A responsabilidade civil das instituições de ensino e religiosas pelas práticas das condutas de pedofilia

Apresentação

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Ficha catalográfica

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A responsabilidade civil das instituições de ensino e religiosas pelas práticas das condutas de pedofilia

Clayton da Silva Bezerra

Lorenzo Martins Pompílio da Hora

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça

Resumo: A proposta do presente artigo é suscitar o debate sobre a responsabilização civil e reflexos nas instituições de formação sobre a prática de pedofilia em seus ambientes. As medidas de prevenção, denúncias, responsabilização e alguns tipos de danos sofridos.

Palavras – chave: Pedofilia, transtorno de personalidade, norma, contratual, prevenção, segurança jurídica, responsabilização, solidariedade, criança, adolescente, cyberbullying, dano psíquico e dano reflexo.

Abstract: The purpose of this article is to raise the debate about civil liability and reflections in training institutions on the practice of pedophilia in their environments. Prevention measures, reporting, liability and some types of damage suffered.

Keywords: Pedophilia, personality disorder, norm, contractual, prevention, legal security, accountability, solidarity, child, adolescente, cyberbullying, psychic damage and reflex damage.

Introdução: a questão sobre um olhar abrangente e social

Não são poucas as prescrições normativas envolvendo as práticas cada vez mais intensas, sofisticadas e limitantes das atividades de prevenção e repressão aos sinistros envolvendo os crimes e abusos a menores, a pedofilia.

Uma ação que em uma visão sugestiva, é exercitada por atores com conduta antissocial, psicopata numa performance bem premeditada, calculada que pode ser constatada nos mais diversos segmentos sociais, coletivos, de extratos financeiros e profissionais.

A uma primeira abordagem, podemos entender que a responsabilidade civil das instituições de ensino sejam elas públicas, privadas, Federais, Estaduais e Municipais pelos sinistros envolvendo práticas de pedofilia são de natureza contratual.

Neste mesmo esteio, temos as instituições religiosas que participam ativamente da formação da criança, do jovem, adolescentes através dos seus prepostos de educação religiosa, cursos dos mais diversos contextos bíblicos e espirituais, são lugares nos quais os valores são tão sensíveis pelo seu contexto espiritual que podem ser também afetados por pedófilos sagáveis em suas argumentações.

O cidadão a partir de um contexto constitucional lastreado nos princípios próprios da responsabilidade civil como a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, da prevenção, da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica, procura a oportunidade de ser considerada com absoluta prioridade, o direito à educação que proporcionará uma inteiração respeitosa, com percepção do respeito entre si nas comunidades, nos valores da liberdade e principalmente no básico de todo o ser humano, a convivência familiar.

É responsabilidade do docente, da gestão escolar, e dos líderes espirituais, a preservação preventiva de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O conhecimento a respeito das qualificações dos formadores de conceitos, ideologias e conhecimento são inevitáveis no percurso da seleção desses profissionais, pois a responsabilidade por eventuais danos sofridos pelos educandos transpassa a responsabilidade do ministrador de conhecimento e alcança solidariamente a instituição de ensino.

O significado deste efeito se traduz na possibilidade de a vítima adequar a sua compensação patrimonial na polaridade passiva do causador direto do dano e do estabelecimento de ensino.

E neste percurso, importante agregar o ensino religioso que possui uma função educacional densa de assegurar a formação integral do jovem e da criação numa perspectiva inclusiva, respeitando a diversidade cultural sem proselitismos.

A proposta sinaliza para a construção de uma sociedade mais coesa e justa, fundamentada no reconhecimento e valorização das diferentes expressões de fé e cultura presentes no país. O sentido do ensino religioso, principalmente nos templos religiosos dos mais diversos segmentos e propostas, nada mais é que um instrumento valioso para a promoção da diversidade, do respeito mútuo e da compreensão intercultural.

Estamos relevando o sagrado, a tolerância religiosa na busca do convívio respeitoso e de convivência pacífica.

PAPA FRANCISCO[1]FRANCISCUS, sacerdote católico que serve como o 266º PAPA e soberano do Estado da Cidade do Vaticano, na data 05 de abril de 2013, em encontro e audiência com o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, arcebispo Gerhard Ludwig Müller pediu que a congregação continuasse com a linha de ação delineada por Bento XVI, agindo de forma decisiva contra o abuso sexual de menores por membros da Igreja Católica, promovendo medidas para a proteção e ajuda às crianças que sofreram esse tipo de violência e auxiliando nos processos contra os culpados.

O Papa Argentino pediu o compromisso das Conferências Episcopais na formulação e aplicação das diretivas necessárias num “campo tão importante para o testemunho da Igreja e a sua credibilidade”.

Na data de 22 de março de 2014, nomeou os oito primeiros integrantes da “Comissão Pontifícia de Proteção às Crianças“, órgão instituído por ele em 2013 para combater mundialmente os abusos sexuais de menores na Igreja Católica.

O grupo tem como objetivos, preparar o estatuto da comissão, informar a situação das crianças que sofreram abuso em todos os países, propor medidas e nomes, tanto de laicos quanto religiosos, para implantar novas iniciativas de combate aos abusos sexuais de menores na Igreja Católica, criar códigos de conduta e avaliações psiquiátricas para o ministério sacerdotal, além de implementar políticas que protejam os menores de idade e colaborar com as autoridades civis nas investigações de possíveis crimes.

A Comissão foi composta naquela oportunidade, entre outros, Marie Collins, uma irlandesa vítima de abuso sexual por um padre, Peter Saunders,[139] a psicóloga e psiquiatra francesa Catherine Bonnet, o cardeal norte-americano Sean Patrick O’Malley, defensor das vítimas norte-americanas, e o jesuíta alemão Hans Zollner, decano da faculdade de psicologia da Universidade Gregoriana, com sede em Roma.

Franciscus numa iniciativa inédita, assinou em 11 de julho de 2013, um decreto de MOTU PROPRIO, reformando o Código Penal do Vaticano e tornando mais rígidas as sanções para o crime de pedofilia e outros tipos de crime.

Em abril de 2014, o Papa pediu perdão pelos casos de pedofilia e abusos sexuais cometidos por sacerdotes da Igreja Católica.

Numa decisão inédita na história da Igreja Católica, em setembro de 2014 o Papa Francisco ordenou pessoalmente a prisão do ex-arcebispo e ex-embaixador da Santa Sé, o polonês Józef Wesolowski acusado de abusos sexuais durante o período de 2008 a 2013, quando era representante diplomático da Igreja Católica na República Dominicana.

Declarou em 21 de setembro de 2017 que a Igreja “chegou tarde” ao lidar com casos de abuso sexual.

Francisco em seu papado deu ênfase ao combate de abusos sexuais por membros do clero católico, tornando obrigatórias as denúncias e responsabilizando quem as omite desde 20/03/2019.

O Papa Francisco é um homem sem medo, que enfrentou uma das questões mais sensíveis da Igreja católica no mundo.

Sustenta que a Igreja deve ser mais aberta e acolhedora. Tem uma visão e conduta comprometida com o tradicionalismo da Igreja.

No mês de maio de 2019, o Papa Francisco promulgou o motu proprio Vos estis lux mundi (Vós sois a Luz do Mundo), estabelecendo novas normas de procedimento para combater o abuso sexual e garantir que bispos e superiores religiosos sejam responsabilizados por suas ações. 

O documento exigiu que clérigos e irmãos e irmãs religiosos, incluindo bispos, em todo o mundo denunciem casos de abuso sexual e encobrimentos de abuso por seus superiores. 

A partir dessa orientação, todas as dioceses católicas em todo o mundo são obrigadas a estabelecer mecanismos ​​através dos quais as pessoas possam apresentar denúncias de abuso ou o seu encobrimento até junho de 2020.

O documento promulgado por Francisco em maio de 2019, estabelecendo novas leis do Vaticano sobre como o clero católico em todo o mundo deveria lidar com casos relatados de abuso sexual, foi atualizado quatro anos depois.

O Papa Francisco em 2021[2] no intuito de erradicar um dos fenômenos que mais fragilizam a fé cristã, incluiu no Código de Direito Canônico um artigo que contemplou a pedofilia, exigida pelas vítimas.

O documento que inseriu a prescrição no Código de Direito Canônico foi assinado em 23 de maio de 2021.

Desta maneira, o Vaticano modificou o Código de Direito Canônico promulgado pelo papa João Paulo II em 25 de janeiro de 1983 em substituição ao Código promulgado em 1917.

É uma codificação composta por 1.752 cânones, organizados em sete livros. 

As fontes do direito Canônico são: O Papa, que é a autoridade suprema da Igreja, os concílios ecumênicos, que tomaram decisões jurisprudenciais e as escrituras, que constituem o fundamento da Igreja Católica. 

Na data de 25 de março de 2023, como já apontado, o documento de maio de 2019 foi revisado e divulgado pelo Vaticano.

Nas novas orientações, o documento ampliou a responsabilidade também dos líderes leigos, que são pessoas que não são membros do clero, mas participam das atividades eclesiais, e que fazem parte de associações aprovadas pelo Vaticano, caso venham a encobrir abusos sexuais.

Na sistemática anterior, as prescrições aplicavam-se anteriormente apenas aos bispos e superiores religiosos.

O conceito de “vítima de abuso” também foi modificado.

As vítimas, que antes eram definidas como “menores e pessoas vulneráveis”, passaram a ser definidas como “menores, ou pessoas que habitualmente têm um uso imperfeito da razão, ou adultos vulneráveis”.

Uma conduta, inciativa que pontua com concretude normativa a repulsa da congregação católica com os sinistros de pedofilia que agora terão um tratamento legal previsto normativamente.   

Os grupos Evangélicos[3], a própria Igreja Luterana Alemã, que é a maior organização protestante do País, encomendou um relatório contendo mais de 800 (oitocentas) páginas preparadas por especialistas de diferentes Universidades e Institutos alemães sobre levantamentos de vítimas de pedofilia.

São elementos que despertam a nossa consciência para um olhar de alerta sobre essas ocorrências preocupantes.

Dados da Ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania relacionados a esses segmentos, nos informam que as pessoas atingidas com mais frequência estão nas religiões de Umbanda, Candomblé, outros segmentos de religiosidades Afro-brasileiros, evangélicos e católicos.

A sensibilidade da matéria que podemos acessar no Painel da Ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania nos disponibiliza mais elementos que clamam pela necessidade de trabalharmos a responsabilização das instituições também religiosas que cristalizam as ideologias em nossas crianças e jovens, sejam para o olhar aos outros segmentos religiosos. Sejam para preservar nossos menores daqueles que eclipsam suas reais intenções e ações no manto da religiosidade.

Não podemos desviar a nossa acuidade do artigo 5.º, inciso VI da Constituição Federal de 1988 que define: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.

As liturgias, seus valores, símbolos precedem um processo de formação.

O executar desse processo é que exige a cautela com as técnicas dos pedófilos e seus modelos de inserção.

É numa aula, catequização, orientação espiritual, curso de base e formação que podem transcorrer provocações, brincadeiras, dramas e muito humor que inibam as pessoas, que podem atingir o seu inconsciente, e revolver questões a serem consolidadas.

Esses personagens pedófilos de conduta psicopata, com transtornos de personalidade são hábeis negociadores a proporcionar uma imersão reflexiva dos telespectadores ou espectadores, fazendo com que as vítimas de suas investidas realizemuma viagem ao inconsciente sedimentando lembranças que agora serão alicerçadas a novas amizades e cumplicidades manipuladores inimagináveis.

A diversidade religiosa nas escolas ou em templos religiosos e o combate ao bullyng

Como reflexo do preconceito institucionalizado nas redes sociais e  presentes na sociedade, o ambiente escolar e religioso, são muitas vezes, marcados pelo bullying, decorrente da intolerância religiosa que pode ser uma narrativa, recurso, sistemática utilizada pelo pedófilo para deixar o seu espaço mais confortável.

Desta forma, portanto, muitas crianças e adolescentes, ao exercerem suas crenças após uma estigmatização, sofrem com o preconceito e o bullying. A manifestação de uma crença ocorre por meio do uso de símbolos, objetos ou vestimentas.          

