Os efeitos do Novo Arcabouço Fiscal sobre os componentes do Resultado Primário

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

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Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

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Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marco Aurélio Bittencourt – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Vanessa Vilela Berbel – Doutora em direito

Ficha catalográfica:

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


Sumário

Introdução

1.      Regras fiscais no Brasil

2.      Evolução temporal do resultado primário e de seus componentes

3.      Os efeitos dos parâmetros do novo arcabouço fiscal sobre os componentes do resultado primário

3.1. O problema da União

3.2. O efeito da probabilidade de cumprir a meta de resultado primário

3.3. O efeito do nível de atividade

3.4. Os efeitos dos percentuais de acréscimo sobre a variação da receita

3.5. Os efeitos das elasticidades-PIB da despesa primária e da receita primária

Conclusão

Referências bibliográficas

Apêndice A. Derivação do problema da União com restrição do novo arcabouço fiscal

Apêndice B. Derivação do nível de atividade sobre os componentes do resultado primário

Apêndice C. Problemas da União com a restrição do Teto de Gastos na despesa primária

Apêndice D. Derivação do problema da União sem restrição na despesa primária

Apêndice E. Derivação do problema da União com a restrição do Teto de Gastos na despesa primária 

Apêndice F. Os efeitos dos percentuais sobre os componentes do resultado primário

Apêndice G. Os efeitos das elasticidades-PIB da despesa e da receita sobre os componentes do resultado primário

Introdução            

Regras fiscais de limitação da despesa têm sido adotadas em vários países como forma de ajustar os gastos dos governos a sustentabilidade da dívida pública. Existe uma diversidade de regras para atender o objetivo, sendo a regra de teto de gastos uma delas.

O Brasil adota a regra de teto de gastos desde 2016 com a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, também chamada de Teto de Gastos, que foi revogada pela nova regra de teto de gastos chamada de Novo Regime Fiscal Sustentável, também conhecido por Novo Arcabouço Fiscal. Esse novo regime foi instituído pela Lei Complementar nº 200, de 23 de agosto de 2023.

No Teto de Gastos a despesa primária estava limitada pela correção pelo IPCA da despesa primária do anterior, enquanto o Novo Arcabouço Fiscal incorpora à correção das despesas o componente de renda real, que acrescenta 70% da variação da receita primária à despesa se a meta de resultado primário for cumprida e 50% da variação da receita primária à despesa se a meta de resultado primário não for cumprida.

O componente de renda real traz consigo a possibilidade da meta de resultado primário não ser cumprida até o limite de 25% das despesas discricionárias, sendo impostas restrições para cumprimento nos anos posteriores. Esse fato não descumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2001).

Portanto, ao contrário do que acontecia desde a entrada em vigor da LRF em 2001, em que a meta de resultado primário tinha que ser cumprida, ainda que fosse por alteração da meta via proposição legislativa encaminhada pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, o Novo Arcabouço Fiscal inovou ao possibilitar o não cumprimento da meta de resultado primário. 

A principal crítica que a literatura econômica faz ao mecanismo de resultado primário é a de que esta medida é pró-cíclica, no sentido de que amplia as despesas nos períodos de crescimento econômico e as contrai nos períodos de recessão, penalizando os programas de apoio governamental mais necessários nestes períodos.

Por definição, o resultado primário sem qualquer restrição na despesa primária sofre desta desvantagem e o resultado primário com a restrição do Teto de Gastos não tem o condão de alterar a desvantagem da natureza pró-cíclica, uma vez que a imposição do Teto de Gastos com base na despesa passada não gera qualquer mecanismo para ampliar as despesas primárias em períodos de recessão.

Ao incorporar o componente real, o Novo Arcabouço Fiscal visa minimizar o problema pró-cíclico do resultado primário e faz isso ao acrescentar à despesa primária percentuais da variação de receita primária, permitindo um acréscimo de 50% da variação da receita em caso de não cumprimento da meta, situação em que são impostas restrições temporais para reestabelecimento do equilíbrio fiscal.

Motivado pelo desenho da nova regra de teto de gastos, o artigo tem por objetivo apresentar as variáveis que compõe e que são geradas pelo modelo e identificar os efeitos destas variáveis sobre os componentes do resultado primário: despesas primárias e receitas primárias.

São dois os resultados relevantes do artigo.

O primeiro é o de que o modelo do Novo Arcabouço Fiscal gera incentivos para que a meta de resultado primário seja cumprida. Esse é um resultado positivo e importante para a sustentabilidade da dívida pública.

O segundo resultado se refere ao fato de que o desenho do Novo Arcabouço Fiscal não soluciona o efeito pró-cíclico do resultado primário. Esse é um resultado inesperado, tendo em vista que o modelo foi estruturado para dar maior flexibilidade e ampliar as despesas primárias em períodos de recessão.

O artigo se encontra dividido em três partes: (i) regras ficais no Brasil; (ii) evolução temporal do resultado primário e dos seus componentes; e (iii) os efeitos dos parâmetros do novo arcabouço fiscal sobre a despesa e a receita primárias.

1.    Regras fiscais no Brasil

As regras fiscais são instrumentos utilizados pelos governos para fazer o controle fiscal das economias. Conforme define o Fundo Monetário Internacional, as regras fiscais são aquelas que impõe uma restrição duradoura à política fiscal através de limites numéricos sobre agregados orçamentários.

A literatura econômica aponta vários tipos de regras fiscais: regra de resultado, regra de despesa, regra de receita, regra de resultado orçamentário e regra de dívida pública.

De acordo com Brocado et al (2019), (i) as regras de resultado são aquelas que consideram uma métrica para as receitas e as despesas; (ii) as regras de despesa são aquelas que impõe um teto de gastos para as despesas públicas; (iii) as regras de resultado orçamentário são aquelas que estabelecem limites máximos à carga tributária ou definem o tratamento a ser observado quando houver arrecadação de receitas extraordinárias; e (iv) as regras de dívida pública são aquelas que visam a colocar a dívida pública em um determinado patamar.

Na economia brasileira estão presentes várias regras, sendo o resultado primário uma regra de resultado e o teto de gastos e o novo arcabouço fiscal as regras de despesa.

O resultado primário foi instituído, nos moldes como se encontra hoje, pela Lei de Responsabilidade Fiscal -LRF) (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000), o Teto de Gastos foi instituído pela Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016 e o novo regime fiscal, também conhecido como Novo Arcabouço Fiscal, foi instituído pela Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023.

O resultado primário, que é medido a partir da diferença entre as receitas primárias e as despesas primárias, é uma regra que tem por objetivo principal garantir uma trajetória sustentável da dívida pública, tendo em vista que os seus recursos são utilizados para pagamento do principal da dívida.

O Teto de Gastos é o nome dado a métrica para o cálculo da despesa primária limite no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, onde ficavam estabelecidos, para cada exercício, limites individualizados para as despesas primárias: I – do Poder Executivo; II – do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça, da Justiça do Trabalho, da Justiça Federal, da Justiça Militar da União, da Justiça Eleitoral e da Justiça do Distrito Federal e Territórios, no âmbito do Poder Judiciário; III – do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, no âmbito do Poder Legislativo; IV – do Ministério Público da União e do Conselho Nacional do Ministério Público; e V – da Defensoria Pública da União.

 O cálculo da despesa primária individualizada para os exercícios posteriores ao ano da implantação era calculado a partir do valor da despesa primária referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária [art. 2º, art. 107, II, art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988]:

Onde Desp t é a despesa primária no período t, Desp t-1 é a despesa primária no período imediatamente anterior e t-1 é a inflação do período imediatamente anterior.

O Teto de Gastos foi revogado pela Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto 2023, que deu origem ao regime fiscal sustentável (doravante denominado Novo Arcabouço Fiscal).

O Novo Arcabouço Fiscal estabelece, para cada exercício a partir de 2024, os limites individualizados para o montante global das dotações orçamentárias relativas a despesas primárias: I – do Poder Executivo federal; II – do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça, da Justiça do Trabalho, da Justiça Federal, da Justiça Militar da União, da Justiça Eleitoral e da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no âmbito do Poder Judiciário; III – do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, no âmbito do Poder Legislativo; IV – do Ministério Público da União e do Conselho Nacional do Ministério Público; e V – da Defensoria Pública da União.

O valor da despesa primária individualizada está prevista nos artigos 4º e 5º da Lei Complementar nº 200 e será obtido a partir da correção dos limites individualizados a cada exercício pela variação acumulada do IPCA, ou de outro índice que vier a substituí-lo, considerados os valores apurados no período de 12 (doze) meses encerrado em junho do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária anual, acrescidos da variação real da despesa, em relação à variação real da receita primária às seguintes proporções:

            Art. 5º

            …

I – 70% (setenta por cento), caso a meta de resultado primário apurada no exercício anterior ao da elaboração da lei orçamentária anual tenha sido cumprida, observados os intervalos de tolerância de que trata o inciso IV do § 5º do art. 4º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal); ou

II – 50% (cinquenta por cento), caso a meta de resultado primário apurada no exercício anterior ao da elaboração da lei orçamentária anual não tenha sido cumprida, observados os intervalos de tolerância de que trata o inciso IV do § 5º do art. 4º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

§ 1º O crescimento real dos limites da despesa primária, nos casos previstos nos incisos I e II do caput deste artigo, não será inferior a 0,6% a.a. (seis décimos por cento ao ano) nem superior a 2,5% a.a. (dois inteiros e cinco décimos por cento ao ano).

Portanto, o valor individualizado da despesa primária será obtido a partir da seguinte equação:

Onde VRRP é a variação real da receita primária, que respeita os seguintes limites:

O Novo Arcabouço Fiscal inova em relação a regra anterior, pois prevê no art. 6º a possibilidade de não cumprimento da meta de resultado primário[1], não configurando infração a LRF o descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário se, entre outras coisas[2], o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública for igual ou superior 75% (setenta e cinco por cento) do valor autorizado na respectiva lei orçamentária anual, dispositivo descrito no Art. 7º, §2º da Lei Complementar nº 200, 2023.

A explicitação do resultado primário no cálculo da despesa primária e a alteração expressa pela LCP 200 representa é uma segunda inovação da Lei que deu origem ao Novo Arcabouço Fiscal em relação a Emenda Constitucional que deu origem ao Teto de Gastos, pois, enquanto no Teto de Gastos a despesa primária limite era apenas uma variável exógena, no Novo Arcabouço Fiscal o cumprimento ou não da meta de resultado fiscal em dois períodos anteriores passou a determinar o limite para a despesa primária do ano vigente.

Essa inovação visa minimizar o principal problema do resultado primário apontado pela literatura econômica, que é o fato desta regra fiscal apresentar um comportamento pró-cíclico, ou seja, ampliar a despesa em momentos de crescimento econômico e de deprimi-la em momentos de recessão econômica.

2.    Evolução temporal do resultado primário e de seus componentes

A figura 1 apresenta a evolução do resultado primário e dos componentes despesa primária e receita primária desde a entrada em vigor da LRF em 2000.

Figura 1. Evolução do resultado primário e de seus componentes (acumulado em 12 meses)

Fonte: STN

Elaboração: autor

Como se pode verificar pela figura 1, o valor do resultado primário acima da linha se manteve superior ou igual a zero entre dezembro de 2001 e dezembro de 2014, ficando negativo até maio de 2022.

O período de 2016 a 2022 coincide com a entrada em vigor do Teto de Gastos em 2016 e com a entrada em vigor do Decreto Legislativo nº 6, de 2020, que reconheceu, para os fins do art. 65 da LRF, a ocorrência do estado de calamidade pública, determinando que fossem dispensadas o atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. 

Desde a entrada em vigor da LRF em 2000 até o ano de 2022 o valor do resultado primário oscilou entre valores positivos e valores negativos, sendo cumprida a meta em todos eles, quer seja por meio da limitação de empenho e de movimentação financeira ao longo do exercício, em cumprimento ao processo orçamentário definido no art. 9º da LRF[3], quer seja por intermédio de alteração da própria meta via proposição legislativa de autoria do Poder Executivo[4][5].

A figura 2 apresenta a evolução do PIB e das despesas e receitas primárias divididas em três períodos: (i) período até a entrada em vigor do Teto de Gastos; (ii) período de vigência do Teto de Gastos antes da entrada em vigor do Decreto Legislativo nº 6, de 2020; e (iii) período de vigência do Decreto Legislativo nº 6, de 2020.

Figura 2. Evolução do PIB e das receitas e despesas primárias por período

Fonte: STN

Elaboração: autor

A partir da análise da figura 2 é possível verificar que as despesas primárias cresceram de forma vigorosa entre 2001 e final de 2015 e se mantiverem relativamente constantes entre 2016 e início de 2020, período de vigência do Teto de Gastos antes da entrada em vigor do Decreto Legislativo nº 6, de 2020.

As receitas primárias tiveram trajetória semelhante àquela observada para as despesas primárias até a entrada em vigor do Decreto nº 6, crescimento robusto até a entrada em vigor do Teto de Gastos e relativa estabilidade até a vigência do Decreto de calamidade pública.

Neste período as despesas sofreram forte crescimento até o quarto bimestre de 2020 seguido de forte queda até o início de 2022 e as receitas foram fortemente frustradas até o final de 2020 e apresentaram forte recuperação até o início de 2022.

Por fim, vale destacar a existência de forte correlação positiva entre o PIB e as variáveis receita e despesa primárias. O coeficiente de correlação de Pearson calculado foi de 0,97 e 0,93 entre o PIB e a despesa primária e entre o PIB e a receita primária, respectivamente.

3.    Os efeitos dos parâmetros do novo arcabouço fiscal sobre os componentes do resultado primário

3.1. O problema da União

No novo arcabouço fiscal, o teto de gastos passou a considerar o primário como critério para a quantificação da despesa.

Com o novo regime, o problema do gestor é dado por:

Onde:

Neste caso, a condição necessária de primeira ordem é dada por:

de onde se constata que a despesa primária em t depende do cumprimento ou não da meta de resultado primário αt, do percentual da variação da receita primária a ser incorporado na despesa no período t (δ,ρ), da elasticidade-PIB da despesa no período t-1 (εt-1) e da elasticidade-PIB da receita em t e t-1 (ϴt,ϴt-1) do efeito do PIB.

Como

tem-se que:

Onde εt-1 é a elasticidade-PIB da despesa no período t-1, ϴt-1 é a elasticidade-PIB da receita em t-1 e ϴt é a elasticidade-PIB da receita em t.

3.2. O efeito da probabilidade de cumprir a meta de resultado primário

Até a entrada em vigor da Lei Complementar nº 200, de 23 de agosto de 2023, a LRF determinava que a meta de resultado primário tinha que ser cumprida, quer fosse por meio da limitação de empenho e pagamento, quer fosse pela alteração da meta via proposição legislativa encaminhada pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo.

A opção de não cumprir a meta foi uma inovação trazida na Lei que instituiu o novo arcabouço fiscal, conforme expresso no artigo 7º, caput, I, II, in verbis:

Art. 7º Não configura infração à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário, relativamente ao agente responsável, desde que:

I – tenha adotado, no âmbito de sua competência, as medidas de limitação de empenho e pagamento, preservado o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública; e

II – não tenha ordenado ou autorizado medida em desacordo com as vedações previstas nos arts. 6º e 8º desta Lei Complementar.

A análise do cumprimento da meta de resultado primário no novo arcabouço fiscal sobre a despesa primária permite identificar em que situação a despesa é superior (cumprir/não cumprir) e como se dá o efeito marginal da probabilidade de cumprimento sobre a mesma despesa.

O cumprimento da meta implica em α_t-2=1 e o seu não cumprimento implica em α_t-2=0.

O resultado sobre as despesas e a receitas primárias quando a meta é cumprida e quando não é cumprida são:

Portanto, a estratégia de cumprir a meta de resultado primário gera despesas e receitas primárias superiores a estratégia de não cumprir a meta para um resultado primário fixo σAF.

3.3. O efeito do nível de atividade

No modelo o nível de atividade é representado pelo parâmetro Φ e este é igual a razão entre os PIBs (Φ_t=yt/y_t-1) .

O efeito do nível de atividade sobre a despesa primária[6] e sobre a receita primária é dada pela equação:

As derivadas apresentadas na equação (9) demonstram que existe uma relação direta entre a atividade econômica medida por Φt e a despesa primária e a receita primária, o que significa dizer que aumentos na atividade econômica tem um efeito marginal positivo na despesa primária e na receita primária.

3.4. Os efeitos dos percentuais de acréscimo sobre a variação da receita

Os percentuais de acréscimo sobre a variação da receita primária têm um papel importante sobre a despesa primária e a receita primária.

O efeito dos percentuais sobre a despesa primária[7] e sobre a receita primária é dada pela equação:

Como se pode verificar, aumentos nos percentuais δ e ρ elevam a despesa primária e a receita primária.

3.5. Os efeitos das elasticidades-PIB da despesa primária e da receita primária

Por fim, os últimos parâmetros que afetam os componentes do resultado primário são as elasticidades-PIB da despesa primária e da receita primária.

Como se pode verificar, o efeito da elasticidade-PIB da despesa do período t-1 afeta negativamente os componentes do resultado primário, o que demonstra que quanto maior for a despesa no período anterior menor é o efeito destes gastos sobre a despesa primária do período atual.

Já a elasticidade-PIB da receita primária pode afetar tanto negativamente quanto positivamente os componentes do resultado primário, a depender do nível de atividade econômica:

Em períodos de crescimento econômico, aumentos na elasticidade-PIB da receita ampliam a receita primária e a despesa primária, já em nos períodos de recessão aumentos na elasticidade-PIB da receita diminuem tanto a receita primária quanto a despesa primária.

Esses resultados permitem concluir que o Novo Arcabouço Fiscal não resolve o problema pró-cíclico do resultado primário conforme propagado pela equipe econômica do governo, pois em períodos expansionistas da atividade produtiva despesas e receitas primárias aumentam e em período recessivos essas se reduzem.

Portanto, embora não se possa dizer com exatidão se o Novo Arcabouço Fiscal potencializa o efeito-pró-cíclico, pode-se pelo menos dizer, com base no modelo, que o mencionado problema persiste e que os objetivos de expansão das despesas em períodos de recessão não é um resultado natural do modelo.

Conclusão

As finanças públicas brasileiras contam com várias regras fiscais, dentre as quais pode-se citar o resultado primário, que é uma regra fiscal de resultado, e o regime fiscal sustentável, que é uma regra fiscal de despesa, comumente chamado de Novo Arcabouço Fiscal.

A experiência brasileira com regra fiscal de despesa se iniciou em 2016 com a promulgação da EC 95, de 2016, em que foi instituído o Teto de Gastos, regra fiscal que previa que a despesa primária do ano vigente deveria ser a despesa primária do ano anterior corrigida pela inflação oficial do Brasil (IPCA).

Essa regra fiscal deveria prevalecer por 20 anos a partir de 2016. No entanto, a publicação da Lei Complementar nº 200, de 23 de agosto de 2023, revogou o Teto de Gastos e instituiu o Novo Arcabouço Fiscal e, apesar de ser um regra de teto de gastos, o novo regime inovou em alguns aspectos, sendo os principais deles a possibilidade da meta de resultado primário não ser cumprida e a existência de um componente renda real.

A Lei Complementar nº 200 permite que a meta de resultado primário não seja cumprida desde que o gestor tenha envidado todos os esforços na execução do processo orçamentário-financeiro previsto na LRF e as despesas não ultrapassem o limite de 25% das despesas discricionárias.

A nova legislação também adicionou o componente de renda real ao já conhecida correção da despesa do ano anterior pelo IPCA, que, em apertada síntese, estipula um limite de tolerância em torno da meta de resultado primário e adiciona a despesa primária 70% da variação da receita primária em caso de cumprimento da meta de resultado primário e 50% da variação da receita primária em caso de não cumprimento da receita primária.

O componente de renda real é uma tentativa de minimizar o efeito pró-cíclico do resultado primário, pois, permitir que o cumprimento da meta de resultado primário se dê dentro de limites de tolerância é permitir que as despesas primárias oscilem também dentro destes limites de tolerância.

Tendo por base a motivação acima expressa, o artigo teve como objetivo apresentar as variáveis que afetam os componentes do resultado primário (despesas e receitas primárias) e identificar os efeitos de cada uma delas sobre estes componentes.  

Quatro foram os resultados obtidos: (i) cumprir a meta de resultado primário gera despesa primária e receita primária superiores a não cumprir a meta; (ii) a atividade econômica se relaciona de forma direta com a despesa primária e com a receita primária; (iii) os percentuais sobre a variação da receita primária ampliam a despesa primária e a receita primária; e (iv) a  elasticidade-PIB da despesa no período anterior afeta negativamente a receita primária e a despesa primária e a elasticidade-PIB da receita pode tanto afetar positivamente quanto negativamente a receita e a despesa primária, a depender se a economia esta em crescimento econômico ou em recessão.

Dois resultados chamam a atenção: um positivo e outro negativo.

O resultado positivo fica por conta dos incentivos gerados pelo modelo que garante que cumprir a meta gera maiores receitas e maiores despesas primárias do que não cumprir. Esse é um resultado mais que esperado de uma regra fiscal de despesa, pois o cumprimento de metas fiscais como o resultado primário é fundamental para a sustentabilidade da dívida.

O resultado negativo, por seu turno, fica por conta dos efeitos da elasticidade-PIB da receita sobre os componentes do resultado primário, uma vez que afeta a despesa e a receita primária quando a economia está crescendo e afeta negativamente os mesmos componentes quando a economia está em recessão.

Embora não se possa dizer com exatidão se o Novo Arcabouço Fiscal potencializa o efeito-pró-cíclico, pode-se pelo menos dizer, com base no modelo, que o mencionado problema persiste e que os objetivos de expansão das despesas em períodos de recessão não é um resultado natural do modelo.

Referências bibliográficas

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União.

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Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. Diário Oficial da União. DOU de 20.3.2020 – Edição extra C.

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BRASIL. Lei Complementar nº 200, de 30 agosto de 2023. Institui regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico, com fundamento no art. 6º da Emenda Constitucional nº 126, de 21 de dezembro de 2022, e no inciso VIII do caput e no parágrafo único do art. 163 da Constituição Federal; e altera a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Diário Oficial da União. DOU de 31.8.2023.

BROCHADO, Acauã; BARBOSA, Flávia Fernandes Rodrigues; LEISTER, Maurício Dias; MARCOS, Rafael Perez; MOTA, Tatiana de Oliveira; SBARDELOTTO, Tiago; ARAÚJO, Vinícius Luiz Antunes. Regras Fiscais: uma proposta de arcabouço sistêmico para o caso brasileiro.  Secretaria do Tesouro Nacional. Texto para Discussão. TD nº 31/2019. Disponível em: 2019 TEXTOS_Texto 31.pdf (enap.gov.br). Acesso em: 29 de setembro de 2023.

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[1] Art. 6º Caso o resultado primário do Governo Central apurado, relativo ao exercício anterior, seja menor que o limite inferior do intervalo de tolerância da meta, de que trata o inciso IV do § 5º do art. 4º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), sem prejuízo da aplicação da redução do limite nos termos do inciso II do caput do art. 5º desta Lei Complementar e de outras medidas, aplicam-se imediatamente, até a próxima apuração anual, com fundamento no parágrafo único do art. 163 da Constituição Federal, as vedações previstas nos incisos IIIII e VI a X do art. 167-A da Constituição Federal.

§ 1º Caso o resultado de que trata o caput deste artigo seja, pelo segundo ano consecutivo, menor que o limite inferior do intervalo de tolerância da meta, aplicam-se, imediatamente, enquanto perdurar o descumprimento, as vedações previstas nos incisos I a X do art. 167-A da Constituição Federal

[2] O art. 7º prevê que, além do limite máximo 25% das despesas discricionárias, o gestor deve implementar as medidas de limitação de empenho e pagamento, conforme previsto na LRF.

[3] Art. 9oSe verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

§ 1o No caso de restabelecimento da receita prevista, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados dar-se-á de forma proporcional às reduções efetivadas.

§ 2º Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, as relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias.   (Redação dada pela Lei Complementar nº 177, de 2021)

§ 3o No caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.              (Vide ADI 2238)

§ 4o Até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública na comissão referida no § 1o do art. 166 da Constituição ou equivalente nas Casas Legislativas estaduais e municipais.

§ 5o No prazo de noventa dias após o encerramento de cada semestre, o Banco Central do Brasil apresentará, em reunião conjunta das comissões temáticas pertinentes do Congresso Nacional, avaliação do cumprimento dos objetivos e metas das políticas monetária, creditícia e cambial, evidenciando o impacto e o custo fiscal de suas operações e os resultados demonstrados nos balanços.

[4] Conforme aponta Barbosa (2022), a meta de resultado primário foi alterada por proposição legislativa do Poder Executivo em 12 vezes de 21 anos de 2001 a 2021.

[5] Borges e Pires (2023) apresentam a evolução temporal do cumprimento da meta de resultado primário desde 2001 a 2022..

[6] A derivação desta equação está no Apêndice B.

[7] A derivação desta equação está no Apêndice B.


Apêndice A. Derivação do problema da União com restrição do novo arcabouço fiscal


Apêndice B. Derivação do nível de atividade sobre os componentes do resultado primário



Apêndice D. Derivação do problema da União sem restrição na despesa primária


Apêndice E. Derivação do problema da União com a restrição do Teto de Gastos na despesa primária


Apêndice F. Os efeitos dos percentuais sobre os componentes do resultado primário


Apêndice G. Os efeitos das elasticidades-PIB da despesa e da receita sobre os componentes do resultado primário


Crimes contra o sistema financeiro e criptoativos: atuação e eficácia do Estado na sua prevenção

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

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Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

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Crimes contra o sistema financeiro e criptoativos: atuação e eficácia do Estado na sua prevenção

Thiago Ferreira de Albuquerque da Silva[1]

Fernando de Magalhães Furlan[2]

Resumo:

Este artigo aborda os crimes financeiros, com foco nos criptoativos. São tratados conceitos, tipos de crimes, regulação, atuação estatal na prevenção, via políticas públicas, e a eficácia judiciária na persecução e punição. São também discutidos desafios e vulnerabilidades no setor, destacando a relevância das tecnologias como inteligência artificial e Blockchain. São citados casos de crimes financeiros com criptoativos e a intervenção estatal na prevenção e punição. O artigo aborda a complexidade dos crimes financeiros, com foco especial nos delitos ligados ao sistema financeiro e aos criptoativos. O estudo examina o papel do Estado na deterrência desses crimes por meio de políticas públicas e iniciativas governamentais. A efetividade do sistema judiciário na identificação, investigação e punição dos infratores também é discutida. Casos concretos de crimes financeiros envolvendo criptoativos destacam o papel crucial do Estado na repressão dessas infrações.

Palavras-chaves: crimes financeiros, criptoativos, sistema judiciário, Blockchain.

