Cristina Ribas Vargas

A importância da discussão, regulamentação e mensuração dos impactos econômicos a partir da PEC 6X1

“Fora a necessidade de um controle central para manter o ajuste entre a propensão a consumir e o estímulo para investir, não há mais razão do que antes para socializar a vida econômica”. J.M. Keynes.

Cristina Ribas Vargas

Esta semana os noticiários de economia deram destaque a PEC que propõe o fim da jornada de trabalho no regime de escala 6×1. A jornada 6×1 é aquela em que os dias de trabalho ocorrem durante seis dias consecutivos e o descanso ocorre no sétimo dia. Portanto, no período de uma semana, a cada seis dias trabalhados, obtém-se o direito de descansar um dia. Não obstante, a proposta não foca apenas na redução da jornada 6×1, mas também propõe a implementação da jornada legal de quatro dias de trabalho na semana como segue:

Esta emenda à Constituição surge a partir das demandas e reivindicações dos trabalhadores, por meio de mecanismos participativos, como a petição pública online do Movimento “Vida Além do Trabalho”, organizado pelo trabalhador Ricardo Azevedo, em que quase 800 mil brasileiros e brasileiras cobram do Congresso Nacional o fim da jornada 6×1 e adoção da jornada de trabalho de 4 dias na semana”

Esse aspecto merece ser observado, na medida em que os segmentos econômicos mais afetados pela redução da jornada em escala 6×1 seriam o comércio varejista e alguns serviços, como aqueles prestados por hospitais, hotéis e restaurantes, por exemplo. Considerando que no Brasil o número de trabalhadores ocupados no comércio corresponde a aproximadamente 10 milhões (2022), e no setor de serviços em torno de 14 milhões (2021) – dados do IBGE -, há quem desmereça a proposta por considerá-la de impacto pouco relevante se considerado o conjunto total da população ocupada. Contudo, dado que a jornada de trabalho mais adotada no país é a 5×2, de 8 horas diárias e 40 horas semanais de trabalho com dois dias de descanso, a alteração de uma jornada de 44 horas semanais de trabalho para 36 horas implicaria na adoção de uma escala 4×3 para a maioria das empresas, gerando impacto significativo na sociedade brasileira.

A Constituição Federal de 1988, especificamente no art. 7º, inciso XIII, trata da duração da jornada de trabalho nos seguintes termos: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.” Assim, ao ultrapassar tais limites significa dizer que ocorreu trabalho em jornada extraordinária. Alterações na jornada de trabalho exigem alterações nos dispositivos constitucionais, o que significa alterar o principal instrumento legal do Estado Democrático de Direito, e, portanto, a necessidade de considerar a opinião do conjunto da sociedade.

Além disso, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não define o regime de escalas, apenas determina que a jornada de trabalho deve respeitar o limite máximo de 8 horas diárias e 44 horas semanais. Dentro desses parâmetros, é possível ajustar a escala conforme a necessidade da contratante.  Além das escalas mencionadas – 6×1, e a mais usual 5×2 – também se observa a adoção da escala 5×1, em que se trabalha cinco dias consecutivos e folga-se no sexto, sendo que neste caso a CLT determina que ao menos um dos dias de folga no mês ocorra em um domingo. Já os serviços de saúde e segurança, que não podem sofrer interrupção, utilizam usualmente escalas de horas tais como 12×36, 18×36, e 24×48, desde que previsto em acordo.

Importante destacar que a referida PEC propõe que a redução da jornada seja implementada sem redução de salário, desta forma o debate torna-se acirrado na medida em que mensurar a produtividade do trabalho passa a ser um ponto central da discussão, e vale ressaltar que existem diferentes formas de mensurar a produtividade do trabalho.

 Como não poderia deixar de ser quando se trata do mercado de trabalho, as visões sobre a repercussão econômica e social são diametralmente opostas, e por vezes difíceis de mensurar em termos agregados, ampliando o quadro de incerteza sobre o resultado efetivo da proposta.

A discussão não é recente, e está no cerne do debate econômico clássico que envolve a relação entre salários, preços e lucros. Durante a revolução industrial a jornada de trabalho chegou a 20 horas diárias consecutivas, e contava com o emprego de crianças com menos de 10 anos de idade. O processo de redução da jornada de trabalho tem sido buscado ao longo dos três últimos séculos, e sua discussão é uma necessidade social.

Os críticos argumentam que a proposta é irrealista e que o resultado esperado é inflação, desemprego e recessão. Esse é o esperado quando se considera apenas os aumentos nos custos para o empregador, e desconsidera totalmente a variação nas receitas que um novo arranjo institucional pode promover. Assim sendo, cabe destacar os pontos que tornam a proposta plausível.

Pelo lado dos trabalhadores as justificativas vão desde a humanização da jornada de trabalho, assegurando melhor qualidade de vida aos trabalhadores, até a efetiva possiblidade de qualificação destes trabalhadores em busca de melhores oportunidades no mercado de trabalho, haja vista que dispõem de apenas um dia de descanso para poder investir no próprio desenvolvimento (o que de fato não configura descanso). Sob esse aspecto há que se considerar que a possibilidade de qualificação dos trabalhadores torna mais efetivo o exercício da concorrência entre aqueles que competem por uma colocação no mercado de trabalho.

Além disso, do ponto de vista do antitruste, pressupõe-se que os processos de concentração de empresas possam resultar no enxugamento de postos de trabalho. É o que se observa, por exemplo, no mercado de educação, em que fusões entre instituições de ensino resultam na demissão de funcionários, e resultam na ampliação de jornada de trabalho dos funcionários que permanecem. Neste caso, a implementação do limite da jornada de 4×3 poderia resultar em aumento do número de empregos, crescimento econômico e ampliação da arrecadação.

De certo que a redução da jornada, mantidos os salários e a produtividade constante, implica em aumento de custo para o empresário; porém, o consumo propiciado pelos trabalhadores que passam a integrar esse mercado também implica em ganhos de receita. Relembrando Kalecki, os capitalistas ganham o que gastam e os trabalhadores gastam o que ganham. Além disso, um aumento de produtividade decorrente da jornada 4×3 associada a redução de custos com energia, materiais e equipamentos pode gerar um resultado líquido positivo para o empregador.

Embora a taxa de crescimento do país não seja significativamente elevada nas últimas décadas, o PIB por pessoa ocupada cresceu consideravelmente entre 1991 e 2023 (dados do World Bank), mostrando que há margem para discussão sobre a redução da jornada de trabalho agregada. Considerando que essa evolução ocorreu enquanto a média de horas trabalhadas gira em torno das quarenta horas semanais, parece lógico concluir que os ganhos dos trabalhadores também podem ser alocados via redução da jornada de trabalho.

Fonte: World Bank, 2024.

Dados da PNAD/IBGE mostram que entre 2012 e 2024, considerando todos os trabalhos habituais a média semanal de horas trabalhadas foi de 40,02 horas, enquanto a totalidade dos trabalhos efetivos apresentou uma média de 38,40 horas semanais. Assim, a evolução do PIB por pessoa ocupada vem aumentando, enquanto a escala de 40 horas semanais permanece constante.

Portanto é urgente falar em produtividade e concorrência no mercado de trabalho, para que não só a alocação da mão de obra seja eficiente, mas para que também a distribuição do produto seja mais justa e possibilite novas ondas de crescimento. Nações que prosperam, como dito pelos vencedores do prêmio Nobel de economia de 2024, são includentes, e contam com um Estado atuando para garantir a participação efetiva de todos, assegurando que todos possam desenvolver suas habilidades. Enquanto as nações que fracassam não contam com instituições voltadas para o desenvolvimento social, mas com a dominação e disputa entre grupos de poder.

Ainda amanheço olhando pela janela à espera do espetáculo do crescimento, mas ciente de que o verdadeiro milagre só vai acontecer quando houver um real incentivo ao investimento. Entender que a regulação do Estado nos mais diversos segmentos econômicos, e principalmente no mercado de trabalho é necessária, é entender como o ordenamento jurídico atuando sobre as relações econômicas pode, acima de tudo, salvaguardar a paz.

Referências

IBGE, Pesquisa Anual de Comércio, 2024. Disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/comercio/9075-pesquisa-anual-de-comercio.html

IBGE, Agência de Notícias, 2024. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37753-ocupacao-no-setor-de-servicos-cresce-7-8-e-chega-ao-recorde-de-13-4-milhoes

IBGE/PNAD Contínua, 2024. Disponível em http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx .

PEC 6X1, novembro de 2024. Disponível em https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/pec-do-fim-da-escala-6×1-veja-a-integra-da-proposta-que-mobiliza-as-redes/ .

