Economia digital

Big techs pós-pandemia: é possível comparar este movimento ao Too Big to Fail?

Editorial

Esta semana dois acontecimentos chamaram à atenção no mundo das big techs: (i) Elon Musk falou em possibilidade de falência do Twitter[1] e (ii) Zuckerberg anunciou a demissão de 11 mil funcionários do Facebook[2]. Estas seriam apenas notícias corriqueiras caso não fossem empresas Too Big, ou melhor, Big techs.

Como é sabido, as big techs detêm faturamentos superiores aos PIBs de muitos países e a capacidade de movimento econômico dessas empresas não encontra precedentes na história. A pandemia da Covid-19 acelerou o ingresso da população mundial no mundo digital e o faturamento das empresas de tecnologia avançaram para além do planejado. Negócios passaram a ser preferencialmente realizados pela via digital, o que trouxe redução de custos tanto para o setor empresarial quanto para os trabalhadores.

Reportagem da Revista Exame de julho de 2020[3] apontou que as empresas de tecnologia tiveram um boom na pandemia. Segundo a reportagem, o Facebook aumentou em 98% o lucro líquido no segundo trimestre de 2020 e a Samsung reportou um aumento de 23% no lucro líquido no mesmo período.

O ano de 2021 também representou crescimento considerável para as empresas de tecnologia. Segundo a reportagem da Revista Oeste, o valor de mercado das big techs cresceu US$ 2,5 trilhões em 2021[4], com o destaque para a Apple, em que o valor das ações aumentou 38%, o que também ocorreu com a Microsoft, que viu as suas ações aumentarem 51% no período.

A teoria Too Big to Fail [5]foi utilizada pelos EUA para tratar do setor financeiro e a ideia era a de que as instituições financeiras haviam atingido um tamanho muito grande em termos de movimentação financeira no mundo e a falência de uma destas instituições, por terem o capital como insumo, teria um efeito devastador sobre todo o sistema financeiro e, consequentemente, sobre toda a economia real. O exemplo da utilização da teoria Too Big to Fail ganhou evidência com a quebra do Banco Lehman Brothers entre os anos 2007e 2008.

A relevância da(s) empresa(s) para a desestabilização econômica mundial é o palavra-chave para a teoria Too Big to Fail.

As big techs se encaixariam no critério de relevância?

Bom, é cedo para dizer se estas empresas quebrarão e se a sua falência terá o efeito de risco sistêmico verificado quando da “quebra” de uma instituição financeira, principalmente porque podemos estar a observar oportunidade para o crescimento de startups de tecnologia.

No entanto, que são empresas Bigs são e que a natureza da economia digital, principalmente no que se refere a dependência que “corações e mentes” têm dessa nova forma de vida, impede que o to Fail dessas empresas passe ao largo da sociedade também é uma verdade.

Aguardemos os próximos episódios!!!  


[1] Elon Musk diz a funcionários que Twitter pode ‘ir à falência’ – Estadão (estadao.com.br)

[2] Mark Zuckerberg anuncia demissão de mais de 11 mil pessoas na Meta, dona do Facebook | Tecnologia | G1 (globo.com)

[3] Empresas de tecnologia crescem em meio ao caos da pandemia | Exame

[4] Valor de mercado das big techs cresceu US$ 2,5 trilhões em 2021 (revistaoeste.com)

[5] Too Big to Fail – O que é, conceito e mais | Termos Financeiros (maisretorno.com)

Características Econômicas das Grandes Plataformas Digitais e o Poder de Mercado

César Mattos

O poder econômico das grandes plataformas digitais (ou “Big Techs”) tem sido cada vez mais destacado nas análises de concorrência em todo o mundo. O fundamental Relatório do Congresso Americano-RCA-(2020)[1] sobre concorrência e Big Techs, organizado pela atual Presidente da Federal Trade Commission (FTC) americana, Lina Khan, descreve o que seriam as condutas anticompetitivas das quatro principais plataformas: Google, Amazon. Facebook e Apple.

A emergência deste fenômeno é algo relativamente novo, tendo início neste século e surpreendendo com a rapidez com que aconteceu. Wu (2018)[2] aponta a grande concentração de mercado nas Big Techs: “de repente, não havia uma dúzia de mecanismos de busca, cada um com uma ideia diferente, mas apenas um mecanismo de busca (o Google). Não havia mais centenas de lojas que todos iam, mas apenas uma “loja de tudo” (a Amazon). E evitar o Facebook era como fazer de você mesmo um hermitão digital”.

Além dos vários casos antitruste que apareceram e continuam surgindo no mundo, a partir do Relatório americano de 2020 foi proposto em 2022, o American Innovation and Choice Online Act[3] para conter este processo de concentração pela via regulatória. O Digital Market Act (DMA) Europeu também caminha na mesma direção. Ambas as iniciativas americana e europeia apresentam uma postura hostil ao conjunto de condutas de self-preferencing, que ocorre quando a Big Tech privilegia empresas de seu grupo em detrimento de outras.

Mas afinal, quais são as características econômicas das Big Techs que propiciam esta tendência de concentração dos mercados de plataformas digitais? O objetivo deste artigo é fazer uma síntese de quais elementos explicariam este fenômeno. Vejamos um a um.

Efeitos de Rede

Quando uma plataforma digital traz diferentes grupos de usuários para interagirem, são gerados “efeitos de rede” (network effects): quanto mais usuários, maior o valor da plataforma para cada usuário.

Esta característica repete a falha de mercado dos mercados de telecomunicações, a qual justificou a regulação de interconexão neste setor. Como o valor de um telefone para qualquer pessoa se deriva de quantas pessoas de suas relações também possuem telefones e podem ser contactados, uma nova companhia telefônica que entre no mercado, mas que não seja capaz de se interconectar com os usuários da empresa incumbente, não será de grande valor, ainda que tenha a melhor tecnologia e serviço disponível.

Da mesma forma, uma rede social como o Facebook, o Instagram, o Twitter ou o Linkedin apenas atraem mais usuários porque já têm muitos usuários com quem se deseja interagir. Documentos internos do Facebook[4], inclusive com falas de Mark Zuckerberg, indicam que a empresa montou sua estratégia de competição apoiada no reforço destes efeitos de rede na “família de produtos” desta rede social.

A questão econômica relevante é que, de um lado, os efeitos de rede induzem a uma lógica “the winner takes most[5] ou “the winner takes it all[6], o que concentra o mercado. De outro lado, a realização desses efeitos de rede pela interação entre usuários é, ao mesmo tempo, positiva para os usuários, o que é um benefício. 

O RCA (2020) aponta dois tipos principais de efeitos de rede nos mercados digitais. Primeiro, os “efeitos diretos” nos quais quanto mais pessoas usam um produto, mais pessoas obtêm valor desse produto como é o caso dos serviços de E-mail ou Whats app por exemplo.

Segundo, há os chamados efeitos de rede indiretos quando o maior uso de um serviço digital estabelece um padrão tecnológico no setor que induz terceiros a inventarem e desenvolverem produtos com tecnologias compatíveis e que podem ser utilizadas de forma complementar ao serviço digital inicial. Essa multiplicação de serviços compatíveis reforça a popularidade dos serviços originais, o que constitui os efeitos de rede indiretos. Estes são muito relevantes nas duas grandes lojas de aplicativos, Apple Store (sistema ioS) e Google Play (sistema Android).

Mercados de Dois ou Vários Lados

Os usuários das plataformas podem estar “no mesmo lado” ou em “mais de um lado” do mercado. O Google oferece acesso não apenas para os usuários finais que realizam buscas na internet em “um lado do mercado” como para os sites a serem acessados, no “outro lado do mercado”. O Google também intermedeia os usuários finais em um lado com outros sites de acesso no outro lado que, por sua vez, intermediarão estes com sites em um terceiro lado. 

A questão relevante aqui é que a microeconomia de mercados de mais de um lado é diferente da convencional e isso afeta diretamente a lógica da análise concorrencial. Por exemplo, como destacado pela OCDE (2022), os testes SSNIP (o que acontece com a quantidade e o lucro quando há um pequeno, mas substantivo e não transitório aumento nos preços), usados para delimitar mercados relevantes na análise concorrencial, devem ser completamente ajustados em mercados de vários lados. Isso porque passam a ser requeridos múltiplas interações, estimando o impacto inicial de um aumento de preço em um lado, a reação em outros lados e o retorno dos efeitos nestes outros lados no lado original. Nesse contexto, não faz sentido pensar no exercício de poder de mercado em apenas um lado da plataforma, cabendo avaliar as elasticidades da demanda e as taxas de desvio (diversion ratios) dos usuários de uma plataforma a outra em resposta a alterações em preços relativos em todos os lados dos mercados analisados.

Estas múltiplas interações fazem com que o cálculo das participações de mercado e índices de concentração se tornem menos significativos para a análise concorrencial nos mercados com mais de um lado, dado que não capturam as relações em todos os lados das plataformas e entre plataformas.

Note-se o incentivo para subsídios cruzados entre os diversos lados do mercado. Por exemplo, se a existência de muitos usuários em um lado do mercado gera maior atratividade para aderir ao outro lado, os usuários desse último se tornam mais dispostos a pagar pelo produto. Daí pode fazer sentido reduzir bastante o preço no primeiro lado para induzir à adesão no segundo lado, inclusive podendo cobrar mais. É o caso de casas noturnas em que homens (um lado do mercado) pagam mais do que mulheres (o outro lado do mercado), o que no mundo digital tem o seu equivalente em sites de namoro como o Tinder[7]. Assim, se o “preço” do lado feminino estiver abaixo do custo não quer dizer que haja uma conduta de preço predatório, pois é economicamente racional subsidiar este lado para atrair mais usuários para o outro lado que se tornará mais disposto a pagar mais caro.

Para avaliar se isso é uma conduta anticompetitiva, cabe verificar se preços abaixo de custo em um dos lados é lucrativo porque amplia a base de usuários, gerando receitas em outros lados, ou apenas porque enfraquece concorrentes. O problema é diferenciar as duas.

Economias de Escala[8] e Escopo[9]

“junte todos os nossos produtos, e assim nós prenderemos os consumidores ainda mais em nosso ecossistema”     Stevie Jobs

Os mercados digitais apresentam altos custos fixos para desenvolver a plataforma, incluindo hardware e armazenamento de dados, e custos variáveis e marginais baixos para incorporar cada novo usuário. Isso inclusive em produtos relevantes distintos, mas relacionados, com custos comuns de hardware e de know-how sobre como operar a plataforma, configurando economias de escopo. Conforme o CADE (2021)[10], em alguns casos, os “custos e/ou dados de desenvolvimento podem ser compartilhados entre linhas de negócios. Inclusive, os aplicativos podem ter uma aparência e um comportamento parecidos para que os usuários se acostumem com as plataformas de forma mais rápida”.

Tanto como nos efeitos de rede, economias de escala e escopo induzem a mercados mais concentrados (um custo), mas tais estruturas são mais eficientes por reduzir o custo médio da plataforma (um benefício), tal como ocorre nos mercados de infraestrutura que têm alta proporção custo fixo/variável.

O CADE (2021) ressalta que os mercados digitais, diferente dos setores de infraestrutura, possuem a chamada “escala sem massa”, por não possuírem um bem tangível físico, possibilitando às plataformas crescer de maneira mais rápida e barata comparativamente aos mercados de bens físicos e com custos marginais de processamento, armazenamento, replicação e transmissão de dados muito baixos. Isso, no entanto, vale tanto para incumbentes quanto para entrantes, o que indica não representar uma barreira à entrada no sentido de Stigler.