Abstract:

This article addresses financial crimes, focusing on those related to the financial system and crypto assets. It also addresses concepts, types of crimes, regulation, state action in prevention via public policies and judicial effectiveness in punishment. The article discusses the challenges and vulnerabilities in the sector, highlighting the relevance of technologies such as artificial intelligence and Blockchain. Cases of financial crimes with crypto assets and government intervention in prevention and punishment are cited. We explore the complexity of financial crimes, with a special focus on crimes linked to the financial system and crypto assets. Concepts, criminal typologies, and current regulation are presented in detail. The study examines the role of the State in mitigating these crimes through public policies and government initiatives. The effectiveness of the justice system in identifying, investigating, and punishing offenders is also discussed, along with the vulnerabilities of the traditional financial sector and crypto assets. Innovative technologies such as artificial intelligence and Blockchain emerge to address these challenges. Concrete cases of financial crimes involving crypto assets highlight the crucial role of the State in curbing these transgressions.

Keywords: financial crimes, crypto assets, judicial system, Blockchain

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o uso de criptoativos tem se tornado uma tendência significativa e amplamente adotada em todo o mundo, marcando uma mudança notável no cenário financeiro global. Essa ascensão meteórica dessa forma de ativos digitais trouxe consigo uma série de questões e desafios relacionados à integridade financeira e à segurança cibernética. À medida em que as transações financeiras se tornaram mais digitais e descentralizadas/distribuídas, também se multiplicaram as preocupações em torno de crimes financeiros, que não se limitam apenas ao mundo convencional, mas também abrangem o ecossistema emergente dos criptoativos.

O sistema financeiro, que agora abarca tanto o tradicional quanto o baseado em criptoativos, está suscetível a uma gama diversificada de crimes, que vão desde a clássica lavagem de dinheiro e fraudes, até esquemas complexos de pirâmide financeira e o temido financiamento ao terrorismo. Diante desse panorama, o Estado desempenha papel fundamental como guardião da estabilidade financeira e regulador da segurança nos mercados. Isso implica responsabilidade de regulamentar e fiscalizar, tanto o sistema financeiro tradicional, quanto o ambiente volátil dos criptoativos. Além disso, o Estado deve ser proativo na criação de políticas públicas e iniciativas governamentais destinadas a combater esses delitos e manter a confiança do público no sistema.

No entanto, mesmo com a regulamentação vigente, persistem desafios consideráveis na prevenção de crimes financeiros envolvendo criptoativos. As lacunas e vulnerabilidades existentes no sistema financeiro e nos próprios ativos digitais criam um ambiente propício para ações criminosas. Nesse sentido, a inovação tecnológica desempenha um papel crítico. O desenvolvimento de novas tecnologias, como a inteligência artificial e a Blockchain, surge como uma necessidade premente para fortalecer a capacidade de prevenção e detecção desses crimes, que também estão se adaptando e se tornando mais sofisticados em suas operações.

Nesse contexto, a análise de casos de crimes financeiros envolvendo criptoativos se torna imperativa. É por meio dessas análises que podemos compreender a eficácia da atuação do Estado na prevenção e punição desses delitos. O objetivo deste artigo é, portanto, analisar o cenário atual de crimes contra o sistema financeiro envolvendo, especialmente, os criptoativos, bem como as medidas adotadas pelo Estado para prevenir e punir esses delitos. Buscamos identificar desafios e sugerir soluções para aprimorar a prevenção desses crimes, garantindo um ambiente mais seguro e confiável para todos os participantes do mercado financeiro.

Diante disso, a pergunta problema que norteia este trabalho é a seguinte: “o Estado é eficaz na atuação e prevenção dos crimes contra o sistema financeiro por meio de criptoativos?” Para responder a essa questão, abordaremos toda a legislação vigente no Brasil, relacionada aos crimes financeiros e à regulamentação dos criptoativos, com o objetivo de identificar as áreas que precisam de melhorias para proporcionar uma maior segurança jurídica em relação aos ativos virtuais. Quanto à metodologia, optaremos pelo método indutivo, partindo do particular para chegar a conclusões gerais, permitindo-nos estabelecer generalizações sólidas, com base em observações específicas.

2. OS CRIPTOATIVOS E SUA REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL

Os criptoativos são um conjunto de ativos armazenados e operados em uma rede

Blockchain, utilizando criptografia como medida de segurança. Uma característica importante dos criptoativos é que as transações envolvendo esses ativos (exceto fundos) não dependem da supervisão de um banco ou qualquer outra instituição financeira. O Brasil tem testemunhado um crescimento significativo no uso e adoção de criptoativos. Segundo dados da Receita Federal do Brasil, o número de brasileiros que investem em criptomoedas mais que dobrou entre 2019 e 2020 (MATURANA, 2022).

Os criptoativos também têm despertado interesse no setor financeiro brasileiro. O Banco Central do Brasil tem realizado estudos sobre as possibilidades de uma moeda digital emitida pela instituição, conhecida como CBDC[1] (Banco Central do Brasil, 2020). No Brasil, existem desafios a serem enfrentados no contexto dos criptoativos, incluindo questões regulatórias, segurança e educação financeira. No entanto, há também perspectivas positivas de crescimento e inovação nesse mercado (CORREA, 2021).

Os criptoativos, representados pelas criptomoedas e ativos digitais, têm se estabelecido como uma nova forma de realizar transações financeiras. Segundo Dagostim Júnior (2018), Nakamoto, criador do Bitcoin, “a principal inovação do Bitcoin é que ele permite a transferência de valor pela internet sem a necessidade de um intermediário confiável”. Essa capacidade de transação direta entre as partes, sem a necessidade de uma instituição financeira humanitária, tem atraído a atenção de indivíduos e empresas que buscam uma alternativa aos sistemas financeiros tradicionais.

Conforme ressaltado por Torga (2012), assim têm apresentado um potencial significativo na economia global. Eles possibilitam a inclusão financeira de pessoas que antes eram excluídas do sistema bancário tradicional, permitindo-lhes acessar serviços financeiros de forma mais democrática. Além disso, a tecnologia blockchain, que sustenta os criptoativos, oferece uma maior segurança e transparência nas transações, atendendo a necessidade de confiança em terceiros. Conforme ressaltado por Tapscott e Tapscott (2016), “a tecnologia Blockchain pode ter um impacto tão grande quanto a própria internet, interagindo como estruturas centrais do nosso sistema econômico, social e político”.

Apesar do potencial dos criptoativos, existem desafios regulatórios e preocupações em relação à segurança. A falta de regulamentação clara e abrangente tem levantado questões sobre a proteção dos investidores e a prevenção de atividades ilegais, como a lavagem de dinheiro. Coradin (2022) destaca que “o estabelecimento de um ambiente regulatório saudável é essencial para garantir a integridade dos mercados de criptoativos e proteger os interesses dos investidores”.

No entanto, as perspectivas para essa inovação financeira e a tecnologia Blockchain que a sustenta são notavelmente positivas, oferecendo inclusão financeira e transparência nas transações, além de desafiar os sistemas financeiros tradicionais. Como observado, a capacidade de transações diretas sem intermediários confiáveis atrai tanto indivíduos quanto empresas, promovendo uma alternativa valiosa aos sistemas financeiros tradicionais. Desafios regulatórios, segurança e educação financeira continuam a ser pontos de atenção. A falta de regulamentação clara e preocupações com atividades ilegais, como a lavagem de dinheiro, exigem um ambiente regulatório saudável para proteger os investidores e manter a integridade dos mercados de criptoativos. (BORGES, 2018)

Destacando a crescente importância dos criptoativos, como as criptomoedas, na cena financeira global e brasileira. Esses ativos digitais, baseados em Blockchain e criptografia, oferecem uma alternativa inovadora aos sistemas financeiros tradicionais, possibilitando transações diretas sem intermediários. Isso impulsiona a inclusão financeira e aprimora a segurança e transparência das transações. No entanto, também ressalta desafios como a falta de regulamentação e preocupações com atividades ilegais.

As moedas digitais são apresentadas como uma inovação que permite transações financeiras diretas, sem a necessidade de intermediários confiáveis, o que atrai tanto indivíduos quanto empresas em busca de alternativas aos sistemas financeiros tradicionais. Além disso, destaca-se o potencial inclusivo e transparente da tecnologia blockchain subjacente, embora se reconheça a existência de desafios regulatórios e preocupações com a segurança que precisam ser abordados para garantir a integridade dos mercados de criptoativos e a proteção dos investidores.

Essa nova forma de ativos financeiros tem demonstrado um potencial significativo na economia global, influenciando positivamente a inclusão financeira. Os criptoativos possibilitam que pessoas anteriormente excluídas do sistema bancário tradicional acessem serviços financeiros de maneira mais democrática e participativa. Como afirma Vieira dos Santos (2021) A tecnologia subjacente aos criptoativos, A Blockchain, oferece maior segurança e transparência nas transações, atendendo à necessidade de confiança em terceiros. Assim a tecnologia Blockchain pode ter um impacto tão grande quanto a própria internet, interagindo com as estruturas centrais do nosso sistema econômico, social e político.

No entanto, para Konescki (2023) apesar desse potencial transformador, os criptoativos também enfrentam desafios significativos, principalmente no que diz respeito à regulamentação e à segurança. A falta de regulamentação clara e abrangente tem levantado preocupações sobre a proteção dos investidores e a prevenção de atividades ilegais, como a lavagem de dinheiro.

O cenário dos criptoativos no Brasil reflete os desafios globais e as oportunidades que essa tecnologia traz para a economia e a sociedade. É essencial que as regulamentações se desenvolvam de forma a equilibrar a inovação com a proteção dos interesses dos investidores e a prevenção de atividades ilegais, garantindo assim um ambiente seguro e confiável para todos os participantes do mercado de criptoativos.

A regulamentação de criptoativos no Brasil está em pleno desenvolvimento. Em 2021, o Banco Central do Brasil publicou a Resolução nº 4.893, que estabelece diretrizes para o funcionamento de arranjos e instituições de pagamento baseados em criptoativos e para a prestação de serviços relacionados a criptoativos por instituições financeiras, incluindo a necessidade de identificação dos clientes e a comunicação de transações suspeitas. Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem emitido comunicados e orientações sobre sobre a oferta pública de criptoativos no país, destacando a importância da conformidade com as regulamentações vigentes (CVM, 2021).

Esses regulamentos são passos significativos na tentativa de disciplinar as operações com criptoativos no país, visando a trazer mais segurança e transparência para o mercado, um tópico de crescente importância no âmbito jurídico e financeiro.

Sob uma perspectiva do Direito Tributário, para Andrade (2023) procedeu-se a uma análise minuciosa do novo marco regulatório relacionado ao Bitcoin e outros ativos virtuais no Brasil, que é estabelecido pela Lei 14.478/2022. O objetivo foi avaliar a conformidade dessa legislação recente com as normas anteriormente estabelecidas sobre o tema e, ao mesmo tempo, examinar as potenciais implicações fiscais associadas à atividade de mineração do Bitcoin, conforme definido na nova regulamentação. Nesse processo, houve um exame inicial das características fundamentais das criptomoedas, incluindo o contexto de sua origem, os motivos subjacentes à sua criação e as tecnologias subjacentes que sustentam esse ativo, destacando as singularidades que conferem ao Bitcoin seu caráter inovador.

Essas ações regulatórias demonstram o compromisso das autoridades brasileiras em criar um ambiente regulatório seguro e transparente para o mercado de criptoativos, abordando preocupações como lavagem de dinheiro e proteção dos investidores. É fundamental observar que a regulamentação de criptoativos é um campo em constante evolução, e novas medidas podem ser implementadas para acompanhar o desenvolvimento desse mercado dinâmico. (ANDRADE, 2022)

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também desempenha um papel crucial na regulamentação dos criptoativos no Brasil. A CVM emitiu comunicados e orientações específicas sobre o mercado de criptoativos no país, demonstrando seu compromisso em supervisionar e orientar as atividades relacionadas a criptomoedas e ativos digitais (CVM, 2021).

Vale destacar que, até recentemente, a inovação tecnológica trazida pelas criptomoedas enfrentava a ausência de previsões legislativas suficientes para lidar com essa nova ferramenta. Como observado Ludwig (2019), administração pública se viu forçada a emitir normas infralegais para trazer algum direcionamento à matéria, especialmente no que diz respeito às obrigações tributárias. A Lei nº 14.478/2022, por exemplo, define ativo virtual como a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, consolidando na redação os dois principais meios de atuação.

Portanto, a regulamentação dos criptoativos no Brasil está em constante evolução, à medida que o governo e as entidades reguladoras buscam criar um ambiente legal mais claro e seguro para as operações com criptomoedas e ativos digitais. As iniciativas do Banco Central do Brasil e da CVM, bem como a legislação recente, refletem o esforço para abordar as complexidades desse mercado em rápido crescimento.

No contexto global, os criptoativos têm sido apontados como uma inovação que permite transações financeiras diretas, sem a necessidade de intermediários confiáveis. A citação de Nakamoto, o criador do Bitcoin, ressalta a principal inovação por trás das criptomoedas: a transferência de valor pela internet sem intermediários. Essa capacidade tem atraído tanto indivíduos quanto empresas que buscam alternativas aos sistemas financeiros tradicionais. (LUCAS, 2019, p.1677-1281)

A tecnologia Blockchain, que sustenta os criptoativos, tem o potencial de revolucionar várias esferas da sociedade, como mencionado por KONESCKI (2023). Ela oferece segurança e transparência nas transações, abordando a necessidade de confiança em terceiros, o que pode ser particularmente relevante em economias em desenvolvimento. No entanto, apesar do seu potencial transformador, os criptoativos enfrentam desafios significativos, incluindo questões regulatórias e preocupações com a segurança. A falta de regulamentação clara tem levantado preocupações sobre a proteção dos investidores e a prevenção de atividades ilegais, como a lavagem de dinheiro.

Paralelamente às medidas tomadas pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários, o Brasil tem buscado estabelecer um ecossistema regulatório mais amplo para criptoativos. Isso envolve o diálogo com outros órgãos reguladores e a participação em discussões internacionais sobre o assunto. O objetivo é criar um ambiente que promova a inovação, ao mesmo tempo em que assegura a integridade do mercado e a proteção dos investidores, mantendo-se atualizado com as tendências globais no mundo dos ativos digitais. Nesse sentido, o Brasil se encontra em um momento de transição, buscando encontrar um equilíbrio entre a flexibilidade necessária para fomentar a inovação no setor de criptoativos e a regulamentação adequada para evitar possíveis abusos e riscos. A criação de diretrizes e regulamentações sólidas para o mercado de criptoativos é fundamental para garantir a proteção dos investidores, evitar atividades ilícitas, como a lavagem de dinheiro, e promover a confiança dos participantes no mercado. (MALDANER, 2022).

Os criptoativos, como o Bitcoin, para Alcarva (2021), têm ganhado destaque global como uma inovação que permite transações financeiras diretas, eliminando a necessidade de intermediários confiáveis. A tecnologia Blockchain, subjacente a esses ativos, oferece segurança e transparência nas transações, abordando a necessidade de confiança em terceiros, o que é especialmente relevante em economias em desenvolvimento. No entanto, apesar de seu potencial transformador, os criptoativos enfrentam desafios, incluindo questões regulatórias e preocupações com a segurança. A ausência de regulamentação clara tem levantado preocupações sobre a proteção dos investidores e a prevenção de atividades ilegais, como a lavagem de dinheiro. No Brasil, o Banco Central emitiu a Resolução nº 4.983 em 2021, estabelecendo diretrizes para operações com criptoativos, buscando aumentar a segurança e transparência no mercado.

É importante, como observado por Silva (2023, p.54-83), que a regulamentação de criptoativos é um campo em constante evolução, à medida que o governo e as entidades reguladoras buscam equilibrar a inovação com a proteção dos interesses dos investidores. A recente Lei nº 14.478/2022 definiu ativo virtual, consolidando na redação os dois principais meios de atuação. Isso demonstra o compromisso contínuo em adaptar a regulamentação à medida que o mercado de criptoativos continua a se desenvolver.

Desta forma, os criptoativos têm desempenhado um papel cada vez mais importante na economia global e brasileira, oferecendo inovação e desafios. A regulamentação está em constante evolução, com o Brasil tomando medidas significativas para criar um ambiente regulatório mais seguro e transparente para os participantes desse mercado dinâmico.

3 OS CRIMES CONTRA SISTEMA FINANCEIRO E CRIPTOATIVOS

Crimes contra o sistema financeiro, por meio de criptoativos, infelizmente têm se tornado cada vez mais frequentes na atualidade, apresentando um desafio para a prevenção e combate dessas práticas ilícitas. Por ser uma novidade, cercada de lendas e de complexo entendimento, os criptoativos têm sido utilizados como pano de fundo de velhos golpes e fraudes no mercado, as conhecidas pirâmides financeiras, que evoluíram de boi gordo e avestruz, para ativos digitais. Nesse sentido, é importante compreender os conceitos básicos, as características e os tipos de crimes envolvidos nesse contexto, a fim de identificar e punir os responsáveis.

De acordo com a Lei nº 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, essas práticas se referem a “toda e qualquer ação ou omissão destinada a fraudar, omitir ou falsear a verdade, para obter vantagem, direta ou indireta, em prejuízo alheio ou próprio, ou para ocultar ou dissimular a verdade sobre fato juridicamente relevante” (BRASIL, 1986, art. 1º). Já os criptoativos, como o próprio nome sugere, são ativos digitais que utilizam criptografia para garantir sua segurança e rastreabilidade.

No Brasil, a regulamentação dos criptoativos ainda está em evolução. Leis como a Lei nº 12.865/2013 e instruções normativas, como a Instrução CVM nº 592/2017, têm buscado estabelecer diretrizes para as atividades relacionadas. No entanto, a eficácia dessas regulamentações é alvo de debate, pois a complexidade das operações financeiras com criptoativos torna a identificação e punição de criminosos um desafio.

A regulamentação clara e eficaz é essencial para coibir práticas ilícitas relacionadas a criptoativos. Além disso, a educação financeira e tecnológica desempenha um papel fundamental na prevenção de crimes. Os investidores e usuários devem ser informados sobre os riscos associados aos criptoativos, práticas de segurança e a importância da devida diligência antes de realizar qualquer transação.

Os crimes contra o sistema financeiro com criptoativos apresentam algumas características em comum. Em primeiro lugar, são praticados por indivíduos ou organizações que visam a obter vantagens financeiras ilícitas. Além disso, costumam envolver operações financeiras complexas e sofisticadas, o que torna a sua identificação e investigação ainda mais desafiadoras. O Banco Central do Brasil esclarece, inicialmente, que as chamadas moedas virtuais não se confundem com a “moeda eletrônica” de que tratam a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, e sua regulamentação infralegal. Moedas eletrônicas, conforme disciplinadas por esses atos normativos, são recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento denominada em moeda nacional. Por sua vez, os chamados ativos virtuais possuem forma própria de denominação, ou seja, são denominadas em unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizam por dispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em reais. (KUTTLER, 2022).

Os crimes contra o sistema financeiro representam uma preocupação crescente em todo o mundo devido ao impacto negativo que têm sobre a estabilidade e a integridade do sistema financeiro e econômico. Segundo De Oliveira (2022), “a tecnologia Blockchain, utilizada pelos criptoativos, trouxe maior anonimato e agilidade nas transações, o que pode facilitar a prática de crimes financeiros”.

A lavagem de dinheiro é um dos crimes que mais preocupam as autoridades financeiras e governamentais. Com a ascensão dos criptoativos, também aumentou a preocupação com a possibilidade de sua utilização para fins ilícitos. De acordo com Gomes (2023), “as características de anonimato e descentralização presentes nos criptoativos tornam mais difícil rastrear a origem dos fundos e identificar os envolvidos em esquemas de lavagem de dinheiro”. Mais difícil sim, mas não impossível. A identificação de IPs (Internet protocols), a partir de onde foram realizadas transações suspeitas, tem sido muito utilizada na persecução e punição desse tipo de técnica criminosa.

A popularidade dos criptoativos também atraiu a atenção de fraudadores e golpistas que buscam explorar a falta de regulamentação e a desinformação dos investidores. Os esquemas Ponzi e as ofertas iniciais de moedas (ICOs[2]) fraudulentas são exemplos de crimes que ocorrem no contexto dos criptoativos. Segundo Graham (2016), “a falta de uma estrutura regulatória clara e a promessa de altos retornos levaram muitos investidores a caírem em armadilhas e perderem grandes somas de dinheiro”.

Diante desses desafios, é fundamental que as autoridades tomem medidas para combater os crimes contra o sistema financeiro no contexto dos criptoativos. A implementação de regulamentações claras e efetivas é essencial para coibir práticas ilícitas e proteger os investidores. Conforme destacado por Canteli (2021), “a adoção de políticas de identificação dos usuários, monitoramento das transações e cooperação internacional são passos importantes para combater os crimes financeiros relacionados aos criptoativos”.

Além das ações regulatórias, a educação e a conscientização desempenham um papel fundamental na prevenção dos crimes contra o sistema financeiro no contexto dos criptoativos. Os investidores e usuários devem ser orientados sobre os riscos envolvidos, como práticas de segurança e a importância de realizar uma devida diligência antes de realizar qualquer transação. Conforme mencionado por Azevedo (2022, p.1-24), “a educação financeira e tecnológica é fundamental para evitar que pessoas se tornem vítimas de crimes e fraudes no ambiente dos criptoativos”.

Para Da Paz (2023, p.27-30), a regulação e legislação do sistema financeiro e criptoativos é fundamental para a prevenção e combate aos crimes nesse contexto. Nesse sentido, é importante analisar as normas existentes e sua eficácia na prevenção de crimes contra o sistema financeiro e criptoativos. No Brasil, a regulação e legislação do sistema financeiro e criptoativos é estabelecida por diversas leis e normas. Dentre as principais, destacam-se a Lei nº 4.595/1964, que criou o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil, e a Lei nº 12.865/2013, que dispõe sobre a criação e funcionamento das chamadas “moedas virtuais”, como os criptoativos.

Além disso, existem outras normas que visam a regulamentar as atividades financeiras com criptoativas, como a Instrução CVM nº 592/2017, que regulamenta as ofertas iniciais de moedas (ICOs), e as Instruções Normativas RFB nº 1.888 e 1.899, ambas de 2019, que estabelecem as regras para a declaração de criptoativos no Imposto de Renda (patrimônio e eventuais ganhos de capital). Apesar da existência de diversas normas e regulamentações, a eficácia na prevenção de crimes contra o sistema financeiro com criptoativos ainda é uma questão controversa. Segundo Machado Filho (2023), a complexidade das operações financeiras com criptoativos torna difícil a identificação e punição de criminosos, mesmo com a existência de normas e regulamentações.

A regulação e a legislação do sistema financeiro e criptoativos têm sido alvo de muitas discussões na comunidade acadêmica e no setor financeiro. Segundo a literatura, a falta de uma regulação clara e eficaz pode tornar esses mercados mais vulneráveis a práticas criminosas, como lavagem de divisas, financiamento ao terrorismo e evasão fiscal. Os autores destacam que, embora a tecnologia Blockchain, subjacente aos criptoativos, possa fornecer maior transparência e segurança nas transações, ainda há desafios significativos na prevenção de práticas ilícitas, especialmente em relação à identificação de usuários “anônimos” e ao rastreamento de transações transfronteiriças.

No Brasil, a regulamentação dos criptoativos ainda é incipiente, mas em 2019 a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou uma instrução normativa que regulamenta o investimento em criptomoedas por fundos de investimento. A instrução estabelece requisitos específicos para a aquisição e custódia desses ativos pelos fundos, visando a garantir a segurança dos investidores. No entanto, ainda há debates sobre a eficácia das regulamentações existentes e a necessidade de aprimoramento. (MONTELEONE, 2022).

Autores como Carvalho (2022), defendem a importância de regulamentações claras e bem definidas para garantir a integridade e transparência das transações em criptoativos. A regulação e legislação do sistema financeiro e criptoativos são essenciais para garantir a segurança e transparência nessas transações. Embora haja desafios na prevenção de crimes financeiros e criptoativos, a implementação de regulamentações eficazes pode fornecer uma base sólida para garantir a integridade e estabilidade desses mercados. Os crimes contra o sistema financeiro e criptoativos têm se tornado uma preocupação crescente em todo o mundo, representando desafios significativos para a prevenção e combate a essas práticas ilícitas. Para compreender melhor a natureza desses crimes, é fundamental analisar as normas e regulamentações que os cercam, bem como as características que compartilham.

Segundo a Lei nº 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, essas ações envolvem a intenção de “fraudar, omitir ou falsear a verdade, para obter vantagem, direta ou indireta, em prejuízo alheio ou próprio, ou para ocultar ou dissimular a verdade sobre fato juridicamente relevante” (BRASIL, 1986, art. 1º). Isso demonstra a abrangência das atividades consideradas crimes nesse contexto.

Um dos principais desafios relacionados aos criptoativos é a lavagem de dinheiro, que tem se tornado uma preocupação constante das autoridades. Como Xavier (2022) observa, “as características de anonimato e descentralização presentes nos criptoativos tornam mais difícil rastrear a origem dos fundos e identificar os envolvidos em esquemas de lavagem de dinheiro”. Isso ressalta a necessidade de regulamentações mais rigorosas para abordar essas questões.

Além disso, a popularidade dos criptoativos atraiu fraudadores que buscam explorar a falta de regulamentação e a desinformação dos investidores. Destaca que “a falta de uma estrutura regulatória clara e a promessa de altos retornos levaram muitos investidores a caírem em armadilhas e perderem grandes somas de dinheiro”. Diante desses desafios, medidas regulatórias e educacionais se tornam fundamentais. Como Brito (2023) argumenta, “a educação financeira e tecnológica é fundamental para evitar que pessoas se tornem vítimas de crimes e fraudes no ambiente dos criptoativos”.

No contexto brasileiro, a regulamentação dos criptoativos ainda está em evolução, com várias leis e normas em vigor, como a Lei nº 12.865/2013 e a Instrução CVM nº 592/2017. No entanto, a eficácia dessas regulamentações é motivo de debate, como apontado, que destaca a complexidade das operações financeiras e criptoativos como um desafio na identificação e punição de criminosos.

A literatura acadêmica também enfatiza a importância de regulamentações equilibradas para garantir a integridade e estabilidade do sistema financeiro e dos criptoativos. Como argumenta, Correa (2018), que uma abordagem regulatória equilibrada é fundamental para evitar práticas criminosas, especialmente relacionadas à identificação de usuários “anônimos” e ao rastreamento de transações transfronteiriças.

4. ESTUDOS DE CASO: ANÁLISE DE CASOS DE CRIMES FINANCEIROS ENVOLVENDO CRIPTOATIVOS E A ATUAÇÃO DO ESTADO NA PREVENÇÃO E PUNIÇÃO

A atuação do Estado na prevenção de crimes financeiros é fundamental para garantir a integridade e segurança do sistema financeiro. Através de políticas públicas e iniciativas governamentais, o Estado pode implementar medidas de prevenção e combate a práticas ilícitas, como lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e evasão fiscal.

