Fernando de Magalhães Furlan

A pirataria na indústria da moda e o Fashion Law

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

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Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

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Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

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Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

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A pirataria na indústria da moda e o Fashion Law

Israel Doudement de Albuquerque Cunha & Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

Este artigo tem como objetivo estudar a pirataria na indústria da moda, explorando suas causas e impactos no mercado e na sociedade. A indústria da moda é um mercado amplo que movimenta grande parte da economia, desde grandes marcas internacionais até marcas nacionais e locais. Por meio da análise da linha do tempo da moda até os dias atuais, será possível entender a importância dessa indústria e a necessidade de protegê-la legalmente. A falsificação de produtos na moda é uma violação sancionada pelo ordenamento jurídico, pois é lesiva para os consumidores e também para as marcas do segmento da moda. O tema suscita diversos impactos na sociedade, tais como os efeitos dos produtos falsificados na saúde dos consumidores, as razões pelas quais as pessoas adquirem itens falsificados, entre outros. O artigo utiliza o método dedutivo, onde a partir de um conjunto de premissas gerais sobre a pirataria na indústria da moda, será feita uma análise detalhada das suas consequências. A pesquisa se baseou em fontes bibliográficas e documentos legais, que serão utilizados para a construção de argumentos e reflexões sobre o tema proposto, com o objetivo de contribuir para a ampliação dos debates em busca de soluções aplicáveis para um conflito cada vez mais frequente.

Palavras-chave: pirataria; moda; propriedade intelectual; direito autoral.

Abstract

This article aims to study piracy in the fashion industry, exploring its causes and impacts on the market and society. The fashion industry is a vast market that moves a large part of the economy, from international brands to national and local brands. Through the analysis of the fashion timeline up to the present day, it will be possible to understand the importance of this industry and the need to protect it legally. Counterfeiting fashion products are a violation sanctioned by the legal system and the consumption of piracy is harmful to people and detrimental to fashion brands. The subject-matter of the article raises various questions, such as the effects of counterfeit products on consumer health, the reasons why people buy counterfeit items, among others. The present article uses the deductive method, where from a set of general premises about piracy in the fashion industry, a detailed analysis of the consequences of piracy in the fashion industry will be made. The article is based on bibliographic sources and legal documents, which will be used to construct arguments and reflections on the proposed topic, with the aim of contributing to the expansion of debates in search of applicable solutions for an increasingly frequent conflict.

Keywords: Piracy; Fashion; Intellectual property; Copyright

1. Introdução

A indústria da moda é uma das mais influentes e poderosas do mundo, movimentando uma grande receita anualmente e impactando a vida de milhões de pessoas. Desde a antiguidade, a moda tem sido utilizada como forma de expressão e identificação social, sendo um reflexo das culturas e dos valores de cada época. Atualmente, a moda continua sendo uma importante ferramenta de comunicação, sendo capaz de transmitir mensagens, ideias e estilos de vida.

No entanto, a indústria da moda também enfrenta grandes desafios, especialmente quando se trata de proteção de direitos autorais. A pirataria na moda é um problema grave e crescente, que afeta tanto os consumidores como os produtores. A pirataria é a reprodução não autorizada de produtos, geralmente com a intenção de imitar marcas e designs populares, sem o devido pagamento pelos direitos autorais. Na indústria da moda, a pirataria é particularmente problemática já que as marcas são, muitas vezes, a principal fonte de valor e diferenciação no mercado.

Os efeitos da pirataria na indústria da moda são amplos e podem ser devastadores. Para o consumidor, a pirataria pode levar a produtos de baixa qualidade, que não atendem aos padrões de segurança e saúde, além de serem vendidos a preços mais baixos, mas ainda assim, mais caros do que o custo real de produção. Para o produtor, a pirataria pode levar à perda de vendas, lucros e prestígio, além de ameaçar a integridade de sua marca e design. Para o mercado em geral, a pirataria pode levar a uma perda de confiança dos consumidores, desestimular a inovação e prejudicar a economia.

Neste artigo, será analisado o impacto da pirataria na indústria da moda, levando em conta o direito autoral, os efeitos para o consumidor, para o produtor e para o mercado. Será realizada uma revisão da literatura sobre o assunto, bem como uma análise de casos reais de pirataria na moda. Além disso, serão discutidos os efeitos jurídicos da pirataria no mundo da moda, com destaque para as principais leis e regulamentações definitivas.

Esperamos contribuir para a conscientização sobre a importância da proteção dos direitos autorais na indústria da moda e sobre os impactos da pirataria para todos os envolvidos. Além disso, esperamos ajudar na elaboração de políticas públicas e estratégias empresariais para combater a pirataria na moda e promover uma indústria ética, confiável e sustentável.

2. A economia da moda

É imprescindível destacarmos a relevância econômica que a indústria da moda tem no mundo atual. Segundo Minsky (1982), “A economia se transforma a cada ciclo e a instabilidade financeira, presente no âmbito do capitalismo global, é a principal responsável pela existência dos ciclos econômicos e é resultante de forma endógena à conduta dos agentes econômicos”.

De acordo com um relatório da McKinsey & Company, intitulado The State of Fashion (2021), a indústria da moda movimenta cerca de US$ 2,5 trilhões (R$ 12,5 trilhões, aproximadamente) por ano, abrangendo desde a produção de matérias-primas, até a venda de produtos acabados. O valor corresponde a cerca de 2% (dois por cento) do PIB global, o que evidencia a sua grande relevância econômica. Esse valor inclui não apenas a produção de vestuário e acessórios, mas, também, serviços relacionados à moda, como marketing, merchandising e publicidade.

Segundo dados da Business of Fashion (2021), essa indústria é responsável por empregar cerca de 60 milhões de pessoas ao redor do mundo. Esse número engloba, desde pequenas empresas de moda, até gigantes do setor, como a Nike, a Adidas e a Inditex, proprietária da marca Zara.  No Brasil, conforme demonstra a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT)[1], em agosto de 2021 o setor gerou 102.658 (cento e dois mil, seiscentos e cinquenta e oito) empregos formais, o que demonstra a relevância da categoria, tanto economicamente, quanto na esfera social.

A indústria da moda é responsável por empregar pessoas de diversas profissões, incluindo designers de moda, costureiros, modelos/manequins, vendedores, programadores de sistemas, advogados, contadores, redatores, economistas, jornalistas, entre outros. Para Mackenzie (2010), a moda atual é global e abrangente, não sendo definida apenas pela alta costura, tendo a capacidade de atingir todos os setores da sociedade.

Em parte, pode-se afirmar que a moda evoluiu de um modelo que atendia às preferências individuais de cada consumidor (haute couture), com produtos únicos, para um modelo mais massificado, com produtos vendidos em grandes quantidades (prêt-à-porter). A indústria da moda atualmente apresenta dois elementos distintos: enquanto a alta-costura dos estilistas continua a atender a demanda por peças únicas e exclusivas, a indústria fast fashion tem evoluído para a produção em massa, com as indústrias de confecção fabricando produtos de moda em grande escala para o consumo final e distribuindo-os em todo o país e, por vezes, até mesmo no mundo todo.

O ato de consumir é parte intrínseca da vida humana. Desde elementos básicos para a sobrevivência, como os alimentos, até produtos considerados supérfluos, a sociedade moderna é preparada para desempenhar o papel de consumidora, de forma cada vez mais sofisticada e desenvolvida.

[…] a sociedade do consumo é aquela que pode ser definida por um tipo específico de consumo, o consumo de signo ou commodity sign, como é o caso de Jean Baudrillard em seu livro A sociedade de consumo. Para outros a sociedade de consumo englobaria características sociológicas para além do commodity sign, como consumo de massas e para as massas, alta taxa de consumo e descarte de mercadorias per capita, presença da moda, sociedade de mercado, sentimento permanente de insaciabilidade e o consumidor como um de seus principais personagens sociais (BARBOSA, 2004, p. 8).

A moda também é um importante gerador de riqueza em nível local. Em muitas cidades, os distritos de moda são vitais para a economia local, proporcionando empregos, atraindo turistas e estimulando o crescimento econômico. Além disso, essa indústria tem sido uma das principais forças por trás da revitalização urbana em muitas áreas degradadas ao redor do mundo.

Portanto, a moda é uma indústria global altamente rentável e vital para a economia mundial, proporcionando empregos, impulsionando a inovação e gerando riqueza. No entanto, a indústria também enfrenta desafios significativos que precisam ser abordados, incluindo a necessidade de adotar práticas mais sustentáveis e responsáveis em toda a cadeia de fornecimento. Com a colaboração de todas as partes interessadas, a moda pode continuar a desempenhar um papel fundamental na economia global, enquanto se torna mais sustentável e justa para todos os envolvidos. Outro desafio, a seguir abordado, é a pirataria, que prejudica boa parte da economia da moda, afetando os produtores e lesando os consumidores.

3. Direito e moda

             O objetivo aqui é explorar a relação entre direito e moda, abordando, especificamente, o papel do direito autoral e da propriedade intelectual na indústria da moda, bem como a importância do Fashion Law como uma área do conhecimento jurídico em ascensão.

3.1. Direito autoral e propriedade intelectual

O Direito autoral e a propriedade intelectual são conceitos fundamentais na proteção da criatividade e da inovação na indústria da moda. O direito autoral protege a obra criativa de um autor, enquanto a propriedade intelectual abrange uma variedade de proteções da propriedade, incluindo patentes, marcas registradas e segredos comerciais. Ambos são importantes no âmbito da pirataria na indústria da moda.

O direito autoral é regulamentado pela Lei nº 9.610/98, que estabelece os direitos autorais de uma obra. Ele protege a obra como um todo, incluindo a forma em que ela é expressa e a maneira como é apresentada. O direito autoral é concedido, automaticamente, a um autor, assim que a obra é criada, sem a necessidade de registro. Além disso, o autor tem o direito exclusivo de reproduzir, distribuir, exibir e criar trabalhos derivados da obra. Para Bittar (2013, p. 27), direito autoral ou direito de autor “é o ramo do direito privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências”.

A própria Lei de Direitos Autorais (LDA), trata da definição dos direitos autorais em seu artigo 3º, que os trata como “bens móveis”, para os efeitos legais. Uma ficção jurídica, criada com a intenção de garantir ao titular de tal direito o aproveitamento simultâneo de direitos de propriedade e os pessoais (FONSECA, 2012). Como visto, o Direito Autoral surge no momento da criação da obra, independentemente de haver ou não o registro. Assim, Fábio Ulhôa (2013) ensina:

O direito de exclusividade do criador de obra científica, artística, literária ou de programa de computador não decorre de algum ato administrativo, mas da criação mesma. Se alguém compõe uma música, surge do próprio ato de composição o direito de exclusividade de sua exploração econômica. É certo que a legislação de direito autoral prevê o registro dessas obras: o escritor deve levar seu livro à Biblioteca Nacional, o escultor sua peça à Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o arquiteto seu projeto ao CREA e assim por diante. Estes registros, contudo, não têm natureza constitutiva, mas apenas servem à prova de anterioridade da criação, se e quando necessária ao exercício do direito autoral.

Na indústria da moda, o direito autoral é crucial na proteção das criações de design, que incluem estampas, padrões, desenhos de roupas e, até mesmo, a aparência geral de uma peça de vestuário. A Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610, de 1998), já mencionada, regulamenta a prática da permissão do direito do criador no uso de sua obra (artigo 28 da LDA), dentro dos limites legais, além de proteger o vínculo entre o autor e os exploradores de suas criações, que podem ser de natureza literária, artística ou científica, como, por exemplo, livros, esculturas, pinturas, projetos e pesquisas científicas, dentre outras. A lei também inclui proteção para os direitos conexos[2], conforme mencionado em seu artigo 1º.

Para fins legais, o direito autoral é dividido em (i) direitos patrimoniais (direito real) e (ii) direitos morais (direito pessoal). Os direitos morais são inerentes à personalidade do criador e, portanto, de natureza pessoal, decorrente do próprio processo criativo, peculiar de cada autor, visando protegê-lo. Esses direitos mantêm a ligação íntima entre o criador e sua produção. Em resumo, o direito autoral tem como objetivo proteger a materialização, o bem corpóreo que decorre da expressão do espírito humano em diversas áreas de manifestação da vocação humana. Diz Menezes (2007, p. 39) que, “com efeito, pode-se concluir que o direito de autor possui, como principal objeto, a proteção à obra pessoal, criativa, exteriorizada e de natureza imaterial, cuja essência é de caráter artístico e/ou literário”.

Diante disso, é possível concluir que as criações de moda também deveriam ser protegidas pelos direitos autorais, uma vez que essas peças derivam da produção do “espírito humano” e, portanto, não deveriam necessitar de registro. A assinatura do estilista, ou seja, seu desenho, estilo, estudo e influências sobre cada peça, é prova inequívoca de sua autoria. No entanto, há limitações à proteção do direito autoral na indústria da moda. Por exemplo, o design de uma roupa simples, como uma camiseta básica, pode não ser protegido pelo direito autoral, vez que é considerado uma algo demasiado simples e desprovido de criatividade.

Por outro lado, a propriedade intelectual é regulamentada por uma variedade de leis e outros textos jurídicos, inclusive pela própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXIX:

 A lei assegurará aos autores dos inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Dessa forma, a Lei nº 9.279/96, que trata de marcas e patentes, foi sancionada com o objetivo de regulamentar os direitos e deveres relativos à propriedade industrial. A propriedade intelectual abrange uma variedade de proteções de propriedade, incluindo patentes, marcas registradas e segredos comerciais. Sobre patente, um dos principais elementos da propriedade intelectual, afirma Bastos (1997, p. 209):

É um direito exclusivo concedido a uma invenção, que consista em um produto ou um processo que prevê, em geral, uma nova maneira de fazer algo, ou oferece uma nova solução técnica para um problema. Título de exploração temporal, concedido pela Administração ao inventor, em contrapartida à divulgação, bem como da exploração fidedigna do seu invento. O inventor precisa atender aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Pode-se afirmar que a Patente é um documento expedido pelo órgão competente do Estado que reconhece o direito de propriedade industrial reivindicado pelo titular.

Então uma patente protege invenções, enquanto as marcas registradas protegem a identidade de uma empresa ou produto. Já o segredo comercial protege informações efetivas que não são de conhecimento público. A Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) observa que:

A propriedade intelectual se relaciona com as criações da mente: invenções, obras literárias e artísticas, tais como símbolos, nomes e imagens utilizadas no comércio. A propriedade intelectual se divide em duas categorias: a propriedade industrial, que abarca as patentes de invenção, as marcas, os desenhos industriais e as indicações geográficas; e o direito de autor, que abarca as obras literárias, os filmes, a música, as obras artísticas e os desenhos arquitetônicos.

Na indústria da moda, a propriedade intelectual é imprescindível na proteção de marcas, nomes, símbolos e outros elementos de identidade da empresa. Por exemplo, uma marca registrada de uma empresa fabricante de roupas pode ser protegida pelo direito de propriedade intelectual, impedindo que outras empresas usem a mesma marca ou similares.

Embora exista diferença entre direito autoral e propriedade intelectual, eles, não raro, se sobrepõem. Por exemplo, o design de peça de roupa pode estar protegido por direitos autorais e, ao mesmo tempo, uma marca da empresa fabricante pode estar protegida por propriedade intelectual. Além disso, as empresas da moda, muitas vezes, aplicam ambas as proteções para garantir o resguardo de sua propriedade intelectual. É inafastável que profissionais do direito, atuantes na indústria da moda, dominem as diferenças entre direito autoral e de propriedade intelectual, bem como as suas aplicações.

A pirataria na indústria da moda é um problema crescente, traduzido na demanda por peças de vestuário e acessórios a preços mais baixos, muitas vezes de origem duvidosa. Isso pode incluir a cópia de designs de moda protegidos por direitos autorais ou a venda desautorizada de produtos com marcas registradas.

A pirataria pode causar danos prolongados para empresas de moda, incluindo a perda de receita e danos graves à reputação da marca. Assim, torna-se imperativo que as empresas do setor busquem proteger a sua propriedade intelectual, incluindo o registro de marcas e o monitoramento de cópias não autorizadas de seus designs. Uma das formas de proteção da propriedade intelectual na indústria da moda é por meio do Fashion Law.

O Fashion Law é uma área do direito que se concentra na proteção da propriedade intelectual na indústria da moda, bem como em outras questões legais, como direitos trabalhistas e consumeristas. Porém, o Fashion Law, ou Direito da Moda, não é uma disciplina ou ramo do Direito, como o Direito Civil, o Direito Penal ou o Direito Empresarial, por exemplo, Mas uma mera área de aplicação de institutos jurídicos desses ramos do direito, conforme será abordado no próximo tópico.

Em resumo, o direito autoral e a propriedade intelectual são fundamentais na proteção da criatividade e da inovação na indústria da moda. Ambos são importantes na proteção dos direitos do produtor e do consumidor quando se trata da pirataria. O Fashion Law pode ser uma ferramenta útil para ajudar a proteger a propriedade intelectual na indústria da moda e garantir que as empresas estejam em compliance com as leis e regulamentos aplicáveis.

3.2. Fashion Law

O Fashion Law é uma área de aplicação do direito que vem ganhando destaque nos últimos anos, especialmente no contexto da indústria da moda. Fashion Law, ou Direito da Moda, consiste na aplicação de institutos jurídicos a relações que envolvam a indústria da moda. O conceito foi criado, em 2006, pela professora e advogada estadunidense Susan Scafidi, fundadora do The Fashion Law Institute[3], um centro pioneiro de estudos sobre o assunto.

Esta área de aplicação do direito se concentra em questões legais relacionadas à criação, produção, distribuição e venda de produtos de moda. Embora não exista uma legislação específica, o Fashion Law abrange diversas áreas do direito, incluindo o civil, o tributário, o trabalhista, o empresarial, e, até mesmo, o penal, como já visto. No entanto, a sua principal área de atuação, como já citado, é a proteção da propriedade intelectual e do direito autoral, garantindo segurança jurídica às criações de moda e marcas do setor.

O direito da moda, segundo Kane (2014), é uma especialidade legal emergente que engloba as questões legais que cercam a vida de uma peça de vestuário, desde a sua concepção, até a proteção da marca. A indústria da moda é um setor extremamente animado e criativo, onde a inovação e a inspiração são fundamentais para o sucesso dos empreendimentos. No entanto, a criatividade e a originalidade, muitas vezes, são copiadas ou imitadas por terceiros, o que deveria gerar benefícios financeiros e reputacionais para as empresas criadoras. Por isso, é fundamental que os profissionais da moda e do direito, envolvidos nesses negócios, estejam preparados para lidar com essas e outras questões desafiadoras do setor. Para a advogada Vicki Dallas (2012, p. 84):

Os advogados precisam entender que o negócio do Fashion Law é diferente, já que há constante mudança nos ciclos dos produtos e nos acordos comerciais, portanto adaptar-se e compreender as estratégias de negócio básicas de uma empresa de vestuário é essencial para ser um consultor jurídico eficaz nesta área de atuação.


