade Anônima do Futebol”. O parágrafo único do art. 4º adiciona que “o acionista que detiver 10% (dez por cento) ou mais do capital votante ou total da Sociedade Anônima do Futebol, sem a controlar, se participar do capital social de outra Sociedade Anônima do Futebol, não terá direito a voz nem a voto nas assembleias gerais, nem poderá participar da administração dessas companhias, diretamente ou por pessoa por ele indicada”.

Outro risco é uma coordenação entre a liga e algum comprador dos direitos de transmissão para privilegiá-lo. O efeito disso seria o prejuízo a concorrentes desse comprador. Imagine que uma emissora X seja privilegiada por meio de um acordo com a liga e só ela tenha os direitos de transmissão do campeonato nacional de futebol. Com isso, ela excluiria as emissoras concorrentes da transmissão das partidas do campeonato. Outra preocupação seria a emissora X criar uma imagem de que somente ela transmite as partidas do campeonato de futebol nacional e, por isso, fidelizar os telespectadores. Em ambos os casos, isso resultaria em vantagem sobre as emissoras concorrentes nas vendas de espaço de publicidade relativas às partidas. Ainda que essa possa ser uma preocupação legítima, ela deveria ser analisada em sede de conduta, e não como uma razão capaz de levar o CADE a eventualmente recusar a criação da liga, pois isso equivaleria a uma regulação ex ante da venda de direitos de transmissão de partidas de futebol[xix].

6.      Conclusão

Diante dos benefícios potenciais e da ausência de barreiras para a criação da liga e para a negociação coletiva dos direitos de transmissão das partidas, questiona-se por que isso ainda não ocorreu. A resposta mais óbvia é que há equipes que preferem a negociação individual, como é o caso do Flamengo. O clube prefere essa forma de negociação porque o tamanho de sua torcida lhe proporciona poder de barganha para obter bons preços por seus direitos de transmissão. Desse modo, uma partilha equitativa dos direitos não lhe traria vantagem no curto prazo. Como equipes como o Flamengo e o Corinthians são um “must have” em campeonatos nacionais de futebol, é preciso encontrar alguma forma de partilha que os faça aderir à negociação coletiva. Portanto, a forma de partilha é um desafio a ser enfrentado, o que exige cooperação entre os clubes e SAFs que formarão a liga.

Há outros pontos a endereçar para que o campeonato brasileiro melhore e concorra com os torneios organizados por ligas de outros países. Por exemplo, é importante que se tenha um calendário bem-organizado. Também é preciso considerar que há outras fontes de receita com potencial de crescimento, como as de marketing. Itens como o perfil das dívidas também deverão ser endereçados. Ainda, as SAFs tendem a estimular as discussões sobre esses pontos, pois os investidores demandarão um retorno sobre o capital próprio e as SAFs deverão adotar medidas para alcançá-lo. Para lidar com essas questões, é preciso atrair bons administradores.

Mas o fato é que temos o principal insumo para concorrer por parte da atenção hoje destinada às ligas europeias: bons jogadores. Além disso, os horários das partidas também são adequados para a transmissão internacional e as condições dos nossos estádios melhoraram bastante após a Copa de 2014. Mas, para concorrer por parte da atenção que hoje se dirige às partidas das ligas europeias, precisamos manter os jogadores mais talentosos no Brasil mais tempo ou fazê-los voltar mais cedo ao País, o que implica custos mais altos. Para arcar com esses custos, é preciso aumentar as receitas dos clubes, o que implica vender os direitos de transmissão de suas partidas de forma mais eficiente. A negociação coletiva dos direitos de transmissão por meio de uma liga nacional de futebol é importante para isso, pois isso permitirá o desenho de mecanismos apropriados para valorizar esses direitos. Entretanto, isso só será possível se os clubes e as SAFs cooperarem para criar a liga e vender os direitos de transmissão e, ao mesmo tempo, competirem dentro de campo para tornar nosso campeonato nacional competitivo e atrativo o suficiente para captar mais atenção de telespectadores brasileiros e estrangeiros.