De acordo com Martins (2018), a atuação do Estado na prevenção de crimes financeiros pode ser dividida em três fases: prevenção, detecção e punição. Na fase de prevenção, o Estado deve implementar medidas para evitar a ocorrência de práticas ilícitas, como a regulamentação e fiscalização do setor financeiro. Na fase de detecção, é importante a implementação de mecanismos para identificar e rastrear transações suspeitas. Já na fase de punição, o Estado deve ter mecanismos eficazes para responsabilizar os autores de práticas criminosas.

No Brasil, uma iniciativa importante do Estado na prevenção de crimes financeiros é a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). O COAF, de acordo com a Lei nº 13.974/2020, é órgão integrante do Banco Central do Brasil,  responsável por receber, examinar e identificar operações suspeitas de lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e outros crimes financeiros. O órgão tem o papel de monitorar as atividades financeiras e reportar às autoridades competentes quando identificar transações suspeitas. (TERRON, 2020, p.238-257)

Além do COAF, há outras iniciativas governamentais voltadas à prevenção de crimes financeiros, como a criação de leis específicas e programas de treinamento e capacitação para profissionais do setor financeiro. Um exemplo é a Lei nº 9.613/1998, conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro, que estabelece as condutas criminosas e penas para a lavagem de dinheiro no Brasil. No entanto, apesar das iniciativas governamentais, ainda há desafios na prevenção de crimes financeiros. Um estudo realizado por Vidal (2023) destaca a importância da capacitação e treinamento contínuos de profissionais do setor financeiro para identificar e prevenir práticas ilícitas. Os autores ressaltam ainda a necessidade de uma cooperação internacional efetiva para combater crimes financeiros transnacionais.

De acordo Ovalles (2013), a regulação do setor financeiro é fundamental para garantir a integridade e segurança do sistema financeiro. A regulação envolve a criação de normas e padrões para as atividades financeiras, assim como a supervisão e fiscalização dessas atividades. Além disso, a regulação pode incluir a criação de mecanismos de monitoramento e controle para prevenir práticas ilícitas, como a lavagem de dinheiro.

Um exemplo de regulação no setor financeiro é a implementação de medidas de Know Your Customer (KYC) e Know Your Transaction (KYT), que envolvem a identificação e verificação da identidade dos clientes e a análise de suas atividades financeiras e/ou de cada transação realizada. Essas medidas são importantes para prevenir a lavagem de dinheiro e outras práticas ilícitas no setor financeiro. Além da regulação, outra iniciativa importante do Estado na prevenção de crimes financeiros é a capacitação de profissionais do setor financeiro. De acordo com Assi (2018), a capacitação de profissionais do setor financeiro é fundamental para identificar e prevenir práticas ilícitas no setor. Isso envolve a implementação de programas de treinamento e capacitação para profissionais de áreas como compliance, auditoria e segurança da informação.

Porém, apesar das iniciativas do Estado, ainda há desafios na prevenção de crimes financeiros. Um desses desafios é a complexidade das atividades financeiras, que pode dificultar a identificação de práticas ilícitas. Além disso, a falta de cooperação internacional também pode dificultar a prevenção de crimes financeiros transnacionais. A atuação do Estado na prevenção de crimes financeiros é essencial para garantir a integridade e segurança do sistema financeiro. Através de políticas públicas e iniciativas governamentais, o Estado pode implementar medidas eficazes para prevenir e combater práticas ilícitas no setor financeiro.

Na investigação e punição de crimes financeiros, verificamos eficácia do sistema judiciário na identificação e responsabilização dos criminosos. A investigação e punição de crimes financeiros têm se mostrado um desafio para o sistema judiciário em todo o mundo. Segundo Vieira (2023), esses crimes são caracterizados por sua complexidade e pela utilização de técnicas sofisticadas de ocultação de recursos, o que dificulta a identificação e responsabilização dos criminosos. Nesse sentido, é importante destacar a necessidade de uma cooperação internacional mais efetiva na investigação e punição desses crimes. A globalização e a utilização de novas tecnologias têm permitido que os crimes financeiros ultrapassem fronteiras e sejam cometidos em diferentes países. Por isso, é fundamental que haja uma coordenação internacional no combate a esses crimes.

No entanto, é necessário que cada país tenha um sistema judiciário eficaz na identificação e punição dos criminosos financeiros. Silva (2021) destaca a importância da capacitação e treinamento dos agentes responsáveis pela investigação desses crimes, além da utilização de tecnologias e ferramentas especializadas para a análise de dados financeiros. É preciso garantir a independência e autonomia dos órgãos responsáveis pela investigação desses crimes, evitando interferências políticas e econômicas que possam comprometer a eficácia do processo. Além disso, é fundamental que o sistema judiciário tenha recursos suficientes para lidar com a complexidade desses casos e para garantir a justiça e a punição adequada aos criminosos.

Diante desses desafios complexos, é imprescindível estabelecer uma atuação conjunta e coordenada entre os órgãos de investigação e aplicação da lei. Além disso, a colaboração ativa de empresas e instituições financeiras desempenha um papel crucial na prevenção e detecção desses delitos financeiros. É fundamental que haja um entendimento profundo da gravidade e da evolução desses crimes no cenário atual, exigindo um esforço coletivo para garantir a eficácia do sistema judiciário na identificação e responsabilização dos infratores financeiros. A complexidade dessas atividades criminosas, muitas das quais ocorrem entre fronteiras, demanda uma cooperação estreita entre as autoridades nacionais e internacionais. A troca de informações e a harmonização das práticas e regulamentações são instrumentos essenciais para combater esses crimes financeiros de forma eficaz. Além disso, a capacitação contínua dos profissionais envolvidos na prevenção e investigação desses delitos é crucial, dada a constante evolução das táticas utilizadas pelos criminosos financeiros.

Existem desafios na prevenção de crimes financeiros assim vejamos uma análise das lacunas e vulnerabilidades existentes no sistema financeiro e criptoativos. A prevenção de crimes financeiros é um desafio cada vez maior para os sistemas financeiros em todo o mundo. Diversas lacunas e vulnerabilidades têm sido identificadas no sistema financeiro tradicional, que permitem a prática de crimes financeiros, tais como lavagem de divisas, financiamento do terrorismo, corrupção e evasão fiscal (BARAN, 2023).

De acordo com Mohallem (2017), as lacunas e vulnerabilidades no sistema financeiro tradicional estão relacionadas à falta de transparência e eficácia na identificação de riscos, assim como a complexidade e fragmentação do sistema financeiro. Além disso, a falta de cooperação entre as autoridades regulatórias e de fiscalização tem dificultado a prevenção e a investigação de crimes financeiros.

A utilização de criptoativos, como o Bitcoin, também tem apresentado novas lacunas e vulnerabilidades no sistema financeiro, uma vez que essas moedas virtuais oferecem certo anonimato e privacidade aos usuários, dificultando a identificação de transações suspeitas e a prevenção de crimes financeiros. De acordo com Coradin (2022), a falta de regulamentação e supervisão dos criptoativos tem sido um dos principais desafios na prevenção de crimes financeiros relacionados a essas moedas virtuais. Além disso, a utilização de criptoativos em transações ilegais tem se tornado cada vez mais comum, o que reforça a necessidade de medidas efetivas de prevenção e combate a essas práticas.

Diante das lacunas e vulnerabilidades existentes no sistema financeiro e em relação aos criptoativos, a prevenção de crimes financeiros torna-se um desafio cada vez maior para as autoridades regulatórias e de fiscalização (VIDAL, 2023). É necessário que sejam adotadas medidas efetivas de prevenção e combate a essas práticas, tais como a implementação de normas e regulamentações específicas para os criptoativos, a cooperação internacional entre as autoridades regulatórias e de fiscalização, e o investimento em tecnologias avançadas de monitoramento e identificação de riscos.

Em suma, os desafios na prevenção de crimes financeiros são cada vez maiores, dada a complexidade e fragmentação do sistema financeiro tradicional, bem como a utilização de criptoativos que apresentam novas lacunas e vulnerabilidades. É necessário que sejam adotadas medidas efetivas de prevenção e combate a essas práticas, por meio da implementação de normas e regulamentações específicas, da cooperação internacional entre as autoridades regulatórias e de fiscalização, e do investimento em tecnologias avançadas de monitoramento e identificação de riscos.

Para prevenção de crimes financeiros são utilizadas tecnologias como por exemplo: uso de inteligência artificial, blockchain e outras ferramentas para prevenção e detecção de crimes.As tecnologias têm sido cada vez mais utilizadas na prevenção e detecção de crimes financeiros. A inteligência artificial, a Blockchain e outras ferramentas têm se mostrado eficazes na identificação de padrões e comportamentos suspeitos, permitindo uma ação mais rápida e efetiva dos órgãos responsáveis pela investigação e punição desses crimes. (ZANCAN, 2023, p.80-123)

De acordo com Brito (2020), a inteligência artificial tem sido utilizada para analisar grandes quantidades de dados financeiros e identificar padrões que possam indicar a ocorrência de crimes. Além disso, a tecnologia pode ser usada na criação de modelos preditivos, permitindo que os órgãos responsáveis pela investigação atuem de forma mais preventiva. A Blockchain, por sua vez, tem sido utilizado como uma ferramenta de rastreamento de transações financeiras, permitindo uma maior transparência e segurança nas transações realizadas por meio de criptoativos. A tecnologia permite a criação de registros imutáveis e descentralizados das transações, tornando mais difícil a ocorrência de fraudes e lavagem de dinheiro. Além disso, outras ferramentas tecnológicas também têm sido utilizadas na prevenção e detecção de crimes financeiros. A análise de dados em tempo real, o uso de algoritmos de detecção de anomalias e a utilização de ferramentas de reconhecimento facial são exemplos de tecnologias que podem ser aplicadas nesse contexto.

No entanto, é importante ressaltar que o uso dessas tecnologias não é uma solução definitiva para a prevenção e detecção de crimes financeiros. Segundo Carneiro (2022), é necessário que haja uma combinação de tecnologia e pessoal capacitado para garantir a eficácia do processo. É preciso que haja um trabalho conjunto entre as empresas e organizações financeiras, os órgãos responsáveis pela investigação e punição dos crimes financeiros e os desenvolvedores de tecnologias para aprimorar as ferramentas e garantir uma prevenção mais efetiva desses delitos.

Diante desse cenário, é fundamental que sejam promovidos investimentos em tecnologias que possam auxiliar na prevenção e detecção de crimes financeiros, bem como em capacitação de profissionais para a utilização dessas ferramentas. É necessário que haja uma compreensão da importância da tecnologia na luta contra esses crimes e um esforço conjunto para garantir uma atuação mais efetiva dos órgãos responsáveis pela investigação e punição dos criminosos financeiros.

A seguir estudos de caso: análise de casos de crimes financeiros envolvendo criptoativos e a atuação do estado na prevenção e punição. Segundo Domingues (2022), os crimes financeiros envolvendo criptoativos têm se tornado cada vez mais comuns, exigindo uma atuação efetiva do Estado na prevenção e punição desses delitos. Nesse contexto, é importante analisar casos concretos para entender as lacunas existentes no sistema e buscar soluções para evitar a ocorrência desses crimes. Um dos casos mais emblemáticos de crimes financeiros envolvendo criptoativos é o da Mt. Gox, uma das maiores exchanges de Bitcoin do mundo que entrou em colapso em 2014, levando à perda de mais de US$ 400 milhões em Bitcoins dos seus clientes. A empresa não possuía medidas de segurança adequadas para proteger os fundos dos clientes e não realizava auditorias regulares em seus sistemas. Além disso, a exchange não possuía uma licença adequada para operar como uma instituição financeira, o que dificultou a atuação do Estado na punição dos responsáveis pelo crime.

É importante destacar que a atuação do Estado na prevenção e punição de crimes financeiros envolvendo criptoativos enfrenta desafios em virtude da natureza descentralizada e anônima dessas transações. Porém, é fundamental que o Estado esteja atento a essa realidade e que sejam criadas regulamentações e ferramentas eficazes para a prevenção e punição desses crimes. Diante desses casos, é evidente a importância da atuação do Estado na prevenção e punição de crimes financeiros envolvendo criptoativos.

A necessidade de regulamentação adequada das empresas que atuam no mercado de criptoativos é evidente. Conforme destacado por Mikaelian (2014), a ausência de regulamentação clara pode criar brechas que permitem atividades ilegais, como a lavagem de dinheiro, prejudicando a integridade do mercado. Além disso, a capacitação dos órgãos responsáveis pela investigação e punição desses crimes é fundamental para a eficácia das medidas regulatórias. No entanto, não basta apenas regulamentar; é igualmente importante conscientizar a população sobre os riscos envolvidos na utilização de criptoativos e a importância da segurança dos fundos. A conscientização pública é crucial para evitar golpes e fraudes e para promover a utilização segura de criptomoedas. Portanto, a combinação de regulamentação eficaz, capacitação das autoridades e conscientização da população desempenha um papel crucial na construção de um ambiente mais seguro para o mercado de criptoativos.

No contexto brasileiro, são mencionadas operações da Polícia Federal, que visavam combater crimes relacionados a criptoativos, incluindo a lavagem de dinheiro obtido através do tráfico de drogas. O artigo ressalta a necessidade de regulamentação adequada das empresas que atuam no mercado de criptoativos para evitar atividades ilegais, como a lavagem de dinheiro, e destaca a importância da conscientização pública sobre os riscos associados ao uso de criptomoedas. Enfatiza-se que a combinação de regulamentação eficaz, capacitação das autoridades e conscientização da população desempenha um papel crucial na construção de um ambiente mais seguro para o mercado de criptoativos. No geral, o texto oferece uma visão abrangente dos desafios e da importância do Estado na regulação desse setor em constante evolução.

A atuação do Estado na prevenção de crimes financeiros desempenha um papel fundamental na manutenção da integridade do sistema financeiro global. Como destacado por Gama (2021), as políticas públicas e iniciativas governamentais desempenham um papel crucial na implementação de medidas eficazes para prevenir e combater práticas ilícitas, como lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e evasão fiscal.

A falta de capacitação contínua dos profissionais do setor financeiro pode dificultar a identificação e prevenção de práticas ilícitas. Além disso, a natureza transnacional de muitos crimes financeiros exige uma cooperação internacional mais efetiva, como ressaltado por (SCHORSCHER, 2012).

No contexto atual, a utilização de criptoativos, como o Bitcoin, tem apresentado novos desafios na prevenção de crimes financeiros. De acordo com Guerreiro (2022), a falta de regulamentação adequada e a natureza pseudônima das transações com criptoativos podem dificultar a identificação de transações suspeitas e a prevenção de crimes financeiros nesse campo. Para lidar com esses desafios, as tecnologias desempenham um papel crescentemente relevante. A inteligência artificial tem sido usada para analisar grandes volumes de dados financeiros, identificando padrões e comportamentos suspeitos. Além disso, a tecnologia Blockchain, que oferece um registro imutável de transações, tem sido explorada para aumentar a transparência e a segurança no uso de criptoativos.

Para Fonseca (2023), a atuação do Estado na prevenção de crimes financeiros desempenha um papel absolutamente crucial para a manutenção da estabilidade do sistema financeiro global. O estabelecimento de políticas públicas bem elaboradas e leis específicas voltadas para a prevenção de atividades criminosas no contexto financeiro, juntamente com a atuação de órgãos de fiscalização como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), é fundamental nesse esforço. Essas estruturas regulatórias e legais proporcionam a base necessária para monitorar, detectar e combater atividades ilegais, tais como lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e evasão fiscal, as quais podem minar a confiança no sistema financeiro.

Segundo Almeida (2021), atuação do Estado na prevenção de crimes financeiros, destacando que essa ação é fundamental para a manutenção da integridade do sistema financeiro global. Para alcançar tal objetivo, políticas públicas e leis específicas desempenham um papel crucial na implementação de medidas eficazes contra práticas ilícitas como lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e evasão fiscal. No cenário brasileiro, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) é um órgão central nesse esforço, responsável por receber, examinar e identificar operações suspeitas. A existência de legislações, como a Lei de Lavagem de Dinheiro, fortalece ainda mais a prevenção desses crimes financeiros. No entanto, persistem desafios significativos, incluindo a necessidade de capacitação contínua dos profissionais financeiros e uma cooperação internacional mais efetiva devido à natureza transnacional desses crimes.

A complexidade adicional que a utilização de criptoativos traz para a prevenção de crimes financeiros, devido à falta de regulamentação adequada e à natureza pseudônima das transações envolvendo criptomoedas. Nesse contexto, as tecnologias desempenham um papel crescentemente relevante, com a inteligência artificial sendo usada para analisar dados financeiros e identificar atividades suspeitas, e a tecnologia Blockchain proporcionando maior transparência e segurança nas transações com criptoativos. Em suma, a atuação do Estado na prevenção de crimes financeiros é uma peça essencial para a manutenção da estabilidade do sistema financeiro global, e a combinação de regulamentações, tecnologias e cooperação internacional eficaz é fundamental para enfrentar os desafios que surgem nesse cenário em constante evolução.

5. CONCLUSÃO

Realizamos uma análise sobre a prevenção de crimes financeiros, explorando diversas facetas desse desafio complexo. Em primeiro lugar, ao examinar os conceitos básicos, características e tipos de crimes financeiros envolvendo criptoativos, evidenciou-se a intrincada natureza dessas práticas e a crescente necessidade de aprimorar a legislação para mantê-la atualizada em relação às constantes inovações tecnológicas.

No contexto da regulação e legislação do sistema financeiro e dos criptoativos, constatamos que, apesar da existência de normas e leis que regem esses mercados, subsistem muitas lacunas que podem ser exploradas por indivíduos mal-intencionados. Nesse sentido, torna-se imperativo um esforço mais robusto por parte das entidades reguladoras a fim de garantir a eficácia das normativas vigentes.

Uma análise das políticas públicas e iniciativas governamentais revelou que a atuação do Estado desempenha um papel fundamental na prevenção de crimes financeiros, por meio da implementação de medidas preventivas, investigativas e punitivas. Contudo, é notável a necessidade de uma coordenação mais eficiente entre os diversos órgãos responsáveis, a fim de garantir uma atuação verdadeiramente eficaz nesse contexto.

A investigação e punição de crimes financeiros foram avaliadas em termos da eficácia do sistema judiciário na identificação e responsabilização dos infratores. Foram identificados inúmeros desafios, como a dificuldade de rastrear transações financeiras e a escassez de recursos e estrutura nos órgãos encarregados das investigações.

Além disso, os desafios inerentes à prevenção de crimes financeiros foram evidenciados pela análise das lacunas e vulnerabilidades que permeiam o sistema financeiro e os criptoativos. A falta de transparência e a facilidade de ocultação de transações são apenas alguns dos obstáculos que precisam ser superados.

Quando se trata das tecnologias disponíveis para prevenção de crimes financeiros, observou-se que a inteligência artificial e a tecnologia Blockchain despontam como ferramentas potencialmente cruciais para a detecção e prevenção dessas práticas. Contudo, para sua eficácia plena, é necessário um investimento significativo em tecnologia e a capacitação adequada dos profissionais que lidam com essas soluções.

Ao analisarmos casos concretos de crimes financeiros envolvendo criptoativos e a atuação estatal na prevenção e punição, restou claro que é imperativo que as autoridades atuem de forma mais eficaz para coibir essas atividades ilícitas. Portanto, é recomendável que haja um esforço coordenado entre o Estado, as entidades reguladoras, as empresas do setor financeiro e a sociedade civil para aprimorar a prevenção de crimes financeiros, mediante investimentos substanciais em tecnologia e capacitação profissional, além de uma coordenação efetiva entre os órgãos competentes e a revisão periódica da legislação, a fim de manter o arcabouço regulatório alinhado com as rápidas mudanças tecnológicas.

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[1] Moeda digital do Banco Central ou Central Bank digital currency.

[2] Initial Coin Offering.


[1] Graduando do Curso Direito, do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac. E-mail: thiago.brasiltreina@gmail.com.

[2] Professor doutor da Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac. E-mail: fernando.furlan@uniceplac.edu.br


A pirataria na indústria da moda e o Fashion Law

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


A pirataria na indústria da moda e o Fashion Law

Israel Doudement de Albuquerque Cunha & Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

Este artigo tem como objetivo estudar a pirataria na indústria da moda, explorando suas causas e impactos no mercado e na sociedade. A indústria da moda é um mercado amplo que movimenta grande parte da economia, desde grandes marcas internacionais até marcas nacionais e locais. Por meio da análise da linha do tempo da moda até os dias atuais, será possível entender a importância dessa indústria e a necessidade de protegê-la legalmente. A falsificação de produtos na moda é uma violação sancionada pelo ordenamento jurídico, pois é lesiva para os consumidores e também para as marcas do segmento da moda. O tema suscita diversos impactos na sociedade, tais como os efeitos dos produtos falsificados na saúde dos consumidores, as razões pelas quais as pessoas adquirem itens falsificados, entre outros. O artigo utiliza o método dedutivo, onde a partir de um conjunto de premissas gerais sobre a pirataria na indústria da moda, será feita uma análise detalhada das suas consequências. A pesquisa se baseou em fontes bibliográficas e documentos legais, que serão utilizados para a construção de argumentos e reflexões sobre o tema proposto, com o objetivo de contribuir para a ampliação dos debates em busca de soluções aplicáveis para um conflito cada vez mais frequente.

Palavras-chave: pirataria; moda; propriedade intelectual; direito autoral.

Abstract

This article aims to study piracy in the fashion industry, exploring its causes and impacts on the market and society. The fashion industry is a vast market that moves a large part of the economy, from international brands to national and local brands. Through the analysis of the fashion timeline up to the present day, it will be possible to understand the importance of this industry and the need to protect it legally. Counterfeiting fashion products are a violation sanctioned by the legal system and the consumption of piracy is harmful to people and detrimental to fashion brands. The subject-matter of the article raises various questions, such as the effects of counterfeit products on consumer health, the reasons why people buy counterfeit items, among others. The present article uses the deductive method, where from a set of general premises about piracy in the fashion industry, a detailed analysis of the consequences of piracy in the fashion industry will be made. The article is based on bibliographic sources and legal documents, which will be used to construct arguments and reflections on the proposed topic, with the aim of contributing to the expansion of debates in search of applicable solutions for an increasingly frequent conflict.

Keywords: Piracy; Fashion; Intellectual property; Copyright

1. Introdução

A indústria da moda é uma das mais influentes e poderosas do mundo, movimentando uma grande receita anualmente e impactando a vida de milhões de pessoas. Desde a antiguidade, a moda tem sido utilizada como forma de expressão e identificação social, sendo um reflexo das culturas e dos valores de cada época. Atualmente, a moda continua sendo uma importante ferramenta de comunicação, sendo capaz de transmitir mensagens, ideias e estilos de vida.

No entanto, a indústria da moda também enfrenta grandes desafios, especialmente quando se trata de proteção de direitos autorais. A pirataria na moda é um problema grave e crescente, que afeta tanto os consumidores como os produtores. A pirataria é a reprodução não autorizada de produtos, geralmente com a intenção de imitar marcas e designs populares, sem o devido pagamento pelos direitos autorais. Na indústria da moda, a pirataria é particularmente problemática já que as marcas são, muitas vezes, a principal fonte de valor e diferenciação no mercado.

Os efeitos da pirataria na indústria da moda são amplos e podem ser devastadores. Para o consumidor, a pirataria pode levar a produtos de baixa qualidade, que não atendem aos padrões de segurança e saúde, além de serem vendidos a preços mais baixos, mas ainda assim, mais caros do que o custo real de produção. Para o produtor, a pirataria pode levar à perda de vendas, lucros e prestígio, além de ameaçar a integridade de sua marca e design. Para o mercado em geral, a pirataria pode levar a uma perda de confiança dos consumidores, desestimular a inovação e prejudicar a economia.

Neste artigo, será analisado o impacto da pirataria na indústria da moda, levando em conta o direito autoral, os efeitos para o consumidor, para o produtor e para o mercado. Será realizada uma revisão da literatura sobre o assunto, bem como uma análise de casos reais de pirataria na moda. Além disso, serão discutidos os efeitos jurídicos da pirataria no mundo da moda, com destaque para as principais leis e regulamentações definitivas.

Esperamos contribuir para a conscientização sobre a importância da proteção dos direitos autorais na indústria da moda e sobre os impactos da pirataria para todos os envolvidos. Além disso, esperamos ajudar na elaboração de políticas públicas e estratégias empresariais para combater a pirataria na moda e promover uma indústria ética, confiável e sustentável.

2. A economia da moda

É imprescindível destacarmos a relevância econômica que a indústria da moda tem no mundo atual. Segundo Minsky (1982), “A economia se transforma a cada ciclo e a instabilidade financeira, presente no âmbito do capitalismo global, é a principal responsável pela existência dos ciclos econômicos e é resultante de forma endógena à conduta dos agentes econômicos”.

De acordo com um relatório da McKinsey & Company, intitulado The State of Fashion (2021), a indústria da moda movimenta cerca de US$ 2,5 trilhões (R$ 12,5 trilhões, aproximadamente) por ano, abrangendo desde a produção de matérias-primas, até a venda de produtos acabados. O valor corresponde a cerca de 2% (dois por cento) do PIB global, o que evidencia a sua grande relevância econômica. Esse valor inclui não apenas a produção de vestuário e acessórios, mas, também, serviços relacionados à moda, como marketing, merchandising e publicidade.

Segundo dados da Business of Fashion (2021), essa indústria é responsável por empregar cerca de 60 milhões de pessoas ao redor do mundo. Esse número engloba, desde pequenas empresas de moda, até gigantes do setor, como a Nike, a Adidas e a Inditex, proprietária da marca Zara.  No Brasil, conforme demonstra a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT)[1], em agosto de 2021 o setor gerou 102.658 (cento e dois mil, seiscentos e cinquenta e oito) empregos formais, o que demonstra a relevância da categoria, tanto economicamente, quanto na esfera social.

A indústria da moda é responsável por empregar pessoas de diversas profissões, incluindo designers de moda, costureiros, modelos/manequins, vendedores, programadores de sistemas, advogados, contadores, redatores, economistas, jornalistas, entre outros. Para Mackenzie (2010), a moda atual é global e abrangente, não sendo definida apenas pela alta costura, tendo a capacidade de atingir todos os setores da sociedade.

Em parte, pode-se afirmar que a moda evoluiu de um modelo que atendia às preferências individuais de cada consumidor (haute couture), com produtos únicos, para um modelo mais massificado, com produtos vendidos em grandes quantidades (prêt-à-porter). A indústria da moda atualmente apresenta dois elementos distintos: enquanto a alta-costura dos estilistas continua a atender a demanda por peças únicas e exclusivas, a indústria fast fashion tem evoluído para a produção em massa, com as indústrias de confecção fabricando produtos de moda em grande escala para o consumo final e distribuindo-os em todo o país e, por vezes, até mesmo no mundo todo.

