Os atrasos de pagamento são um grande fardo para as empresas de pequeno e médio portes, especialmente para as menores, seus clientes e empregados, além de ferir a competitividade geral do país.
Vimos, recentemente, infelizmente, a quebra de grandes empresas nos país como a Oi e a Americanas. Esta última, aliás, reconhecidamente atrasava premeditadamente os seus pagamentos, inclusive para pequenos fornecedores, como forma de maquiar os seus resultados financeiros.
As MPMEs desempenham um papel fundamental na economia brasileira, respondendo por mais de um quarto do PIB brasileiro. Juntas, as cerca de 9 milhões de micro e pequenas empresas do país representam 27% do PIB, resultado que vem crescendo nos últimos anos. Em 1985, o IBGE calculava a participação das pequenas empresas no PIB brasileiro em 21%. Em 2001, o percentual passou para 23,2% e, em 2011, atingiu 27%.
Em valores absolutos, a produção gerada pelas micro e pequenas empresas quadruplicou em dez anos, saltando de R $ 144 bilhões em 2001 para R $ 599 bilhões em 2011, em valores da época. Elas são as principais geradoras de riquezas no comércio do Brasil, pois respondem por 53,4% do PIB do setor. No PIB da indústria, a participação das micro e pequenas (22,5%) já se aproxima das médias (24,5%). E no setor de serviços, mais de um terço da produção nacional (36,3%) vem de pequenos negócios. As pequenas empresas também empregam 52% da força de trabalho formal do país e respondem por 40% da massa salarial brasileira. Em resumo, são 9 milhões de pequenos negócios, que geram 27% do PIB, 52% dos empregos formais e 40% dos salários.
Os atrasos nos pagamentos têm um impacto negativo nas pequenas empresas, afetando a sua liquidez e o fluxo de caixa, dificultando a sua gestão financeira e atrapalhando o seu crescimento. Ao estabelecer prazos máximos para pagamentos a pequenas empresas, por parte de grandes empresas e administrações públicas na aquisição de bens ou serviços, está se garantindo “tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte” (CF art. 146, III, “d” c/c art. 170, IX e art. 179).
Para desencorajar uma cultura de pagamentos em atraso, as administrações públicas desempenham um papel particularmente importante ao dar o exemplo no pagamento imediato e transparente de seus fornecedores.
Os pagamentos em transações comerciais entre empresas ou entre empresas e a administração pública ainda são frequentemente efetuados com atraso. Como regra geral, a Administração, no Brasil, tem o prazo de até 30 dias para pagar o seu fornecedor. É aí que reside um dos grandes problemas de quem fornece para a Administração pública no país: é preciso que se tenha capital para suportar a espera que, como se verá, ultrapassa muito os 30 dias para recebimento. Isso porque esses 30 dias não são contados da entrega do objeto, mas da liquidação da despesa: “a liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito” (Lei 4.320/64, artigo 63). Ou seja, a própria burocracia do setor público acaba por alongar muito o prazo de pagamento.
Além disso, os direitos dos credores de pequeno porte são, em alguns casos, ainda mais violados ao condicionar os pagamentos, por exemplo, à renúncia do credor a reclamar juros de mora, bem como indenização por despesas de cobrança. As micro, pequenas e médias empresas (MPME) não têm a mesma solidez financeira das grandes empresas, são mais vulneráveis aos efeitos dos atrasos de pagamento, especialmente em tempos de recessão econômica e inflação, situações quase que “endêmicas” no Brasil.
Neste contexto, medidas para desencorajar uma cultura de pagamentos atrasados a fornecedores de pequeno porte somente poderá ser atingida se as autoridades públicas tomarem a iniciativa. É preciso colocar a questão dos atrasos de pagamento e do acesso ao crédito pelos pequenos no topo das agendas política e de reformas econômicas. Aliás, no final de 2018, a Organização para Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizou um estudo[1] sobre políticas públicas para micro e pequenas empresas (MPEs) e empreendedorismo no Brasil. Como conclusão, a OCDE elencou recomendações para melhorar as políticas públicas brasileiras de acesso ao crédito.
Todos os anos, no mundo inteiro, milhares de micro, pequenas e médias empresas (MPME) vão à falência à espera de que as suas faturas sejam pagas. Perdem-se empregos e sufoca-se o empreendedorismo. Para as valiosas MPMEs, qualquer interrupção no fluxo de caixa pode significar a diferença entre solvência e falência. Além disso, para elas, os desafios apresentados pelos atrasos de pagamento aumentam desproporcionalmente à medida que as linhas de crédito e os empréstimos bancários se tornam menos disponíveis.
Na França, por exemplo, no primeiro semestre de 2022, a Direção-Geral da Concorrência, Consumo e Prevenção de Fraudes (DGCCRF), do governo francês, investigou os prazos de pagamento de 632 estabelecimentos. Na sequência das verificações realizadas, foram instaurados 138 procedimentos administrativos de multa, no valor de 13,8 milhões de euros[2].
Naquele país, o limite das condições de pagamento é definido pelos artigos L441-10 e seguintes do Código Comercial, estabelecendo que: “salvo acordo entre as partes, o prazo de pagamento é fixado em 30 dias, a contar da data de recepção dos bens ou da prestação do serviço”.
Já nos Países Baixos, estão sendo adotadas novas regras sobre os prazos máximos de pagamento. Atualmente, uma proposta legislativa está em discussão no parlamento neerlandês, segundo a qual grandes empresas (enquanto devedoras) são proibidas de adotar prazos de pagamento superiores a 30 dias, ao celebrar contratos comerciais com pequenos e médias empresas (PME) ou empresários independentes (enquanto credores). A expectativa é que a proposta legislativa seja adotada em muito em breve[3].
Infelizmente, não há e tampouco se discute, atualmente, no Parlamento brasileiro[4] ou no Executivo federal, qualquer proposta legislativa no sentido de obrigar grandes empresas e governos a pagar os seus fornecedores de pequeno porte em, no máximo 30 dias corridos.
Não obstante o mandamento constitucional em prol da livre concorrência e os respectivos instrumentos da Lei de Defesa da Concorrência, a nova legislação do setor de gás natural não deixa dúvida a respeito da estrutura e diretrizes pró-competitivas que devem ser observadas e respeitadas por seus agentes e reguladores.
Apesar dos esforços intergovernamentais, diversas são as dificuldades para ingresso e competição no setor, especialmente no mercado de comercialização de gás à jusante[1]. Por isso, se fez necessário estabelecer premissas voltadas para a atuação das autoridades e dos agentes durante o período de transição para o ambiente concorrencial através da Resolução 03/2022 do CNPE[2][3], que trouxe diretrizes específicas ao agente com posição dominante.
No conjunto das medidas dedicadas ao período de transição, o enforcement da autoridade antitruste junto às práticas do agente incumbente é indispensável. E dentre as diversas condutas da Petrobras que despertam atenção concorrencial, o presente artigo analisa alguns aspectos do modelo de comercialização de gás recentemente adotado pela empresa.
Inicialmente, é importante explicar que nos contratos da Petrobras com as Distribuidoras (principal parcela da demanda do mercado) é estipulado uma quantidade mínima a ser retirada de gás (take or pay) que está relacionada à Quantidade Diária Contratada (“QDC”). Se o volume da Distribuidora for superior à QDC, o custo do gás será majorado, sendo aplicado o Preço de Gás de Ultrapassagem (PGU). Trata-se, portanto, de uma penalidade ao consumidor do gás.
As Distribuidoras, portanto, tendem a contratar volume significativo de sua demanda com a Petrobras, uma vez que a retirada abaixo da obrigação mínima não a isentará de pagar pela quantidade que não consumir, e qualquer oscilação para cima será duramente penalizada. Isso aumenta as dificuldades das Distribuidoras de criarem um portfólio com diferentes supridores, prejudicando, portanto, a liquidez e a diversidade de agentes ofertantes.
Ainda assim, as Distribuidoras e potenciais Consumidores Livres estão instituindo processos competitivos para contratarem seu volume de gás, com a esperança que novos agentes ofertantes consigam ultrapassar as diversas barreiras para tanto, em especial no acesso às essential facilities dos elos upstream e midstream (escoamento, processamento e gasodutos de transporte- majoritariamente controladas pela Petrobras).
Aos poucos, a entrada de novos players no mercado de comercialização de gás à jusante vem acontecendo, com propostas mais vantajosas e flexíveis em comparação às da Petrobras. Entretanto, nesse exato momento de transição, e com as dificuldades comuns da abertura do setor (historicamente concentrado e verticalizado no player dominante), é preocupante a celebração de contratos de longo prazo, especialmente na região sul e sudeste, entre a Petrobras e as Distribuidoras, como alternativa para que a incumbente não aumente expressivamente o preço do gás e encerre as disputas judiciais com esse objetivo[4].
Nota-se, inclusive, que a Petrobras vem inserindo nesses contratos trecho em que afirma que o volume contratado não representa mais de 2/3 da quantidade média da Distribuidora, de modo a atender ao princípio do inciso VII, art. 9 da Resolução 03/2022 do CNPE, permitindo, assim, que a CDL contrate com outros ofertantes, o que afastaria preocupações concorrenciais.
Além disso, também já se afirmou que a mera previsão de redução da QDC na hipótese de migração do consumidor ao mercado livre reduziria as preocupações dos efeitos à concorrência desses contratos de longo prazo, uma vez que pelo menos alguma parcela do volume contratado pelas Distribuidoras poderia ser reduzida se os usuários livres contratarem com outros comercializadores, não prejudicando a competitividade do mercado.
Entretanto, faz-se necessário explicar que a Petrobras apenas prevê a redução da QDC por parte das Distribuidoras no caso da migração de seu(s) usuário(s) para o ambiente livre, e, além disso, com algumas importantes restrições, vejamos:
Se o usuário que migrar para o Mercado Livre contratar com a Petrobras: não haverá qualquer limite na redução da QDC da Distribuidora;
Se o usuário que migrar para o Mercado Livre contratar com comercializador concorrente da Petrobras: haverá um limite da redução da QDC, geralmente de até 40% (quarenta por cento) ou – nos casos em que a Distribuidora também tem contratos com outros ofertantes- o limite poderá ser o mesmo percentual que a QDC daquele específico contrato representar em relação aos demais contratos da CDL com outros supridores.