Sendo assim, é essencial, imperioso que as instituições religiosas, escolas, e instituições seminaristas atentem a conscientização sobre a importância de refletirmos nas ações de prevenção a pedofilia nas diferentes religiões e instituições de ensino.

Os valores que as próprias religiões pregam auxiliam nesse processo.

A família tem de estar e se fazer presente já que pode também sofrer com essa conduta em seus ambientes.

Mas, obviamente chegou o momento de avaliarmos com uma sensibilidade jurídica e acadêmica, a dimensão patrimonial causadas com incidentes dessa natureza.

Obviamente que o trabalho a ser enfatizado é o da prevenção envolvendo todas as realidades e cenários possíveis para antecipar a cognição às práticas de pedofilia através de eventos esportivos coletivas, treinamentos nas escolas, nos templos religiosos, inserção do conhecimento sobre as típicas práticas do crime de pedofilia e seus eventuais atores, a influência da tecnologia digital utilizada como ferramenta de persuasão e alienação.

Os principais atores deste cenário perverso de exploração de menores, a título exemplificativo, podem ser todos aqueles numa primeira ótica as mais próximas e com acessibilidade às crianças e adolescentes.

Na data de 18/05/2023 foi divulgado um boletim epidemiológico[4] pelo Ministério da Saúde em evento realizado pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania dando conta de que entre os anos de 2015 e 2021, o Brasil registrou mais de 200 mil casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes.

Foram notificados mais de 83 (oitenta e três) mil episódios entre crianças e mais de 119 (cento e dezenove) mil atos violentos contra adolescentes agregando um somatório de 202.948 casos.

No ano de 2021, o número de notificações foi apontado como o mais expressivo na investigação implementada com o quantitativo de 35.196 episódios.

O apontado expediente sinaliza que o local de ocorrência de maior incidência é o caso das vítimas num percentual de 70,9% na faixa etária de 0 a 9 anos de idade e 63,4% dos casos contra pessoas de 10 a 19 anos

Na sequência da pesquisa, temos que o perfil dos agressores se enquadra no sexo masculino num percentual de 81% dos sinistros para a faixa etária de crianças e 86% dos casos dos adolescentes entre 10 e 19 anos.

Noutro ponto de análise, temos que as vítimas são em sua maioria do sexo feminino 76,9 % dos registros envolvem crianças e 92,7 % abrangem adolescentes do gênero feminino.

É importante observar, segundo expõe o Ministério dos Direitos Humanos no sentido de que levantamentos sinalizam que são denunciados todos os dias aproximadamente 366 (trezentos e sessenta e seis) crimes cibernéticos no Brasil, sendo que as maiores vítimas são crianças e adolescentes.

As abordagens a crianças e adolescentes são trabalhadas através da técnica do “DEEPFAKE[5] que permite alterar um vídeo ou foto com a ajuda de inteligência artificial (IA). São ferramentas das práticas de pedofilia.

A metodologia virtual é uma substancial ameaça à privacidade, à segurança nas instituições de ensino e na vida familiar, considerando que nossos menores ocupam seu tempo em casa em celulares, smartphones e notebooks com inúmeros jogos desafiantes.

A criação de deepfakes objetiva ludibriar, confeccionando vídeos que se apresentam como verdadeiros.

A capacidade da IA de capturas e replicar a expressão facial detalhada, proporciona um efeito ilusório nos cenários reais desses vídeos, pois apesar de serem fictícios, são tidos como genuínos, autênticos.

Ressalte-se também que a potencialidade focada em fins educativos ou culturais, sua ampla divulgação está relacionada à elaboração de conteúdo enganoso e desumano, alocados especialmente em plataformas sociais, objetivando a alienação de crianças e adolescentes.

A dinâmica desenvolvida pelos adeptos dessa sistemática envolve a capacidade possível através de uma tecnologia denominada “TEXT TO SPEECH” (TTS) que sintetiza o áudio a partir de um texto, tomando por lastro, uma ampla coleta de amostras de áudio de uma pessoa pública conhecida.

A partir daí, tudo é possível na fala artificial do escolhido, principalmente a desinformação com a emissão de declarações falsas, sutis e alienantes.

A oportunidade de prevenção e repressão dessas práticas de deepfakes é expansivamente dimensionada quando levamos em conta que o indivíduo, principalmente a criança e o adolescente depositam confiança no que percebem, principalmente quando o conteúdo é visualizado em telas pequenas, a exemplo dos smartphones que pela sua dimensão, obscurecem detalhes cruciais para a identificação de manipulações.

MARTINS (2024)[6] destaca que a falta de familiaridade do público com técnicas como leitura labial, restringem ainda mais a capacidade de discernir vídeos falsificados de produções insuspeitas.

Apresentados esses elementos e a problematização de seu objeto, passemos a estudar e compreender o papel das instituições de ensino que precisam urgentemente adotar mecanismos de prevenção e repressão aos efeitos nocivos das inserções pedófilas nesta circunstância ou conjuntura. Há uma responsabilidade compartilhada entre escola e pais.

Afinal a Lei Civil no art. 932, no inciso I e IV, assim prescrevem:

“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

[…]

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos…” 

Dentro dessas concepções, temos que a modalidade de responsabilidade civil a macular esses sinistros é de natureza contratual. Não pode haver jogo de empurra ou transferência de responsabilidades, mas sim apurar em sua integralidade e com compromisso com a verdade real.

A instituição de ensino que condensa crianças e adolescentes sem adotar ferramentas tecnológicas e legais a esses atos, está fadada a conviver com a exclusão social da vítima, evasão escolar, ações indenizatórias consequentes de danos físicos, materiais, psicológicos e morais.

Estamos sim e há muito na era do cyberbullying. Uma prática ferramenta da pedofilia.

As instituições de ensino são as mais sensíveis e devem estar aparelhadas frente às mudanças globais desses nossos últimos tempos avassaladores com inúmeras informações e personalizações falsas.

Sabemos que a escola tem o dever de zelar para a segurança e integridade física e mental de seus acolhidos. Porém as responsabilidades devem ser compartilhadas entre educadores e Pais.

Com isso, assimila institucionalmente total responsabilidade para com os casos que ocorrem no período de oferta do serviço educacional, até mesmo nas atividades externas que sejam efeitos diretos e imediatos das atividades extraclasse decorrentes da programação de estudos e seus desdobramentos.

Fundamenta esta percepção a psiquiatra, professora e escritora SILVA (2010, pág. 63)[7]:

“As escolas mais sensíveis e atentas às mudanças globais de nosso tempo já estão procurando iniciar processos de inovação e de reforma que poderão dar conta dos novos desafios. É necessário modificar não somente a organização escolar, os conteúdos programáticos, os métodos de ensino e estudo, mas sobretudo, a mentalidade da educação formal.

Até bem pouco tempo, o aprendizado do conteúdo programático era o único valor que importava e interessava na avaliação escolar. Hoje é preciso dar destaque à escola como um ambiente no qual as relações interpessoais são fundamentais para o crescimento dos jovens, contribuindo para educá-los para a vida adulta por meio de estímulos que ultrapassam as avaliações acadêmicas tradicionais (testes e provas). Para que haja um amadurecimento adequado, os jovens necessitam que profundas transformações ocorram no ambiente escolar e familiar. Essas mudanças devem redefinir papéis, funções e expectativas de todas as partes envolvidas no contexto educacional.

Na concepção da Wikipédia [A enciclopédia Livre] a Pedofilia é um transtorno psiquiátrico em que um adulto ou adolescente mais velho sente uma atração sexual primária ou exclusiva por crianças pré-púberes, geralmente abaixo dos 11 anos de idade 

Tal como um diagnóstico médico, critérios específicos para o transtorno classificam a pré-puberdade até os 13 anos. Uma pessoa que é diagnosticada com pedofilia deve ter ao menos 16 anos de idade, mas adolescentes devem ser pelo menos cinco anos mais velhos que a criança pré-púbere para que a atração possa ser diagnosticada como pedofilia.

Pedofilia é o desvio sexual “caracterizado pela atração por crianças, com os quais os portadores dão vazão ao erotismo pela prática de obscenidades ou de atos libidinosos”.[8]

Objetiva e certamente um transtorno de personalidade e não um transtorno mental. O pedófilo não possui transtorno mental na essência de sua conceituação. São pessoas com condutas de desvio de personalidade. Falam bem, são inteligentes, hábeis em seus discursos, com uma linguagem de apreensão das atenções, extremamente sedutoras.

Alguns sexólogos, porém, como o especialista americano John Money, acreditam que não somente adultos, mas também adolescentes, podem ser qualificados como pedófilos.

A expressão pedófilo para descrever criminosos que cometem atos sexuais com crianças é visto como equivocado por alguns indivíduos, especialmente quando tais indivíduos são vistos de um ponto de vista clínico psiquiátrico, numa avaliação de linguagem corporal e microexpressões faciais na concepção do psicólogo Paul Ekman, ou ainda numa visita que os operadores do direitos devem realizar as neurociências como a enuropsicologia forense.

Como registrado na wikipédia, uma vez que a maioria dos crimes envolvendo atos sexuais contra crianças são realizados por pessoas que não são consideradas clinicamente pedófilas, já que não sentem atração sexual primária por crianças[9].

No contexto de uma visão mundial, pesquisadores sinalizam que apenas um quarto dos abusos sexuais de crianças são praticados por pedófilos.

Esses abusos sexuais são praticados por pessoas que simplesmente acharam mais fácil fazer sexo com crianças, seja enganando-as ou utilizando de intimidação ou força. E aí reside a necessidade de que cada caso tenha uma tratamento investigativo e científico coerente com a psiquiátrica forense em todos os sentidos, na defesa e preservação da instituição que poderá ser responsabilizada solidariamente com o causado do dano  e com as vítimas do dano que também necessitarão de elementos probatórios para pontuarem melhor suas medidas sejam judiciais, criminais ou extrajudiciais.

Esse entendimento é referenciado por Silva (2010, págs 22/24)[10] quando evidencia as formas de Bullying, assim transcrito:

“…Algumas atitudes podem se configurar em formas diretas ou indiretas de praticar o bullying. Porém, dificilmente a vítima recebe apenas um tipo de maus-tratos; normalmente, os comportamentos desrespeitosos dos bullies costumam vir em “bando”. Essa versatibilidade de atitudes maldosas contribui não somente para a exclusão social da vítima, como também para muitos casos de evasão escolar, e pode se expressar das mais variadas formas, como as listadas a seguir:

SEXUAL

Abusar, violentar, assediar, insinuar. Este tipo de comportamento desprezível costuma ocorrer entre meninos com meninas, e meninos dom meninos. Não raro o estudante indefeso é assediado e/ou violentado por vários “colegas” ao mesmo tempo…” 

Por isto, somente o abuso sexual de crianças pode indicar ou não que um abusador é um pedófilo. A maioria dos abusadores em fato não possuem um interesse sexual voltado primariamente para crianças.

Assim, com base nesta fonte de informações. Projeta-se que apenas entre 2% a 10% das pessoas que praticaram atos de natureza sexual em crianças sejam pedófilos, tais pessoas são chamadas de pedófilos estruturados, fixados ou preferenciais. Abusadores que não atendem aos critérios regulares de diagnóstico da pedofilia são chamados[ de abusadores oportunos, regressivos ou situacionais.

Acrescente-se ainda, SILVA (2008, P. 21)[11]:

Também conhecidos como predadores sociais. O seu melhor desenho é descrito numa fábula lembrada por SILVA (2008, p. 21) assim reproduzida:

“… O escorpião aproximou-se do sapo que estava à beira do rio. Como não sabia nadar, pediu uma carona para chegar à outra margem.

Desconfiado, o sapo respondeu: “Ora, escorpião, só se eu fosse tolo demais! Você é traiçoeiro, vai me picar, soltar o seu veneno e eu vou morrer.

Mesmo assim o escorpião insistiu, com o argumento lógico de que se picasse o sapo ambos morreriam. Com promessas de que poderia ficar tranquilo, o sapo cedeu, acomodou o escorpião em suas costas e começou a nadar.