O Fashion Law é uma área que lida com diversos desafios, que vão além do problema evidente da contrafação, também conhecida como pirataria, que é o assunto principal deste artigo. Ela envolve direitos de proteção à propriedade intelectual, incluindo propriedade industrial e direitos autorais, já abordados no tópico anterior. Além delas, outras áreas do direito também são relevantes, como o direito do trabalho, que abrange questões relacionadas à contratação de modelos, de trabalhadores das fábricas e costureiras de produção; e o direito contratual (civil), que regula as relações entre as empresas da cadeia de produção da moda. Segundo Colman (2012), o Fashion Law tem aplicação a diversas áreas do mundo da moda.

Outra preocupação importante do Fashion Law é o direito do consumidor, que regula as relações entre as empresas da indústria da moda e os consumidores. Os consumidores têm direito à informação clara e precisa sobre os produtos que estão comprando, bem como à garantia e à segurança desses produtos. Assim, de acordo com o artigo 6º, do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor tem direito à informação clara e precisa sobre os produtos e serviços colocados no mercado de consumo. As empresas da indústria da moda também devem seguir as normas de segurança e saúde no trabalho, bem como os direitos trabalhistas de seus colaboradores.

Além disso, o Fashion Law também abrange questões relacionadas à sustentabilidade e ao meio ambiente[4]. A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo, devido à grande quantidade de produtos descartados e aos processos de produção que envolvem o uso intensivo de recursos naturais e produtos químicos. Por isso, é importante que as empresas da indústria da moda adotem práticas e respeitem as normas ambientais, a fim de reduzir o impacto negativo da sua atividade no meio ambiente. Sobre a dificuldade de adaptação do direito autoral ao Fashion Law, afirma Oliveira (2015, p. 11):

A principal dificuldade em relação à proteção de artigos de moda por direito autoral é a questão do caráter utilitário de tais bens. A bipartição da Propriedade Intelectual entre Direito Autoral e Propriedade Industrial é fundamentada no critério da utilidade, de maneira a conferir às criações utilitárias proteção através de patentes, desenhos industriais e marcas.

Outro tema importante do Fashion Law é a proteção dos direitos de imagem e privacidade dos modelos/manequins e celebridades. Como as empresas da indústria da moda costumam usar a imagem de modelos e celebridades para promover os seus produtos, é importante que essas pessoas tenham o seu direito de imagem e privacidade preservados. Para isso, é necessário que sejam celebrados contratos claros e específicos, que estabeleçam as condições para o uso da imagem das pessoas envolvidas na produção dos produtos de moda.

Além disso, a indústria da moda é um setor globalizado, com empresas que atuam em diversos países. Por isso, o Fashion Law também abrange questões relacionadas ao direito internacional, como a proteção da propriedade intelectual em diferentes jurisdições. Afirma Dallas (2012, p. 84) que, “a moda é hoje, uma área de negócios internacionais”. Pequenas e médias empresas são adquiridas por grandes companhias internacionais de vestuário e estilo de vida. Algumas das maiores fortunas mundiais estão nas mãos de proprietários de empresas e marcas do setor[5].
As leis de propriedade intelectual e os acordos de comércio internacional também são complementares ao setor da moda. A Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) possuem acordos/tratados relacionados à proteção de marcas, patentes e direitos autorais. A OMC também regulamenta a proteção de denominações de origem, que é de grande importância, entre outras, para a indústria têxtil.

Além disso, o Fashion Law também inclui questões de saúde e segurança do consumidor, publicidade e ética nos negócios. A saúde e segurança do consumidor é um tema crucial na indústria da moda, pois os produtos têxteis e de vestuário estão em contato direto com a pele dos consumidores. Assim, a legislação em matéria de segurança química é uma parte importante do Fashion Law. Produtos químicos críticos, como corantes e aditivos, devem ser controlados e os fabricantes responsabilizados pela segurança de seus produtos.

A publicidade é outra área relevante do Fashion Law. A publicidade de moda deve ser verdadeira, correta e não enganosa, seguindo as leis de proteção ao consumidor e as normas de publicidade. É vedado fazer acusações falsas ou enganosas sobre a qualidade ou origem dos produtos. O uso de modelos escapados magros ou retocados com Photoshop pode ser proibido por leis que promovem uma imagem corporal positiva e saudável.

A ética nos negócios é outra área do Fashion Law que ganhou destaque nos últimos anos. A indústria da moda já foi criticada por más práticas trabalhistas utilizadas por alguns de seus representantes, como a exploração de trabalho infantil, trabalho escravo e salários indignos. Muitas empresas da moda passaram a adotar políticas éticas e ecológicas, e muitos países estão estabelecendo leis que encorajam as empresas a serem socialmente responsáveis e respeitosas aos direitos humanos.

Em suma, o Fashion Law é uma área em constante evolução, em resposta às mudanças na indústria da moda e às necessidades dos consumidores. Os profissionais do direito, especializados em direito da moda, devem possuir conhecimentos nas áreas de propriedade intelectual, direito do consumidor, saúde e segurança, ética nos negócios, e outras, para serem capazes de aconselhar seus clientes sobre questões legais complexas no âmbito do Direito da Moda.

Infelizmente, o Fashion Law é ainda pouco conhecido pelos operadores do direito no Brasil, que o tratam de uma forma segmentada, ou seja, veem cada problema do Fashion Law de forma compartimentada. Assim, para Nunes (2015), “os advogados que melhor se instrumentalizarem nesta crescente área e conhecerem a realidade e as necessidades de seus clientes, aqui no Brasil, estarão na vanguarda de uma atividade rica e arrojada em um direito diferenciado”.

A indústria da moda é uma das mais vibrantes e emocionantes do mundo, mas também pode ser complexa e desafiadora, do ponto de vista legal. Por isso, a importância do Fashion Law, como forma de proteger os interesses dos fabricantes, designers e consumidores, bem como para garantir que a indústria continue a crescer e se desenvolva de forma sustentável.

4. Pirataria (contrafação)

A pirataria na indústria da moda é um fenômeno que envolve a produção e comercialização ilegal de produtos que imitam marcas, designs e estilos protegidos por direitos autorais. Para Strehlau e Urdan (2015, p. 84), falsificação é uma cópia não autorizada de uma marca ou produto, que se faz passar pelo original. Essa prática ilegal tem se tornado cada vez mais difundida em escala global, representando um desafio significativo para as marcas legítimas e para a proteção dos direitos intelectuais na indústria.

Para Cardoso (2018), o mercado da falsificação se subdivide em:

a) mercadoria pirata: aquele bem que não está enganando o consumidor, é uma cópia tão esdrúxula que não há possibilidade de confusão;

b) mercadoria falsificada: seria aquela bem que tem o condão de causar confusão no consumidor ao adquirir um artigo imaginando ser outro e, por fim;

c) réplica: o adquirente tem ciência que o produto é falso e ainda assim deseja adquiri-lo, por se tratar de produto idêntico ao original e usá-lo como se fosse autêntico (CARDOSO, 2018, p. 42).

Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2016), os produtos falsificados representam 2,5% do comércio mundial. Com o avanço da tecnologia e a facilidade de acesso a produtos piratas, é fundamental compreender as causas e os impactos desse problema, bem como buscar soluções eficazes para combatê-lo.

Ainda sobre o conceito de falsificação, para Strehlau e Urdan (2015, p.77):

Na falsificação de produtos (bens e serviços), marcas e/ou patentes, esses são copiados, imitados ou reproduzidos por uma organização ou rede, sem qualquer autorização ou remuneração de quem legalmente detém direitos sobre tal patrimônio intangível e tangível, com vistas à obtenção de vantagem financeira via comercialização. A marca que vai ser falsificada é, necessariamente, bem conhecida e sobretudo valorizada por um público que a consome ou gostaria de consumi-la. É uma prática que se reveste de certas propriedades da pirataria do passado, acrescida de traços modernos. Incide uma contrafação, pois essa falsificação é fraudulenta, ao violar o direito de propriedade industrial que legalmente pertence a terceiros. Por sua vez, os compradores podem estar cientes (o que usualmente acontece) ou não da ilegitimidade daquilo que adquirem.

Uma das principais características da pirataria na indústria da moda é a criação e comercialização de produtos falsificados, que se assemelham visualmente aos originais. Essas réplicas são projetadas para enganar os consumidores, imitando marcas de luxo e designs de sucesso. Segundo a Revista Época Negócios (2016), roupas, calçados e bolsas estavam entre os principais produtos falsificados, consumidos no Brasil.

Os produtos são vendidos a preços significativamente mais baixos do que os produtos autênticos ou, até mesmo, com o valor aproximado ou igual, a fim de enganar o consumidor. Por mais que uma eventual semelhança, decorrente da falta de uma análise aprofundada do produto,  possa lhe fazer semelhante ou idêntico ao original, a qualidade inferior dos produtos piratas é outra característica marcante desse tipo de prática.

Figura 1 – Tênis Nike Air Force 1 original, vendido pelo site da Nike por R$ 799,99 (à esquerda)

Figura 2 – Versão comercializada na Amazon, por terceiros por R$ 98,90 (à direita).

Devido à falta de controle de qualidade, materiais de baixa qualidade são frequentemente utilizados na produção, resultando em produtos que não possuem a mesma durabilidade e acabamento dos produtos originais. Essa falta de qualidade pode levar a problemas, como desgaste prematuro, costuras malfeitas e cores desbotadas, prejudicando a experiência do consumidor e levando a uma percepção negativa das marcas legítimas.

 Os produtos falsificados apresentam uma série de riscos para os consumidores, já que não são submetidos a um controle de qualidade adequado e geralmente são produzidos com insumos de qualidade inferior, em comparação aos produtos originais. Nesse sentido, Santos (2011, p. 12) esclarece que, “é claro que os produtos falsificados são mais baratos, porque não utilizam materiais de qualidade, não pagam tributos, nem sofrem fiscalização. Assim, quando adquirimos um desses produtos, além da pura e simples prática delituosa, corremos riscos, cuja abrangência pode alcançar a saúde e até a vida”.

No mesmo sentido, afirma Santos (2011, p. 13) que, “vale acrescentar que, como os produtos não são de qualidade, sua vida útil é infinitamente menor; porém, muito pior é que a maioria pode prejudicar a saúde e a segurança do consumidor: produtos que não atendem às normas técnicas, põem em risco a segurança de quem os consome”.

Além disso, a pirataria na indústria da moda também se manifesta por meio da falsificação de marcas renomadas. Logotipos e emblemas são reproduzidos de forma a parecerem autênticos, enganando os consumidores que acreditam estar adquirindo produtos genuínos. Essa prática não apenas prejudica a reputação das marcas originais, mas também viola os direitos de propriedade intelectual e propaga uma cultura de desrespeito aos direitos autorais.

Outro aspecto importante da pirataria na indústria da moda é a apropriação indevida de designs e estilos únicos. Muitas vezes, designers talentosos investem tempo e recursos na criação de peças inovadoras e exclusivas. No entanto, essas criações são frequentemente copiadas e comercializadas por terceiros, sem a devida autorização ou compensação financeira. Essa prática, não apenas compromete a originalidade e a criatividade dos designers, mas também afeta negativamente a indústria da moda como um todo, desencorajando a inovação e a busca por novas tendências.

Em resumo, a pirataria na indústria da moda é uma prática ilícita que envolve a produção e a venda de produtos falsificados, cópias não autorizadas e apropriação indevida de designs e estilos. De acordo com Costa e Sant’Anna (2008), “além de diminuir a arrecadação de tributos, a prática de pirataria é citada como sendo prejudicial às empresas e aos cidadãos, pois promove a concorrência desleal e a geração de empregos informais”. As características desse fenômeno incluem a criação de produtos visualmente semelhantes aos originais, porém de qualidade inferior, a falsificação de marcas renomadas e a violação dos direitos autorais dos designers.

A concorrência desleal, disciplinada pela da Lei 9.279/96, prevê, em seu art. 195[6], inúmeras situações que configuram o ilícito.

Como visto, a prática prejudica consumidores, produtores e o mercado da moda como um todo. Portanto, combater a pirataria torna-se essencial para preservar a autenticidade, a inovação e a integridade da indústria. No próximo tópico, serão abordadas algumas possíveis razões para que a prática da pirataria na indústria da moda seja amplamente aceita pelos consumidores, apesar de seus efeitos prejudiciais.

4.1. Motivações do consumo de produtos piratas

A aquisição de produtos piratas na indústria da moda é motivada por diversos fatores, sendo a questão econômica, um dos principais. Muitos consumidores desejam ter acesso a produtos de marcas famosas e designs exclusivos, mas são limitados pelo alto custo desses itens. A moda de luxo muitas vezes é vista como inacessível para uma parcela significativa da população, devido aos preços exorbitantes que são cobrados.

Kotler (2005) afirma que os elementos que influenciam as decisões de compra podem ser classificados entre psicológicos, sociais, culturais e pessoais. O autor afirma que os fatores culturais exercem o maior peso na hora da tomada de decisões. As pessoas formam crenças sobre marcas e produtos, que são baseados nas experiências, relatos e até no imaginário dos consumidores.

 Segabinazzi, Reale e Martins (2017), observaram que, para os consumidores de baixa renda, o preço é visto como uma oportunidade para consumir produtos que seriam difíceis de conseguir, o que justifica a compra de falsificados. Por exemplo, atualmente, no Brasil, o salário-mínimo estabelecido é de R$ 1.320,00. Por outro lado, um dos produtos de destaque no mercado é a linha de tênis “Air Jordan” da marca Nike, conhecida por sua popularidade e incidência de falsificações. O modelo de menor valor dessa linha está disponível no site oficial da loja pelo preço de R$ 1.099,00. Portanto, o valor do produto representa aproximadamente 83,33% do salário-mínimo vigente no país.

Vale destacar que o preço mencionado no exemplo anterior se refere a um produto comercializado no próprio sítio da marca, caracterizado por um modelo simples e com poucos concorrentes.

Assim, para Strehlau, Urdan (2015, p. 82), “a falsificação é uma ‘solução’ de mercado para a frustração de quem deseja consumir um produto ou marca originais e não dispõe de recursos financeiros para pagá-los ou não aceita arcar com tal pagamento integralmente. ‘Solução’ essa, porém, carregada de imperfeição, polêmica e malefícios”.

 Nesse contexto, os produtos piratas, geralmente vendidos a preços significativamente mais baixos, tornam-se uma alternativa atraente para aqueles que desejam desfrutar das tendências da moda, de forma mais acessível. O exemplo utilizado anteriormente foi ilustrado no setor de calçados. Entretanto, é importante destacar que a problemática da pirataria abrange diversos segmentos no âmbito da moda, conforme já mencionado.

Ainda no campo da motivação financeira, outro aspecto que impulsiona as pessoas a comprar produtos piratas na indústria da moda é a busca pela exclusividade. Muitos consumidores desejam se destacar e se sentir únicos, por meio das suas escolhas de moda. No entanto, algumas marcas de luxo produzem quantidades limitadas de determinados produtos, tornando-os exclusivos e extremamente difíceis de adquirir. Essa exclusividade aumenta a demanda por esses itens e, consequentemente, eleva os seus preços. Como resultado, produtos autênticos de marcas renomadas se tornam inacessíveis para a maioria das pessoas.

Nesse cenário, os produtos piratas novamente surgem como uma alternativa mais viável para aqueles que buscam replicar o visual exclusivo e aspiracional de determinadas marcas (“ditadura da moda”), mesmo que isso signifique adquirir produtos ilegais. No entanto, é importante ressaltar que a exclusividade não é apenas sobre a estética, mas também sobre os valores e a autenticidade transmitidos pelas marcas originais, aspectos que os produtos piratas não conseguem capturar de forma legítima. Portanto, a busca por exclusividade na moda não justifica a compra de produtos piratas, uma vez que compromete os direitos autorais, a qualidade e a integridade da indústria.

Além da motivação financeira, outros fatores provocam a demanda por produtos piratas. A influência das mídias sociais e das celebridades desempenha um papel significativo na perpetuação da cultura da pirataria. As plataformas de mídia social exibem constantemente imagens de pessoas famosas e influentes usando roupas e acessórios de marcas de luxo. Essa exposição constante pode levar as pessoas a desejarem esses produtos, porém, muitas vezes, sem terem condições financeiras para adquiri-los legalmente. Como resultado, elas buscam versões mais baratas, mesmo que sejam ilegais.

Além disso, a busca por status e pertencimento também influencia a decisão de comprar produtos piratas. A sociedade valoriza as marcas de luxo como símbolos de prestígio e sucesso. Muitos consumidores desejam ser vistos como parte desse universo “exclusivo”, mesmo que seja por meio de imitações, toleradas e permitidas, em nome das tendências da moda. A posse de um produto, supostamente de uma marca famosa, pode gerar uma sensação de inclusão em um determinado grupo social ou ajudar a construir uma imagem desejada. Nesse sentido, reforça Bacha, Strehlau e Strehlau (2013, p. 43) que, “a marca de luxo falsificada, desde que não seja desmascarada, poderia, hipoteticamente, ‘alardear a sua riqueza’ e poder aquisitivo, sinalizando status social”.

A imitação de produtos da moda também pode ser vista como uma forma de experimentação e diversão. Alguns consumidores veem a compra de produtos piratas como uma oportunidade de explorar diferentes estilos e tendências, sem investir uma grande quantidade de dinheiro. Para eles, esses produtos podem ser descartáveis e temporários, e a velocidade das mudanças na moda permite que acompanhem as últimas novidades, sem fazer grandes investimentos.
Por fim, é importante ressaltar que um motivo adicional, aparentemente simples, para o consumo da pirataria na indústria da moda é a enganação por parte dos consumidores, que muitas vezes desconhecem que estão adquirindo produtos falsificados. Turunen e Laaksonen (2011) identificam a existência de dois tipos de compra de produtos falsificados. Há os consumidores que sabem que estão comprando uma falsificação (compra não-enganosa) e os que acreditam que estão comprando um produto original (compra enganosa).

Em alguns casos, os consumidores podem ser induzidos ao erro por vendedores inescrupulosos que tentam passar produtos piratas como autênticos. A falta de conhecimento sobre as características e os detalhes que distinguem os produtos originais dos falsificados pode levar os consumidores a adquirir itens pirateados, sem sequer perceber. Esse engodo é prejudicial tanto para os consumidores, que podem acabar pagando um valor injustificado por produtos de qualidade inferior, quanto para os produtores legítimos, que têm as suas marcas desvalorizadas e a sua reputação comprometida pela presença de produtos falsificados no mercado.

No entanto, é importante destacar que, embora as motivações para a compra de produtos piratas possam variar, essa prática tem consequências para a indústria da moda e para os consumidores. A busca por produtos piratas pode prejudicar a integridade criativa e a inovação das marcas legítimas, além de sustentar práticas injustas, como a exploração da mão de obra e do trabalho infantil. Os consumidores também correm o risco de adquirir produtos de baixa qualidade, que podem afetar a sua experiência de uso e até mesmo representar riscos à saúde. Portanto, é importante promover a conscientização sobre essas questões e incentivar um consumo responsável e ético na indústria da moda.

4.1.1. Divulgação de produtos piratas por figuras públicas

No tópico anterior, foram expostas algumas das motivações que impulsionaram o consumo de produtos piratas na indústria da moda. Entretanto, é fundamental aprofundar a discussão sobre o papel das mídias sociais nesse cenário. A influência exercida por essas plataformas digitais, juntamente com a atuação de influenciadores, merece uma análise mais detalhada, vez que desempenham papel significativo na divulgação e na promoção desses produtos de procedência ilegal. Nesse sentido, é crucial examinar a irresponsabilidade dos influenciadores que aceitam fazer divulgações de produtos piratas, visando ganhos financeiros, e a ampla difusão dessa prática no Brasil.