WORLD BANK, Dataworldbank, 2024. Disponível em https://data.worldbank.org/indicator/SL.GDP.PCAP.EM.KD?end=2023&locations=BR&start=1991


Cristina Ribas Vargas. Doutora em economia do desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUC/RS e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.   Atuou como professora substituta na UFRGS e professora adjunta em instituições de ensino privado. É economista da Administração Pública Federal desde 2005, e atualmente está atuando na CGAA2 do Cade.

endereço linkedin: http://linkedin.com/in/cristina-vargas-5921195a


A relação entre taxa de juros e inadimplência na análise concorrencial

Cristina Ribas Vargas

O debate sobre os determinantes da taxa de juros continua instigando os economistas modernos. Embora no passado o debate entre Keynes e os economistas clássicos tenha sido considerado esgotado por Hicks, ao afirmar que a taxa de juros era determinada pela oferta e demanda tanto no mercado de moeda quanto no mercado de fundos emprestáveis, a discussão ainda apresentava outros enfoques a serem considerados. A discussão entre Keynes e os clássicos ia além da delimitação dos mercados no qual a taxa era determinada: se no mercado monetário para transações imediatas, ou no mercado financeiro, com vistas a ganhos excedentes futuros. Não se tratava apenas de considerar a mudança do locus de mercado em análise, isto é, se no mercado de transações monetárias imediatas intermediadas por moeda, ou no mercado de aplicações financeiras. O ponto chave da discussão era compreender como a relação entre a produtividade do capital e a propensão a poupar incidiam sobre a taxa de juros. Para os clássicos a determinação da taxa era direta, na medida em que a produtividade do capital e a propensão à poupar determinariam os níveis de investimento e poupança, estabelecendo a taxa de juros de equilíbrio. No entanto, na versão keynesiana, a determinação da taxa de juros seria estabelecida indiretamente pela produtividade do capital e pela propensão a poupar. Neste caso, seriam os níveis de renda e emprego estabelecidos a partir da produtividade do capital e propensão à poupar pré-existentes que determinariam o volume de moeda necessário para as transações econômicas.

A escola pós-keynesiana deu continuidade ao debate, e apresentou novo enfoque acerca da determinação da taxa de juros: Paul Davidson e Jan Kregel buscavam responder se elevações na propensão à poupar induziam a aumentos no nível de investimento. Os autores concluíram que, em geral, a propensão a poupar não teria influência significativa sobre a determinação da taxa de juros. Além disso, o debate ampliou a possibilidade de identificar mais de uma taxa de juros vigorando na economia, e distinguiram a taxa entre taxa de juros de longo prazo e de curto prazo. Neste caso, a influência da propensão à poupar sobre as diferentes taxas produziria resultados diversos. Considerando que a elevação da propensão a poupar poderia incentivar o aumento do nível de investimento e a consequente redução da taxa de juros no longo prazo, dada a relação indireta entre propensão à poupar e taxa de juros, cabe destacar que P. Davidson e J.Kregel argumentam que se o período de investimento for igual aquele em que ocorre o efeito multiplicador da renda, torna-se possível gerar poupança suficiente para liquidar todo empréstimo contraído para financiar o investimento inicial. A esse respeito (Oreiro, 2000:290) destaca:

“Asimakopulos defendeu a tese de que um aumento da propensão a poupar poderia estimular o investimento ao reduzir a taxa de juros de longo prazo. Isso porque um aumento da propensão a poupar facilitaria as operações de funding das dívidas de curto prazo das empresas em obrigações de longo prazo. Davidson e Kregel, por outro lado, argumentaram que as conclusões de Asimakopulos só seriam corretas em condições muito específicas e que, em geral, a propensão a poupar não teria nenhuma influência sobre a estrutura a termo das taxas de juros.”

Desta forma, o debate teórico formulado pelas escolas clássica, keynesiana e pós-keynesiana demonstraram que a determinação da taxa de juros não é tema trivial e esgotado em si mesmo. A continuidade do debate representa a oportunidade para aprofundarmos o estudo sobre a relação entre a taxa de juros e a evolução da inadimplência.

A análise concorrencial por vezes depara-se com o argumento de que não é possível reduzir a taxa de juros cobrada ao consumidor em função do elevado coeficiente de inadimplência vigente no mercado. O gráfico abaixo mostra a evolução da inadimplência para cinco modalidades de recursos de concessão de crédito: Home equity, SFH, Livre, FGTS e Comercial. A inadimplência corresponde ao percentual de operações com ao menos uma parcela vencida acima de 90 dias.

Evolução da inadimplência entre maio de 2014 e maio de 2024.

Fonte: Sistema de Informações de Créditos (SCR)/BCB.

No gráfico a seguir observamos a evolução da taxa SELIC (% a.a.) entre 2014 e 2024. É possível observar comparando os gráficos que embora exista uma tendência de queda no percentual de inadimplência entre maio/2021 e maio/2024, não se observa o mesmo movimento evolutivo no gráfico da evolução da SELIC para o mesmo período.

Evolução da taxa de juros SELIC entre maio de 2014 e maio de 2024.

Fonte: IPEADATA/BCB.

Neste caso, importa observar para a análise concorrencial, que outros fatores além da inadimplência contribuem para a determinação da taxa básica de juros, e que por si só não se pode considera-la como justificativa para restrição da concorrência entre taxas de juros praticadas no mercado por instituições financeiras. Além disso, modelos de determinação da inadimplência que considerem a evolução do efeito multiplicador da renda na determinação da taxa de juros podem ensejar um novo olhar sobre a relação de causalidade entre inadimplência e taxa de juros: enquanto o crescimento da renda facilita a quitação de financiamentos, contribui para a redução da taxa de juros e da própria inadimplência. Assim, é importante ressaltar que a inadimplência apresentada como única justificativa para tendência de rigidez à alta da taxa de juros, pode não ser argumento suficientemente forte para explicar a impossibilidade da redução dos juros praticados no mercado, a depender da conjuntura vigente.

Referências

Banco Central do Brasil – BCB, Efeito da inadimplência nas taxas de juros Estudo Especial nº 12/2018 – Divulgado originalmente como boxe do Relatório de Economia Bancária (2017) – volume 1 | nº 1

Disponível em:  https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/Efeito_inadimplencia_taxas_juros.pdf

OREIRO, José Luís. O Debate entre Keynes e os “Clássicos” sobre os Determinantes da Taxa de Juros: Uma Grande Perda de Tempo?, in Revista de Economia Política, vol. 20, nº 2 (78), pp. 287-311, abril-junho/2000

Disponível em https://www.scielo.br/j/rep/a/fG7jTvBP9GntNktVSF3fP8m/

Banco Central do Brasil – BCB, Estatísticas.Detalhamento gráfico, inadimplência.

Disponível em:

https://cdn-www.bcb.gov.br/estatisticas/detalhamentoGrafico/GraficoImobiliario/credito_estoque_inadimplencia_pf

IPEADATA. Taxa de juros – Selic – fixada pelo Comitê de Política Monetária (Copom).

Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx

A importância da política antitruste em processos de reconstrução econômica

Cristina Ribas Vargas

Em meio ao rastro de devastação deixado pela enchente de 2024 no estado do Rio Grande do Sul, classificada como um evento climático extremo, que superou a traumática marca histórica da enchente de 1941, um pensamento permaneceu presente nos corações e mentes de gaúchos e brasileiros de outros estados que se irmanaram em uma tocante rede de solidariedade: reconstrução. O evento climático, cujos danos têm sido comparados àqueles provocados pelo furacão Katrina que atingiu Nova Orleans em 2005, deixou o estado gaúcho com mais de meio milhão de habitantes desalojados, o que significa que aproximadamente uma a cada vinte pessoas teve que sair de sua casa. Em meio a esse turbilhão o pensamento focado no processo de reconstrução ladrilha o caminho da esperança.

O processo de destruição criadora é dinâmico e implica no surgimento de uma nova estrutura econômica enquanto a anterior não desapareceu totalmente. O empresário inovador é o agente responsável por sucessivas ondas de inovações tecnológicas que resultam em aumentos de produtividade do capital e do trabalho, e uma importante condição para que estes ciclos de desenvolvimento ocorram é a disponibilidade do crédito acessível.  Quando essas condições não provêm da paz e da ação humana intencional, por vezes nasce da guerra ou mesmo de catástrofes naturais, ironicamente aproximando a teoria econômica da teoria da seleção natural de Charles Darwin, como inicialmente pretendido por Schumpeter.

A reconstrução do Japão após a II Guerra Mundial, por exemplo, passou por um processo de transformação em que tanto a política industrial quanto a reforma agrária foram induzidas a partir das políticas públicas pautadas na reconstrução. Reformas radicais foram promovidas, destacando-se a dissolução dos zaibatsu, grandes trustes verticalizados, cuja estrutura contemplava a instituição bancária responsável pelo financiamento das empresas do grupo; associado a uma reforma agrária que estruturou o campesinato em proprietários de pequenos lotes de terra produzindo alimentos que auxiliaram a manter positivo o saldo de uma balança comercial fortemente pressionada pela carência de recursos naturais e matérias primas como petróleo, carvão e minérios. O projeto sincrônico possibilitou que os investimentos fossem direcionados às indústrias química, elétrica e de bens de capital. Consequentemente o país pôde compensar o atraso técnico provocado pela guerra e ingressar em uma onda de progresso e crescimento. Os capitais foram disponibilizados pelo Estado Japonês, através de crédito ou incentivos fiscais, por grupos econômicos japoneses e por capitais norte-americanos, disponibilizados visando apoio frente as guerras da Coreia e do Vietnã.

Nesse sentido, Possas(1995) ressalta a necessidade de uma análise dinâmica do ambiente concorrencial, cuja conformação institucional pode produzir resultados positivos sobre o funcionamento dos mercados. Para Possas o arcabouço teórico que usualmente sustenta a política antitruste peca por adotar uma noção estática de concorrência.