[i] Consultor Sênior da Charles River Associates. As opiniões neste artigo são do autor e não necessariamente refletem as opiniões das instituições à qual ele está vinculado.

[ii] SportsValue. Brazilian top teams X Global football leagues in commercial revenues 2021 – Special analysis with new KPIs: Revenues, AD market size and Digital impact, 2022.Disponível em: https://www.sportsvalue.com.br/wp-content/uploads/2022/05/Brazilian-football-clubs-financials-2021-Sports-Value-may-2022.pdf

[iii] Pooler, Michael. Brazilian football’s new goal: a league that can take on the world. Financial Times, 4 de Janeiro de 2023. Disponível em: https://www.ft.com/content/35eb1f3e-65f4-417f-8aa8-0ac270747ee5

[iv] Como será discutido na seção 5, a coexistência de duas ligas comprometeria parte dos ganhos com a negociação coletiva, pois elas concorreriam entre si pela atenção dos telespectadores, canibalizando-se. Portanto, para que a negociação coletiva atinja o objetivo de aumentar as receitas com a venda dos direitos de transmissão, os clubes e as SAFs brasileiros devem entrar em acordo para que apenas uma liga seja criada.

[v] Segundo a Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE, “cada clube vende, individualmente, os direitos de transmissão de seus jogos e os valores e condições do contrato são negociados diretamente entre a emissora e o clube. É o modelo que prevalece no Campeonato Brasileiro Série A”. Disponível em: SEI/CADE – 0802187 – Nota Técnica (p. 8),

[vi] De acordo com a Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE, na Europa, as ligas da Alemanha, Espanha, França, Itália e Inglaterra negociam os direitos de transmissão coletivamente. Em Portugal a negociação é individual, sendo que o direito de transmissão pertence à equipe mandante. Esse modelo beneficia, de acordo com o CADE, os três maiores clubes portugueses: Benfica, Porto e Sporting. Disponível em: SEI/CADE – 0802187 – Nota Técnica.

[vii] As respostas foram dadas antes de alguns clubes se tornarem SAFs. É possível que, com a mudança, o interesse das SAFs tenha mudado. Nesse caso, as respostas provavelmente seriam diferentes.

[viii] Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?HJ7F4wnIPj2Y8B7Bj80h1lskjh7ohC8yMfhLoDBLddY7smg6DiPYZv6esOqlaOSX2CJs113uONQ5u1dbJKALunSXfdaDS_Zn0xbhO-XGWMFVInOkvX_ygEtpai8chjqe

[ix] Disponível em: SEI/CADE – 0802187 – Nota Técnica

[x] Disponível em: Gráfico: ¿Qué equipo ha sido campeón de La Liga en más ocasiones? | Statista

[xi] Para uma discussão sobre mercados de atenção, ver Newman, John M. Antitrust in Attention Markets: Definition, Power, Harm. University of Miami Legal Studies Research Paper, 2020.

[xii] Deloitte. Annual Review of Football Finance 2022. Disponível em: https://www2.deloitte.com/uk/en/pages/sports-business-group/articles/annual-review-of-football-finance.html

[xiii] SportsValue. World football’s emerging leagues, 2021. Disponível em: https://www.sportsvalue.com.br/wp-content/uploads/2021/12/Football-emerging-Leagues-Sports-Value-1.pdf

[xiv] SportsValue. MLS x Brazilian Serie A, 2018. Disponível em: https://www.sportsvalue.com.br/wp-content/uploads/2018/12/Sports-Value-MLS-X-Serie-A-EN-1.pdf