Ao fim da travessia, o escorpião cravou o seu ferrão mortal no sapo e saltou ileso em terra firme.”

Atingido pelo veneno e já começando a afundar, o sapo desesperado quis saber o porquê de tamanha crueldade. E o escorpião respondeu friamente:

                     – Porque essa é a minha natureza…”

É neste contexto, cenário que a importância de avaliarmos bem o fato envolvendo uma conduta desta natureza com as ferramentas que a fisiologia e psiquiatria forense contemporânea disponibiliza é que poderemos perceber a diferença de um indivíduo pedófilo que apresente uma conduta de transtorno psiquiátrico mental ou o outro lado, um transtorno de personalidade, onde certamente a sua conduta antisocial não autorizará a classificação psiquiátrica onde certamente inexistirá o transtorno mental, mais a plena consciência do que faz , pois é um pedófilo psicopata.

A confirmação deste perfil necessita da realização de uma avaliação adequada, é o que aponta a academia através de CAPELA SAMPAIO & BIGELLI DE CARVALHO em seu capítulo intitulado “DETECÇÃO DE MENTIRA E PSICOFISIOLOGIA FORENSE” (2020, pág.201)[12]:

“…Como o perito em psiquiatria não tem a função de “detector de mentira”. A simulação deve ser relatada no laudo pericial em seu aspecto negativo – ou seja, deve-se relatar a ausência de um transtorno mental, e não a simulação. Afinal, vale lembrar que há sempre a possibilidade de a suspeita (dissimulação ou simulação) ser infundada e existirem, de fato, os sintomas referidos. Por isso, é necessário muita cautela nesse tipo de avaliação…” (g.n) 

Não se poderia deixar de mencionar na linha de CAPELA SAMPAIO[13] & BIGELLI DE CARVALHO[14] que um exame dessa magnitude acautele alguma facilidade como apontam (idem, p. 2011):

“…DETECÇÃO DE MENTIRAS

A tarefa de identificar mentiras não é fácil. Surpreendentemente, um estudo mostrou que grupos de psiquiatras, estudantes universitários e técnicos de polígrafo apresentam médias de acerto baixas. Somente agentes do serviço secreto apresentaram médias significativamente maiores que o acaso (64% vs. 53%). Em estudo no qual oficiais de polícia foram requisitados a identificar verdades e mentiras de suspeitos em interrogatórios policiais gravados, a acurácia esteve relacionada à percepção de experiência em entrevistar suspeitos e ao ato de mencionar pistas para detectar mentiras que se relacionassem à história do sujeito. Houve correlação negativa entre acurácia e sinais que popularmente se imaginam associados à mentira, como evitação de olhar nos olhos e inquietação. Não foi evidenciada relação significativa entre acurácia e confiança.

A constatação de padrões específicos característicos da mentira pode ser feita de diversas formas, como análise do conteúdo da fala (ACF), observação de comportamento (OC) ou aferição de parâmetros psicofisiológicos. A ACF pode ser feita por técnicas como análise de conteúdo baseada em critério (ACBC) ou monitoramento de realidade (MR). A técnica ACBC usa testes psicométricos, entrevista semiestruturadas, técnicas de análise sistemática e julgamento clínico para diferenciar se o indivíduo vivenciou um fato ou o inventou.

O MR parte da teoria de que memórias do indivíduo que têm origem em sua experiência interna apresentam mais referências cognitivas e aquelas com origem externa são mais carregadas de informações sensoriais, contextuais, afetivas e semânticas.

A OC pode ser objetiva, subjetiva direta ou subjetiva indireta. Aplica-se a OC objetiva por quantificação de frequência de emissão não verbais de mentiras, como tempo de falta, latência de respostas, pausas e movimentos das mãos. Na OC subjetiva direta, o indivíduo simplesmente recebe o comando para identificar a mentira, sem outra metodologia, mas sua precisão não difere significativamente do acaso. Já na OC subjetiva indireta, orienta-se o sujeito a prestar atenção em elementos, como ambivalência, confiança e esforço para pensar, e seus resultados são melhores. […]

Os apontados pesquisadores e especialistas acrescentam ainda (idem, p. 203) acrescentam:

PSICOFISIOLOGIA FORENSE

“…A psicofisiologia forense tem como objetivo detectar a ocultação de informações por meio da aferição de parâmetros fisiológicos do sujeito. Os principais métodos utilizados são o polígrafo, a eletroencefalografia (EEG) e a ressonância magnética funcional (RMF). Essas técnicas são mais amplamente conhecidas para outras finalidades, mas constituem o arsenal que a psicofisiologia forense utiliza para a detecção de mentiras, ou memórias ocultas, como prefere a literatura mais parcimoniosa. A premissa básica é que o estado basal de contar a verdade é alterado para um modo de funcionamento que demanda maior esforço cognitivo quando o indivíduo precisa mentir.

As alterações psicofisiológicas relacionadas a esse novo estado podem ser aferidas perifericamente como sinais de excitação autonômica (alterações cardíacas, respiratórias e eletrocutâneas) ou pelo exame direto do cérebro, seja por sua atividade elétrica, seja por exames de neuroimagem….”

A partir dessas contribuições acadêmicas desses especialistas em psiquiatria forense com referencial teórico, observamos que a avaliação diagnóstica não pode ser realizada sem ferramentas da neurociência para que não seja incompatível com a prática diagnóstica pericial dessa natureza.

Temos dentro desta instrumentalidade de recursos de testagem, as técnicas de avaliação do transtorno antisocial/psicopata: O PCR-L, O MMPI, MMPI-2[15], O TAT, O RORSCHACH e outros instrumentos (HTP e inventários, bem como sugerem os pesquisadores, ou seja, o uso combinado de alguns deles

HOLMES (1997, pág.311)[16] nesta temática da conduta antisocial/psicopata introduz um panorama histórico acerca desse conceito, mencionando o termo “insanidade sem delírio”. Aliás, um excelente olhar de um acadêmico e atuante de campo.

Há, também uma tendência a culpar os outros e a oferecer racionalizações para explicar um comportamento que entra em conflito com as normas sociais.

Ao discorrer sobre os sintomas cognitivos do transtorno, HOLMES (idem, pág. 199) ressalta a inteligência e as boas qualidades verbais e sociais, além da capacidade de racionalizar seus atos inadequados de maneira a imprimir-lhes aparência justificável.

Acrescenta a isso o fato de a punição não surtir efeito nesses indivíduos, que costumam reincidir no comportamento punido – “quando não convencem de sua inocência, utilizando suas habilidades verbais e sociais para evitar serem punidos”.

HOLMES (1997, pág. 309)[17] faz uma leitura interessante sobre o transtorno de personalidade antisocial/psicopata, que auxilia a compreensão da problemática social acerca desse transtorno.

O referido pesquisador ressalta que na maioria dos outros transtornos, temos a vivência pelas próprias pessoas que têm o transtorno, enquanto, que no caso do transtorno de personalidade antisocial, os problemas são vividos pelas pessoas que estão ao seu redor.

Os indivíduos com este transtorno são descritos pelo autor como “os mais interpessoalmente destrutivos e emocionalmente prejudiciais em nossa sociedade”.

Essa concepção é reafirmada por HENRIQUE (2009, pág. 15)[18] quando afirma que “a psicopatia certamente é uma anomalia da personalidade que apresenta consequências sociais mais graves”.

A metodologia pericial adequada a avaliação de indivíduos pedófilos com viés psicopata

A Lei processual civil em respeito a busca da verdade, da constatação e motivação de um saudável diagnóstico à instrução de feitos apuratórios de condutas antissociais de comportamento dos pedófilos que auxiliam a correto e adequado processamento de feitos indenizatórios, inclusive penais tem socorro no art. 466 § 2.º do C.P.C.

Não é por outra razão, que que essa integração acopla de forma integrativa o art. 466 § 2.º do C.P.C, ao art. 3.º do C.P.P, assim reproduzido:

“…466. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso.

§. 2.º O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.

É certamente a cristalização da ampla defesa substancial, do contraditório e do devido processo legal. Dogmas que não podem ser eclipsados na reconstrução histórica do fato no intuito de uma elaboração cognitiva própria do nexo de causalidade relacionado ao espiral legal do dano causado por efeito direto e imediato praticado em relação à criança e ao adolescente.

“Pedofilia[19] é algo bastante grave e, sim, os criminosos virtuais estão sempre tentando se aproveitar da internet, do fato deles estarem por trás de uma câmera ou por trás de algum elemento”, alerta a professora. Ela adianta que uma forma de os pais protegerem seus filhos é não deixar que fiquem com o celular ou computador sozinhos sem a supervisão de um adulto, principalmente quando são pequenos. 

Além disso, Kalinka pontua que os filhos têm sua individualidade, mas é responsabilidade dos pais ou responsáveis estarem sempre atentos.      

“Verifique o que eles estão acessando, as contas, o conteúdo e evite o computador no quarto onde eles podem acessar sozinhos sem que você esteja presente”, sugere. 

 Por fim, a especialista aponta ainda que um software de controle pode auxiliar nesse processo de verificação de conteúdo por parte dos responsáveis. “Eles auxiliam a verificar se a criança está tendo acesso a conteúdo que não deveria. Atitudes bastante simples de olhar e verificar com quem seu filho está falando na internet, o que ele está acessando, pode ajudar muito a evitar casos e problemas como de pedofilia virtual”, finaliza a professora. *Sob a supervisão de Ferraz Junior.

Logo, por essas considerações, experiências, extensão possível dessa conduta é que no campo jurídico a metodologia de uma perícia escrupulosamente bem realizada se torna imprescindível.

A não observância dessa metodologia em atenção a prescrição do art. 466 § 2.º do C.P.C traz como consequência a nulidade da perícia e a realização de novo exame como decidiu recentemente o Eminente desembargador MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO da 2.ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal no HC n.º 5006007 – 85.2024.4.02.0000/RJ na data de 04/06/2024, no qual colacionamos os seguintes trechos:      

Consequentemente, a admissão do assistente técnico somente após a juntada do laudo aos autos, ainda que em cumprimento do disposto no § 4º, do art. 159, do CPP, forçosamente incorreu em cerceamento da defesa, o que justifica a necessidade de renovação do ato. (g.n)

Por outro lado, em razão de certo tumulto envolvendo a expedição de vários ofícios endereçados ao Instituto de Perícias Heitor Carrilho, requisitando esclarecimentos quanto à atuação do Dr. José Roberto M. Laborne Valle, parece-me prudente determinar que outro profissional conduza o novo exame do periciado.

Ante o exposto, voto no sentido de JULGAR PROCEDENTE o pedido de concessão da ordem de habeas corpus, para que seja realizado, por outro perito, um novo exame de sanidade do corréu colaborador, devendo ser acompanhado pelo assistente técnico indicado pela defesa do paciente, e JULGAR PREJUDICADO o recurso de embargos de declaração da defesa (evento 11, EMBDECL1).          

Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça, o MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA da 5.ª Turma no AgRg no Recurso em HABEAS CORPUS n.º 201415 – RJ (2024/0268130-RJ), decidido em 19/08/2024, adotou fundamentadamente, o mesmo entendimento, como extraímos dos trechos abaixo: 

No entanto, o exame teria sido realizado sem a participação da defesa técnica do ora agravante, o que violaria a disposição do art. 466, § 2º, do Código de Processo Penal, que dispõe sobre o acesso e acompanhamento de diligências e exames às partes. Segundo a defesa, o exame pericial ocorreu antes do horário agendado sem prévia comunicação ao assistente técnico do ora agravante. (g.n)

Neste caso, a despeito de a perícia ter sido realizada conforme o art. 159, § 4º, do Código de Processo Penal, segundo o qual o assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão. No entanto, a falta de acompanhamento dos representantes técnicos do agravante, tendo em vista a relevância do exame para a própria persecução criminal instaurada, certamente reduz as possibilidades de participação da defesa, o que justifica a necessidade de renovar o ato. (g.n)

Nesse sentido, mutatis mutandis:

PROCESSUAL CIVIL. EXAME PERICIAL. REALIZAÇÃO. JUNTADA AOS AUTOS DO LAUDO. VISTA AS PARTES. NECESSIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE PROFERIR SENTENÇA SEM DAR OPORTUNIDADE AS PARTES DE IMPUGNAÇÃO. PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO. DOUTRINA. VIOLAÇÃO. ART. 398, CPC APLICADO A PROVA PERICIAL. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO I – O PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO, GARANTIA CONSTITUCIONAL, SERVE COMO PILAR DO PROCESSO CIVIL CONTEMPORANEO, PERMITINDO AS PARTES A PARTICIPAÇÃO NA REALIZAÇÃO DO PROVIMENTO.