Ademais, nos contratos recentes, a Petrobras não autoriza a redução da QDC da Distribuidora no caso do seu usuário livre contratar comercializador que já tenha contrato de suprimento com essa, criando, assim, significativa dificuldade ao seu concorrente. Isso porque, se esse concorrente da Petrobras vencer a disputa para atender o consumidor que migrar para o mercado livre, para as Distribuidoras restarão duas alternativas:
(i) se o contrato com esse supridor assim permitir, será reduzido o volume contratado desse; ou;
(ii) se não for possível tal redução, a migração do consumidor tende a ser obstaculizada pela Distribuidora, a qual buscará não arcar com tal prejuízo.
É extremamente necessário lembrar que tal previsão não permite a redução no caso da Distribuidora optar por contratar com outro supridor, mas apenas ao usuário que migrar ao mercado livre. A Resolução 03/2022 do CNPE, por sua vez, não faz tal distinção. Pelo contrário, o CNPE estipulou, observando experiências bem-sucedidas de abertura de mercado, que no período de transição para o ambiente concorrencial o agente com posição dominante observasse a seguinte medida:
VII – a oferta de contratos de compra e venda de gás natural com cláusula específica que possibilite a redução de quantidade contratada pelo adquirente, sem aplicação de qualquer penalidade, no limite mínimo de um terço do volume contratado.
Sob esse ponto, destaca-se que, conforme evidenciado pelos estudos e ranking regulatórios (como o RELIVRE[5]), a migração para o mercado livre é marcada por dificuldades de ordem regulatória e de mercado (inclusive relacionados às condutas da Petrobras, que criam dificuldades no ingresso de novos agentes aos mercado, como no acesso às suas essential facilities), tanto que são raros os consumidores que conseguiram tal objetivo. O que torna a previsão da redução apenas no caso de migração ao mercado livre pouco eficaz.
Além das limitações para a migração das quantidades contratadas pelas Distribuidoras, é preocupante a significativa parcela de mercado que está aprisionada ao agente dominante nos próximos anos. A alternativa a esses contratos de longo prazo seria o aumento significativo do preço do gás.
Nesse sentido, cita-se os recentes contratos da Petrobras com a Cemig e ES Gás, celebrados na esteira dos acordos para encerrar processos judiciais, que visavam impedir o referido aumento. Nas duas ocasiões, foram celebrados diversos contratos com durações, como: 2023-2025; 2024-2028 e 2024-2032, e/ou aditivos aos acordos em vigor. De modo geral, as Distribuidoras, que vinham contratando e negociando com outros ofertantes, aumentaram o volume contratado com a Petrobras nos próximos 03 (três) anos, além de terem que “reservar” parcela significativa dos próximos 05(cinco) e oito (oito) anos à Petrobras, senão vejamos:
*Com base em informações públicas do MME, ANP, CADE e relatórios das Distribuidoras
Pela sua inequívoca e histórica dominância, os efeitos do modelo de comercialização da Petrobras, ao fechar significativa parcela de mercado nos próximos anos, tende a reduzir a capacidade e incentivos para entrada de novos agentes e a esperada rivalidade no setor. Acrescenta-se que, no estágio de abertura e transição para um ambiente concorrencial de um setor com profundas dificuldades para tanto, o enforcement antitruste e regulatório sobre as condutas do agente incumbente requer atenção prioritária acerca de seus efeitos anticompetitivos.
Nesse sentido, pode ser citada a importante pesquisa doutrinária do Dr. Bruno Braz de Castro, apresentada em seu livro “A que(m) serve o Antitruste”, que destaca a importância da atuação da autoridade de defesa da concorrência nas seguintes hipóteses e com os objetivos[6]:
Como isso é especialmente marcante para antigos monopólios estatais liberalizados, uma política rigorosa quanto ao abuso de posição dominante deve ser vista como complemento essencial à liberalização, para prevenir que agentes com posições dominantes perpetuem seu poder através da criação de restrições privadas (HEIMLER; MEHTA, 2013, p. 04)
Além de ser necessário que a política de aplicação da lei de defesa da concorrência, em países em desenvolvimento, atribua atenção especial aos abusos de posição dominante, é necessário que essa análise se utilize de critérios substantivos comprometidos com a manutenção da rivalidade e proteção da estrutura da concorrência.
Em recente julgado, o Tribunal do CADE ressaltou a preocupação dos efeitos anticompetitivos de condutas praticados por firmas dominantes que induzem exclusividades, fechamento de parcela relevante de mercado e/ou inviabilizam a entrada e rivalidade, conforme pesquisa jurisprudencial consignada no voto do Conselheiro Victor Fernandes[7]:
Na vasta maioria dos casos, o CADE infere a lesividade da prática exclusionária a partir de evidências indiretas, notadamente o grau de cobertura do fechamento no “mercado-alvo”. Além disso, a prática jurisprudencial também se afasta de uma regra da razão em sentido estrito, na medida em que, em alguns precedentes, o CADE parece ter adotado entendimento muito restritivo acerca da comprovação de eficiências.
Por fim, ressalta-se que, pela sua natureza de indústria de rede, as medidas pró-competitivas do setor devem ser adotadas em harmonia nos diversos segmentos que o compõe, ou seja: enquanto se promove boas práticas regulatórias no acesso às essential facilities (upstream e midstream) e medidas para desconcentrar a oferta (gas release), é necessário também assegurar que o elo da demanda tenha condições e flexibilidades para contratarem com os novos agentes do setor, de forma a permitir o seu ingresso e os elevados investimentos necessários, conforme denominado como “customer release” no estudo “Gas Release Study for the Brazilian Natural Gas Market”[8] que avaliou o grau de concentração do setor de gás natural e medidas para a sua redução, e que será objeto de análise numa oportunidade futura.
[5] Iniciativa de Associações de Consumidores e Produtores de Gás. Para mais informações: https://relivre.com.br/
[6] Castro Bruno Braz de. “A que(m) serve o Antitruste”, São Paulo Singular, 2019. Pag. 205.
[7] SEI CADE: 1144189. Rec. Voluntário: 08700.005936/2022-65
[8] Estudo contratado por entidades representantes de consumidores e produtores de gás natural. A apresentação do estudo pode ser acessadas em: https://www.youtube.com/watch?v=cvS8Lq2VVcA
Há consenso que a infraestrutura Brasileira, insuficiente em termos de estoque e qualidade, representa uma das principais barreiras à produtividade e ao crescimento econômico e social do país1. A despeito de diversos programas nacionais ao longo do tempo, o Brasil falhou em aumentar sua taxa de investimento em infraestrutura, nem tampouco melhorar a qualidade da mesma, resultando em uma lacuna significativa de infraestrutura seja medida em termos do estoque de capital físico, seja pela percepção qualitativa do serviço.
Na última década, o volume médio de recursos investidos no setor alcançou 1.80% PIB ano[1], situando-se bem abaixo da meta estimada de 4% PIB ano, para um crescimento sustentável[2].
O investimento público respondeu por apenas 0.7% PIB ao ano[3]. Tal valor situa-se abaixo da média de diversos pares emergentes (Peru 2.8%, Chile 2.2%, Colômbia 2%, Uruguai 1.8%, México 1.1%)[4], o que, claramente, justifica a relevância do atual debate sobre a preservação do investimento público num ambiente de ajuste fiscal[5].
A boa notícia refere-se a participação dos investimentos privados, que, de certa forma, supriu uma parcela considerável dessa lacuna, com volumes da ordem de 1.1% do PIB ano em média. Segundo dados do Banco Mundial[6], o Brasil figura, há tempos, entre os três primeiros lugares, seja em volume de recursos alocados em CAPEX ou em números de projetos, ao lado da China e Índia. Dessa forma, a participação privada se estabelece como forte aliada e uma importante fonte de recursos de longo prazo para o setor de infraestrutura nas próximas décadas.
O desafio requer ação simultânea e agenda baseada em quatro frentes: equilíbrio macroeconômico, arcabouço regulatório, planejamento institucional e políticas de financiamento.
A primeira frente sobre equilíbrio macroeconômico é condição básica para efetividade de qualquer programa de governo, em especial, no setor de infraestrutura, onde o usuário final, em última instância, financia os serviços via tarifas indexadas a inflação. Em um ambiente de inflação elevada, a reboque de uma pandemia global, é relevante endereçar prontamente essa questão, sem, no entanto, comprometer a segurança jurídica dos contratos, nem onerar usuários, via serviços mais caros ou ineficientes no futuro.
A segunda frente sobre arcabouço regulatório abrange o fortalecimento constante das agências reguladoras, com autonomia, independência decisória, administrativa e financeira. Busca-se alcançar maturidade regulatória, transparência e segurança jurídica, baseadas em pilares técnicos e nas melhores práticas internacionais. Evidências recentes sugerem maior protagonismo do arcabouço e maturidade regulatória como pré-requisito para a alocação de capital privado no setor de infraestrutura nas economias emergentes, movimento evidenciado, principalmente, após a crise financeira global de 2008[7]. Como implicação, o pilar Regulatório é, atualmente, visto como “complementar”, de fato, às políticas macroeconômicas e fiscais.
A terceira frente sobre aprimoramentos no planejamento institucional reforça o papel das Parcerias Público Privadas (PPPs) no desenvolvimento estratégico de longo prazo e plano nacional de infraestrutura, incentivando maior integração dos projetos com as prioridades de políticas públicas do governo. Nesse segmento, estruturas nos moldes do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), na qualificação, estruturação, e execução dos projetos com participação de ministérios setoriais, agências reguladoras e órgãos de controle são fundamentais.