O ato de consumir é parte intrínseca da vida humana. Desde elementos básicos para a sobrevivência, como os alimentos, até produtos considerados supérfluos, a sociedade moderna é preparada para desempenhar o papel de consumidora, de forma cada vez mais sofisticada e desenvolvida.

[…] a sociedade do consumo é aquela que pode ser definida por um tipo específico de consumo, o consumo de signo ou commodity sign, como é o caso de Jean Baudrillard em seu livro A sociedade de consumo. Para outros a sociedade de consumo englobaria características sociológicas para além do commodity sign, como consumo de massas e para as massas, alta taxa de consumo e descarte de mercadorias per capita, presença da moda, sociedade de mercado, sentimento permanente de insaciabilidade e o consumidor como um de seus principais personagens sociais (BARBOSA, 2004, p. 8).

A moda também é um importante gerador de riqueza em nível local. Em muitas cidades, os distritos de moda são vitais para a economia local, proporcionando empregos, atraindo turistas e estimulando o crescimento econômico. Além disso, essa indústria tem sido uma das principais forças por trás da revitalização urbana em muitas áreas degradadas ao redor do mundo.

Portanto, a moda é uma indústria global altamente rentável e vital para a economia mundial, proporcionando empregos, impulsionando a inovação e gerando riqueza. No entanto, a indústria também enfrenta desafios significativos que precisam ser abordados, incluindo a necessidade de adotar práticas mais sustentáveis e responsáveis em toda a cadeia de fornecimento. Com a colaboração de todas as partes interessadas, a moda pode continuar a desempenhar um papel fundamental na economia global, enquanto se torna mais sustentável e justa para todos os envolvidos. Outro desafio, a seguir abordado, é a pirataria, que prejudica boa parte da economia da moda, afetando os produtores e lesando os consumidores.

3. Direito e moda

             O objetivo aqui é explorar a relação entre direito e moda, abordando, especificamente, o papel do direito autoral e da propriedade intelectual na indústria da moda, bem como a importância do Fashion Law como uma área do conhecimento jurídico em ascensão.

3.1. Direito autoral e propriedade intelectual

O Direito autoral e a propriedade intelectual são conceitos fundamentais na proteção da criatividade e da inovação na indústria da moda. O direito autoral protege a obra criativa de um autor, enquanto a propriedade intelectual abrange uma variedade de proteções da propriedade, incluindo patentes, marcas registradas e segredos comerciais. Ambos são importantes no âmbito da pirataria na indústria da moda.

O direito autoral é regulamentado pela Lei nº 9.610/98, que estabelece os direitos autorais de uma obra. Ele protege a obra como um todo, incluindo a forma em que ela é expressa e a maneira como é apresentada. O direito autoral é concedido, automaticamente, a um autor, assim que a obra é criada, sem a necessidade de registro. Além disso, o autor tem o direito exclusivo de reproduzir, distribuir, exibir e criar trabalhos derivados da obra. Para Bittar (2013, p. 27), direito autoral ou direito de autor “é o ramo do direito privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências”.

A própria Lei de Direitos Autorais (LDA), trata da definição dos direitos autorais em seu artigo 3º, que os trata como “bens móveis”, para os efeitos legais. Uma ficção jurídica, criada com a intenção de garantir ao titular de tal direito o aproveitamento simultâneo de direitos de propriedade e os pessoais (FONSECA, 2012). Como visto, o Direito Autoral surge no momento da criação da obra, independentemente de haver ou não o registro. Assim, Fábio Ulhôa (2013) ensina:

O direito de exclusividade do criador de obra científica, artística, literária ou de programa de computador não decorre de algum ato administrativo, mas da criação mesma. Se alguém compõe uma música, surge do próprio ato de composição o direito de exclusividade de sua exploração econômica. É certo que a legislação de direito autoral prevê o registro dessas obras: o escritor deve levar seu livro à Biblioteca Nacional, o escultor sua peça à Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o arquiteto seu projeto ao CREA e assim por diante. Estes registros, contudo, não têm natureza constitutiva, mas apenas servem à prova de anterioridade da criação, se e quando necessária ao exercício do direito autoral.

Na indústria da moda, o direito autoral é crucial na proteção das criações de design, que incluem estampas, padrões, desenhos de roupas e, até mesmo, a aparência geral de uma peça de vestuário. A Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610, de 1998), já mencionada, regulamenta a prática da permissão do direito do criador no uso de sua obra (artigo 28 da LDA), dentro dos limites legais, além de proteger o vínculo entre o autor e os exploradores de suas criações, que podem ser de natureza literária, artística ou científica, como, por exemplo, livros, esculturas, pinturas, projetos e pesquisas científicas, dentre outras. A lei também inclui proteção para os direitos conexos[2], conforme mencionado em seu artigo 1º.

Para fins legais, o direito autoral é dividido em (i) direitos patrimoniais (direito real) e (ii) direitos morais (direito pessoal). Os direitos morais são inerentes à personalidade do criador e, portanto, de natureza pessoal, decorrente do próprio processo criativo, peculiar de cada autor, visando protegê-lo. Esses direitos mantêm a ligação íntima entre o criador e sua produção. Em resumo, o direito autoral tem como objetivo proteger a materialização, o bem corpóreo que decorre da expressão do espírito humano em diversas áreas de manifestação da vocação humana. Diz Menezes (2007, p. 39) que, “com efeito, pode-se concluir que o direito de autor possui, como principal objeto, a proteção à obra pessoal, criativa, exteriorizada e de natureza imaterial, cuja essência é de caráter artístico e/ou literário”.

Diante disso, é possível concluir que as criações de moda também deveriam ser protegidas pelos direitos autorais, uma vez que essas peças derivam da produção do “espírito humano” e, portanto, não deveriam necessitar de registro. A assinatura do estilista, ou seja, seu desenho, estilo, estudo e influências sobre cada peça, é prova inequívoca de sua autoria. No entanto, há limitações à proteção do direito autoral na indústria da moda. Por exemplo, o design de uma roupa simples, como uma camiseta básica, pode não ser protegido pelo direito autoral, vez que é considerado uma algo demasiado simples e desprovido de criatividade.

Por outro lado, a propriedade intelectual é regulamentada por uma variedade de leis e outros textos jurídicos, inclusive pela própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXIX:

 A lei assegurará aos autores dos inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Dessa forma, a Lei nº 9.279/96, que trata de marcas e patentes, foi sancionada com o objetivo de regulamentar os direitos e deveres relativos à propriedade industrial. A propriedade intelectual abrange uma variedade de proteções de propriedade, incluindo patentes, marcas registradas e segredos comerciais. Sobre patente, um dos principais elementos da propriedade intelectual, afirma Bastos (1997, p. 209):

É um direito exclusivo concedido a uma invenção, que consista em um produto ou um processo que prevê, em geral, uma nova maneira de fazer algo, ou oferece uma nova solução técnica para um problema. Título de exploração temporal, concedido pela Administração ao inventor, em contrapartida à divulgação, bem como da exploração fidedigna do seu invento. O inventor precisa atender aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Pode-se afirmar que a Patente é um documento expedido pelo órgão competente do Estado que reconhece o direito de propriedade industrial reivindicado pelo titular.

Então uma patente protege invenções, enquanto as marcas registradas protegem a identidade de uma empresa ou produto. Já o segredo comercial protege informações efetivas que não são de conhecimento público. A Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) observa que:

A propriedade intelectual se relaciona com as criações da mente: invenções, obras literárias e artísticas, tais como símbolos, nomes e imagens utilizadas no comércio. A propriedade intelectual se divide em duas categorias: a propriedade industrial, que abarca as patentes de invenção, as marcas, os desenhos industriais e as indicações geográficas; e o direito de autor, que abarca as obras literárias, os filmes, a música, as obras artísticas e os desenhos arquitetônicos.

Na indústria da moda, a propriedade intelectual é imprescindível na proteção de marcas, nomes, símbolos e outros elementos de identidade da empresa. Por exemplo, uma marca registrada de uma empresa fabricante de roupas pode ser protegida pelo direito de propriedade intelectual, impedindo que outras empresas usem a mesma marca ou similares.

Embora exista diferença entre direito autoral e propriedade intelectual, eles, não raro, se sobrepõem. Por exemplo, o design de peça de roupa pode estar protegido por direitos autorais e, ao mesmo tempo, uma marca da empresa fabricante pode estar protegida por propriedade intelectual. Além disso, as empresas da moda, muitas vezes, aplicam ambas as proteções para garantir o resguardo de sua propriedade intelectual. É inafastável que profissionais do direito, atuantes na indústria da moda, dominem as diferenças entre direito autoral e de propriedade intelectual, bem como as suas aplicações.

A pirataria na indústria da moda é um problema crescente, traduzido na demanda por peças de vestuário e acessórios a preços mais baixos, muitas vezes de origem duvidosa. Isso pode incluir a cópia de designs de moda protegidos por direitos autorais ou a venda desautorizada de produtos com marcas registradas.

A pirataria pode causar danos prolongados para empresas de moda, incluindo a perda de receita e danos graves à reputação da marca. Assim, torna-se imperativo que as empresas do setor busquem proteger a sua propriedade intelectual, incluindo o registro de marcas e o monitoramento de cópias não autorizadas de seus designs. Uma das formas de proteção da propriedade intelectual na indústria da moda é por meio do Fashion Law.

O Fashion Law é uma área do direito que se concentra na proteção da propriedade intelectual na indústria da moda, bem como em outras questões legais, como direitos trabalhistas e consumeristas. Porém, o Fashion Law, ou Direito da Moda, não é uma disciplina ou ramo do Direito, como o Direito Civil, o Direito Penal ou o Direito Empresarial, por exemplo, Mas uma mera área de aplicação de institutos jurídicos desses ramos do direito, conforme será abordado no próximo tópico.

Em resumo, o direito autoral e a propriedade intelectual são fundamentais na proteção da criatividade e da inovação na indústria da moda. Ambos são importantes na proteção dos direitos do produtor e do consumidor quando se trata da pirataria. O Fashion Law pode ser uma ferramenta útil para ajudar a proteger a propriedade intelectual na indústria da moda e garantir que as empresas estejam em compliance com as leis e regulamentos aplicáveis.

3.2. Fashion Law

O Fashion Law é uma área de aplicação do direito que vem ganhando destaque nos últimos anos, especialmente no contexto da indústria da moda. Fashion Law, ou Direito da Moda, consiste na aplicação de institutos jurídicos a relações que envolvam a indústria da moda. O conceito foi criado, em 2006, pela professora e advogada estadunidense Susan Scafidi, fundadora do The Fashion Law Institute[3], um centro pioneiro de estudos sobre o assunto.

Esta área de aplicação do direito se concentra em questões legais relacionadas à criação, produção, distribuição e venda de produtos de moda. Embora não exista uma legislação específica, o Fashion Law abrange diversas áreas do direito, incluindo o civil, o tributário, o trabalhista, o empresarial, e, até mesmo, o penal, como já visto. No entanto, a sua principal área de atuação, como já citado, é a proteção da propriedade intelectual e do direito autoral, garantindo segurança jurídica às criações de moda e marcas do setor.

O direito da moda, segundo Kane (2014), é uma especialidade legal emergente que engloba as questões legais que cercam a vida de uma peça de vestuário, desde a sua concepção, até a proteção da marca. A indústria da moda é um setor extremamente animado e criativo, onde a inovação e a inspiração são fundamentais para o sucesso dos empreendimentos. No entanto, a criatividade e a originalidade, muitas vezes, são copiadas ou imitadas por terceiros, o que deveria gerar benefícios financeiros e reputacionais para as empresas criadoras. Por isso, é fundamental que os profissionais da moda e do direito, envolvidos nesses negócios, estejam preparados para lidar com essas e outras questões desafiadoras do setor. Para a advogada Vicki Dallas (2012, p. 84):

Os advogados precisam entender que o negócio do Fashion Law é diferente, já que há constante mudança nos ciclos dos produtos e nos acordos comerciais, portanto adaptar-se e compreender as estratégias de negócio básicas de uma empresa de vestuário é essencial para ser um consultor jurídico eficaz nesta área de atuação.


O Fashion Law é uma área que lida com diversos desafios, que vão além do problema evidente da contrafação, também conhecida como pirataria, que é o assunto principal deste artigo. Ela envolve direitos de proteção à propriedade intelectual, incluindo propriedade industrial e direitos autorais, já abordados no tópico anterior. Além delas, outras áreas do direito também são relevantes, como o direito do trabalho, que abrange questões relacionadas à contratação de modelos, de trabalhadores das fábricas e costureiras de produção; e o direito contratual (civil), que regula as relações entre as empresas da cadeia de produção da moda. Segundo Colman (2012), o Fashion Law tem aplicação a diversas áreas do mundo da moda.

Outra preocupação importante do Fashion Law é o direito do consumidor, que regula as relações entre as empresas da indústria da moda e os consumidores. Os consumidores têm direito à informação clara e precisa sobre os produtos que estão comprando, bem como à garantia e à segurança desses produtos. Assim, de acordo com o artigo 6º, do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor tem direito à informação clara e precisa sobre os produtos e serviços colocados no mercado de consumo. As empresas da indústria da moda também devem seguir as normas de segurança e saúde no trabalho, bem como os direitos trabalhistas de seus colaboradores.

Além disso, o Fashion Law também abrange questões relacionadas à sustentabilidade e ao meio ambiente[4]. A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo, devido à grande quantidade de produtos descartados e aos processos de produção que envolvem o uso intensivo de recursos naturais e produtos químicos. Por isso, é importante que as empresas da indústria da moda adotem práticas e respeitem as normas ambientais, a fim de reduzir o impacto negativo da sua atividade no meio ambiente. Sobre a dificuldade de adaptação do direito autoral ao Fashion Law, afirma Oliveira (2015, p. 11):

A principal dificuldade em relação à proteção de artigos de moda por direito autoral é a questão do caráter utilitário de tais bens. A bipartição da Propriedade Intelectual entre Direito Autoral e Propriedade Industrial é fundamentada no critério da utilidade, de maneira a conferir às criações utilitárias proteção através de patentes, desenhos industriais e marcas.

Outro tema importante do Fashion Law é a proteção dos direitos de imagem e privacidade dos modelos/manequins e celebridades. Como as empresas da indústria da moda costumam usar a imagem de modelos e celebridades para promover os seus produtos, é importante que essas pessoas tenham o seu direito de imagem e privacidade preservados. Para isso, é necessário que sejam celebrados contratos claros e específicos, que estabeleçam as condições para o uso da imagem das pessoas envolvidas na produção dos produtos de moda.

Além disso, a indústria da moda é um setor globalizado, com empresas que atuam em diversos países. Por isso, o Fashion Law também abrange questões relacionadas ao direito internacional, como a proteção da propriedade intelectual em diferentes jurisdições. Afirma Dallas (2012, p. 84) que, “a moda é hoje, uma área de negócios internacionais”. Pequenas e médias empresas são adquiridas por grandes companhias internacionais de vestuário e estilo de vida. Algumas das maiores fortunas mundiais estão nas mãos de proprietários de empresas e marcas do setor[5].
As leis de propriedade intelectual e os acordos de comércio internacional também são complementares ao setor da moda. A Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) possuem acordos/tratados relacionados à proteção de marcas, patentes e direitos autorais. A OMC também regulamenta a proteção de denominações de origem, que é de grande importância, entre outras, para a indústria têxtil.

Além disso, o Fashion Law também inclui questões de saúde e segurança do consumidor, publicidade e ética nos negócios. A saúde e segurança do consumidor é um tema crucial na indústria da moda, pois os produtos têxteis e de vestuário estão em contato direto com a pele dos consumidores. Assim, a legislação em matéria de segurança química é uma parte importante do Fashion Law. Produtos químicos críticos, como corantes e aditivos, devem ser controlados e os fabricantes responsabilizados pela segurança de seus produtos.

A publicidade é outra área relevante do Fashion Law. A publicidade de moda deve ser verdadeira, correta e não enganosa, seguindo as leis de proteção ao consumidor e as normas de publicidade. É vedado fazer acusações falsas ou enganosas sobre a qualidade ou origem dos produtos. O uso de modelos escapados magros ou retocados com Photoshop pode ser proibido por leis que promovem uma imagem corporal positiva e saudável.

A ética nos negócios é outra área do Fashion Law que ganhou destaque nos últimos anos. A indústria da moda já foi criticada por más práticas trabalhistas utilizadas por alguns de seus representantes, como a exploração de trabalho infantil, trabalho escravo e salários indignos. Muitas empresas da moda passaram a adotar políticas éticas e ecológicas, e muitos países estão estabelecendo leis que encorajam as empresas a serem socialmente responsáveis e respeitosas aos direitos humanos.

Em suma, o Fashion Law é uma área em constante evolução, em resposta às mudanças na indústria da moda e às necessidades dos consumidores. Os profissionais do direito, especializados em direito da moda, devem possuir conhecimentos nas áreas de propriedade intelectual, direito do consumidor, saúde e segurança, ética nos negócios, e outras, para serem capazes de aconselhar seus clientes sobre questões legais complexas no âmbito do Direito da Moda.

Infelizmente, o Fashion Law é ainda pouco conhecido pelos operadores do direito no Brasil, que o tratam de uma forma segmentada, ou seja, veem cada problema do Fashion Law de forma compartimentada. Assim, para Nunes (2015), “os advogados que melhor se instrumentalizarem nesta crescente área e conhecerem a realidade e as necessidades de seus clientes, aqui no Brasil, estarão na vanguarda de uma atividade rica e arrojada em um direito diferenciado”.

A indústria da moda é uma das mais vibrantes e emocionantes do mundo, mas também pode ser complexa e desafiadora, do ponto de vista legal. Por isso, a importância do Fashion Law, como forma de proteger os interesses dos fabricantes, designers e consumidores, bem como para garantir que a indústria continue a crescer e se desenvolva de forma sustentável.

4. Pirataria (contrafação)

A pirataria na indústria da moda é um fenômeno que envolve a produção e comercialização ilegal de produtos que imitam marcas, designs e estilos protegidos por direitos autorais. Para Strehlau e Urdan (2015, p. 84), falsificação é uma cópia não autorizada de uma marca ou produto, que se faz passar pelo original. Essa prática ilegal tem se tornado cada vez mais difundida em escala global, representando um desafio significativo para as marcas legítimas e para a proteção dos direitos intelectuais na indústria.

Para Cardoso (2018), o mercado da falsificação se subdivide em:

a) mercadoria pirata: aquele bem que não está enganando o consumidor, é uma cópia tão esdrúxula que não há possibilidade de confusão;

b) mercadoria falsificada: seria aquela bem que tem o condão de causar confusão no consumidor ao adquirir um artigo imaginando ser outro e, por fim;

c) réplica: o adquirente tem ciência que o produto é falso e ainda assim deseja adquiri-lo, por se tratar de produto idêntico ao original e usá-lo como se fosse autêntico (CARDOSO, 2018, p. 42).

Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2016), os produtos falsificados representam 2,5% do comércio mundial. Com o avanço da tecnologia e a facilidade de acesso a produtos piratas, é fundamental compreender as causas e os impactos desse problema, bem como buscar soluções eficazes para combatê-lo.

Ainda sobre o conceito de falsificação, para Strehlau e Urdan (2015, p.77):

Na falsificação de produtos (bens e serviços), marcas e/ou patentes, esses são copiados, imitados ou reproduzidos por uma organização ou rede, sem qualquer autorização ou remuneração de quem legalmente detém direitos sobre tal patrimônio intangível e tangível, com vistas à obtenção de vantagem financeira via comercialização. A marca que vai ser falsificada é, necessariamente, bem conhecida e sobretudo valorizada por um público que a consome ou gostaria de consumi-la. É uma prática que se reveste de certas propriedades da pirataria do passado, acrescida de traços modernos. Incide uma contrafação, pois essa falsificação é fraudulenta, ao violar o direito de propriedade industrial que legalmente pertence a terceiros. Por sua vez, os compradores podem estar cientes (o que usualmente acontece) ou não da ilegitimidade daquilo que adquirem.

Uma das principais características da pirataria na indústria da moda é a criação e comercialização de produtos falsificados, que se assemelham visualmente aos originais. Essas réplicas são projetadas para enganar os consumidores, imitando marcas de luxo e designs de sucesso. Segundo a Revista Época Negócios (2016), roupas, calçados e bolsas estavam entre os principais produtos falsificados, consumidos no Brasil.

Os produtos são vendidos a preços significativamente mais baixos do que os produtos autênticos ou, até mesmo, com o valor aproximado ou igual, a fim de enganar o consumidor. Por mais que uma eventual semelhança, decorrente da falta de uma análise aprofundada do produto,  possa lhe fazer semelhante ou idêntico ao original, a qualidade inferior dos produtos piratas é outra característica marcante desse tipo de prática.

Figura 1 – Tênis Nike Air Force 1 original, vendido pelo site da Nike por R$ 799,99 (à esquerda)

Figura 2 – Versão comercializada na Amazon, por terceiros por R$ 98,90 (à direita).

Devido à falta de controle de qualidade, materiais de baixa qualidade são frequentemente utilizados na produção, resultando em produtos que não possuem a mesma durabilidade e acabamento dos produtos originais. Essa falta de qualidade pode levar a problemas, como desgaste prematuro, costuras malfeitas e cores desbotadas, prejudicando a experiência do consumidor e levando a uma percepção negativa das marcas legítimas.

 Os produtos falsificados apresentam uma série de riscos para os consumidores, já que não são submetidos a um controle de qualidade adequado e geralmente são produzidos com insumos de qualidade inferior, em comparação aos produtos originais. Nesse sentido, Santos (2011, p. 12) esclarece que, “é claro que os produtos falsificados são mais baratos, porque não utilizam materiais de qualidade, não pagam tributos, nem sofrem fiscalização. Assim, quando adquirimos um desses produtos, além da pura e simples prática delituosa, corremos riscos, cuja abrangência pode alcançar a saúde e até a vida”.

No mesmo sentido, afirma Santos (2011, p. 13) que, “vale acrescentar que, como os produtos não são de qualidade, sua vida útil é infinitamente menor; porém, muito pior é que a maioria pode prejudicar a saúde e a segurança do consumidor: produtos que não atendem às normas técnicas, põem em risco a segurança de quem os consome”.

Além disso, a pirataria na indústria da moda também se manifesta por meio da falsificação de marcas renomadas. Logotipos e emblemas são reproduzidos de forma a parecerem autênticos, enganando os consumidores que acreditam estar adquirindo produtos genuínos. Essa prática não apenas prejudica a reputação das marcas originais, mas também viola os direitos de propriedade intelectual e propaga uma cultura de desrespeito aos direitos autorais.

Outro aspecto importante da pirataria na indústria da moda é a apropriação indevida de designs e estilos únicos. Muitas vezes, designers talentosos investem tempo e recursos na criação de peças inovadoras e exclusivas. No entanto, essas criações são frequentemente copiadas e comercializadas por terceiros, sem a devida autorização ou compensação financeira. Essa prática, não apenas compromete a originalidade e a criatividade dos designers, mas também afeta negativamente a indústria da moda como um todo, desencorajando a inovação e a busca por novas tendências.

Em resumo, a pirataria na indústria da moda é uma prática ilícita que envolve a produção e a venda de produtos falsificados, cópias não autorizadas e apropriação indevida de designs e estilos. De acordo com Costa e Sant’Anna (2008), “além de diminuir a arrecadação de tributos, a prática de pirataria é citada como sendo prejudicial às empresas e aos cidadãos, pois promove a concorrência desleal e a geração de empregos informais”. As características desse fenômeno incluem a criação de produtos visualmente semelhantes aos originais, porém de qualidade inferior, a falsificação de marcas renomadas e a violação dos direitos autorais dos designers.

A concorrência desleal, disciplinada pela da Lei 9.279/96, prevê, em seu art. 195[6], inúmeras situações que configuram o ilícito.

Como visto, a prática prejudica consumidores, produtores e o mercado da moda como um todo. Portanto, combater a pirataria torna-se essencial para preservar a autenticidade, a inovação e a integridade da indústria. No próximo tópico, serão abordadas algumas possíveis razões para que a prática da pirataria na indústria da moda seja amplamente aceita pelos consumidores, apesar de seus efeitos prejudiciais.

4.1. Motivações do consumo de produtos piratas

A aquisição de produtos piratas na indústria da moda é motivada por diversos fatores, sendo a questão econômica, um dos principais. Muitos consumidores desejam ter acesso a produtos de marcas famosas e designs exclusivos, mas são limitados pelo alto custo desses itens. A moda de luxo muitas vezes é vista como inacessível para uma parcela significativa da população, devido aos preços exorbitantes que são cobrados.

Kotler (2005) afirma que os elementos que influenciam as decisões de compra podem ser classificados entre psicológicos, sociais, culturais e pessoais. O autor afirma que os fatores culturais exercem o maior peso na hora da tomada de decisões. As pessoas formam crenças sobre marcas e produtos, que são baseados nas experiências, relatos e até no imaginário dos consumidores.

 Segabinazzi, Reale e Martins (2017), observaram que, para os consumidores de baixa renda, o preço é visto como uma oportunidade para consumir produtos que seriam difíceis de conseguir, o que justifica a compra de falsificados. Por exemplo, atualmente, no Brasil, o salário-mínimo estabelecido é de R$ 1.320,00. Por outro lado, um dos produtos de destaque no mercado é a linha de tênis “Air Jordan” da marca Nike, conhecida por sua popularidade e incidência de falsificações. O modelo de menor valor dessa linha está disponível no site oficial da loja pelo preço de R$ 1.099,00. Portanto, o valor do produto representa aproximadamente 83,33% do salário-mínimo vigente no país.

Vale destacar que o preço mencionado no exemplo anterior se refere a um produto comercializado no próprio sítio da marca, caracterizado por um modelo simples e com poucos concorrentes.

Assim, para Strehlau, Urdan (2015, p. 82), “a falsificação é uma ‘solução’ de mercado para a frustração de quem deseja consumir um produto ou marca originais e não dispõe de recursos financeiros para pagá-los ou não aceita arcar com tal pagamento integralmente. ‘Solução’ essa, porém, carregada de imperfeição, polêmica e malefícios”.

 Nesse contexto, os produtos piratas, geralmente vendidos a preços significativamente mais baixos, tornam-se uma alternativa atraente para aqueles que desejam desfrutar das tendências da moda, de forma mais acessível. O exemplo utilizado anteriormente foi ilustrado no setor de calçados. Entretanto, é importante destacar que a problemática da pirataria abrange diversos segmentos no âmbito da moda, conforme já mencionado.