II – APRESENTADO O LAUDO PERICIAL, E DEFESO AO JUIZ PROFERIR DESDE LOGO A SENTENÇA DEVENDO ABRIR VISTA AS PARTES PARA QUE SE MANIFESTEM SOBRE O MESMO, PENA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO.

(REsp n. 92.313/SP, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 14/4/1998, DJ de 8/6/1998, p. 113).

Diante do exposto, nos termos do art. 258, § 3º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, reconsidero a decisão de e-STJ, fls. 207-211, para dar provimento ao recurso ordinário, determinando a renovação do exame de insanidade mental do corréu colaborador, com a participação de assistente técnico indicado pela defesa do ora agravante. (g.n)

Publique-se.

Brasília, 19 de agosto de 2024.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA

Relator

Da jurisprudência pronunciada em nossos tribunais sobre a importância da prova, destinatários e o princípio da verdade real

A nossa jurisprudência é muito bem acentuada nesta questão, pois os nossos Tribunais numa tendência comprometida cada vez mais com a ciência psiquiátrica forense adequada, acrescente-se a psicologia forense, a neurociência, a neuropsicologia forense e a psicofisiologia forense reforçadas pela doutrina que possui a tarefa agregatória de encontrar as respostas adequadas à Constituição caminham neste sentido.

Por isso, é preciso, sim debater com o Poder Judiciário, que é o guardião dos direitos fundamentais. Essa sintonia e importante, real, acontece e é corajosa para se opor aos equívocos que ocorrem cada vez mais em mínimas oportunidades graças a essa nova visão.

É certo, como afirma FERRAZ (2024)[20]: “…Há um pesadelo do negacionismo jurídico. Não se pode jamais afrontar a Constituição…”

E nesse sentido, colhemos excelentes notícias do Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Desembargador – DR. LUIZ ROLDÃO DE FREITAS GOMES FILHO, no Agravo de Instrumento n.º 0004672-46.2023.8.19.0000 que proporcionou uma aula de Direito Constitucional Processual ao Juízo que indeferiu a prova pericial, mandando chamar o VAR, assim transcrito:

“Com efeito, a Constituição da República estabelece como garantia fundamental o acesso à justiça (art. 5º, XXXV CRFB), que se materializa por meio da adequada prestação jurisdicional assegurado o devido processo legal. Nesse diapasão, a busca da verdade real é corolário do princípio do devido processo legal, como instrumento necessário para que se concretize o acesso à ordem jurídica justa. Assim, não se pode fazer justiça sem entender, com segurança, o quadro fático trazido à consideração do órgão judicante. Na medida em que a justiça da prestação jurisdicional se vincula ao compromisso do processo com a verdade real, e a essa só se chega mediante a instrução probatória, ao julgador é lícita a determinação de produção de provas a fim de que o conjunto probatório resulte completo.”

Nesse mesmo sentido, esse meio de prova é de grande utilidade à boa instrução processual. Cumpre trazer, neste ponto, a doutrina do professor Alexandre Câmara[21]:

“Sendo juiz e partes destinatários da prova, a todos eles são reconhecidos a existência de poderes de iniciativa instrutória. Às partes evidentemente caberá postular a produção de provas que lhes pareçam relevantes, pois é delas o direito material em debate e, por isso, são titulares de interesse de produzir prova.”

Logo, é importante que se acentue que todos são destinatários da prova

Conforme leciona o Desembargador Alexandre Câmara:

“A prova possui dois tipos de destinatários: um destinatário direto, o Estado-juiz, e destinatários indiretos, as partes. A prova levada aos autos, pertence a todos, isto é, pertence ao processo, não sendo de nenhuma das partes (o que costuma ser chamado de “princípio da comunhão da prova”. (…) Na verdade, a prova tem por destinatários todos os sujeitos do processo (FPPC, Enunciado nº 50: “os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz.”

Assim sendo, todos atuam com o mesmo fim, qual seja, um processo justo. uma Justiça justa. Em consequência, a atividade probatória deve ser destinada ao processo para que haja o melhor debate. Em consequência, o destinatário da prova não é somente o juiz.

Logo, uma prova que trate de uma avaliação de um transtorno de personalidade não pode ser considerada válida quando uma avaliação psiquiátrica forense fugindo ao seu escopo a trate como um transtorno mental.

Salienta por fim, KHALED JR.[22] (2023, págs. 196): …O paradigma da cientificidade oferece fundamentação e legitimação “científica” para práticas processuais que rompem com a estrutura do sistema acusatório, atribuindo ao juiz, enquanto sujeito do conhecimento, a capacidade de extração da essência das coisas…”

Recentemente, na seara criminal, o Ministro RIBEIRO DANTAS, da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em seçãio da 3.ª Turma que reúnem a 5.ª Turma e a 6.ª Turma desta Corte de Vértice, na data de 08/06/2022, publicado no Dje 01/07/2022 – TEMA REPETITIVO 1121, na tese jurídica (tese firmada em recurso repetitivo), definida nestes parãmetros: “Presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP)”., pronunciaram o seguinte julgado:

Ementa

PENAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS.
ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A DO CP). DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL (ART. 215-A DO CP). EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. TRATADOS INTERNACIONAIS. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIOS DA ESPECIALIDADE E DA SUBSIDIARIEDADE. RESERVA DE PLENÁRIO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. MANDAMENTO DE CRIMINALIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DA DESCLASSIFICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. De maneira ampla, a Medicina Legal define o abuso sexual infantil como “toda e qualquer exploração do menor pelo adulto que tenha por finalidade direta ou indireta a obtenção do prazer lascivo” (FRANÇA, Genival Veloso. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2017, p. 250). Nesse sentido, não há meio-termo. O adulto que explora um menor com a finalidade de obter prazer sexual, direto ou indireto, está a praticar ato abusivo.
2. Nesse ponto, é importante ressaltar que o abuso sexual contra o público infantojuvenil é uma realidade que insiste em perdurar ao longo do tempo. A grande dificuldade desse problema, porém, é dimensioná-lo, pois uma parte considerável dos delitos “ocorrem no interior dos lares, que permanecem recobertos pelo silêncio das vítimas”. Há uma elevada taxa de cifra negra nas estatísticas. Além do natural medo de contar para os pais (quando estes não são os próprios agressores), não raro essas vítimas sequer “possuem a compreensão adequada da anormalidade da situação vivenciada.” (BIANCHINI, A.; MARQUES, I. L.; ROSSATO, L. A.; SILVA, L. P. E.;
GOMES, L. F.; LÉPORE, P. E.; CUNHA, R. S. Pedofilia e abuso sexual de crianças e adolescentes. São Paulo: Saraiva, 2013, e-book, Introdução, cap. 1).
3. Nessa senda, revela-se importante observar que nem sempre se entendeu a criança e o adolescente como sujeito histórico e de direitos. Em verdade, a proteção às crianças e aos adolescentes é fenômeno histórico recente. “A família não percebia as necessidades específicas das crianças, não as via como um ser com peculiaridades e que precisavam de atendimento diferenciado. […] a única diferença entre o adulto e a criança era o tamanho, a estatura, pois assim que apresentavam certa independência física, já eram inseridas no trabalho, juntamente com os adultos. Os pais contavam com a ajuda de seus filhos para realizar plantações, a produção de alimentos nas próprias terras, pescas, caças, por isso, assim que seus filhos tinham condições de se manterem em pé, já contribuíam para o sustento da família.” (HENICK, Angelica Cristina. FARIA, Paula Maria Ferreira de. História da Infância no Brasil. Educere, 2022. Disponível em: br/arquivo/pdf2015/19131_8679.pdf>. Acesso em: 7/1/2022).
4. Diante de um cenário de exposição e vulnerabilidade passando para uma perspectiva protetiva, alguns autores verificam uma correlação entre o reconhecimento pelo Estado da violência intrafamiliar e o movimento feminista. Dizem que esse movimento, “ao enfrentar o denominado modelo patriarcal de família, acaba por desvelar inúmeras formas de violência, que permaneciam encobertas pelo manto do silêncio”. (MACIEL, K. R. F. L. A. Curso de direito da criança e do adolescente. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, e-book, parte I, cap. I).
5. Verificou-se, portanto, uma modificação de paradigmas sociais, que refletiu no Direito. E é nessa perspectiva que se deve ressaltar a importância de o Direito estar atento à complexidade da vida social. “Muitos dos argumentos defendidos por tantos anos já estão superados. […] O histórico da Criminologia revela muito sobre a superação de paradigmas e axiomas”, um exemplo disso é o reconhecimento da violência doméstica e familiar. O lar, que era até então considerado um local seguro (ao contrário das ruas, do lado de fora), passa a ser palco do drama criminal. (BIANCHINI, A.; MARQUES, I. L.; ROSSATO, L. A.; SILVA, L. P. E.; GOMES, L. F.;
LÉPORE, P. E.; CUNHA, R. S. Pedofilia e abuso sexual de crianças e adolescentes. São Paulo: Saraiva, 2013, e-book, Introdução). O fato de a violência dentro dos lares ser reconhecida pelo Estado não significou a criação dessa violência. Em verdade, ela sempre existiu, mas permanecia no silêncio entre os familiares e na indiferença institucional. O que era para servir de apoio violentava ou ignorava.
6. Nesse passo, Andréa Rodrigues Amin lembra que “vivemos um momento sem igual no plano do direito infantojuvenil. Crianças e adolescentes ultrapassam a esfera de meros objetos de ‘proteção’ e ‘tutela’ pela família e pelo Estado e passam à condição de sujeitos de direito, beneficiários e destinatários imediatos da doutrina da proteção integral.” (MACIEL, K. R. F. L. A. Curso de direito da criança e do adolescente. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, e-book, parte I, cap. I). O Estado não é mais indiferente ao que acontece no interior dos lares com as crianças e com os adolescentes. Porém, reforce-se, que isso é relativamente recente.

7. Toda essa evolução é verificada no Brasil, como um reflexo de um movimento internacional pela proteção das crianças. Chamando a atenção para a importância dos instrumentos internacionais na positivação e na interpretação do direito penal pátrio, o em.
Ministro João Otávio de Noronha, em voto lapidar no EREsp n. 1.530.637/SP, lembra que o Brasil está obrigado, perante seus pares, a adotar medidas legislativas para proteger às crianças (todos aqueles com menos de 18 anos completos) de qualquer forma de abuso sexual.