Finalmente, a quarta frente relaciona-se a estruturas de financiamentos dos projetos, e abrange questões sobre desenvolvimento e ampliação do mercado de títulos coorporativos, em especial, das debêntures de infraestrutura, aumento da base de investidores, incluindo tópicos sobre emissões internacionais, incentivos fiscais e estímulos a investidores institucionais e estrangeiros, desenvolvimento da infraestrutura como uma classe de ativos financeiros, financiamento via modelos project finance, aperfeiçoamentos do sistema de garantias nas fases pré-operacionais e mecanismos de proteção a credores quanto à repactuação de contratos de concessão e transferência de controle.
Todas as quatro frentes, acima descritas, são determinantes para alavancar investimentos no setor, perseguindo eficiência e qualidade. A seguir, ilustramos como a iniciativa em curso – o PL de debêntures de infraestrutura – pode reforçar essa agenda.
O PL Debêntures de Infraestrutura e o Mercado de Dívida Coorporativa
O fortalecimento do mercado de títulos corporativos não financeiros, também conhecido como mercado de dívida coorporativa, é fundamental para toda a Economia. Permite a alocação eficiente de capital para financiamento de empresas, facilita o financiamento de toda uma cadeia de projetos de longo prazo, incluindo os de infraestrutura. Melhora a disciplina e saúde dos balanços das empresas, possibilita precificação eficiente do risco de crédito, diversificação de investidores institucionais e pessoas físicas, promove inclusão das Pequenas e Médias Empresas e estimula a inovação de instrumentos financeiros, ampliando a eficiência e estabilidade de todo sistema financeiro nacional.
A crise financeira global de 2008 destacou a necessidade de reduzir o domínio do sistema bancário no financiamento do setor corporativo, desenvolvendo o mercado de títulos corporativos, visto como elemento estabilizador em períodos de crise. Desde então esse mercado teve expressivo crescimento mundial.
No Brasil, o mercado brasileiro de dívida coorporativa é composto de instrumentos como debêntures (incentivadas e não incentivadas), certificados de recebíveis imobiliários (CRI), certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) e notas promissórias. Configura-se como importante fonte de recursos para as companhias brasileiras[8], tendo expandido de 6% do PIB em 2010 para 9% do PIB em 2022, segundo dados do International Settlements (BIS).
A Tabela abaixo apresenta o panorama global desse mercado para alguns países em 2022 a partir de dados do BIS[9], onde podemos inferir espaços para crescimento.
Mercado Global Dívida Coorporativa – Emissão Local e Internacional
Fonte: Elaboração Própria a partir de dados do Bank for International Settlements
Pela tabela, observamos que a proporção dos títulos coorporativos não financeiros no Brasil de 9% do PIB (USD 149 Bilhões) situa-se abaixo da média de 13% da OCDE e de 12% dos países emergentes, o que sugere haver espaço para crescimentos nesse segmento[10]. Quanto às emissões internacionais, o volume de emitido pelo Brasil é de apenas 2% do PIB, bem abaixo da média de 8% do PIB da OCDE ou dos países emergentes, sugerindo maior espaço para colocação internacional.
Nesse sentido, o Projeto de Lei das Debêntures de Infraestrutura (PL 2.646/2020), aprovado em 2021 na Câmara de Deputados, mas ainda em tramitação no Senado, pode ser de alta valia para alcançarmos os patamares globais. Propõe a criação de nova categoria de títulos de captação de recursos financeiros, as chamadas debêntures de infraestrutura, ampliando as possibilidades de financiamento para projetos de infraestrutura no Brasil.
Pode ser visto como complementar a Lei de Debêntures Incentivadas (Lei nº 12.431, de 2011), que ampliou e estabeleceu o mercado de capital como importante fonte de recursos de longo prazo. Enquanto a iniciativa de debêntures incentivadas buscou atrair pessoas físicas com incentivos fiscais como isenção de tributação no imposto de renda, as debêntures de infraestrutura têm por objetivo a atração de investidores institucionais e estrangeiros por mecanismos de incentivos tributários, indexação cambial entre outros.
As debêntures incentivadas foram, e continuam sendo, essenciais no financiamento de projetos de longo prazo no setor de infraestrutura e no próprio desenvolvimento do mercado de capital Brasileiro. O volume desse mercado aumentou, sensivelmente, a partir da nova dinâmica do papel de financiamento do BNDES após 2016, alcançando estoque atual de R$ 211 bilhões[11]. Tal montante corresponde a cerca de 27% do mercado total de dívida corporativa (USD 149 Bilhões) e a 2% do mercado de renda fixa no Brasil (USD 2.3 Trilhões). No entanto, a participação de investidores institucionais nas debêntures incentivadas segue baixa – menos de 4% do total da distribuição desde 2012 – incluindo seguradoras, entidades de previdência privada e investidores estrangeiros. Em 2022, a participação dos institucionais e estrangeiros foi praticamente nula – 0.4% do total distribuído[12].
Nesse sentido, o PL de debêntures de infraestrutura se justifica ao buscar incentivar a participação desses institucionais. A classe de ativos do segmento infraestrutura possui características desejáveis a esses investidores. A sua baixa correlação com ativos tradicionais gera oportunidades de diversificação. A estabilidade temporal dos fluxos de caixa pode fornecer hedge e funding à longa duração do passivo dos fundos de pensões ou seguradoras, em especial, do segmento de vida. Retornos justos e atrativos a longo prazo proveniente de receitas de tarifas, sujeitas a revisão e reajustes periódicos, fornece proteção contra inflação e ciclo econômico ao longo do tempo.
A iniciativa fortalece, portanto, a agenda de financiamento e desenvolvimento da infraestrutura como classe de ativos financeiros, e se apresenta como uma importante fonte potencial de recursos de longo prazo para o setor no Brasil.
Referências
1. Calderón C., Servén L., 2010, ‘Infrastructure in Latin America’, World Bank Policy Research Working Paper No 5317.
2. Calderón, C., Servén L., 2004, ‘The Effects of Infrastructure Development on Growth and Income Distribution’, World Bank Policy Research Working Paper No 3400.
4. Estache, A.; Foster, V.; Wodon, Q. (2002): Accounting for Poverty in Infrastructure Reform: Learning from Latin America’s Experience. WBI Development Studies, Washington, DC: The World Bank
5. Fay, M.; Andres, L.A.; Fox, C.; Narloch , U.; Straub,S.; Slawson, M. (2017). Rethinking Infrastructure in Latin America and the Caribbean Spending Better to Achieve More
6. Frischtak, C.; Mourão, J. (2017). Uma Estimativa do Estoque de Capital de Infraestrutura no Brasil. Desafios da Nação – artigos de apoio volume 1. IPEA, 2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/180413_desafios_da_nacao_artigos_vol1_cap02.pdf
7. Global Infrastructure Outlook. (2022). Forecasting infrastructure investment needs and gaps. Disponível em: https://outlook.gihub.org/
8. Infralatam – Public Investment in Economic Infrastructure: Evolution by Country and Sector. Disponível em: http://infralatam.info/en/home/
9. Raiser, M.; Clarke, R.; Procee, P.; Briceno-Garmendia, C.; Kikoni, E.; J. Kizito; Vinuela, L. (2017). Back to Planning: How to Close Brazil’s Infrastructure Gap in Times of Austerity. World Bank Group. 2017.
10. Rocha, K. (2020). Investimentos Privados em Infraestrutura nas Economias Emergentes: a importância do ambiente regulatório na atração de investimentos. Texto para Discussão 2584. IPEA. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10217/1/td_2584.pdf.
11. Serebrisky, Tomás, Ancor Suárez-Alemán, Diego Margot, and Maria Cecilia Ramirez. (2015). Financing Infrastructure in Latin America and the Caribbean: How, How Much and by Whom? IDB (Inter-American Development Bank), Washington, D.C. https:// publications.iadb.org/bitstream/handle/11319/7315/Infrastructure%20Financing.%20Definitivo.pdf?sequence=1.
As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade da autora, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ipea.
1 As relações entre infraestrutura e crescimento são bem documentadas na literatura econômica e incluem impactos no desenvolvimento, criação de empregos, acesso ao mercado, saúde e educação e redução da pobreza e desigualdade. Maiores detalhes em: Calderόn e Servén 2004, 2010; Estache, Foster e Wodon (2002).
[1] Referimos ao total de investimentos, público e privado, nos setores de energia elétrica, gás natural, transportes (rodovias, aeroportos, portos e ferrovias), água e esgoto. Dados provenientes do banco de dados Infralatam e PPI Banco Mundial
[2] Raiser et al (2017), Serebrisky et al (2015), Fay et al (2017), Frischtak e Mourão (2017)
[6] A base de dados Private Participation in Infrastructure – PPI monitora os volumes financeiros de CAPEX e números de projetos com controlador privado em diversos setores de infraestrutura em 124 economias emergentes de baixa e média renda, desde a década de 90. Disponível em https://ppi.worldbank.org/en/ppi
[7] Rocha, K. (2020). Investimentos Privados em Infraestrutura nas Economias Emergentes: a importância do ambiente regulatório na atração de investimentos. Texto para Discussão 2584. IPEA. Disponível em: td_2584.pdf (ipea.gov.br).
[8] Maiores detalhes podem ser encontrados em CVM (2018).
[9] Dados compilados para setembro de 2022 pelo Bank for International Settlements – BIS. Incluem títulos de dívida total (TDS) e os títulos da dívida local (DDS) reportados pelas autoridades nacionais, e títulos da dívida internacional (IDS) definidos e compilados pelo BIS a partir de fontes de dados comerciais. Disponível em https://stats.bis.org/statx/srs/table/c1?p=20223&c=
[10] Inferências devem tem em mente o efeito deslocamento (crowding out), no qual o mercado de títulos públicos (financiamento do governo) impõe limites a aumentos no mercado de dívida coorporativa
[11] Estoque de dezembro de 2022 segundo SPE (2022).
Katia Rocha é Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), autarquia vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão desde 1997.
Doutora em Engenharia Industrial/Finanças, Mestre e Graduada em Engenharia Industrial e Elétrica pela Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora no Departamento de Engenharia Industrial (2002-2013).