A falta de responsabilidade dos influenciadores digitais que aceitam fazer divulgações remuneradas de produtos piratas é uma preocupação crescente na indústria da moda, e essa prática, infelizmente, é comum no Brasil. O problema não está necessariamente no consumidor, mas sim na figura pública que utiliza a sua influência para divulgar produtos piratas, como se fossem originais, lesando assim os seus seguidores.

Os influenciadores, com seu alcance e poder de influência sobre o público, desempenham um papel significativo na formação das tendências de consumo. No entanto, quando eles promovem produtos piratas, estão contribuindo para a perpetuação de uma prática ilegal e prejudicial para toda a cadeia envolvida e para os consumidores finais. Silva (2013), identifica que o aproveitador busca de alguma forma obter vantagens, sem muito esforço, utilizando a fama e o prestígio angariados por determinada marca ou nome empresarial, associando a sua “marca” de alguma forma àquela, buscando assim locupletar-se.

Muitos influenciadores aceitam parcerias e patrocínios sem verificar a garantia e a legalidade dos produtos que estão promovendo. Eles são movidos pelo potencial financeiro dessas parcerias, muitas vezes ignorando questões éticas e legais envolvidas. Ao fazerem divulgações de produtos piratas, eles estão dando uma falsa sensação de aprovação a esses itens, influenciando a aceitação dos consumidores e colaborando para a desvalorização das marcas legítimas.

Os proprietários de marcas legítimas investem em pesquisa, desenvolvimento e criação de produtos originais, e a pirataria compromete todos esses esforços. É importante ressaltar que, no Brasil, a fiscalização e a aplicação das leis de proteção aos direitos autorais nem sempre são efetivas, o que acaba criando um ambiente indiretamente favorável para a comercialização de produtos falsificados. A falta de regulamentação adequada e de conscientização, por parte dos influenciadores, permite que essa prática se perpetue, prejudicando tanto as marcas autênticas, quanto os consumidores, enganados pela falsa credibilidade dos produtos piratas.

Para combater esses problemas é fundamental que os influenciadores assumam uma postura mais responsável e ética, em relação às parcerias que aceitam. Eles devem fazer uma verificação criteriosa dos produtos, marcas e empresas que estão promovendo. Devem firmar parcerias apenas com marcas legítimas e comprometidas com a qualidade e originalidade de seus produtos. Além disso, as autoridades competentes precisam fortalecer a fiscalização e aplicação das leis de proteção aos direitos autorais, garantindo punições para aqueles que comercializam produtos piratas.

No final das contas, a conscientização do público em geral, também é essencial. Os consumidores devem ser informados sobre os riscos e consequências da compra de produtos piratas, bem como sobre a importância de proteger as marcas legítimas e promover um consumo ético e responsável. É necessário que os seguidores digitais percebam que a divulgação de produtos piratas, por parte dos influenciadores, é uma prática enganosa, que prejudica, tanto a indústria da moda, quanto os próprios consumidores. A confiança depositada nos influenciadores digitais, como fontes de informação e inspiração, é significativa. Quando eles promovem produtos piratas, sem transparência, estão traindo a confiança de seus seguidores.

A divulgação de produtos piratas pelos influenciadores cria uma ilusão de garantia, levando os consumidores a acreditarem que estão adquirindo itens fidedignos. Isso resulta em perdas financeiras e emocionais para os seguidores, que investem seu dinheiro em produtos de qualidade duvidosa e, muitas vezes, estão sendo enganados em relação à procedência e confiabilidade deles.

Além disso, a promoção de produtos piratas pelos influenciadores gera uma competição desleal com as marcas legítimas. As empresas que investem em pesquisa, desenvolvimento e criação de produtos originais são prejudicadas pela concorrência desleal dos produtos falsificados, que são comercializados a preços mais baixos, devido à ausência de investimentos em qualidade e propriedade intelectual.

A responsabilidade dos influenciadores digitais vai além da simples divulgação de produtos. Eles têm obrigação de fazer parcerias apenas com marcas que seguem práticas legítimas e éticas, promovendo assim um ambiente de negócios justo e sustentável. Ao aceitarem patrocínios de produtos piratas, os influenciadores estão cooperando para a perpetuação de um mercado ilícito e prejudicial.

No Brasil, é importante destacar que as práticas ilegais relacionadas à pirataria são um desafio complexo. A falta de regulamentação e fiscalização efetivas permite que essa prática seja mantida e, até, disseminada no país. É necessário um esforço conjunto entre as autoridades competentes, as marcas legítimas e os influenciadores para combater a pirataria na indústria da moda.

É crucial que os influenciadores entendam o impacto negativo de suas ações na indústria e na sociedade. Eles têm o poder de influenciar comportamentos e atitudes dos consumidores, e deve ser responsabilidade deles usar essa influência de forma ética e responsável. Somente por meio da conscientização, da transparência e da promoção de práticas legítimas será possível combater a irresponsabilidade dos influenciadores e proteger a indústria da moda da pirataria.

4.2. Consequências da pirataria na indústria da moda: impactos financeiros, desvalorização da propriedade intelectual e efeitos na economia

A pirataria na indústria da moda é um fenômeno de ampla abrangência que acarreta consequências significativas para as marcas, a propriedade intelectual e a economia do país. Compreender essas consequências é fundamental para enfrentar esse problema complexo e buscar soluções eficazes. Segundo Luppi (2022, p. 14), “a prática da pirataria afeta todo sistema da propriedade intelectual e impacta negativamente toda a sociedade. Abala toda a cadeia de produção e de consumo e prejudica as empresas, os trabalhadores, o meio ambiente, e o Estado”. Neste contexto, destacam-se três aspectos fundamentais: o impacto financeiro para as marcas, a desvalorização da propriedade intelectual e os efeitos negativos na economia.

No que diz respeito ao impacto financeiro, a pirataria representa uma séria ameaça às marcas genuínas. Como já visto, a comercialização de produtos falsificados gera uma concorrência desleal, prejudicando as vendas e a receita das empresas responsáveis. Os produtos piratas são frequentemente vendidos a preços significativamente mais baixos do que os produtos autênticos, atraindo consumidores em busca de preços mais acessíveis. Isso desvia o fluxo de receita, que deveria ser destinado às marcas originais, comprometendo os seus investimentos em pesquisa, desenvolvimento e marketing. Além disso, as marcas precisam arcar com os custos associados à luta contra a pirataria, como a implementação de tecnologias de proteção de marca e ações legais para reprimir a produção e a venda de produtos falsificados.

Outra consequência significativa da pirataria na indústria da moda é a desvalorização da propriedade intelectual. A pirataria envolve a cópia não autorizada de designs, logotipos e marcas registradas, violando os direitos autorais e prejudicando a originalidade e a criatividade dos designers. Ao reproduzir e vender produtos falsificados, os infratores estão se apropriando indevidamente do trabalho intelectual alheio, causando danos à reputação das marcas originais. Além disso, a desvalorização da propriedade intelectual incentiva a reprodução indiscriminada de produtos, desencorajando a inovação e a criação de novas tendências na indústria.

No âmbito econômico, a pirataria na moda também apresenta efeitos negativos significativos. Um desses efeitos está relacionado à falta de geração de empregos formais. Enquanto as marcas legítimas investem em mão de obra qualificada, os produtores de mercadorias falsificadas, muitas vezes, recorrem a práticas ilegais e precárias, explorando condições de trabalho desumanas e não oferecendo proteção social adequada aos trabalhadores. Isso resulta em uma carência de empregos formais e de qualidade na indústria, comprometendo o desenvolvimento econômico sustentável. Segundo Portugal (2011 p. 241) a pirataria, “lesa as empresas não só nos lucros, mas também em sua reputação”.

Além disso, a pirataria também afeta a economia no que diz respeito à arrecadação de tributos. A venda de produtos falsificados muitas vezes ocorre no mercado informal, escapando da tributação e reduzindo a receita do Estado, em duas três expressões (municipal, estadual/distrital e federal). Isso impacta diretamente os recursos disponíveis para investimentos em infraestrutura, serviços públicos e programas sociais. Além disso, as empresas proprietárias de marcas legítimas são grandes contribuintes, ajudando na necessária arrecadação tributária. A pirataria, por sua vez, prejudica sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento econômico do país.

De acordo com o balanço anual do Fórum Nacional contra a pirataria e Ilegalidade (FNCP)[7], em 2020, o Brasil teve um prejuizo de cerca de R$ 287,9 bilhões para o mercado ilegal, sendo que se estima que R$ 58,4 bilhões se refiram ao setor de vestuário (ILEGALIDADE, 2022). Nesse sentido, Medeiros (2005, p. 31) elucida que “o dinheiro que deveria entrar nos cofres públicos e se converter em estradas, saneamento básico, educação e saúde, beneficiando um número cada vez maior de brasileiros, passa a não existir”. Isto é, a sonegação de tributos ao Estado resulta em perda de milhões de reais que poderiam ser investidos para promover melhorias na sociedade.

Diante das consequências abordadas, é crucial buscar formas efetivas de combater a pirataria na indústria da moda. No próximo tópico, serão exploradas algumas estratégias e medidas que podem ser adotadas para enfrentar esse desafio intrincado. A conscientização dos consumidores, o fortalecimento da proteção de marcas, ações legais e parcerias entre governos, indústria e sociedade civil são algumas das abordagens que podem contribuir para reduzir a incidência da pirataria e preservar a autenticidade e a integridade do mercado da moda.

4.3 Estratégias e iniciativas para combater a pirataria na indústria da moda

A pirataria na indústria da moda é um desafio significativo que exige a implementação de estratégias e iniciativas eficazes para lidar com esse problema e proteger os direitos autorais, garantir a qualidade dos produtos e preservar a integridade e autenticidade da indústria.

No combate à falsificação, o Brasil já dispõe de entidades especializadas. O Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) é um órgão vinculado ao Ministério da Justiça, responsável por liderar a implementação do III Plano Nacional de Combate à Pirataria, no período de 2013 a 2016.  Por outro lado, o Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade é uma organização, financiada por empresas afetadas pela falsificação, que atua na defesa dessa causa perante as instâncias do poder público, especialmente o Executivo e o Legislativo, além de conscientizar a opinião pública.

Santos (2011, p. 15) assevera ser “preciso apoio do Poder Público àqueles que enfrentam diretamente tal desafio, criando meios e condições de um trabalho mais eficiente, com destinação de verba e pessoal para os locais mais críticos. Só assim poderá ter êxito tal tarefa”.

É de extrema importância direcionar atenção especial ao enfrentamento da falsificação, junto aos consumidores, que são os destinatários e adquirentes desses produtos. Em tese, o consumidor não é facilmente enganado ao adquirir uma marca de luxo falsificada, pois encontra indícios claros, como preços excessivamente baixos (visivelmente incompatíveis com um produto superior) e locais de venda menos sofisticados do que o habitual, que apontam para a falta de autenticidade da mercadoria.

Porém, a falta de informação ou a ausência de preocupação por parte dos consumidores, muitas vezes, faz com que essas evidências sejam ignoradas ou deixadas de lado. Nesse sentido, Santos (2011, p. 12) ressalta que, “a prática das falsificações segue, porque há consumidores, compradores, que alimentam a referida indústria da fraude. Por mais que se pretenda o controle, os usuários alimentam essa mina de ouro, sem a necessária informação que viabilizaria controle e combate eficientes”.

Neste contexto, o fortalecimento das leis de proteção aos direitos autorais é fundamental. É essencial que as autoridades competentes fortaleçam as leis de proteção aos direitos autorais, proporcionando um ambiente jurídico seguro para as marcas e designers. Isso inclui a implementação de controles mais rigorosos de fiscalização, punições efetivas para os infratores e aprimoramento dos processos legais relacionados à pirataria.

Ainda para Santos (2011, p. 14), “o combate às infrações dessa natureza precisa passar por uma conscientização da população sobre os males decorrentes de tal prática. É preciso conscientização de que comprar produtos falsificados, muito mais do que prática delituosa, é perigosa e pode acarretar sequelas irreversíveis”.

A educação e conscientização do público desempenham um papel crucial na luta contra a pirataria. Por exemplo, campanhas educativas podem ser desenvolvidas para informar os consumidores sobre os riscos e consequências da compra de produtos piratas. Destaca-se a importância de valorizar as marcas legítimas e promover um consumo ético e responsável.

Outra estratégia importante no combate à pirataria na indústria da moda é responsabilizar influenciadores e personalidades que divulgam produtos falsos. É fundamental estabelecer medidas para coibir a promoção de produtos piratas por parte desses influenciadores, uma vez que eles têm um impacto significativo nas decisões de compra dos consumidores. Ao responsabilizá-los e promover a conscientização sobre as consequências legais e éticas desse tipo de prática, é possível desencorajar a disseminação de produtos falsificados e promover um ambiente mais íntegro e autêntico na indústria da moda.

Santos (2011, p. 15) lembra que, (..) o combate também precisa estar atualizado. Um dos grandes aliados ainda são os meios de comunicação, que têm o poder de conscientizar a população acerca dos riscos, para a saúde, quanto para a segurança dos produtos negociados, como incentivo a denunciar as práticas e os locais onde são realizadas”.

Além disso, a colaboração entre indústria, governo e sociedade civil é essencial. Por exemplo, a colaboração entre diferentes partes interessadas, incluindo proprietários de marcas, designers, governo e organizações da sociedade civil, pode fortalecer os esforços para combater efetivamente a pirataria na indústria da moda. Isso pode envolver o compartilhamento de informações, o desenvolvimento de diretrizes e padrões de conduta, além do apoio mútuo na implementação de ações preventivas e repressivas.

Outra medida importante é o investimento em tecnologia de rastreamento e login. Por exemplo, o uso de tecnologias avançadas, como códigos de autenticação, chip RFID[8] e blockchain[9], pode ajudar a rastrear e autenticar produtos, dificultando a falsificação e facilitando a identificação de produtos piratas. Essas soluções tecnológicas podem fornecer maior segurança e confiança aos consumidores, além de auxiliar na investigação e combate à pirataria.

O citado chip RFID é definido pelo sítio Codima (2019) como, “um sistema para identificar objetos, transmitindo dados sobre eles, por meio de ondas de rádio frequência. Para isto, são usadas tags RFID, que são simplesmente uma antena e um chip integrados dentro de uma etiqueta”.

Além disso, a cooperação internacional e a troca de informações são essenciais. A pirataria na indústria da moda é um problema global, portanto, a cooperação internacional é fundamental. Por exemplo, a troca de informações entre diferentes países e a colaboração no combate à pirataria podem fortalecer os esforços para enfrentar esse desafio de maneira mais eficaz. Tratados e outros acordos internacionais também podem ser estabelecidos para proteger os direitos autorais e incentivar a cooperação transfronteiriça.

Por fim, é necessário promover a valorização da originalidade e criatividade na indústria da moda. Incentivar o reconhecimento e apoio aos designers e marcas registradas, bem como proteger a certificação e exibir os produtos, pode contribuir para a redução da demanda por produtos piratas. Ao implementar essas estratégias e iniciativas, é possível fortalecer a proteção dos direitos autorais, garantir a qualidade dos produtos e preservar a integridade e autenticidade da indústria da moda.

5. Considerações finais

Em conclusão, ao longo deste artigo, pudemos explorar de forma abrangente a relação entre moda, direito e pirataria. O primeiro tópico abordou a importância da moda na sociedade, compreendendo os seus conceitos, características e sua relevância econômica. Em seguida, adentramos o campo do direito e sua relação com a moda, explorando o direito autoral, a propriedade intelectual e o Fashion Law.

No terceiro tópico, analisamos a pirataria na moda em detalhes, compreendendo o seu conceito, as motivações de consumo, a divulgação por parte de influenciadores, bem como suas consequências para o mercado. Observamos que a pirataria afeta negativamente a indústria, resultando em perdas financeiras, desvalorização das marcas, comprometimento da qualidade dos produtos e riscos à saúde dos consumidores.

Diante desse cenário, é fundamental destacar a importância de combater a pirataria na indústria da moda. Entre as possíveis abordagens, podemos mencionar o fortalecimento da fiscalização e aplicação das leis de proteção aos direitos autorais, a conscientização dos consumidores sobre os riscos da pirataria, a cooperação entre marcas e influenciadores comprometidos com a autenticidade, a adoção de tecnologias de rastreamento e autenticação de produtos, bem como a criação de um ambiente legal e regulatório propício ao combate à pirataria.

A solução para o complexo problema da pirataria na indústria da moda é um desafio constante e conjunto, que requer ações integradas dos diversos atores envolvidos. Além das estratégias mencionadas, é fundamental promover o diálogo entre os setores público e privado, fomentar a cooperação internacional e investir em educação e conscientização sobre a importância da proteção dos direitos autorais e da valorização do trabalho criativo na indústria da moda.

Diante dos impactos prejudiciais da pirataria na moda, é imprescindível que a indústria e os diversos agentes envolvidos estejam comprometidos em adotar medidas eficazes para combater esse problema. A proteção dos direitos autorais, a garantia da qualidade dos produtos e a preservação da integridade e autenticidade da indústria da moda são elementos fundamentais para a construção de um mercado justo, sustentável e que valorize a criatividade e a inovação.

Com base nesse contexto, o presente artigo buscou contribuir para o entendimento da pirataria na indústria da moda e suas implicações, fornecendo informações relevantes para a conscientização e a promoção de ações concretas visando combater esse fenômeno negativo à sociedade.

Concluímos que a pirataria na indústria da moda é um desafio significativo, que exige esforços conjuntos de todos os envolvidos. Ao proteger os direitos autorais, garantir a qualidade dos produtos e promover a conscientização, poderemos preservar a integridade e autenticidade da indústria da moda, valorizando o trabalho criativo e inovador de designers e estilistas. Somente por meio de uma abordagem abrangente e colaborativa, poderemos enfrentar efetivamente a pirataria e construir um mercado da moda mais ético, sustentável e próspero.

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Fórum contra a Pirataria. Disponível em: http://www.forumcontrapirataria.org/web/.


[1] Disponível em: https://www.abit.org.br/. Acesso em: 17/08/2023.

[2]  Direitos conexos aos direitos autorais, incluem:

1. Para artistas intérpretes ou executantes:

– A fixação de suas interpretações ou execuções;

– A reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas;

– A radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não;

– A colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem;

– Qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções.  

2. Para produtores fonográficos:

– A reprodução direta ou indireta, total ou parcial;
– A distribuição por meio da venda ou locação de exemplares da reprodução;

– A comunicação ao público por meio da execução pública, inclusive pela radiodifusão;
– Quaisquer outras modalidades de utilização, existentes ou que venham a ser inventadas.

[3] Estabelecido em 2010, com o apoio de Diane von Furstenberg e do Conselho de Estilistas de Moda da América, o Fashion Law Institute foi o primeiro centro acadêmico do mundo dedicado a questões jurídicas e comerciais relacionadas à indústria da moda. Disponível em: https://www.fashionlawinstitute.com/. Acesso em: 18/08/2023.