8. Este Superior Tribunal de Justiça, em várias oportunidades, já se manifestou no sentido de que a prática de qualquer ato libidinoso, compreendido como aquele destinado à satisfação da lascívia, com menor de 14 anos, configura o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP). Não se prescinde do especial fim de agir: “para satisfazer à lascívia”. Porém, não se tolera as atitudes voluptuosas, por mais ligeiras que possam parecer. Em alguns precedentes, ressaltou-se até mesmo que o delito prescinde inclusive de contato físico entre vítima e agressor.
9. Com efeito, a pretensão de se desclassificar a conduta de violar a dignidade sexual de pessoa menor de 14 anos para uma contravenção penal (punida, no máximo, com pena de prisão simples) já foi reiteradamente rechaçada pela jurisprudência desta Corte.
10. A superveniência do art. 215-A do CP (crime de importunação sexual) trouxe novamente a discussão à tona, mas o conflito aparente de normas é resolvido pelo princípio da especialidade do art. 217-A do CP, que possui o elemento especializante “menor de 14 anos”, e também pelo princípio da subsidiariedade expressa do art. 215-A do CP, conforme se verifica de seu preceito secundário in fine.
11. Além disso, a cogência do art. 217-A do CP não pode ser afastada sem a observância do princípio da reserva de plenário pelos tribunais (art. 97 da CR).
12. Não é só. Desclassificar a prática de ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos para o delito do art. 215-A do CP, crime de médio potencial ofensivo que admite a suspensão condicional do processo, desrespeitaria ao mandamento constitucional de criminalização do art. 227, §4º, da CRFB, que determina a punição severa do abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes. Haveria também descumprimento a tratados internacionais.
13. De fato, de acordo com a convicção pessoal desta Relatoria, o legislador pátrio poderia, ou mesmo deveria, promover uma graduação entre as espécies de condutas sexuais praticadas em face de pessoas vulneráveis, seja por meio de tipos intermediários, o que poderia ser feito através de crimes privilegiados, ou causas especiais de diminuição. De sorte que, assim, tornar-se-ia possível penalizar mais ou menos gravosamente a conduta, conforme a intensidade de contato e os danos (físicos ou psicológicos) provocados. Mas, infelizmente, não foi essa a opção do legislador e, em matéria penal, a estrita legalidade se impõe ao que idealmente desejam os aplicadores da lei criminal.
14. Verifique-se que a opção legislativa é pela absoluta intolerância com atos de conotação sexual com pessoas menores de 14 anos, ainda que superficiais e não invasivos. Toda a exposição até aqui demonstra isso. E, essa opção, embora possa não parecer a melhor, não é de todo censurável, pois, veja-se, “o abuso sexual contra crianças e adolescentes é problema jurídico, mas sobretudo de saúde pública, não somente pelos números colhidos, mas também pelas graves consequências para o desenvolvimento afetivo, social e cognitivo”. Nesse sentido, “não é somente a liberdade sexual da vítima que deve ser protegida, mas igualmente o livre e sadio desenvolvimento da personalidade sexual da criança” (BIANCHINI, A.; MARQUES, I. L.; ROSSATO, L. A.; SILVA, L. P. E.; GOMES, L.F.; LÉPORE, P. E.; CUNHA, R. S. Pedofilia e abuso sexual de crianças e adolescentes. São Paulo: Saraiva, 2013, e-book, Introdução, cap. 1).
15. Tanto a jurisprudência desta Corte superior quanto a do Supremo Tribunal Federal são pacíficas em rechaçar a pretensão de desclassificação da conduta de praticar ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos para o crime de importunação sexual (art. 215-A do CP). Precedentes.
16. Tese: presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP).
17. Solução do caso concreto: recurso especial provido para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 217-A do CP, determinando a remessa dos autos ao Tribunal de origem para que, na instância ordinária, seja realizada a dosimetria da pena.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 217-A do CP, determinando a remessa dos autos ao Tribunal de origem para que, na instância ordinária, seja realizada a dosimetria da pena, e fixou a seguinte tese: “presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (Art.
217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP)”.

Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Joel Ilan Paciornik.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

Os julgados da Cortes de Vértice na sensibilidade a destacar deste julgadores de Escol, representados nesta profunda reflexão pela autoridade judicial e olhar reflexivo para a vida na sua espiral mais ampla e em todos os lados e sentidos do Ministro Ribeiro Dantas pontuam que o Judiciário está bem atento as essas questões.

Consequências psíquicas e comportamentais da pedofilia

Os danos causados às crianças, adolescentes e como já apontamos no decorrer do presente artigo, a família e ao ambiente social do menor trouxeram a precupação dos especialistas também na Responsabilidade Civil na qual podemos contextualizar danos psíquicos e reflexos a serem considerados nesta análise.

Na concepção da avaliação psicológica/psiquiátrica, constatamos o dano psíquico com a finalidade de apurar o prejuízo decorrente de um determinado siistro no que trouxe a pessoa, ou melhor, como salienta CASTRO & MAIA[23] (2010, pág. 03): “assume que pode existir um nexo de causalidade entre a experiência de quem foi vítima e o grau de perturbação mental”.

Acrescentam os referidos autores (Idem, idem):

“…O dano psíquico é caracterizado por uma deterioração das funções psíquicas, de forma súbita e inesperada, que surge após a ação deliberada ou culposa de alguém e que traz para a vítima um prejuízo material ou moral, face à limitação das suas actividades habituais ou profissionais (Ballone G., 2003, s/p). O autor acrescenta que o dano psíquico pode ser concebido como uma doença psíquica relacionada causalmente com um evento traumático (ex: acidente, doença, delito), que tenha resultado num prejuízo das aptidões psíquicas prévias com carácter irreversível ou transitório longo (leia-se durante um período prolongado). Este implica a alteração do equilíbrio básico do sujeito e/ou o agravamento de uma patologia anterior, alterando a normalidade do sujeito relativa a si mesmo e aos outros (Brito, 1999) …”

Silva (2010, pág. 25/32)[24] enumera as consequências possíveis no campo da psiquiatria com os quais se depara em seu consultório nos casos de vítimas de práticas dessa natureza que são os seguintes: Sintomas psicossomáticos: [cefaleia, cansaço crônico, insônia, dificuldades de concentração, náuseas, diarreia, boca seca, palpitações, alergias, crise de asma, sudorese, tremores, sensação de “nó” na garganta, tonturas ou desmaios, calafrios, tensão muscular, formigamentos.

Transtorno do Pânico, fobia escolar, fobia social (transtorno de ansiedade social – TAS), transtorno de ansiedade generalizada (TAG), depressão, anorexia e bulimia; transtorno obsessivo – compulsivo (TOC); transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) dentre outros menos frequentes.

Nas hipóteses menos frequentes referencia a renomada psiquiatra e escritora (idem, pág. 31): Esquizofrenia; suicídio e homicídio.

Ocorre Também que a atuação de um pedófilo, personagem com transtorno de personalidade, diferentemente das outras modalidade de transtorno, atinge não somente a vítima, mas também as pessoas do seu entorno e convivência, transformando-ono dano em ricochete, também conhecido como dano moral reflexo, é o prejuízo sofrido por pessoas próximas à vítima direta de um ato ilícito. 

 Ressalte-se que o dano em ricochete é uma indenização autônoma em relação ao dano sofrido pela vítima direta

Esse vem sendo o entendimento de precedentes de nossos tribunais, cuja ementa transcrevemos abaixo:

Trecho da ementa

“(…) No dano moral reflexo ou em ricochete, a despeito de a afronta a direito da personalidade ter sido praticada contra determinada pessoa, por via indireta ou reflexa, tal conduta agride a esfera da personalidade de terceiro, o que também reclama a providência reparadora a título de danos morais indenizáveis na medida da ofensa aos direitos destes. 3. Demonstrados o ato ilícito decorrente do atendimento defeituoso prestado por hospital público à neonatal, o dano correspondente à morte de filho recém-nascido e o nexo de causalidade entre ambos, deve ser o Estado ser condenado à prestar reparação por dano moral aos pais da vítima.”

Acórdão 1336600, 00354692820168070018, Relatora: MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 28/4/2021, publicado no PJe: 14/5/2021. 

A responsabilidade civil decorrentes dessas práticas

Nos nossos tempos estamos cada vez mais expostos a situações consequentes das práticas de pedofilia. E são assustadores os registros e estatísticas apresentadas pelos mais diversos meios de pesquisas contratados por instituições de ensino, grupos religiosos.

A Lei Civil no Código Civil de 2002 proporciona um certo conforto e objetividade no sentido de precisar as responsabilidades decorrentes dos efeitos de uma conduta pedófila que proporcione efetos danosos as vítimas quando prevê o “nexo de causalidade” entre a ação do causador do dano e a efetividade dos prejuízos causados. Assim temos o orientação do art. 403 CC/02:

“… Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato,(g.n) sem prejuízo do disposto na lei Processual…” 

Assim superando décadas sobre o debate sobre essa temática que percorreu uma longa discussão sobre o que seria a ação e seu efetivo resultado. O legislador pôs por terra as estridentes correntes doutrinárias, acadêmicas e jurisprudenciais que tentavam preencher essa lacuna do Código Civil de 1916.

A concepção de efeito está focada na denominada e conhecida teoria do dano direto e imediato ou também conhecida por teoria do nexo causal.

Como descrevem ROSENVALD, FARIAS & BRAGA NETTO[25] (2017, pág. 477):

“…Se interpretarmos literalmente o mencionado dispositivo, encotraremos uma noção singela e bem-acabada do nexo causal sob o ponto de vista pragmático. Qual seja: de todas as condições presentes, só será considerada causa eficiente para o dano aquela que com ele tiver um liame direto e imediato. Todos os danos que se ligarem ao fato do agente de forma indireta e mediata serão excluídos da causalidade…”

Acrescentam ainda os referidos autores (idem, pág. 480) a importância do nexo de causalidade que pressupõe, obviamente uma investigação criteriosa e com um Standard Probatório seguro e bem fundamentado que viabilizará a responsabilidade sem equívocos:

“Nesse sentido, confessadamente decidiu o Supremo Tribunal Federal[26]. ‘a (teoria da equivalência das condições, teoria da causalidade necessária ou teoria da causalidade adequada) – revela-se essencial ao reconhecimento do dever de indenizar, pois, sem tal demonstração, não há como imputar, ao causador do dano, a responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelo ofendido”…       

Ora, se temos o dever legal de identificar o responsável pela ação direta e imediata causadora do dano, é evidente e certo a necessidade e importância de uma investigação que resgate toda a história do incidente causador do dano.

Logo, temos que identificar quem é o pedófilo, agiu com ajuda de alguém? É preposto de alguma instituição de ensino ou organização religiosa. Em caso afirmativo, como foi contratado, qual a sua tarefa, exigia treinamento, porque a instituição o contratou? Com que finalidade? Verificou algum precedente? Em caso afirmativo. Que providências tomou ou foram adotadas? Houve omissão das vítimas ou de seus responsáveis quanto as ocorrências precedentes? Informaram à empresa ou pessoa jurídica? Realizou alguma avaliação psicológica de transtorno de personalidade? Há quanto tempo trabalha na pessoa jurídica? Houve omissão, negligência ou imprudência da organização nessa contratação? Há uma unidade com essa atribuição de receber as notícias na organização? Os Pais e responsáveis têem ciência dessas unidade? Como foram cientificados? Há comprovação dessa ciência? As pessoas que lidam com menores foram treinados ou preparados para eventos dessa natureza? Isto, dentro de um rol de ferramentas e expertise próprios de um profissional de investigação habilitado para esse ofício específico.

Não é qualquer profissional que investiga preventivamente ou probatoriamente um cenário de pedofilia. É um ambiente que exige preparação adequada, habilitação e acima de tudo experiência.

A importância dessa investigação no resgate da história está na definição daqueles que iram responder individualmente ou solidariamente pelo dano, pois também são orientações prescritas na nossa Lei Civil de 2002.

O artigo 932 elenca os possíveis responsáveis pela reparação civil, dentre les o empregador pelos empregados em resposta ao serviço que prestarem.

“ Art. 932: São também responsáveis pela reparação civil: III – o empregador ou comitente, por seus empregados,serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele…”  

Ou ainda, como é tipico no caso do bullyng, a responsabilidade solidária como também prescreve o Código civil de 2002 no artigo 942 e parágrafo único, já que essas práticas são ofensivas e violam o direito da vítima que merece uma segurança jurídica:

“…Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente respnsáveis com os autores ous coautores e as pessoas designadas no art. 932….”   

A questão a ser avaliada em sinistros resultantes de ações de pedófilos envolve uma visão cada vez mais técnica e especializada. Compromissada com as nossas crianças e adolescentes, pois serão um amanhã bem resolvido ou alguém com medo de enxergar e caminhar pela vida.

Essa área de atuação, preocupação e conhecimento não é nova, mas necessita de uma debate democrático, participante, preocupado, atuante daqueles que pensam numa sociedade justa, livre e solidária.

Não é uma tarefa que atente a um padrão de normalidade profissinal, mas sim espinhosa, penosa, trabalhosa e certamente por alguns episódios, frustrante. Mas esses infortúnios não tira a nossa esperança, pois com certeza, temos neste momento muitas pessoas do bem tentando suprimir ou mesmo amenizar este cenário.                                                                                              


[1] FONTE :WIKIPÉDIA.