Autora e revisora em diversos periódicos acadêmicos – Energy Policy, Journal of Fixed Income, Emerging Markets Review, Forest Policy and Economics, Pesquisa e Planejamento Econômico, Revista Brasileira de Finanças, Revista Brasileira de Economia, Economia Aplicada e Estudos Econômicos.
Atua no Planejamento, Desenvolvimento e Avaliação de Políticas públicas nas áreas de Investimentos em Infraestrutura , Economia da Regulação, Financiamento da Infraestrutura (Investidores Institucionais e Mercado de Capitais), Finanças Internacionais, Determinantes de Risco Soberano, IED e Fluxos de Capital para Economias Emergentes.
Inicio este artigo com sinceras desculpas pela longa ausência e um agradecimento especial ao querido amigo Elvino pela compreensão, persistência e insistência para ainda me manter como colunista desta insuperável WebAdvocacy.
Diferentemente dos brilhantes colunistas que integram a WebAdvocacy, não pretendo neste texto apresentar qualquer tese ou discussão complexa, mas simplesmente retomar alguns apontamentos e reflexões feitas em textos anteriores sobre as oscilações dos preços dos combustíveis automotivos (gasolina, diesel e etanol), ocorridas desde o início da Pandemia.
Nesse contexto, trago para análise e reflexão a reoneração da PIS e da COFINS sobre a gasolina e o etanol, ocorrida no início de março de 2023, a partir da publicação da Medida Provisória nº 1.163 (“MPV 1.163”).
Apenas para rememorarmos, durante a Pandemia (anos de 2020 a 2021) e o início da Guerra da Ucrânia, em março de 2022, verificou-se uma disparada nos preços internacionais do petróleo que acabou refletindo diretamente nos preços domésticos do diesel, gasolina e etanol, e, consequentemente, na inflação brasileira.
Segundo dados divulgados pela própria Petrobras[1], em 28.03.2020 (início das medidas de combate à Pandemia no Brasil), o preço do litro da gasolina A[2], comercializada pela empresa às distribuidoras por meio do contrato EXA e utilizada na formulação da gasolina comum C, era de R$ 1,1229 na base de Paulínia da Petrobras. Em 24.06.2022 (última semana antes da entrada em vigor da Lei Complementar nº 194/22 (“LCP 194”), que desonerou os tributos federais incidentes sobre os combustíveis e regulamentou as alíquotas do ICMS cobrados pelos estados, comentada mais adiante), o mesmo litro de gasolina A, comercializado pela Petrobras, na mesma base de Paulínia e a partir do mesmo contrato EXA, custava R$ 4,0957. Ou seja, houve um aumento de R$ 2,9728 ou de quase 365%. No varejo, o preço médio da gasolina comum C, comercializada no estado de São Paulo, na semana de 22.03.2020 a 28.03.2020, era de R$ 4,21; já aquele da semana de 19.06.2022 a 25.06.2022 era de R$ 6,97 (aumento de R$ 2,76 ou de pouco mais de 65%), segundo pesquisas divulgadas pela Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis – ANP[3].
Em termos de inflação, em março de 2020, o IPCA divulgado pelo IBGE[4] estava na casa dos 0,07%; já, em junho de 2022, era de 0,67%. Note-se, ainda, que o IPCA acumulado de 2019 foi de 4,31%; de 2020, de 4,52; de 2021, de 10,06%; e aquele acumulado de janeiro a junho de 2022 encontrou-se na casa de 3,77%, tendo fechado este ano em 5,79%.
Esta elevação dos preços dos combustíveis no mercado doméstico e seu impacto negativo para a elevação da inflação poderia ter sido, a meu ver, minimizado pela União Federal se, na qualidade de controladora da Petrobras, tivesse adotado medidas para revisar e modificar a Política de Paridade do Preço Internacional (“PPI”) dos combustíveis, praticada pela empresa desde 2016. A despeito de o foco desse artigo não ser referida política, apenas para justificar esse argumento, antes da privatização de duas das refinarias da Petrobras (Bahia e Amazonas), esta companhia era responsável pela produção interna de cerca de 98% da gasolina A e de quase 100% do diesel A. Em termos de oferta interna desses dois produtos, a Petrobras representava aproximadamente 80% com um custo de produção (extração + refino) de cerca de US$ 35,00 o barril, vis-à-vis o preço internacional do barril de petróleo de US$ 63,21, em 30.03.2021, e de US$ 119,78, em 30.06.2022[5]. Ou seja, a Petrobras poderia segundo sua vontade política-econômica importar 20% da demanda interna ao custo do preço internacional; e continuar ofertando os 80% a partir de sua produção interna e por preço de custo com uma margem razoável de mercado a seus acionistas. Nesse caso, o preço interno do barril seria a média ponderada do custo de produção interna e do custo de importação da Petrobras, somada a uma margem razoável de, digamos 50%. Assim, nas altas do preço internacional, o valor do barril refinado, cobrado no mercado interno, poderia ter sido entre US$ 65,00 a US$ 75,00; e, não, acima de US$ 100,00 como se constatou em vários meses durante o período citado[6].
Encerrado esse breve comentário sobre os preços dos combustíveis no período da Pandemia e pós Guerra da Ucrância, até junho de 2022, retomemos à questão envolvendo a tributação incidente sobre os combustíveis.
Com o objetivo de tentar frear a elevação dos preços dos combustíveis no Brasil, o Congresso Nacional, a partir de projeto originado pelo Executivo, aprovou, no final do primeiro semestre de 2022, a já referida LCP 194. Esta Lei determinou, entre outras matérias, que: (i) os combustíveis automotivos passariam a ser tratados como “bens essenciais” e, portanto, as alíquotas de ICMS, fixadas pelos estados da Federação, não poderiam superar o teto das alíquotas aplicadas aos bens gerais (i.e., 17% a 18%); (ii) a base de cálculo do ICMS incidente sobre diesel, gasolina e etanol (esses últimos foram incluídos em razão de despacho do Ministro André Mendonça[7], do Superior Tribunal Federal, em pedido de medida liminar, da Advocacia Geral da União, no âmbito da ADI nº 7164) seria a “média móvel dos preços médios praticados ao consumidor final nos 60 (sessenta) meses anteriores à sua fixação”; e, ainda, (iii) as alíquotas da PIS, COFINS e CIDE, incidentes sobre diesel, gasolina e etanol (hidratado e anidro[8]), produzidos internamente ou importados, seriam reduzidas a zero até 31 de dezembro de 2022.
Até a aprovação da LCP 194, a carga fiscal incidente sobre os combustíveis automotivos (gasolina, diesel e etanol), comercializados no Brasil, representava cerca de um terço do preço desses bens no varejo. Em nível federal, os tributos diretamente incidentes sobre esses produtos seriam a PIS, a COFINS e a CIDE; e, em nível estadual, o ICMS. No caso dos tributos federais as alíquotas eram aplicadas uniformemente em todo o país; enquanto as alíquotas do ICMS eram e permanecem sendo definidas por cada estado da Federação com sua aplicação na respectiva unidade territorial do estado membro. Até junho de 2022, o valor da alíquota do ICMS variava entre 0% e 34%, dependendo do estado e do combustível automotivo envolvido.
Em dezembro de 2022, no âmbito da ADPF[9] nº 984 e da ADI[10] nº 7191, esta última movida por alguns estados que requeriam a inconstitucionalidade da LCP 194 sob o fundamento de ferir o Pacto Federativo, o Ministro Gilmar Mendes, do STF, em inusitada decisão[11], intermediou e homologou acordo entre a União Federal e os estados membros da Federação, pelo qual a gasolina e o etanol deixariam de ser considerados “bens essenciais” para fins da determinação e fixação das alíquotas do ICMS.
Logo, a partir da homologação desse acordo pelo STF, os estados retornariam a deter o direito de fixar alíquotas do ICMS, incidente sobre a gasolina e o etanol (hidratado e anidro), em patamares superiores a 17% ou 18%. Em termos práticos, além de garantir a elevação das receitas dos estados com esse tributo, essa medida acarretaria o retorno da grande disparidade nos preços praticados pela gasolina e etanol entre os estados brasileiros. No entanto, até o momento, a maioria dos estados brasileiros ainda segue os valores teto da alíquota do ICMS aplicada aos “bens gerais”, de 17% ou 18% para esses combustíveis.
Apenas para ilustrar a disparidade de valores existente do ICMS cobrado pelos diferentes estados da Federação, segundo dados da ANP[12], em 12.06.22 (i.e., antes da edição da referida Lei Complementar nº 194/22), o preço médio na revenda do litro da gasolina comum C era de R$ 7,77[13], no estado do Rio de Janeiro[14] (alíquota de 32% de ICMS); enquanto aquele no estado de São Paulo (alíquota de ICMS de 25%) era de R$ 6,83[15]. Ou seja, em razão dos valores das alíquotas de ICMS aplicadas por esses estados, a diferença no preço médio do litro da gasolina comum C era de R$ 0,94. No sentido SP-RJ da Rodovia Dutra era e continua sendo comum verificarmos anúncios de postos localizados em São Paulo informando serem os últimos antes do estado do Rio de Janeiro e recomendando aos motoristas pararem para não pagarem mais caro pelo combustível após passarem a fronteira estadual.
Um mês após a entrada em vigor da LCP 194, essa diferença do preço médio era de apenas R$ 0,19 (preço médio revenda no Rio de Janeiro de R$ 5,84[16] e, em São Paulo, de R$ 5,65[17], segundo dados da ANP). Ressalte-se que esta diferenciação, ainda existente mas em considerável menor valor, não decorreria mais do percentual da alíquota de ICMS aplicado por esses estados, já que passou a ser o mesmo em ambos os estados (de 18%); mas, sim, do nível da concorrência[18] e dos preços praticados pelos agentes dos diferentes elos da cadeira (refino/produção, importação, distribuição e revenda) ali instalados.