Vantagem da Firma Pioneira

Um ponto comum das quatro Big Techs é o desafio bem sucedido às então “firmas pioneiras”, questionando o que se considera usualmente como a vantagem de ser incumbente pelas autoridades de concorrência.

De fato, segundo Picker (2020)[11], em julho de 2001, a FTC iniciou investigação sobre os mecanismos de busca da Microsoft, AOL Time Warner, AltaVista, Direct Hit Technologies, iWon, Looksmart e Terra Lycos. O curioso é que nesse momento o Google era tão pequeno em relação a essas outras empresas (e só as duas primeiras ainda existem!!!!) que não integrava a lista das investigadas. Apenas dois anos depois, o Google já era considerado o líder claro deste mercado, tendo a Microsoft chegado a propor uma aquisição do Google que foi recusada pela empresa.

Conforme Picker (2020), a Apple que lançou o iPhone em janeiro de 2007 desafiando as posições dos incumbentes Research in Motion (RIM) que aperfeiçoava o seu Blackberry original e da clara líder em aparelhos celulares, a Nokia. A loja de aplicativos da Apple, um conceito até então inexistente, foi aberta um ano e meio depois.

Prossegue o autor, lembrando que Jeff Bezos lançou a Amazon em julho de 1995 para vender livros online, disputando o mercado com incumbentes bem estabelecidos como as livrarias Barnes & Noble e Borders. A empresa estende sua venda de livros para CDs e DVDs em 1998 e eletrônicos em 1999. A partir de outubro de 1999, começa a vender vários produtos de terceiros em seu novo programa zShops. Nesse alcance maior de produtos, uma das concorrentes da Amazon é a Walmart que teve em 1996 um faturamento de US$ 93,6 bilhões, muito maior que o da Amazon em seu negócio com livros no mesmo ano de US$ 15,7 milhões.

Por fim, Picker (2020) aponta que quando Mark Zuckerberg lançou o Facebook em 2004, já existiam redes sociais, sendo a mais conhecida a Friendster.com, a Tribe.net de 2003, a Tickle (de encontros amorosos) e o Linkedin (profissional). A SixDegrees.com havia sido lançada em 1997, mas não deu certo. O Myspace chegou a ser a maior rede social em julho de 2005, antes de ser ultrapassado pelo Facebook.

No entanto, apesar de não serem tão pioneiras assim, as Big Techs conseguiram “enraizar” (uma medida de como firmas pioneiras conseguem adquirir uma vantagem sobre entrantes) melhor a sua posição dominante do que os predecessores e a dificuldade de entrada parece maior que antes.

Um exemplo relevante de maior “enraizamento” da posição dominante é o do Google. O RCA (2020) aponta que a indexação de títulos da busca requer elevados custos fixos e grandes capacidades de armazenamento e de computação. O rastreamento da internet (web crawling) é custoso e favoreceu o pioneirismo do Google que rastreou toda a rede mundial de computadores. E o custo deste rastreamento, mesmo com o avanço da tecnologia, aumentou muito por causa do crescimento exponencial da internet.

A grande vantagem da firma pioneira “Google” ou “Bing” (da Microsoft) decorre do fato que, como ser rastreado pode causar danos às páginas, as maiores páginas da web permitem a apenas uma pequena parte dos “rastreadores” existentes rastrearem suas páginas. Ao mesmo tempo não estar nos índices dos principais buscadores, Google e Bing, implica perder tráfego. Assim, as principais páginas da Web autorizam o rastreamento apenas daqueles buscadores principais. Ou seja, buscadores entrantes serão provavelmente bloqueados pelas principais páginas da web, dificultando sua operação. Buscadores horizontais como Yahoo e DuckDuckGo não rastreiam, mas adquirem acesso dos índices de Google e Bing por meio de acordos. Esta atuação dependente reduz, naturalmente, o vigor competitivo daqueles buscadores.

Custos de Troca e Dados

Os usuários investem tempo e esforço para utilizar uma plataforma, gerando custos de troca.

A plataforma, por sua vez, coleta e “acumula” os dados desses usuários. No caso de redes sociais como o Facebook ou Instagram, são fotos, vídeos, textos e outras informações que os usuários vão postando e que se tornam os seus “dados” naquelas plataformas.

Nesse contexto, se um usuário desejar mudar de plataforma, mas não puder levar este histórico de dados, há custos de troca (switching costs), reduzindo a capacidade de entrantes capturarem a clientela (locked-in) dos incumbentes.

Conforme o RCA (2020), no Facebook, os usuários não são capazes de migrar ou fazer o download de seus dados para uma plataforma concorrente. Caso quisesse migrar, o usuário teria que refazer o upload de suas fotos e informação pessoal na nova plataforma. Na Amazon, quando um vendedor online já gerou várias avaliações de produto, terá problemas similares de recuperação desses rankings se migrar para outra plataforma.

Mesmo para aplicativos, o custo de troca pode ser alto. Um exemplo são os usuários do Spotify que quando assinam pelo Facebook, conforme o RCA (2020) “não conseguem desconectar o Spotify do Facebook”. Para fazê-lo, apenas por uma nova conta no Spotify, o que implica perder as playlists, história do que escutou e outros dados do aplicativo.

A regulação da “portabilidade de dados” visa justamente reduzir esses custos de troca, dando conveniência para o usuário migrar de plataforma, promovendo a concorrência. Por isso é uma medida de promoção da concorrência indicada no RCA (2020).

O CADE (2021) foi particularmente sanguíneo quanto a restrições de uma plataforma relativamente à negativa de portabilidade dos dados, entendendo que tais restrições seriam anticompetitivas quase per se.

Relacionada à regulação de portabilidade de dados está a interoperabilidade das plataformas, o que também diminui custos de troca dos usuários. Quanto mais os sistemas se comunicarem, mais fácil para os usuários não só trocarem de plataformas, mas também usarem as duas simultaneamente, fazendo o multihoming, o que favorece a concorrência.

O mais importante é que, conforme lembra o RCA (2020), a interoperabilidade “quebra o poder dos efeitos de rede”, ao permitir que os entrantes também se beneficiem destes efeitos “ao nível do mercado e não apenas ao nível da firma”. 

Obrigar a interoperar pela regulação, por outro lado, pode impor restrições à inovação já que o desenho dos produtos estará sempre condicionado a ter que interoperar com outros produtos. Essa restrição técnica será tão mais significativa quanto mais diferentes e/ou inovadores forem aqueles. De fato, de um lado, o desenho de um produto pode ser concebido de forma deliberada para restringir a interoperabilidade e/ou a portabilidade de dados, diminuindo a concorrência.

De outro lado, o próprio fato de haver muita inovação pode gerar uma dificuldade técnica genuína de o inovador promover a interoperabilidade com as plataformas existentes. O produto é tão diferente do que existe que dificulta tecnicamente a ser interoperável. Alternativamente, para viabilizar a interoperabilidade, é possível que o inovador tenha que tornar o seu novo produto um “pouco menos diferente”, o que pode reduzir o próprio grau de inovação. Em síntese, pode haver um trade-off grau de inovação/interoperabilidade.   

Papel Competitivo dos Dados em Mercados Digitais

Dados são o novo óleo”. Clive Humby, 2006

A aprendizagem dos vendedores sobre como agem os consumidores é decorrência do tempo e das transações realizadas nesse período em qualquer negócio. Quanto mais transações, mais se aprende sobre os consumidores. Tocar um negócio é intensivo em experiência. 

Em mercados digitais, esse aprendizado é particularmente intenso e se faz com a intermediação da plataforma que dispõe de ferramentas que continuamente analisam tudo o que está sendo feito (ou clicado) pelos usuários. Mais do que nunca, a geração de dados sobre os usuários é resultado do próprio “processo produtivo” das plataformas que vai “revelando” continuamente como se comportam.

Os dados são gerados inclusive daqueles que não concretizaram as transações, algo que nos mercados físicos os vendedores apresentam capacidade de observação bem mais reduzida sobre os comportamentos dos usuários. Quem já fez uma busca de um destino em site de viagem, por exemplo, mesmo sem ter comprado já teve a experiencia de, logo depois, receber várias ofertas exatamente para este destino.  É como uma “câmera espiã” contínua funcionando no “chão de fábrica” dos mercados digitais. O fato é que a capacidade de as plataformas processarem e avaliarem os dados dos usuários é multiplicada várias vezes nos mercados digitais. Conforme o CADE (2021), os dados constituem um insumo tão essencial nos mercados digitais que pode se falar de “economias de escala dinâmicas” derivadas disso.

E quanto mais usuários uma plataforma tiver, mais ela terá acesso a dados. Como é difícil para entrantes replicar a quantidade de dados e aprendizado das plataformas incumbentes, há dificuldade para os primeiros em entender tão bem o comportamento dos usuários quanto os segundos, o que é mais um indutor à concentração de mercados.

Cientes desta vantagem competitiva dos dados, os incumbentes muitas vezes buscam ampliá-la, coletando também informações dos usuários de seus concorrentes que acessam sua plataforma ao mesmo tempo que dificultam o acesso aos seus próprios dados.

Uma consequência fundamental dessa enorme capacidade de conhecer o usuário nas plataformas digitais é poder direcionar propaganda para os usuários mais predispostos a serem influenciados. Ou seja, os gastos de marketing são particularmente eficazes no mundo digital, tendendo a atingir mais diretamente o público-alvo, o que resulta em mais vendas por dólar investido em propaganda.

Para terem capacidade de gerar valor, no entanto, os dados devem ser intensamente trabalhados. Como Clive Humby[12] ressaltou: “isso (o óleo) tem valor, mas se não for refinado, não poderá ser efetivamente utilizado. Ele tem que ser transformado em gás, plástico, químicos etc  para criar algo valioso que direciona a atividade lucrativa; logo os dados devem ser desagregados, analisados para terem valor”  

Petit e Teece (2021) [13] destacam que dados podem ser tidos como o novo lego: “o problema que os dados colocam para os negócios é muito prático. Tem a ver com analisar, organizar, combinar e utilizar os dados para criar novos produtos, modelos de negócios e oportunidades comerciais. Uma miríade de combinações é possível. Para levar a metáfora adiante, em um mundo de informação digitalizada, as firmas digitais são desafiadas a construir milhões de peças de legos, só que sem as instruções. A vantagem competitiva é criada pela capacidade de criativamente combinar ciência de dados, tecnologia e negócios. Não se pode concluir que o controle passivo sobre grandes bancos de dados permite à firma viver uma vida tranquila. Ao contrário, a “orquestração” dos dados é um elemento crítico e requer fortes capacidades dinâmicas”.

Isso implica que nos mercados digitais a capacidade de acessar, processar e utilizar uma enorme massa de dados (montar os milhões de legos) é parte indistinguível do processo concorrencial.

Assim, uma regulação de portabilidade de dados deve ser muito cuidadosa. De um lado, os “dados” que, regulatoriamente, devem ser “portados” não podem ser aqueles já trabalhados sob pena de expropriar a empresa justamente naquilo que define o seu esforço na “competição nos méritos”, destruindo os incentivos à concorrência que se deseja gerar. Assim, cabe limitar a regulação de portabilidade aos dados mais brutos, àquele diamante sem lapidação, não estendendo aos dados mais trabalhados.

De outro lado, esta portabilidade dos dados mais brutos de cada usuário de uma plataforma para outra equivale a apenas uma parte ínfima das milhões de peças de lego com as quais a primeira plataforma está construindo a sua forma de operação. O impacto real na capacidade de competir da plataforma para a qual ocorre a migração dos dados do usuário pode ser muito pequena para justificar a regulação.