“o estabelecimento de condicionantes institucionais sobre as formas como as empresas competem pode ter efeitos positivos sobre o funcionamento dos mercados, desde que sua construção não seja exclusivamente orientada por uma análise estática” (1995:5)

Uma análise dinâmica com fundamentos neo-schumpeterianos poderia fornecer instrumentos para essa análise, ao considerar a existência de rivalidade entre capitais, bem como, a introdução e a difusão de inovações. Nesse enfoque concorrência é “um processo de interação entre unidades econômicas voltadas à apropriação de lucros e à valorização dos ativos de capital.” Além disso, o elemento ativo de análise não é o mercado, mas a própria empresa. O mercado é o locus onde a empresa toma decisões e apropria ganhos.

“Nesse enfoque dinâmico a estrutura dos mercados é um dado relevante, mas não único nem imutável. Tanto pode condicionar, com maior ou menor intensidade, as condutas competitivas e as estratégias empresariais, como pode ser por estas modificada, de forma deliberada e possivelmente radical.” (1995:18)

A estrutura de mercado é endógena ao processo competitivo, e se conforma pela interação dinâmica no tempo entre estratégia empresarial e a própria estrutura de mercado. Como consequência a concorrência e a competitividade não nascem espontaneamente do mercado. Precisam ser incentivadas pela combinação da política econômica industrial e pela legislação antitruste. Observe-se que não se trata de enfraquecer empresas ou reduzir seu tamanho a fim de fortalecer a concorrência, pois é a eficiência técnica, produtiva e organizacional que assegura o ambiente competitivo.

No pós-guerra europeu foram políticas econômicas estruturadas e bem coordenadas que possibilitaram a prestação de serviços públicos, crescimento econômico e aumentos de produtividade nunca antes alcançados, e posteriormente repartidos e acessados por todas as classes sociais. Exemplos de caminhos para a reconstrução não nos faltam. Mas a integração em torno de um objetivo comum ainda é um desafio para o estado gaúcho e a economia brasileira.

Referências

KEYNES, J.M. A Grande crise e outros textos, Relógio D’Água editores, 2009.

POSSAS, Mario Luiz, FAGUNDES, Jorge, PONDÉ, João Luiz. Política antitruste: um enfoque Schumpeteriano, 1995. Disponível em https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/15265/1/MLPossas%3bJLSSFagundes%3bJLSPSouza.pdf.

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/05/13/enchente-afeta-1-a-cada-20-rs.htm#:~:text=538.245%20est%C3%A3o%20desalojadas%20no%20Rio,o%20%C3%BAltimo%20Censo%20do%20IBGE.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-05/quase-90-das-cidades-do-rs-foram-atingidas-pelas-fortes-chuvas

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/05/12/destruida-por-inundacoes-do-furacao-katrina-nova-orleans-traz-licoes-de-reconstrucao-para-o-rs.ghtml

Desordem financeira, democratização da informação e crises de crédito

Cristina Ribas Vargas

As notícias recentes no mundo, em meio a guerras, e o debate sobre o acesso desigual a informação, trouxeram-me a lembrança um estudo que sempre apreciei, de Fred Block: As origens da desordem econômica internacional.

Block descreve a economia no período entre as duas grandes guerras mundiais, quando a Europa foi assolada pela desordem econômico-financeira. Antes disso a Inglaterra era então a potência industrial, militar e financeira da Europa, e sua moeda era a mais valorizada do continente. Sua liderança na defesa do livre comércio confirmava-se na atuação dos banqueiros ingleses, que concediam crédito independentemente do país no qual os recursos seriam gastos, ao contrário dos banqueiros alemães e franceses, que apenas concediam os empréstimos se os recursos fossem gastos em seus próprios países. A Inglaterra entendia que lucraria independentemente do país onde esses recursos fossem empregados. Foi um país deficitário durante a maior parte do século XIX devido à forte dependência de importações de recursos naturais, necessários à movimentação de sua indústria, e quando o balanço de pagamentos se tornava deficitário, a solução convencional era elevar a taxa de juros internamente e arcar com redução nos níveis de renda e emprego. No entanto, a partir de 1900, com a ascensão de EUA e Alemanha, a postura Inglesa mudou. Os déficits tornaram-se exorbitantes e o país se negou a fazer o ajuste internamente via aumento da taxa de juros e redução de emprego.  E foi justamente no período do entre guerras que a Inglaterra, cuja moeda era o padrão de referência internacional, decidiu abandonar o padrão ouro, provocando instabilidade e insegurança nas transações financeiras entre os países. A primeira guerra veio como resultado de uma tentativa de restabelecimento do padrão ouro, que resultou infrutífera, já que nenhum país queria assumir a responsabilidade de ter a moeda como padrão de referência internacional. Para agravar mais o quadro e acabar tornando a guerra inevitável os banqueiros ingleses mudaram de postura, e passaram a restringir o crédito externo, além de iniciarem a cobrança aos devedores, o que resultou em declarações de moratórias e adoção de controles cambiais por parte de outros países, dificultando mais ainda a situação econômica da Inglaterra. Neste momento da história os banqueiros acreditavam que a crise poderia ser solucionada se houvesse o retorno ao padrão ouro. No entanto, de acordo com Block, o que parecia mais difícil de ser notado é que a crise vinha do lado real da economia. A Inglaterra já não era mais a potência econômica mundial. As cotações das moedas passaram a flutuar e as taxas de câmbio a serem determinadas pelos níveis de divisas, sem uma paridade fixa direta com o ouro. Isso gerou grandes movimentos especulativos de capital e ataques contra as moedas mais fracas. Com o auxílio dos EUA em 1925 a Grã-Bretanha restabeleceu o padrão ouro ao nível do pré-guerra. O acordo previa grandes vantagens aos EUA, que apresentava taxas de juros mais atrativas: empréstimos de longo prazo começaram a migrar de Londres para Nova York. Aos poucos os grandes capitais dos EUA influenciavam o seu governo na tentativa de assumir o controle das finanças mundiais e iniciar o processo de cobrança sobre Inglaterra e França, orientando-os a imputarem ao país perdedor, a Alemanha, a responsabilidade pelos pagamentos de suas dívidas. Nascia a segunda guerra e a triste ascensão do nazismo. Como diria Mark Twain, a história não repete trajetórias, mas frequentemente ela rima. A inabilidade em incentivar a retomada do crescimento econômico a partir de uma postura menos restricionista conduziu o mundo à grande depressão, e na sequencia a segunda guerra. A partir dai o padrão monetário ouro foi abandonado definitivamente, e o que passou a viger foi o ‘não sistema financeiro internacional’.

Essa história é apenas para lembrar a importância da política de crédito. Do ponto de vista interno, nos faz pensar sobre como a informação perfeita sobre o perfil de crédito por parte instituições financeiras pode ser utilizada para restringir mais ainda o acesso ao crédito às famílias de menor renda, e portanto de maior risco, enquanto o acesso à informação por parte das Bigtechs nos remete ao risco de avaliações no mercado externo sem regras claras sobre as condições de concessão de crédito internacional. Em mundo pouco pacífico, o detentor de grande poder de informação associado ao poder de concessão de crédito, pode engendrar a desordem econômica mundial, ao contrário do que esperam os mais otimistas defensores da informação irrestrita aos agentes econômicos financeiros. É o início de uma reflexão sobre o quanto o conhecimento total da informação por parte daqueles que controlam a oferta de crédito no Brasil e no mundo pode de fato promover um maior acesso aqueles que historicamente não dispuseram de acesso ao crédito. Em outras palavras, o crédito é importante justamente quando mais precisamos dele, em situações de crise. Do contrário, como diria Mark Twain, será o mesmo que dar um relógio como garantia ao sistema financeiro para poder descobrir que horas são.  A informação completa sobre o agente que solicita o crédito pode piorar as condições sob as quais ele contrata esse serviço. Lembrem-se que os EUA conhecia muito bem a situação financeira da Inglaterra quando resolveu “socorre-la”.  A restrição do crédito inibe o investimento, a renda e a possibilidade de geração de um efeito multiplicador. Imaginem agora todas as informações perfeitas sobre cada família, empresa e governo de posse dos maiores oligopólios financeiros mundiais: como seria a política de crédito internacional? Os impactos sobre a economia real e a produção de riqueza poderiam ser determinados por agentes que não receberam a delegação de poder para determinar os rumos da política econômica mundial.  Não desanimemos, um outro mundo sempre é possível, mesmo que a história repita trajetórias.

Referências

BLOCK, F. L. The Origins of International Economic Disorder, 1977. (Las Orígenes del Desorden Económico Internacional, Fondo de Cultura, México, 1980).

WebAdvocacy. O “X” do Xandão. Editorial, 9 de abril de 2024.

A Nova Indústria Brasil: Os problemas passados justificam a estratégia da não-ação?

Cristina Ribas Vargas

Na data de 22 de janeiro de 2024 o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) entregou à Presidência da República o documento que pauta a nova política industrial brasileira, o NIB – Nova Indústria Brasil. Serão R$ 300 bilhões para o financiamento da industrialização, denominada de neoindustrialização, até 2026. A gestão dos R$ 300 bilhões ficará a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). O montante será disponibilizado via linhas específicas, não reembolsáveis ou reembolsáveis, e recursos por meio de mercado de capitais, dentro da estratégia de promover a indústria no país. Dentre os principais pontos do documento estão: Concessão de linhas de crédito para projetos de inovação sob condições facilitadas (TR + 2% a.a.), e decretos que determinam que compras públicas concedam margens ou preferências para produtos nacionais.