Ainda no campo da motivação financeira, outro aspecto que impulsiona as pessoas a comprar produtos piratas na indústria da moda é a busca pela exclusividade. Muitos consumidores desejam se destacar e se sentir únicos, por meio das suas escolhas de moda. No entanto, algumas marcas de luxo produzem quantidades limitadas de determinados produtos, tornando-os exclusivos e extremamente difíceis de adquirir. Essa exclusividade aumenta a demanda por esses itens e, consequentemente, eleva os seus preços. Como resultado, produtos autênticos de marcas renomadas se tornam inacessíveis para a maioria das pessoas.

Nesse cenário, os produtos piratas novamente surgem como uma alternativa mais viável para aqueles que buscam replicar o visual exclusivo e aspiracional de determinadas marcas (“ditadura da moda”), mesmo que isso signifique adquirir produtos ilegais. No entanto, é importante ressaltar que a exclusividade não é apenas sobre a estética, mas também sobre os valores e a autenticidade transmitidos pelas marcas originais, aspectos que os produtos piratas não conseguem capturar de forma legítima. Portanto, a busca por exclusividade na moda não justifica a compra de produtos piratas, uma vez que compromete os direitos autorais, a qualidade e a integridade da indústria.

Além da motivação financeira, outros fatores provocam a demanda por produtos piratas. A influência das mídias sociais e das celebridades desempenha um papel significativo na perpetuação da cultura da pirataria. As plataformas de mídia social exibem constantemente imagens de pessoas famosas e influentes usando roupas e acessórios de marcas de luxo. Essa exposição constante pode levar as pessoas a desejarem esses produtos, porém, muitas vezes, sem terem condições financeiras para adquiri-los legalmente. Como resultado, elas buscam versões mais baratas, mesmo que sejam ilegais.

Além disso, a busca por status e pertencimento também influencia a decisão de comprar produtos piratas. A sociedade valoriza as marcas de luxo como símbolos de prestígio e sucesso. Muitos consumidores desejam ser vistos como parte desse universo “exclusivo”, mesmo que seja por meio de imitações, toleradas e permitidas, em nome das tendências da moda. A posse de um produto, supostamente de uma marca famosa, pode gerar uma sensação de inclusão em um determinado grupo social ou ajudar a construir uma imagem desejada. Nesse sentido, reforça Bacha, Strehlau e Strehlau (2013, p. 43) que, “a marca de luxo falsificada, desde que não seja desmascarada, poderia, hipoteticamente, ‘alardear a sua riqueza’ e poder aquisitivo, sinalizando status social”.

A imitação de produtos da moda também pode ser vista como uma forma de experimentação e diversão. Alguns consumidores veem a compra de produtos piratas como uma oportunidade de explorar diferentes estilos e tendências, sem investir uma grande quantidade de dinheiro. Para eles, esses produtos podem ser descartáveis e temporários, e a velocidade das mudanças na moda permite que acompanhem as últimas novidades, sem fazer grandes investimentos.
Por fim, é importante ressaltar que um motivo adicional, aparentemente simples, para o consumo da pirataria na indústria da moda é a enganação por parte dos consumidores, que muitas vezes desconhecem que estão adquirindo produtos falsificados. Turunen e Laaksonen (2011) identificam a existência de dois tipos de compra de produtos falsificados. Há os consumidores que sabem que estão comprando uma falsificação (compra não-enganosa) e os que acreditam que estão comprando um produto original (compra enganosa).

Em alguns casos, os consumidores podem ser induzidos ao erro por vendedores inescrupulosos que tentam passar produtos piratas como autênticos. A falta de conhecimento sobre as características e os detalhes que distinguem os produtos originais dos falsificados pode levar os consumidores a adquirir itens pirateados, sem sequer perceber. Esse engodo é prejudicial tanto para os consumidores, que podem acabar pagando um valor injustificado por produtos de qualidade inferior, quanto para os produtores legítimos, que têm as suas marcas desvalorizadas e a sua reputação comprometida pela presença de produtos falsificados no mercado.

No entanto, é importante destacar que, embora as motivações para a compra de produtos piratas possam variar, essa prática tem consequências para a indústria da moda e para os consumidores. A busca por produtos piratas pode prejudicar a integridade criativa e a inovação das marcas legítimas, além de sustentar práticas injustas, como a exploração da mão de obra e do trabalho infantil. Os consumidores também correm o risco de adquirir produtos de baixa qualidade, que podem afetar a sua experiência de uso e até mesmo representar riscos à saúde. Portanto, é importante promover a conscientização sobre essas questões e incentivar um consumo responsável e ético na indústria da moda.

4.1.1. Divulgação de produtos piratas por figuras públicas

No tópico anterior, foram expostas algumas das motivações que impulsionaram o consumo de produtos piratas na indústria da moda. Entretanto, é fundamental aprofundar a discussão sobre o papel das mídias sociais nesse cenário. A influência exercida por essas plataformas digitais, juntamente com a atuação de influenciadores, merece uma análise mais detalhada, vez que desempenham papel significativo na divulgação e na promoção desses produtos de procedência ilegal. Nesse sentido, é crucial examinar a irresponsabilidade dos influenciadores que aceitam fazer divulgações de produtos piratas, visando ganhos financeiros, e a ampla difusão dessa prática no Brasil.

A falta de responsabilidade dos influenciadores digitais que aceitam fazer divulgações remuneradas de produtos piratas é uma preocupação crescente na indústria da moda, e essa prática, infelizmente, é comum no Brasil. O problema não está necessariamente no consumidor, mas sim na figura pública que utiliza a sua influência para divulgar produtos piratas, como se fossem originais, lesando assim os seus seguidores.

Os influenciadores, com seu alcance e poder de influência sobre o público, desempenham um papel significativo na formação das tendências de consumo. No entanto, quando eles promovem produtos piratas, estão contribuindo para a perpetuação de uma prática ilegal e prejudicial para toda a cadeia envolvida e para os consumidores finais. Silva (2013), identifica que o aproveitador busca de alguma forma obter vantagens, sem muito esforço, utilizando a fama e o prestígio angariados por determinada marca ou nome empresarial, associando a sua “marca” de alguma forma àquela, buscando assim locupletar-se.

Muitos influenciadores aceitam parcerias e patrocínios sem verificar a garantia e a legalidade dos produtos que estão promovendo. Eles são movidos pelo potencial financeiro dessas parcerias, muitas vezes ignorando questões éticas e legais envolvidas. Ao fazerem divulgações de produtos piratas, eles estão dando uma falsa sensação de aprovação a esses itens, influenciando a aceitação dos consumidores e colaborando para a desvalorização das marcas legítimas.

Os proprietários de marcas legítimas investem em pesquisa, desenvolvimento e criação de produtos originais, e a pirataria compromete todos esses esforços. É importante ressaltar que, no Brasil, a fiscalização e a aplicação das leis de proteção aos direitos autorais nem sempre são efetivas, o que acaba criando um ambiente indiretamente favorável para a comercialização de produtos falsificados. A falta de regulamentação adequada e de conscientização, por parte dos influenciadores, permite que essa prática se perpetue, prejudicando tanto as marcas autênticas, quanto os consumidores, enganados pela falsa credibilidade dos produtos piratas.

Para combater esses problemas é fundamental que os influenciadores assumam uma postura mais responsável e ética, em relação às parcerias que aceitam. Eles devem fazer uma verificação criteriosa dos produtos, marcas e empresas que estão promovendo. Devem firmar parcerias apenas com marcas legítimas e comprometidas com a qualidade e originalidade de seus produtos. Além disso, as autoridades competentes precisam fortalecer a fiscalização e aplicação das leis de proteção aos direitos autorais, garantindo punições para aqueles que comercializam produtos piratas.

No final das contas, a conscientização do público em geral, também é essencial. Os consumidores devem ser informados sobre os riscos e consequências da compra de produtos piratas, bem como sobre a importância de proteger as marcas legítimas e promover um consumo ético e responsável. É necessário que os seguidores digitais percebam que a divulgação de produtos piratas, por parte dos influenciadores, é uma prática enganosa, que prejudica, tanto a indústria da moda, quanto os próprios consumidores. A confiança depositada nos influenciadores digitais, como fontes de informação e inspiração, é significativa. Quando eles promovem produtos piratas, sem transparência, estão traindo a confiança de seus seguidores.

A divulgação de produtos piratas pelos influenciadores cria uma ilusão de garantia, levando os consumidores a acreditarem que estão adquirindo itens fidedignos. Isso resulta em perdas financeiras e emocionais para os seguidores, que investem seu dinheiro em produtos de qualidade duvidosa e, muitas vezes, estão sendo enganados em relação à procedência e confiabilidade deles.

Além disso, a promoção de produtos piratas pelos influenciadores gera uma competição desleal com as marcas legítimas. As empresas que investem em pesquisa, desenvolvimento e criação de produtos originais são prejudicadas pela concorrência desleal dos produtos falsificados, que são comercializados a preços mais baixos, devido à ausência de investimentos em qualidade e propriedade intelectual.

A responsabilidade dos influenciadores digitais vai além da simples divulgação de produtos. Eles têm obrigação de fazer parcerias apenas com marcas que seguem práticas legítimas e éticas, promovendo assim um ambiente de negócios justo e sustentável. Ao aceitarem patrocínios de produtos piratas, os influenciadores estão cooperando para a perpetuação de um mercado ilícito e prejudicial.

No Brasil, é importante destacar que as práticas ilegais relacionadas à pirataria são um desafio complexo. A falta de regulamentação e fiscalização efetivas permite que essa prática seja mantida e, até, disseminada no país. É necessário um esforço conjunto entre as autoridades competentes, as marcas legítimas e os influenciadores para combater a pirataria na indústria da moda.

É crucial que os influenciadores entendam o impacto negativo de suas ações na indústria e na sociedade. Eles têm o poder de influenciar comportamentos e atitudes dos consumidores, e deve ser responsabilidade deles usar essa influência de forma ética e responsável. Somente por meio da conscientização, da transparência e da promoção de práticas legítimas será possível combater a irresponsabilidade dos influenciadores e proteger a indústria da moda da pirataria.

4.2. Consequências da pirataria na indústria da moda: impactos financeiros, desvalorização da propriedade intelectual e efeitos na economia

A pirataria na indústria da moda é um fenômeno de ampla abrangência que acarreta consequências significativas para as marcas, a propriedade intelectual e a economia do país. Compreender essas consequências é fundamental para enfrentar esse problema complexo e buscar soluções eficazes. Segundo Luppi (2022, p. 14), “a prática da pirataria afeta todo sistema da propriedade intelectual e impacta negativamente toda a sociedade. Abala toda a cadeia de produção e de consumo e prejudica as empresas, os trabalhadores, o meio ambiente, e o Estado”. Neste contexto, destacam-se três aspectos fundamentais: o impacto financeiro para as marcas, a desvalorização da propriedade intelectual e os efeitos negativos na economia.

No que diz respeito ao impacto financeiro, a pirataria representa uma séria ameaça às marcas genuínas. Como já visto, a comercialização de produtos falsificados gera uma concorrência desleal, prejudicando as vendas e a receita das empresas responsáveis. Os produtos piratas são frequentemente vendidos a preços significativamente mais baixos do que os produtos autênticos, atraindo consumidores em busca de preços mais acessíveis. Isso desvia o fluxo de receita, que deveria ser destinado às marcas originais, comprometendo os seus investimentos em pesquisa, desenvolvimento e marketing. Além disso, as marcas precisam arcar com os custos associados à luta contra a pirataria, como a implementação de tecnologias de proteção de marca e ações legais para reprimir a produção e a venda de produtos falsificados.

Outra consequência significativa da pirataria na indústria da moda é a desvalorização da propriedade intelectual. A pirataria envolve a cópia não autorizada de designs, logotipos e marcas registradas, violando os direitos autorais e prejudicando a originalidade e a criatividade dos designers. Ao reproduzir e vender produtos falsificados, os infratores estão se apropriando indevidamente do trabalho intelectual alheio, causando danos à reputação das marcas originais. Além disso, a desvalorização da propriedade intelectual incentiva a reprodução indiscriminada de produtos, desencorajando a inovação e a criação de novas tendências na indústria.

No âmbito econômico, a pirataria na moda também apresenta efeitos negativos significativos. Um desses efeitos está relacionado à falta de geração de empregos formais. Enquanto as marcas legítimas investem em mão de obra qualificada, os produtores de mercadorias falsificadas, muitas vezes, recorrem a práticas ilegais e precárias, explorando condições de trabalho desumanas e não oferecendo proteção social adequada aos trabalhadores. Isso resulta em uma carência de empregos formais e de qualidade na indústria, comprometendo o desenvolvimento econômico sustentável. Segundo Portugal (2011 p. 241) a pirataria, “lesa as empresas não só nos lucros, mas também em sua reputação”.

Além disso, a pirataria também afeta a economia no que diz respeito à arrecadação de tributos. A venda de produtos falsificados muitas vezes ocorre no mercado informal, escapando da tributação e reduzindo a receita do Estado, em duas três expressões (municipal, estadual/distrital e federal). Isso impacta diretamente os recursos disponíveis para investimentos em infraestrutura, serviços públicos e programas sociais. Além disso, as empresas proprietárias de marcas legítimas são grandes contribuintes, ajudando na necessária arrecadação tributária. A pirataria, por sua vez, prejudica sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento econômico do país.

De acordo com o balanço anual do Fórum Nacional contra a pirataria e Ilegalidade (FNCP)[7], em 2020, o Brasil teve um prejuizo de cerca de R$ 287,9 bilhões para o mercado ilegal, sendo que se estima que R$ 58,4 bilhões se refiram ao setor de vestuário (ILEGALIDADE, 2022). Nesse sentido, Medeiros (2005, p. 31) elucida que “o dinheiro que deveria entrar nos cofres públicos e se converter em estradas, saneamento básico, educação e saúde, beneficiando um número cada vez maior de brasileiros, passa a não existir”. Isto é, a sonegação de tributos ao Estado resulta em perda de milhões de reais que poderiam ser investidos para promover melhorias na sociedade.

Diante das consequências abordadas, é crucial buscar formas efetivas de combater a pirataria na indústria da moda. No próximo tópico, serão exploradas algumas estratégias e medidas que podem ser adotadas para enfrentar esse desafio intrincado. A conscientização dos consumidores, o fortalecimento da proteção de marcas, ações legais e parcerias entre governos, indústria e sociedade civil são algumas das abordagens que podem contribuir para reduzir a incidência da pirataria e preservar a autenticidade e a integridade do mercado da moda.

4.3 Estratégias e iniciativas para combater a pirataria na indústria da moda

A pirataria na indústria da moda é um desafio significativo que exige a implementação de estratégias e iniciativas eficazes para lidar com esse problema e proteger os direitos autorais, garantir a qualidade dos produtos e preservar a integridade e autenticidade da indústria.

No combate à falsificação, o Brasil já dispõe de entidades especializadas. O Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) é um órgão vinculado ao Ministério da Justiça, responsável por liderar a implementação do III Plano Nacional de Combate à Pirataria, no período de 2013 a 2016.  Por outro lado, o Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade é uma organização, financiada por empresas afetadas pela falsificação, que atua na defesa dessa causa perante as instâncias do poder público, especialmente o Executivo e o Legislativo, além de conscientizar a opinião pública.

Santos (2011, p. 15) assevera ser “preciso apoio do Poder Público àqueles que enfrentam diretamente tal desafio, criando meios e condições de um trabalho mais eficiente, com destinação de verba e pessoal para os locais mais críticos. Só assim poderá ter êxito tal tarefa”.

É de extrema importância direcionar atenção especial ao enfrentamento da falsificação, junto aos consumidores, que são os destinatários e adquirentes desses produtos. Em tese, o consumidor não é facilmente enganado ao adquirir uma marca de luxo falsificada, pois encontra indícios claros, como preços excessivamente baixos (visivelmente incompatíveis com um produto superior) e locais de venda menos sofisticados do que o habitual, que apontam para a falta de autenticidade da mercadoria.

Porém, a falta de informação ou a ausência de preocupação por parte dos consumidores, muitas vezes, faz com que essas evidências sejam ignoradas ou deixadas de lado. Nesse sentido, Santos (2011, p. 12) ressalta que, “a prática das falsificações segue, porque há consumidores, compradores, que alimentam a referida indústria da fraude. Por mais que se pretenda o controle, os usuários alimentam essa mina de ouro, sem a necessária informação que viabilizaria controle e combate eficientes”.

Neste contexto, o fortalecimento das leis de proteção aos direitos autorais é fundamental. É essencial que as autoridades competentes fortaleçam as leis de proteção aos direitos autorais, proporcionando um ambiente jurídico seguro para as marcas e designers. Isso inclui a implementação de controles mais rigorosos de fiscalização, punições efetivas para os infratores e aprimoramento dos processos legais relacionados à pirataria.

Ainda para Santos (2011, p. 14), “o combate às infrações dessa natureza precisa passar por uma conscientização da população sobre os males decorrentes de tal prática. É preciso conscientização de que comprar produtos falsificados, muito mais do que prática delituosa, é perigosa e pode acarretar sequelas irreversíveis”.

A educação e conscientização do público desempenham um papel crucial na luta contra a pirataria. Por exemplo, campanhas educativas podem ser desenvolvidas para informar os consumidores sobre os riscos e consequências da compra de produtos piratas. Destaca-se a importância de valorizar as marcas legítimas e promover um consumo ético e responsável.

Outra estratégia importante no combate à pirataria na indústria da moda é responsabilizar influenciadores e personalidades que divulgam produtos falsos. É fundamental estabelecer medidas para coibir a promoção de produtos piratas por parte desses influenciadores, uma vez que eles têm um impacto significativo nas decisões de compra dos consumidores. Ao responsabilizá-los e promover a conscientização sobre as consequências legais e éticas desse tipo de prática, é possível desencorajar a disseminação de produtos falsificados e promover um ambiente mais íntegro e autêntico na indústria da moda.

Santos (2011, p. 15) lembra que, (..) o combate também precisa estar atualizado. Um dos grandes aliados ainda são os meios de comunicação, que têm o poder de conscientizar a população acerca dos riscos, para a saúde, quanto para a segurança dos produtos negociados, como incentivo a denunciar as práticas e os locais onde são realizadas”.

Além disso, a colaboração entre indústria, governo e sociedade civil é essencial. Por exemplo, a colaboração entre diferentes partes interessadas, incluindo proprietários de marcas, designers, governo e organizações da sociedade civil, pode fortalecer os esforços para combater efetivamente a pirataria na indústria da moda. Isso pode envolver o compartilhamento de informações, o desenvolvimento de diretrizes e padrões de conduta, além do apoio mútuo na implementação de ações preventivas e repressivas.

Outra medida importante é o investimento em tecnologia de rastreamento e login. Por exemplo, o uso de tecnologias avançadas, como códigos de autenticação, chip RFID[8] e blockchain[9], pode ajudar a rastrear e autenticar produtos, dificultando a falsificação e facilitando a identificação de produtos piratas. Essas soluções tecnológicas podem fornecer maior segurança e confiança aos consumidores, além de auxiliar na investigação e combate à pirataria.

O citado chip RFID é definido pelo sítio Codima (2019) como, “um sistema para identificar objetos, transmitindo dados sobre eles, por meio de ondas de rádio frequência. Para isto, são usadas tags RFID, que são simplesmente uma antena e um chip integrados dentro de uma etiqueta”.

Além disso, a cooperação internacional e a troca de informações são essenciais. A pirataria na indústria da moda é um problema global, portanto, a cooperação internacional é fundamental. Por exemplo, a troca de informações entre diferentes países e a colaboração no combate à pirataria podem fortalecer os esforços para enfrentar esse desafio de maneira mais eficaz. Tratados e outros acordos internacionais também podem ser estabelecidos para proteger os direitos autorais e incentivar a cooperação transfronteiriça.

Por fim, é necessário promover a valorização da originalidade e criatividade na indústria da moda. Incentivar o reconhecimento e apoio aos designers e marcas registradas, bem como proteger a certificação e exibir os produtos, pode contribuir para a redução da demanda por produtos piratas. Ao implementar essas estratégias e iniciativas, é possível fortalecer a proteção dos direitos autorais, garantir a qualidade dos produtos e preservar a integridade e autenticidade da indústria da moda.

5. Considerações finais

Em conclusão, ao longo deste artigo, pudemos explorar de forma abrangente a relação entre moda, direito e pirataria. O primeiro tópico abordou a importância da moda na sociedade, compreendendo os seus conceitos, características e sua relevância econômica. Em seguida, adentramos o campo do direito e sua relação com a moda, explorando o direito autoral, a propriedade intelectual e o Fashion Law.

No terceiro tópico, analisamos a pirataria na moda em detalhes, compreendendo o seu conceito, as motivações de consumo, a divulgação por parte de influenciadores, bem como suas consequências para o mercado. Observamos que a pirataria afeta negativamente a indústria, resultando em perdas financeiras, desvalorização das marcas, comprometimento da qualidade dos produtos e riscos à saúde dos consumidores.

Diante desse cenário, é fundamental destacar a importância de combater a pirataria na indústria da moda. Entre as possíveis abordagens, podemos mencionar o fortalecimento da fiscalização e aplicação das leis de proteção aos direitos autorais, a conscientização dos consumidores sobre os riscos da pirataria, a cooperação entre marcas e influenciadores comprometidos com a autenticidade, a adoção de tecnologias de rastreamento e autenticação de produtos, bem como a criação de um ambiente legal e regulatório propício ao combate à pirataria.

A solução para o complexo problema da pirataria na indústria da moda é um desafio constante e conjunto, que requer ações integradas dos diversos atores envolvidos. Além das estratégias mencionadas, é fundamental promover o diálogo entre os setores público e privado, fomentar a cooperação internacional e investir em educação e conscientização sobre a importância da proteção dos direitos autorais e da valorização do trabalho criativo na indústria da moda.

Diante dos impactos prejudiciais da pirataria na moda, é imprescindível que a indústria e os diversos agentes envolvidos estejam comprometidos em adotar medidas eficazes para combater esse problema. A proteção dos direitos autorais, a garantia da qualidade dos produtos e a preservação da integridade e autenticidade da indústria da moda são elementos fundamentais para a construção de um mercado justo, sustentável e que valorize a criatividade e a inovação.

Com base nesse contexto, o presente artigo buscou contribuir para o entendimento da pirataria na indústria da moda e suas implicações, fornecendo informações relevantes para a conscientização e a promoção de ações concretas visando combater esse fenômeno negativo à sociedade.

Concluímos que a pirataria na indústria da moda é um desafio significativo, que exige esforços conjuntos de todos os envolvidos. Ao proteger os direitos autorais, garantir a qualidade dos produtos e promover a conscientização, poderemos preservar a integridade e autenticidade da indústria da moda, valorizando o trabalho criativo e inovador de designers e estilistas. Somente por meio de uma abordagem abrangente e colaborativa, poderemos enfrentar efetivamente a pirataria e construir um mercado da moda mais ético, sustentável e próspero.

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Fórum contra a Pirataria. Disponível em: http://www.forumcontrapirataria.org/web/.


[1] Disponível em: https://www.abit.org.br/. Acesso em: 17/08/2023.

[2]  Direitos conexos aos direitos autorais, incluem:

1. Para artistas intérpretes ou executantes:

– A fixação de suas interpretações ou execuções;

– A reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas;

– A radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não;

– A colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem;

– Qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções.  

2. Para produtores fonográficos:

– A reprodução direta ou indireta, total ou parcial;
– A distribuição por meio da venda ou locação de exemplares da reprodução;

– A comunicação ao público por meio da execução pública, inclusive pela radiodifusão;
– Quaisquer outras modalidades de utilização, existentes ou que venham a ser inventadas.

[3] Estabelecido em 2010, com o apoio de Diane von Furstenberg e do Conselho de Estilistas de Moda da América, o Fashion Law Institute foi o primeiro centro acadêmico do mundo dedicado a questões jurídicas e comerciais relacionadas à indústria da moda. Disponível em: https://www.fashionlawinstitute.com/. Acesso em: 18/08/2023.

[4] Mais recentemente, esse conceito evoluiu para o ESG, que representa a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa (Environmental, Social and Governance). A abordagem do ESG busca avaliar em que nível uma corporação trabalha em prol de objetivos sociais e ambientais, que vão além do papel de maximizar lucros, exclusivamente em nome dos interesses dos acionistas da empresa.

[5] Bernard Jean Étienne Arnault, empresário francês, atual presidente e diretor executivo da LVMH (holding francesa especializada em artigos de luxo, formada pelas fusões dos grupos Moët et Chandon e Hennessy e, posteriormente, do grupo resultante com a Louis Vuitton), a maior empresa de artigos de luxo do mundo, e respondendo atualmente pela segunda maior fortuna pessoal do globo, calculada em US$ 150 bilhões, ou 750 bilhões de reais.

[6] Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV – usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;

V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;

VI – substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;

VII – atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;

VIII – vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;

IX – dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;

X – recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;

XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou

XIII – vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou 53 menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser;

XIV – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.

[7] Disponível em: https://fncp.org.br/. Acesso em: 18/08/2023.

[8] Também conhecidos como “etiquetas inteligentes”. Leitor de RFID é um leitor de identificação por radiofrequência (chip RFID), dispositivo usado para coletar informações de uma etiqueta RFID, que é usada para rastrear bens. As ondas de rádio são usadas para transferir dados da etiqueta para um leitor.

[9] Blockchain (“cadeia de blocos”) é uma tecnologia de registro distribuído que permite registrar transações de forma segura, transparente e descentralizada. Ela serve como um livro contábil digital para transações financeiras, registros de propriedade, votações eletrônicas e outras aplicações.


[1] Acadêmico da Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac.

[2] Doutor pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). Professor do Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac.

Regulamentação e tributação das apostas esportivas online

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

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Regulamentação e tributação das apostas esportivas online

Maria Eduarda Silva Menezes & Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

As apostas esportivas online, popularmente conhecidas como bettings, se difundiram de maneira global tornando-se um ramo indiscutivelmente relevante. Ponderando detidamente as legislações vigentes, constatam-se omissões do liame governamental em relação ao mercado de apostas e ao apostador. Por meio de pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa, nos baseamos na análise documental e no levantamento de dados para buscar identificar métodos efetivos para contribuir no sentido de que a iminente regulamentação e tributação das apostas online tenha consequências benéficas. Nossas conclusões sugerem a normatização da proposta e a incidência de tributação, respaldada pelo princípio da equivalência tributária. Por meio do direito comparado, inclusive propostas legislativas e jurisprudência, buscamos experiências para coibir práticas como a evasão de divisas, a ilegalidade no setor, a manipulação de resultados e, por outro lado, garantir a proteção do apostador e a confiabilidade desse mercado em ascensão.

Palavras-chave: Apostas esportivas online; betting; regulamentação; tributação.