[4] Mais recentemente, esse conceito evoluiu para o ESG, que representa a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa (Environmental, Social and Governance). A abordagem do ESG busca avaliar em que nível uma corporação trabalha em prol de objetivos sociais e ambientais, que vão além do papel de maximizar lucros, exclusivamente em nome dos interesses dos acionistas da empresa.

[5] Bernard Jean Étienne Arnault, empresário francês, atual presidente e diretor executivo da LVMH (holding francesa especializada em artigos de luxo, formada pelas fusões dos grupos Moët et Chandon e Hennessy e, posteriormente, do grupo resultante com a Louis Vuitton), a maior empresa de artigos de luxo do mundo, e respondendo atualmente pela segunda maior fortuna pessoal do globo, calculada em US$ 150 bilhões, ou 750 bilhões de reais.

[6] Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV – usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;

V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;

VI – substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;

VII – atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;

VIII – vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;

IX – dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;

X – recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;

XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou

XIII – vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou 53 menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser;

XIV – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.

[7] Disponível em: https://fncp.org.br/. Acesso em: 18/08/2023.

[8] Também conhecidos como “etiquetas inteligentes”. Leitor de RFID é um leitor de identificação por radiofrequência (chip RFID), dispositivo usado para coletar informações de uma etiqueta RFID, que é usada para rastrear bens. As ondas de rádio são usadas para transferir dados da etiqueta para um leitor.

[9] Blockchain (“cadeia de blocos”) é uma tecnologia de registro distribuído que permite registrar transações de forma segura, transparente e descentralizada. Ela serve como um livro contábil digital para transações financeiras, registros de propriedade, votações eletrônicas e outras aplicações.


[1] Acadêmico da Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac.

[2] Doutor pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). Professor do Faculdade de Direito do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac.

Regulamentação e tributação das apostas esportivas online

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.

Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

Amanda Flávio de Oliveira – Doutora em direito

Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayer – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutoranda em direito pelo IDP/DF e mestre em direito pela UNB

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


Regulamentação e tributação das apostas esportivas online

Maria Eduarda Silva Menezes & Fernando de Magalhães Furlan

Resumo

As apostas esportivas online, popularmente conhecidas como bettings, se difundiram de maneira global tornando-se um ramo indiscutivelmente relevante. Ponderando detidamente as legislações vigentes, constatam-se omissões do liame governamental em relação ao mercado de apostas e ao apostador. Por meio de pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa, nos baseamos na análise documental e no levantamento de dados para buscar identificar métodos efetivos para contribuir no sentido de que a iminente regulamentação e tributação das apostas online tenha consequências benéficas. Nossas conclusões sugerem a normatização da proposta e a incidência de tributação, respaldada pelo princípio da equivalência tributária. Por meio do direito comparado, inclusive propostas legislativas e jurisprudência, buscamos experiências para coibir práticas como a evasão de divisas, a ilegalidade no setor, a manipulação de resultados e, por outro lado, garantir a proteção do apostador e a confiabilidade desse mercado em ascensão.

Palavras-chave: Apostas esportivas online; betting; regulamentação; tributação.

Abstract:

Online sports betting, popularly known as bets, has spread globally, becoming an undeniably relevant branch in the economy. A close look at the current legislation reveals omissions from the governmental bond in relation to the betting market and the bettor itself. To this end, we opted for exploratory research, with a qualitative approach and based on document analysis and data survey. The study seeks to identify effective methods so that the imminent approval of the proposals for regulation and taxation of online gambling will have beneficial consequences, considering the present socioeconomic situation of the country, as well as the actors involved. The hypothesis initially raised is the regulation of the proposal and the incidence of a tax supported by the principle of tax equivalence. Observing proposed bills, case law, and even the repercussion of this issue from an international perspective, we gathered overseas experiences to curb practices such as currency evasion, illegality in the betting business sector, the manipulation of results, and on the other hand, to ensure the protection of the bettor and the reliability of this growing market.

Keywords: Online sports betting; regulation; taxation.

  1. INTRODUÇÃO

A expectativa quanto à regulamentação e tributação das apostas esportivas online é grande e demonstra a relevância e o potencial do setor. Hoje não há qualquer respaldo jurídico e tributário específico para a modalidade de entretenimento. Os jogos de azar estão presentes no país desde a chegada dos portugueses ao território brasileiro, tendo como objetivo inicial simplesmente garantir a recreação dos jogadores. Com o passar dos anos e o crescimento da antiga colônia, foi-se fomentado o debate acerca da moralidade e licitude das apostas. Sob o viés da moral e dos bons costumes, sua prática foi restringida até o início das operações de jogos sob o monopólio da Caixa Econômica Federal, em 1961[3].

A relevância e premência da regulamentação e tributação do setor vêm aumentando com o passar dos anos, à medida que o mercado de jogos online vem também afetando a sociedade em alcance mundial. Com o advento das novas tecnologias e a popularização da Internet nascem, como alternativa aos jogos de azar tradicionais, as apostas esportivas on-line. O tema vem sendo discutido em diversos países quanto à legalidade, à criação de normas efetivas e os prováveis tributos a serem estabelecidos para a atividade. Algumas nações fomentam esse mercado e têm legislações bem definidas, enquanto outras vedam completamente a exploração desses jogos e, para tanto, alegam valores éticos/morais, jurídicos e econômicos.

No contexto brasileiro já existem leis capazes de regulamentar os jogos de azar. Contudo, esses diplomas apresentam diversas lacunas, em se tratando das modalidades online de jogos. Essas omissões legislativas já deveriam ter sido sanadas, porém, a burocratização dos processos legislativo e regulamentar ocasionou a mora para definir e disciplinar os tributos incidentes. Em razão dessa omissão legislativa, os valores que deixaram de ser potencialmente recolhidos aos cofres públicos (renúncia fiscal por omissão legislativa) poderiam, por exemplo, ter sido usados para suprir áreas que carecem de incentivo governamental, afetando boa parte dos cidadãos brasileiros.

A ausência de clareza normativa pode também ocasionar problemas como a insegurança do apostador, o incentivo à criação de organizações criminosas, a evasão fiscal, lavagem de divisas e a exposição irrestrita ao vício. Governos e organizações internacionais têm empreendido esforços para a concepção de políticas e regras para garantir a integridade e a transparência do setor de apostas esportivas online.

Como forma de combater as irregularidades, a regulamentação e, consequentemente, a tributação das apostas esportivas virtuais são utilizados em diversas Jurisdições, como, por exemplo, o Reino Unido, os Estados Unidos da América e a Austrália. O tema tem gerado recentes discussões nos Poderes Legislativo e Executivo e na imprensa. Os Projetos de Lei 845/2023, 186/2014, 595/2015, 2.648/2019 e 4.495/2020 refletem a necessidade de reconhecimento e respaldo aos jogos de azar online.

É preciso buscar os métodos mais viáveis para regulamentar, regularizar e tributar as apostas esportivas virtuais, fornecendo insights aos presentes debates no Brasil e no mundo. O objetivo deve ser uma implementação estável e equilibrada dessa legalização/regulamentação, para garantir a proteção do mercado, a arrecadação governamental e a segurança do apostador, considerando a aplicabilidade em outros países e possíveis problemas a serem examinados e sanados, por intermédio da elaboração de lei direcionada ao setor ou pela complementação das legislações já existentes, a Lei 13.756/2018 e a Lei 14.183/2021.

Este artigo foi dividido em duas seções principais. A primeira seção abordará os trâmites atuais de propostas legislativas para a aprovação das apostas esportivas online e sua consequente tributação. Na segunda seção, o objetivo será realizar uma análise internacional comparada quanto à aplicabilidade e problemas a serem enfrentados na implementação deste setor no Brasil.

Os jogos tradicionais de azar têm um contexto histórico e sua prática é amplamente discutida. Contudo, seu respaldo legal não abrange a modalidade virtual ou online de apostas. Para melhor analisar esse fenômeno, utilizamos a pesquisa exploratória, por se tratar de um tema ainda em discussão, com rara produção no âmbito jurídico brasileiro.

Também optamos por uma abordagem qualitativa, considerando a subjetividade das motivações éticas, morais e mesmo econômicas que permeiam essa temática. Como forma de buscar solucionar a hipótese e o problema de pesquisa, foram utilizados o método indutivo e a análise de dados coletados.

O procedimento de coleta de dados se deu por intermédio de pesquisa bibliográfica e documental, com o objetivo de associar e comparar dados advindos da doutrina e legislação nacional e internacional e jurisprudência, para melhor compreensão e interpretação das propostas de regulamentação e tributação das apostas esportivas virtuais.

Também levamos em consideração embates históricos e morais, sob a égide de leis revogadas, até os dias atuais. Discussões fomentadas sobre a legalidade dos jogos de azar e de prejuízos ou, ao menos, falta de benefícios, decorrentes da ausência de tributação. Sob uma perspectiva mundial desse mercado e as possíveis implicações para a sua implementação no país,  buscamos identificar e elucidar resistências em solucionar essa questão. A polêmica em torno do tema transcende o alcance apenas aos principais envolvidos, operador e apostador, englobando os três Poderes e exercendo influência na sociedade de modo generalizado.  

2. REGULAMENTAÇÃO E TRIBUTAÇÃO DE APOSTAS ON-LINE

Analisamos aqui as vigentes propostas para a legalização das apostas esportivas on-line, assim como a possível tributação decorrente dessas operações. Também trazemos posicionamentos daqueles que são, direta ou indiretamente, afetados pela regulamentação do setor, sob o enfoque de especialistas do ramo.

2.1. A proposta de regulamentação das apostas esportivas on-line no Brasil

Insta destacar, previamente, que o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (Lei 3.688/41) veda a exploração de jogos de azar no país. O §3º do citado artigo 50 esclarece o que sejam jogos de azar: “a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; e c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva”.

O Decreto-Lei nº 9.215/46 também considera defesa a prática de apostas sobre quaisquer outros esportes. Em consonância com essa perspectiva, Damásio de Jesus (2015, p. 65) propôs como conduta típica do delito: “o estabelecimento e a exploração de práticas de jogos de revés em ambientes públicos e de fácil acesso da população, mediante a cobrança ou não do ingresso”.

Uma lacuna no referido decreto de 1946 seria que a proibição abrangeria apenas a criação de locais físicos para apostas, uma vez que, à época, inexistiam os meios virtuais. Logo, após essa evolução tecnológica, a prática de apostas esportivas online restou sem a devida regulamentação (SECKELMANN, 2021). Com a redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015, o §2º do artigo 50, da Lei 3.688/41 passou a prever uma multa para participantes de jogos de azar, ainda que por meios virtuais[4].

Com a aprovação da Lei 13.756 em 2018, foi possibilitada a operação de sites de apostas em território nacional. Sua regulamentação, contudo, deveria ter ocorrido nos dois anos subsequentes à sua aprovação. Para viabilizar essa prática, Augusto Sávio Leó do Prado explica:

Nessa modalidade, há três atores envolvidos com a entrega da experiência ao seu destinatário final, que sempre será o apostador. São eles: os operadores (casas de apostas); os fornecedores que viabilizam a operação (plataformas, streaming, dados, odds, meios de pagamento) e as instituições reguladoras e de integridade (PRADO, 2023).

No ano de 2021, com o advento da Lei 14.183, houve apenas o estabelecimento da possibilidade de regulação/fiscalização das apostas de quota fixa e a alteração da destinação dos recursos arrecadados. Ainda, conforme entendimento do supramencionado autor, alguns detalhes foram modificados com a aprovação da Lei 14.183/21. Foi inserido o conceito de GGR (Gaming Gross Revenue), para o cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Já a base de cálculo para recolhimento da PIS (Contribuição para o Programa de Integração Social) e da COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), seria considerada nos moldes do turnover[5] (PRADO, 2023).

Em razão dessa omissão, permeiam indefinições acerca da regulamentação e da tributação do setor de apostas esportivas online no país. Em se tratando do Judiciário, discute-se, no Tema 924[6] de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, a legalidade dos jogos de azar, considerando o disposto no art. 50 da Lei Contravenções Penais.

Também tramita, no Senado Federal, o Projeto de Lei 845/2023. Apresentado pelos senadores Jorge Kajuru (PSB/GO) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), este modelo visa a suprir omissão legislativa e alcançar meios de conscientização, como o chamado “Jogo Responsável”[7], que diz respeito à limitação publicitária e à cobrança de tributos. Com base no referido projeto, pode-se definir aposta virtual como: “uma aposta realizada diretamente pelo apostador em sítios eletrônicos, aplicativos, ou outros meios virtuais, antes do evento real a que se refira a aposta ou durante a sua ocorrência” (SENADO FEDERAL, 2023).

O ponto em questão é a ausência de tributação em relação ao setor de apostas online. Já há legislação vigente a respeito, entretanto, a modalidade não foi devidamente regulamentada no Brasil, vez que não existem tributos e repasses à Administração Pública. Sendo assim, as operações são realizadas de forma livre e as grandes empresas não possuem sede no país. Contudo, veiculam suas imagens em canais de televisão abertos e por meio do patrocínio a diversos clubes esportivos. Em conformidade com o portal desportivo BNL Data[8] (2023), estima-se que o ramo obtenha lucro aproximado de 12 bilhões de reais, em 2023. Aliás, essa arrecadação deve alcançar números ainda maiores, quando ocorrem eventos em nível mundial, como a Copa do Mundo da FIFA.

Com o intuito de regulamentar outros ramos de apostas e a atividade de cassinos, também tramitam no Congresso Nacional os Projetos de Lei 186/2014, 595/2015, 2648/2019 e 4.495/2020. A modalidade de exploração das loterias, sob o comando da Caixa Econômica Federal, é um exemplo de regulamentação de apostas, sob constante supervisão estatal. Reputa-se que a atividade traga benefícios ao interesse nacional, por intermédio da criação de vagas de trabalho direto e indireto, e da consequente geração de renda. Poderá também haver estímulo ao turismo. O outro lado da moeda seriam potenciais problemas, conforme a experiência internacional mostra, de que os grandes cassinos são usados para a lavagem de divisas, eventual financiamento ao terrorismo e às milícias, tráfico de drogas e prostituição. A fiscalização desse setor é muito difícil. Além disso, o vício em jogos e apostas integra o Código Internacional de Doenças.

Em outros aspectos, a regulamentação coibiria o tratamento abusivo dessas apostas, reduzindo crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento de atos criminosos, tendo em vista que a quantia arrecadada estaria sob o modelo regulatório estatal. Segundo os autores Danilo Serra Tavares e Felipe Mello Cerqueira, escrevendo no portal Migalhas (2022), essa possibilidade de validação de práticas desportivas, como os jogos de azar, é dotada de relevância social, porém mostra-se condicionada à regulamentação para garantir sua permanência e efetivação. Ao criar e aplicar sanções àqueles que contrariarem as normas, está se resguardando bens juridicamente tutelados, bem como preservando a vida harmoniosa em sociedade e as partes envolvidas.

Há, contudo, opiniões contrárias à tal controle estatal, uma vez que consideram que o Estado falha na fiscalização e que a prática exacerbada de apostas poderia incentivar os apostadores ao vício. Em consonância com essa perspectiva, o psiquiatra Valdir Campos, em entrevista concedida ao jornal A Tribuna (2022), esclareceu que há indivíduos na sociedade com maior propensão a desenvolver patologias ligadas ao vício em jogos. Para inibir o adoecimento de parcela da população, seria necessário vedar a prática de jogos de azar, e, esse combate seria considerado uma política pública. Há ainda o posicionamento contrário atrelado à religião, tendo como um dos representantes a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), que critica a proposta, salientando os prejuízos à família, à moral e à sociedade como um todo.

Para Chris Doughan, da Genius Sports[9], em entrevista à Lincoln Chaves, da Radio Nacional,tornar essas apostas legais seria um modo de evolução, tanto no ramo fiscalizatório, quanto no tributário, vez que 75% dos componentes do mercado de apostas atuam de maneira ilegal. O especialista ainda complementa afirmando que, com a ausência de regulamentação não há contabilização das apostas, nem segurança ao apostador e visibilidade ao esporte. Assim, o Estado deixa de tributar a modalidade, sem garantir os benefícios dela decorrentes (AGÊNCIA BRASIL, 2019).

Em que pese as possíveis regras que serão adotadas para regulamentar as apostas em território nacional, empresários do ramo foram favoráveis à proposta e à possibilidade de tributação sobre as operações. O CEO global da Plataforma KTO[10], Andreas Bardun, prestou informações publicadas pelo portal GZH Geral (2023)[11], no sentido favorável à arrecadação tributária governamental, tendo em vista que essa tributação ocorre em diversos países em que sua empresa atua, de forma licenciada. A regulamentação de apostas esportivas e a tributação do setor certamente alavancam aspectos econômicos e o crescimento nos índices de empregabilidade.

Acredita-se que o regramento da tributação do setor, a exigência de sede das empresas no país, a fiscalização de atividades consideradas suspeitas e a garantia do respeito à integridade das apostas, afastaria empresas que poderiam ser prejudiciais, visto que os dados estariam sob análise constante da Receita Federal do Brasil e do Banco Central. Para tanto, utilizariam a tecnologia e a inteligência artificial para o efetivo monitoramento do comportamento dos usuários, além de mecanismos de conformidade (compliance) como, por exemplo, “conheça o seu cliente” ou “know your client – KYC” e “conheça a sua transação” ou “know your transaction – KYT”. Esses procedimentos servem para observar os dados dos utilizadores e eventual histórico negativo de envolvimento em fraudes, ou, de atividades relacionadas à lavagem de divisas. De acordo com o diretor da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte[12], esses mecanismos de inteligência artificial avaliam fatores como a periodicidade de apostas e os possíveis aumentos súbitos de quantias apostadas, evitando prejuízos decorrentes de fraudes e possibilitando a notificação aos órgãos moderadores (GHZ Geral, 2023).

Desde a promulgação da Lei 13.756/18 e mesmo sem a devida regulamentação, essa prática tornou-se uma realidade no contexto nacional, sendo incontestáveis o seu crescimento e a ascensão constante do número de adeptos.

2.2. A possibilidade de tributação das apostas virtuais em âmbito nacional

Como proposta inicial de regulamentação, o governo federal sugeriu, na gestão Bolsonaro (2019-2022), que as empresas do setor de apostas arcassem com uma taxa, aproximada entre 22 e 30 milhões de reais, para operarem no Brasil, por um período de 5 (cinco) anos. Contudo, a atual gestão federal (2023-2026) considera esse valor superado e propõe 30 milhões para a obtenção da licença, valor que tem sido considerado exagerado por representantes do setor. Este é um fator crucial e que poderá afastar potenciais investidores e, consequentemente, reduzir o recolhimento de tributos. Conforme a concepção de Luiz Felipe Maia, advogado especialista em apostas, em entrevista à Máquina do Esporte (2023): “No final do dia, cobrar uma licença mais cara, vai gerar uma arrecadação mais baixa. Porque a arrecadação do dia a dia vem sobre a operação de quem está devidamente licenciado, legalizado”.