A OCDE (2022) recomenda uma regra para avaliar o papel dos dados na concorrência, o que pode ser pensado como uma forma de evitar uma regulação excessiva. É importante considerar para cada mercado se

  1. o conjunto de dados é único ou obtenível de outras fontes;
  2. o conjunto de dados é replicável facilmente ou não;
  3. há economias de escala e escopo associadas à coleta, uso e armazenamento destes dados;
  4. há algum tipo de “lock-in” que impede que os dados sejam interoperáveis.

Modelo de Negócio Baseado em Propaganda

“quando propaganda está envolvida, você, o usuário, é o produto” Fundadores do Whats app

O RCA (2020) reporta que Google e Facebook representam 99% do crescimento anual do mercado de propaganda digital americano, dando uma dimensão da importância das Big Techs no segmento. Isso está associado à “produtividade” da propaganda propiciada pela coleta de dados dos usuários das Big Techs apontada acima.

Quando o modelo de negócio é muito baseado em propaganda, os preços são muito baixos ou mesmo zero, o que remove uma importante forma de competir, desviando clientela para entrantes via preços mais baixos. Conforme a OCDE (2022)[14], “sete das dez maiores companhias globais trabalham com produtos e serviços a preço zero nos mercados digitais”.

Como o serviço não tem preço, as ferramentas de delimitação de mercado clássicas do antitruste como o efeito de “um aumento pequeno, mas significativo e não transitório” de preços não apresenta qualquer serventia.

Concorrência Baseada em Inovações

Schumpeter (1950) criticava a microeconomia convencional que via como principal virtude da concorrência a redução de preços. Conforme o autor, a competição por meio da “destruição criativa” seria muito mais importante para a economia do que por meio da “redução de preços”:

na realidade capitalista, que é diferente daquela mostrada nos livros textos, não é a competição de preços que conta, mas a competição que vem do novo produto, da nova tecnologia, da nova fonte de oferta, do novo tipo de organização…..aquela que comanda uma vantagem decisiva de custo ou qualidade, a qual afeta não as margens dos lucros e produtos das firmas existentes mas os seus fundamentos e a sua própria existência. Este tipo de competição é tão mais efetiva que a outra, que seria como se comparássemos um bombardeio a um arrombamento de uma porta”.

Mais do que nunca, a concorrência nos mercados digitais se aproxima de Schumpeter, com o foco em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), inovação e qualidade do produto. Petit e Teece (2021) defendem, inclusive, uma mudança no paradigma de análise das agências de concorrência: “a concorrência estática domina os modelos analíticos empregados na política de concorrência….(i) faz uso extensivo de modelos de equilíbrio enquanto as tecnologias digitais apresentam propriedades de desequilíbrio; (ii) conta essencialmente com a expertise de economia industrial e apenas marginalmente utiliza “insights” da literatura de negócios e gestão de tecnologia; e (iii) frequentemente elimina incerteza de maneira a formular regras simples. Estamos, portanto, ainda longe de uma mudança de paradigma coerente para alguns funcionários de agências e instituições de concorrência”.

Uma diferença analítica fundamental defendida por estes autores quando a concorrência é Schumpeteriana e muito baseada em inovações faz conexão aos questionamentos já trazidos em seção anterior sobre a “vantagem da firma pioneira”. Enquanto as agências antitruste consideram a incumbência como uma vantagem competitiva em si com o conhecimento do mercado e do negócio e a lealdade dos consumidores à marca, a literatura sobre gestão de tecnologia considera a incumbência muitas vezes como uma desvantagem. Incumbentes estariam relativamente mais presos à “sabedoria da gestão convencional”, aos valores estabelecidos nas redes ou às trajetórias tecnológicas existentes, o que prejudicaria sua propensão a inovar.

A ideia de Schumpeter de “destruição criativa” já embutiria esta diferença entre os dois paradigmas. O conceito é formado de duas palavras, uma positiva “criativa” e outra negativa “destruição”. A parte “positiva” diz respeito ao fato de que empreendedores, usualmente entrantes, criam novos produtos ou novas formas de produzi-los, incrementando o bem-estar.

Tais novidades podem ser tão superiores aos produtos existentes que os consumidores substituem os antigos pelos novos. E daí vem a “parte negativa”: os negócios existentes que têm substituídos os seus produtos podem ser “destruídos”. Na verdade, dado o “efeito substituição” da inovação[15], os entrantes tendem a inovar e “destruir criativamente” mais do que os incumbentes. Isso mitigaria a preocupação concorrencial usual das agências antitruste nos mercados com muita inovação em geral, e nos mercados virtuais em particular.

Assim, a incumbência nos mercados digitais, onde a concorrência é regida pela inovação, pode ser simultaneamente uma vantagem e um fardo.

Verticalização

Os mercados virtuais são verticalizados e as preocupações concorrenciais usuais que ocorrem quando pelo menos um dos elos apresenta características monopolistas e pode discriminar terceiros em outros elos são aplicáveis.

Sendo verticalizadas, as plataformas teriam um “papel duplo” de fornecedores e concorrentes de serviços com outras plataformas. A questão competitiva chave dos mercados digitais seria a exploração do “poder de controle de acesso”[16] pelas plataformas dominantes na mesma linha da chamada “facilidade essencial”.

O RCA (2020) aponta para a necessidade de medidas de quebra vertical de Big Techs, tal como foi utilizado nos casos históricos da Standard Oil e AT&T e que as agências desejaram aplicar na Microsoft. Havendo esta quebra, muitas relações econômicas que hoje ocorrem dentro da Big Tech passariam a ser regidas apenas pelo mercado. Conforme Petit e Teece (2021), isso faria perder importantes economias de coordenação nos mercados digitais: “Criar e orquestrar ativos digitais de forma a alcançar um valor aos clientes finais envolve atingir uma convergência de expectativas dentro da gestão do ecossistema de um tipo que o sistema de preços não é capaz de atingir por ele mesmo”.

As economias de escopo nos dados em especial podem ser perdidas. Não há algo como os dados que vão servir para uma linha de negócio “A” e outros dados separados que vão servir para a linha de negócio “B”. Dados provenientes de “A” servem para “A”, “B” e “C”. Como colocado por Petit e Teece (2020) “os dados vêm de várias fontes diferentes e podem ser utilizados de várias formas diferentes, é frequentemente impossível saber ex-ante de quais fontes e de quais usos serão gerados mais valor”.  

Vieses Comportamentais em Mercados Digitais

Como destacado no RCA (2020), osvieses comportamentais dos consumidores seriam particularmente fortes nos mercados virtuais como i) o viés de enquadramento (framing bias), quando a decisão de compra é influenciada pela forma que as diferentes opções são apresentadas; ii) o viés de saliência (salience bias) com decisões focando no item mais proeminente e iii) o viés de default, com baixa tendência a alterar a escolha para ofertas inequivocamente melhores.

Estes vieses facilitariam a estratégia das Big Techs de implementar o self-preferencing. Quando a Apple, por exemplo, coloca nos iphones, os seus próprios aplicativos como “default”, está usando este tipo de viés para induzir os usuários a utilizá-los em lugar de aplicativos concorrentes em um típico self-preferencing.

Para se ter uma ideia das dificuldades que seriam impostas à regulação se, porventura, buscasse, eliminar o reforço dos vieses comportamentais pelas grandes plataformas, imagine-se que o regulador proíba que a Apple ou o Google coloquem seus próprios aplicativos como default nos smartphones, tal como fazem hoje. Assim, a plataforma poderia colocar o aplicativo de um terceiro, mas não o seu como default? Isso não geraria enorme desincentivo à inovação nos aplicativos da Big Tech?

O consumidor não perderia em termos de funcionamento com os aplicativos próprios da Big Tech melhor calibrados para o aparelho ou sistema operacional respectivo?

Alternativamente se for proibido colocar aplicativos próprios como default, aumentam-se os custos de uso, obrigando ao consumidor correr atrás de todos os aplicativos que deseja em lugar de ter a comodidade de ter pelo menos os principais já instalados no smartphone.

Outra opção seria obrigar a Big Tech colocar todos os aplicativos existentes para uma dada função (por exemplo, maps) no celular, de forma a não haver discriminação. A questão é que se isso for imposto para todos os aplicativos com concorrentes, sobrecarregaria o sistema? E ainda haveria intermináveis discussões regulatórias quando a Big Tech entender que algum aplicativo de terceiros puder prejudicar o funcionamento do aparelho do sistema operacional ou de outras funções. Enfim, mitigar os vieses comportamentais pela via regulatória está longe de ser trivial.

Conclusões

As características econômicas das plataformas digitais apresentam várias peculiaridades que, de fato, geram uma tendência à concentração do mercado, o que suscita preocupações concorrenciais. Estas mesmas características, ao mesmo tempo, indicam não ser eficiente uma oferta com muitos agentes.

Nesse ponto há paralelos a se fazer com os mercados de infraestrutura com monopólios naturais e com integração vertical. E muito da discussão regulatória se dá em relação a como não perder economias de escala e escopo, mas garantir acesso às plataformas que tenham se tornado insumos essenciais para os serviços. 

Em particular, a relação entre vigor concorrencial e concentração de mercado não é clara, sendo medidas como o HHI ou o C4 de pouca serventia.

Economistas da área de concorrência e regulação são mais preocupados com a possibilidade de que uma intervenção excessivamente tardia possa tornar o poder de mercado dos incumbentes perene, sem chances de contestação.
Haveria, ademais, similaridade da necessidade de acesso dos concorrentes aos serviços principais das Big Techs com o que ocorre com monopólios naturais verticalmente integrados na infraestrutura, o que pressupõe uma lógica típica de facilidade essencial.

Já economistas da tecnologia com um viés mais Schumpeteriano acreditam que sempre há um entrante disruptivo à espreita que, com muito capital humano, pode achar formas mais inovadoras de “montar os legos” dos dados dos usuários e do mercado e superar boa parte da aparente inércia da incumbência. Esta inexpugnável economia de escala e escopo no uso de dados seria, na verdade, uma grande ilusão, sendo que inteligência artificial e machine learning seriam os novos veículos do processo de destruição criativa Schumpeteriana que estão longe de serem monopólios dos incumbentes apenas pela quantidade maior de dados que dispõem.

Ademais, os economistas da tecnologia não acreditam tanto que o acesso ao serviço principal das Big Techs seja realmente “essencial”, mas apenas uma forma mais cômoda e menos custosa de entrar. Até porque seria quase uma contradição um entrante “disruptivo raiz” depender do negócio que está a ser “criativamente destruído”.

As características econômicas distintivas dos mercados digitais jogam alguma luz sobre por que têm surgido tantas questões concorrenciais no setor. Em outros artigos discutiremos um pouco mais das condutas das plataformas digitais que vêm sendo analisadas pelas agencias antitruste mundo afora e as iniciativas de regulá-las.        


[1] Investigation of Competition in Digital Markets. competition_in_digital_markets.pdf (house.gov)

[2] Wu,T.: “The Curse of Bigness”. Antitrust in the New Gilded Age. Columbia Global Reports.

[3] H.R.3816 – 117th Congress (2021-2022): American Choice and Innovation Online Act | Congress.gov | Library of Congress

[4] Ver RCA (2020).

[5] O ganhador leva a grande parte.

[6] O ganhador leva tudo.

[7] Aqui o “preço” pode ser entendido como vantagens e promoções que são dadas pelo site a um ou outro lado do mercado.

[8] Economias de escala ocorrem quando os custos médios caem quando o produto aumenta, Custos fixos elevados podem ter este efeito ao serem mais diluídos com o aumento do produto. 

[9] Economias de escopo ocorrem quando é mais barato produzir dois produtos juntos do que separados. Custos comuns entre os dois produtos, muitas vezes fixos, podem ser a fonte das economias de escopo.