Abstract:

Online sports betting, popularly known as bets, has spread globally, becoming an undeniably relevant branch in the economy. A close look at the current legislation reveals omissions from the governmental bond in relation to the betting market and the bettor itself. To this end, we opted for exploratory research, with a qualitative approach and based on document analysis and data survey. The study seeks to identify effective methods so that the imminent approval of the proposals for regulation and taxation of online gambling will have beneficial consequences, considering the present socioeconomic situation of the country, as well as the actors involved. The hypothesis initially raised is the regulation of the proposal and the incidence of a tax supported by the principle of tax equivalence. Observing proposed bills, case law, and even the repercussion of this issue from an international perspective, we gathered overseas experiences to curb practices such as currency evasion, illegality in the betting business sector, the manipulation of results, and on the other hand, to ensure the protection of the bettor and the reliability of this growing market.

Keywords: Online sports betting; regulation; taxation.

  1. INTRODUÇÃO

A expectativa quanto à regulamentação e tributação das apostas esportivas online é grande e demonstra a relevância e o potencial do setor. Hoje não há qualquer respaldo jurídico e tributário específico para a modalidade de entretenimento. Os jogos de azar estão presentes no país desde a chegada dos portugueses ao território brasileiro, tendo como objetivo inicial simplesmente garantir a recreação dos jogadores. Com o passar dos anos e o crescimento da antiga colônia, foi-se fomentado o debate acerca da moralidade e licitude das apostas. Sob o viés da moral e dos bons costumes, sua prática foi restringida até o início das operações de jogos sob o monopólio da Caixa Econômica Federal, em 1961[3].

A relevância e premência da regulamentação e tributação do setor vêm aumentando com o passar dos anos, à medida que o mercado de jogos online vem também afetando a sociedade em alcance mundial. Com o advento das novas tecnologias e a popularização da Internet nascem, como alternativa aos jogos de azar tradicionais, as apostas esportivas on-line. O tema vem sendo discutido em diversos países quanto à legalidade, à criação de normas efetivas e os prováveis tributos a serem estabelecidos para a atividade. Algumas nações fomentam esse mercado e têm legislações bem definidas, enquanto outras vedam completamente a exploração desses jogos e, para tanto, alegam valores éticos/morais, jurídicos e econômicos.

No contexto brasileiro já existem leis capazes de regulamentar os jogos de azar. Contudo, esses diplomas apresentam diversas lacunas, em se tratando das modalidades online de jogos. Essas omissões legislativas já deveriam ter sido sanadas, porém, a burocratização dos processos legislativo e regulamentar ocasionou a mora para definir e disciplinar os tributos incidentes. Em razão dessa omissão legislativa, os valores que deixaram de ser potencialmente recolhidos aos cofres públicos (renúncia fiscal por omissão legislativa) poderiam, por exemplo, ter sido usados para suprir áreas que carecem de incentivo governamental, afetando boa parte dos cidadãos brasileiros.

A ausência de clareza normativa pode também ocasionar problemas como a insegurança do apostador, o incentivo à criação de organizações criminosas, a evasão fiscal, lavagem de divisas e a exposição irrestrita ao vício. Governos e organizações internacionais têm empreendido esforços para a concepção de políticas e regras para garantir a integridade e a transparência do setor de apostas esportivas online.

Como forma de combater as irregularidades, a regulamentação e, consequentemente, a tributação das apostas esportivas virtuais são utilizados em diversas Jurisdições, como, por exemplo, o Reino Unido, os Estados Unidos da América e a Austrália. O tema tem gerado recentes discussões nos Poderes Legislativo e Executivo e na imprensa. Os Projetos de Lei 845/2023, 186/2014, 595/2015, 2.648/2019 e 4.495/2020 refletem a necessidade de reconhecimento e respaldo aos jogos de azar online.

É preciso buscar os métodos mais viáveis para regulamentar, regularizar e tributar as apostas esportivas virtuais, fornecendo insights aos presentes debates no Brasil e no mundo. O objetivo deve ser uma implementação estável e equilibrada dessa legalização/regulamentação, para garantir a proteção do mercado, a arrecadação governamental e a segurança do apostador, considerando a aplicabilidade em outros países e possíveis problemas a serem examinados e sanados, por intermédio da elaboração de lei direcionada ao setor ou pela complementação das legislações já existentes, a Lei 13.756/2018 e a Lei 14.183/2021.

Este artigo foi dividido em duas seções principais. A primeira seção abordará os trâmites atuais de propostas legislativas para a aprovação das apostas esportivas online e sua consequente tributação. Na segunda seção, o objetivo será realizar uma análise internacional comparada quanto à aplicabilidade e problemas a serem enfrentados na implementação deste setor no Brasil.

Os jogos tradicionais de azar têm um contexto histórico e sua prática é amplamente discutida. Contudo, seu respaldo legal não abrange a modalidade virtual ou online de apostas. Para melhor analisar esse fenômeno, utilizamos a pesquisa exploratória, por se tratar de um tema ainda em discussão, com rara produção no âmbito jurídico brasileiro.

Também optamos por uma abordagem qualitativa, considerando a subjetividade das motivações éticas, morais e mesmo econômicas que permeiam essa temática. Como forma de buscar solucionar a hipótese e o problema de pesquisa, foram utilizados o método indutivo e a análise de dados coletados.

O procedimento de coleta de dados se deu por intermédio de pesquisa bibliográfica e documental, com o objetivo de associar e comparar dados advindos da doutrina e legislação nacional e internacional e jurisprudência, para melhor compreensão e interpretação das propostas de regulamentação e tributação das apostas esportivas virtuais.

Também levamos em consideração embates históricos e morais, sob a égide de leis revogadas, até os dias atuais. Discussões fomentadas sobre a legalidade dos jogos de azar e de prejuízos ou, ao menos, falta de benefícios, decorrentes da ausência de tributação. Sob uma perspectiva mundial desse mercado e as possíveis implicações para a sua implementação no país,  buscamos identificar e elucidar resistências em solucionar essa questão. A polêmica em torno do tema transcende o alcance apenas aos principais envolvidos, operador e apostador, englobando os três Poderes e exercendo influência na sociedade de modo generalizado.  

2. REGULAMENTAÇÃO E TRIBUTAÇÃO DE APOSTAS ON-LINE

Analisamos aqui as vigentes propostas para a legalização das apostas esportivas on-line, assim como a possível tributação decorrente dessas operações. Também trazemos posicionamentos daqueles que são, direta ou indiretamente, afetados pela regulamentação do setor, sob o enfoque de especialistas do ramo.

2.1. A proposta de regulamentação das apostas esportivas on-line no Brasil

Insta destacar, previamente, que o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (Lei 3.688/41) veda a exploração de jogos de azar no país. O §3º do citado artigo 50 esclarece o que sejam jogos de azar: “a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; e c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva”.

O Decreto-Lei nº 9.215/46 também considera defesa a prática de apostas sobre quaisquer outros esportes. Em consonância com essa perspectiva, Damásio de Jesus (2015, p. 65) propôs como conduta típica do delito: “o estabelecimento e a exploração de práticas de jogos de revés em ambientes públicos e de fácil acesso da população, mediante a cobrança ou não do ingresso”.

Uma lacuna no referido decreto de 1946 seria que a proibição abrangeria apenas a criação de locais físicos para apostas, uma vez que, à época, inexistiam os meios virtuais. Logo, após essa evolução tecnológica, a prática de apostas esportivas online restou sem a devida regulamentação (SECKELMANN, 2021). Com a redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015, o §2º do artigo 50, da Lei 3.688/41 passou a prever uma multa para participantes de jogos de azar, ainda que por meios virtuais[4].

Com a aprovação da Lei 13.756 em 2018, foi possibilitada a operação de sites de apostas em território nacional. Sua regulamentação, contudo, deveria ter ocorrido nos dois anos subsequentes à sua aprovação. Para viabilizar essa prática, Augusto Sávio Leó do Prado explica:

Nessa modalidade, há três atores envolvidos com a entrega da experiência ao seu destinatário final, que sempre será o apostador. São eles: os operadores (casas de apostas); os fornecedores que viabilizam a operação (plataformas, streaming, dados, odds, meios de pagamento) e as instituições reguladoras e de integridade (PRADO, 2023).

No ano de 2021, com o advento da Lei 14.183, houve apenas o estabelecimento da possibilidade de regulação/fiscalização das apostas de quota fixa e a alteração da destinação dos recursos arrecadados. Ainda, conforme entendimento do supramencionado autor, alguns detalhes foram modificados com a aprovação da Lei 14.183/21. Foi inserido o conceito de GGR (Gaming Gross Revenue), para o cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Já a base de cálculo para recolhimento da PIS (Contribuição para o Programa de Integração Social) e da COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), seria considerada nos moldes do turnover[5] (PRADO, 2023).

Em razão dessa omissão, permeiam indefinições acerca da regulamentação e da tributação do setor de apostas esportivas online no país. Em se tratando do Judiciário, discute-se, no Tema 924[6] de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, a legalidade dos jogos de azar, considerando o disposto no art. 50 da Lei Contravenções Penais.

Também tramita, no Senado Federal, o Projeto de Lei 845/2023. Apresentado pelos senadores Jorge Kajuru (PSB/GO) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), este modelo visa a suprir omissão legislativa e alcançar meios de conscientização, como o chamado “Jogo Responsável”[7], que diz respeito à limitação publicitária e à cobrança de tributos. Com base no referido projeto, pode-se definir aposta virtual como: “uma aposta realizada diretamente pelo apostador em sítios eletrônicos, aplicativos, ou outros meios virtuais, antes do evento real a que se refira a aposta ou durante a sua ocorrência” (SENADO FEDERAL, 2023).

O ponto em questão é a ausência de tributação em relação ao setor de apostas online. Já há legislação vigente a respeito, entretanto, a modalidade não foi devidamente regulamentada no Brasil, vez que não existem tributos e repasses à Administração Pública. Sendo assim, as operações são realizadas de forma livre e as grandes empresas não possuem sede no país. Contudo, veiculam suas imagens em canais de televisão abertos e por meio do patrocínio a diversos clubes esportivos. Em conformidade com o portal desportivo BNL Data[8] (2023), estima-se que o ramo obtenha lucro aproximado de 12 bilhões de reais, em 2023. Aliás, essa arrecadação deve alcançar números ainda maiores, quando ocorrem eventos em nível mundial, como a Copa do Mundo da FIFA.

Com o intuito de regulamentar outros ramos de apostas e a atividade de cassinos, também tramitam no Congresso Nacional os Projetos de Lei 186/2014, 595/2015, 2648/2019 e 4.495/2020. A modalidade de exploração das loterias, sob o comando da Caixa Econômica Federal, é um exemplo de regulamentação de apostas, sob constante supervisão estatal. Reputa-se que a atividade traga benefícios ao interesse nacional, por intermédio da criação de vagas de trabalho direto e indireto, e da consequente geração de renda. Poderá também haver estímulo ao turismo. O outro lado da moeda seriam potenciais problemas, conforme a experiência internacional mostra, de que os grandes cassinos são usados para a lavagem de divisas, eventual financiamento ao terrorismo e às milícias, tráfico de drogas e prostituição. A fiscalização desse setor é muito difícil. Além disso, o vício em jogos e apostas integra o Código Internacional de Doenças.

Em outros aspectos, a regulamentação coibiria o tratamento abusivo dessas apostas, reduzindo crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento de atos criminosos, tendo em vista que a quantia arrecadada estaria sob o modelo regulatório estatal. Segundo os autores Danilo Serra Tavares e Felipe Mello Cerqueira, escrevendo no portal Migalhas (2022), essa possibilidade de validação de práticas desportivas, como os jogos de azar, é dotada de relevância social, porém mostra-se condicionada à regulamentação para garantir sua permanência e efetivação. Ao criar e aplicar sanções àqueles que contrariarem as normas, está se resguardando bens juridicamente tutelados, bem como preservando a vida harmoniosa em sociedade e as partes envolvidas.

Há, contudo, opiniões contrárias à tal controle estatal, uma vez que consideram que o Estado falha na fiscalização e que a prática exacerbada de apostas poderia incentivar os apostadores ao vício. Em consonância com essa perspectiva, o psiquiatra Valdir Campos, em entrevista concedida ao jornal A Tribuna (2022), esclareceu que há indivíduos na sociedade com maior propensão a desenvolver patologias ligadas ao vício em jogos. Para inibir o adoecimento de parcela da população, seria necessário vedar a prática de jogos de azar, e, esse combate seria considerado uma política pública. Há ainda o posicionamento contrário atrelado à religião, tendo como um dos representantes a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), que critica a proposta, salientando os prejuízos à família, à moral e à sociedade como um todo.

Para Chris Doughan, da Genius Sports[9], em entrevista à Lincoln Chaves, da Radio Nacional,tornar essas apostas legais seria um modo de evolução, tanto no ramo fiscalizatório, quanto no tributário, vez que 75% dos componentes do mercado de apostas atuam de maneira ilegal. O especialista ainda complementa afirmando que, com a ausência de regulamentação não há contabilização das apostas, nem segurança ao apostador e visibilidade ao esporte. Assim, o Estado deixa de tributar a modalidade, sem garantir os benefícios dela decorrentes (AGÊNCIA BRASIL, 2019).

Em que pese as possíveis regras que serão adotadas para regulamentar as apostas em território nacional, empresários do ramo foram favoráveis à proposta e à possibilidade de tributação sobre as operações. O CEO global da Plataforma KTO[10], Andreas Bardun, prestou informações publicadas pelo portal GZH Geral (2023)[11], no sentido favorável à arrecadação tributária governamental, tendo em vista que essa tributação ocorre em diversos países em que sua empresa atua, de forma licenciada. A regulamentação de apostas esportivas e a tributação do setor certamente alavancam aspectos econômicos e o crescimento nos índices de empregabilidade.

Acredita-se que o regramento da tributação do setor, a exigência de sede das empresas no país, a fiscalização de atividades consideradas suspeitas e a garantia do respeito à integridade das apostas, afastaria empresas que poderiam ser prejudiciais, visto que os dados estariam sob análise constante da Receita Federal do Brasil e do Banco Central. Para tanto, utilizariam a tecnologia e a inteligência artificial para o efetivo monitoramento do comportamento dos usuários, além de mecanismos de conformidade (compliance) como, por exemplo, “conheça o seu cliente” ou “know your client – KYC” e “conheça a sua transação” ou “know your transaction – KYT”. Esses procedimentos servem para observar os dados dos utilizadores e eventual histórico negativo de envolvimento em fraudes, ou, de atividades relacionadas à lavagem de divisas. De acordo com o diretor da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte[12], esses mecanismos de inteligência artificial avaliam fatores como a periodicidade de apostas e os possíveis aumentos súbitos de quantias apostadas, evitando prejuízos decorrentes de fraudes e possibilitando a notificação aos órgãos moderadores (GHZ Geral, 2023).

Desde a promulgação da Lei 13.756/18 e mesmo sem a devida regulamentação, essa prática tornou-se uma realidade no contexto nacional, sendo incontestáveis o seu crescimento e a ascensão constante do número de adeptos.

2.2. A possibilidade de tributação das apostas virtuais em âmbito nacional

Como proposta inicial de regulamentação, o governo federal sugeriu, na gestão Bolsonaro (2019-2022), que as empresas do setor de apostas arcassem com uma taxa, aproximada entre 22 e 30 milhões de reais, para operarem no Brasil, por um período de 5 (cinco) anos. Contudo, a atual gestão federal (2023-2026) considera esse valor superado e propõe 30 milhões para a obtenção da licença, valor que tem sido considerado exagerado por representantes do setor. Este é um fator crucial e que poderá afastar potenciais investidores e, consequentemente, reduzir o recolhimento de tributos. Conforme a concepção de Luiz Felipe Maia, advogado especialista em apostas, em entrevista à Máquina do Esporte (2023): “No final do dia, cobrar uma licença mais cara, vai gerar uma arrecadação mais baixa. Porque a arrecadação do dia a dia vem sobre a operação de quem está devidamente licenciado, legalizado”.

Partindo dessa premissa, necessária uma análise acerca do equilíbrio na tributação que será implementada, com a finalidade de manter o interesse de empresas do ramo e dos apostadores, sem afetar o recolhimento dos tributos. Tendo como alicerce o princípio da proporcionalidade, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento atinente a essa temática mediante a Questão de Ordem da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.551[13], relator o Ministro Celso de Mello, que concluiu que:

[…] A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atividade estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixados em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência, entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro) configurar-se-á, então, quanto a esta modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV da Constituição da República (BRASIL, 2003).

Consoante o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista à Reuters[14], a tributação das apostas se dará por medida provisória. Entretanto, será previamente analisada pela Casa Civil e, após a sua publicação, serão editados portarias e atos infralegais, definindo um regramento efetivo. Em pesquisa pública, realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas[15] (2023), obteve-se como resultado que, dentre o público questionado, 55,2% são a favor da cobrança de tributos de empresas de apostas esportivas online. Outros 27,9% dos entrevistados se disseram desfavoráveis à proposta, enquanto 16,9% não souberam responder ou não opinaram.

Especialistas acreditam que a tributação das empresas do setor de apostas online deveria se aproximar do percentual de 20%, levando em consideração a média do Gaming Gross Revenue (GGR), aplicada em outros países e que tem essa tributação como atrativo de investidores. O especialista Udo Seckelmann, durante o Webinar “Apostas Esportivas no Brasil – Análise Regulatória e Aspectos Tributários”, organizado pela Academia Nacional de Direito Desportivo,  apresentou uma análise conclusiva acerca da tributação de apostas esportivas no país. Ele concluiu que, atualmente, existem operações realizadas em território nacional que se adequam ao negócio de apostas esportivas. Contudo, com a ausência de um amparo jurídico regulamentador, o governo acaba não tributando essas atividades. Por fim, aquele especialista alerta para o fato de que deve ser observada a implementação de um tributo equilibrado e, consequentemente, atrativo para que os operadores se instalem no Brasil (SECKELMANN, 2021).

Com a aprovação da Lei 14.183/21, foi delimitada a aplicação do GGR. No entanto, subsistem aspectos ainda sem fundamentação legal, como a forma em que a tributação incidirá sobre a atividade, a instalação dessas empresas no Brasil e a tributação sobre os apostadores. Desse modo, o Gaming Gross Revenue diz respeito à receita bruta dos jogos e é calculado pelo volume de apostas, descontando o valor pago para a premiação. O Turnover, por sua vez, é o cálculo feito a partir de toda a receita ou pelo volume gasto nas operações de apostas, podendo ser variável o percentual de sua tributação.

            Nos moldes atuais, o Decreto 9.580/18, em seu artigo 732, traz a cobrança da alíquota correspondente a 30% para as hipóteses de lucros decorrentes de prêmios obtidos em loterias, turfe, sorteios, dentre outras modalidades. Esse tributo incide sobre os apostadores, contudo, sua aplicabilidade não está definida no que tange às apostas esportivas on-line. O especialista Luiz Felipe Maia acredita que o percentual de tributos sobre as empresas do setor esportivo se aproximaria de 19%, semelhante às empresas convencionais, sendo dividido em: 0,10% do pagamento de apostas realizadas em locais físicos e 0,05% para apostas virtuais. Os valores referentes à PIS e à COFINS são 9,25% e há, ainda, um percentual variável de acordo com o local em que a empresa é sediada entre 2% e 5% (MÁQUINA DO ESPORTE, 2023).

A atualização das normas tributárias não acompanha o desenvolvimento tecnológico e alguns países deixam de arrecadar valores bilionários com a fiscalização das modalidades de apostas sobre competições esportivas. O Brasil está caminhando para a regulamentação do registro de empresas do setor, de tributos incidentes e de ilícitos potenciais.

Como forma de definir a competência tributária para a aplicação do ISS sobre os jogos online, em caráter de apostas ou não, foi votado o Projeto de Lei Complementar nº 202/2019[16], que determina que o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) seja recolhido no local de domicílio do jogador (SENADO FEDERAL, 2019). Nota-se, portanto, que, apesar do lapso temporal decorrido desde a votação, o projeto supracitado encontra-se em plena tramitação.

Em contraposição ao aspecto da legalidade, há o princípio tributário pecunia non olet (“dinheiro não tem cheiro”). Apesar de ainda não serem tributáveis as atividades do setor de apostas, o contribuinte pessoa física deve arcar com o Imposto de Renda e eventuais outros tributos (IPTU, IPVA etc.), decorrentes da apuração de ganho de capital e bens adquiridos com a quantia arrecadada com apostas bem-sucedidas.  De acordo com Soares (2019, p.20): “[…] para fins de tributação, pouco importa se o ato praticado pelo sujeito passivo é legal ou ilegal, pois o que interessa, em termos de incidência, é o resultado econômico obtido”.

Para as premiações das apostas realizadas em loterias federais há um abatimento prévio, ou seja, uma alíquota de 30%, que é retida na fonte para o Imposto de Renda. No entanto, os valores que chegam ao ganhador são aqueles divulgados, uma vez que já houve desconto. (R7, 2022).

Aguardando apreciação, há também o Projeto de Lei 442/91, que tramita como PL 2234/22, cuja aprovação repercutiria diretamente em todo o setor de apostas. Tal proposição legislativa tinha o objetivo inicial de legalizar o “jogo do bicho”. Todavia, a proposta foi alterada para incluir a possibilidade de exploração de jogos de revés e de apostas em todo o Brasil (SENADO FEDERAL, 1991).

A dificuldade de fiscalização do setor de apostas é exatamente um dos obstáculos para a sua regularização.  Locais físicos e virtuais implementados de forma desregrada podem fomentar o vício, induzindo à incidência de práticas como o tráfico de entorpecentes, a ocultação de bens e o endividamento familiar.

3.  DIREITO COMPARADO E PARÂMETROS RELEVANTES PARA A VIABILIZAÇÃO DO SETOR DE APOSTAS ESPORTIVAS ONLINE NO PAÍS

Aqui exploramos os impactos da legalização das apostas esportivas on-line em diversos países, considerando a sua capacidade de tributação e de fiscalização em relação ao setor. Também analisamos aspectos socioeconômicos, caso sejam aprovadas e tributadas as operações das empresas de bettings no Brasil.

3.1 Análise comparativa: a operação das apostas online em outras Jurisdições

Consoante informações do laboratório estadunidense Tax Foundation (2022), houve autorização e tributação de apostas esportivas online em, aproximadamente, trinta estados daquela Jurisdição. Majoritariamente, lá é adotado o modelo Gaming Gross Revenue para realizar o pagamento aos apostadores. Como exemplo, o Estado de Nova Iorque definiu uma taxa GGR de 51%. Alguns estados estudam retirar a tributação de apostas promocionais, uma vez que o excesso de tributos pode reduzir a atratividade do mercado.

Também nos Estados Unidos, há uma espécie de tarifa (preço/custo privado) que varia de acordo com o tipo de aposta, chamada de vig (vigorish) ou juice, e que corresponde a uma quantia cobrada pelas casas de apostas somente para a participação do jogador, ressarcida em caso de vitória. Ainda poderá ocorrer a incidência de tributos federais, uma vez que, de acordo o Serviço de Receita Federal estadunidense, Internal Revenue Service – IRS, todos os ganhos advindos de apostas devem ser declarados como uma forma de renda extra. Contudo, esse tributo será aplicado a ganhos superiores a 600 dólares e pode sofrer variações conforme a premiação. Em apostas com ganhos superiores a 5 mil dólares, essa tributação pode se aproximar de 28%. Os apostadores ainda são submetidos a um tributo estadual cujo percentual varia de acordo com cada estado (FORBES BETTING, 2022).

O site Time2play[17] (2023) executou um levantamento das apostas realizadas nos Estados Unidos, durante o período da pandemia da COVID-19. Os resultados mostraram que, enquanto houve uma queda de 47% nas apostas realizadas de forma presencial, o setor de apostas esportivas on-line foi beneficiado com um aumento geral exponencial de 68%. Os resultados do estudo influenciaram estados, em que as apostas eram tidas como irregulares, a regulamentarem a prática, devido à receita adquirida durante o ano de 2020. O mesmo site ainda realizou uma pesquisa sobre a preocupação do cidadão dos Estados Unidos com o índice crescente de regularização de apostas. Os resultados mostraram que somente 20% dos entrevistados relataram ter certa preocupação, enquanto 42% não revelaram qualquer receio.

No Reino Unido a remuneração é realizada de maneira diversa, ou seja, o GGR é utilizado para recolher o percentual de 15% da receita bruta das apostas, somente das empresas de apostas on-line, cassinos e casas de apostas. O cidadão não é diretamente tributado, nem mesmo com Imposto de Renda sobre a premiação em si, independente do valor auferido, ou da região em que foi realizada a aposta. Apesar da ausência de tributação sobre o apostador aparentar ser prejudicial à arrecadação governamental, na realidade, esse é um fator atrativo para os jogadores e garante, desde o ano de 2018, em média, 2,9 bilhões de libras esterlinas arrecadadas do setor de apostas. Para garantir a legalidade são utilizados sites licenciados e aferidos pelo governo britânico (TECHROUND, 2023).

Em razão dessa estrutura bem definida, o Reino Unido tem um dos maiores mercados mundiais de apostas online. O seu marco inicial data de 2005, por meio do Gambling Act e complementado pelo Gambling Bill, de 2014. Segundo o site Aposta Legal[18] (2023), o cumprimento dessas regras é garantido pela Gambling Comission[19], que também é responsável por expedir as licenças para os operadores, pessoas físicas ou jurídicas, devendo observar fatores como o combate ao vício, a vedação da prática por crianças e o oferecimento de apostas justas. Também deve emitir relatórios das atividades realizadas para combater a fraude, obedecendo o regramento previsto na License Conditions and Codes of Practices. Seu descumprimento pode acarretar a suspensão da licença e sanções.

A política fiscalizatória é rigorosa, uma vez que são exigidos relatórios contendo o histórico de cada apostador e analisadas as transações financeiras das casas de apostas e dos clientes. Para manter o licenciamento no Reino Unido, paga-se uma taxa anual de 3% sobre o total da receita recebida naquele ano pelos estabelecimentos. Deste modo, ficam seguras juridicamente as empresas do setor, o apostador e o próprio governo, considerando que possuem um ente que regulamenta e fiscaliza o setor de apostas, incluindo aquelas realizadas virtualmente, com publicidade e transparência para coibir trapaças e a inserção dos cidadãos no vício, decorrente de jogos.

Na Espanha, por intermédio da Lei nº 13, de 2011[20], foram regulamentados os jogos online. Em que pese o grande crescimento do setor de apostas e consequente aumento no número de arrecadações naquele país, alguns autores espanhóis demonstram preocupação com a exposição deliberada às apostas, sobretudo da população mais jovem. Com isso, é estudada uma vertente da ludopatia[21], diretamente relacionada aos jogos desportivos virtuais. Isso se dá por fatores que transcendem a amplitude e a propagação da modalidade, mas também incluem a facilidade em alcançar os resultados, quando rapidamente encantam esse público (FERNÁNDEZ; ALGARIN, 2019).