[2] FONTE:CARTA CAPITAL. 01.06.2021. VATICANO INCLUI CRIME DE PEDOFILIA NO CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO

[3] FONTE: UOL de 26/01/2024: ESTUDO REVELA MILHARES DE CASOS DE PEDOFILIA NA IGREJA EVANGÉLICA DA ALEMANHA DESDE 1946.

[4] FONTE: LUCAS ROCHA, da CNN em São Paulo.

[5] FONTE: “O QUE É DEEPFAKE E COMO SE PROTEGER DOS RISCOS DA DESINFORMAÇÃO”. Fernanda Martins, março, 7, 2024.

[6] FONTE: “O QUE É DEEPFAKE E COMO SE PROTEGER DOS RISCOS DA DESINFORMAÇÃO”. Fernanda Martins, março, 7, 2024.

[7] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. BULLYING: MENTES PERIGOSAS NAS ESCOLAS. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

[8] Croce, Delton, et alli, Manual de Medicina Legal, Saraiva, São Paulo, 1995

[9] Seto MC (2009 «Pedofilia». Annual Review of Clinical Psychology, 5:391 – 407: PMID – 193270034. Doi: 10.1146/annurev. Clinpsy 032408.153618.

[10] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: MENTES PERIGOSAS NAS ESCOLAS. RIO DE JANEIRO: OBJETIVA, 2010.

[11] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas: O psicopata mora ao lado. 3.ª ed. – São Paulo: Principium, 2018.

[12] PSIQUIATRIA FORENSE: Interfaces jurídicas, éticas e clínicas. Organizadores, Daniel Martins de Barros, Gustavo Bonini Castelhana. – 2.ª ed. – Porto Alegre: Artmed, 2020.

[13] LEONARDO AUGUSTO NEGREIROS PARENTE CAPELA SAMPAIO – Psiquiatra. Coordenador do Programa de Psiquiatria Social e Cultural (Prosol) do IPq-HCFMUSP)

[14] VICTOR B BIGELLI DE CARVALHO – Psiquiatra e empreendedor digital. Especialista em Medicina Legal pela FMUSP.

[15] MMPI e MMPI-2 (inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota). Indicadíssimos pela ciência psiquiátrica. MMPI – inventário de autorrelato e compreendem 566 itens, que descrevem sentimentos, atitudes, sintomas físicos e emocionais e experiências anteriores de vida, para os quais o examinado assinala “certo” ou “errado”, conforme sua concordância com o item. É composto por 14 escalas, sendo 10 clínicos e quatro de validade. MMPI-2 – Além dessas citadas, contém 15 de conteúdo e 18 suplementares.

[16] HOLMES, D. (1997).  PSICOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS. Porto Alegre: ARTMED.

[17] DAVID S. HOLMES – Professor do Kansas, Usa. PHD em Psicologia Clínica pela NORTHWESTERN UNIVERSITY.

[18] HENRIQUES, R.P (2009) de H. CLECKLEY ao DSM – IV – TR: A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PSICOPATIA RUMO À MEDICALIZAÇÃO DA DELINQUÊNCIA. Retirado do site www.scielo.br.

[19] KALINKA CASTELO BRANCO. FONTE: SUZANA NAZAR “CASOS DE PEDOFILIA SE MULTIPLICAM NO BRASIL COM OS AVANÇOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. https://jornalismo.usp.br/? P = 653936. Atualizado: 21/07/2023 às 14:51

[20] DIREITO FUNDAMENTAL À PROVA. CONSTITUCIONAL. 22/11/2024. RENATO OTÁVIO FERRAZ. Professor e Advogado.

[21] CÂMARA, Alexandre Freitas, Manual de Direito Processual Civil, 2023, p.416/417, Gen/Atlas)

[22] KHALED JR., Salah H. A BUSCA DA VERDADE NO PROCESSO PENAL: PARA ALÉM DA AMBIÇÃO INQUISITORIAL. 4.ª ed. – Belo Horizonte, MG: Letramento; Casa do Direito, 2023.

[23] Castro, A., & Maia, A. (2010). A avaliação de dano psíquico em processo cível: Uma análise de cinco anos de práticas. Psicologia, Psiquiatria e Justiça, 3, 111-127.Universidade de Minho.

[24] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. BULLYING: MENTES PERIGOSAS NAS ESCOLAS. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

[25] BRAGA NETTO, Felipe, CHAVES DE FARIAS, Cristiano & ROSENVALD, 

[26] STF, RE 481110 AgR-PE, rel. Min. Celso de Mello, j. 6-2-2007, 2.ª Turma.


Clayton da Silva Bezerra. Delegado de Polícia Federal. Palestrante. Presidente do Instituto Federal Kids de Combate A Pedofilia. Instrutor da Academia Nacional de Polícia Federal. Especialista em Direito Processual Penal.

Lorenzo Martins Pompílio da Hora. Professor Associado do Departamento de Direito Civil da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça. Doutora em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e pesquisa – IDP – Escola de direito de Brasília – EDB. Sócia do Escritório Jurídico Mendonça Advocacia.


Acesse o Guia do Governo Federal (Família protetora) para identificar riscos com pedofilia

https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/maio/FAMILIAPROTETORA.pdf

Requisitar dados não é suficiente para a proteção da privacidade. É preciso tratar a assimetria de informação.

Elvino de Carvalho Mendonça & Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça

A disruptura digital pelo qual passa o mundo não tem sido sem dor. As “maravilhas” da tecnologia materializadas nos smartphones cobram o seu preço e esse preço é o ataque frontal a privacidade e a liberdade do ser humano.

Estas pequenas “maravilhas” transferem dados pessoais a cada acesso ou transação para as Big techs, que, a partir de infinitos acessos e/ou transações realizadas por cada detentor de smartphone, são capazes de construir bases de dados gigantescas com informações pessoais as mais variadas possíveis e em um nível de detalhe tão pequeno quanto se possa imaginar.

O passo seguinte é a utilização destas informações pela empresa para fazer negócios sem o consentimento do ser humano, na medida em que captam, armazenam, classificam, precificam e alienam os comportamentos, pensamentos e sentimentos de cada ser humano sob o manto de um “capitalismo de vigilância”, cujos reais interessados nesse grande mercado de predição de comportamentos futuros são as empresas de marketing e publicidade e o real valor desse modelo de negócios não são mais os usuários e sim os seus comportamentos, pensamentos e sentimentos.

Segundo Shoshana Zuboff:

“o capitalismo de vigilância reivindica de maneira unilateral a experiência humana como matéria-prima gratuita para a tradução em dados comportamentais. Embora alguns desses dados sejam aplicados para o aprimoramento de produtos e serviços, o restante é declarado como superávit comportamental do proprietário, alimentando avançados processos de fabricação conhecidos como “inteligência de máquina” e manufaturado em produtos de predição que antecipam o que um determinado indivíduo faria agora, daqui a pouco e mais tarde. Por fim, esses produtos de predições são comercializados num novo tipo de mercado para predições comportamentais que chamo de mercados de comportamentos futuros. Os capitalistas de vigilância têm acumulado uma riqueza enorme a partir dessas operações comerciais, uma vez que muitas companhias estão ávidas para apostar no nosso comportamento futuro.” [1]

Prossegue a Autora Shoshana Zuboff aduzindo que,

“[p]or enquanto, digamos que os usuários não são produtos, e sim que são  as fontes de suprimento de matéria-prima.” [2]

 No entanto, o que é ainda mais grave é a utilização destas informações para atuar em um nível abaixo da consciência humana, fazendo com que o ser humano seja induzido/manipulado digitalmente a consumir não o que deseja, mas sim aquilo que a empresa deseja. Neste ponto, vale citar Byung-Chul Han que, parafraseando Walter Benjamin, aduz ao inconsciente óptico a seguinte estrutura:

“Os pensamentos de Benjamin sobre o inconsciente óptico podem ser transpostos ao regime da informação. Big Data e inteligência artificial constituem uma lupa digital que explora o inconsciente, oculto ao próprio agente, atrás do espaço da ação consciente. Em analogia ao consciente óptico, podemos chamá-lo de inconsciente digital. O Big Data e a Inteligência Artificial levam o regime de informação a um lugar em que é capaz de influenciar nosso comportamento em um nível que fica embaixo do liminar da consciência.”[3]

A proteção de dados no Brasil se encontra tratada na Lei Geral de Propriedade de Dados (LGPD)[4], diploma legal que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural (art. 1º) e que cria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), autarquia de natureza especial, dotada de autonomia técnica e decisória, com patrimônio próprio e com sede e foro no Distrito Federal (art. 55-A).

E um dos requisitos para o tratamento dos dados previstos na LGPD para fazer a proteção de dados individuais está previsto no caput do art. 9º, que pugna que [o] titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso.

A garantia de acesso aos dados pelo usuário é uma condição necessária, mas não suficiente para que o tratamento de dados individuais atinja o objetivo da privacidade, principalmente porque há uma abissal assimetria de informação[5] entre a big tech e o usuário, assimetria que é potencializada pelo fato de que transparência dos dados para o usuário não pode ultrapassar a proteção dos segredos de empresa e industriais, conforme postula o art 6º, inciso VI[6], da mesma lei.

Acertadamente, a LGPD atribui à ANPD a competência para articular-se com as autoridades reguladoras públicas para exercer suas competências em setores específicos de atividades econômicas e governamentais sujeitas à regulação (art. 55-J, inciso XXIII) e a competência para que [a] ANPD e os órgãos e entidades públicos responsáveis pela regulação de setores específicos da atividade econômica e governamental coordenem as suas atividades, nas correspondentes esferas de atuação, com vistas a assegurar o cumprimento de suas atribuições com a maior eficiência e promover o adequado funcionamento dos setores regulados, conforme legislação específica, e o tratamento de dados pessoais, na forma desta Lei (art. 55-J, § 3º).        

A atuação conjunta da ANPD e das agências reguladoras permite chamar à atenção para o real problema que envolve a proteção de dados, que é a assimetria de informação existente entre as empresas (Big techs) que captam os dados, os usuários, as agências reguladoras setoriais e a ANPD, conforme mostra a figura 1.

Figura 1. O problema do agente-principal na proteção de dados

No modelo exposto na figura 1, verifica-se que embora o usuário detenha a propriedade do dado, quem o utiliza e desenvolve políticas comerciais sem que o usuário tenha como identificá-las é a empresa. Da mesma forma, ainda que a agência reguladora, em parceria com a ANPD, detenha alguns instrumentos para a obtenção dos dados e dos sistemas de mineração de dados, o core da informação obtida é o segredo do negócio da empresa e ela tem incentivos econômicos para não revelar a nenhum agente, sobretudo ao Estado.

Conforme expresso anteriormente, a LGPD garante ao usuário o acesso a todas as suas informações, bastando, apenas, que o usuário as solicite à empresa. No entanto, o dado é só o insumo e tem pouca serventia se não vier acompanhado das informações geradas por ele e, sobretudo, de como a empresa utilização essa informação no mercado de predição de comportamentos futuros, com altíssimo lucro.

Portanto, é exatamente o que e como as Big techs utilizam os dados dos usuários que é o “X” da questão da proteção de dados. Solicitar dados, algoritmos e outras coisas que o valham não soluciona o problema da privacidade dos usuários, pois o abuso do direito de privacidade por parte das empresas não está no dado, mas na informação gerada por este dado, e se essas empresas não estão dispostas a informá-las, a razão é que ela detém muito mais informações a respeito do seu negócio que o regulador.

O caminho para fazer com que as Big techs respeitem o direito de privacidade do usuário passa por fazer com que o retorno financeiro da empresa em respeitar o direito seja superior ao retorno financeiro de não respeitá-lo. Um caminho possível é gerar incentivos sobre o gerador do benefício para a empresa[7], que é o usuário.

A obrigação de apresentar dados não é suficiente para fazer com que a empresa pare de avançar sobre a privacidade dos usuários, pois repassar os dados para o usuário não altera o retorno esperado da empresa.