O documento apresenta seis missões cujo prazo para serem atingidas é 2033:

  1. Missão 1: Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética: a meta prevista para ser atingida é “aumentar a participação do setor agroindustrial no PIB agropecuário para 50% e alcançar 70% de mecanização dos estabelecimentos de agricultura familiar, com o suprimento de pelo menos 95% do mercado por máquinas e equipamentos de produção nacional, garantindo a sustentabilidade ambiental”. Um dos principais mecanismos de financiamento a ser utilizado nesta missão é o sistema de crédito não reembolsável.
  2. Missão 2 – Complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde: Os principais instrumentos para viabilizar essa missão são: prioridades de financiamento à inovação com linhas de recursos não reembolsáveis, racionalização do custo regulatório referentes a compras governamentais, propriedade intelectual e infraestrutura.
  3. Missão 3 – Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades: a meta é reduzir o tempo de deslocamento de casa para o trabalho em 20%, e aumentar em 25 pontos percentuais o adensamento produtivo na cadeia de transporte público sustentável. Os nichos industriais previstos a serem desenvolvidos são: eletromobilidade, cadeia produtiva de bateria, construção civil digital e de baixo carbono, e indústria metroferroviária.
  4. Missão 4 – Transformação digital da indústria para ampliar a produtividade: tem como missão aspiracional “Transformar digitalmente 90% das empresas industriais brasileiras, assegurando que a participação da produção nacional triplique nos segmentos de novas tecnologias.” Os principais nichos a serem desenvolvidos são indústria 4.0, produtos digitais e semicondutores.
  5. Missão 5 – Bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as gerações futuras: tem como meta “promover a indústria verde, reduzindo em 30% a emissão de CO2 por valor adicionado da Indústria, ampliando em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes e aumentando o uso tecnológico e sustentável da biodiversidade pela indústria em 1% ao ano”. Os principais segmentos a serem incentivados são bioenergia, equipamentos para a geração de energia renovável, e cosméticos.
  6. Missão 6 – Tecnologias de interesse para a soberania e defesa nacionais: o objetivo é obter autonomia na produção de 50% das tecnologias críticas para a defesa. As áreas a serem desenvolvidas para esse fim são energia nuclear, sistema de comunicação e sensoriamento, sistema de propulsão, veículos autônomos e remotamente controlados.

Em todas as missões objetivadas listadas acima são instrumentos para sua viabilização: financiamentos não reembolsáveis, alterações em instrumentos regulatórios, procedimentos de contratações públicas e direitos de propriedade intelectual.

O documento vem na esteira de um sentimento de salvaguarda da democracia, em que o setor produtivo privado e o governo brasileiro o apresentam como o resultado de um diálogo fortalecido entre as partes. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) elogiou a nova política industrial como sendo o centro estratégico para o desenvolvimento do país.  Na mesma linha, para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o lançamento da nova política industrial é a demonstração de que o governo federal reconhece a importância da indústria de transformação para colocar a economia brasileira entre as maiores do mundo. Para a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs)os objetivos previstos no programa estão corretos e em sintonia com o trabalho realizado pelo Grupo de Política Industrial da entidade”.

Os críticos logo apontaram os déficits públicos, a incapacidade do governo de escolher os segmentos econômicos corretos a serem incentivados, e a corrupção a que estará sujeita o país na execução desses projetos. Termos como “politização da indústria’, favorecimentos aos amigos do rei, investimentos em um “parque industrial ultrapassado” já podem ser ouvidos nos meios de comunicação. Há que se reconhecer dois pontos: as metas são ambiciosas para serem atingidas em dez anos. Investimentos em inovação, pesquisa e desenvolvimento podem levar várias décadas até serem alcançados, mesmo em países em estágio de desenvolvimento mais avançados do que o Brasil. Além disso, os instrumentos a serem utilizados para alavancar esse novo processo de industrialização carecem de maior segurança jurídica-institucional. Quando falamos de crédito não reembolsável, é preciso considerar que há instituições públicas que ainda discutem internamente as regras de cobrança de créditos concedidos há mais de três décadas, por exemplo, ou ainda, quanto às contratações públicas, quais dispositivos da Lei de licitações poderão estar em conflito com a proposta de contratações preferenciais. São aspectos que dizem respeito aos procedimentos de execução diária da administração pública, e cuja implementação demora algum tempo até que possam ser operacionalizados.

Contudo, apesar de todas as críticas mencionadas acima, é preciso reconhecer que a neoindustrialização deriva do esgotamento do modelo neoliberal em conduzir a economia brasileira a maiores patamares de participações na indústria global. Enquanto anos 1980 o Brasil representava em torno de 3% de participação na formação do valor adicionado global, na década de 2010 essa contribuição caiu para pouco mais de 1%. Os investimentos feitos pelo Estado são necessários, desde que resultem em entregas de qualidade à sociedade, e estejam de fato vinculados a geração de empregos, inovação e aumento de produtividade. A não-ação não é uma estratégia de desenvolvimento nacional aceitável. Para que isso que ocorra, é necessário cada vez mais uma fiscalização ativa da população. É imperioso que as metas e detalhamento dos projetos de industrialização estejam ao alcance e conhecimento de todos, para que seu cumprimento seja acompanhado durante seu período de execução, e não percamos a metroferrovia da história.

https://jornalggn.com.br/analise/o-brasil-e-o-desafio-da-reindustrializacao-por-andre-cunha-e-alessandro-miebach/

https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/brasil-ganha-nova-politica-industrial-com-metas-e-acoes-para-o-desenvolvimento-ate-2033

https://www.portaldaindustria.com.br/cni/

https://www.fiergs.org.br/

https://www.fiesp.com.br/

O Conceito de Concorrência sob Condições de Incerteza na Sociedade de Informação.

Cristina Ribas Vargas

A teoria econômica neoclássica, e particularmente a teoria microeconômica, forneceram importante instrumental analítico para o desenvolvimento da teoria da concorrência. Contudo, a partir da microeconomia subjacente aos fundamentos da Teoria Geral de Keynes, a conclusão sobre a necessidade de intervenção e regulação nos mercados foi em direção oposta ao recomendado pela teoria convencional.

A teoria econômica neoclássica parte do pressuposto de que os ofertantes, ou concorrentes em determinando mercado, assumem comportamentos que podem ser classificados como homogêneos, de tal modo que suas ações estratégicas não apresentariam diferenças significativas entre si em termos dos resultados alcançados. Nos mercados em que a estrutura pressuposta é a concorrência perfeita, as firmas, além de apresentarem comportamento homogêneo, são consideradas atomizadas, de tal forma que sua participação no mercado pode ser considerada desprezível.  A hipótese de atomismo tem o objetivo de garantir que as decisões individuais sejam incapazes de afetar significativamente as condições de mercado, particularmente os preços e as quantidades comercializadas. Essa hipótese exclui, portanto, a possibilidade de exercício de poder de mercado.

No entanto, a prática da concorrência é indissociável de dois conceitos econômicos fundamentais: assimetria e cumulatividade. O comportamento e a estrutura assimétrica dos concorrentes, vinculado ao acúmulo de conquistas sucessivas de parcelas de mercado, podem resultar em maior concentração e poder de mercado em médio e longo prazo.

Em sua Teoria Geral Keynes argumentava que existe imensa dificuldade por parte dos agentes econômicos em estimar uma distribuição de probabilidades para resultados a serem alcançados sob condições de incerteza. As informações compradas ou acumuladas com base na experiência dos agentes podem apresentar custos elevados e ser de difícil acesso, reduzindo as possibilidades de calcular o risco para a tomada de decisão.

Passaram-se noventa e um anos desde que Hayek e Keynes enfrentaram-se no debate pela primeira vez. Hayek argumentava que, dado que ninguém podia saber o que estava na mente de cada membro da sociedade, e que o melhor indicador de suas necessidades eram os preços de mercado, as tentativas do Estado em conduzir a economia seriam infrutíferas.

Se fizermos o exercício de supor que toda informação hoje disponível nas redes sociais e internet, que já estão disponíveis ao acesso de algumas grandes empresas de informação, estivessem amplamente acessíveis ao público, seria a incerteza eliminada do mercado e do Estado? O que os fatos da atualidade nos mostram indicam uma resposta negativa. No estágio atual de democratização da informação dois resultados no mínimo possíveis já são observáveis: aumento de assimetria produzido por grandes bigtechs, e a necessidade de uma profunda discussão social acerca das regras do jogo sobre a conveniência e oportunidade de universalização do acesso à informação. Neste caso, a teoria keynesiana sairia vitoriosa do debate, pois ainda seria necessária a presença do Estado mediador para assegurar o cumprimento das regras do jogo. Jogo este que estaria não só sujeito ao malogro das fake news, mas também de decisões estratégicas variadas diante de informações idênticas.

Supondo empresas atomizas com informações perfeitas em um mundo totalmente conectado em rede mundial, como as firmas buscariam continuar acumulando poder de mercado? Mesmo com sistemas que vasculham as preferências dos indivíduos, e diariamente oferecem bens e serviços com base em resultados de pesquisa dos consumidores em rede, ainda assim, na maioria das vezes a demanda não é efetivada.

Arrow (1962) já apontava as dificuldades de se criar um mercado de informação. Três características são inerentes a informação enquanto mercadoria: consumo não-rival, natureza indivisível e impossibilidade de verificação de seu valor antes mesmo de possuir a infomação.  Daí a importância de distinguir entre informação e conhecimento.  Enquanto a informação pode ser tratada como um algoritmo ou um dado qualquer, o conhecimento vai muito além disso, exigindo que o receptor possa interpretá-la e utilizá-la.