Partindo dessa premissa, necessária uma análise acerca do equilíbrio na tributação que será implementada, com a finalidade de manter o interesse de empresas do ramo e dos apostadores, sem afetar o recolhimento dos tributos. Tendo como alicerce o princípio da proporcionalidade, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento atinente a essa temática mediante a Questão de Ordem da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.551[13], relator o Ministro Celso de Mello, que concluiu que:

[…] A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atividade estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixados em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência, entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro) configurar-se-á, então, quanto a esta modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV da Constituição da República (BRASIL, 2003).

Consoante o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista à Reuters[14], a tributação das apostas se dará por medida provisória. Entretanto, será previamente analisada pela Casa Civil e, após a sua publicação, serão editados portarias e atos infralegais, definindo um regramento efetivo. Em pesquisa pública, realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas[15] (2023), obteve-se como resultado que, dentre o público questionado, 55,2% são a favor da cobrança de tributos de empresas de apostas esportivas online. Outros 27,9% dos entrevistados se disseram desfavoráveis à proposta, enquanto 16,9% não souberam responder ou não opinaram.

Especialistas acreditam que a tributação das empresas do setor de apostas online deveria se aproximar do percentual de 20%, levando em consideração a média do Gaming Gross Revenue (GGR), aplicada em outros países e que tem essa tributação como atrativo de investidores. O especialista Udo Seckelmann, durante o Webinar “Apostas Esportivas no Brasil – Análise Regulatória e Aspectos Tributários”, organizado pela Academia Nacional de Direito Desportivo,  apresentou uma análise conclusiva acerca da tributação de apostas esportivas no país. Ele concluiu que, atualmente, existem operações realizadas em território nacional que se adequam ao negócio de apostas esportivas. Contudo, com a ausência de um amparo jurídico regulamentador, o governo acaba não tributando essas atividades. Por fim, aquele especialista alerta para o fato de que deve ser observada a implementação de um tributo equilibrado e, consequentemente, atrativo para que os operadores se instalem no Brasil (SECKELMANN, 2021).

Com a aprovação da Lei 14.183/21, foi delimitada a aplicação do GGR. No entanto, subsistem aspectos ainda sem fundamentação legal, como a forma em que a tributação incidirá sobre a atividade, a instalação dessas empresas no Brasil e a tributação sobre os apostadores. Desse modo, o Gaming Gross Revenue diz respeito à receita bruta dos jogos e é calculado pelo volume de apostas, descontando o valor pago para a premiação. O Turnover, por sua vez, é o cálculo feito a partir de toda a receita ou pelo volume gasto nas operações de apostas, podendo ser variável o percentual de sua tributação.

            Nos moldes atuais, o Decreto 9.580/18, em seu artigo 732, traz a cobrança da alíquota correspondente a 30% para as hipóteses de lucros decorrentes de prêmios obtidos em loterias, turfe, sorteios, dentre outras modalidades. Esse tributo incide sobre os apostadores, contudo, sua aplicabilidade não está definida no que tange às apostas esportivas on-line. O especialista Luiz Felipe Maia acredita que o percentual de tributos sobre as empresas do setor esportivo se aproximaria de 19%, semelhante às empresas convencionais, sendo dividido em: 0,10% do pagamento de apostas realizadas em locais físicos e 0,05% para apostas virtuais. Os valores referentes à PIS e à COFINS são 9,25% e há, ainda, um percentual variável de acordo com o local em que a empresa é sediada entre 2% e 5% (MÁQUINA DO ESPORTE, 2023).

A atualização das normas tributárias não acompanha o desenvolvimento tecnológico e alguns países deixam de arrecadar valores bilionários com a fiscalização das modalidades de apostas sobre competições esportivas. O Brasil está caminhando para a regulamentação do registro de empresas do setor, de tributos incidentes e de ilícitos potenciais.

Como forma de definir a competência tributária para a aplicação do ISS sobre os jogos online, em caráter de apostas ou não, foi votado o Projeto de Lei Complementar nº 202/2019[16], que determina que o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) seja recolhido no local de domicílio do jogador (SENADO FEDERAL, 2019). Nota-se, portanto, que, apesar do lapso temporal decorrido desde a votação, o projeto supracitado encontra-se em plena tramitação.

Em contraposição ao aspecto da legalidade, há o princípio tributário pecunia non olet (“dinheiro não tem cheiro”). Apesar de ainda não serem tributáveis as atividades do setor de apostas, o contribuinte pessoa física deve arcar com o Imposto de Renda e eventuais outros tributos (IPTU, IPVA etc.), decorrentes da apuração de ganho de capital e bens adquiridos com a quantia arrecadada com apostas bem-sucedidas.  De acordo com Soares (2019, p.20): “[…] para fins de tributação, pouco importa se o ato praticado pelo sujeito passivo é legal ou ilegal, pois o que interessa, em termos de incidência, é o resultado econômico obtido”.

Para as premiações das apostas realizadas em loterias federais há um abatimento prévio, ou seja, uma alíquota de 30%, que é retida na fonte para o Imposto de Renda. No entanto, os valores que chegam ao ganhador são aqueles divulgados, uma vez que já houve desconto. (R7, 2022).

Aguardando apreciação, há também o Projeto de Lei 442/91, que tramita como PL 2234/22, cuja aprovação repercutiria diretamente em todo o setor de apostas. Tal proposição legislativa tinha o objetivo inicial de legalizar o “jogo do bicho”. Todavia, a proposta foi alterada para incluir a possibilidade de exploração de jogos de revés e de apostas em todo o Brasil (SENADO FEDERAL, 1991).

A dificuldade de fiscalização do setor de apostas é exatamente um dos obstáculos para a sua regularização.  Locais físicos e virtuais implementados de forma desregrada podem fomentar o vício, induzindo à incidência de práticas como o tráfico de entorpecentes, a ocultação de bens e o endividamento familiar.

3.  DIREITO COMPARADO E PARÂMETROS RELEVANTES PARA A VIABILIZAÇÃO DO SETOR DE APOSTAS ESPORTIVAS ONLINE NO PAÍS

Aqui exploramos os impactos da legalização das apostas esportivas on-line em diversos países, considerando a sua capacidade de tributação e de fiscalização em relação ao setor. Também analisamos aspectos socioeconômicos, caso sejam aprovadas e tributadas as operações das empresas de bettings no Brasil.

3.1 Análise comparativa: a operação das apostas online em outras Jurisdições

Consoante informações do laboratório estadunidense Tax Foundation (2022), houve autorização e tributação de apostas esportivas online em, aproximadamente, trinta estados daquela Jurisdição. Majoritariamente, lá é adotado o modelo Gaming Gross Revenue para realizar o pagamento aos apostadores. Como exemplo, o Estado de Nova Iorque definiu uma taxa GGR de 51%. Alguns estados estudam retirar a tributação de apostas promocionais, uma vez que o excesso de tributos pode reduzir a atratividade do mercado.

Também nos Estados Unidos, há uma espécie de tarifa (preço/custo privado) que varia de acordo com o tipo de aposta, chamada de vig (vigorish) ou juice, e que corresponde a uma quantia cobrada pelas casas de apostas somente para a participação do jogador, ressarcida em caso de vitória. Ainda poderá ocorrer a incidência de tributos federais, uma vez que, de acordo o Serviço de Receita Federal estadunidense, Internal Revenue Service – IRS, todos os ganhos advindos de apostas devem ser declarados como uma forma de renda extra. Contudo, esse tributo será aplicado a ganhos superiores a 600 dólares e pode sofrer variações conforme a premiação. Em apostas com ganhos superiores a 5 mil dólares, essa tributação pode se aproximar de 28%. Os apostadores ainda são submetidos a um tributo estadual cujo percentual varia de acordo com cada estado (FORBES BETTING, 2022).

O site Time2play[17] (2023) executou um levantamento das apostas realizadas nos Estados Unidos, durante o período da pandemia da COVID-19. Os resultados mostraram que, enquanto houve uma queda de 47% nas apostas realizadas de forma presencial, o setor de apostas esportivas on-line foi beneficiado com um aumento geral exponencial de 68%. Os resultados do estudo influenciaram estados, em que as apostas eram tidas como irregulares, a regulamentarem a prática, devido à receita adquirida durante o ano de 2020. O mesmo site ainda realizou uma pesquisa sobre a preocupação do cidadão dos Estados Unidos com o índice crescente de regularização de apostas. Os resultados mostraram que somente 20% dos entrevistados relataram ter certa preocupação, enquanto 42% não revelaram qualquer receio.

No Reino Unido a remuneração é realizada de maneira diversa, ou seja, o GGR é utilizado para recolher o percentual de 15% da receita bruta das apostas, somente das empresas de apostas on-line, cassinos e casas de apostas. O cidadão não é diretamente tributado, nem mesmo com Imposto de Renda sobre a premiação em si, independente do valor auferido, ou da região em que foi realizada a aposta. Apesar da ausência de tributação sobre o apostador aparentar ser prejudicial à arrecadação governamental, na realidade, esse é um fator atrativo para os jogadores e garante, desde o ano de 2018, em média, 2,9 bilhões de libras esterlinas arrecadadas do setor de apostas. Para garantir a legalidade são utilizados sites licenciados e aferidos pelo governo britânico (TECHROUND, 2023).

Em razão dessa estrutura bem definida, o Reino Unido tem um dos maiores mercados mundiais de apostas online. O seu marco inicial data de 2005, por meio do Gambling Act e complementado pelo Gambling Bill, de 2014. Segundo o site Aposta Legal[18] (2023), o cumprimento dessas regras é garantido pela Gambling Comission[19], que também é responsável por expedir as licenças para os operadores, pessoas físicas ou jurídicas, devendo observar fatores como o combate ao vício, a vedação da prática por crianças e o oferecimento de apostas justas. Também deve emitir relatórios das atividades realizadas para combater a fraude, obedecendo o regramento previsto na License Conditions and Codes of Practices. Seu descumprimento pode acarretar a suspensão da licença e sanções.

A política fiscalizatória é rigorosa, uma vez que são exigidos relatórios contendo o histórico de cada apostador e analisadas as transações financeiras das casas de apostas e dos clientes. Para manter o licenciamento no Reino Unido, paga-se uma taxa anual de 3% sobre o total da receita recebida naquele ano pelos estabelecimentos. Deste modo, ficam seguras juridicamente as empresas do setor, o apostador e o próprio governo, considerando que possuem um ente que regulamenta e fiscaliza o setor de apostas, incluindo aquelas realizadas virtualmente, com publicidade e transparência para coibir trapaças e a inserção dos cidadãos no vício, decorrente de jogos.

Na Espanha, por intermédio da Lei nº 13, de 2011[20], foram regulamentados os jogos online. Em que pese o grande crescimento do setor de apostas e consequente aumento no número de arrecadações naquele país, alguns autores espanhóis demonstram preocupação com a exposição deliberada às apostas, sobretudo da população mais jovem. Com isso, é estudada uma vertente da ludopatia[21], diretamente relacionada aos jogos desportivos virtuais. Isso se dá por fatores que transcendem a amplitude e a propagação da modalidade, mas também incluem a facilidade em alcançar os resultados, quando rapidamente encantam esse público (FERNÁNDEZ; ALGARIN, 2019).

A Austrália é um exemplo de local onde as apostas e os jogos de azar são explorados de forma abrangente. Em 2017, a entidade responsável pela regulamentação do setor fez algumas alterações na Interactive Gambling Act, de 2001. A Australian Communications and Media Authority (2022), modificou o referido ato regulamentador para restringir as apostas de australianos a grupos de jogos ilegais do exterior. Essa alteração, segundo o portal governamental, reduziu significativamente o prejuízo dos jogadores. Ademais, com as modificações de 2017, foram elencadas dez medidas para auxiliar apostadores com vícios ou demandas decorrentes da atividade desportiva, por meio da Estrutura Nacional de Proteção ao Consumidor.

No continente asiático, o tratamento do setor de apostas esportivas é diversificado. Há países, como a Indonésia, onde a prática é proibida e outros, como Singapura, onde a prática não está vedada e tem regulamentação. Existem também casos como o do Japão e o da Coreia do Sul, em que a legalidade abarca somente determinados setores, como as corridas de cavalo. O caso da República Popular da China é delicado, do ponto de vista fiscalizatório, uma vez que, mesmo com legislação que define a prática de apostas como ilegal no país, muitos chineses procuram sites do exterior e os acessam de forma sigilosa. Segundo o portal SIGMA News (2021)[22], O Ministério de Segurança Pública da República Popular da China declarou que a polícia local havia investigado, aproximadamente, 17.000 casos de jogos de azar entre fronteiras. Em cerca de um ano, as autoridades chinesas fecharam 3.400 plataformas de jogos de azar online e 2.800 plataformas de provedores de pagamentos ilegais.

Portanto, com as peculiaridades de cada país, observam-se também os valores morais e sociais de cada local, atrelados ao bem-estar dos cidadãos, que são fatores decisivos para a regulamentação ou proibição da prática de apostas esportivas. Em contraposição, este fenômeno é contemporâneo, por isso carece da devida atenção estatal. A era da informatização traz inúmeras possibilidades, inclusive a de burlar aquilo que é vedado. Com a ausência de fiscalização e a omissão do Estado, cidadãos ficam expostos ao hábito de apostar de forma desembaraçada, podendo contrair distúrbios psicológicos e, da mesma forma, desenvolver condições como a compulsão em relação aos jogos de azar, chamada ludopatia.

3.2 Impasses para a regulamentação das apostas esportivas online em território nacional

Um dos fatores que mais fomenta a discussão acerca da legalização de apostas esportivas on-line é de crimes como a evasão e lavagem de divisas. No limbo legislativo em que se encontra o setor no país, esses crimes são praticamente uma consequência, tendo em vista que as casas ou sites de apostas não podem ter sede no Brasil e atualmente são operados por empresas do exterior. Não são observadas as movimentações financeiras dessa atividade, o que enseja a possibilidade de sua utilização para uma retirada financeira com intuito de ludibriar as cobranças.

Sendo assim, rendimentos provenientes de atividade ilícita podem ser declarados como premiações de jogos de azar (lavagem de divisas). Para coibir esses ilícitos é necessário analisar medidas adotadas no contexto internacional e adequar a legislação existente para que alcance os estabelecimentos comerciais, sedes e filiais, evitando condutas ilícitas e elencando como dever dos operadores comunicar atividades suspeitas e promover avaliações frequentes.

Apesar do Decreto 9.215/46 prever ser irregular o setor de apostas no Brasil, essa proibição é somente sobre a atividade de cassinos, bingos e demais jogos de azar presenciais. Com a utilização da Internet, essa norma foi superada, pois não dispõe acerca das apostas esportivas virtuais ou online, além da atuação dos operadores ocorrerem em outros países. Neste contexto, resta afastada a punibilidade de jogadores/apostadores online, sob o aspecto da Lei de Contravenções Penais e da posterior Lei nº 13.756/18.

É irrefutável a demora do governo federal em suprir lacunas normativas e tributar um mercado que movimenta bilhões de reais anualmente e está em plena ascensão. A mera cobrança do imposto de renda sobre os ganhos dos apostadores denota perda de arrecadação, “valores que poderiam ser utilizados para promover políticas públicas e a criação de novas vagas de emprego” (PRADO et al., 2021).

Outro aspecto a ser analisado é a confiabilidade dos mercados de apostas esportivas. O relatório do Sportradar[23] (2022) revelou que o Brasil é o país em que houve o maior índice de possível manipulação de resultados. Para isso, foram analisados erros de resultados e indícios fortes obtidos a partir de algoritmos e de um banco de dados, constantemente atualizado. Nos dias atuais, as apostas esportivas transcenderam a máxima de que para obter a premiação seria necessário apenas identificar o ganhador e o resultado da partida. No futebol, por exemplo, são considerados acertos sobre detalhes como o número de escanteios e a quantidade de cartões aplicados durante a partida.

Algumas operações foram deflagradas para investigar suspeitas de manipulação de resultados em partidas de futebol dos campeonatos cearense e amazonense. Destaque para uma operação deflagrada pelo Ministério Público do Estado de Goiás, chamada de “Operação Penalidade Máxima”. Nela é investigado um esquema na série B do Campeonato Brasileiro, em que os jogadores deveriam cometer pênaltis, ainda na primeira etapa do jogo, favorecendo determinados apostadores virtuais e empresários (GE, 2023). O caso teve tanta repercussão que ocasionou a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas na Câmara dos Deputados, em Brasília[24].

Essas fraudes evidenciam mais transtornos decorrentes da falta de fiscalização e promovem questionamentos sobre a credibilidade dos esportes, em um mercado com ausência de regulamentação. Aliás, o Código de Ética da FIFA de 2023 veda a participação de jogadores, técnicos, agentes, árbitros e demais profissionais ligados ao futebol em apostas, exatamente para coibir a manipulação. A indústria de apostas esportivas está em crescimento mundial, em que pese a ausência de um marco regulatório brasileiro. O Comitê Olímpico Internacional, desde o ano de 2022, já demonstra preocupação com a adulteração nos resultados de jogos para trazer lucro a uma parcela determinada de apostadores, empresários e, até mesmo, atletas (IGAMING BRAZIL, 2023).

A fiscalização e repressão a golpes e fraudes, tanto no âmbito esportivo, quanto nas apostas físicas e virtuais são atividades complexas, devido à dificuldade de contabilizar o número de empresas às quais o apostador submete seus jogos e fornece seus dados, bem como para monitorar dados sobre atitudes suspeitas dos próprios jogadores. Preocupações relativas a organizações criminosas e esquemas de pirâmide financeira, encobertos pela atividade de apostas, são fatores preocupantes e com grande potencial negativo sobre o setor.

O apostador, por sua vez, é um dos maiores alvos das condutas criminosas. É ele o autor de investimento financeiro, sem estar devidamente resguardado e protegido pelas normas jurídicas vigentes. As próprias operadoras, no mais das vezes, criam seus próprios mecanismos internos (KYC/KYT)[25] para verificar atividades ilícitas e o comportamento do consumidor. Com a normatização das apostas, os adeptos da modalidade gozarão da possibilidade de escolher entre diversas empresas, devidamente licenciadas, sob supervisão do Estado, podendo minimizar golpes e propiciar o recebimento garantido da premiação.

Existem maneiras saudáveis de utilizar as apostas como forma de entretenimento, como por intermédio do “Jogo Responsável”[26], que é um conjunto de propostas com o objetivo alertar sobre possíveis danos decorrentes de apostas e restringir a faixa etária dos apostadores. As loterias da Caixa Econômica Federal são exemplo, pois ocupam local de destaque no estímulo em relação a esse programa de boas práticas e conscientização, em nível mundial.

Ferramentas como o background check (“verificação de antecedentes”) digital, que corresponde a uma maneira de obter informações acerca de pessoas jurídicas e físicas, além de prováveis envolvimentos em fraudes, processos e problemas financeiros, apenas com o uso da razão social e do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, ou, do nome e Cadastro de Pessoas Físicas. Há também, a utilização do know your costumer – KYC (“conheça seu cliente”), que confere uma validação da documentação cadastrada e o reconhecimento facial pelos usuários, assim que seu cadastro é criado, para evitar fraudes com a vinculação deliberada de documentos de qualquer pessoa. Com o auxílio tecnológico e de inteligência artificial, as empresas são capazes de monitorar a atividade dos apostadores e a origem dos valores aplicados, garantindo mais segurança aos operadores (IDWALL, 2022).