[xv] A possibilidade de esse desvio de demanda ocorrer é tão mais elevada quanto maior for o grau de substituição entre as partidas das diferentes ligas. Essa discussão está ocorrendo na Europa atualmente, pois os preços dos direitos de transmissão das partidas da Premier League inglesa subiram e a possibilidade de os compradores desviarem a demanda para partidas de ligas europeias concorrentes não inibiu o aumento de preços. Isso é uma evidência de que o grau de substituição entre as partidas da Premier League e das outras ligas europeias é baixa. Isso ocorre porque a Premier League tem os melhores jogadores e o campeonato mais equilibrado – por exemplo, cinco equipes ganharam o título inglês nos últimos dez anos. Esse equilíbrio, por sua vez, decorre de uma distribuição equitativa das receitas com a venda dos direitos de transmissão das partidas [ver: English football starting to resemble a European super league | Financial Times (ft.com)].

[xvi] Disponível em: SEI/CADE – 0802187 – Nota Técnica

[xvii] Cordeiro, Alexandre e Oliveira Neto, Dario da Silva. As aquisições das SAFs devem ser notificadas ao Cade? Jota, 2022. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/concorrencia-e-mercados/aquisicoes-saf-devem-ser-notificadas-ao-cade-31012022

[xviii] Shapiro, Carl. Competition Policy and Innovation. STI Working Papers 2002/11 OECD, 2002.

[xix] Esse tipo de conduta ocorreu com a Premier League inglesa. Após investigação, a Comissão Europeia concluiu que havia um acordo entre a Premier League e a Sky relativa à venda dos direitos de transmissão das partidas que prejudicava a concorrência no mercado de canais dedicados a esportes em TV por assinatura. A Comissão Europeia então determinou à Premier League que desenhasse mecanismos para evitar que uma só emissora adquirisse todos os jogos. A Premier League passou então a leiloar blocos de partidas ao invés de todas elas, sendo que a Sky não poderia adquirir todos os blocos. Como a British Telecom entrou no mercado de TV paga na mesma época, ela passou a concorrer com a Sky pelos direitos de transmissão, ganhou alguns leilões e passou a transmitir as partidas. Isso levou a um aumento da concorrência no mercado de canais dedicados a esportes em TV por assinatura.

É interessante que a concorrência entre Sky e British Telecom beneficiou a própria Premier League, pois os preços dos direitos de transmissão subiram. Isso mostra que, ao alterarem as regras dos leilões para a venda dos direitos de transmissão de partidas de futebol, as ligas podem estimular a concorrência entre os participantes desses leilões (compradores) e, com isso, obter preços mais altos pelos direitos.

Ver: Charles River Associates. Economic Regulation in the Broadcasting Sector: An International Study. 2017.


Arquivo para download

OLIVEIRA JÚNIOR, Márcio. Competição e Cooperação no Futebol Brasileiro. WebAdvocacy. Brasília, DF. Texto para Discussão 2/2023. 07 de março de 2023.

Exclusive Dealings in Multisided Platform Markets: The Case of Gympass in Brazil

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

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Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

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Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

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Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutora em direito

Vanessa Vilela Berbel – Doutora em Direito

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


Exclusive Dealings in Multisided Platform Markets: The Case of Gympass in Brazil

Marcio de Oliveira Junior & Fernando Boarato Meneguin[i].

Introduction.

In 2020, the wellness platform Totalpass filed a complaint before the Brazilian antitrust authority (CADE) claiming that a competitor, Gympass, had imposed exclusivity agreements to more than 80% of the gyms in Brazil, which hindered the entry of new competitors and maintained its dominant position[i].

Totalpass submitted evidence to CADE that it had been investing to enter into the wellness platforms market for years. However, due to Gympass’s exclusivity dealings with gyms, Totalpass was unable to sign up a sufficient number of gyms to make the platform attractive for corporate clients to join[ii]. Consequently, Totalpass could not reach a critical mass of gyms and corporate clients which would enable it to gain traction and rival Gympass.

Following a request from Totalpass, on February 2022, CADE issued an injunction which ordered Gympass to suppress exclusivity and most favorable nation clauses of the contracts with the gyms on its platform until CADE could reach a final decision on the matter. CADE also ordered Gympass to suspend all exclusivity clauses with corporate clients until its final ruling[iii].