É cada vez mais perceptível que as mudanças velozes da nova sociedade de informação impactarão a formação de expectativas dos agentes econômicos. Freeman e Soete (2008) ao identificarem a importância dos sistemas nacionais de inovação para o desenvolvimento econômico, dedicaram atenção aos impactos da sociedade de informação na geração de empregos, produção e produtividade. Ainda, nesse sentido, destacaram a visão de Kuznets (1955) acerca da necessidade da economia em dialogar com as demais ciências sociais para aprimorar a mensuração dos impactos das atividades governamentais sobre as forças de mercado e redução de desigualdades:

“ Se fôssemos tratar adequadamente os processos de crescimento econômico, os processos de mudança a longo prazo, nos quais as próprias estruturas tecnológica, demográfica, e social também estão mudando – e de maneira que decididamente afeta a atuação das próprias forças econômicas -, torna-se imperativo que nos arrisquemos em áreas além da própria economia (…) É imperativo que nos tornemos mais familiares com as constatações daquelas disciplinas  sociais correlatas  que podem ajudar-nos a entender os padrões de crescimento da população, a natureza e a força na mudança tecnológica e os fatores que determinam as características e tendências das instituições políticas. (…) Um trabalho efetivo nesse campo requer necessariamente uma reorientação da economia de mercado para a economia política e social.” (Kuznets, 1955).

No último capítulo de sua teoria geral Keynes (1936) aponta três funções do Estado a fim de assegurar o pleno emprego: direcionamento da liquidez do Estado para práticas produtivas, tributação progressiva para financiar um orçamento que possa fazer frente a oscilações abruptas de demanda, e cooperação internacional para a redução de instabilidades que inviabilizem a busca pelo pleno emprego. A esse último ponto poderia ser acrescida a necessidade de regramentos sobre acesso a informação assimétrica por parte de grandes empresas de informação e do próprio Estado.

Referências

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FREEMAN, C.; SOETE, L. A economia da inovação industrial. Campinas: Editora Unicamp, 2008.

KEYNES, John M. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Saraiva, 2012 [1936].

MACEDO E SILVA, Antonio Carlos. Macroeocnomia sem equilíbrio, Campinas/Rio de Janeiro: Ed. Vozes/Fecamp: 1999.

POSSAS, MARIA SILVIA Concorrência e elementos subjetivos Competitivenessandsubjectiveelements Revista de Economia Política, vol. 18, nº 4 (72), pp. 595-611, outubro-dezembro/1998.

WAPSHOTT, Nicholas. Keynes x Hayek. As origens e a herança do maior duelo econômico da história. Rio de Janeiro, Record:2017.

O Comércio Internacional da China e a Política Antitruste

Cristina Ribas Vargas

Estudar a economia chinesa é sempre um desafio gigantesco, não só pela dimensão geográfica e populacional do país, como pelas peculiaridades de sua cultura de mais de quatro mil anos, distribuídas por vinte e duas províncias, cinco regiões autônomas (Guanexi, Mongólia interior, Ningxia, Xinjiang e Tibete), quatro municípios e duas regiões administrativas. Sobretudo as peculiaridades históricas atinentes à sua prática comercial internacional nos leva a refletir sobre como esse país encara a política antitruste e o próprio sentido da concorrência.

Breve histórico das origens do Comércio e Concorrência na China

A estratégia dos Chineses durante a conformação geográfica do país, por volta de 119 a.C., objetivava evitar as invasões de suas fronteiras, ao mesmo tempo em que buscava garantir a continuidade de suas transações comerciais. Antes de expulsarem os povos nômades (particularmente os Xiongnú) das aéreas de fronteira por via militar, curiosamente os chineses procuraram transformar os seus costumes. Durante muitos anos, a fim de conter as invasões, os chineses presenteavam os nômades com os produtos disponibilizados na rota da seda, produtos diferenciados, considerados artigos de luxo no comércio internacional. Os tecidos de seda de alta qualidade eram os principais artigos, além da porcelana, especiarias e até mesmo produtos com algum grau de inovação, como as lanternas de azeite de peixe para iluminação. O comércio era regulamentado por uma estrutura formal, e toda transação ocorrida no corredor de Ganzu era registrada. Todos os comerciantes estrangeiros que ingressavam no país eram registrados, assim como, todos os valores de sua movimentação comercial. Para o controle efetivo das contas os comerciantes estrangeiros deveriam seguir uma rota estabelecida e fiscalizada pelo governo. Há mais de dois mil anos esse intenso comércio já era um fato, gerando oportunidades, conflitos e incentivando avanços técnicos. Por volta do século I a.C. a expansão do Império Romano rumo ao oriente resultava na dominação do Egito e alcançava a Índia, onde ocorria intenso intercambio comercial. O acirramento do conflito religioso na região do oriente médio intensificou-se até meados do século VIII, quando os mulçumanos tentavam avançar até fronteira ocidental da China, tomando os corredores comerciais da região, e até o século XIV, a China continuaria sofrendo com as invasões dos Mongóis pelo norte, e pela disseminação da Peste Negra. Mesmo durante esse período intenso de invasões bárbaras a China ainda era considerada como um país seguro para o trânsito comercial, oferecendo o controle e a segurança para os comerciantes estrangeiros que lá ingressavam. Após a peste Negra e o renascimento da Europa, o fluxo comercial marítimo conduz a relações comerciais mais intensas entre Europa, Índia e China. Contudo é somente no século XVIII que a Inglaterra supera técnica e cientificamente a China, passando a impor, nos países onde possui influência colonial, restrições comerciais `a China. No Brasil, com a chegada da família imperial em 1808, a Inglaterra exigia a substituição dos produtos chineses pelos ingleses por meio de decretos imperiais impresvistos, a serem executados em curtíssimo prazo. Esse foi o caso da substituição dos telhados em formato de pagoda na cidade do Rio de Janeiro, que deveriam ser substituídos por seus proprietários no prazo máximo de uma semana. Produtos antes apreciados pelos brasileiros tornaram-se objeto de uma política de “desassombramento”, que visava extirpar da cultura brasileira os “costumes bisonhos” de consumir produtos chineses. Em 1839 a Guerra do Ópio marcaria de forma militar invasiva a tentativa de colonização britânica da China. E posteriormente, a invasão japonesa durante a II Guerra Mundial seria a última grande tentativa de dominação do território Chinês. A partir daí a China enfrenta o dualismo interno entre uma proposta econômica do partido nacionalista Kuomitang e do Partido Comunista Chinês, que assume o poder em 1949. Após tantas tentativas de invasões territoriais, enfrentamento de políticas restricionistas e dificuldades de unificação de diversas culturas em diferentes províncias, em meio a um ambiente conflituoso da Guerra Fria, e sob o jugo da União Soviética, o que se percebe é uma China lutando para manter seu processo de consolidação nacional. Após o fracasso resultante do plano de Mao Tse Tung “Grande Salto à Frente” a China decide retomar em 1978 o caminho que desde suas origens lhe parecia natural, qual seja, a retomada de suas relações comerciais com o mundo. Dessa vez surge um processo inovador, de estímulo de parcerias entre as grandes empresas estatais e empreendimentos individuais, conformando o que se convencionou chamar de uma economia socialista de mercado, orquestrada por Deng Xiaoping. Essa dinâmica promovida por um sistema intenso de exportações inicialmente de produtos de menor valor agregado e posteriormente de produtos intensivos em tecnologia, resultou na economia com as maiores taxas de crescimento do inicio do século XXI. Não obstante, o mundo questionava-se sobre como o país, comandado pelo partido comunista, lidaria com a crescente concentração de riqueza nas mãos de alguns poucos capitalistas chineses, e sobre como atuaria para fiscalizar possíveis abusos do poder econômico advindo desse novo cenário.

O Caso das Empresas Intensivas em Tecnologia

Em 2021 o governo Chinês estabeleceu como uma das prioridades para o país a implementação de políticas regulatórias antitruste. Ainda em 2021 impôs uma multa de 2,8 bilhões de dólares à empresa Alibaba, o que corresponderia a 4% do total do faturamento da empresa em 2019. Após a investigação a conclusão foi de que acordos de negociação exclusiva impediam os comerciantes de venderem seus produtos em outras plataformas além da Alibaba.  Além disso, ainda em 2020 o governo já havia imposto restrições sobre o funcionamento da Fintech Ant Group, da empresa de tecnologia Didi Global e da gigante de entregas Meituam sobre a constituição de uma cadeia monopolista. Quanto ao segmento de educação on-line o governo Chinês chegou a alegar que o projeto de educação fora seqüestrado pelo capital, e tem tratado de implementar uma nova estrutura regulatória para o segmento.

Enquanto nos EUA há um predomínio das empresas de inovação em tecnologia, as Bigtechs, na China a liderança é das empresas de transmissão de dados. Enquanto o governo Chinês acreditava que era benéfica a competição dessas empresas com gigantes americanas, permitiu sua instalação na região do Caribe, e a parceria entre empresas de  inovação dos EUA e de transmissão da China. Não obstante, cada vez mais, ambos os países demonstram preocupações com as informações de posse dessas empresas. Sob esse argumento a China reviu a estratégia para instalação e cooperação com empresas dos EUA via região do Caribe.