A publicidade dos sites de apostas virtuais tem sido criticada e demonstrou a necessidade de regulamentação própria para proteger a população da tendência ao vício e de consequentes problemas financeiros. Contudo, as empresas do setor têm investido em massivas campanhas publicitárias nas mídias sociais, em diversos meios de comunicação e no patrocínio aos clubes de futebol. Os problemas sociais derivados se estendem, por exemplo, quando crianças e adolescentes passam a fazer parte da população que é ludibriada por promessas de lucro fácil, rápido e descomplicado. Tanto mais quando os “garotos-propaganda” são ídolos do futebol internacional.

No Reino Unido, por exemplo, devem ser seguidas regras rigorosas para evitar a inserção dos apostadores no vício e estimular a jogabilidade equilibrada. Assim, as campanhas publicitárias no setor têm restrições, sendo vedadas durante a programação infantil e no transporte público. Segundo o site Igaming Brazil[27] (2022), o Comitê para Prática de Publicidade do Reino Unido está restringindo o uso de imagens de jogadores de futebol para o marketing, pois entende como potente apelo para estimular a participação do público jovem nas apostas.

Uma legislação bem definida e apropriada sobre as apostas esportivas online, atrelada à Lei Geral de Proteção de Dados (2018), trariam confiança e proteção ao apostador. Os dados dos clientes em potencial seriam tratados e compartilhados somente com a sua expressa permissão, incluindo a finalidade à qual seriam utilizados. Em caso de eventuais vazamentos, irregularidades ou descumprimento dos requisitos legais, as empresas poderiam sofrer penalidades de até R$ 50 milhões por infração e um percentual de 2% do total faturado pela empresa. Com base em legislação, experiências e diretrizes de outros países é possível construir um alicerce sólido para a exploração das apostas esportivas virtuais no Brasil, aproximando-se de um sistema ético, conforme e transparente.

Recentemente, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, o assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, José Francisco Manssur, informou[28] sobre as diretrizes tributárias elencadas na chamada “Medida Provisória das Apostas Esportivas”[29], restringindo essa pauta às loterias de prognósticos de resultados de esportes, afastando assim a regulamentação de jogos azar, como o bingo e o cassino. Dos operadores será exigida sede da empresa no país, o pagamento de uma licença de R$ 30 milhões e a tributação seguirá um modelo próximo ao implementado no Reino Unido, de 15% no GGR, ou seja, esse percentual será descontado do lucro obtido pela empresa, sob pena de atuarem na ilegalidade. Os percentuais de Imposto de Renda, PIS e COFINS manteriam os moldes atuais para pessoas jurídicas, com a contribuição de alíquota próxima de 10% para a Seguridade Social. Em relação ao apostador, serão observados os critérios já definidos na Lei 13.756/18, de 30% sobre o Imposto de Renda, respeitando a faixa de isenção preexistente. Parte dos congressistas considera inconstitucional a utilização de medida provisória para esses fins tributários, considerando o disposto no artigo 146 da Constituição Federal, que exigiria lei complementar para tanto: “[c]abe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;(…)”. O texto está sendo apreciado pelo Congresso Nacional (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2023).

Não obstante, o Ministério da Fazenda, informou, pela plataforma digital do Governo, sobre a finalização da proposta de regulamentação dos bettings, por medida provisória a ser encaminhada ao Congresso Nacional. Todavia, houve alteração do percentual a ser utilizado, que será de 16% sobre o GGR, tendo uma destinação às áreas essenciais, como segurança, educação e ações sociais. A regulação da comunicação, publicidade e propaganda ficaria a cargo do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR) e seria criada uma secretaria no próprio Ministério da Fazenda para exercer o controle de apostas e das empresas a serem credenciadas (GOV.BR, 2023).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou trazer luzes à regulamentação e tributação das apostas esportivas virtuais no país. O fenômeno das apostas online é contemporâneo e complexo, envolvendo desde a legalidade dos jogos de azar, incluindo as chamadas bettings, até as possíveis intercorrências na implantação e atuação segura e lícita do setor no Brasil, além do devido equilíbrio para coibir exigências exacerbadas do poder público e tributação excessiva, que acabam por afastar operador e apostador.

O objetivo foi analisar a viabilidade da operação do setor de apostas em território nacional, considerando o contexto socioeconômico e governamental. Buscou-se um método capaz de fornecer proteção aos principais envolvidos, explorando o tratamento do tema por outros países. Concluímos ser possível realizar fiscalização e tributação adequadas, já que o Estado brasileiro não tem tributado os lucros decorrentes de apostas esportivas online, gerando insegurança jurídica e financeira, além de deixar de coibir ilícitos fiscais e contribuir para o crescimento da desigualdade socioeconômica.

Foram analisadas diferentes legislações, proposições legislativas, entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que abordam as apostas de quota fixa, a verificação de métodos utilizados como atrativos e normas, em diversos países, que podem influenciar essas operações no Brasil e identificar dificuldades a serem enfrentadas em caso de efetiva regulamentação do setor. Verificou-se, portanto, que a ausência de regulamentação gera insatisfação e desafios, pois os jogadores são expostos à prática deliberada, à insegurança e a empresas desconhecidas, que têm a possibilidade de atuar, inclusive, de maneira irregular e fraudulenta.

O estabelecimento de diretrizes transparentes, protetivas e íntegras definirá o mercado de apostas virtuais, por intermédio de licenças, fiscalização, combate à fraude e a outros ilícitos relacionados. Ao garantir que essa prática pertença a um ambiente saudável, em que a sua tributação seja sinônimo de benefícios para o país, a arrecadação tributária decorrente dessa indústria em ascensão ensejaria um exponencial auxílio para as finanças públicas, atraindo investimentos fundamentais para o desenvolvimento do Brasil.

            É crucial que as normas sejam elaboradas de forma criteriosa e equilibrada, considerando as experiências internacionais, bem como o atendimento ao interesse das partes envolvidas. Para isso, um elo entre poder público, especialistas e sociedade é imprescindível para a criação de marco regulatório justo e adequado, que proteja o consumidor e incentive o crescimento do setor de apostas. Além disso, a devida observância de questões relativas à saúde mental do apostador, que está suscetível a desenvolver a ludopatia, é imprescindível. Também os operadores do mercado e o próprio Estado necessitam estar atentos para evitar crimes como a manipulação e fraude dos resultados, que, inclusive, ensejou a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas Esportivas, no âmbito da Câmara dos Deputados. A prevenção e o combate aos crimes do setor são cruciais para a consolidação e confiabilidade dessa modalidade em território nacional.

            Em suma, com a globalização tecnológica, alavancada pela pandemia de COVID-19, houve um aumento da procura da sociedade por entretenimento e consumo online. A regulamentação e a tributação das apostas esportivas online é o meio apropriado para dissociar as práticas ilegais deste mercado daquelas lícitas e construtivas. Por intermédio da implementação de legislação bem estruturada, seria possível garantir proveitos, ao Estado e à sociedade, decorrentes dessa atividade. A indicação ou criação de uma autoridade para o monitoramento dos sites, controle de apostas e de publicidade é essencial para um determinante cumprimento da legislação. Tal autoridade seria certamente auxiliada pelas inovações da tecnologia e pela inteligência artificial no cumprimento de suas tarefas. Enfim, a devida garantia de arrecadação pelo Estado, um ambiente seguro ao apostador, a transparência e o incentivo às empresas do ramo são critérios a serem considerados pelas autoridades para a consolidação desse setor e para o desenvolvimento socioeconômico do país.

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SECKELMANN, U. All-in para o Brasil como regulamentar um multibilionário mercado de apostas esportivas. Bichara e Motta Advogados. 24 nov. 2021. Disponível em: https://www.bicharaemotta.com.br/all-in-para-o-brasil-como-regulamentar-um-multibilionario-mercado-de-apostas-esportivas/. Acesso em: 11 mar. 2023;

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei Complementar n° 202, de 2019. Altera a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, para permitir a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza sobre a organização, administração ou exploração de jogos eletrônicos em qualquer modalidade, ainda que por meio da internet. Diário do Senado Federal, Brasília, 03 set. 2019. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/112096?pagina=99. Acesso em: 18 mar. 2023;

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 442, 21 de março de 1991. Dispõe sobre a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional; altera a Lei nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984; e revoga o Decreto-Lei nº 9.215, de 30 de abril de 1946, e dispositivos do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais), e da Lei nº 10.406, de 19 de janeiro de 2002 (Código Civil). Diário do Congresso Nacional, Brasília, 21 mar. 1991. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD01MAI1991.pdf#page=43. Acesso em: 22 mar. 2023;

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 845, de 2023. Dispõe sobre a regulamentação da modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa, estabelecida pela Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018. Diário do Senado Federal, Brasília, 03 mar. 2023. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/112097?sequencia=10. Acesso em: 15 mar. 2023;

SIGMA NEWS. China estende proibição em atividades ilegais de jogos de azar. 23 jul. 2021. Disponível em:https://sigma.world/pt-br/news/china-estende-proibicao-em-atividades-ilegais-de-jogos-de-azar/ Acesso em 17 abr. 2023;

SOARES, I. C. Regulação e Tributação de apostas esportivas no Brasil: lei 13.756/18 e a compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro. Universidade Federal de João Pessoa. Paraíba, 30 set. 2019. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/16211. Acesso 31 mar. 2023;

TAVARES, D.S; CERQUEIRA, F.M.O PL 442/91 e o futuro dos jogos de azar no Brasil: normas, fiscalização e aplicações de sanções. Migalhas. 29 mar. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/361771/o-pl-442-91-e-o-futuro-dos-jogos-de-azar-no-brasil. Acesso em: 15 mar. 2023;

TAX FOUNDATION. Large Spread in Tax Treatment of Sports Betting Operators. 09 fev. 2022. Disponível em:https://taxfoundation.org/sports-betting-tax-treatment/. Acesso em 22 abr. 2023;

ECHROUND. Do You Need to Pay Taxes in The UK On Gambling Winnings? Londres, 25 fev. 2023. Disponível em:https://techround.co.uk/other/need-pay-taxes-uk-gambling-winnings/. Acesso em 26 abr. 2023;

TIME2PLAY. Gambling statistics 2022: The definitive guide.21 fev. 2023. Disponível em: https://time2play.com/gambling-statistics/ Acesso 05 mai. 2023.


[3] Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-monopolio-de-loterias-no-brasil/936747172#:~:text=A%20Caixa%20Econ%C3%B4mica%20Federal%20tem%20o%20monop%C3%B3lio%20das%20loterias%20desde%201961. Acesso em: 04/07/2023.

[4] “§ 2o Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador”. 

[5] A tributação por turnover cobra taxas sobre todo o dinheiro transacionado pelos apostadores em uma casa de apostas. Ou seja, sobre as apostas realizadas. Esse modelo desconsidera boa parte dos valores que não ficam com a casa, por exemplo: o pagamento de prêmios e bônus, despesas com promoções etc.

[6] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4970952&numeroProcesso=966177&classeProcesso=RE&numeroTema=924. Acesso em: 04/07/2023.

[7] Disponível em: https://www.caixa.gov.br/jogo-responsavel/Paginas/default.aspx. Acesso em: 04/07/2023.

[8] Disponível em: https://bnldata.com.br/. Acesso em: 04/07/2023.

[9] Disponível em: https://www.geniussports.com/. Acesso em: 21/06/2023.

[10] Disponível em: https://www.kto.com/pt/. Acesso em: 21/06/2023.

[11] Disponível em: https://www.osul.com.br/pessoas/ceo-kto-andreas-bardun-visita-pampa/. Acesso em: 21/06/2023.

[12] Disponível em: https://abradie.com/pt/. Acesso em: 21/06/2021.

[13] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1978816. Acesso em: 04/0-7/2023.

[14] Disponível em: https://www.reuters.com/article/brazil-economy-sportsbetting-idINL1N3592NE. Acesso em: 04/07/2023.

[15] Disponível em: https://www.paranapesquisas.com.br/pesquisas/parana-pesquisa-divulga-pesquisa-realizada-em-territorio-nacional-com-o-objetivo-de-avaliar-o-mercado-de-apostas-esportivas-online-marco-2023/. Acesso em: 04/07/2023.

[16] Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/matéria/-/matéria/138471. Acesso em: 26/06/2023.

[17] Disponível em: https://time2play.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[18] Disponível em: https://apostalegal.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[19] Disponível em: https://www.gamblingcommission.gov.uk/. Acesso em: 04/07/2023.

[20] Disponível em: https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2011-9280. Acesso em: 04/07/2023.

[21] Condição médica caracterizada pela compulsão de uma pessoa por jogos de azar, o que pode levar a graves consequências para o indivíduo: financeiras, sociais, físicas e emocionais. O vício em jogos de azar é classificado pelos CID-10-Z72.

[22] Disponível em: https://sigma.world/news/. Acesso em: 26/06/2023.

[23] Disponível em: https://sportradar.com/. Acesso em: 26/06/2023.

[24] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2351335. Acesso em: 26/06/2023.

[25] KYC – Know your customer. KYT – Know your transaction.

[26] Disponível em: https://www.caixa.gov.br/jogo-responsavel/Paginas/default.aspx. Acesso em: 26/06/2023.

[27] Disponível em: https://igamingbrazil.com/. Acesso em: 28/06/2023.

[28] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/952244-governo-devera-editar-medida-provisoria-para-regulamentar-apostas-esportivas. Acesso em: 26/06/2023.

[29] Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/governo-regulamenta-apostas-esportivas-de-quota-fixa-no-brasil-1. Acesso em: 26/06/2023.


Maria Eduarda Silva Menezes. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Planalto Central – Uniceplac. E-mail: eduardamaria750@gmail.com.

Fernando de Magalhães Furlan. Professor doutor do curso de Direito do Centro Universitário do Planalto Central – Uniceplac. E-mail: fernando.furlan@uniceplac.edu.br


Ainda sobre algumas dúvidas frequentes de pequenos negócios sobre concorrência.

Potenciais condutas anticompetitivas no relacionamento com concorrentes

Fernando de Magalhães Furlan

a. Fixação de preços

            A fixação de preços é um acordo (escrito, verbal ou inferido de conduta) entre concorrentes que aumenta, diminui ou estabiliza preços ou condições competitivas. Geralmente, as leis antitruste exigem que cada empresa estabeleça preços e outros termos por conta própria, sem concordar com um concorrente. Quando os consumidores fazem escolhas sobre quais produtos e serviços comprar, eles esperam que o preço tenha sido determinado livremente com base na oferta e na demanda, e não por um acordo entre concorrentes. Quando os concorrentes concordam em restringir a concorrência, o resultado geralmente são preços mais altos. Assim, a fixação de preços é uma das principais preocupações da fiscalização antitruste do governo e geralmente se enquadra como conduta anticompetitiva conhecida como cartel ou, ainda, pode ser tipificada como influência a conduta comercial uniforme, também passível de punição segundo a lei antitruste.

            Um acordo claro entre concorrentes para fixar preços é quase sempre ilegal, quer os preços sejam fixados no mínimo, no máximo ou dentro de algum intervalo. A fixação ilegal de preços ocorre sempre que dois ou mais concorrentes concordam em realizar ações que tenham por efeito aumentar, baixar ou estabilizar o preço de qualquer produto ou serviço sem qualquer justificação legítima. Esquemas de fixação de preços são muitas vezes elaborados em segredo e podem ser difíceis de descobrir, mas um acordo pode ser descoberto a partir de evidências “circunstanciais”. Por exemplo, se os concorrentes diretos tiverem um padrão de termos contratuais idênticos inexplicáveis ​​ou comportamento de preços juntamente com outros fatores (como a falta de explicação comercial legítima), a fixação ilegal de preços pode ser o motivo. Convites para coordenar preços também podem gerar preocupações, como quando um concorrente anuncia publicamente que está disposto a encerrar uma guerra de preços se seu rival estiver disposto a fazer o mesmo, e os termos são tão específicos que os concorrentes podem ver isso como uma oferta para definir preços em conjunto.

            Nem todas as semelhanças de preços, ou mudanças de preços que ocorrem ao mesmo tempo, são resultado da fixação de preços. Pelo contrário, muitas vezes resultam de condições normais de mercado. Por exemplo, os preços de commodities como o trigo são muitas vezes idênticos porque os produtos são praticamente idênticos, e os preços que os agricultores cobram todos sobem e descem juntos, sem qualquer acordo entre eles. Se uma seca fizer com que a oferta de trigo diminua, o preço para todos os agricultores afetados aumentará. Um aumento na demanda do consumidor também pode causar preços uniformemente altos para um produto com oferta limitada.

            A fixação de preços refere-se não apenas aos preços, mas também a outros termos que afetam os preços aos consumidores, como taxas de envio, garantias, programas de desconto ou taxas de financiamento. O escrutínio antitruste pode ocorrer quando os concorrentes discutem os seguintes tópicos: preços presentes ou futuros; políticas de preços; promoções; lances; custos; capacidade; termos ou condições de venda, incluindo termos de crédito; descontos; identidade dos clientes; alocação de clientes ou áreas de vendas; cotas de produção e planos de P&D.

            Exemplo: Um grupo de optometristas concorrentes concordou em não participar de uma rede de cuidados com a visão, a menos que a rede aumentasse as taxas de reembolso para pacientes cobertos por seu plano. Os optometristas se recusaram a atender pacientes cobertos pelo plano da rede e, eventualmente, a empresa aumentou as taxas de reembolso.

            Tal acordo dos optometristas era uma fixação ilegal de preços e que seus líderes organizaram um esforço para garantir que outros optometristas soubessem e cumprissem o acordo.

            Um acordo para restringir a produção, vendas ou produção é tão ilegal quanto a fixação direta de preços, porque a redução da oferta de um produto ou serviço eleva seu preço.

            Pergunta: Os postos de gasolina na minha área aumentaram seus preços na mesma quantidade e ao mesmo tempo. Isso é fixação de preços?

            Resposta: Uma mudança de preço uniforme e simultânea pode ser resultado da fixação de preços, mas também pode ser resultado de respostas independentes de negócios às mesmas condições de mercado. Por exemplo, se as condições do mercado internacional de petróleo causarem um aumento no preço do petróleo bruto, isso poderá levar a um aumento no preço de atacado da gasolina. Postos de gasolina locais podem responder aos preços mais altos da gasolina no atacado aumentando seus preços para cobrir esses custos mais altos. Outras forças de mercado, como a divulgação pública dos preços atuais (como é comum com a maioria dos postos de gasolina) incentiva os fornecedores a ajustar seus próprios preços rapidamente para não perder vendas. Se houver evidências de que os operadores dos postos de gasolina conversaram entre si sobre o aumento de preços e concordaram com um plano de preços comum, no entanto, isso pode ser uma violação antitruste.

            Pergunta: Nossa empresa monitora os anúncios dos concorrentes e às vezes oferecemos descontos especiais ou incentivos de vendas para os consumidores. Isso é um problema?