[10] MERCADO DE PLATAFORMAS DIGITAIS – CADERNOS DO CADE https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/cadernos-do-cade/plataformas-digitais.pdf. Agosto de 2021

[11] https://judiciary.house.gov/uploadedfiles/submission_from_randalpicker.pdf.

[12] Ver nesta interessante referência sobre o assunto de Amol Mavoduru Is Data Really the New Oil in the 21st Century? | Towards Data Science.

[13] Petit,N. e Teece,D.: “Innovating Big Tech Firms and Competition Policy: favoring dynamic over static competition”. Industrial and Corporate Change, Vol. 30, Issue 5, October 2021.

[14] OECD Handbook on Competition Policy in the Digital Age 2022. OECD Handbook on Competition Policy in the Digital Age

[15] No caso das chamadas “inovações drásticas”, o entrante se transforma em monopolista (Reinganum, J.: Uncertain Innovation and Persistence of Monopoly.American Economic Review 73 (4), 1983).

[16] Gatekeeper power.

Possíveis impactos da tecnologia blockchain nos acordos colusivos

Polyanna Vilanova[i]

Isabel Jardim[ii]

Ana Flávia Napoli[iii]

Neste artigo continuaremos a explorar os desdobramentos do uso da tecnologia blockchain e seus possíveis efeitos na concorrência, focando especificamente nas práticas colusivas, especialmente nos cartéis.

As condutas colusivas ou coordenadas, as quais englobam acordos e práticas concertadas entre concorrentes, como cartéis, além de práticas verticais, geram diversas preocupações ao mercado e às autoridades antitruste ao redor do mundo. Devido ao seu alto potencial lesivo ao ambiente competitivo, acordos entre concorrentes e outras práticas concertadas têm sido reprimidas com dureza pelas agências.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em seu Guia de Combate a Cartéis em Licitação[i], define o cartel como “acordo ou prática concertada entre concorrentes para fixar preços, estabelecer quotas ou restringir produção, dividir mercados de atuação e alinhar qualquer variável concorrencialmente sensível”. 

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o cartel é a mais grave dentre as condutas anticompetitivas, uma vez que prejudica sobremaneira os consumidores e tem efeitos prejudiciais sobre a eficiência econômica. Isso porque, um cartel bem-sucedido pode aumentar os preços acima do nível competitivo, reduzir a quantidade e a qualidade ofertada de bens e reduzir o incentivo à inovação, protegendo seus membros dos riscos inerentes à exposição às forças de mercado, reduzindo a pressão competitiva nos segmentos afetados por este tipo de acordo[ii].

Não à toa, o Cade, assim como outras autoridades antitruste internacionais, tem direcionado contínuos esforços ao combate dos acordos colusivos e cartéis. Apenas no ano de 2021, 19 processos administrativos que investigavam cartéis foram julgados pelo Tribunal do Conselho, os quais resultaram em 13 condenações e na aplicação de multas que, somadas, chegaram ao valor de R$ 1.035.741.384,42[iii].

Além da persecução administrativa de cartéis, exercida no Brasil pelo Cade, a qual pode resultar em caso de condenação na imposição de multas impostas às empresas que variam de 1 a 20% do seu faturamento bruto e outras possíveis punições, como a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitações envolvendo a administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indireta, por prazo não inferior a cinco anos; os cartéis também são objeto de persecução penal. Ainda, a Lei de Defesa da Concorrência prevê o direito dos prejudicados de ingressarem em juízo para obter indenização por perdas e danos resultantes de práticas que constituam infração da ordem econômica.

Diante da importância conferida ao combate aos acordos colusivos entre concorrentes em face do seu potencial lesivo à concorrência e, consequentemente, aos consumidores, diversos pesquisadores têm se dedicado a compreender se e como, novas tecnologias, como a blockchain, podem interagir com este tipo de prática; seja pela ótica da sua utilização pelas autoridades de defesa da concorrência para reprimir condutas anticompetitivas, seja pela ótica dos agentes de mercado, por meio de sua utilização para implementar e refinar práticas colusivas.

Esse é um dos pontos explorados por Schrepel (2019), no artigo “Collusion by blockchain and smart contracts“, em que o autor afirma ser possível a criação de blockchains para fins anticompetitivos e para o compartilhamento de informações, de modo a induzir os participantes à conduta uniforme.

Segundo o autor, as condições de acesso, uso e/ou saída da blockchain podem acarretar consequências negativas na seara concorrencial, pois as empresas podem acabar se utilizando da tecnologia para facilitar a criação e/ou funcionamento de acordos de conluio sobre suas estratégias no mercado, incluindo preços, níveis de produção, estratégias de inovação e similares (Schrepel, 2019, p. 140).

Ainda, Schrepel defende que as blockchains podem dificultar a detecção de tais práticas pela autoridade antitruste, tendo em vista o seu funcionamento peculiar e suas características, como o anonimato dos membros e, no caso de blockchains privadas, a possível vedação de acesso a membros não autorizados.

O autor também chama atenção para a necessidade de se analisar os smart contracts – os chamados contratos inteligentes, que são autoexecutáveis para transações online. Assim como a tecnologia blockchain, eles possuem um “double effect”, ou seja, ao mesmo tempo que podem dinamizar transações e facilitar negociações, podem também ser facilitadores de transações entre empresas que possuem intenções prejudiciais à concorrência permitindo, inclusive, o implemento de mecanismos de punição mais eficientes aos membros que descumprirem os termos do acordo entre concorrentes.

Nesse sentido, o autor destaca que os contratos inteligentes teriam a potencialidade de fazer com que o número de pedidos de leniência venha a ter uma diminuição, tendo em vista que a blockchain reforça a confiança durante a vigência da colusão[iv].

Esta hipótese nos chama especial atenção, uma vez que a política de acordos antitruste do Cade é um dos principais pilares para a persecução de práticas coordenadas no Brasil, de forma que uma diminuição poderá dificultar severamente o cumprimento da função repressiva pelo órgão. Este cenário pode obstaculizar tanto a identificação dessas práticas e dos seus participantes, quanto a obtenção de provas aptas a ensejarem a condenação dos agentes envolvidos.

Ainda sobre os contratos inteligentes, Nick Szabo sugere que, no futuro, eles também poderão ser usados ​​para integrar elementos de inteligência artificial para detectar o equilíbrio ideal de um acordo e agir de acordo com ele[v].

Trazendo uma perspectiva diversa, Lin William Cong e Zhiguo He (2018) argumentam a tecnologia blockchain tem o potencial de mitigar a assimetria de informações e melhorar o bem-estar do consumidor por meio do aumento da competitividade e da ampliação de espaço para negociação. Não obstante, os autores sugerem que, ao mesmo tempo, essa tecnologia também pode encorajar comportamento colusivo justamente em razão dessa distribuição de informações comerciais.

Especificamente com relação aos possíveis impactos da tecnologia blockchain na atuação das agências antitruste, conforme havíamos mencionado em nosso artigo anterior, é possível que as blockchains possam ajudar as autoridades a coletar mais dados no futuro, os quais permitirão que as agências executem análises mais aprofundadas e explorem teorias do dano mais complexas[vi].

Ao analisar alguns dos impactos possíveis da blockchain na dinâmica competitiva dos mercados, conclui-se que a tecnologia parece capaz de promover, de fato, “efeitos duplos”. Redução da assimetria de informações entre agentes de mercado e entre estes agentes e os consumidores e a oferta de novos meios de coleta de dados e de monitoramento de mercados para as agências antitruste são alguns dos efeitos positivos elencados pela doutrina como resultantes da aplicação dessa tecnologia. De outro lado, porém, a tecnologia pode encorajar, conforme demonstrado acima, comportamentos colusivos, além de dificultar sua detecção pelas autoridades e ser utilizada como meio para implementação de condutas exclusionárias e para o monitoramento da efetividade dos acordos entre concorrentes. Por estes motivos, uma sólida compreensão da tecnologia blockchain e demais novas tecnologias deve ser prioridade das agências de defesa da concorrência, tanto para garantir a efetividade da repressão das infrações da ordem econômica, quanto para que o potencial positivo possa ser integrado a suas práticas.


[i] O guia está disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/Not%C3%ADcias/2019/Cade%20publica%20Guia%20de%20Combate%20a%20Cart%C3%A9is%20em%20Licita%C3%A7%C3%A3o__guia-de-combate-a-carteis-em-licitacao-versao-final-1.pdf

[ii] OCDE. Fighting Hard Core Cartels: harm effective sanctions and leniency programs (2002). Disponível em: < https://www.oecd.org/competition/cartels/1841891.pdf >. Acesso em: 25 mar. 2022.

[iii] Informações obtidas por meio da ferramenta “CADE em números”, disponível em: http://cadenumeros.cade.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=Painel%2FCADE%20em%20N%C3%BAmeros.qvw&host=QVS%40srv004q6774&anonymous=true

[iv] RESENDE apud SCHEREPEL, 2021. Alguns apontamentos sobre antitruste e bitcoin. Conjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-dez-17/defesa-concorrencia-alguns-apontamentos-antitruste-bitcoin>  Acesso em: 27 de março de 2022.

[v] SZABO, Nick. Smart Contracts: Building Blocks for Digital Markets, ALAMUT (1996) Disponível em: https://www.fon.hum.uva.nl/rob/Courses/InformationInSpeech/CDROM/Literature/LOTwinterschool2006/szabo.best.vwh.net/smart_contracts_2.html > Acesso em: 20 mar 2022.

[vi] Tulpule. Ajinkya. Blockchain and competition: Ajinkya Tulpule and how blockchain might change the way agencies work. Youtube, 4 de set. de 2018. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=oM-NhHb4ngA >


[i] Sócia no Vilanova Advocacia e Ex-Conselheira do Cade.  Doutoranda em Ciência Política pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito Público pelo IDP. Especialista em Direito Econômico e Defesa da Concorrência pela FGV.

[ii] Advogada no Vilanova Advocacia. Especialista em Direito Econômico e Defesa da Concorrência pela FGV. Atuou como coordenadora-substitua e assistente na Superintendência-Geral do Cade e como assessora no Tribunal da autarquia.

[iii] Advogada no Vilanova Advocacia, graduada em direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), participante do grupo de pesquisa em Direito Econômico e Concorrencial do IDP e fundadora do CONEDIR (Congresso Nacional dos Estudantes de Direito).

Os algoritmos e a discriminação de preços: qual é o papel do direito antitruste na sociedade do capitalismo de vigilância?

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça*

A lógica antitruste desenvolvida por Louis Brandeis no final do século XIX, o julgamento dos casos “Standard Oil Company e U.S. Steel Coorporation” pela Suprema Corte norte-americana e a criação da primeira lei antitruste no mundo pelo Senador John Sherman em 1890 nos Estados Unidos da América (assim chamada “Sherman Act”), tinham por finalidade evitar a formação de monopólios com a concentração do poder econômico e garantir o livre mercado, tendo como expoentes, à época, John D. Rockefeller e John Pierpont Morgan. Constituiu-se o primeiro movimento contra os “trusts”, daí chamar-se de “anti-trust”, momento em que se vivia num período de modificação paradigmática com a revolução industrial.

Um pouco mais de um século após, a humanidade está diante de uma nova revolução paradigmática – da tecnologia da informação -, cuja “nova” organização da sociedade em redes provoca burburinhos sobre o novo movimento “populista”, “neobrandesiano” ou “hipster” da atualidade”.[1]Tais mudanças também espraiam seus efeitos no antitruste do século XXI e já provocam, em grande parte do mundo, reflexões sobre o “fim da concorrência como a conhecemos”[2], dada a necessidade premente de repensá-la.