Essa postura da China, de impor limites à atuação das bigtechs chinesas, bem como, às parcerias com empresas de tecnologia estrangeiras, tem sido apontada pelos críticos à política chinesa como excesso de intervenção do Estado. Por outro lado, pode significar importante estratégia, para ganhar vantagem contra seu principal rival, na liderança em inovações em produtos de valor agregado elevado. Neste caso, a política de incentivo às pequenas empresas do segmento de inovação na China pode ter importante papel, ao evitar-se que sejam restringidas pelas gigantes. Já foi anunciado pelo governo o desejo de incentivar parcerias entre governo e empresas nos segmentos de inteligência artificial e semicondutores. Conforme Angela Zhang o caso do Alibaba levou apenas quatro meses para a aplicação da decisão da autoridade antitruste, conferindo maior segurança e confiança ao ambiente institucional. Em comparação acredita que as autoridades antitruste de EUA e União Européia devem demorar anos para impor limites a casos que envolvem grandes empresas.

Aplicação da Lei Antimonopólio na China em 2023.

O governo Chinês deixou claro que a regulação dos mercados e a aplicação da legislação antitruste está fortemente vinculada à política de desenvolvimento definida pelo governo. Enquanto nos EUA a ação antitruste tem como objetivo precípuo a proteção ao consumidor, na China ela segue pari passu os objetivos da política governamental. Além disso, o governo chinês compreendeu a necessidade de sinalizar ao mercado que sua intervenção visa uma coordenação que busca equalizar as já conhecidas falhas de mercado.

Nesse sentido, em junho de 2023, a Administração Estatal de Regulamentação de Mercado da China (SAMR) divulgou o Relatório Anual sobre a Aplicação da Lei Antimonopólio na China (2022). Neste Relatório destacam-se alguns dispositivos que visam conferir limites à atuação do agente estatal, na prevenção do abuso de poder administrativo:

Conforme o artigo 13.º da Lei Antimonopólio, a Administração Estatal de Regulação dos Mercados autoriza todas as províncias, regiões autônomas, departamentos de supervisão e administração do mercado dos governos dos distritos e municípios diretamente subordinados ao Governo Central a aplicação da Lei Antimonopólio, incluindo seus dispositivos que tratam do abuso do poder administrativo.

As organizações não devem abusar do poder administrativo ao restringir ou operações comerciais de unidades ou indivíduos nas seguintes situações: ao tratar as bases de dados, ao disfarçar restrições a unidades ou indivíduos que realizam operações comerciais, prejudicar outras partes ao assinar acordos de cooperação, memorandos, etc. com outros agentes econômicos, impedir ou restringir a livre circulação de mercadorias entre regiões. Ainda, não poderá ser praticado abuso do poder administrativo para coagir operadores estrangeiros a realizar determinados investimentos em escala e local definido pelo poder administrativo.

Ainda, as organizações não devem abusar do poder administrativo para forçar pública ou secretamente os operadores a se envolverem em atividades de monopólio estipuladas na Lei Antimonopólio.

Ademais, as agências de aplicação da lei antimonopólio deverão, de acordo com os seus poderes, encaminhar relatórios às autoridades superiores se for encontrada qualquer suspeita de abuso do poder administrativo.

Assim, em que pese o caráter extremamente peculiar da sociedade chinesa, em que a simbiose entre Estado e mercado ainda está em plena ebulição, influenciando diretamente sua relação com o resto do mundo, podemos identificar no Relatório Antimonopólio um esforço em garantir integridade aos processos de defesa da concorrência. Acompanhar os avanços na legislação e as práticas da China em matéria de antitruste sem dúvida parece ser indispensável na atualidade.

FRANKOPAN, Peter. O coração do mundo: Uma nova história universal a partir da rota da seda: o encontro do oriente com o ocidente.São Paulo: Planeta, 2019.

VARGAS, Cristina. O Crescimento Econômico da China entre 1952 E 2015: uma aplicação econométrica da Lei de  Thirlwall.

Disponível em https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/168625

Relatório Anual sobre a Aplicação da Lei Antimonopólio na China (2022).

Disponível em https://drive.google.com/file/d/14M4E9wdJeMeYCd7HbneDZrF5EuiZlz8w/view

WebAdvocacy. A Geopolítica na economia digital. EUA e China posicionados. Por anda a Europa? Editorial, 29 jan de 2023.

Disponível em https://webadvocacy.com.br/2023/01/29/a-geopolitica-na-economia-digital-eua-e-china-posicionados-por-onde-anda-a-europa/

CNN Brasil: China multa gigantes de tecnologia por violação de leis antitruste.

Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/economia/china-multa-gigantes-de-tecnologia-por-violacao-de-leis-antitruste/


Cristina Ribas Vargas. Doutora em economia do desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUC/RS e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.   Atuou como professora substituta na UFRGS e professora adjunta em instituições de ensino privado. É economista da Administração Pública Federal desde 2005, e atualmente está atuando na CGAA2 do Cade.


Democracia e Regulação: a importância da participação direta para um novo pacto dos agentes sociais.

Cristina Vargas

Dentre os dois modos de produção antagônicos propugnados pelas definições das economias liberais e socialistas, a constituição de um Estado Regulacionista vem se apresentando cada vez mais como uma solução instrumental. A abordagem regulacionista parte do princípio de que a economia capitalista está sujeita a crises cíclicas, que no entanto podem ser amenizadas pelo aparato regulatório, permitindo a continuidade de reprodução do sistema. No entanto, para o funcionamento eficaz desse aparelho regulador é necessária a sua aceitação pelos diversos agentes sociais. O processo de destruição criadora envolvido na constituição desse aparato vem acontecendo de forma dinâmica, em que o novo surge antes mesmo que o velho esteja suplantado. Entre o extremo de uma sociedade produtiva totalmente estatal ou aquela na qual os meios de produção são totalmente apropriados e gerenciados pelo mercado, a regulação sobre quem pode gerir com maior eficiência os meios de produção pode tornar-se cada vez mais participativa. Os novos instrumentos tecnológicos de informação e comunicação estão cada vez mais facilmente acessíveis pela sociedade. A estrada da informação, como era chama a internet no início dos anos 1990, era anunciada como um futuro lócus de comércio e interação cultural. Embora tenha nascido como resultado de pesquisas do departamento de defesa dos EUA durante a guerra fria, isto é, fruto do conflito entre os regimes econômicos antagônicos, cada vez mais a internet oferece a possibilidade de maior participação da sociedade acerca dos processos de fiscalização da coisa pública. A exemplo disso podemos citar as consultas públicas feitas pelas agencias reguladoras, e a própria definição dos projetos nos quais serão aplicados os recursos públicos orçamentários. Sabemos que com a tecnologia atual disponível poderíamos ter um mundo completamente diferente. A participação social atuando conjuntamente `a atividade de regulação dos recursos públicos pode representar um importante avanço na resolução dos conflitos, e contribuir para conciliação social necessária para a retomada do crescimento econômico. A história da humanidade nos mostra que o amadurecimento da democracia aconteceu entre avanços e retrocessos. Robsbawn (1996) já afirmara categoricamente que “a Revolução Francesa começou como uma tentativa aristocrática de recapturar o Estado”, e no entanto o resultado foi o avanço obtido com a declaração dos direitos dos homens e cidadãos. Mais recentemente Piketty (2016:79) afirmou que estamos ainda muito longe das luzes do século, e a resposta precisa ser dada a seguinte pergunta: “que formas de governança alternativas devemos criar no século XXI para escapar da ditadura do proprietário todo-poderoso e finalmente permitir um controle democrático e participativo do capital e dos meios de produção?” Numa perspectiva inspirada nas revoluções pacíficas da história mundial, como a Marcha do Sal ou a Primavera de Praga, a pergunta pode ser estendida ao conceito de democracia cidadã: como escapar de qualquer tipo de ditadura dos meios de produção, estatal ou de mercado, e ainda conciliar os interesses individuais e coletivos em uma sociedade que promova o crescimento econômico e uma política de paz?

A Teoria da Captura preconiza a possibilidade de que as Agências Reguladoras sofram captura por parte dos agentes regulados, e que em conseqüência os interesses desses agentes sejam atendidos em detrimento dos interesses dos consumidores, ou em outras palavras, que serviços de interesse público repassados à atividade privada obtenham ganhos não por aumentos de eficiência, mas por desfrutarem de alguma situação de proteção ou beneficiamento, que por fim indicaria a perda de autoridade e de comprometimento com o interesse público por parte da Agência.

“A doutrina cunhou a expressão ‘captura’ para indicar a situação em que a agência se transforma em via de proteção e benefício para setores empresariais regulados. A captura se configura quando a agência perde a condição de autoridade comprometida com a realização do interesse coletivo e passa a produzir atos destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou todos os segmentos empresariais regulados. A captura da agência se configura, então, como mais uma faceta do fenômeno de distorção de finalidades dos setores burocráticos estatais.” (Justen Filho, 2002: 369).