No entanto, é preciso que o usuário seja beneficiado pela agência reguladora (Estado) através de um mecanismo em que a big tech seja obrigada a revelar informações que não desejaria para o regulador. Esse é o árduo trabalho que deverá ser enfrentado pela regulação econômica envolvendo as agências reguladoras e a ANPD.


[1] ZUBOFF, Shoshana.  A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira de poder. Tradução George Schlesingerr. Rio de Janeiro: Intrínseca, p. 23.

[2] [2] ZUBOFF, Shoshana.  A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira de poder. Tradução George Schlesingerr. Rio de Janeiro: Intrínseca.

[3] HAN, Byung-Chul. Infocracia: digitalização e a crise da democracia. Tradução de Gabriel S. Philipson. Petrópolis: Editora Vozes. 2022, p.23.

[4] L13709 (planalto.gov.br)

[5] VARIAN, HALL. Intermediate Microeconomics: A Modern Approach. Fifth Edition. W. W. Norton. 1999.

[6] Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios:

VI – transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial;

[7] Um exemplo importante a se considerar diz respeito a nota legal. Neste caso, ao colocar o CPF nas suas compras o consumidor fica automaticamente habilitado a participar de sorteio realizado pela Secretaria de Estado de Fazenda, onde são oferecidos descontos no pagamento de impostos (ex. IPVA), entre outras coisas. Ao solicitar que o consumidor solicite a inserção do seu cpf na nota fiscal, o estabelecimento comercial fica automaticamente obrigado a emitir a nota fiscal e, com isso, fica obrigado a recolher os impostos devidos. A obrigação de emitir nota fiscal por si só não é suficiente para fazer com que o comerciante de fato a emita, mas a oferta de benefício para o consumidor obriga a emissão da nota fiscal por parte do comerciante.

Autorregulação regulada: o trade-off entre o custo regulatório e a liberdade econômica

Elvino de Carvalho Mendonça & Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça

A regulação econômica normativa desenvolvida pelas nações, inclusive o Brasil, se basearam na utilização, por parte das agências reguladoras, de métodos para fazer com que o setor que fosse caracterizado por falhas de mercado intransponíveis se comportasse em “concorrência perfeita”.

Em um mundo onde não houvesse assimetria de informação e a falha de mercado fosse o monopólio natural, a literatura aponta que o regulador deveria ou exigir preços iguais ao custo marginal ou exigir preços iguais ao custo médio. No primeiro modelo, o regulador subsidiaria o regulado, pois na condição de p=cmg em monopólio natural os lucros do monopolista seriam negativos, e, no segundo modelo, não haveria subsídio, mas os preços praticados não seriam os de concorrência perfeita.

Conquanto estes modelos sejam boas estruturas para demonstrar como a intervenção estatal via regulação tende a funcionar em mercados em monopólios naturais, a existência da falha de mercado denominada assimetria de informação na economia em geral impossibilita que o regulador não seja capaz de identificar a estrutura de custos dos regulados e decidir por fixar o preço igual ao custo marginal ou ao custo médio.

Este fato acontece porque o regulado conhece muito melhor o seu negócio detém informações estratégicas que o regulador não possui (estrutura de custos), o que impede que a política regulatória a ser alcançada seja a solução definida na teoria econômica como equilíbrio de primeiro melhor (first-best).

Portanto, imaginava-se que bastava ter poder de enforcement para que as empresas reguladas revelassem as informações necessárias para que o equilíbrio de primeiro melhor fosse obtido. No entanto, muito rapidamente os aplicadores da regulação econômica perceberam que a exigência de informações dos regulados não seria uma estratégia possível para se obter os melhores resultados regulatórios, vez que os regulados não revelariam as suas informações privadas se não houvesse incentivos para isso.

Foi através desta percepção que a regulação econômica desenvolveu outros modelos de regulação, dentre os quais pode-se citar o modelo de regulação por incentivos. A ideia básica era fazer com que o regulado revelasse as suas informações sem que estas necessitassem ser exigidas pela autoridade, assim como faz o empregador quando remunera o seu empregado em duas partes, uma fixa e outra variável. A remuneração variável possibilita que o empregador identifique o esforço do empregado, não necessitando exigir esforço de antemão.

No mundo da regulação econômica normativa, o exemplo de mecanismo de incentivos mais utilizado é o do preço teto (price-cap), instrumento muito utilizado na regulação do setor elétrico, por exemplo. Com esse método, o regulador contrata com os regulados tarifas de serviços públicos cada vez mais baixas à medida que o contrato avança no tempo. Neste caso, mesmo que o regulador não saiba a estrutura de custos, a redução paulatina da tarifa ao longo do tempo vai exigir aumentos de produtividade por parte do regulado, além de gerar tarifas cada vez menores para os usuários.

Em que pese não sejam perfeitos os regimes regulatórios por incentivos e outros que surgiram ao longo do tempo, o que ficou claro da experiência com a regulação econômica normativa é que nenhum regulado revelará as suas informações privadas se não for estimulado a fazer isso e este estímulo está diretamente ligado com as condições mercadológicas com as quais estes se defrontam.

Na esteira das inovações regulatórias e com o intuito de minimizar a intervenção estatal é que surgiram os modelos de co-regulação e de autorregulação regulada. Em ambos os casos, as empresas privadas elaboram regras regulatórias e as controlam privadamente, sendo que na autorregulação regulada as regras, embora feitas pelo mercado, mas têm que ser chanceladas pelo Estado.

Na prática, estas duas formas de regulação trabalham com a cooperação das empresas privadas para informarem todas as características dos seus mercados, a fim de que o Estado tenha condições de apresentar os melhores resultados para a sociedade (ex. preço igual a custo marginal).

O fundamento básico destas novas teorias de regulação é a de que o Estado deve se limitar a fazer cumprir a legislação existente, de maneira a punir as empresas que avançarem sobre todas as infrações que já estão amplamente tipificadas nas leis administrativas e penais, e não dizer como as empresas devem se comportar nos mercados. O Estado não deve guiar o mercado, mas sim garantir o equilíbrio desse mercado por meio dos instrumentos legais existentes.

Esta reflexão faz lembrar a forma como a defesa da concorrência é aplicada no Brasil. Atualmente, na égide da Lei nº 12.529/2011, o mandato da autoridade brasileira de defesa da concorrência (CADE) cobre uma função preventiva (controle de estruturas) e uma função coercitiva (análise de condutas). A função preventiva permite o controle do aumento da concentração de mercado a fim de evitar condutas anticompetitivas e a função coercitiva permite a ação coibidora das infrações à ordem econômica já “praticadas”.

Obviamente que a existência do controle de estruturas não é um consenso entre todas as linhas teóricas jurídicas e econômicas dedicadas a defesa da concorrência. Em apertada síntese, os teóricos do paradigma estrutura conduta desempenho (ECD) entendem que o controle de estruturas evita condutas de forma eficiente, ao passo que a escola de Chicago entende que a concentração de mercado gera eficiências e, em grande parte dos casos, não deve ser desestimulada.

Assim também parece ser a discussão entre os adeptos da regulação econômica normativa e os adeptos da corregulação e da autorregulação regulada. De um lado, acredita-se na intervenção estatal para evitar efeitos indesejáveis do ponto de vista regulatório e concorrencial, de outro acredita-se que estes efeitos indesejáveis, se existirem, devem ser combatidos pelo Estado fora da natureza empresarial.

Na verdade, a escolha entre a regulação econômica normativa e a autorregulação envolve um trade off nada trivial para o Estado e a ausência de trivialidade está associada com a falha de mercado exposta no início deste artigo, qual seja: a assimetria de informações.

Por um lado, o Estado abre mão do custo regulatório e dá a liberdade desejada para o setor privado, mas por outro abre mão dos mecanismos de incentivos para obter informações a respeito do mercado. É importante repisar que as empresas privadas não revelam as suas informações estratégicas, a menos que vejam oportunidades de negócios ou que sejam induzidas as revelar.

Neste sentido, ao abrir mão da utilização de mecanismos regulatórios para obter informações relevantes das empresas, atuando de forma preventiva, o Estado abre mão de instrumentos para o combate coercitivo, sobretudo em caso de existência de práticas anticompetitivas.

O Constitucionalismo Digital e as Constituições Analógicas: afinal, qual é o tamanho do Estado para a proteção dos direitos e garantias fundamentais na era da Revolução Digital 4.0?

Rachel Pinheiro de Andrade MendonçaA era digital inaugura uma nova ordem das coisas, uma verdadeira...

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A robotização do Poder Judiciário brasileiro (Justiça 4.0) e o par eficiência e celeridade: o Juiz de Lata e os perigos da algoritmização da função de julgar

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça

O Poder Judiciário brasileiro contava em 31.07.2022 com 75.855.539 milhões de processos em tramitação[1], segundo números do Relatório Justiça em Números de 2022 (Ano-Base 2021).[2] A busca por uma solução que contemple o par “eficiência” e “celeridade” no julgamento das lides urge e, nessa angústia, muitos apostam todas as suas fichas na algoritmização do Poder Judiciário.

Não parece haver dúvidas de que essa algoritmização faz parte da inclusão do Poder Judiciário na (nova) Sociedade da Informação e é fato que já vem auxiliando para a “celeridade” da prestação jurisdicional, na medida em que os algoritmos, treinados para determinados fins, fazem o trabalho de modo mais ágil que o ser humano.

No entanto, algoritmização do Poder Judiciário entregará a eficiência e a verdadeira prestação jurisdicional? Esse é o questionamento que esse artigo chama à atenção, além do perigo da algoritmização de toda e qualquer atividade desenvolvida pelo Poder Judiciário.

Para responder a esse questionamento, dividimos o artigo em três partes: (i) O estado atual da algoritmização do Poder Judiciário; (ii) Os algoritmos; (iii) O Juiz de Lata e o perigo da robotização do Poder Judiciário.

(i) O estado atual da algoritmização do Poder Judiciário

A algoritmização do Poder Judiciário caminha a passos largos. Programa criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – Justiça 4.0 – anuncia que “[o] Programa Justiça 4.0 torna sistema judiciário brasileiro da sociedade ao disponibilizar novas tecnologias de inteligência artificial”, “impulsiona a transformação digital do Judiciário para garantir serviços mais rápidos, eficazes e acessíveis”, além de “promover soluções digitais colaborativas que automatizam as atividades dos tribunais, otimizam o trabalho dos magistrados, servidores e advogados e garantem, assim, mais produtividade, celeridade, governança e transparência dos processos”, atuando em 4 eixos:

  • Inovação e Tecnologia;
  • Prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro e recuperação de ativos;
  • Gestão de informação e políticas judiciárias; e
  • Fortalecimento de capacidades institucionais do CNJ.[3]

O sítio eletrônico do CNJ também informa que há outras ações em andamento como: (i) Plataforma Digital do Poder Judiciário; (ii) Plataforma Sinapses/Inteligência Artificial; (iii) Plataforma Codex; (iv) Balcão Virtual; (v) Núcleos de Justiça 4.0; (vi) Juízo 100% Digital; (vii) Painel das Resoluções; e (viii) Domicílio Judicial Eletrônico.