Relatório das autoridades de concorrência Alemanha-França chama à atenção para a distinção entre a mera interação dos computadores, o que pode até causar o paralelismo de preços e a incerteza da comunicação entre os algoritmos, discutindo frequentemente a autoaprendizagem das black boxes.[3] O mencionado relatório faz recomendações a serem seguidas no contexto antitruste, seja no controle de estruturas seja no controle de condutas.[4]

No entanto, importante registrar que há autores contrários e favoráveis a uma adaptação à legislação antitruste. Juliana Domingues traz uma revisão da literatura colacionando autores favoráveis e contrários a alguma adaptação no modelo adotado. Autores como Hovenkamp, Orbach, Rebling, Whrigt e Ginsburg defendem não apenas as premissas da Escola de Chicago e as orientações a partir de Bork, mas também a manutenção de uma análise baseada em critérios mensuráveis e objetivos, onde o “tamanho das empresas” – too big – não deve ser o fio condutor da análise.” Por outro lado, também reporta autores da linha “neo-brandesiana”, como Pitofsky, Bogus, Wu, Khan entre outros que defendem novos paradigmas.[5]

Apesar dos posicionamentos doutrinários divergentes, é certo que a extraordinária concentração econômica vivida na era digital em diversos setores da economia mundial associado à eficácia irracional dos dados[6] acendeu um novo alerta sobre a gravidade da concentração do poder econômico e sobre os efeitos desses monopólios e oligopólios para os consumidores, na medida em que o poder econômico dessas empresas associado ao acesso privilegiado de dados e informações privadas, agora geridos por máquinas dotadas de inteligência artificial, permitem a discriminação de preços de primeiro grau, cobrando de cada cliente o preço máximo (preço de reserva) que ele está disposto a pagar. Nesse caso, o vendedor maximiza seus lucros pela captura de todo o excedente do consumidor.”[7]

A combinação entre o desenvolvimento tecnológico e a detenção de informações sobre os consumidores acabaram por permitir que as empresas que detém os robo-sellers possam fazer a precificação dos produtos, conforme a utilização das informações de consumo detidas pelas black boxes algorítmicas[8], praticando a cobrança pelo preço de reserva dos indivíduos e não pelo preço de equilíbrio, capturando o excedente do consumidor e modificando a lógica da concorrência perfeita.

É fato que os robôs formulam os preços de forma imediata e autônoma, assim como não resta dúvidas de que toda a responsabilidade antitruste e toda a estrutura de enforcement prevista nas legislações nacionais e internacionais (art. 36 da Lei nº 12.529/2011, art. 101 TFEU e arts 1º e 2º Sherman Act) somente alcançam os seres humanos. Também parece indubitável que o fato de um robô “abaixar” imediatamente o preço de um produto quando ciente de que o seu concorrente rival o diminuiu, em última ratio, fará com que não haja quaisquer incentivos em se diminuir os preços dos produtos por quaisquer dos concorrentes. A tendência natural, se não houver qualquer intervenção por parte da autoridade de defesa da concorrência, é a de que os preços fiquem cada vez mais distantes dos preços competitivos, haja um aumento excessivo dos lucros por aqueles que se beneficiam da ação dos robôs e que se aumente expressivamente a desigualdade social entre ricos e pobres.

No âmbito desse contexto, surge a infração à ordem econômica de discriminação de preços, onde se extrai o excedente do consumidor, na medida em que os algoritmos, baseados nas informações dos consumidores (big data), conseguem processar e alcançar o preço de reserva do consumidor.

Parece inegável, portanto, que as mudanças tecnológicas operadas pela revolução digital nas economias mundiais exigirão, num futuro não tão longínquo, a atualização das legislações antitruste, do ponto de vista material e processual, a fim de permitir que a colusão operada via robôs possa ser efetivamente punida pelas autoridades concorrenciais.

A questão não está, a princípio, na previsão de tipos legais de infração à ordem econômica, mas na combinação entre o exercício abusivo do poder econômico via precificação dos algoritmos com a identificação da responsabilidade antitruste, seja de quem criou o algoritmo seja de quem se beneficia da cobrança do preço de reserva, extraindo o excedente do consumidor.

Desse modo, nos parece que o grande desafio do antitruste do século XXI, pois, é o de identificar se a inteligência artificial e as machine learnings, de fato, provocam um dano ao consumidor[9]; em segundo momento, verificar como a precificação por algoritmos (lineares ou black boxes) tem a potencialidade lesiva de causar danos ao consumidor com  a cobrança do preço de reserva ou de preços semelhantes aos praticados por monopolistas, em terceiro lugar, avaliar quais seriam os caminhos ou as possibilidades para se evitar ou contornar essa prática e, em um quarto momento, analisar se a legislação antitruste poderia prever a responsabilização daqueles que, de fato, se beneficiam da captura do excedente de recursos cobrados pelo preço de reserva ou equivalentes aos preços de monopólio. Há muito trabalho pela frente.


[1] Como escreveu o sociólogo Manuel Castells, a “revolução a tecnologia da informação” representa um raro intervalo na história da vida entendendo-a como “uma série de situações estáveis pontuadas em intervalos raros por eventos importantes que ocorrem com grande rapidez e ajudam a estabelecer a próxima era estável”. Prossegue, aduzindo, que “(…) no final do século XX estamos vivendo um desses raros intervalos da história. Um intervalo cuja característica é a transformação de nossa ‘cultura material’ pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação. A Sociedade em Rede/Manuel Castells; tradução: Roneide Venâncio Majer; – (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1). São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 49.

[2] ATHAYDE, Amanda; GUIMARÃES, Marcelo. Bumblebee Antitruste? A Inteligência Artificial e seus impactos no direito da concorrência in Inteligência artificial e direito: ética, regulação e responsabilidade/coordenação Ana Frazão; Caitlin Mulholland – São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019, pp. 433-455.

[3] Algorithms and Competition. November 2019. Autorité de la concurrance e Bundeskartellamt. Disponível em https://www.autoritedelaconcurrence.fr/sites/default/files/algorithms-and-competition.pdf. Acesso em: 27 mai 2021.

[4]Disponível em  https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-9-2020-0022_PT.html em 27/05/2021Adaptar a concorrência à era digital:  (…) 23. Exorta a Comissão a rever as regras relativas às fusões e aquisições e a reforçar a ação «antitrust», bem como a ter em conta os efeitos do poder de mercado e da rede associados aos dados pessoais e financeiros; insta, em particular, a Comissão a tratar o controlo desses dados como um indicador da existência de poder de mercado em conformidade com as suas orientações sobre o artigo 102.º do TFUE; convida a Comissão a retirar ensinamentos da fusão entre o Facebook e o WhatsApp e a adaptar os seus critérios em conformidade; propõe, por conseguinte, que todas as concentrações no mercado desses dados estejam sujeitas a uma declaração informal prévia; 24. Solicita à Comissão que reveja o conceito de «abuso de posição dominante» e a doutrina das «infraestruturas essenciais» para garantir que cumpram a sua finalidade na era digital; sugere que se efetue uma análise mais ampla do poder de mercado no que se refere aos efeitos de conglomerado e de guardião do acesso, para combater o abuso de posição dominante dos grandes operadores e a falta de interoperabilidade; insta a Comissão a realizar uma consulta das partes interessadas para refletir sobre a evolução da economia digital, incluindo a sua natureza multifacetada;

[5] DOMINGUES, Juliana; GABAN, Eduardo (2019). Direito Antitruste e Poder Econômico: o movimento populista e “neo-brandeisiano” in, Revista Justiça Do Direito33(3), 222-244. Disponível em: https://doi.org/10.5335/rjd.v33i3.10429. Acesso em: 24 mai 2021.

[6] FRAZÃO, Ana et all. Black Box e o direito face à opacidade algorítmica in Direito Digital e Inteligência Artificial: diálogos entre Brasil e Europa / A. Barreto Menezes Cordeiro… [et al.]; coordenado por Felipe Braga Netto… [et al]. – Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2021, p. 29.

[7] ATHAYDE, Amanda; GUIMARÃES, Marcelo. Bumblebee Antitruste? A Inteligência Artificial e seus impactos no direito da concorrência, cit., 2019, p. 449.

[8] [a]s black boxes algorítmicas são o resultado da aplicação crescente da tecnologia de inteligência artificial combinada ao tratamento de grande volume de dados in FRAZÃO, Ana et all. Black Box e o direito face à opacidade algorítmica in Direito Digital e Inteligência Artificial: diálogos entre Brasil e Europa / A. Barreto Menezes Cordeiro… [et al.]; coordenado por Felipe Braga Netto… [et al]. – Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2021, p. 32.

[9] Isso porque as práticas de geopricing e geoblockin violam o princípio da neutralidade da Internet. Por essa prática – geoprincing – tem se entendido que “[a]s empresas de tecnologia da informação se valem dos algoritmos para processar grande quantidade de dados, sendo certo que a estrutura de código dos algoritmos contém instruções programadas para que a tecnologia facilite a disponibilidade das ofertas adequadas aos consumidores conforme seu perfil. Já o geoblocking é definido como o conjunto de práticas comerciais que impedem que determinados consumidores possam acessar e/ou comprar determinados bens ou serviços oferecidos por intermédio de uma interface online, com fundamento na localização on line do cliente.[9]

* RACHEL PINHEIRO DE ANDRADE MENDONÇA. Doutoranda em direito pelo IDP, mestre em direito público pela UNB, pós-graduada em direito econômico e regulatório pela  PUC-RIO, pós-graduada pela EMERJ, advogada, sócia fundadora do Mendonça Advocacia e sócia fundadora da WebAdvocacy.

Bigtechs: qual a novidade?

Amanda Flávio de Oliveira*

José Américo Azevedo**

Volta e meia algum analista de fatos da contemporaneidade nos adverte para a “complexidade” inédita de um fenômeno qualquer. Da forma como avaliam fenômenos atuais, alguns intelectuais parecem crer que as relações econômicas, contratuais, sociais aparentemente sempre foram muito simples, e a vida vai se complicando com o tempo.

O enredo é trágico: se as coisas da vida vão se tornando sempre cada vez mais complexas, aonde é que vamos parar? Mas geralmente esses analistas sempre têm também uma solução para nos propor, enfrentando fatos mais complexos do que nunca com saídas que eles próprios nos indicam com base na “razão”.

Thomas Sowell, em Os Intelectuais e a Sociedade, faz uma ácida crítica contra esses pensadores, que privilegiam a suposta “razão” em detrimento da experiência, “permitindo que tenham uma impetuosa confiança em assuntos sobre os quais têm pouco ou mesmo nenhum conhecimento ou experiência[1].” Segundo Sowell, chavões como “os tempos mais simples de outrora” são expressões típicas dessa parcela de intelectuais.

As Big Techs se tornaram, nos dias atuais, alvo preferencial a esse título, sobretudo no campo jurídico. É que, conforme se diz corriqueiramente, nunca houve um poder econômico com essas características, o que significa dizer que há uma complexidade inédita a ser enfrentada, e esse enfrentamento é dever do Estado.

Defina-se, a princípio, o que se entende por bigtechs, essas empresas “contemporâneas” desenvolvedoras de produtos com grande adesão pela população em geral. Bigtechs podem ser consideradas grandes empresas com alta sofisticação tecnológica, responsáveis pela criação e desenvolvimento de produtos e/ou serviços inovadores, que alcançaram parcela significativa do mercado nos últimos anos. São empresas líderes, que em certa medida têm ditado tendências, criado protagonismos e determinado orientações.

Aderindo à advertência de Sowell para considerar a “experiência” no trato dos fatos atuais, convém analisar outras fases históricas tentando compreendê-las a partir do seu tempo: e logo se percebe que empresas com parcelas consideráveis de mercado, inovadoras, fornecedoras de produtos ou serviços essenciais para aquele tempo, com sofisticação e tecnologia de ponta para o momento em que surgiram são uma constante da história do mundo capitalista. Ou seja, os tempos de outrora parecem não ter sido tão simples assim.