Como a isenção das alíquotas de PIS, COFINS e CIDE, determinada na Lei Complementar nº 194/22, estava prevista para ser encerrada em 31 de dezembro de 2022, em 1º de janeiro de 2023, o Presidente Lula editou a Medida Provisória nº 1.157/23 que prorrogou esta “isenção” até 28 de fevereiro de 2023. Novamente, a título de comparação e ainda segundo dados da ANP, na semana de 01.01.23 a 07.01.23, os preços médios da gasolina comum C na revenda, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, eram, respectivamente, de R$ 5,07 e R$ 5,14 (ou seja, permaneciam com uma pequena diferença). A manutenção dessa baixa diferença nos preços médios desse combustível vendido nesses dois estados deveu-se ao fato de nenhum deles ter majorado suas alíquotas do ICMS incidente sobre os combustíveis[19]. Ou seja, mantiveram suas alíquotas no patamar de 18%.
Em 28 de fevereiro de 2023, o Presidente Lula editou nova Medida Provisória (MPV nº 1.163/23), pela qual reonerou a PIS e a COFINS incidentes sobre a gasolina e o etanol elevando as alíquotas / valores desses combustíveis para: R$ 0,469998/litro (PIS: R$ 0,083838/l e COFINS: R$ 0,38616/l) e R$ 0,20/litro (PIS: R$ 0,036/l e COFINS: R$ 0,164/l), respectivamente.
Com a reoneração desses dois tributos, ceteris paribus, a expectativa seria que o preço da gasolina A, comercializada por produtores e importadores às distribuidoras, majorasse aproximadamente R$ 0,47; enquanto aquele do etanol anidro e hidratado, comercializado por usinas de açúcar e álcool às distribuidoras (ou diretamente aos postos revendedores no caso do etanol hidratado), sofreria um incremento de R$ 0,20. Ocorre que, concomitantemente à elevação dessas alíquotas, a Petrobras anunciou uma redução de R$ 0,13[20] no preço da gasolina A, comercializada às distribuidoras. Logo, o incremento no preço da gasolina A, pago pelas distribuidoras à Petrobras, deveria ter sido de aproximadamente R$ 0,34, e o preço de custo desse combustível na formulação da gasolina comum C, comercializada pelas distribuidoras aos postos, deveria ter sido de pouco menos de R$ 0,25, considerando que a representatividade da gasolina A na formulação da gasolina comum C é de 73%.
Se considerarmos que o preço ESALQ Semanal do etanol anidro, em São Paulo, utilizado como referência no mercado, sofreu uma variação positiva de pouco menos de R$ 0,03[21] entre a semana de 20 a 24 de fevereiro e aquela de 06.03.23 a 10.03.23[22]; e a reoneração da PIS e da COFINS no etanol foi de aproximadamente R$ 0,20, a representatividade dessa elevação no custo de formulação da gasolina comum C seria de pouco mais de R$ 0,06 (R$ 0,20*0,27 + R$ 0,03). Isso acarretaria uma expectativa de incremento no preço da gasolina comum C, ofertada pelas distribuidoras aos postos, de aproximadamente R$ 0,31, a partir de 1º de março de 2023.
Novamente, a título de comparação, a partir da reoneração da PIS e da COFINS e da redução de preços da gasolina A, anunciada pela Petrobras em 1º de março de 2023, os preços médios na revenda da gasolina C, verificados pela ANP, na semana de 05.03.23 a 11.03.23[23], em São Paulo e no Rio de Janeiro foram de R$ 5,40. (note-se que na semana anterior, que já pegou 3 dias de aumentos da PIS e da COFINS, os preços médios foram de, respectivamente, de R$ 5,08 e R$ 5,21). Comparando-se esses preços com aqueles da semana de 19.02.23 a 25.02.23 (R$ 4,95 e R$ 5,09), última semana inteira antes da publicação da MPV 1.163/23, verifica-se um acréscimo do preço médio de aproximadamente R$ 0,45 em São Paulo e de R$ 0,31 no Rio de Janeiro, conforme destacam os dados descritos na tabela abaixo, divulgados pela ANP:
Por esses dados, podemos extrair três importantes conclusões preliminares, a partir dos dados apresentados acima: (1) a elevação das referidas alíquotas acabou por gerar um incremento positivo no preço médio de revenda da gasolina C nos dois estados; (2) esse incremento foi superior àquele esperado em São Paulo e igual no Rio de Janeiro; e, por fim, dado o histórico dos efeitos da elevação nos preços dos combustíveis na inflação nacional, (3) é esperada que a referida reoneração gere impactos de elevação na inflação de março, já que esses combustíveis são relevantes para a prestação de diversos serviços que constam no cálculo do IPCA, caso o Governo não adote outras medidas para frear tais aumentos[24].
Especificamente em relação ao “valor do aumento esperado”, cabe chamar a atenção para as denúncias feitas por alguns sindicatos e associações de revendedores de combustíveis[25], antes mesmo do anúncio da referida reoneração pelo Governo Federal. Segundo tais sindicatos e associações, dias antes da edição da MPV 1.163/23, algumas distribuidoras já vinham elevando seus preços da gasolina C em patamares acima dos R$ 0,31 (ou mesmo de R$ 0, 40, na hipótese de não ter havido o desconto da Petrobras na gasolina A ofertada por ela às distribuidoras) esperados. Ainda, segundo referidas entidades, essas práticas, somadas àquelas de não fornecimento de combustíveis em dias que antecedem eventuais aumentos ou reduções da Petrobras ou de tributos, bem como de preços discriminatórios, têm sido corriqueiras por boa parte das distribuidoras bandeiradas e bandeira branca (ou bandeira própria)[26], inclusive tendo sido objeto de investigação pelo PROCON da Paraíba, o qual constatou essas mesmas irregularidades em relatório divulgado em 07 de março último[27].
Nesse caso uma vez confirmadas referidas denúncias, duas questões merecem um debate mais amplo da academia e das autoridades públicas competentes: (1) qual o nível de liberdade que os agentes econômicos desta cadeia possuem para elevar seus preços de venda? e (2) até que ponto intervenções indiretas do Estado sobre os preços dos combustíveis, a partir da redução dos preços e descontos da Petrobras ou ainda da redução ou desoneração das alíquotas de tributos federais ou estaduais, são suficientes para impedir aumentos de preços desses bens nos elos da distribuição e varejo e, por conseguinte, os riscos inerentes de superinflação ou retração no crescimento econômico de nosso país em decorrência desses aumentos?
Buscaremos encontrar as respostas a essas indagações nas próximas publicações.
[1] Disponível em <https://precos.petrobras.com.br/documents/d/precos-dos-combustiveis/tabelas-de-precos-gasolina-01-03-23-pdf>. Acessado em 06.03.23.
[2] A gasolina A é utilizada na formulação da gasolina comum C realizada pelas distribuidoras e comercializada por estas aos postos de combustíveis para revenda aos consumidores finais. A composição desta gasolina comum C, pelas normas da ANP, de 73% de gasolina A e 27% de etanol anidro. Esta informação é de suma relevância para a avaliação dos preços Petrobras, pois tais preços, em termos de custo de “fabricação” da gasolina comum C, representam apenas 73%; e os 27% restantes dependem da oscilação dos preços de mercado do etanol anidro.
[3] Disponível em <https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/precos-e-defesa-da-concorrencia/precos/precos-revenda-e-de-distribuicao-combustiveis/serie-historica-do-levantamento-de-precos>. Acessado em 06.03.23.
[4] Disponível em <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/precos-e-custos/9256-indice-nacional-de-precos-ao-consumidor-amplo.html?edicao=20932&t=series-historicas>. Acessado em 06.03.23.
[5] Vide séria “IPEADATA”, disponível em <http://www.ipeadata.gov.br/ExibeSerie.aspx?module=m&serid=1650971490&oper=view>. Acessado em 06.03.23.
[6] Matematicamente, se o custo de extração e refino para produzir 80% da demanda de gasolina e diesel A é em torno de US$ 35,00 o barril (segundo dados da Petrobras, o custo de refino seria de aproximadamente US$ 5,00 o barril) e o preço internacional do barril de petróleo bruto fosse de US$ 100,00 + US$ 5,00 para o seu refino, o custo médio para atender 100% da demanda interna seria de aproximadamente US$ (US$ 28,00 produção interna + US$ 21,00 = R$ 49,00). Conferindo uma margem de 50%, o que seria elevada para os padrões internacionais de um mercado livre, o valor total no mercado doméstico chegaria a aproximadamente US$ 73,00 o barril de petróleo refinado.
[7] Disponível em <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=489044&ori=1>. Acessado em 06.03.23.
[8] O etanol anidro é utilizado na formulação da gasolina C, comercializada pelas distribuidoras aos postos revendedores e por estes aos consumidores finais. A gasolina C é, atualmente, composta de 73% de gasolina A e de 27% de etanol anidro. Essa informação é de extrema relevância, pois aumentos e reduções nos preços da gasolina A, realizados pela Petrobras, acarretam, em tese, em um impacto de 73% no preço da gasolina C; enquanto aumento ou reduções no preço do etanol anidro geram, novamente em tese, um impacto de 27% no preço da gasolina C comercializado por distribuidoras e postos revendedores. Propositalmente, adicionamos a essa explicação o termo “em tese”, pois, como se demonstrará adianta, é comum nesse setor que distribuidoras repassarem valores a maior para o preço da gasolina C vendida a postos, quando há elevações no preço da gasolina A, vendida pela Petrobras àquelas; e, ainda, repassar valores a menor, quando há reduções no preço da gasolina A.
[9] Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
[11] Segundo notícias publicadas pela imprensa, o próprio Ministro do STF propôs a criação de uma comissão, formada por representantes dos Governos Federal e Estaduais, para discutir e negociar solução “pacificadora” para os questionamentos apresentados por esses últimos quanto a constitucionalidade das Leis Complementares nºs 192/22 e 194/22, que impunham aos estados da Federação o teto de 18% ou 17% para a fixação da alíquota do ICMS sobre os combustíveis automotivos. Vide, por exemplo, <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=490687&ori=1>. Acessado em 06.03.23.
[12] Disponível em <https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/precos-e-defesa-da-concorrencia/precos/precos-revenda-e-de-distribuicao-combustiveis/serie-historica-do-levantamento-de-precos>. Acessado em 06.03.23.