O Segundo Relatório do CNJ elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) tratou sobre as “Tecnologias Aplicadas à Gestão de Conflitos no Poder Judiciário com ênfase no uso da inteligência artificial”[4] quando em 2020, já contava com 64 projetos de Inteligência Artificial em funcionamento ou em processo de implantação em 47 tribunais do país, além da Plataforma Sinapses do CNJ, sendo entendidas, pelo próprio CNJ, como um dos instrumentos mais importantes de gestão do Poder Judiciário, uma vez que implica em racionalizar recursos, mão de obra e atividades, diante de uma demanda cada vez mais crescente.[5]

Artigo escrito pelo Ministro Luis Felipe Salomão[6], Coordenador do Projeto, classifica os programas de Inteligência Artificial aplicados no Poder Judiciário em quatro grupos:

  • Primeiro grupo: Auxílio nas atividades-meio, relacionadas à administração da Justiça e melhor gestão de recursos financeiros e de pessoal. Exemplos: Chatbot Digep (TJRS), Judi Chatbot (TJSP) e Amon (TJDFT);
  • Segundo Grupo: Auxílio nas atividades-fim, sobretudo, relacionados aos fluxos de movimentação de processo e das atividades executivas e pré-determinadas em auxílio aos juízes, como apoio à gestão de secretarias e gabinetes, fazendo triagem e agrupamento de processos similares, classificação de petição inicial, transcrição de audiências etc. Exemplos: Athos (STJ), Júlia (TRF3ª Região), Tia (TJAP), Hércules (TJAL), Toth (TJDFT), Berna (TJGO), Larry (TJPR) etc.
  • Terceiro Grupo: em menor quantidade, possui modelos computacionais que dão suporte a elaboração de minutas de sentença, votos ou decisões interlocutórias. Exemplos: Victor no STF, Alei (TRF 1ª Região), Argos (TJES), Midas (TJPB), Jurimetria com Inteligência Artificial (apontam tendências de julgamentos);
  • Quarto Grupo: Programas que auxiliam na resolução de conflitos judiciais. Exemplo: Icia (TRF 4ª Região) e o Concilia (TRT 12ª Região). 

Recentemente, também foi noticiada a ocorrência da primeira audiência via metaverso na Justiça Federal na Paraíba,[7] o que confirma que o caminho em direção a algoritmização do Poder Judiciário brasileiro anda de vento em popa.  

 Essa é a fotografia atual da algoritmização do Poder Judiciário.

(ii) Os algoritmos

Os algoritmos estão por toda parte e podem ser usados com boas ou más intenções. Para se permitir indiscriminadamente a utilização de algoritmos no Poder Judiciário é fundamental entender como são construídos, por quem são construídos e quais os interesses, ideias e ideais das empresas que os constroem.

A origem da palavra algoritmo remete a Al Khowarizmi, famoso matemático árabe do século IX.[8]  Mas, o que são os algoritmos? Como são desenvolvidos? São opacos? Como são formadas as bases de informações no input para produzirem o resultado output?

Um algoritmo é, pois, uma sequência de raciocínios, instruções ou operações para alcançar um objetivo, sendo necessários que os passos sejam finitos e operados sistematicamente. Um algoritmo, portanto, conta com a entrada (input) e a saída (output) de informações mediadas pelas instruções. Na prática, “são apresentados, corriqueiramente, como fornecedores de insights de como somos como pessoas e são capazes de prever como nos comportaremos no futuro.”[9]

Segundo Leonardo Marques Vieira, “[o]s algoritmos são modelos matemáticos (softwares) ordenados por uma determinada finalidade, buscando padrões de números.”[10] Registre-se, pois, que os “algoritmos são falíveis e limitados”[11] e “as conclusões que tiram a nosso respeito podem ser discriminatórias”[12] mas, não obstante isso, já dominam todas as formas do comportamento humano na sociedade do controle.

David Sumpter parafraseando Cathy O’Neil diz que “os usos indevidos de algoritmos em tudo, desde a avaliação de professores e propagandas on-line de cursos universitários a fornecimento de crédito privado e previsões de reincidências criminais” e que “[s]uas conclusões eram assustadoras, eis que os algoritmos estavam nos julgando de maneira arbitrária, frequentemente baseados em pressuposições dúbias e dados imprecisos”.

            No estágio atual da transição paradigmática para a sociedade do controle, das redes, da tecnologia da informação, os algoritmos provocam ao menos dois grandes sentimentos:

  • o primeiro, o de que há uma dominação, uma submissão dos resultados que produzem condicionando as ações humanas, confundindo o fato de terem em seu core a matemática como ciência exata, eis que buscam transferir para os resultados que produzem a mesma exatidão da ciência matemática, o que não é fato;
  • o segundo, a de uma grande insegurança dos resultados “reais” com a má utilização dos algoritmos para o alcance desses resultados, como o que ficou amplamente verificado com a utilização da Cambridge Analytica por Donald Trump para ganhar as eleições norte-americanas em 2017.

            No que concerne as suas características, ao menos duas já foram identificadas:

(i) a primeira, a de que são opacos, verdadeiras “caixas pretas”, onde não há possibilidade dos juízes ou qualquer um dos jurisdicionados entender quais informações foram introduzidas no (Input) e nem como o algoritmo chegou a determinado resultado (Output), o que impede o conhecimento do funcionamento interno dos algoritmos, daí “[a]s pessoas quererem saber o que está acontecendo dentro das caixas-pretas que são usadas para nos avaliar e influenciar.”[13]

(ii) o segundo, o de que o modo como os algoritmos são “ensinados” partem de duas perspectivas bastante preocupantes do ponto de vista da retratação da “realidade fática”, ou seja, não só são projetados por meio das informações que o próprio homem ensina à máquina, como captam informações e vieses de outros algoritmos semelhantes por meio de machine learnings ou deep learnings.

Sobre a opacidade dos algoritmos, Sumpter aduz que o termo “caixa-preta” foi utilizado em duas oportunidades, tanto por Frank Pasquale, no título do seu livro “The Black Box Society”, quanto pela ProPublica, em sua série de matérias e vídeos curtos sobre algoritmos chamada “Breaking the Black Box”.” [14]

É fato que na sociedade da informação, “[k]nowledge is power.”[15] Frank Pasquale anuncia que “Deconstructing the black boxes of Big Data isn’t easy”[16] e que há três motivos, ao menos, para se manter as caixas pretas fechadas: sigilo real, sigilo legal e ofuscação, ex vi:

O verdadeiro sigilo estabelece uma barreira entre o conteúdo oculto e o acesso não autorizado a ele. Usamos sigilo real diariamente quando trancamos nossas portas ou protegemos nosso e-mail com senhas. O sigilo legal obriga aqueles que têm acesso a certas informações a mantê-las em segredo; um funcionário do banco é obrigado tanto por autoridade estatutária quanto por termos de contrato a não revelar saldos de clientes a seus amigos. A ofuscação envolve tentativas deliberadas de ocultação quando o sigilo foi comprometido. [17]

Posto isso, considerando que “[n]enhum modelo consegue incluir toda e qualquer complexidade do mundo real ou as nuances da comunicação humana e que “inevitavelmente alguma informação importante fica de fora”[18], acende-se um gravíssimo alerta para a algoritmização de toda e qualquer função no Poder Judiciário.

(iii) O Juiz de Lata e o perigo da robotização do Poder Judiciário

A partir de todas essas considerações, surgem alguns questionamentos importantes:

  • o resultado produzido pelo algoritmo é verdadeiro (corresponde a toda a realidade compreendida de modo holístico ou pode ser discriminatório?
  • a sentença feita por um juiz humano teria o mesmo resultado da que for feita por um juiz robô ou se se pode confiar no resultado dos algoritmos sem conhecer o processo de formação de sua base de dados, sem conhecer o processo inovativo que o conduz?
  • o modelo de personalidade Big Five utilizado pelas Big Techs permite a “[u]m computador nos entender melhor que um humano?[19]

Surge, então, uma reflexão, um balanceamento dos interesses em conflito, entre a “celeridade” que os programas tecnológicos constituídos por algoritmos podem proporcionar ao Poder Judiciário em termos de rapidez, organização de dados, diminuição da mão-de-obra humana, barateamento de recursos, dentre inúmeros outros e, de outro lado, o perigo para a robotização de todas as funções do Poder Judiciário e, sobretudo, a função de julgar (Terceiro Grupo de programas) que já estão sendo usados no Brasil.

Desse modo, por mais que se diga que a decisão elaborada por um “algoritmo, programa ou robô” ainda prescinda da intervenção humana, dada a quantidade de processos que assolam o Poder Judiciário, a pequena quantidade de servidores para dar conta de tão grande demanda, a pressão pelo atingimento das metas de julgamento, dentre inúmeros outros fatores, chegamos a duas importantes conclusões:

  • a primeira, a de que as atividades-fim de elaboração de sentenças, acórdãos e decisões interlocutórias jamais deveriam ter o suporte de um robô para a sua elaboração;
  • a segunda, a de o core da função do Poder Judiciário estar sendo, paulatinamente, transferida para programas algorítmicos formulados por empresas de tecnologia com base em suas crenças, ideais e interesses e tendem a não produzir a eficiência tão almejada para a verdadeira prestação jurisdicional, afinal, o algoritmo não está no mundo, não pode ser-em-si e nem ser-para-si e só a espécie humana é Dasein;
  • a terceira, a de que o Juiz de Lata não tem condições de analisar as peculiaridades de cada caso concreto e, por trás dos processos judiciais (físicos ou digitais, feitos de átomos ou de bits), existem vidas, existem problemas reais que estão no mundo, existe a ânsia para que o Poder Judiciário cumpra o seu verdadeiro papel que é a função de julgar.

 Posto isso, estejamos ainda mais atentos para que a humanidade e o Poder Judiciário não percam o que tanto o homem de lata buscou – um coração que possa compreender de modo holístico o que por trás dos processos judiciais (físicos ou digitais, átomos ou bits) porque atrás desses existem vidas e o sentimento de Justiça que não pode ser alcançado por um juiz de lata, sem coração.


[1] Disponível em Estatísticas do Poder Judiciário (cnj.jus.br) em 07/10/2022.

[2] Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf em 05/10/2022. (p. 30)

[3] Disponível em https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/

[4] Disponível em https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_ia_2fase.pdf em 05/10/2022.

[5] Disponível em  https://www.cnj.jus.br/pesquisa-revela-que-47-tribunais-ja-investem-em-inteligencia-artificial/  em 05/10/2022.

[6] Disponívsel em https://www.conjur.com.br/2022-mai-11/salomao-tauk-estamos-perto-juiz-robo em 05/10/2022.

[7] Disponível em Justiça Federal na Paraíba realiza primeira audiência real do Brasil no metaverso – Portal CNJ em 05/10/2022.

[8] Disponível em https://rockcontent.com/br/blog/algoritmo/#:~:text=Um%20algoritmo%20%C3%A9%20uma%20sequ%C3%AAncia,matem%C3%A1tico%20%C3%A1rabe%20do%20s%C3%A9culo%20IX disponível em 28/07/2022.

[9] SUMPTER, David. Dominados pelos números do Facebook e Google às Fake News – os algoritmos que controlam nossa vida. Op. Cit., p. 63.

[10] VIEIRA, Leonardo Marques. A problemática da Inteligência Artificial e dos vieses algorítmicos: caso Compas. Op. Cit.

[11] VIEIRA, Leonardo Marques. A problemática da Inteligência Artificial e dos vieses algorítmicos: caso Compas. Brasilian Technology Symposium, 2019. Disponível em https://www.lcv.fee.unicamp.br/images/BTSym-19/Papers/090.pdf  em 11/08/2022.

[12] SUMPTER, David. Dominados pelos números do Facebook e Google às Fake News – os algoritmos que controlam nossa vida. Tradução: Anna Maria Sotero e Marcello Neto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2019, p. 23.

[13] SUMPTER, David. Dominados pelos números do Facebook e Google às Fake News – os algoritmos que controlam nossa vida. Op. Cit., p. 27.

[14] Idem.

[15] PASQUALE, Frank. The black box Society: the Secret Algorithms That Control Money and Information. First Harvard University Press paperback edition, 2016, Sixth Printing, p.3.

[16] PASQUALE, Frank. The black box Society: the Secret Algorithms That Control Money and Information. Idem, p. 6.

[17] Tradução livre: Real secrecy establishes a barrier between hidden contente and unauthorized access to it. We use real secrecy daily when we lock our doors or protect our e-mail with passwords. Legal secrecy obliges those privy to certain information to keep it secret; a bank Employee is obliged both by staturory authority and by terms of employment not to reveal costumers’ balances to his buddies. Obfuscation involves deliberate attempts at concelament when secrecy has been comprommised.[17]

[18] O’NEIL, Cathy. Algoritmos de destruição em massa: como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia. Tradução: Rafael Abraham. Santo André, SP: Editora Rua do Sabão, 2020, p. 33.

[19] SUMPTER, David. Dominados pelos números do Facebook e Google às Fake News – os algoritmos que controlam nossa vida. Op. Cit., p. 59.