Se hoje se fala em Amazon, uma bigtech de logística de bastante projeção, que iniciou suas atividades em 1994 com vendas e distribuição online de livros e hoje tem seu principal negócio na entrega de produtos ao consumidor final, certamente que as ferrovias do século XVIII cumpriam esse propósito, especialmente nos EUA.

A expansão ferroviária americana iniciou-se a partir de 1827, quando foi fundada a Baltimore and Ohio Railroad, que inaugurou seu primeiro trecho em 1830. Nas décadas de 1850 e 1860, o transporte ferroviário viveu seu apogeu naquele século, tendo como principal expoente Cornelius Vanderbilt (1794-1877) que, ao morrer, era considerado o homem mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em cerca de 2,5 bilhões de dólares em valores atualizados. Na década de 1860, o empresário Jay Gould (1836-1892) se interessou pelo mercado ferroviário, avançando de forma hostil sobre o controle acionário da ferrovia, no episódio que ficou conhecido como Erie War. Embora Gould tenha adquirido a liderança, por meio de disputas judiciais e procedimentos pouco ortodoxos de ambas as partes, Vanderbilt entregou a ele uma empresa descapitalizada e depauperada. A partir daí, Gould iniciou uma estratégia de captação de mercados e clientes, por meio de uma política agressiva de tarifas e de procura de novos territórios e outras ferrovias. Nesse cenário, erigiu um império que controlava as rotas para oeste da Pennsylvania e metade das linhas de conexão da New York Central. Em 1869, Gould se viu envolvido em um escândalo gigantesco, conhecido como Gold Corner, por ter tentado interferir de maneira fraudulenta no mercado de ouro norte-americano, o que comprometeu, irreversivelmente, sua reputação e sua posição na economia do país. Anos mais tarde, Gould ressurgiu das cinzas comandando a Union Pacific, uma das maiores ferrovias americanas e atuando em sua ocupação predileta: avançar sobre o mercado, especialmente atacando a família Vanderbilt, desta vez tendo como antagonista o filho Willian, que assumiu os negócios com a morte do pai em 1877. Gould continuou atuando até seu falecimento em 1892. Os herdeiros dos impérios assumiram o setor com a morte de Gould e de Willian Vanderbilt. Mas, à essa altura, o mercado ferroviário já estava consolidado e pujante.

As empresas de telégrafos de outrora talvez possam ser considerados os “avós” das empresas de internet de hoje em dia, todos vocacionados a permitir a comunicação em grande escala e distância. Se hoje Facebook, Google, Apple e outras assustam por seu “poder”, em 1881, a Western Union Telegraph Company, responsável por permitir, àquele tempo, uma comunicação sem precedentes entre a Europa e a América, passou por um processo de fusão com a Atlantic and Pacific Telegraph Company, criando uma monopolista do setor. Vale dizer que a Western Union existe até hoje, evidentemente sob outros moldes, sendo atualmente uma empresa multinacional que oferece serviços financeiros e de comunicação.

No setor financeiro, as recentes fintechs e crescentes criptomoedas encantam ao passo que amedrontam atualmente pelo “novo” que representam: nos EUA, John Pierpont Morgan (1837-1913) e sua família detiveram incontestável poder e influência nesse e em outros mercados, por um longo período. A influência exercida por Morgan no setor ferroviário o levou a ser conhecido como o “banqueiro das ferrovias” – ele por diversas vezes chegou a interferir no setor, a ponto de impedir, em uma ocasião, a continuidade da construção da linha West Shore, mesmo após vários trechos já estarem adiantados, inclusive com túneis e viadutos concluídos, jogando por terra muitos milhões de dólares de investimento. Além disso, o banco Morgan chegou a patrocinar a General Eletric de Thomas Edison, cuidou da venda da empresa de telégrafos Baltimore & Ohio e tinha uma vaga no conselho administrativo da Western Union de Jay Gould. Na siderurgia, depois de financiar a criação da Federal Steel Company, providenciou a fusão com a Carnegie Steel Company, em 1901, formando a U.S. Steel Co. que chegou a possuir dois terços do market share do setor. Ele deteve participação parcial ou total em empresas dos setores da construção civil, equipamentos agrícolas, bebidas, transporte aquaviário, dentre outras. O poderio de Morgan foi tamanho que ele chegou a protagonizar uma intervenção direta nas finanças do governo americano em duas ocasiões. A primeira, quando uma alienação excessiva dos papéis ferroviários lastreados em ouro causaram um crash da Bolsa em 1893, comprometendo as reservas do governo. Morgan organizou a venda de títulos americanos, inclusive com aporte pessoal de cerca de 10 milhões de dólares, debelando a crise. O segundo momento, em 1907, quando uma queda repentina e descomunal do índice Dow Jones – até hoje a segunda maior da história – fez o mercado entrar em pânico. Morgan foi chamado para, pessoalmente, coordenar as ações interagindo entre o mercado e o governo para o afastamento do colapso.

Para além dos paralelos entre as empresas consideradas “bigtechs” hoje em dia e suas possíveis antecessoras, convém destacar que muitas outras empresas com poder econômico considerável e importância central na vida do momento já se fizeram presentes na história da humanidade: relembre-se de Andrew Carnegie (1835-1919), criador da Carnegie Steel Inc., empresa cuja estratégia de negócios propiciou o surgimento da maior siderúrgica do mundo, responsável pela metade da produção britânica e um quarto da americana.

Recorde-se, também, de John D. Rockefeller (1839-1937), que, juntamente com Henry Flager (1830-1913), fundaram a Standard Oil Co., que se transformou na maior empresa petrolífera do mundo e uma das primeiras e maiores multinacionais da história. A partir de sua criação, Rockefeller iniciou um incisivo processo de verticalização das atividades, atuando desde a extração e produção, refino, transporte e comercialização de petróleo. O tamanho e a importância da Standard Oil causou preocupação a ponto de, em 1911, a Suprema Corte dos Estados Unidos, baseando-se no Sherman Act, de 1890, determinar a que a Standard Oil fosse dividida em 34 novas empresas, a fim de diminuir o monopólio da corporação original. Interessante notar que após essa decisão, os valores das ações das empresas separadamente tiveram uma alta significativa, trazendo enormes lucros adicionais. Segundo estimativas, a fortuna pessoal de Rockefeller era equivalente a 1,53% do PIB anual total dos Estados Unidos na época. Até hoje, sob as mais diversas formações e nomenclaturas remanesce parte do conglomerado.

Tudo isso nos mostra que a história está repleta de antecedentes tão “complexos” quanto os que hoje se apresentam no que se refere ao tema do poder econômico privado. Tudo isso também nos leva a admitir que há já uma experiência acumulada no tratamento pelo Estado dessas realidades – e suas consequências, boas e ruins, já podem ser avaliadas com sobriedade.

Grandes corporações existem há muito e estratégias variadas já foram empregadas para o atingimento desse estágio. Medidas variadas para “contê-las” ou não também já foram experimentadas. Se se considera “bigtech” como um agente econômico que se vale de tecnologia e se transforma, por alguma razão, em um player dominante em um segmento de mercado, será preciso admitir que elas já povoam a economia mundial há quase dois séculos.

Não há nada de tão novo assim, não é preciso desenvolver saídas novas, tendo por justificativa a ideia de que seria mais complexa a realidade atual. O que urge é resgatar o valor da experiência, evitando-se cometer os mesmos erros, mais uma vez. É que a história nos indica que por vezes, no afã de conter estruturas aparentemente perigosas para o bem-estar social, o Estado se atrapalhou, e prejudicou o seu objetivo final.

Por fim, uma palavra precisa ser dita sobre o valor das instituições. Não por acaso, estruturas empresariais disruptivas nascem e se desenvolvem nos EUA… antes como agora. Inevitável tentar entender o que leva o país a ser um incubador da inovação. Sabe-se que a obsessão pela eficiência é um dado cultural americano, somado à valorização da liberdade econômica e à existência de instituições estáveis, além de um federalismo real e não fictício. Ao invés de nos preocuparmos com os instrumentos a serem desenvolvidos com base na razão para o enfrentamento dos grandes agentes econômicos, talvez o foco de nossos pensadores deveria se voltar para o estabelecimento de condições para o desenvolvimento, por aqui, de empresas inovadoras e disruptivas. Para isso, a experiência aponta caminhos seguros[2].

[1] SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. São Paulo: Realizações Editora, 2011, p. 59.

[2] Para entender um pouco mais do efervescente cenário americano no séc. XIX, duas obras são indicadas: o livro Os Magnatas[2], de Charles Morris; e a série/documentário de TV “The men who built America”[2], dirigida por Patrick Reams e Ruán Magan. Neles, pode-se perceber o impacto que certas invenções causaram na sociedade da época: e perceber, igualmente, como as instituições interagiram com essas formas econômicas.

* AMANDA FLÁVIO DE OLIVEIRA. É professora associada da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UNB).

** JOSÉ AMÉRICO CAJADO DE AZEVEDO. É graduado em Engenharia Civil pela Universidade de Uberaba e em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP. Atualmente é consultor na empresa Dynatest Engenharia Ltda. e voluntário na Defensoria Pública do Distrito Federal. Possui experiência em gerenciamento e coordenação de contratos, tendo atuado na área de licitações, contratos e concessões públicas por empresas privadas e pelo Governo, fazendo parte, inclusive, de Comissões de Licitações.

A interface entre blockchain e Direito Antitruste: condutas anticompetitivas

Polyanna Vilanova[i]

Isabel Jardim[ii]

Ana Flávia Napoli[iii]

Em nosso artigo anterior desta coluna, buscamos apresentar, de forma sintética, um pequeno panorama histórico do desenvolvimento da tecnologia blockchain, bem como das discussões sobre sua inter-relação com o Direito Antitruste.

Conforme expusemos, muito se tem discutido sobre os impactos e transformações que esta tecnologia vem causando e ainda poderá causar na ordem econômica e social. Por este motivo, a partir de 2018, agências de defesa da concorrência e organizações intergovernamentais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), passaram a lançar luz às discussões sobre a interface entre blockchain e defesa da concorrência por meio da publicação de diversos estudos, bem como a publicação de diversos papers sobre o assunto[1].

No presente artigo, pretende-se apresentar, de forma um pouco mais detalhada, alguns desdobramentos e conclusões extraídas desses recentes estudos, os quais abordam esta inter-relação entre blockchain e concorrência.

Em geral, nota-se que estas produções tratam de análises teóricas sobre o tema, sem conclusões definitivas das possíveis condutas implementadas por meio da tecnologia blockchain e dos demais efeitos de seu uso e aplicações no ambiente concorrencial, uma vez que a atuação das autoridades de defesa da concorrência em relação à tecnologia ainda é incipiente.

Se, por um lado, a tecnologia blockchain parece “compartilhar a mesma ambição[2]” que o Direito Antitruste, por outro, também pode gerar preocupações para as autoridades de defesa da concorrência.

No que diz respeito às condutas coordenadas, as quais englobam acordos e práticas concertadas entre concorrentes, como cartéis, além de práticas verticais, diversas preocupações já foram lançadas por estudiosos do tema, como se verá adiante.

Schrepel (2019), no artigo “Collusion by blockchain and smart contracts“, busca responder, dentre outras, a seguinte indagação: a tecnologia blockchain mudará a natureza ou a forma como se organizam os conluios? Para respondê-la, o autor primeiramente propõe a distinção entre dois tipos de acordos, sendo do primeiro tipo aqueles que dizem respeito às condições de acesso, uso e/ou saída do blockchain, enquanto os do segundo são os acordos criados fora do blockchain, mas que usam a tecnologia para torná-los mais eficientes.