[13] Desvio padrão revenda de R$ 0,287, preço mínimo de R$ 7,09 e preço máximo de R$ 8,99.
[14] Optei por utilizar como exemplo os estados do Rio de Janeiro pelas seguintes razões: (1) o Rio de Janeiro possuía, até junho de 2022, uma das maiores alíquota do ICMS sobre os combustíveis do país e São Paulo, uma das menores; (2) ambos os estados possuem relativo fácil acesso aos três combustíveis automotivos (diesel, gasolina e etanol); e (3) ambos os estados possuem refinarias e um número relativamente elevado de distribuidoras instaladas, ainda que o nível de concentração e concorrência no elo da distribuição seja relativamente distinto. Segundo dados do divulgados no documento elaborado pela ANP, “Diagnóstico da Concorrência na Distribuição e Revenda de Combustíveis Automotivos”, o índice de C4, para gasolina C, etanol e diesel, seria, em 2019: (i) no Rio de Janeiro de, respectivamente, 87,91%, 85,92% e 93,76%; enquanto, (ii) em São Paulo seria, respectivamente, de 69,96%, 65,60% e 76,93%. Disponível em <https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/livros-e-revistas/arquivos/diagnostico-sdc-2020.pdf.>, p. 26, 30 e 34. Acessado em 06.03.23
[15] Desvio padrão revenda de R$ 0,283, preço mínimo de R$ 6,17 e preço máximo de R$ 8,59.
[16] Desvio padrão revenda de R$ 0,275, preço mínimo de R$ 5,19 e preço máximo de R$ 6,79.
[17] Desvio padrão revenda de R$ 0,278, preço mínimo de R$ 4,92 e preço máximo de R$ 7,49.
[19] Vide tabela com informação sobre os estados que majoraram suas alíquotas: https://blog.bsoft.com.br/icms_2023. Acessada em 06.03.23.
[20] Disponível em <https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/petrobras-anuncia-reducao-nos-precos-da-gasolina-e-do-diesel/>. Acessado em 08.03.23.
[21] Vide explicação sobre a representatividade do etanol anidro na formulação da gasolina C, constante na nota 2, supra.
[22] Segundo o índice ESALQ, o etanol anidro foi vendido em SP, na semana de 20 a 24 de fevereiro de 2023 por R$ 3,1173/l; e na semana de 27.02.23 a 03.03.23, por R$ 3,1572/l. Disponível em <https://www.cepea.esalq.usp.br/br/indicador/etanol.aspx>. Acessado em 06.03.23.
[23] Disponível em <https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/precos-e-defesa-da-concorrencia/precos/levantamento-de-precos-de-combustiveis-ultimas-semanas-pesquisadas>. Acessado em 13.03.23.
[24] Como o IBGE ainda não divulgou o IPCA-15, que mede a variação da inflação na primeira quinzena do mês não é possível auferir quanto foi o aumento da inflação nesse período, decorrente da reoneração da PIS e da COFINS sobre os combustíveis. No entanto, apenas a título informativo, segundo dados do IBGE, o IPCA geral de junho de 2022, mês anterior à entrada em vigor da LPC 194/22, foi de 0,67%, enquanto aquele de julho foi negativo de 0,68%. Disponível em <https://sidra.ibge.gov.br/tabela/7060#resultado>. Acessado em 09.03.23.
[25] Vide, por exemplo: https://abrilivre.org.br/2023/02/27/abrilivre-alerta-autoridades-competentes-e-consumidores-sobre-aumentos-nos-precos-e-nao-entrega-de-combustiveis-por-parte-de-distribuidoras/; e https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2023/03/5077280-combustiveis-consumidor-se-depara-com-aumentos-superiores-ao-anunciado.html. Acessados em 08.03.23.
[26] Vide, por exemplo, <https://abrilivre.org.br/acoes-e-feitos/>. Acessado em 07.03.23.
[27] Disponível em <https://procon.pb.gov.br/noticias/comissao-dos-procons-da-paraiba-divulga-relatorio-sobre-mercado-de-combustiveis>. Acessado em 08.03.23
Rodrigo Zingales Oller do Nascimento, advogado, mestre em economia, sócio de Zingales Sociedade de Advogados e atualmente Diretor Executivo da AbriLivre e colunista de WebAdvocacy. Este texto reflete exclusivamente os pensamentos e opinião do autor.
Indo direto ao ponto, devemos consultar a constituição em seus dispositivos específicos que tratam das atribuições do Presidente da República: artigo 84. Certamente existem outros itens Constitucionais que estabelecem diversas obrigações à União, geridas pelo Executivo. Mas iremos nos restringir apenas ao papel constitucional do Presidente da República. Para isso, vamos aqui comentar somente os itens desse artigo que têm implicações diretas sobre comportamento ubíquo dos presidentes da república a caracterizá-los como “populistas”, diferindo apenas em grau, por conta da fragilidade orçamentária – peça central das ações do executivo. Marcarei em vermelho tais itens. Vejamos.
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
I – nomear e exonerar os Ministros de Estado;
II – exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;
III – iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
IX – decretar o estado de defesa e o estado de sítio;
X – decretar e executar a intervenção federal;
XI – remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias;
XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;
XIII – exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99)
XIV – nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei;
XV – nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União;
XVI – nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral da União;
XVII – nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII;
XVIII – convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional;
XIX – declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;
XX – celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional;
XXI – conferir condecorações e distinções honoríficas;
XXII – permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;
XXIII – enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;
XXIV – prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior;
XXV – prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei;
XXVI – editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;
XXVII – exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.
XXVIII – propor ao Congresso Nacional a decretação do estado de calamidade pública de âmbito nacional previsto nos arts. 167-B, 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G desta Constituição. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)
Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.
Passemos aos comentários:
II – exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;
Comentário: item que deixa claro o papel fundamental do Presidente da República: a direção superior da administração federal.
Mas administrar o quê? Basicamente o orçamento público que é elaborado pelo Executivo, porém tem que, necessariamente, ser validado pelo Congresso Nacional. A Constituição traz em detalhe o processo orçamentário: o congresso teoricamente refaz todo o orçamento e o aprova segundo suas diretrizes e objetivos já refletidos no planejamento construído pelo Executivo, mas necessariamente sancionado e aprovado pelo Legislativo. De fato, o Orçamento Público não é uma peça de ficção. Ele está amparado em planos. Mas o orçamento tem problemas e um dos que considero importantes diz respeito ao fato de que algumas regras de fechamento do orçamento não são eficazes, principalmente o limite dos juros da dívida pública que fica dependente da política monetária, sem que o aumento da despesa em juros tenha sido reflexo de déficits fiscais. Para piorar, o concertamento orçamentário é urgente e só será conseguido com ampla maioria no Congresso Nacional que esteja disposta a encarar o problema orçamentário crítico ou pela mudança do regime presidencialista para o parlamentarista que contenha cláusula explícita de sustentabilidade do parlamento para tal finalidade; como é de praxe nos sistemas parlamentaristas exitosos.
V – vetar projetos de lei, total ou parcialmente;
Comentário: O veto tem que ser ratificado pelo Congresso Nacional que pode, soberanamente, retificá-lo. O que em tese torna esse item apenas referencial para negociações. O Poder do Executivo é limitado.
Comentário: item que substituiu o seguinte: VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei. Fica claro que o Parlamento explicitou a função administrativa da Presidência da República e entabulou implicitamente um princípio: se não houver impacto orçamentário, há espaço para atuação independente do Executivo. De novo, reforça-se o princípio constitucional expresso no parágrafo único do Art. 1: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Caberia também o exercício do poder pelo Executivo. Mas a Constituição em seu art. 84 o limitou e estabeleceu papeis claros tanto para o Executivo, quanto para o legislativo (itens constitucionais outros).
VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
Comentário: Está patente que o Presidente da República tem que ter sua política externa ratificada pelo Congresso Nacional. Falar fora desse contexto, em tese, caberia o cumprimento do Art. 85
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I – a existência da União;
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.
Comentário: O item que se aplicaria ao exemplo dado seria o II – o livre exercício do Poder Legislativo
XI – remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias;
XXIII – enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;
Comentário: Aqui, esses dois itens, revelam o papel de planejador do Executivo. O planejamento tem que ser objeto de aprovação parlamentar como está expresso na Constituição. Esse item é fundamental, porque coloca o Executivo amarrado ao planejamento. Mas seguem os presidentes o planejamento? Certamente que não. A razão é simples: o concertamento orçamentário é imperioso. Como os presidentes eleitos não conseguem o apoio do Congresso para a solução do nó orçamentário, emplacam projetos específicos, com fins eleitoreiros, e que, geralmente, não se enquadram nas prioridades orçamentárias que um bom planejamento estabeleceria. Vejo com muita simpatia a reintrodução do Ministério do Planejamento à estrutura ministerial, embora entenda que sua atuação eficaz dependa de mudanças constitucionais, calibrando os limites orçamentários e estabelecendo prioridades – falta na constituição um critério de justiça social operativo. Defendo aqui o critério Rawlsiano: O pobre teria prioridade orçamentária, ou seja, atenda-se primeiro o pobre.
XXVI – editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;
Comentário: Aqui o item controverso da nossa Constituição. De qualquer forma, o Congresso Nacional ainda resta soberano. As limitações do Executivo são claras. Vejamos o art.62.
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
XXVII – exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.
Comentário: Seriam diversas ações, mas nenhuma que culmine com atos discricionários a ferir a autonomia do Legislativo .
Em resumo, o papel do Presidente da República é de mero gestor público. Querer outro protagonismo, é desrespeitar a vontade do constituinte. De qualquer forma, estabelecemos a referência para o exercício “populista” ubíquo dos presidentes da república: a bagunça orçamentária e um planejamento capenga (Ver diversos trabalhos dos pesquisadores do INSPER – https://www.insper.edu.br ). Não é sem razão que presenciamos ênfase, em exemplos recentes, a planos de crescimento acelerado, trem bala ou privatizações, quando o correto seria seguir o orçamento fruto de um planejamento consistente, refletidos nos Planos Plurianuais. A saída, um amplo acordo político – o que tem se mostrado impossível – ou mudança de regime político com a implementação do parlamentarismo.