A Austrália é um exemplo de local onde as apostas e os jogos de azar são explorados de forma abrangente. Em 2017, a entidade responsável pela regulamentação do setor fez algumas alterações na Interactive Gambling Act, de 2001. A Australian Communications and Media Authority (2022), modificou o referido ato regulamentador para restringir as apostas de australianos a grupos de jogos ilegais do exterior. Essa alteração, segundo o portal governamental, reduziu significativamente o prejuízo dos jogadores. Ademais, com as modificações de 2017, foram elencadas dez medidas para auxiliar apostadores com vícios ou demandas decorrentes da atividade desportiva, por meio da Estrutura Nacional de Proteção ao Consumidor.

No continente asiático, o tratamento do setor de apostas esportivas é diversificado. Há países, como a Indonésia, onde a prática é proibida e outros, como Singapura, onde a prática não está vedada e tem regulamentação. Existem também casos como o do Japão e o da Coreia do Sul, em que a legalidade abarca somente determinados setores, como as corridas de cavalo. O caso da República Popular da China é delicado, do ponto de vista fiscalizatório, uma vez que, mesmo com legislação que define a prática de apostas como ilegal no país, muitos chineses procuram sites do exterior e os acessam de forma sigilosa. Segundo o portal SIGMA News (2021)[22], O Ministério de Segurança Pública da República Popular da China declarou que a polícia local havia investigado, aproximadamente, 17.000 casos de jogos de azar entre fronteiras. Em cerca de um ano, as autoridades chinesas fecharam 3.400 plataformas de jogos de azar online e 2.800 plataformas de provedores de pagamentos ilegais.

Portanto, com as peculiaridades de cada país, observam-se também os valores morais e sociais de cada local, atrelados ao bem-estar dos cidadãos, que são fatores decisivos para a regulamentação ou proibição da prática de apostas esportivas. Em contraposição, este fenômeno é contemporâneo, por isso carece da devida atenção estatal. A era da informatização traz inúmeras possibilidades, inclusive a de burlar aquilo que é vedado. Com a ausência de fiscalização e a omissão do Estado, cidadãos ficam expostos ao hábito de apostar de forma desembaraçada, podendo contrair distúrbios psicológicos e, da mesma forma, desenvolver condições como a compulsão em relação aos jogos de azar, chamada ludopatia.

3.2 Impasses para a regulamentação das apostas esportivas online em território nacional

Um dos fatores que mais fomenta a discussão acerca da legalização de apostas esportivas on-line é de crimes como a evasão e lavagem de divisas. No limbo legislativo em que se encontra o setor no país, esses crimes são praticamente uma consequência, tendo em vista que as casas ou sites de apostas não podem ter sede no Brasil e atualmente são operados por empresas do exterior. Não são observadas as movimentações financeiras dessa atividade, o que enseja a possibilidade de sua utilização para uma retirada financeira com intuito de ludibriar as cobranças.

Sendo assim, rendimentos provenientes de atividade ilícita podem ser declarados como premiações de jogos de azar (lavagem de divisas). Para coibir esses ilícitos é necessário analisar medidas adotadas no contexto internacional e adequar a legislação existente para que alcance os estabelecimentos comerciais, sedes e filiais, evitando condutas ilícitas e elencando como dever dos operadores comunicar atividades suspeitas e promover avaliações frequentes.

Apesar do Decreto 9.215/46 prever ser irregular o setor de apostas no Brasil, essa proibição é somente sobre a atividade de cassinos, bingos e demais jogos de azar presenciais. Com a utilização da Internet, essa norma foi superada, pois não dispõe acerca das apostas esportivas virtuais ou online, além da atuação dos operadores ocorrerem em outros países. Neste contexto, resta afastada a punibilidade de jogadores/apostadores online, sob o aspecto da Lei de Contravenções Penais e da posterior Lei nº 13.756/18.

É irrefutável a demora do governo federal em suprir lacunas normativas e tributar um mercado que movimenta bilhões de reais anualmente e está em plena ascensão. A mera cobrança do imposto de renda sobre os ganhos dos apostadores denota perda de arrecadação, “valores que poderiam ser utilizados para promover políticas públicas e a criação de novas vagas de emprego” (PRADO et al., 2021).

Outro aspecto a ser analisado é a confiabilidade dos mercados de apostas esportivas. O relatório do Sportradar[23] (2022) revelou que o Brasil é o país em que houve o maior índice de possível manipulação de resultados. Para isso, foram analisados erros de resultados e indícios fortes obtidos a partir de algoritmos e de um banco de dados, constantemente atualizado. Nos dias atuais, as apostas esportivas transcenderam a máxima de que para obter a premiação seria necessário apenas identificar o ganhador e o resultado da partida. No futebol, por exemplo, são considerados acertos sobre detalhes como o número de escanteios e a quantidade de cartões aplicados durante a partida.

Algumas operações foram deflagradas para investigar suspeitas de manipulação de resultados em partidas de futebol dos campeonatos cearense e amazonense. Destaque para uma operação deflagrada pelo Ministério Público do Estado de Goiás, chamada de “Operação Penalidade Máxima”. Nela é investigado um esquema na série B do Campeonato Brasileiro, em que os jogadores deveriam cometer pênaltis, ainda na primeira etapa do jogo, favorecendo determinados apostadores virtuais e empresários (GE, 2023). O caso teve tanta repercussão que ocasionou a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas na Câmara dos Deputados, em Brasília[24].

Essas fraudes evidenciam mais transtornos decorrentes da falta de fiscalização e promovem questionamentos sobre a credibilidade dos esportes, em um mercado com ausência de regulamentação. Aliás, o Código de Ética da FIFA de 2023 veda a participação de jogadores, técnicos, agentes, árbitros e demais profissionais ligados ao futebol em apostas, exatamente para coibir a manipulação. A indústria de apostas esportivas está em crescimento mundial, em que pese a ausência de um marco regulatório brasileiro. O Comitê Olímpico Internacional, desde o ano de 2022, já demonstra preocupação com a adulteração nos resultados de jogos para trazer lucro a uma parcela determinada de apostadores, empresários e, até mesmo, atletas (IGAMING BRAZIL, 2023).

A fiscalização e repressão a golpes e fraudes, tanto no âmbito esportivo, quanto nas apostas físicas e virtuais são atividades complexas, devido à dificuldade de contabilizar o número de empresas às quais o apostador submete seus jogos e fornece seus dados, bem como para monitorar dados sobre atitudes suspeitas dos próprios jogadores. Preocupações relativas a organizações criminosas e esquemas de pirâmide financeira, encobertos pela atividade de apostas, são fatores preocupantes e com grande potencial negativo sobre o setor.

O apostador, por sua vez, é um dos maiores alvos das condutas criminosas. É ele o autor de investimento financeiro, sem estar devidamente resguardado e protegido pelas normas jurídicas vigentes. As próprias operadoras, no mais das vezes, criam seus próprios mecanismos internos (KYC/KYT)[25] para verificar atividades ilícitas e o comportamento do consumidor. Com a normatização das apostas, os adeptos da modalidade gozarão da possibilidade de escolher entre diversas empresas, devidamente licenciadas, sob supervisão do Estado, podendo minimizar golpes e propiciar o recebimento garantido da premiação.

Existem maneiras saudáveis de utilizar as apostas como forma de entretenimento, como por intermédio do “Jogo Responsável”[26], que é um conjunto de propostas com o objetivo alertar sobre possíveis danos decorrentes de apostas e restringir a faixa etária dos apostadores. As loterias da Caixa Econômica Federal são exemplo, pois ocupam local de destaque no estímulo em relação a esse programa de boas práticas e conscientização, em nível mundial.

Ferramentas como o background check (“verificação de antecedentes”) digital, que corresponde a uma maneira de obter informações acerca de pessoas jurídicas e físicas, além de prováveis envolvimentos em fraudes, processos e problemas financeiros, apenas com o uso da razão social e do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, ou, do nome e Cadastro de Pessoas Físicas. Há também, a utilização do know your costumer – KYC (“conheça seu cliente”), que confere uma validação da documentação cadastrada e o reconhecimento facial pelos usuários, assim que seu cadastro é criado, para evitar fraudes com a vinculação deliberada de documentos de qualquer pessoa. Com o auxílio tecnológico e de inteligência artificial, as empresas são capazes de monitorar a atividade dos apostadores e a origem dos valores aplicados, garantindo mais segurança aos operadores (IDWALL, 2022).

A publicidade dos sites de apostas virtuais tem sido criticada e demonstrou a necessidade de regulamentação própria para proteger a população da tendência ao vício e de consequentes problemas financeiros. Contudo, as empresas do setor têm investido em massivas campanhas publicitárias nas mídias sociais, em diversos meios de comunicação e no patrocínio aos clubes de futebol. Os problemas sociais derivados se estendem, por exemplo, quando crianças e adolescentes passam a fazer parte da população que é ludibriada por promessas de lucro fácil, rápido e descomplicado. Tanto mais quando os “garotos-propaganda” são ídolos do futebol internacional.

No Reino Unido, por exemplo, devem ser seguidas regras rigorosas para evitar a inserção dos apostadores no vício e estimular a jogabilidade equilibrada. Assim, as campanhas publicitárias no setor têm restrições, sendo vedadas durante a programação infantil e no transporte público. Segundo o site Igaming Brazil[27] (2022), o Comitê para Prática de Publicidade do Reino Unido está restringindo o uso de imagens de jogadores de futebol para o marketing, pois entende como potente apelo para estimular a participação do público jovem nas apostas.

Uma legislação bem definida e apropriada sobre as apostas esportivas online, atrelada à Lei Geral de Proteção de Dados (2018), trariam confiança e proteção ao apostador. Os dados dos clientes em potencial seriam tratados e compartilhados somente com a sua expressa permissão, incluindo a finalidade à qual seriam utilizados. Em caso de eventuais vazamentos, irregularidades ou descumprimento dos requisitos legais, as empresas poderiam sofrer penalidades de até R$ 50 milhões por infração e um percentual de 2% do total faturado pela empresa. Com base em legislação, experiências e diretrizes de outros países é possível construir um alicerce sólido para a exploração das apostas esportivas virtuais no Brasil, aproximando-se de um sistema ético, conforme e transparente.

Recentemente, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, o assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, José Francisco Manssur, informou[28] sobre as diretrizes tributárias elencadas na chamada “Medida Provisória das Apostas Esportivas”[29], restringindo essa pauta às loterias de prognósticos de resultados de esportes, afastando assim a regulamentação de jogos azar, como o bingo e o cassino. Dos operadores será exigida sede da empresa no país, o pagamento de uma licença de R$ 30 milhões e a tributação seguirá um modelo próximo ao implementado no Reino Unido, de 15% no GGR, ou seja, esse percentual será descontado do lucro obtido pela empresa, sob pena de atuarem na ilegalidade. Os percentuais de Imposto de Renda, PIS e COFINS manteriam os moldes atuais para pessoas jurídicas, com a contribuição de alíquota próxima de 10% para a Seguridade Social. Em relação ao apostador, serão observados os critérios já definidos na Lei 13.756/18, de 30% sobre o Imposto de Renda, respeitando a faixa de isenção preexistente. Parte dos congressistas considera inconstitucional a utilização de medida provisória para esses fins tributários, considerando o disposto no artigo 146 da Constituição Federal, que exigiria lei complementar para tanto: “[c]abe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;(…)”. O texto está sendo apreciado pelo Congresso Nacional (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2023).

Não obstante, o Ministério da Fazenda, informou, pela plataforma digital do Governo, sobre a finalização da proposta de regulamentação dos bettings, por medida provisória a ser encaminhada ao Congresso Nacional. Todavia, houve alteração do percentual a ser utilizado, que será de 16% sobre o GGR, tendo uma destinação às áreas essenciais, como segurança, educação e ações sociais. A regulação da comunicação, publicidade e propaganda ficaria a cargo do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR) e seria criada uma secretaria no próprio Ministério da Fazenda para exercer o controle de apostas e das empresas a serem credenciadas (GOV.BR, 2023).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou trazer luzes à regulamentação e tributação das apostas esportivas virtuais no país. O fenômeno das apostas online é contemporâneo e complexo, envolvendo desde a legalidade dos jogos de azar, incluindo as chamadas bettings, até as possíveis intercorrências na implantação e atuação segura e lícita do setor no Brasil, além do devido equilíbrio para coibir exigências exacerbadas do poder público e tributação excessiva, que acabam por afastar operador e apostador.

O objetivo foi analisar a viabilidade da operação do setor de apostas em território nacional, considerando o contexto socioeconômico e governamental. Buscou-se um método capaz de fornecer proteção aos principais envolvidos, explorando o tratamento do tema por outros países. Concluímos ser possível realizar fiscalização e tributação adequadas, já que o Estado brasileiro não tem tributado os lucros decorrentes de apostas esportivas online, gerando insegurança jurídica e financeira, além de deixar de coibir ilícitos fiscais e contribuir para o crescimento da desigualdade socioeconômica.

Foram analisadas diferentes legislações, proposições legislativas, entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que abordam as apostas de quota fixa, a verificação de métodos utilizados como atrativos e normas, em diversos países, que podem influenciar essas operações no Brasil e identificar dificuldades a serem enfrentadas em caso de efetiva regulamentação do setor. Verificou-se, portanto, que a ausência de regulamentação gera insatisfação e desafios, pois os jogadores são expostos à prática deliberada, à insegurança e a empresas desconhecidas, que têm a possibilidade de atuar, inclusive, de maneira irregular e fraudulenta.

O estabelecimento de diretrizes transparentes, protetivas e íntegras definirá o mercado de apostas virtuais, por intermédio de licenças, fiscalização, combate à fraude e a outros ilícitos relacionados. Ao garantir que essa prática pertença a um ambiente saudável, em que a sua tributação seja sinônimo de benefícios para o país, a arrecadação tributária decorrente dessa indústria em ascensão ensejaria um exponencial auxílio para as finanças públicas, atraindo investimentos fundamentais para o desenvolvimento do Brasil.

            É crucial que as normas sejam elaboradas de forma criteriosa e equilibrada, considerando as experiências internacionais, bem como o atendimento ao interesse das partes envolvidas. Para isso, um elo entre poder público, especialistas e sociedade é imprescindível para a criação de marco regulatório justo e adequado, que proteja o consumidor e incentive o crescimento do setor de apostas. Além disso, a devida observância de questões relativas à saúde mental do apostador, que está suscetível a desenvolver a ludopatia, é imprescindível. Também os operadores do mercado e o próprio Estado necessitam estar atentos para evitar crimes como a manipulação e fraude dos resultados, que, inclusive, ensejou a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas, no âmbito da Câmara dos Deputados. A prevenção e o combate aos crimes do setor são cruciais para a consolidação e confiabilidade dessa modalidade em território nacional.

            Em suma, com a globalização tecnológica, alavancada pela pandemia de COVID-19, houve um aumento da procura da sociedade por entretenimento e consumo online. A regulamentação e a tributação das apostas esportivas online é o meio apropriado para dissociar as práticas ilegais deste mercado daquelas lícitas e construtivas. Por intermédio da implementação de legislação bem estruturada, seria possível garantir proveitos, ao Estado e à sociedade, decorrentes dessa atividade. A indicação ou criação de uma autoridade para o monitoramento dos sites, controle de apostas e de publicidade é essencial para um determinante cumprimento da legislação. Tal autoridade seria certamente auxiliada pelas inovações da tecnologia e pela inteligência artificial no cumprimento de suas tarefas. Enfim, a devida garantia de arrecadação pelo Estado, um ambiente seguro ao apostador, a transparência e o incentivo às empresas do ramo são critérios a serem considerados pelas autoridades para a consolidação desse setor e para o desenvolvimento socioeconômico do país.

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TIME2PLAY. Gambling statistics 2022: The definitive guide.21 fev. 2023. Disponível em: https://time2play.com/gambling-statistics/ Acesso 05 mai. 2023.


[3] Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-monopolio-de-loterias-no-brasil/936747172#:~:text=A%20Caixa%20Econ%C3%B4mica%20Federal%20tem%20o%20monop%C3%B3lio%20das%20loterias%20desde%201961. Acesso em: 04/07/2023.

[4] “§ 2o Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador”. 

[5] A tributação por turnover cobra taxas sobre todo o dinheiro transacionado pelos apostadores em uma casa de apostas. Ou seja, sobre as apostas realizadas. Esse modelo desconsidera boa parte dos valores que não ficam com a casa, por exemplo: o pagamento de prêmios e bônus, despesas com promoções etc.

[6] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4970952&numeroProcesso=966177&classeProcesso=RE&numeroTema=924. Acesso em: 04/07/2023.

[7] Disponível em: https://www.caixa.gov.br/jogo-responsavel/Paginas/default.aspx. Acesso em: 04/07/2023.

[8] Disponível em: https://bnldata.com.br/. Acesso em: 04/07/2023.

[9] Disponível em: https://www.geniussports.com/. Acesso em: 21/06/2023.

[10] Disponível em: https://www.kto.com/pt/. Acesso em: 21/06/2023.

[11] Disponível em: https://www.osul.com.br/pessoas/ceo-kto-andreas-bardun-visita-pampa/. Acesso em: 21/06/2023.

[12] Disponível em: https://abradie.com/pt/. Acesso em: 21/06/2021.

[13] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1978816. Acesso em: 04/0-7/2023.

[14] Disponível em: https://www.reuters.com/article/brazil-economy-sportsbetting-idINL1N3592NE. Acesso em: 04/07/2023.

[15] Disponível em: https://www.paranapesquisas.com.br/pesquisas/parana-pesquisa-divulga-pesquisa-realizada-em-territorio-nacional-com-o-objetivo-de-avaliar-o-mercado-de-apostas-esportivas-online-marco-2023/. Acesso em: 04/07/2023.

[16] Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/matéria/-/matéria/138471. Acesso em: 26/06/2023.

[17] Disponível em: https://time2play.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[18] Disponível em: https://apostalegal.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[19] Disponível em: https://www.gamblingcommission.gov.uk/. Acesso em: 04/07/2023.

[20] Disponível em: https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2011-9280. Acesso em: 04/07/2023.

[21] Condição médica caracterizada pela compulsão de uma pessoa por jogos de azar, o que pode levar a graves consequências para o indivíduo: financeiras, sociais, físicas e emocionais. O vício em jogos de azar é classificado pelos CID-10-Z72.

[22] Disponível em: https://sigma.world/news/. Acesso em: 26/06/2023.

[23] Disponível em: https://sportradar.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[24] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2351335. Acesso em: 26/06/2023.

[25] KYC – Know your customer. KYT – Know your transaction.

[26] Disponível em: https://www.caixa.gov.br/jogo-responsavel/Paginas/default.aspx. Acesso em: 26/06/2023.

[27] Disponível em: https://igamingbrazil.com/. Acesso em: 28/06/2023.

[28] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/952244-governo-devera-editar-medida-provisoria-para-regulamentar-apostas-esportivas. Acesso em: 26/06/2023.

[29] Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/governo-regulamenta-apostas-esportivas-de-quota-fixa-no-brasil-1. Acesso em: 26/06/2023.


Maria Eduarda Silva Menezes. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Planalto Central – Uniceplac. E-mail: eduardamaria750@gmail.com.

Fernando de Magalhães Furlan. Professor doutor do curso de Direito do Centro Universitário do Planalto Central – Uniceplac. E-mail: fernando.furlan@uniceplac.edu.br


Competição e Cooperação no Futebol Brasileiro

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


Competição e Cooperação no Futebol Brasileiro

Marcio de Oliveira Junior[i]

Sumário

1.     Introdução. 1

2.    Impactos da negociação coletiva na receita com direitos de transmissão das partidas. 3

3.    A visão dos principais clubes sobre negociação coletiva. 4

4.    Mercado de atenção. 6

5.    Concorrência entre ligas. 8

6.    Conclusão. 10

1.       Introdução

Segundo a SportsValue (2022)[ii], a receita dos vinte maiores clubes de futebol brasileiros em 2021 foi de US$ 1,25 bilhão (R$ 6,75 bilhões usando a taxa de câmbio média de 2021 para conversão). A receita obtida com direitos de transmissão das partidas foi de US$ 644 milhões (R$ 3,48 bilhões), ou seja, esses direitos correspondem a cerca de 51% das receitas dos vinte maiores clubes brasileiros. Recentemente, houve duas mudanças legislativas importantes que podem impactar a forma de venda dos direitos de transmissão das partidas, a principal fonte de receita dos maiores clubes brasileiros.

Uma das mudanças foi a Lei nº 14.205, de 2021, que alterou a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé). Segundo a regra do art. 42 da Lei Pelé, o direito de transmissão de uma partida de futebol (direito de arena) pertencia conjuntamente aos clubes que a disputavam. Portanto, esses clubes tinham que chegar a um acordo sobre para qual comprador (por exemplo, uma emissora de televisão) deveria ser vendido o direito de transmissão de cada um dos jogos. Se esses clubes negociassem seus direitos de transmissão com emissoras diferentes, elas teriam que concordar com a transmissão da partida nas grades de programação uma da outra. Caso contrário, a partida não era transmitida e ocorria o “apagão”.

A Lei nº 14.205, de 2021, alterou a disciplina do direito de arena por meio da inclusão do art. 42-A na Lei Pelé. Segundo esse dispositivo, “pertence à entidade de prática desportiva de futebol mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo”, ou seja, o direito de comercializar os direitos de transmissão de cada partida pertence ao clube mandante. Uma das consequências dessa nova regra seria evitar as situações de “apagão”. Além disso, os clubes mandantes terão mais liberdade para comercializar os direitos de transmissão com diferentes plataformas, como serviços de “streaming”. De acordo com os que defendem a alteração da Lei Pelé, além de ter o potencial de aumentar as receitas dos clubes, a mudança introduzida pelo art. 42-A beneficia os consumidores, que terão mais opções para assistir às partidas. Entretanto, há quem aponte que, por si só, essa nova regra para a comercialização dos direitos de transmissão não trará esses benefícios e que ela teria que ser combinada com outras mudanças, como a venda coletiva dos direitos de transmissão das partidas.

A segunda mudança relevante foi a Lei nº 14.193, de 2021, que, entre outros pontos, instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (“SAF”). Segundo a Lei, os clubes de futebol brasileiros que disputam campeonatos profissionais, que, de acordo com a Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil), são organizados sob a forma de associação civil, poderão se organizar como SAF (conhecida como “clube empresa”). No caso de direitos de transmissão de partidas de futebol, caberá às SAFs comercializá-los, pois, segundo o art. 42-A da Lei Pelé, o direito de arena pertence à entidade de prática desportiva mandante. O § 4º do art. 1º da Lei nº 14.193, de 2021, estabelece que, para os efeitos da Lei Pelé, “a Sociedade Anônima do Futebol é uma entidade de prática desportiva”. Portanto, os direitos de transmissão pertencerão às SAFs que sucederem os clubes e lhes caberá comercializá-los.

Paralelamente a essas duas mudanças legais, voltou a ser discutida a criação de uma liga de futebol nacional que seria liderada pelos clubes e SAFs, e não pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Há duas ligas em discussão. Uma delas é a Liga do Futebol Brasileiro (“Libra”), que, segundo Pooler (2023)[iii], tem o apoio de dezesseis clubes que disputam as séries A e B do Campeonato Brasileiro e é assessorada pelo BTG Pactual, que tenta atrair uma injeção de R$ 4,75 bilhões no empreendimento pelo Fundo Mubadala. A outra é a Liga Forte Futebol, que tem o apoio de 26 clubes e, de acordo com o mesmo autor, é assessorada pela XP e pela Alvarez & Marsal, que buscam a injeção de recursos por um grupo de investidores dos EUA[iv].

As duas alterações legais e a criação de uma liga podem ter um impacto positivo para promover o campeonato brasileiro, levando-o a competir com os campeonatos promovidos por ligas europeias, como a alemã, a espanhola, a francesa, a inglesa e a italiana. Para isso, os clubes e as SAFs brasileiros têm que aumentar suas receitas, inclusive com a venda dos direitos de transmissão de suas partidas. Um dos meios para fazer isso é com a venda coletiva desses direitos por meio de uma liga.

Para mostrar como a negociação coletiva desses direitos pode aumentar a receita dos clubes e SAFs, impactando a qualidade e a competitividade do campeonato brasileiro de futebol, este artigo foi organizado em cinco seções além desta introdução. Na seção 2, explica-se por que a venda coletiva dos direitos de transmissão tem o potencial de aumentar as receitas dos maiores clubes brasileiros. Na terceira seção, são expostas as opiniões de alguns desses clubes sobre a negociação coletiva dos direitos de transmissão das partidas. A seção 4 apresenta uma discussão sobre o funcionamento dos mercados de atenção, o quadro analítico adequado para a discussão sobre a concorrência entre os diferentes campeonatos de futebol (objeto da quinta seção). A seção 6 contém as conclusões.

2.      Impactos da negociação coletiva na receita com direitos de transmissão das partidas.

A criação de uma liga liderada pelos maiores clubes e SAFs é importante para que eles negociem os direitos de transmissão da forma mais lucrativa possível. A liga poderia desenhar mecanismos para vender os direitos de transmissão das partidas de forma coletiva, por meio de leilões, aumentando seu valor em comparação com o que seria obtido em negociações individuais, o modelo usado pelos clubes brasileiros atualmente[v]. Seria um modelo de negociação coletiva parecido com os das principais ligas europeias[vi].

A venda coletiva pela liga tem o potencial de aumentar as receitas por diversas razões. Entre elas, porque o mercado para a aquisição de direitos de transmissão de partidas de futebol mudou. Os canais de televisão aberta e fechada não são mais os únicos compradores. Há empresas capazes de transmitir as partidas via “streaming”, como Facebook, Amazon e DAZN. Essas empresas têm bases de clientes grandes e entraram na disputa pela aquisição de direitos de transmissão de eventos esportivos, o que tende a pressionar os preços desses direitos para cima, pois a maior base de clientes aumenta as receitas potenciais com publicidade e a avaliação (“valuation”) dos direitos de transmissão, possibilitando que esses compradores potenciais se disponham a pagar mais por eles.

Em função dessas mudanças, a liga brasileira, titular dos direitos de transmissão, poderia especificar as “regras do jogo” para os leilões de venda dos direitos, fomentando a competição pela sua aquisição e, dessa forma, maximizando as receitas. Por exemplo, a liga poderia organizar diferentes leilões para licenciar seus direitos de transmissão para todas as plataformas (TV aberta, TV paga e “streaming”). Outra opção é licenciar o conteúdo para cada plataforma separadamente. Ela também poderia licenciar os direitos de transmissão em pacotes de jogos (por exemplo, partidas de quarta-feira, partidas de domingo, semifinais ou finais, partidas passadas).