To assess CADE’s interim decision, we apply an exclusive dealings analytical framework to multisided markets. Following this framework, we present a theory of harm to show that Gympass has both the incentive and the ability to use exclusive dealings to prevent competing platforms from rivaling it in order to maintain its dominant position.

Analytical Framework.

Exclusivity clauses in contracts between producers and their distributors are vertical restraints. They are often business strategies that can mutually benefit the parties. Also, consumers can benefit from lower prices due to the elimination of double margins, and from lower transaction costs.

Also, not only can exclusivity clauses stimulate investments in brands and technologies by reducing the risk of competitors free riding on these investments, but they also allow greater control of the quality of goods, as well as stimulate the training of distributors. The direct consequence is that better products and services can be delivered to consumers.

Nevertheless, should exclusivity dealings hinder entry or force competitors to exit the market, they are considered anticompetitive. However, exclusivity clauses should not be seen as anticompetitive based solely on the slice of the market they cover, that is, on the degree of market foreclosure. There must also be an assessment of whether the slice of the market not covered by exclusivity enables competitors or potential entrants to operate above the minimum efficient scale (MES). If this is the case, the market remains contestable[iv]. Consequently, there is no anticompetitive effect and exclusivity clauses should not raise competitive concerns.

This framework is useful to assess the effects of exclusive dealings in the case of multisided platforms, which connect two or more markets. This is the case of wellness platforms, which connect companies (corporate clients), their employees, and gyms. To enjoy indirect network effects, these platforms must attract as many gyms as possible. Should they succeed, they will become more valuable to the corporate clients and their employees, who will be willing to join them as well. Therefore, a platform creates value primarily by enabling direct interactions between gyms and companies (and, of course, their staff).

David Evans (2010)[v] explains that multisided platforms must secure enough customers on both sides, and in the right proportions, to provide enough value to either group of customers, and to achieve sustainable growth. This right proportion is called critical mass. In this sense, if a platform does not reach such critical mass, not only do members who have already joined tend to leave it, but new members will not join it.

In this way, a connection can be made between the critical mass and the minimum efficient scale concepts. Platforms must reach critical mass to be able to operate above minimum efficient scale and stay afloat. Therefore, in case exclusive dealings between an incumbent wellness platform and gyms prevent competitors from reaching critical mass and, consequently, rivaling it, these dealings should be considered an antitrust violation.

The Theory of Harm.

This is the case of the wellness platform market assessed by CADE. Gympass, the first mover, has approximately 80% of Brazilian gyms (approximately 24 thousand gyms) on its platform. These gyms cannot be on competing platforms due to exclusivity clauses, which result from their standard form – take it or leave it – contracts with Gympass. Therefore, competing platforms have only 20% of the gyms in Brazil (6 thousand gyms) available to try to reach critical mass. According to financial records provided by Totalpass, this slice of the market is not enough for an average competing platform to reach critical mass, gain traction and, as a result, become a rival of Gympass. Consequently, Gympass’s exclusive dealings with gyms raise competition concerns, as it can artificially create a monopoly.

As a justification for its exclusive dealings with gyms, Gympass claims that they were important for stimulating investments that benefited gyms, companies and consumers. However, our view is that Gympass was unable to show evidence of these benefits. According to the literature, exclusivity dealings can be justified in order to prevent competitors from free riding on investments. Even so, the exclusivity would have to have a well-defined duration, enough for the investment pay-back. An arrangement like the one made by Gympass, in which the exclusivity has an unlimited duration, can be seen as a sole protection of its dominant position, as they lock-in nearly all of the gyms in the market. Consequently, rival platforms cannot grow and will eventually exit the market.

Regarding the ability to use exclusive dealings to prevent competition, Gympass was the first mover in this market. Such an advantage has allowed it to reach a critical mass of gyms. Due to this, it was able to attract a significant number of corporate clients to its platform. This raised the opportunity cost for a gym to stay out of Gympass’s platform. As a result, so did its bargaining power over gyms, which made it possible for Gympass to impose exclusivity on them.