Aparentemente, o agente que pratica a captura está bem definido, conquanto a forma como o Estado constitui-se em capturado tem sido objeto de estudos e pesquisas. Dificilmente enxergaremos os mecanismos pelo qual o Estado torna-se o agente capturado se o enxergarmos de forma mítica, isto é, uma entidade sem rostos e sem personalidade. Stigler (1971) por exemplo, aponta a importância da pressão de grupos de interesse que financiam partidos políticos cujos projetos regulacionistas são de seu interesse para auferir renda que deveria ser revertida em benefícios dos consumidores. A partir da concepção institucionalista de causação circular, em que as instituições e os

indivíduos se influenciam reciprocamente podemos tentar compreender como se constituem os valores que irão determinar quais regramentos irão reger a sociedade.

Enfatizando o poder da captura em nível de política nacional Cagé (2020) afirma que “o dinheiro compra eleições”, estimando para a França o preço do voto em 35 euros, e apontando uma influencia decisiva do investimento privado sobre os resultados das eleições. Cagé (2017) afirma que não é só no Brasil que a democracia está em crise. O fenômeno de desencanto com a política, também observado nos países avançados, provém de um sentimento de desapropriação sentido pela maioria dos eleitores. Eles têm a impressão de que suas escolhas são confiscadas por uma minoria com forte poder econômico.”

Além do sentimento de ausência de poder emanado diretamente do povo, por melhores e mais racionais que possam ser as escolhas dos indivíduos, devemos considerar também a influência do ao auto-engano nas escolhas, ainda que feitas por mecanismos de participação direta.

“ mentimos para nós mesmos o tempo todo, lembramos e esquecemos de acordo com nossas convicções. O auto-engano permeia grande parte das escolhas que fazemos. Ao nos auto iludirmos geramos implicações éticas na vida publica e pessoal.” (Giannetti: 2005)

Como então garantir que a concorrência será devidamente regulada e não influenciada pela relação por vezes perniciosa entre agentes do Estado e entidades privadas? De acordo com Aktouf (2004) o fato que está latente na atual conjuntura econômica é que a administração pública não pode ser o braço armado da captura por diferentes grupos ou pessoas na definição das políticas públicas.

Alguns exemplos de boas práticas e avanços na administração pública tem se verificado pelo uso de instrumentos que possibilitam o acesso da sociedade civil ao planejamento e à execução das políticas públicas.

A administração pública brasileira dispõe de um rol de instrumentos que podem auxiliar na elaboração de seus regulamentos por meio da participação social, tais como: audiências públicas, consultas regionais, consultas públicas, consultas para revisão de Guias, canais eletrônicos para recepção de denúncias, tomada pública de subsídios, realização pública de Webinars, consultas dirigidas, diálogos setoriais, criação de grupos de trabalho e conselhos participativos. A criação de tais instrumentos tem

contribuído para democratizar o processo de regulação, mas para ser eficaz depende de publicidade eficaz e transparência na fiscalização da gestão.

Assegurar as condições de transparência que garantam a concorrência de fato em processos de regulação, ou mesmo licitatórios, dada a conjuntura recente brasileira passa a ser pré-requisito obrigatório para a manutenção de uma estrutura social pacifica.

Em pleito eleitoral recente no Brasil, parte das campanhas apresentavam uma escolha entre democracia ou corrupção, como se ambos fossem eventos mutuamente exclusivos, quando na verdade nunca o foram. As mídias sociais eram inundadas de acusações que salientavam a idéia de polarização entre denúncias de corrupção e denuncias de autoritarismo. No entanto, o combate efetivo à corrupção depende diretamente de assegurar transparência e efetividade na participação social sobre os processos públicos. Quanto maior a participação social direta na avaliação da eficiência acerca da prestação dos serviços públicos concedidos, menores serão os incentivos para a implementação de práticas de capturas e relações público-privada permeadas por atos de corrupção. Entre 1990 e 2021 o número de indivíduos que utilizam a internet no Brasil passou de zero para 81% da população. A administração pública federal já deu passos significativos para impulsionar a digitalização da economia, buscando oferecer diversos serviços públicos por meio de plataformas digitais. No entanto, conforme Ruess et al.(2021) as pesquisas sobre participação política on line (PPO) ainda são escassas, e por vezes, limitadas a aspectos relacionados a facilidades de acesso técnico. Dois fatos já foram observados: o primeiro é que os mais jovens tendem a ter maior confiança na prática da participação política on line, e a segunda é que diferentes plataformas atraem diferentes perfis de usuários. Além disso, comportamentos adotados on line, como marcar e encaminhar postagens sobre políticas públicas por exemplo, por vezes não apresentam um equivalente direto off line. A discussão sobre a definição do que são atos políticos por via digital ainda é muito ampla, mas os conceitos embrionários parecem estar relacionadas à capacidade de engendrar uma mudança social efetiva. Embora o debate acadêmico sobre a conceituação de OPP tenha sido intenso – particularmente sobre a distinção entre comportamentos políticos passivos e ativos – pouco se sabe sobre seu impacto nas abordagens empíricas do fenômeno. O que já se vislumbra em alguns estudos é que plataformas de mídias sociais estão intrinsecamente ligadas com as manifestações de participação on line. Os resultados das eleições de 2010 e 2014 nos EUA coincidiram fortemente com as estratégias de mídia social das campanhas.

Assim parece estar claro o grande poder de alcance e influencia que a PPO pode produzir na promoção de um ambiente mais ético, tanto na esfera da regulação quanto das contratações e políticas públicas em geral. Alguns economistas acreditam que uma retomada do crescimento econômico associado a investimentos diretos públicos, bem como, o abandono das políticas neoliberais implementadas a partir da década de 1990 seriam o primeiro passo para retomada de um ambiente social mais estável. No entanto, esse caminho parece conduzir ao acirramento do processo de polarização instaurado nos últimos anos, e por si só não resolveria o problema da captura ou da corrupção. Assim, parece uma atitude sábia buscar uma solução via caminho do meio, dando continuidade aos projetos inclusivos e redistributivos, ao mesmo tempo em que a atuação de regulação e fiscalização do Estado nos casos de concessão ao setor privado deve ser aprimorada. A ampliação da participação on line sobre os destinos dos recursos públicos pode conduzir a uma transformação institucional, capaz de levar a relação entre a liderança empresarial e as lutas sociais a um novo patamar. Mesmo em economias fortemente centralizadas como a China, foi preciso encontrar um caminho do meio entre a atividade estatal e as atividades e aspirações individuais privadas no livre mercado, em que pese não tratar-se de um regime democrático. O fato é que não se pode impedir a inovação, ela faz parte do lema jurássico ‘a vida sempre encontra um meio’, então o que nos resta é avançar na atividade de regulação a fim de melhor distribuir os ganhos entre os diversos agentes sociais.


Referências:

AKTOUF, Omar. Pós-globalização, administração e racionalidade econômica. A Síndrome do Avestruz. São Paulo: Atlas, 2004.

CAGÉ, Julia. The price of democracy. How money shapes politics and what to do about it. Cambridge,Massachusetts, London, England: Harvard University Press: 2020.

CGU-Controladoria Geral da União, Revista da CGU, Brasilia/DF, out, 2007. Disponível em https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/34468/10/V2.n2_Democracia.pdf

GIANNETTI, Eduardo. Autoengano. Companhia de Bolso:2005.

HOBSBAWM, Eric. A Revolução Francesa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.

PIKETTY, Thomas. Às urnas cidadãos. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017.

RUESS, Christina et al. Participação política online: a evolução de um conceito

Disponível em https://www.researchgate.net/profile/Christian-Hoffmann-14/publication/357176371_Online_political_participation_the_evolution_of_a_concept/links/61dc12b93a192d2c8aee01e7/Online-political-participation-the-evolution-of-a-concept.pdf

SCHUMPETER Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.

STIGLER, George J. The theory of Economic Regulation. Bell Journal of Economics and Management Science, 1971.

WORLD BANK. Individuals using the Internet (% of population). Disponível em https://data.worldbank.org/indicator/IT.NET.USER.ZS?locations=BR

Integração Vertical e seus Efeitos em Atos de Concentração

Um exemplo de Cadeia de Suprimento de Saúde Suplementar

Cristina Ribas Vargas

Cadeia de Suprimento, Custos de Transação e Teoria Baseada em Recursos

Nas economias modernas observa-se que a grande maioria das empresas é responsável por uma ou algumas etapas de um processo produtivo de bens ou serviços. É raro identificar empresas que contemplem etapas desde a produção de seus insumos até a comercialização de seu produto ou serviço final ao consumidor. O mais habitual é verificarmos empresas que adquirem insumos de outras empresas, transformando-os ou beneficiando-os e posteriormente vendendo sua produção à empresas especializadas em distribuição e vendas à varejo. Assim como na produção de bens, no setor de serviços também identificamos especialização de empresas por segmentos, do montante à jusante, isto é dos fornecedores aos consumidores finais. Denominamos cadeia de suprimento aquela que abrange desde os fornecimentos de insumos, até a etapa de pós-venda aos consumidores. Por exemplo, uma operadora de planos de saúde, cujo produto final é a comercialização de planos com determinada cobertura de serviços, credencia outras empresas para a realização de exames de diagnósticos a seus beneficiários, bem como consultas realizadas por clinicas independentes, hospitais, centros médicos etc., e ainda, terceiriza a contratação de atividades indiretas (overheads), tais como segurança e tecnologia da informação. Neste processo, a tendência esperada é de que a cada etapa da cadeia aumente o valor agregado final. A análise das etapas que agregam maior ou menor valor durante o processo permitem a realização da reengenharia da cadeia, em busca do máximo de vantagem competitiva possível, reposicionando, reestruturando, ou até mesmo eliminando alguma etapa da cadeia.