Em nossa última coluna sobre o assunto [1], indicamos, com base na literatura econômica, que, de fato, há convergência, ao menos nos Estados Unidos, entre as discussões de direito antitruste e controle de inflação. Nesse sentido, as recentes declarações de Joe Biden sobre o combate à inflação estar entre os objetivos de sua política concorrencial não deixam dúvidas acerca de seu intuito, bem como apontam que tal confluência, ao menos nos termos sugeridos por alguns de seus detratores, talvez não fosse infundada.
Contudo, a conexão entre o binômio inflação e concorrência não se circunscreveu aos Estados Unidos, sendo agora também debatido em âmbito supranacional. Assim, em 30 de novembro de 2022, o Comitê de Concorrência da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) realizou mesa redonda para discutir concorrência e inflação, do que decorreu um relatório geral da entidade sobre o tema, artigos acadêmicos e contribuições das delegações. Aqui nos concentraremos em referido Relatório.
Logo no início de seu Relatório, intitulado “Competition and Inflation, OECD Competition Policy Roundtable Background Note” [2], a OCDE reconhece que, em que pese já ter recomendado há mais de 50 (cinquenta) anos a estruturação de um vigoroso enforcement competitivo como parte das medidas para combate à inflação, com o fim dos ciclos de alta inflação nos países desenvolvidos e sob novo prisma, referida sugestão teria ficado obsoleta, ao menos em relação aos integrantes da OCDE, em períodos mais recentes (p.05).
Contudo, frisa a entidade em seu Relatório, sob o impacto dos altos índices de inflação em 2022, consequência direta do conflito armado entre Rússia e Ucrânia e seus inúmeros desdobramentos econômicos, referida discussão foi retomada, ao mesmo tempo em que emergia o debate mais estrutural sobre se e em que medida as altas taxas de inflação são evidências de possíveis problemas competitivos sistemáticos em vários países (p. 05).
Assim sendo, o Relatório da OCDE buscou endereçar referido impasse por meio de 3 (três) grandes questionamentos: primeiro, qual papel o nível competitivo possui em determinar os níveis de inflação; segundo, sobre o que um cenário inflacionário representa para a política concorrencial e para as autoridades antitruste e, por fim, se tal cenário inflacionário pode gerar riscos e adversidades ao processo competitivo (p.05).
Para explicar os efeitos da concorrência na inflação, a OCDE parte de um exemplo (hipotético) extremo [3] no qual uma economia possui apenas um mercado que produz apenas um bem, situação em que a inflação poderia ser mensurada apenas observando as variações de preços do bem em referência. Em tal cenário, o nível de competição afeta o preço na proporção em que as alterações que provoca na curva de oferta e demanda são repassadas ao consumidor hipotético via valor do objeto. Caso o mercado se constitua em um monopólio que resulte em aumento expressivo do bem, tal aumento seria detectado como uma alta de inflação no próximo período. Contudo, se após um tempo o preço continuar estável, ainda que elevado, e não haja mudança na estrutura competitiva do mercado, o índice de inflação para o próximo período seria zero. De agora em diante, no cenário construído, a inflação seria mensurada de acordo com o quanto de aumento de preços o monopolista repassaria aos consumidores.
Não obstante a aridez e grau alto de abstração do exemplo adotado pela OCDE, dele decorre algumas conclusões que consideramos pertinentes ao direito antitruste. Isto posto, é possível identificar 2 (duas) formas pelas quais os níveis de concorrência podem impactar a inflação. Primeiro, tendo em vista que reduções na concorrência em toda a economia podem ao longo do tempo levar a aumentos subsequentes de preços, do que decorreria processo inflacionário; segundo, quando a competição afetar o funcionamento dos mercados, disso advém aumentos ou diminuições dos níveis de inflação observados (p. 09).
É importante notar, ainda nos termos da argumentação da OCDE, que nem sempre o processo inflacionário é derivado de baixa competitividade. De todo modo, assegurar um ambiente competitivo saudável é importante para o controle da inflação, sendo a política concorrencial mais bem equipada para tratar problemas inflacionários no longo prazo (p. 10).
Em virtude disso, o Relatório dedica um tópico inteiro em relação a preocupações oriundas do arrefecimento da pressão competitiva em diversos países desenvolvidos (e normalmente integrantes da OCDE). Estudos apontam que a margem de lucro das empresas dos Estados Unidos subiram de 21%, em 1980, para 61%, em 2020 [4]. Fenômeno similar estaria ocorrendo também no continente europeu, com aumento de lucratividade das empresas obtido às custas de maiores preços repassados aos consumidores [5].
Mesmo que a redução do nível de concorrência não esclareça sozinho o aumento da inflação observado em países desenvolvidos, há provavelmente relevantes interfaces entre ambos os lados do binômio a serem estudados de modo mais detido. Nesse sentido, elenca a OCDE algumas evidências que sugeririam que o atual aumento da concentração empresarial é fator catalisador a amplificar a gravidade dos processos inflacionários [6].
Ainda com a OCDE, uma das principais maneiras pelas quais baixos níveis competitivos podem implicar em maiores índices de inflação é a constatação de que em mercados concentrados os custos de choque de preços são mais facilmente repassados aos consumidores (p. 12). Ademais, a inflação também pode impactar negativamente a concorrência ao supostamente facilitar condutas colusivas ao oferecer o disfarce perfeito para que as empresas, implicadas no cartel, alinhem e aumentem os preços juntas [7].
Referida situação é ainda agravada – escamotear a existência de condutas colusivas –em virtude de processos inflacionários prejudicarem o funcionamento da demanda no mercado ao distorcer a habilidade dos consumidores de terem acesso a informações precisas sobre os preços praticados pelos players no mercado. Dado as constantes mudanças de preço, associada à redução da pressão competitiva dos fornecedores, cria-se, portanto, o cenário e a tempestade perfeitos para a atuação duradoura de cartéis (p.18-20).
Outrossim, têm-se que, diante do cenário supracitado e recomendado regresso a parte do toolkit de 1971, a OCDE aconselha em seu Relatório que as autoridades concorrenciais reforcem suas atuações em face de possíveis práticas restritivas, bem como que adotem medidas mais robustas contra cartelistas ou em face de supostas condutas unilaterais e práticas restritivas envolvendo patentes e licenciamento de patentes. Além disso, sugere que se realize análises regulares da dinâmica de preços em mercados concentrados a fim de referida autoridade poder atuar mais apropriadamente contra aumentos excessivos que fujam da racionalidade econômica. Ainda, defende o aumento do orçamento a disposição da autoridade concorrencial e a adoção de medidas de longo-prazo, incluindo novas legislações antitruste contra diversas formas de conduta anticompetitiva (p. 22; p. 24-25).
Por fim, a despeito das suas prescrições, o Relatório conclui que as autoridades concorrenciais idealmente não devem ser direcionadas ao combate à inflação no curto prazo, seja porque elas possuem pouca expertise técnica no assunto, seja em decorrência de geralmente não ser algo ínsito às suas respectivas competências legais ou infralegais. Por conseguinte, opina a OCDE que a atuação da autoridade concorrencial deve, em consonância com a literatura econômica mais atual e malgrado a tentação a intervirem em debate tão essencial, circunscrever-se à busca por benefícios de controle da inflação no longo prazo (p. 32).
Em conclusão, o Relatório conclui que as recomendações da OCDE do toolkit de 1971 e, portanto, elaborado há mais de 50 (cinquenta) anos, permanece essencialmente válido: o antitruste é vital para um ambiente de baixa inflação e o seu enforcement deve ser priorizado, ainda que não às expensas das políticas fiscal e monetária, estas, sim, mais adequadas ao controle de inflação no curto prazo. Contudo, e pela atualidade do Relatório, verifica-se que o debate a respeito do binômio inflação/concorrência ainda não foi (e nem poderia sê-lo) internalizado por acadêmicos e instituições brasileiras. Mas perguntamos: deve sê-lo? E, se sim, em qual medida e mediante quais instrumentais e métricas o Brasil ou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“Cade”) poderia oportunamente fazê-lo?
[3] No original: “As an extreme example, consider an economy with just one market which produces a single good. In this world, inflation could be measured simply as the change in prices of this good. Competition would affect the price if its intensity changed or if it affected how changes to supply or demand were passed through to prices. If the market became a monopoly which resulted in a higher price for the good, then this would be seen as inflation in the next period. The period after, prices would not change as there is no change in competition, and thus inflation would return to zero. From now on, inflation will depend on how the monopolist passes on changes in supply and demand to customers (p. 09)”.
[4] DE LOECKER, Jan; EECKHOUT, Jan; UNGER, Gabriel. The rise of market power and the macroeconomic implications. The Quarterly Journal of Economics, v. 135, n. 2, p. 561-644, 2020.
[5] KOLTAY, Gabor; LORINCZ, Szabolcs; VALLETTI, Tommaso M. Concentration and competition: Evidence from Europe and implications for policy. 2022.
[6] BRÄUNING, Falk; FILLAT, Jose L.; JOAQUIM, Gustavo. Cost-price relationships in a concentrated economy. Available at SSRN 4142715, 2022.
Polyanna Vilanova é graduada em Direito e Ciência Política, possui LLM em Direito Empresarial pela FGV, especialização em Defesa da Concorrência e Direito Econômico pela FGV, é Mestre em Direito Público pelo IDP e Doutoranda em Ciência Política pela Universidade de Lisboa. É árbitra do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA. Foi Conselheira do Cade e é sócia fundadora do Vilanova Advocacia.
Rubens Cantanhede é graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). É, também, membro do Grupo de Estudo Constituição, Empresa e Mercado da UnB (GECEM/UnB). Foi estagiário no Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e é advogado do Vilanova Advocacia.