            Resposta: Não. A equivalência de preços dos concorrentes pode ser um bom negócio e ocorre frequentemente em mercados altamente competitivos. Cada empresa é livre para definir seus próprios preços, podendo cobrar o mesmo preço que seus concorrentes, desde que a decisão não tenha sido baseada em qualquer acordo ou coordenação com um concorrente.

b. Manipulação de lances em licitação

            Sempre que os contratos são adjudicados por meio de licitações, a coordenação entre os licitantes prejudica o processo de licitação e pode ser ilegal. A manipulação de licitações pode assumir muitas formas, mas uma forma frequente é quando os concorrentes acordam antecipadamente qual empresa vencerá a licitação. Por exemplo, os concorrentes podem concordar em se revezar como o licitante com oferta mais baixa, ou ficar de fora de uma rodada de licitações, ou fornecer lances inaceitáveis ​​para encobrir um esquema de manipulação de licitações. Outros acordos de manipulação de licitações envolvem a subcontratação de parte do contrato principal para os licitantes perdedores ou a formação de uma joint venture para apresentar uma única oferta.

            Exemplo: Três empresas de ônibus escolares formaram uma joint venture para fornecer serviços de transporte sob um único contrato com a Administração municipal. A joint venture não envolveu nenhuma integração benéfica de operações que pudesse economizar dinheiro. A joint venture claramente operava principalmente para impedir que as outras empresas de ônibus oferecessem licitações concorrentes.

c. Divisão de mercado e alocação de clientes

            Acordos simples entre concorrentes para dividir territórios de vendas ou atribuir clientes são quase sempre ilegais. Esses acordos são essencialmente acordos para não competir: “Eu não vou vender no seu mercado se você não vender no meu”. O compartilhamento ilegal de mercado pode envolver a alocação de uma porcentagem específica de negócios disponíveis para cada produtor, a divisão geográfica dos territórios de vendas ou a atribuição de determinados clientes a cada vendedor.

            Pergunta: Quero vender meu negócio e o comprador insiste que eu assine uma cláusula de não concorrência? Isso não é ilegal?

            Resposta: Uma cláusula de não concorrência limitada é uma característica comum dos negócios em que uma empresa é vendida, e os tribunais geralmente permitem tais acordos quando são acessórios da transação principal, razoavelmente necessários para proteger o valor dos ativos vendidos e limitada no tempo e na área coberta. Existem outras situações, no entanto, em que as cláusulas de não concorrência podem ser anticompetitivas. Por exemplo, uma determinada autoridade antitruste impediu um operador de clínicas de diálise de comprar cinco clínicas e pagar seu concorrente para fechar mais três. O contrato de compra também continha uma cláusula de não concorrência que impedia o vendedor de abrir uma nova clínica na mesma área local por cinco anos e exigia que o vendedor aplicasse cláusulas de não concorrência em seus contratos com os diretores médicos das instalações fechadas. Nessa situação, a cláusula de não concorrência impedia esses médicos de atuarem como diretores médicos de qualquer nova clínica na área e reduzia a chance de uma nova clínica ser aberta por cinco anos. Assim, o acordo para fechar as clínicas, reforçado pelo acordo de não competir por cinco anos, foi um acordo ilegal para eliminar a concorrência entre rivais.

d. Boicotes em grupo

            Qualquer empresa pode, por si só, havendo justificativa comercialmente plausível, se recusar a fazer negócios com outra empresa. Mas um acordo entre concorrentes para não fazer negócios com indivíduos ou empresas visadas pode ser um boicote ilegal, especialmente se o grupo de concorrentes trabalhando em conjunto tiver poder de mercado. Por exemplo, um boicote de grupo pode ser usado para implementar um acordo ilegal de fixação de preços. Nesse cenário, os concorrentes concordam em não fazer negócios com terceiros, exceto em termos acordados, geralmente com o resultado de aumento de preços. Uma decisão independente de não oferecer serviços aos preços vigentes não levanta preocupações antitruste, mas um acordo entre concorrentes de não oferecer serviços aos preços vigentes como meio de alcançar um preço acordado (e normalmente mais alto) levanta preocupações antitruste.

            Exemplo: vários grupos de prestadores de serviços de saúde concorrentes, como médicos, alegavam que sua recusa em negociar com seguradoras ou outros compradores em termos que não tivessem sido acordados em conjunto equivalia a um boicote de grupo ilegal. Houve também um boicote em grupo de uma associação de advogados concorrentes para parar de fornecer serviços jurídicos dativos para réus criminais indigentes até que o Estado (governo) aumentasse a remuneração paga por esses serviços.

            Boicotes para impedir que uma empresa entre no mercado ou para prejudicar um concorrente existente também são ilegais. Por exemplo, um grupo de médicos usou de um boicote para impedir que uma organização de assistência gerenciada estabelecesse uma unidade de saúde concorrente e varejistas que usaram um boicote para forçar os fabricantes a limitar as vendas por meio de um fornecedor de catálogo concorrente.

            Boicotes visando vendedores que reduzem os preços são especialmente propensos a levantar preocupações antitruste e podem ser alcançados com a ajuda de um revendedor ou fornecedor comum. Exemplo: um varejista nacional de brinquedos obteve acordos paralelos de vários fabricantes de brinquedos para não fornecer uma linha completa de brinquedos a “clubes de compra” de baixo preço. Como resultado do boicote de fornecedores organizado pelo grande varejista, os consumidores tiveram dificuldade em comparar o valor de diferentes brinquedos em diferentes pontos de venda, o tipo de comparação de compras que poderia ter levado os varejistas a baixar seus preços de brinquedos.

            Boicotes por outros motivos podem ser ilegais se o boicote restringir a concorrência e não tiver uma justificativa comercial. Por exemplo, um grupo de revendedores de automóveis usou um boicote ilegal para impedir que um jornal publicasse aos consumidores como usar informações de preços no atacado ao comprar carros. Tal boicote afetou a concorrência de preços e não tinha justificativa razoável.

            Pergunta: Sou gerente de compras e tenho problemas com um fornecedor que sempre atrasa as entregas e não retorna minhas ligações. Ouvi dizer que outras empresas pararam de fazer negócios com ele. Posso recomendar que minha empresa encontre outro fornecedor também

            Resposta: Uma empresa sempre pode escolher unilateralmente seus parceiros de negócios. Desde que não faça parte de um acordo com concorrentes para parar de fazer negócios com um fornecedor-alvo, a decisão de não negociar com um fornecedor não deve levantar preocupações antitruste.

Algumas dúvidas frequentes de pequenos negócios sobre concorrência

Fernando de Magalhães Furlan

Estudos têm demonstrado que a maioria das MPMEs tem um conhecimento muito limitado de seus direitos e obrigações em relação às leis de concorrência, e ainda menos inclinação para utilizá-los em seu benefício, a menos que seja assistida por uma associação comercial ou organismo semelhante[1].

Isso também se aplica quando uma MPME é vítima de uma violação da lei de concorrência por outra empresa. Muitas sequer têm ciência de tais violações ou conhecimento das medidas corretivas disponíveis. Além disso, o sistema legal na maioria dos países é lento, caro de utilizar e raramente oferece um resultado comercialmente viável. Consequentemente, em questões de concorrência, as pequenas empresas estão efetivamente tendo o acesso negado à justiça e a políticas públicas econômicas eficazes[2].

Para as economias em desenvolvimento, onde o conhecimento das leis e políticas de concorrência pode ser limitado, as associações representativas têm um papel fundamental a desempenhar, tanto educando suas MPMEs sobre a existência de leis de concorrência, quanto auxiliando no seu cumprimento e na sua aplicação[3].

Apesar de se reconhecer que, muitas vezes, associações podem ser instrumentos para, por exemplo, a formação de cartéis “inocentes” envolvendo MPMEs[4], também deve-se considerar que a colaboração empresarial lícita pode resultar em melhor acesso a mercados.

A pesquisa empírica constata[5] que os laços horizontais permitem o uso coletivo de recursos, bem como a inovação conjunta de produtos e fornecem um meio de contornar a limitação de escala e infraestrutura[6]. Da mesma forma, os laços verticais podem fornecer maneiras eficazes de atualizar empresas nacionais, facilitando a transferência de tecnologia, conhecimento e habilidades, melhorando as práticas de negócios e de gestão e facilitando o acesso a mercados[7].

As associações empresariais de MPMEs, portanto, têm um papel essencial de conscientização e compliance em relação aos mecanismos disponíveis nas leis de concorrência para isentar ou autorizar condutas. É natural que as MPMEs, individualmente, tenham receio de represálias ou de danos à reputação com fornecedores e consumidores, sendo crucial a representação por meio de associações.

São muitas e frequentes as dúvidas dos pequenos negócios em relação ao cumprimento da legislação antitruste e do seu próprio papel no mercado e seus direitos. Abaixo tentamos reunir brevemente algumas das dúvidas mais frequentes das MPMEs quanto à defesa da concorrência.

Potenciais condutas anticompetitivas no relacionamento com fornecedores

a. Recusa de contratação/fornecimento

Em geral, um vendedor tem o direito de escolher seus parceiros de negócios. A recusa de uma empresa em negociar com qualquer outra empresa é lícita, desde que a recusa não seja produto de um acordo anticompetitivo com outras empresas ou parte de uma estratégia predatória ou excludente para adquirir ou manter um monopólio.

Pergunta: Sou proprietário de uma pequena loja de roupas e o fabricante de uma linha popular de roupas recentemente me deixou como outlet (loja de preços com descontos). Tenho certeza de que foi porque meus concorrentes reclamaram que eu vendo abaixo do preço sugerido. A explicação foi a política do fabricante: seus produtos não devem ser vendidos abaixo do preço de varejo sugerido, e os revendedores que não cumprirem estão sujeitos à rescisão. É legal que o fabricante me corte?

Resposta: Sim. Um fabricante pode ter uma política de que seus revendedores devem vender um produto acima de um determinado preço mínimo e encerrar um revendedor que não honre essa política. Os fabricantes podem optar por adotar esse tipo de política porque incentiva os revendedores a fornecer atendimento completo ao cliente e impede que outros revendedores, que podem não fornecer o serviço completo, retirem clientes e “peguem carona” nos serviços prestados por outros revendedores. No entanto, pode ser ilegal que o fabricante o abandone se ele tiver um acordo com seus concorrentes para cortá-lo para ajudar a manter um preço com o qual eles concordaram.

Vale destacar que a prática de fixação de preços de revenda – em diferentes modalidades, como preço sugerido, preço mínimo de revenda, preço máximo de revenda etc. – é vista com reservas por autoridades de defesa da concorrência em diferentes jurisdições, como Estados Unidos da América, Reino Unido, União Europeia e, inclusive, Brasil – sendo que em sua análise os possíveis benefícios decorrentes desse tipo de política alegados pelas empresas devem ser claramente demonstrados.

b. Contratos de exigência ou negociação exclusiva

Contratos exclusivos de negociação ou de requisitos entre fabricantes e varejistas são comuns e geralmente são legais. Em termos simples, um contrato de negociação exclusiva impede um distribuidor de vender os produtos de um fabricante diferente, e um contrato de requisitos impede um fabricante de comprar insumos de um fornecedor diferente. Esses arranjos são julgados sob um padrão de regra de razão, que equilibra quaisquer efeitos pró-competitivos e anticompetitivos.

Contratos de negociação exclusiva podem ser benéficos porque incentivam o suporte de marketing para a marca do fabricante. Ao se tornar um especialista em produtos de um fabricante, o revendedor é incentivado a se especializar na promoção da marca desse fabricante. Isso pode incluir a oferta de serviços ou comodidades especiais que custam dinheiro, como uma loja atraente, vendedores treinados, horário comercial longo, estoque de produtos à mão ou serviço rápido de garantia. Mas os custos de fornecer algumas dessas comodidades – que são oferecidas aos consumidores antes do produto ser vendido e podem não ser recuperados se o consumidor sair sem comprar nada – podem ser difíceis de repassar aos clientes na forma de um preço de varejo mais alto. Por exemplo, o consumidor pode pegar uma “carona” nos valiosos serviços oferecidos por um varejista e, em seguida, comprar o mesmo produto a um preço mais baixo de outro varejista que não oferece comodidades de alto custo, como um armazém de desconto ou um serviço online. Se o varejista de serviço completo perder vendas suficientes dessa maneira, poderá eventualmente parar de oferecer os serviços. Se esses serviços fossem genuinamente úteis, no sentido de que o produto mais os serviços juntos resultaram em vendas maiores para o fabricante do que o produto sozinho teria, há uma perda tanto para o fabricante quanto para o consumidor. Como resultado, a lei antitruste não veda a priori restrições verticais não relacionadas a preços, como contratos de negociação exclusiva que visam a incentivar os varejistas a fornecer serviços extras.

Por outro lado, um fabricante com poder de mercado pode potencialmente usar esses tipos de arranjos verticais para impedir que concorrentes menores tenham sucesso no mercado. Por exemplo, contratos exclusivos podem ser usados ​​para negar a um concorrente o acesso a varejistas ou distribuidores sem os quais o concorrente não pode realizar vendas suficientes para ser viável.

Em algumas situações, a negociação exclusiva pode ser usada pelos fabricantes para reduzir a concorrência entre eles.

Pergunta: Sou um pequeno fabricante de monitores de tela plana de alta qualidade. Eu gostaria de colocar meus produtos em um grande varejista, mas a empresa diz que tem um acordo para vender Resposta: Acordos de distribuição exclusiva como este não são proibidos pela lei antitruste. Embora o varejista seja impedido de vender monitores de tela plana concorrentes, esse pode ser o tipo de produto que requer um certo nível de conhecimento e serviço para vender. Por exemplo, se o fabricante investe no treinamento da equipe de vendas do varejista sobre a operação e os atributos do produto, pode razoavelmente exigir que o varejista se comprometa a vender apenas sua marca de monitores. Este nível de serviço pode beneficiar os compradores de produtos eletrônicos sofisticados. As leis antitruste provavelmente não interferirão nesse tipo de acordo exclusivo, a menos que se observem efeitos líquidos claramente negativos à concorrência, acarretando prejuízos aos consumidores, como por exemplo, restrição das possibilidades de escolha do consumidor (em relação à variedade de produtos e de ofertantes) e aumentos de preços.

c. Requisitos impostos pelo fabricante

A imposição de preço razoável, território e restrições de clientes aos revendedores são legais. Os requisitos impostos pelo fabricante podem beneficiar os consumidores ao aumentar a concorrência entre diferentes marcas (concorrência intermarcas) e ao mesmo tempo reduzir a concorrência entre revendedores da mesma marca (concorrência intramarcas). Por exemplo, um acordo entre um fabricante e um revendedor para estabelecer preços máximos (ou “teto”) impede os revendedores de cobrar um preço não competitivo. Ou um acordo para definir preços mínimos (ou “pisos”) ou para limitar territórios pode incentivar os revendedores a fornecer um nível de serviço que o fabricante deseja oferecer aos consumidores quando eles compram o produto. Esses benefícios devem ser ponderados em relação a qualquer redução na concorrência das restrições.

Em regra, todos os programas de preços verticais (máximos ou mínimos) impostos pelo fabricante devem ser avaliados usando uma abordagem da regra da razão. Pois, “na ausência de restrições verticais de preços, os serviços de varejo que aumentam a concorrência entre marcas podem ser mal fornecidos. Isso ocorre porque os varejistas com descontos podem pegar carona nos varejistas que fornecem serviços.

Se um fabricante, por si só, adota uma política relativa a um nível de preços desejado, lhe é permitido que negocie apenas com varejistas que concordem com essa política. Um fabricante também pode deixar de negociar com um varejista que não segue sua política de preços de revenda. Ou seja, um fabricante pode implementar uma política de revendedor em uma base de “pegar ou largar”.

As limitações sobre como ou onde um revendedor pode vender um produto (ou seja, restrições de cliente ou território) são geralmente legais — se forem impostas por um fabricante agindo por conta própria (não em conluio). Esses acordos podem resultar em melhores esforços de vendas e atendimento na área atribuída do revendedor e, consequentemente, maior concorrência com outras marcas.

Podem surgir questões antitruste se um fabricante concordar com fabricantes concorrentes em impor restrições de preço ou não na cadeia de suprimentos (ou seja, ao lidar com fornecedores ou revendedores), ou se fornecedores ou revendedores agirem em conjunto para induzir um fabricante a implementar tais restrições. Novamente, a distinção crítica é entre uma decisão unilateral de impor uma restrição (legal) e um acordo coletivo entre concorrentes para fazer o mesmo (ilegal). Por exemplo, um grupo de revendedores de automóveis ameaçou não vender uma marca de automóveis, a menos que o fabricante alocasse carros novos com base nas vendas feitas aos clientes no território de cada revendedor. A autoridade antitruste considerou as ações dos revendedores irracionais e projetadas principalmente para impedir que um revendedor vendesse a preços baixos “sem pechincha” e via Internet para clientes em todo o país.

Determinar se uma restrição é “vertical” ou “horizontal” pode ser confuso em alguns mercados, particularmente onde alguns fabricantes operam em muitos níveis diferentes e podem até fornecer insumos importantes para seus concorrentes. O rótulo não é tão importante quanto o efeito: a restrição reduz excessivamente a concorrência entre os concorrentes em algum nível? A contenção vertical é produto de um acordo entre concorrentes? E rotular um acordo como um arranjo vertical não o salvará do escrutínio antitruste quando houver evidência de efeitos horizontais anticompetitivos.

Pergunta: Um dos meus fornecedores marca seus produtos com um preço de varejo sugerido pelo fabricante. Tenho que cobrar este preço?

Resposta: A palavra-chave é “sugerida”. Um revendedor é livre para definir o preço de varejo dos produtos que vende. Um revendedor pode definir o preço no de acordo com o valor sugerido pelo fabricante ou em um preço diferente, desde que o revendedor tome essa decisão por conta própria. No entanto, o fabricante também pode decidir não usar distribuidores que não adiram ao seu preço sugerido.

Pergunta: Sou um fabricante e ocasionalmente recebo reclamações de revendedores sobre os preços de varejo que outros revendedores estão cobrando pelos meus produtos. O que devo dizer a eles?

Resposta: Os concorrentes em cada nível da cadeia de suprimentos devem definir os preços de forma independente. Isso significa que os fabricantes não podem concordar com os preços no atacado e os revendedores não podem concordar com os preços no varejo. No entanto, um fabricante pode ouvir seus revendedores e agir por conta própria em resposta ao que aprende com eles.

Muitos casos antitruste privados envolvem um fabricante cortando um revendedor com desconto. Muitas vezes, há evidências de que o fabricante recebeu reclamações de revendedores concorrentes antes de encerrar o contrato com o vendedor que oferece descontos. Esta evidência por si só não é suficiente para mostrar uma violação; o fabricante tem o direito de tentar manter seus revendedores satisfeitos com sua afiliação. Questões legais podem surgir se parecer que os revendedores concordaram em ameaçar um boicote ou pressionar coletivamente o fabricante a agir.

Pergunta: Gostaria de vender os produtos de um determinado fabricante, mas a empresa já possui um revendedor franqueado na minha região. Isso não é uma restrição à concorrência?

Resposta: Um fabricante pode decidir quantos distribuidores terá e quem serão. Do ponto de vista da concorrência, um fabricante pode decidir que usará apenas revendedores franqueados com territórios exclusivos para competir com maior sucesso com outros fabricantes. Ou pode decidir que usará revendedores diferentes para atingir grupos de clientes específicos.