Schrepel (2019) também propõe a diferenciação, dentro das categorias de acordo citadas acima, entre aqueles que dizem respeito i) à blockchains públicas, ii) blockchains privadas e iii) a mecanismos que podem ser utilizados independentemente da blockchain ser pública ou privada.

Sobre o primeiro tipo, relacionado às blockchains públicas, o autor afirma que “The fact that several companies create a blockchain, or share information on it, could therefore be seen as an agreement because by doing so, they are expressing their joint intention to conduct themselves on the market in a specific way” (Schrepel, 2019, p. 130). Para ele, também parece possível que a criação de blockchains para fins anticompetitivos e para o compartilhamento de informações seja compreendida como uma prática que induz os participantes à conduta uniforme.

Sobre acordos colusivos relativos às blockchains privadas, o autor defende que a decisão de excluir um agente de mercado da blockchain a qual outros concorrentes façam parte pode ser compreendida como uma prática exclusionária e/ou como uma recusa concertada de negociar. Ressalta que as informações compartilhadas poderão ser utilizadas para adaptação de estratégias de mercado pelos agentes que as acessam.

Prosseguindo seu exame para além de acordos colusivos dos quais as análises dizem respeito às condições de acesso ou uso da blockchain, o autor argumenta que as empresas também podem usar a tecnologia para facilitar a criação e/ou o funcionamento de acordos de conluio sobre suas estratégias no mercado, incluindo preços, níveis de produção, estratégias de inovação e similares (Schrepel, 2019, p. 140).

Nesse sentido, Schrepel conclui que as blockchains podem funcionar como meios para prevenir e corrigir comportamentos desviantes de participantes de um conluio, o que, por consequência, poderia gerar ainda mais efetividade e estabilidade a estes arranjos anticompetitivos. Ainda, expõe como a blockchain pode proteger os conluios da detecção de suas atividades pelas autoridades antitruste.  Por fim, o autor destaca que os contratos inteligentes (“smart contracts”) “teriam a potencialidade de fazer com que o número de pedidos de leniência venha a ter uma diminuição, tendo em vista que a blockchain reforça a confiança durante a vigência da colusão”[3].

Nesse mesmo sentido, Lin William Cong e Zhiguo He (2018) argumentam que os smart contracts – que figuram na segunda geração de blockchain[4] – podem mitigar a assimetria de informações e melhorar o bem-estar do consumidor por meio do implemento de competição e abertura de maior espaço para negociação, ao mesmo tempo, também podem encorajar comportamento colusivo justamente em razão dessa distribuição de informações comerciais.

Por sua vez, Peder Østbye, Conselheiro Especial do Norges Bank, explica que há riscos de conluio e exclusão como resultado da tecnologia blockchain; no entanto, ele sugere que as ferramentas antitruste tradicionais podem ser usadas para lidar com esses riscos[5].

No que diz respeito à atuação das agências antitruste, Ajinkya Tulpule defende que a tecnologia poderá ajudar as autoridades a coletar mais dados, os quais permitirão que as agências executem análises mais sofisticadas e explorem teorias do dano mais complexas[6].

À vista dos entendimentos apresentados acima, conclui-se que a tecnologia blockchain e suas aplicações são capazes de gerar efeitos em duas direções distintas, sendo uma benéfica à concorrência e a outra prejudicial.

Por um lado, as blockchains podem promover condições mais igualitárias, reduzir a assimetria de informações entre agentes de mercado e entre estes agentes e os consumidores e ofertar novos meios de coleta de dados e monitoramento de mercados para as agências de defesa da concorrência, porém, ao mesmo tempo, a tecnologia pode encorajar comportamentos colusivos, tornar mais laboriosa sua detecção pelas autoridades e ser utilizada como meio para implementação de condutas exclusionárias.

Por sua vez, as condutas anticompetitivas unilaterais, isto é, aquelas praticadas por uma única empresa que detém posição dominante, têm ganhado cada vez mais os holofotes e sido objeto de preocupação das autoridades antitruste nesse cenário de constantes inovações tecnológicas. Isso porque, inserida no contexto digital, a ilicitude nem sempre é latente, requerendo, assim, uma atenção ainda maior por parte das autoridades de defesa da concorrência.

É certo que a formação de ecossistemas digitais torna a análise antitruste ainda mais desafiadora, principalmente em se tratando de casos que envolvam as blockchains privadas, que contam com o “efeito da opacidade”[7] e, por isso, podem encorajar o surgimento de novas práticas anticompetitivas, além de facilitar a manutenção de práticas já conhecidas pelas autoridades.

As blockchains privadas, como visto em nosso artigo anterior, possuem peculiaridades que as tornam mais preocupantes sob a ótica concorrencial, como, por exemplo, a existência de governança própria e a possibilidade de serem modificadas a qualquer tempo, sem a necessidade de aprovação dos usuários.

As características da tecnologia blockchain, especialmente as de natureza privada, tem gerado preocupações concorrenciais também no que diz respeito às condutas unilaterais, uma vez que por meio da tecnologia é possível que elas sejam implementadas e gerem efeitos de difícil detecção.

Há mais. Em uma blockchain privada, os ganhos decorrentes do efeito de rede são tão somente atribuídos à uma plataforma, potencializando, assim, o aumento do poder de mercado e gerando a preocupação acerca do surgimento de novas condutas.

Dessa forma, é notório que as blockchains privadas podem viabilizar  a implementação de diversas condutas anticompetitivas de difícil detecção por estarem além do alcance das autoridades antitruste[8], sendo essencial haver reflexão por parte destas autoridades sobre condutas unilaterais inseridas no universo das criptomoedas e demais tecnologias baseadas na blockchain.

Por outro lado, as blockchains públicas são menos suscetíveis de serem utilizadas como meio para práticas anticompetitivas, tendo em vista que, diferentemente das privadas, podem dificultar a adoção de estratégias similares por parte dos agentes sem que haja detecção, não possuem governança própria, contam com uma maior dificuldade para modificação do seu modo de funcionamento e garantem ampla visibilidade das ações aos usuários, pois são disponibilizadas a todos, indistintamente[9].

Da análise desse aparente paradoxo traçado entre o Direito Antitruste e a tecnologia blockchain, surgem algumas inquietações: De que forma tais condutas poderiam ser evitadas pelas autoridades, de modo a proteger a concorrência? Caso sejam detectadas condutas unilaterais anticompetitivas no sistema da blockchain privada, como responsabilizar o agente, em se tratando de uma tecnologia que possui o anonimato como característica? As métricas tradicionais adotadas para proceder à análise das condutas anticompetitivas tradicionais são suficientes? E quanto aos remédios aplicados, seria o caso de adotar remédios tradicionais mesmo em operações que envolvam a tecnologia blockchain?[10]

A dificuldade de compreensão das características dessa nova tecnologia e suas implicações para a análise antitruste são frutos desse novo contexto de rápido e amplo desenvolvimentos dos serviços digitais. Desse modo, é essencial que o enforcement antitruste acompanhe o desenvolvimento tecnológico, estimule a inovação e a competitividade, mas, ao mesmo tempo, proteja os consumidores e o mercado de possíveis abusos dos players

Para isso, é fulcral que haja um amadurecimento e melhor entendimento por parte das agências sobre esta tecnologia, de modo a estreitar o diálogo entre os operadores do direito antitruste e os desenvolvedores das blockchains, para que aqueles possam compreender, a fundo, o que são as blockchains, como elas funcionam e quais tipos de condutas podem estar inseridas nesse contexto, para, só então, passarem a desenhar possíveis formas de atuação que não impeçam ou desestimulem o desenvolvimento tecnológico e a inovação.


I Sócia no Vilanova Advocacia e Ex-Conselheira do Cade.  Doutoranda em Ciência Política pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito Público pelo IDP. Especialista em Direito Econômico e Defesa da Concorrência pela FGV

iii Advogada Antitruste no Vilanova Advocacia. Especialista em Direito Econômico e Defesa da Concorrência. Trabalhou como assistente na Superintendência-Geral do Cade e como assessora no Tribunal da autarquia.

iiii Advogada no Vilanova Advocacia, graduada em direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), participante do grupo de pesquisa em Direito Econômico e Concorrencial do IDP e fundadora do CONEDIR (Congresso Nacional dos Estudantes de Direito).

[1] VILANOVA, JARDIM e NAPOLI. 2022. A interface entre blockchain e Direito Antitruste. WebAdvocacy. Disponível em: <https://webadvocacy.com.br/polyanna-vilanova/>

[2] Schrepel, T. (2019) Collusion by Blockchain and Smart Contracts. Harvard Journal of Law and Technology (33 Harv. J.L. & Tech. 117).

[3] ​​​​ RESENDE apud SCHEREPEL, 2021. Alguns apontamentos sobre antitruste e bitcoin. Conjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-dez-17/defesa-concorrencia-alguns-apontamentos-antitruste-bitcoin>  Acesso em: 16 de fevereiro de 2022. 

[4] VILANOVA, JARDIM e NAPOLI. 2022. A interface entre blockchain e Direito Antitruste. WebAdvocacy. Disponível em: <https://webadvocacy.com.br/polyanna-vilanova/>

[5] Østbye. Peder. OECD Competition Division.Blockchain and competition: Peder Østbye on the use of antitrust tools to address risks of collusion. Youtube, 27 de ago. de 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=fXytrHCeUI0>

[6] Tulpule. Ajinkya. Blockchain and competition: Ajinkya Tulpule and how blockchain might change the way agencies work. Youtube, 4 de set. de 2018. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=oM-NhHb4ngA >

[7] RESENDE. Guilherme. (2021) Alguns apontamentos sobre antitruste e bitcoin. Conjur. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2021-dez-17/defesa-concorrencia-alguns-apontamentos-antitruste-bitcoin . acesso em: 16 de fevereiro de 2022. 

[8] Schrepel, T. (2019) Is Blockchain the Death of Antitrust Law? The Blockchain Antitrust Paradox (June 11, 2018). Georgetown Law Technology Review / 3 Geo. L. Tech. Rev. 281

[9] Schrepel, T. (2019) Is Blockchain the Death of Antitrust Law? The Blockchain Antitrust Paradox (June 11, 2018). Georgetown Law Technology Review / 3 Geo. L. Tech. Rev. 281

[10]ATHAYDE. Amanda. (2019) Blockchain, Comércio Internacional e Concorrência. Disponível em:<https://www.amandaathayde.com.br/single-post/2019/04/15/blockchain-com%C3%A9rcio-internacional-e-concorr%C3%AAncia>


[i] Sócia no Vilanova Advocacia e Ex-Conselheira do Cade.  Doutoranda em Ciência Política pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito Público pelo IDP. Especialista em Direito Econômico e Defesa da Concorrência pela FGV

[ii] Advogada Antitruste no Vilanova Advocacia. Especialista em Direito Econômico e Defesa da Concorrência. Trabalhou como assistente na Superintendência-Geral do Cade e como assessora no Tribunal da autarquia.

[iii] Trainee no Vilanova Advocacia, graduada em direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), participante do grupo de pesquisa em Direito Econômico e Concorrencial do IDP e fundadora do CONEDIR (Congresso Nacional dos Estudantes de Direito).

A entrada em vigor do Digital Markets Act (DMA) na Europa: uma primeira aproximação.