A partir da necessidade de análise da gestão da cadeia de valor, Ronald Coase (1937) identificou que em determinadas circunstâncias poderia ser mais eficiente empreender certas atividades da cadeia internamente pela empresa. Atividades realizadas por terceiros, que incidem em elevados custos de contrato para garantir seu controle ou entrega, podem incentivar a empresa a internalizar a atividade. Na década de 1960 Williamson relacionou a análise de custos de transação e operações de compra no mercado, definindo os custos de transação como os custos de negociar, monitorar e fazer cumprir contratos no mercado. Quanto maiores as incertezas e mais complexas as condições contratuais, maiores tendem a ser os custos de transação, tais como em contratos envolvendo investimentos de longo prazo, ou investimentos prévios cujas alterações contratuais posteriores não compensam o investimento inicial (hol-up). Outro aspecto importante identificado na avaliação do custo de transação ocorre  quando uma negociação apresenta informações assimétricas, isto é, uma das partes possui maiores informações sobre os custos e benefícios do contrato do que a outra, neste caso o custo de equilibrar a negociação pode vir a torná-la inviável.

Uma abordagem alternativa à dos custos de transação é a Teoria Baseada em Recursos, que afirma que certas empresas acumulam ativos, habilidades e conhecimentos que lhes confere competências distintivas, difíceis de serem imitadas e que lhes garante vantagem competitiva no mercado. Neste caso, as atividades realizadas pela empresa que apresentassem competências distintivas estariam associadas a menores custos comparativos, e portanto estas deveriam ser mantidas internamente, ao passo que terceirizar as atividades sem competências distintivas poderia auxiliar na redução de custos. No entanto, uma vez identificada a existência de uma competência essencial, é bem provável que os custos de transação para protegê-la da imitação pela concorrência venham a aumentar. Nesses casos, uma solução seriam contratos mais precisos e que objetivassem mitigar o risco de imitação, devendo ser aplicados tanto à montante quanto à jusante em cadeias produtiva ou de suprimento.

Integrações Verticais – definições e cadeia de mercado de saúde suplementar

Os custos de transação e as teorias baseadas em recursos nos auxiliam a identificar o sentido no qual determinadas cadeias de suprimento caminham para maior integração de atividades dentro de uma mesma empresa ou grupo empresarial. A integração pode ser horizontal, vertical ou em conglomerados. Aqui destaca-se apenas a definição acerca da integração vertical. A integração vertical ocorre quando empresas de diferentes etapas da cadeia de suprimento se fundem, ou uma adquire a outra. A dimensão vertical da análise da empresa reflete suas escolhas acerca de quais bens e serviços devem ser produzidos internamente ou terceirizados desde o insumo até a venda final ao consumidor. Segundo Perry (1989) uma firma é definida como verticalmente integrada se envolve dois processos interligados:

1º) Upstream – a produção realizada na etapa upstream de uma cadeia é empregada totalmente ou em parte, como um insumo intermediário no processo donwstream desta mesma cadeia;

2º) Downstream – a quantidade de um insumo intermediário que é utilizado em uma etapa donwstream é obtida em parte ou totalmente de um  processo upstream.

Neste sentido, a integração vertical pode ocorrer de forma parcial, isto é, quando somente parte dos insumos produzidos na etapa downstream da cadeia é fornecido pela própria empresa, ou somente parte da produção da etapa upstream é vendida para outros compradores.

Uma característica da integração vertical é a redução da necessidade de contratos para efetuar as trocas no mercado, já que as transações serão dentro da própria empresa. Quanto mais integrada a empresa, mais autonomia de decisão sobre níveis de investimento, emprego, produção e distribuição ela terá.

Conforme dados do CADE (2022), a integração vertical é um dos aspectos mais discutidos em Atos de Concentração nos mercados que envolvem a cadeia de saúde suplementar. Nos mercados que constituem essa cadeia, tais como operadoras de planos de saúde, hospitais, centros médicos, serviços de medicina diagnóstica etc. verifica-se a existência de uma tendência de verticalização, que pode ser explicada por diversos motivos, mas cujas consequências positivas e negativas sobre o conjunto do mercado exigem o olhar atento do Conselho. Em que pese os ganhos de eficiência possam ser benéficos tanto para a empresa quanto para seus consumidores, a possibilidade de algum abuso de poder decorrente dessa integração deve ser considerada. A possibilidade de constituição de barreiras à entrada, intensificação de assimetrias de informação e concentração de mercado podem facilitar o exercício do poder de mercado por uma empresa dominante. No caso do Brasil é possível que as normas editadas pela ANS tenham contribuído para incentivar os processos de integração vertical entre as operadoras de planos de saúde e os elos da cadeia à jusante (ver figura 1- modelo de cadeia). Tais normas objetivam assegurar que os consumidores serão atendidos por operadoras com saúde financeira e patrimonial suficiente para atender a todos os serviços cobertos pelos seus  planos de saúde, o que é benéfico quando se trata da proteção do consumidor. Contudo, pode-se dizer que há uma barreira em termos de exigência de capital mínimo para a atuação nesses mercados, que podem desincentivar o ingresso de empresas de menor capacidade financeira neste mercado.

Uma das eficiências que a integração vertical traz para a cadeia de saúde suplementar é a eliminação do problema do agente-principal, isto é, a eliminação dos interesses antagônicos em diferentes elos da cadeia de suprimento. Uma vez que tanto a operadora de plano de saúde (OPS) quanto os prestadores de serviços, tais como ambulatórios, laboratórios de apoio a saúde diagnóstica (SAD), hospitais etc. desejam auferir a maior renda possível no mercado de saúde, tem-se que para as OPS esta renda aumenta quando o usuário não utiliza os serviços disponibilizados pelo plano, ao passo que a renda do prestador do serviço cresce quando há a utilização de sua estrutura de serviços (consultas em hospitais, internação em leitos, realização de exames de diagnósticos etc.). A integração elimina esse conflito de interesses, pois a oferta de plano de saúde e a prestação de serviços cobertos pelo plano passam a ser feitos pelo mesmo agente.

As etapas da análise de integração vertical podem ser resumidas pelos seguintes pontos de análise:

  1. Definição dos mercados relevantes observando-se as características dos produtos/serviços ofertados, bem como, o mercado geográfico de atuação das empresas requerentes;
  2. Determinação dos market-shares nos mercados relevantes a fim de identificar o grau de concentração pré e pós-operação de integração;
  3. Análise da possibilidade de prejuízos à concorrência nos mercados à montante e à jusante;
  4. Análise do resultado líquido da operação, após consideração dos ganhos de eficiência versus prejuízos decorrentes da concentração.

Embora a integração da cadeia à montante e à jusante seja vista no sentido vertical, é importante destacar que os possíveis efeitos negativos provocados pela integração ocorrem no sentido empresa integrada – concorrentes de mercado. Assim, os efeitos da integração direcionam-se no sentido horizontal entre a empresa integrada e as demais participantes do mercado. Especificamente durante a análise de integração vertical busca-se verificar a possibilidade de fechamento de mercado por parte da empresa integrada, nos segmentos à montante e à jusante de sua cadeia de suprimento para os concorrentes de mercado, de tal forma que se configure a prática de condutas anticompetitivas contra as empresas independentes. Observamos na figura 1 que embora a integração ocorra no sentido é vertical da cadeia de suprimento, suas conseqüências são horizontais, pois os possíveis fechamentos de mercado incidem sobre seus concorrentes.

Conforme explicitado em CADE (2022), os efeitos de fechamento para a concorrência na cadeia de saúde suplementar, cuja integração ocorre entre OPS e Hospitais por exemplo, deve ser analisada à jusante e à montante:

  1. Qual a possibilidade de fechamento de mercado de serviços prestados pelos hospitais às operadoras de planos de saúde independentes?
  2. Qual a possibilidade de fechamento do mercado de plano de saúde (já integrado aos hospitais da rede própria) para o credenciamento de hospitais independentes?

Por fim, a conclusão acerca da possibilidade de fechamento de mercado à montante e a à jusante dependerá da posição de dominância da empresa integrada no mercado, da existência de barreiras à entrada, e da incapacidade dos concorrentes já instalados de oferecer serviços plenamente substitutivos aos oferecidos pela empresa integrada.

Figura 1. Exemplo de Integração Vertical na Cadeia de Suprimento de Saúde Complementar e Efeitos Concorrenciais.

REFERÊNCIAS

CADE (2022), Cadernos do CADE – Atos de Concentração nos mercados de planos de saúde, hospitais e medicina diagnóstica, CADE, janeiro de 2022.

COASE, R.H., The Nature of the Firm, Econômica, volume 4, Nº.16, p.386-405, London: LSE, 1937

Disponível em 10/04/2023:

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/j.1468-0335.1937.tb00002.x

NELLIS, Joseph, PARKER,David(2003), Princípios de Economia para os Negócios. São Paulo: Futura, 2003.

PERRY, M. K. (1989), Vertical Integration determinants and effects. In: Schamalensee,R., Willig,R. (Eds.). Handbook of Industrial Organization. Amsterdam: North-Holland, 1989.


Cristina Ribas Vargas. Doutora em economia do desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUC/RS e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.   Atuou como professora substituta na UFRGS e professora adjunta em instituições de ensino privado. É economista da Administração Pública Federal desde 2005, e atualmente está atuando na CGAA2 do Cade.

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