O aumento do valor arrecadado com os direitos de transmissão teria um impacto positivo sobre as receitas dos membros da liga, possibilitando que eles tenham condições de arcar com o custo mais alto de um elenco mais qualificado, o que, por sua vez, aumentaria o valor dos direitos de transmissão. Isso ocorreria porque o mercado de trabalho dos jogadores, principalmente dos mais talentosos, é internacional. Desse modo, se os salários nos clubes e SAFs brasileiros forem mais baixos que os pagos em outros países, os jogadores mais talentosos deixarão o Brasil, sendo que a experiência mostra que, quanto mais talentoso for o jogador, mais cedo ele deixa o Brasil e mais tarde ele volta para o País. Por isso, o campeonato nacional não conta com os principais jogadores brasileiros durante as melhores fases de suas carreiras. Seria difícil pensar em salários no Brasil competitivos, por exemplo, com os da Premier League inglesa, mas, se os salários subirem no Brasil, os principais jogadores poderiam sair do País mais tarde ou voltar mais cedo, com efeito positivo sobre a qualidade do campeonato nacional, beneficiando os consumidores (torcedores) brasileiros. Além disso, a melhora da qualidade do campeonato nacional permitirá que a liga brasileira concorra com as europeias na venda de direitos de transmissão.

Apesar desses benefícios potenciais, a negociação coletiva por intermédio de uma liga não é consenso entre os principais clubes brasileiros, como será visto na seção seguinte.

3.      A visão dos principais clubes sobre negociação coletiva.

Os benefícios da comercialização coletiva dos direitos de transmissão por uma liga não são consenso entre os clubes brasileiros. Essa afirmação decorre da análise das respostas de clubes[vii] a ofícios que lhes foram enviados pela Superintendência Geral do CADE (“SG”) no âmbito do Inquérito Administrativo 08700.004453/2019-48[viii]. A SG fez a seguinte pergunta aos clubes: “informar qual modelo de negociação – direta ou coletiva, individual ou consensual – mostra-se mais rentável para o clube e se o clube acredita que existam modelos mais vantajosos, inclusive adotados internacionalmente, para a negociação do direito de transmissão dos jogos”. As respostas podem ser divididas em três grupos: clubes que preferem a negociação coletiva, os que preferem a negociação individual e os que são indiferentes.

O Internacional respondeu que acredita no fortalecimento do modelo de negociação coletiva. O Atlético Mineiro afirmou que prefere a negociação coletiva e que “a negociação individual desvaloriza o valor do produto (competição)”. O Palmeiras também é favorável à negociação coletiva. Segundo sua resposta ao ofício, “o direito de mandante é a norma vigente nas grandes ligas do mundo e, conjugada com modelos de negociação coletiva, representa a melhor prática para negociação de direitos nas ligas mais desenvolvidas do mundo”.

O Flamengo expressou preferência pelo modelo de negociação individual: “parece ser mais rentável aos Clubes o modelo de negociação direta, ou seja, aquele em que o Clube possui liberdade e autonomia para negociar diretamente os seus direitos com empresas interessadas em transmitir os seus jogos, e de forma individual, no qual o mandante da partida negocia por si os seus direitos”.

O São Paulo respondeu que “há dificuldade de informar qual dos modelos é mais rentável, pois temos pouco histórico com cada um dos modelos sugeridos que permita essa comparação”, o que indica que não há uma preferência clara por um dos modelos de negociação. Na mesma linha, o Grêmio afirmou que “entende que não há necessariamente um modelo de negociação mais vantajoso para transacionar o direito de transmissão dos jogos” e que “as diferentes formas de negociação a que o Clube participou até hoje se apresentaram adequadas ao Clube”. O Botafogo também não expressou uma preferência clara, mas respondeu que “é fundamental que os interesses dos Clubes sejam representados em bloco único”.

Embora o Corinthians não tenha manifestado uma clara preferência entre os modelos de negociação individual e coletiva, ele respondeu que “os modelos de negociação coletiva tendem a valorizar o produto como um todo, possibilitando uma melhor negociação comercial e uma distribuição mais equilibrada das receitas do próprio produto”. O Corinthians afirmou ainda que “os modelos de negociação individual tendem a privilegiar os clubes com maior apelo popular e, consequentemente, de maior audiência”.

A resposta do Corinthians é interessante e ajuda a compreender a resposta do Flamengo, pois mostra que, para os clubes de maior torcida, as duas formas de negociação não são muito diferentes no curto prazo. A razão é que, como seus jogos têm grande audiência, eles têm poder de barganha para conseguir bons preços pelos direitos de transmissão em negociações individuais. Porém, isso aumenta a assimetria entre os clubes no longo prazo e torna o campeonato menos competitivo, o que prejudica o próprio campeonato.

Por outro lado, uma liga negociando os direitos de transmissão coletivamente sem os clubes de maior torcida não faz sentido. Portanto, para convencê-los a aderir a uma liga que irá negociar os direitos de transmissão coletivamente, algum mecanismo de compensação aos times de maior torcida seria necessário, muito embora haja o risco de, com isso, manter a assimetria entre os clubes e tornar o campeonato menos competitivo, o que desvalorizaria o valor dos direitos de transmissão.

O temor de que a assimetria possa levar à perda de valor do campeonato parece ter ocorrido na Espanha. Segundo a Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE[ix], até 2015 os direitos de transmissão eram negociados de forma individual, o que beneficiava Barcelona e Real Madrid. De fato, segundo o Statista[x], em 91 anos de Campeonato Espanhol, os dois maiores clubes ganharam 61 vezes. Segundo a Nota Técnica, “desde 2015, o modelo de negociação na Espanha foi alterado para tentar corrigir a situação de desequilíbrio”. Ainda de acordo com a Nota do CADE, “atualmente, a liga de clubes espanhola (LaLiga) centraliza a negociação e redistribui os valores arrecadados com base em critérios equitativos pré-fixados”. Essa alteração ainda não surtiu efeito, pois, desde 2016, o Barcelona ganhou quatro campeonatos, o Real Madrid dois e o Atlético de Madrid um. A expectativa é que uma divisão equitativa dos recursos possibilite aos times com menor torcida ter mais recursos para arcar com os custos de melhores elencos, tornando o campeonato mais competitivo e aumentando o valor dos direitos de transmissão.

Campeonatos equilibrados e disputados são importantes para atrair a atenção dos telespectadores, o que impacta a receita com publicidade das empresas que transmitem as partidas e, consequentemente, o preço dos direitos de transmissão. Para entender melhor essas relações, é útil compreender como funcionam os mercados de atenção, objeto da próxima seção.

Antes de passar à próxima seção, e embora a discussão sobre as receitas com publicidade dos clubes e SAFs brasileiros não sejam o foco deste trabalho, deve-se destacar que há potencial para aumentá-las. De acordo com a SportsValue (2022, op. cit.), os clubes brasileiros exploram pouco as receitas de patrocínio e de licenciamento de marca, que a publicação chama de receitas comerciais. Segundo esse estudo, o Brasil é o quinto maior mercado de publicidade do mundo, mas, somadas, as receitas comerciais dos nossos vinte maiores clubes estão em 14º lugar quando comparadas às de outras ligas. As receitas comerciais dos 20 maiores clubes brasileiros (US$ 170 milhões em 2021) ficam abaixo das de ligas como a de Portugal (US$ 172 milhões), Áustria (US$ 176 milhões), México (US$ 250 milhões) e Turquia (US$ 294 milhões). Quando comparadas ao total do mercado de publicidade brasileiro (US$ 12,5 bilhões), as receitas comerciais dos 20 maiores clubes do País representam apenas 1,4%, reforçando a conclusão de que há potencial para aumentá-las.

4.      Mercado de atenção

É preciso analisar por que campeonatos mais competitivos e com jogadores talentosos levam ao aumento do valor dos direitos de transmissão das partidas. Para isso, deve-se compreender como funcionam os mercados de atenção. Segundo Newman (2020)[xi], na cadeia de produção desses mercados, os consumidores finais, pessoas físicas, são os fornecedores do insumo, ou seja, os produtores de atenção. Os anunciantes, empresas que querem vender algum bem ou serviço, são os consumidores finais de atenção, pois são eles que pagam pela atenção dos consumidores. Os intermediários, por sua vez, são o equivalente aos distribuidores em uma cadeia de produção “tradicional” – eles são as empresas que compram os direitos de transmissão. São eles que captam a atenção dos consumidores (pessoas físicas) e a vendem aos anunciantes. A cadeia de produção em mercados de atenção tem o seguinte formato:

Figura 1 – Cadeia de Produção em Mercados de Atenção.

  Consumidores (Telespectadores)  
  Atenção   Jogos
  Compradores de direitos de transmissão de partidas de futebol (Emissoras de TV aberta e fechada e empresas de “streaming”, por exemplo)  
  Atenção   Pagamento ($)
  Anunciantes  

Fonte: elaboração própria a partir de Newman (2020).

Os compradores dos direitos de transmissão de partidas de futebol – emissoras de televisão, por exemplo – os usam para atrair a atenção de seus telespectadores. Quanto maior for a atenção atraída, maior será a demanda dos anunciantes por espaços de publicidade e maior será o preço de venda desses espaços. Isso aumenta a expectativa de receita dos compradores dos direitos [Pagamento ($), na figura acima]. Por isso, eles se dispõem a pagar preços maiores pelos direitos de transmissão. Por último, e este é o cerne da questão, campeonatos mais competitivos e que contam com jogadores talentosos atraem mais atenção dos telespectadores e por isso seus direitos de transmissão são mais caros.

Isso explica por que, segundo a Deloitte (2022)[xii], a Premier League inglesa obteve uma receita com direitos de transmissão de cerca de US$ 4,06 bilhões (€ 3,8 bilhões) na temporada 2020/21. De acordo com a SportsValue (2022), os direitos de transmissão de suas partidas são vendidos para 188 países. Portanto, a atração de atenção é imensa, o que se reflete em um patamar de receitas bem superior aos de outras ligas europeias.

No caso da Espanha, o segundo país que mais arrecada, as receitas com direitos de transmissão foram de US$ 2,14 bilhões (€ 2 bilhões), praticamente metade do valor obtido pela Premier League (Deloitte 2022). Esse valor se deve, segundo a SportsValue (2022), à atenção atraída pelas partidas da dupla Barcelona e Real Madrid. Nesse sentido, há potencial para aumentar a receita se o torneio espanhol se tornar mais competitivo. Portanto, a mudança nas regras de distribuição dos recursos da LaLiga para torná-la mais equitativa pode estar ligada ao objetivo de explorar esse potencial e aumentar as receitas com a venda dos direitos de transmissão das partidas.

Em terceiro e quarto lugares, ainda segundo a Deloitte (2022), vêm Itália e Alemanha, com receitas de, respectivamente, US$ 1,89 bilhão (€ 1,77 bilhão) e US$ 1,77 bilhão (€ 1,66 bilhão). Já a Ligue 1 francesa teve uma receita com direitos de transmissão de US$ 893 milhões (€ 836 milhões). A baixa receita relativa da Ligue 1 com a venda dos direitos de transmissão parece estar ligada ao fato de que, de acordo com o SportsValue (2022), o Paris Saint Germain é a equipe que atrai mais atenção, ou seja, de o campeonato francês ser assimétrico.

As receitas com a venda dos direitos de transmissão das partidas de uma liga de futebol são, portanto, função da atenção que essas partidas conseguem atrair. O desafio de uma liga brasileira para vender os direitos de transmissão de forma mais eficiente é fazer com que suas partidas atraiam mais atenção de telespectadores brasileiros e estrangeiros. Por isso, a criação de duas ligas nacionais, como Pooler (2023), não é uma boa opção, pois elas concorreriam entre si pela atenção dos telespectadores, canibalizando-se. Além disso, assumindo que nenhuma das duas terá os vinte maiores clubes e SAFs brasileiros, a capacidade de atração da atenção de telespectadores de outros países também diminuiria, comprometendo a capacidade de concorrer com ligas de futebol de outros países, objeto da próxima seção.

5.      Concorrência entre ligas

Note que as partidas da eventual liga de futebol brasileira concorrerão por parte da atenção de telespectadores (brasileiros e estrangeiros) que hoje a dirigem para outras ligas, como as europeias. Portanto, para que os compradores (emissoras de TV, operadoras de TV por assinatura e empresas de “streaming”) se disponham a pagar preços maiores pelos direitos de transmissão dos jogos da nossa liga, a qualidade das nossas partidas deve ser comparável com as europeias. Para isso, deve haver algum investimento inicial para que possamos contratar bons jogadores (reter os nossos jogadores mais talentosos no Brasil por mais tempo ou fazer com que eles voltem a jogar no País durante os anos de auge de suas carreiras). Esse investimento inicial é importante também para oferecer melhor capacitação aos treinadores brasileiros e para contratar treinadores estrangeiros.

A captura de parte da atenção que hoje é dirigida para outros campeonatos aumentará a disposição dos compradores a pagar mais pelos direitos de transmissão das partidas do campeonato brasileiro, pois, como explicado na seção anterior, eles conseguirão vender os espaços de publicidade por preços mais altos. Portanto, parte da receita que as ligas europeias aferem, seja no Brasil ou no exterior, podem ser capturadas pela liga brasileira, que comercializaria os direitos de transmissão de forma coletiva.

Esse esforço para melhorar nosso torneio de futebol também é importante porque estudos publicados pela SportsValue [SportsValue (2021)[xiii] SportsValue (2018)[xiv]] permitem concluir que não nos basta atrair parte da atenção destinada às partidas das ligas europeias. É preciso também minimizar o risco de que parte da atenção que atualmente se dirige às partidas do torneio brasileiro seja desviada para partidas de campeonatos de outros países, como Holanda, Portugal, Turquia e até mesmo para a Major League Soccer dos EUA, que são concorrentes do campeonato brasileiro.

A venda coletiva dos direitos de transmissão poderia enfrentar alguns óbices. Pode ser questionado, por exemplo, se a venda coletiva seria um ilícito concorrencial, uma vez que ela poderia ser interpretada como uma cooperação entre os clubes para maximizar as receitas com a venda dos direitos de transmissão por meio da alavancagem seu poder de barganha na negociação com os compradores. A resposta é não, por várias razões. Em primeiro lugar, em uma eventual negociação coletiva dos direitos de transmissão das partidas de uma liga brasileira de futebol, também interessa a concorrência com partidas de outras ligas pela atenção dos telespectadores. Nesse sentido, os compradores terão à disposição direitos de transmissão de partidas de ligas de outros países para os quais poderão desviar sua demanda caso considerem os preços altos[xv]. Deve também ser considerado o ganho de bem-estar dos consumidores, pois a qualidade das partidas do campeonato brasileiro deverá aumentar.

O próprio CADE indicou na Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE[xvi] que não consideraria a negociação coletiva um ilícito. Segundo essa Nota, “a necessidade de se assegurar o equilíbrio de competições seria justificativa para permitir negociações coletivas entre os competidores no mercado de futebol”. O CADE está correto na sua análise. Em primeiro lugar porque, como analisado anteriormente, o campeonato tende a ser mais competitivo, principalmente se a distribuição de receitas for equitativa. Partidas mais competitivas são de melhor qualidade e beneficiam os consumidores. Além disso, com mais recursos, os clubes terão melhores jogadores e instalações, o que também beneficia os consumidores. Não está dito explicitamente no documento do CADE, mas parece que, com essas afirmações, a autoridade de concorrência considera que o eventual aumento do poder de mercado decorrente da negociação coletiva seria compensado por ganhos de bem-estar.

Sobre notificar a liga como um ato de concentração, Cordeiro e Oliveira Neto (2022)[xvii] afirmam que as operações entre SAFs devem ser notificadas ao CADE, que avaliará se elas suscitam preocupações concorrenciais. Como a liga pode envolver clubes e SAFs, pode haver a interpretação de que a notificação como um ato de concentração é obrigatória. Ainda que seja, há razões para afastar preocupações concorrenciais. De acordo com Shapiro (2002)[xviii], há várias formas de colaboração entre empresas, que vão desde a integração por meio de um ato de concentração até contratos relativos a uma transação comercial. Uma liga entre clubes e empresas (SAFs) estaria entre esses dois extremos. Assim, o ponto a analisar é se essa associação entre clubes e SAFs afeta seus incentivos e sua capacidade para prejudicar a concorrência.

Os clubes e as SAFs não têm incentivos e capacidade para suprimir a concorrência entre eles. Em relação aos incentivos, como já analisado, isso tornaria o campeonato menos competitivo e, com isso, os preços dos direitos de transmissão tenderiam a cair. A ausência de capacidade decorre do disposto no art. 4º da Lei nº 14.193, de 2021, que instituiu as SAFs, que veda participações cruzadas. Nesse sentido, o caput desse artigo estabelece que “o acionista controlador da Sociedade Anônima do Futebol, individual ou integrante de acordo de controle, não poderá deter participação, direta ou indireta, em outra Sociedade Anônima do Futebol”. O parágrafo único do art. 4º adiciona que “o acionista que detiver 10% (dez por cento) ou mais do capital votante ou total da Sociedade Anônima do Futebol, sem a controlar, se participar do capital social de outra Sociedade Anônima do Futebol, não terá direito a voz nem a voto nas assembleias gerais, nem poderá participar da administração dessas companhias, diretamente ou por pessoa por ele indicada”.

Outro risco é uma coordenação entre a liga e algum comprador dos direitos de transmissão para privilegiá-lo. O efeito disso seria o prejuízo a concorrentes desse comprador. Imagine que uma emissora X seja privilegiada por meio de um acordo com a liga e só ela tenha os direitos de transmissão do campeonato nacional de futebol. Com isso, ela excluiria as emissoras concorrentes da transmissão das partidas do campeonato. Outra preocupação seria a emissora X criar uma imagem de que somente ela transmite as partidas do campeonato de futebol nacional e, por isso, fidelizar os telespectadores. Em ambos os casos, isso resultaria em vantagem sobre as emissoras concorrentes nas vendas de espaço de publicidade relativas às partidas. Ainda que essa possa ser uma preocupação legítima, ela deveria ser analisada em sede de conduta, e não como uma razão capaz de levar o CADE a eventualmente recusar a criação da liga, pois isso equivaleria a uma regulação ex ante da venda de direitos de transmissão de partidas de futebol[xix].

6.      Conclusão

Diante dos benefícios potenciais e da ausência de barreiras para a criação da liga e para a negociação coletiva dos direitos de transmissão das partidas, questiona-se por que isso ainda não ocorreu. A resposta mais óbvia é que há equipes que preferem a negociação individual, como é o caso do Flamengo. O clube prefere essa forma de negociação porque o tamanho de sua torcida lhe proporciona poder de barganha para obter bons preços por seus direitos de transmissão. Desse modo, uma partilha equitativa dos direitos não lhe traria vantagem no curto prazo. Como equipes como o Flamengo e o Corinthians são um “must have” em campeonatos nacionais de futebol, é preciso encontrar alguma forma de partilha que os faça aderir à negociação coletiva. Portanto, a forma de partilha é um desafio a ser enfrentado, o que exige cooperação entre os clubes e SAFs que formarão a liga.

Há outros pontos a endereçar para que o campeonato brasileiro melhore e concorra com os torneios organizados por ligas de outros países. Por exemplo, é importante que se tenha um calendário bem-organizado. Também é preciso considerar que há outras fontes de receita com potencial de crescimento, como as de marketing. Itens como o perfil das dívidas também deverão ser endereçados. Ainda, as SAFs tendem a estimular as discussões sobre esses pontos, pois os investidores demandarão um retorno sobre o capital próprio e as SAFs deverão adotar medidas para alcançá-lo. Para lidar com essas questões, é preciso atrair bons administradores.

Mas o fato é que temos o principal insumo para concorrer por parte da atenção hoje destinada às ligas europeias: bons jogadores. Além disso, os horários das partidas também são adequados para a transmissão internacional e as condições dos nossos estádios melhoraram bastante após a Copa de 2014. Mas, para concorrer por parte da atenção que hoje se dirige às partidas das ligas europeias, precisamos manter os jogadores mais talentosos no Brasil mais tempo ou fazê-los voltar mais cedo ao País, o que implica custos mais altos. Para arcar com esses custos, é preciso aumentar as receitas dos clubes, o que implica vender os direitos de transmissão de suas partidas de forma mais eficiente. A negociação coletiva dos direitos de transmissão por meio de uma liga nacional de futebol é importante para isso, pois isso permitirá o desenho de mecanismos apropriados para valorizar esses direitos. Entretanto, isso só será possível se os clubes e as SAFs cooperarem para criar a liga e vender os direitos de transmissão e, ao mesmo tempo, competirem dentro de campo para tornar nosso campeonato nacional competitivo e atrativo o suficiente para captar mais atenção de telespectadores brasileiros e estrangeiros.


[i] Consultor Sênior da Charles River Associates. As opiniões neste artigo são do autor e não necessariamente refletem as opiniões das instituições à qual ele está vinculado.

[ii] SportsValue. Brazilian top teams X Global football leagues in commercial revenues 2021 – Special analysis with new KPIs: Revenues, AD market size and Digital impact, 2022.Disponível em: https://www.sportsvalue.com.br/wp-content/uploads/2022/05/Brazilian-football-clubs-financials-2021-Sports-Value-may-2022.pdf

[iii] Pooler, Michael. Brazilian football’s new goal: a league that can take on the world. Financial Times, 4 de Janeiro de 2023. Disponível em: https://www.ft.com/content/35eb1f3e-65f4-417f-8aa8-0ac270747ee5

[iv] Como será discutido na seção 5, a coexistência de duas ligas comprometeria parte dos ganhos com a negociação coletiva, pois elas concorreriam entre si pela atenção dos telespectadores, canibalizando-se. Portanto, para que a negociação coletiva atinja o objetivo de aumentar as receitas com a venda dos direitos de transmissão, os clubes e as SAFs brasileiros devem entrar em acordo para que apenas uma liga seja criada.

[v] Segundo a Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE, “cada clube vende, individualmente, os direitos de transmissão de seus jogos e os valores e condições do contrato são negociados diretamente entre a emissora e o clube. É o modelo que prevalece no Campeonato Brasileiro Série A”. Disponível em: SEI/CADE – 0802187 – Nota Técnica (p. 8),

[vi] De acordo com a Nota Técnica nº 1/2020/GAB-SG/SG/CADE, na Europa, as ligas da Alemanha, Espanha, França, Itália e Inglaterra negociam os direitos de transmissão coletivamente. Em Portugal a negociação é individual, sendo que o direito de transmissão pertence à equipe mandante. Esse modelo beneficia, de acordo com o CADE, os três maiores clubes portugueses: Benfica, Porto e Sporting. Disponível em: SEI/CADE – 0802187 – Nota Técnica.

[vii] As respostas foram dadas antes de alguns clubes se tornarem SAFs. É possível que, com a mudança, o interesse das SAFs tenha mudado. Nesse caso, as respostas provavelmente seriam diferentes.

[viii] Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?HJ7F4wnIPj2Y8B7Bj80h1lskjh7ohC8yMfhLoDBLddY7smg6DiPYZv6esOqlaOSX2CJs113uONQ5u1dbJKALunSXfdaDS_Zn0xbhO-XGWMFVInOkvX_ygEtpai8chjqe

[ix] Disponível em: SEI/CADE – 0802187 – Nota Técnica

[x] Disponível em: Gráfico: ¿Qué equipo ha sido campeón de La Liga en más ocasiones? | Statista

[xi] Para uma discussão sobre mercados de atenção, ver Newman, John M. Antitrust in Attention Markets: Definition, Power, Harm. University of Miami Legal Studies Research Paper, 2020.

[xii] Deloitte. Annual Review of Football Finance 2022. Disponível em: https://www2.deloitte.com/uk/en/pages/sports-business-group/articles/annual-review-of-football-finance.html

[xiii] SportsValue. World football’s emerging leagues, 2021. Disponível em: https://www.sportsvalue.com.br/wp-content/uploads/2021/12/Football-emerging-Leagues-Sports-Value-1.pdf

[xiv] SportsValue. MLS x Brazilian Serie A, 2018. Disponível em: https://www.sportsvalue.com.br/wp-content/uploads/2018/12/Sports-Value-MLS-X-Serie-A-EN-1.pdf

[xv] A possibilidade de esse desvio de demanda ocorrer é tão mais elevada quanto maior for o grau de substituição entre as partidas das diferentes ligas. Essa discussão está ocorrendo na Europa atualmente, pois os preços dos direitos de transmissão das partidas da Premier League inglesa subiram e a possibilidade de os compradores desviarem a demanda para partidas de ligas europeias concorrentes não inibiu o aumento de preços. Isso é uma evidência de que o grau de substituição entre as partidas da Premier League e das outras ligas europeias é baixa. Isso ocorre porque a Premier League tem os melhores jogadores e o campeonato mais equilibrado – por exemplo, cinco equipes ganharam o título inglês nos últimos dez anos. Esse equilíbrio, por sua vez, decorre de uma distribuição equitativa das receitas com a venda dos direitos de transmissão das partidas [ver: English football starting to resemble a European super league | Financial Times (ft.com)].

[xvi] Disponível em: SEI/CADE – 0802187 – Nota Técnica

[xvii] Cordeiro, Alexandre e Oliveira Neto, Dario da Silva. As aquisições das SAFs devem ser notificadas ao Cade? Jota, 2022. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/concorrencia-e-mercados/aquisicoes-saf-devem-ser-notificadas-ao-cade-31012022

[xviii] Shapiro, Carl. Competition Policy and Innovation. STI Working Papers 2002/11 OECD, 2002.

[xix] Esse tipo de conduta ocorreu com a Premier League inglesa. Após investigação, a Comissão Europeia concluiu que havia um acordo entre a Premier League e a Sky relativa à venda dos direitos de transmissão das partidas que prejudicava a concorrência no mercado de canais dedicados a esportes em TV por assinatura. A Comissão Europeia então determinou à Premier League que desenhasse mecanismos para evitar que uma só emissora adquirisse todos os jogos. A Premier League passou então a leiloar blocos de partidas ao invés de todas elas, sendo que a Sky não poderia adquirir todos os blocos. Como a British Telecom entrou no mercado de TV paga na mesma época, ela passou a concorrer com a Sky pelos direitos de transmissão, ganhou alguns leilões e passou a transmitir as partidas. Isso levou a um aumento da concorrência no mercado de canais dedicados a esportes em TV por assinatura.

É interessante que a concorrência entre Sky e British Telecom beneficiou a própria Premier League, pois os preços dos direitos de transmissão subiram. Isso mostra que, ao alterarem as regras dos leilões para a venda dos direitos de transmissão de partidas de futebol, as ligas podem estimular a concorrência entre os participantes desses leilões (compradores) e, com isso, obter preços mais altos pelos direitos.

Ver: Charles River Associates. Economic Regulation in the Broadcasting Sector: An International Study. 2017.


Arquivo para download

OLIVEIRA JÚNIOR, Márcio. Competição e Cooperação no Futebol Brasileiro. WebAdvocacy. Brasília, DF. Texto para Discussão 2/2023. 07 de março de 2023.