On the other hand, these exclusive dealings prevented competing platforms from attracting enough gyms and from reaching critical mass. Hence, these competing platforms will either exit the market or stagnate, imposing little challenge to Gympass’s dominant position.

Feng Zhu and Marco Iansiti (2012)[vi] shed light on the reasons why the dominance of first movers may be undermined by entrants and, consequently, why incumbents have an incentive to adopt strategies to preserve their dominance. The likelihood of an entrant platform being successful when it competes with an incumbent depends on the “relative importance of indirect network effects, platform quality, and consumer expectations in such markets”.

Should a new entrant be able to have a lead in either side of the market, it can benefit from indirect network effects and challenge the first mover. Additionally, if an innovative entrant offers a higher quality service, it can outsell the first mover. Last, “consumers often form rational expectation with respect to each platform’s market size”. Consequently, if consumers expect an entrant platform’s market share to grow, they will join it and so will service providers. In this case, an entrant will be able to challenge the first mover and competition will prevail.

Therefore, incumbent platforms must understand the importance of indirect network effects, quality, and consumer expectations when formulating their strategies to deal with entrants, as successful entries depend on these parameters. For example, if indirect networks effects are not strong enough to prevent a higher quality platform to have a lead in either side of the market, the incumbent’s dominance can be eroded. If consumers expect an entrant’s market share to grow, it can also eventually become the market leader. So, there is a risk for the incumbent, who has incentives to adopt strategies to minimize it.

If there is uncertainty about the strength of indirect network effects, the first mover has an incentive to prevent competing platforms from benefiting from these effects. Nevertheless, these strategies may harm competition, as does Gympass’s exclusive dealings with gyms. Not only do they prevent competitors from benefiting from indirect network effects, but they also limit their access to premium gyms, which hinders quality. So, consumers do not expect a competitor’s market share to grow and do not join it. Also, gyms will not join, and the competing platforms will not be able to reach critical mass. So, they either exit the market, or remain unable to effectively rival Gympass.

Conclusion

The analytical framework and the theory of harm show that Gympass has the ability and the incentive to use exclusive dealings to artificially maintain its dominant position. They also lead to the conclusion that CADE’s interim decision is correct. By issuing it, CADE has made it possible for the defendant’s rivals to compete for gyms and corporate clients. Such competition enables these rivals to try to reach critical mass and operate above their minimum efficient scales. Should they succeed, there will be more competitors in the market, which benefits consumers.


[i] Totalpass also presented evidence to CADE that Gympass had imposed most-favorable nation clauses (MFN) to gyms, and exclusivity clauses to corporate clients.

[ii] According to Totalpass, gym owners were usually unaware that they had signed an exclusivity agreement until they were notified by Gympass after joining a competing platform.

[iii] CADE allowed Gympass to maintain exclusivity clauses when it can show beyond any reasonable doubt that it has invested in a gym, and as long as exclusivity clauses last only for the period necessary to ensure the pay-back on the investment.

[iv] Wellford, H. and Wells, G. Contratos de exclusividade: incentivos, economia e concorrência. Available at: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/contratos-de-exclusividade-incentivos-economia-e-concorrencia-30072021

[v] Evans, D. S. How Catalysts Ignite: The Economics of Platform-Based Start-Ups. In: Gawer, A. Platforms, Markets and Innovation. US: Edward Elgar, 2010.

[vi] Zhu, F. e Iansiti, M. Entry into Platform-Based Markets. Strategic Management Journal, Vol. 33, N. 1 (January 2012), pp. 88-106.


[i] Marcio de Oliveira Junior (mdeoliveirajr@crai.com) and Fernando Boarato Meneguin (fmeneguin@crai.com) were consultants for Totalpass. The opinions expressed in this article are those of the authors.