Há prós e contras em ser um revendedor franqueado. Ao concordar em ser um revendedor franqueado, você provavelmente terá que cumprir os requisitos do fabricante para vender o produto, como horário de funcionamento, padrões de limpeza e similares. Essas restrições são vistas como limites razoáveis ​​sobre como você administra seus negócios em troca de negociar com uma marca estabelecida que os consumidores associam a um certo nível de qualidade ou serviço. Por exemplo, um cervejeiro pode exigir que todas as lojas de varejo armazenem sua cerveja a uma certa temperatura para preservar sua qualidade, porque os consumidores provavelmente culparão a má qualidade do fabricante – reduzindo assim as vendas em todos os pontos de venda – em vez de culpar o método inadequado de armazenamento do varejista.

Pergunta: Meu fornecedor oferece um programa de publicidade cooperativa, mas não posso participar se anunciar um preço abaixo do preço mínimo anunciado do fornecedor. Acho isso injusto.

Resposta: É permitido que um fabricante tenha uma margem de manobra considerável para definir os termos da publicidade que ele ajuda a pagar. O fabricante oferece esses programas promocionais para competir melhor com os produtos de outros fabricantes. Existem situações limitadas em que esses programas podem ter um efeito irracional nos níveis de preços. Por exemplo, uma determinada autoridade antitruste contestou as políticas de preço mínimo anunciado de cinco grandes distribuidores de música pré-gravada porque as políticas não eram razoáveis ​​em seu alcance: proibiam anúncios com preços com desconto, mesmo que o varejista pagasse pelos anúncios com seu próprio dinheiro; aplicavam-se à publicidade na loja; e uma única violação exigia que o varejista perdesse os fundos de todas as suas lojas por até 90 dias. Essas políticas, em vigor para mais de 85% das vendas do mercado, não eram razoáveis ​​e impediam os varejistas de informar aos consumidores sobre descontos em discos e CDs.

Pergunta: Sou prestador de serviços de saúde e quero ingressar em um novo grupo de seguros para prestar serviços a um grande empregador em minha cidade. Meu contrato com outro grupo de seguros exige que eu dê a eles o menor preço pelos meus serviços. Se eu aderir ao novo grupo, terei que baixar meus preços para o outro grupo de seguros?

Resposta: Essas cláusulas, chamadas de “cláusulas de nação mais favorecida (MFN)”, são bastante comuns. Geralmente, uma MFN promete que uma parte do acordo tratará a outra parte pelo menos tão bem quanto trata as outras. Na maioria das circunstâncias, as MFNs são uma forma legítima de reduzir os riscos. Em algumas circunstâncias, no entanto, as MFNs podem limitar de forma irracional a oferta de descontos direcionados e criar um preço industrial de fato. Uma determinada autoridade antitruste contestou uma cláusula MFN usada por uma rede de farmácias em contratos individuais com suas farmácias-membro que as desencorajava a oferecer descontos nas taxas de reembolso. A rede era um grupo de mais de 95 por cento das farmácias concorrentes no mercado relevante. A MFN desencorajou qualquer farmácia individual de oferecer preços mais baixos para outro plano porque quaisquer descontos teriam que ser aplicados a todas as suas outras vendas por meio da rede.


[1] Schaper, M. (2016) “Small Business, The Law and Access to Justice: Issues and Challenges” in Clark, D.; McKeown, T. & Battisti, M. (eds) (2016) Rhetoric and Reality: Building Vibrant and Sustainable Entrepreneurial Ecosystems, Melbourne: Tilde Press, pp.21-35.  Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[2] Australian Small Business & Family Enterprise Ombudsman (2018) Access to Justice: Where Do Small Businesses Go? Canberra: ASBFEO; Burgess, R. (2016) “SMEs and Private Enforcement of Competition Law: Achieving Redress” Global Competition Law Review, No. 3, pp.85-88. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[3] Burgess, R. Trade Associations: Competition Law Advocates or Offenders? in Schaper, M. and Lee, C. (eds) (2016) Competition law, Regulation and SMEs in the Asia-Pacific: Understanding the Small Business Perspective, Singapore: ISEAS – Yusof Ishak Institute. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[4] How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[5] Mesquita, L. & Lazzarini, S. (2009) Horizontal and vertical relationships in developing economies: Implications for SMEs’ access to global markets in New Frontiers in Entrepreneurship, Springer, pp. 31–66. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[6] Markusen, A. (1996) Sticky Places in Slippery Space: A Typology of Industrial Districts. Economic Geography, Vol 72, No.3, pp. 293-313. Apud “How COVID-19 Affects MSME Access To Markets and Competitive Capability: A Review of Key Issues and Recommendations for Future Action”. UNCTAD, 2020.

[7] UNCTAD (2008) Creating business linkages https://unctad.org/en/Docs/diaeed20091_en.pdf (accessed on 28 June 2020).

Atrasos de pagamento: como proteger as MPME nas suas relações comerciais?

Fernando de Magalhães Furlan

Os atrasos de pagamento são um grande fardo para as empresas de pequeno e médio portes, especialmente para as menores, seus clientes e empregados, além de ferir a competitividade geral do país.

Vimos, recentemente, infelizmente, a quebra de grandes empresas nos país como a Oi e a Americanas.  Esta última, aliás, reconhecidamente atrasava premeditadamente os seus pagamentos, inclusive para pequenos fornecedores, como forma de maquiar os seus resultados financeiros.

As MPMEs desempenham um papel fundamental na economia brasileira, respondendo por mais de um quarto do PIB brasileiro. Juntas, as cerca de 9 milhões de micro e pequenas empresas do país representam 27% do PIB, resultado que vem crescendo nos últimos anos. Em 1985, o IBGE calculava a participação das pequenas empresas no PIB brasileiro em 21%. Em 2001, o percentual passou para 23,2% e, em 2011, atingiu 27%.

Em valores absolutos, a produção gerada pelas micro e pequenas empresas quadruplicou em dez anos, saltando de R $ 144 bilhões em 2001 para R $ 599 bilhões em 2011, em valores da época. Elas são as principais geradoras de riquezas no comércio do Brasil, pois respondem por 53,4% do PIB do setor. No PIB da indústria, a participação das micro e pequenas (22,5%) já se aproxima das médias (24,5%). E no setor de serviços, mais de um terço da produção nacional (36,3%) vem de pequenos negócios. As pequenas empresas também empregam 52% da força de trabalho formal do país e respondem por 40% da massa salarial brasileira. Em resumo, são 9 milhões de pequenos negócios, que geram 27% do PIB, 52% dos empregos formais e 40% dos salários.

Os atrasos nos pagamentos têm um impacto negativo nas pequenas empresas, afetando a sua liquidez e o fluxo de caixa, dificultando a sua gestão financeira e atrapalhando o seu crescimento. Ao estabelecer prazos máximos para pagamentos a pequenas empresas, por parte de grandes empresas e administrações públicas na aquisição de bens ou serviços, está se garantindo “tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte” (CF art. 146, III, “d” c/c art. 170, IX e art. 179).

Para desencorajar uma cultura de pagamentos em atraso, as administrações públicas desempenham um papel particularmente importante ao dar o exemplo no pagamento imediato e transparente de seus fornecedores.

Os pagamentos em transações comerciais entre empresas ou entre empresas e a administração pública ainda são frequentemente efetuados com atraso. Como regra geral, a Administração, no Brasil, tem o prazo de até 30 dias para pagar o seu fornecedor. É aí que reside um dos grandes problemas de quem fornece para a Administração pública no país: é preciso que se tenha capital para suportar a espera que, como se verá, ultrapassa muito os 30 dias para recebimento. Isso porque esses 30 dias não são contados da entrega do objeto, mas da liquidação da despesa: “a liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito” (Lei 4.320/64, artigo 63). Ou seja, a própria burocracia do setor público acaba por alongar muito o prazo de pagamento.

Além disso, os direitos dos credores de pequeno porte são, em alguns casos, ainda mais violados ao condicionar os pagamentos, por exemplo, à renúncia do credor a reclamar juros de mora, bem como indenização por despesas de cobrança. As micro, pequenas e médias empresas (MPME) não têm a mesma solidez financeira das grandes empresas, são mais vulneráveis aos efeitos dos atrasos de pagamento, especialmente em tempos de recessão econômica e inflação, situações quase que “endêmicas” no Brasil.

Neste contexto, medidas para desencorajar uma cultura de pagamentos atrasados a fornecedores de pequeno porte somente poderá ser atingida se as autoridades públicas tomarem a iniciativa.  É preciso colocar a questão dos atrasos de pagamento e do acesso ao crédito pelos pequenos no topo das agendas política e de reformas econômicas. Aliás, no final de 2018, a Organização para Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizou um estudo[1] sobre políticas públicas para micro e pequenas empresas (MPEs) e empreendedorismo no Brasil. Como conclusão, a OCDE elencou recomendações para melhorar as políticas públicas brasileiras de acesso ao crédito.

Todos os anos, no mundo inteiro, milhares de micro, pequenas e médias empresas (MPME) vão à falência à espera de que as suas faturas sejam pagas. Perdem-se empregos e sufoca-se o empreendedorismo. Para as valiosas MPMEs, qualquer interrupção no fluxo de caixa pode significar a diferença entre solvência e falência. Além disso, para elas, os desafios apresentados pelos atrasos de pagamento aumentam desproporcionalmente à medida que as linhas de crédito e os empréstimos bancários se tornam menos disponíveis.

Na França, por exemplo, no primeiro semestre de 2022, a Direção-Geral da Concorrência, Consumo e Prevenção de Fraudes (DGCCRF), do governo francês, investigou os prazos de pagamento de 632 estabelecimentos. Na sequência das verificações realizadas, foram instaurados 138 procedimentos administrativos de multa, no valor de 13,8 milhões de euros[2].

Naquele país, o limite das condições de pagamento é definido pelos artigos L441-10 e seguintes do Código Comercial, estabelecendo que: “salvo acordo entre as partes, o prazo de pagamento é fixado em 30 dias, a contar da data de recepção dos bens ou da prestação do serviço”.

Já nos Países Baixos, estão sendo adotadas novas regras sobre os prazos máximos de pagamento. Atualmente, uma proposta legislativa está em discussão no parlamento neerlandês, segundo a qual grandes empresas (enquanto devedoras) são proibidas de adotar prazos de pagamento superiores a 30 dias, ao celebrar contratos comerciais com pequenos e médias empresas (PME) ou empresários independentes (enquanto credores). A expectativa é que a proposta legislativa seja adotada em muito em breve[3].

Infelizmente, não há e tampouco se discute, atualmente, no Parlamento brasileiro[4] ou no Executivo federal, qualquer proposta legislativa no sentido de obrigar grandes empresas e governos a pagar os seus fornecedores de pequeno porte em, no máximo 30 dias corridos.


[1] Disponível em: https://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview-Portuguese.pdf. Acesso em: 31/03/2023.

[2] Disponível em: https://www.economie.gouv.fr/cedef/delais-de-paiement-entre-entreprises. Acesso em: 31/03/2023.

[3] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://assets.contentstack.io/v3/assets/blt3de4d56151f717f2/bltec888c25b7e98118/6181fd557a22505a5c253b08/New_rules_on_maximum_payment_terms_in_the_Netherlands_-_November_202121760911v1.pdf. Acesso em: 3.

[4] Disponível em: https://www.camara.leg.br/busca-portal?contextoBusca=BuscaProposicoes&pagina=1&order=relevancia&abaEspecifica=true&q=pequenas%20empresas&tipos=PL. Acesso em: 31/03/2023.

Updates in Antitrust Private Enforcement in Brazil

Fernando de Magalhães Furlan

A very recent legislative innovation in Brazil pertains to the private enforcement of Competition Policy in the country. On November 16, 2022, Law nº 14,470/2022[1] was enacted, which delivers new provisions, applicable immediately, to the repression of violations of the economic order (competition). The new law amends provisions of the Brazilian Competition Law (Law nº 12,529/11).

The very site of the Brazilian Competition Authority, CADE, published[2] that “ten years after the entry into force of Law nº 12,529/2011, the publication of Law nº 14,470/2022 encourages and facilitates the filing of private actions by the harmed individuals and firms for anticompetitive practices” [emphasis added]. The enactment of Law nº 14,470/2022 ushers in a new era for the competition private prosecution system and details important issues for its development, such as the applicable statute of limitations and the initial term that must be used in its count.

In addition, it deals with the distribution of the burden of proof and the provision of double compensation for damages, generating greater legal certainty and adequate incentives. In line with the international best practices on competition private enforcement, the new Brazilian law establishes a double damages system, that is, double compensation for damages suffered by third parties due to violations against competition and the economic order.

Another important point concerns the inversion of the burden of proof in relation to the defense thesis usually presented by the offenders: the “pass-on defense” (pass-on the guilt to the supply chain).

Finally, the updates in the Brazilian Competition Law increase the dissuasive nature of antitrust enforcement, better integrating the complementarity between the sanctioning law, of a public nature, and that of civil liability, of a private nature.  This is because, in addition to imposing double compensation, the new law also makes Cade’s decision capable of justifying the granting of protection of evidence, allowing the judge to make a preliminary decision on indemnity actions in defense of individual or homogeneous individual interests, confirming the court’s deference to the decisions of the Competition Authority, which is a specialized and independent body. This is a very important legislative innovation toward granting more power to CADE’s decisions on the discussion of evidence in competition private damage litigation.

It is true that civil liability and administrative liability run different systems, but it’s also true that, in Brazil, the legislator wanted, ultimately, to make a direct connection between them, as anticompetitive behavior is so vile for the economy and the society, as wholes, but also for the individual economic agent. And so, the last applicable and specific legislation toward that issue is Law nº 14,470/2022, which recognizes that by establishing a “double damages” formula for civil damage proceedings in Brazil and allowing any judge to make a preliminary decision on indemnity actions in defense of individual or homogeneous individual interests, based on the evidence gathered by CADE, The Brazilian Competition Authority.

The Brazilian Competition Law, of a public nature, has a clear trend toward making private antitrust enforcement a key player in the deterrent effect of the country’s competition policy. We invite the reader to take into adequate account the recent enactment of Law nº 14,470/2022, with a reinforcing regime for double civil/private liability for anticompetitive behavior and judicial deference to CADE’s decisions, amongst other legislative improvements.

Judicial Deference in Brazil:

The Brazilian Supreme Court (STF) recently (2020)[3] reaffirmed its standard of judicial deference in the judgment of Recurso Extraordinário (Extraordinary Appeal) No. 1083955[4], stating that “the technical expertise and institutional capacity [of an agency or authority] demands a deferential posture from the Judiciary to the merits of the decisions handed down by the Administrative Authorities. Judicial control should limit itself to examining the legality or abusiveness of administrative acts and decisions”.

Due to the judgement of the Federal Supreme Court (STF), which granted deference to a decision by CADE on the imposition of penalties for breaches of antitrust legislation, judicial deference constitutes a posture of the Judiciary Power regarding the assessment of aspects formal and substantial aspects of the administrative-regulatory act, and that the decision of the agency/authority must be respected and maintained, when the criteria of legality, reasonableness and proportionality are fulfilled, with the judge being prohibited from replacing the administrator, or administrative judge, in what concerns administrative merits.

For the Rapporteur of RE 1085399, Justice Luiz Fux: “the examination of the materiality of the conducts and the identification of the damages to the markets demand specialized and qualified treatment, reveals the reduced expertise of the Judiciary for the jurisdictional control of the political and technical choices underlying the economic regulation, as well as its systemic effects[5].

Such trend was even more consolidated in Brazil with the entry into force of Law No. 14,470, at the end of last year (2022). This very recent law inserts Section (Art.) 47-A in the current Brazilian Competition Law (Law 12,529/11), which reads: “The decision of the Tribunal of CADE referred to in art. 93 of this Law can substantiate the granting of guardianship of evidence, allowing the judge to decide on the actions provided for in art. 47 of this Law”. (Included by Law 14,470/22).

            In conclusion:

  1. Private competition enforcement is a pillar of the Brazilian Competition Policy and has two main goals: (i) compensation for damages suffered by economic agents, and (ii) contributing to the deterrence of anticompetitive conducts. The very recent legislative improvements in Brazil (specially Law 14,470/22) clearly points precisely to a broad application of Article 33 of the Brazilian Competition Law. The competitive damage lies in the distortion of competition and affects the private agent(s) in its (their) own activity(ies). The offended diffuse (general) interest is individualized into a private interest, in the sense that the damage to the market also qualifies as damage to the competitor(s) and vice-versa.
  • Law No. 14,470 of 2022 brought the brand-new first paragraph (§ 1º) of Article 47 that reads: “The aggrieved persons will be entitled to double compensation for the damages suffered due to infractions to the economic order provided for in items I and II of § 3º of art. 36 of this Law, without prejudice to the sanctions applied in the administrative and criminal spheres” [emphasis added]. The new Brazilian Law, which amends the current Competition Law clearly and undoubtably affirms the right of damaged persons and firms to double compensation in a judicial private damage claim for losses imposed by anticompetitive conducts, since they were proved in a CADE’s decision.
  • The civil indemnity claim can be addressed to any of the members of the anticompetitive conduct, regardless of legal ties, contracts, or partnerships. This is because the conduct of all those who participated, directly or indirectly (by action or by default), in the anti-competitive practice contributed, anyhow, to the harm caused. Therefore, participants in anti-competitive conducts are jointly and severally liable for the damages caused, under the terms of the paragraph of Article 942 of the Brazilian Civil Code and Article 33 of the Brazilian Competition Law (Law 12.529/11), regardless of whether they have maintained direct relations with the claimant(s). If one of the participants in the conduct is obliged to pay the indemnity in full, it will have the right of recourse against the other offenders, under the terms of article 283 of the Brazilian Civil Code.

[1] Available at: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.470-de-16-de-novembro-de-2022-443760820. Access on February 11, 2023.

[2] Available at: https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/lei-que-estrutura-o-sistema-de-persecucao-privada-concorrencial-e-promulgada. Access on February 13, 2023.

[3] October 25th, 2020.

[4] Judgment statement: “DIVERGENCE REQUESTS IN REQUESTS OF STATEMENT IN THE INTERNAL APPEAL ON THE EXTRAORDINARY APPEAL (RE). ECONOMIC AND ADMINISTRATIVE LAW. COMPETITION. HARMFUL PRACTICE TENDED TO ELIMINATE POTENTIAL COMPETITION FROM NEW RETAILER. ANALYSIS OF MERITS OF THE ADMINISTRATIVE ACT. IMPOSSIBILITY. NO PROOF OF JURISPRUDENTIAL DISAGREEMENT. ABSENCE OF FACTICAL SIMILITUDE. NON-EXISTENCE OF ANALYTICAL COLLECTION. REQUEST OD DIVERGENCE UNADMITTED”. Available at: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5287514. Access: February 13, 2023.

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Agravo Regimental no Recuso Extraordinário n. 1.083.955/DF. Agte(s): Cascol Combustíveis para Veículos Ltda. et all. Rapporteur: Justice Luiz Fux. Date of judgment: 28/05/2019. Date of Publication: June 7th, 2019. P. 16. Apud MUNDSTOCK, João Pedro Mallmann. “O DEVER DE DEFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO DIANTE DOS ATOS ADMINISTRATIVO-REGULATÓRIOS DE ALTA COMPLEXIDADE TÉCNICA”. Monografia de conclusão de curso. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. FACULDADE DE DIREITO.