Lucia Helena Salgado*

Professora Titular de Ciências Econômicas da UERJ

Neste mundo sacudido por turbulências e dilemas de toda ordem, observa-se um raríssimo consenso, a unir no mesmo entendimento lideranças e analistas da China, Europa e Estados Unidos. Refiro-me à constatação de que algo precisa ser feito para deter o poder econômico das Big Tech, que na última década vem revelando efeitos nefastos sobre bem-estar. Extrema concentração de renda, precariedade de condições de trabalho, injustiça tributária, ameaça à estabilidade do poder político (às democracias no Ocidente e na versão chinesa, ao poder do Partido Comunista Chinês), a lista de danos é portentosa.

            Chama atenção a similaridade entre as questões que afligiam sociedades de ambos os lados do Atlântico há cem anos e as presentes hoje na agenda; naquele tempo, preocupava a concentração de poder econômico nos setores mais dinâmicos da economia: energia, transportes, metalurgia, quando o dinamismo hoje é representado pela economia digital, a precarização das condições de trabalho e a apropriação do excedente por um conjunto diminuto de empresas e seus acionistas.

            Naquele tempo, a insatisfação manifestada em greves, protestos, organização de partidos radicais e pressão sobre legisladores, punha sob ameaça o sistema econômico e social assentado sobre o mercado e a busca de lucro, razão porque, de um lado e de outro do Atlântico, foram arquitetadas inovações institucionais que apaziguassem ânimos e gerassem estabilidade social[1].

            Nos EUA, a inovação marcante do antitruste, na Inglaterra, e não menos marcante introdução do imposto de renda progressivo, na Alemanha a previdência social, além do paulatino reconhecimento de direitos trabalhistas requeridos pelos sindicatos nas economias industriais[2].

            Um século depois, além de uma pandemia equivalente em tragédia a que se espalhou pelo mundo ocidental após a então denominada Grande Guerra, os mesmos problemas de extrema concentração de renda, condições de trabalho e remuneração precárias e concentração de poder econômico sobrepondo-se ao poder político ameaçam romper o tecido social em vários pontos do planeta.

            A questão central que se propõe para reflexão é: serão os mesmos instrumentos criados naquele período para evitar o acirramento de conflitos sociais nas nações capitalistas suficientes para acomodar interesses e apaziguar ânimos?

            Respeitando os limites desta curta nota, vamos ater a discussão aos instrumentos desenvolvidos na colaboração da Economia com o Direito para a análise antitruste. A metodologia padrão de identificação e mensuração de poder de mercado, por mais que tenha evoluído significativamente com a inclusão do instrumental de teoria dos jogos e da econometria, instrumental esse potencializado pelo crescente acesso a microdados e capacidade computacional para operacionaliza-los, não parece adequada para dar conta de mercados de múltiplos lados, onde os principais agentes são mediadores entre oferta e demanda e variáveis típicas da análise econômica – como preços, custos e elasticidades – parecem ausentes da economia de plataformas.

            Nas duas décadas deste século, a dificuldade em aplicar o instrumental analítico disponível para identificar, mensurar e simular a concentração de poder de mercado na economia digital, somada ao perfil predominantemente conservador[3] do Judiciário norte-americano, redundou no reduzido número de firmas que hoje dominam o espaço virtual onde cidadãos ao redor do planeta interagem, informam-se, movem-se e realizam transações econômicas.

            A Comissão Europeia não se rendeu a essa realidade e, mesmo diante da dificuldade para lidar com operações de aquisição de potenciais rivais pelas Big Tech ocorridas nos EUA, tem sido incansável no combate nos anos recentes a abusos de posição dominante por parte dessas empresas em seu território; foram três, na última década, as investigações concluídas contra a Google por práticas abusivas, redundando em multas da ordem de € 10 bilhões. Tais processos, contudo, não foram capazes de induzir qualquer mudança no modo de operação da companhia. Atualmente a Comissão Europeia investiga a tecnologia de publicidade da Google, assim como suas práticas de coleta de dados; os sistemas de pagamento da Apple em sua loja de aplicativos; a coleta de dados pelo Facebook e seu sistema de monetização de publicidade, assim como as práticas da Amazon em seu marketplace.

             Mudança significativa é a lei proposta pela Comissão Europeia em 2020 e que agora em 2022 entra em vigor na Europa – Digital Markets Ac (2020/0374)[4]; vem a ser inovação institucional intensamente debatida nos anos recentes, que pode se assemelhar em impacto às inovações lançadas há coisa de um século: a lei Sherman (1890), seguida da lei Clayton e do FTC (1914). A nova lei incorpora elementos regulatórios: restrições e orientações ex ante, fortalecendo a função preventiva da Comissão Europeia como autoridade antitruste, reconhecendo a baixa eficácia da intervenção ex post (repressiva).

            Em outros pontos do planeta, a leniência com relação ao acúmulo de poder por parte das grandes empresas da economia digital parece também ter ficado no passado: enquanto na Europa se debatia a introdução de uma lei com instrumentos híbridos (ex ante e ex post), reforçando a autoridade da Comissão Europeia, também nos Estados Unidos o Congresso comandava investigação, que redundou em portentoso relatório sobre a concorrência em mercados digitais, concluindo com propostas de fortalecimento dos instrumentos antitruste do Poder Executivo. O governo Biden abraçou esse conjunto de propostas para fortalecer os mecanismos de combate à monopolização dos mercados digitais no Decreto[5] publicado em julho de 2021.

            Em uníssono, a autoridade antitruste chinesa multou a gigantesca empresa de comércio eletrônico Alibaba no montante equivalente a US$ 2.8 bilhões por requerer exclusividade dos comerciantes operando em sua plataforma (proibindo-os de vender em plataformas rivais). Acordos de exclusividade da Tencent (conglomerado de tecnologia) assinados com gravadoras globais de música foram proibidos, assim como foi bloqueada a aquisição pretendida pelo conglomerado dos dois maiores sites de streaming de jogos na China, Huya e DouYu[6]. Em paralelo, o governo chinês trabalha no reforço de regras antitruste para conter a expansão das empresas na economia digital. O recado tem sido claro: nenhuma empresa pode ousar concentrar poder econômico a ponto de desafiar o poder político, enquanto este encontra-se firmemente atado ao compromisso de longo prazo de garantir o compartilhamento dos frutos do progresso entre todos, compromisso esse denominado “prosperidade comum”[7].

            As iniciativas europeia e chinesa, assim como a disposição do governo norte-americano, reforçada pelo legislativo (onde a desconfiança acerca do poder acumulado pelas Big Tech encontra eco republicanos e democratas) deverá levar a mudanças no modelo de negócios nas plataformas digitais, abrindo espaço para novas soluções de mercado que, com maior transparência, devolvam poder de decisão e barganha tanto a consumidores  como a trabalhadores. Certo é que o pressuposto da eficiência econômica (redução de custos) como motivação das operações de fusão e aquisição de concorrentes (e potenciais rivais em mercados adjacentes), um mantra hipnótico consagrado pela Escola de Chicago[8], já não detém a hegemonia que manteve por décadas entre autoridades antitruste, políticos e a acadêmicos. Espera-se que o que Anu Bradford, professora da Columbia Law School, denominou “o efeito Bruxelas”[9] somado ao “efeito China” despertem do torpor induzido pela hipnose “chicaguista” também os tomadores de decisão no Brasil, para que consumidores e trabalhadores brasileiros não fiquem para trás nesse ambiente econômico global que se redesenha.


[1] A respeito, vale a pena consultar o recente trabalho de Matt Stoller, Goliath – The 100-Year War Between Monopoly Policy and Democracy, Simon & Schuster Paperback, New York 2020, que refaz em detalhes o surgimento e a evolução do antitruste nos EUA e recupera seu significado para aquela nação.

[2] Sobre a inovação institucional denominada Previdência Social, recomendo a leitura do capítulo 1 de O Estado do Bem-Estar Social na Idade da Razão de Celia Lessa Kerstenetzky, Campus, Rio de Janeiro 2012. Sobre o imposto de renda progressivo, Thomas Picketty reconta sua gênese e evolução em vários países, em Capital and Ideology, Harvard University Press, 2020 (versão em inglês do original em francês). Vale lembrar que essas inovações institucionais tinham como contraponto as lutas operárias que levaram à  revolução bolchevique em 1917.

[3] Cuidadosamente desenhado, desde o governo Reagan, por administrações republicanas com a indicação à Corte Suprema e às Cortes Recursais de juízes treinados no modelo da Escola de Chicago, avesso à intervenção estatal sobre negócios.

[4] A respeito leia-se o Press Realease de 24/03/2022 do Parlamento Europeu “Deal on Digital Markets Act: EU rules to ensure fair competition and more choice for users” (Press Releases IMCO 24-03-2022 – 23:24).

[5] Executive Order on “Promoting Competition in the American Economy” de 09/07/2021, disponível em www.whitehouse.gov

[6] Anu Bradford, “A Reckoning for Big Tech” in Project Syndicate, Reckonings: The Year ahead, 2022, 2021 p 86-89.

[7] Note-se que, mais do que uma iniciativa isolada do governo comunista chinês, o compromisso “prosperidade comum: encontra raízes milenares na cultura chinesa, na qual a legitimidade do poder estatal repousa no compromisso deste com o bem-estar da sociedade. Darus Acemoglu e James Robinson descrevem na obra State, Society and the Fate of Liberty (Penguin Group, 2019) como o Estado na China sempre deteve poder absoluto sobre a sociedade, mas a contrapartida do reconhecimento do “Mandato vindo dos Céus” do Imperador era a confiança de que seus poderes seriam empregados em favor do bem-estar dos súditos. Ao longo da milenar história chinesa, quando isso não ocorreu, houve revoltas e deposição de governos. Os preceitos morais de Confúcio, na busca da harmonia social, longe de serem substituídos por novos preceitos a partir de 1949, seguem profundamente arraigados na relação entre Estado e sociedade. Acentuam os autores que, conforme dita a filosofia confuciana, a conduta moral do governante o obriga a ter como parâmetro de suas decisões o bem-estar de seus súditos.

[8] Nas conhecidas leituras de Posner, Stigler, Bork, Eastenbrook e seguidores.

[9] The Brussels Effect: How the European Union Rules the World – Anu Bradford, Oxford University Press, 2020.

* LÚCIA HELENA SALGADO. Professora Titular da Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós Graduação em Ciências Econômicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com pós-doutorado pela Université de Toulouse I, Capitole – Toulouse School of Economics (TSE) 2012-2013 (apoio CAPES). Doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996). Professora visitante Toulouse School of Economics, Master 2 ECL – Economics and Competition Law, (fev. mar. 2014); foi pesquisadora visitante e doutoranda em intercâmbio na Universidade da Califórnia, Berkeley (1994-1996); mestre em Ciência Política pelo IUPERJ e bacharel em Economia pela UFRJ. Foi membro do grupo de trabalho que deu origem à lei brasileira de defesa da concorrência e conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) por dois mandatos, de 1996 a 2000. Foi Coordenadora de Estudos de Regulação e Mercados da Diretoria de Estudos e Políticas de Estado, Instituições e Democracia do IPEA de 2008 a 2013. Atualmente, é Professora visitante do curso de Pós-Graduação em Gestão da Inovação do Laboratório de Gestão de Tecnologia e Inovação do Instituto de Geociências da Unicamp desde 2006; é membro da equipe de pesquisa do NECTAR/ITA (Núcleo de Economia dos Transportes, Antitruste e Regulação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica). Tem coordenado grupos de pesquisa em escala nacional e internacional desde 1994 em Organização Industrial, Regulação Econômica, Mecanismos de Governança e Direito e Economia, atuando principalmente nos seguintes temas: instrumentos regulatórios e desenho de mecanismos, economia antitruste, propriedade intelectual e concorrência e nova economia institucional. Coordena o curso de pós graduação lato sensu em Direito e Economia da Regulação e da Concorrência, oferecido pela UERJ.