ABCI Institute is happy to share the February 2023 edition of ABCI newsletter. The present newsletter provides the reader with a quick glimpse of the most important recent trade facts, and information about events recently carried out. This edition brings the contribution of ABCI member Cláudia Marques. She presents her analysis on the new institutional configuration of the Brazilian trade policy under the new government. We also discuss three other relevant issues of uttermost importance to the future of the World Trade Organization (WTO): the United States steel and aluminum case, the export ban oftechnology from the Netherland and from Japan and the recent developments of the MPIA.
Enjoy the reading; comments are welcome!
Short notes:
• Brazilian ministerial structure and trade policy (Claudia Marques) On January 2nd, 2023, Brazilian Provisional Measure No. 1154 restructured the administrative organization of the government and brought significant changes, including the fragmentation of the former Ministry of Economy into four ministries, (i) Finance; (ii) Development, Industry, Trade and Services; (iii) Planning and Budget; and (iv) Management and Innovation in Public Services. Thirty seven ministers were appointed to the following structure, against twenty three from the former government: Agriculture and Livestock, Cities, Culture, Science, Technology and Innovation, Communications, Defense, Agriculture Development and Family Agriculture, Integration and Regional Development, Development, Social Assistance, Family and Hunger Combat, Human Rights and Citizenship, Finance, Education, Sports, Management and Innovation in Public Services, Racial Equality, Development Industry Commerce and Services, Justice and Public Security, Environment and Climate Change, Mines and Energy, Women, Fisheries and Aquaculture, Planning and Budget, Ports and Airports, Indigenous People, Social Security, Foreign Affairs, Health, Labor and Employment, Transport, Tourism, Federal Controller’s Office, Staff of the Presidency, Secretariat of Institutional Relations of the Presidency, General Secretariat of the Presidency, Social Communications Secretariat, Institutional Security Office (GSI) and Attorney General’s Office. Speaking of the Ministry of Development Industry Trade and Services in particular, there is a clear sign of the strengthening of the industry and the focus on commercial and industrial contemporary strategy policies. It is important to highlight the creation of the Secretariat for the Green Economy Decarbonization and Green Industry within the Ministry, which is a significant step towards incorporating the climate and sustainability.
ABCI Board Aluisio de Lima-Campos, Miriam Campos, Victor Leite, Sergio Goldbaum
A Emenda Constitucional nº 113 de/2021 estabeleceu uma nova possibilidade de pagamento de outorgas de concessões ao facultar ao concessionário a utilização de títulos precatórios líquidos e certos para esse fim.
Cabe à União compensar o título apresentado, desde que esse seja válido e atenda às características necessárias para ser considerado líquido e certo, como pode ser observado no texto da Constituição Federal:
“(…)
rt. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
(…)
§ 11. É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, com auto aplicabilidade para a União, a oferta de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para:
(…)
III – pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;
(…)”
Essa transação pode resultar em significativa redução de custo à concessionária que adquirir títulos precatórios no mercado e utilizá-los no pagamento, uma vez que a compra se dá com deságio significativo em relação ao valor de face do título.
De um lado, tem-se vantagem competitiva para o usuário dessa forma de pagamento, por exemplo o grupo espanhol AENA, o qual arrematou em agosto de 2022 o bloco de aeroportos que inclui o aeroporto de Congonhas, com lance de R$ 2,4 Bi, e que demonstra intenção de realizar o pagamento com precatórios, como noticiado recentemente (Folhapress – Julio Wiziack 02/03/2023).
Por outro lado, essa condição é vantajosa para a União, dado que em leilões concorrenciais nos quais os competidores consideraram essa vantagem ao apresentar os seus lances, o vencedor terá ofertado o deságio à União.
Ao credor original, a depender do seu interesse, caberá o recebimento do valor com o deságio e o ganho de prazo em relação à cronologia a ser observada pelos precatórios, estabelecida no Art. 100 da Constituição Federal.
Espera-se que os fundos setoriais, tais como o FNAC no caso de concessões aeroportuárias, e contas de garantia vinculadas a concessões, tais como nas concessões rodoviárias, por exemplo a via Dutra, sejam devidamente creditados com o valor do pagamento, da mesma forma que seriam com o pagamento em moeda, e que a conta a ser debitada pela compensação do título seja referente aos créditos originalmente orçados para pagamentos de precatórios.
Sendo essa a lógica, preserva-se a condição financeira inicialmente pensada para as concessões, mas é alterada a cronologia estabelecida e o montante a ser desembolsado pelo tesouro para o pagamento de precatórios, daí o título deste artigo, pois certamente as concessionárias buscarão adquirir precatórios com o maior deságio possível, os quais são, em grande parte, os de maior prazo para pagamento, ou seja, os últimos da fila!
Embora a Portaria Normativa AGU nº 73, de 12 de dezembro de 2022 tenha avançado no sentido de vencer as dificuldades operacionais e administrativas relacionadas a essa opção de pagamento, ainda há esforço a ser feito com a finalidade prevenir prejuízos ao Tesouro Nacional e manter a dinâmica de garantias e investimentos, como se observa nas tratativas ainda em andamento no caso da concessão do bloco do aeroporto de Congonhas e mais 10 aeroportos, mencionada anteriormente.
No dia 28 de fevereiro de 2023, o Governo Federal anunciou que pretende tributar com o Imposto de Exportação (IE) as exportações brasileiras de óleo bruto, durante quatro meses. A alíquota do imposto será de 9,2% e a expectativa de arrecadação é de R$ 6 bilhões.
Nesse contexto, faz-se necessário analisar qual a é a função desse tributo, bem como qual suas principais características e quais as diferenças em relação ao imposto de importação.
Imposto de Exportação
O Imposto de Exportação está definido no artigo 153, inciso II e § 1º, da CF/88, e no artigo 23 a 28 do CTN. Trata-se de um tributo que visa a tributar a saída definitiva determinadas mercadorias do território brasileiro. Sua função é precipuamente extrafiscal, ou seja, deveria ser um instrumento da atuação da União no controle do comércio exterior.
Ao contrário de diversos outros tributos, a função principal do IE não é arrecadar, mas desestimular a exportação de determinados produtos, pois será mais vantajoso efetuar as vendas no mercado interno, o que aumentará a oferta e, consequentemente, reduzirá o valor de venda do referido produto.
Para exercer essa função regulatória e proporcionar ao governo federal maior flexibilidade e agilidade em relação ao controle do comércio exterior, o IE não está sujeito ao princípio da anterioridade, de modo que suas alíquotas e/ou bases de cálculo podem ser alteradas pelo Poder Executivo, com eficácia imediata a partir da publicação no Diário Oficial da União.
Como regra, o Brasil evita a utilização do IE em razão de seus efeitos negativos sobre eficiência econômica, estrutura de incentivos, alocação de recursos e desempenho exportador. Por essas razões, o imposto de exportação é, atualmente, aplicado apenas em dois casos excepcionais, e por razões não-econômicas, a saber:
(i) Cigarros que contenham tabaco: IE de 150% quando destinadas à países da América do Sul e América Central, inclusive Caribe; e
(ii) Armas e munições, suas partes e acessório: IE de 150% quando destinadas à países da América do Sul (exceto Argentina, Chile e Equador) e América Central, inclusive Caribe.
É importante ressaltar que quando falamos de cigarro, armas e munições, o IE visa a prevenir e evitar que estas mercadorias saiam legalmente do país e depois retornem de forma clandestina.
2. Imposto de Importação
O Imposto de Importação (II) é um tributo federal que incide sobre a entrada de mercadoria estrangeira em território nacional. Esse imposto está previsto no artigo 153, inciso I, da CF/88, e foi regulamentado no CTN, no Decreto-Lei nº 37/1966 e no Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro).
Assim como ocorre com o IE, o II é um imposto com função extrafiscal. Isso significa que o imposto funciona como um instrumento de regulação do comércio internacional, que visa estimular ou desestimular certas condutas ou proteger a indústria nacional da concorrência com produtos importados. Por esse motivo, a sua regulamentação leva em consideração questões políticas, econômicas e cambiais.
Ao se tornar membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil realizou uma série de concessões tarifárias, que constam na denominada “lista de concessões”. Essa lista reflete as tarifas consolidadas do Brasil, ou seja, as alíquotas máximas do II que podem ser aplicadas pelo país em relação a todo o universo tarifário, que é de 35%.
Por ser um membro do Mercosul, o Brasil adota a Tarifa Externa Comum (TEC), que padroniza as alíquotas de II no bloco. As alíquotas são definidas para cada item da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que é a classificação fiscal oficial das mercadorias no Mercosul. As alíquotas do II na TEC variam entre 0 e 35%.
O Brasil adota a tarifa prevista na TEC para todos os códigos NCM, exceto aqueles inseridos em instrumentos ou mecanismos de exceção, a saber: (i) Lista de Exceções à TEC (LETEC); (ii) Reduções tarifárias por razões de abastecimento ao amparo da Resolução Grupo Mercado Comum do Mercosul nº 49/2019; (iii) Lista de Exceções de Bens de Informática e Telecomunicações e Bens de Capital – LEBIT/BK; e (iv) Lista de redução temporária das alíquotas do Imposto de Importação tendo por objetivo facilitar o combate à pandemia do Corona Vírus/Covid-19.
Nos últimos meses, o governo federal promoveu cortes unilaterais nas tarifas de 87% das mercadorias importadas pelo Brasil. A redução das alíquotas do Imposto de Importação chegou a 20% para alguns produtos. Essa medida, que teve como justificativa reduzir os impactos econômicos negativos decorrentes da pandemia da Covid-19 e da guerra na Ucrânia, permanecerá vigente até 31 de dezembro de 2023.
Para onde vai o Direito Concorrencial Constitucional?
Angelo Prata de Carvalho
Findo o carnaval e vindas as cinzas da quarta, venceu na Marquês de Sapucaí o desfile da Imperatriz Leopoldinense em homenagem a Virgulino Ferreira, em enredo no qual narra a aporia de Lampião: enviado ao inferno, o diabo não o quis; ao tentar ir para o Céu, São Pedro não o deixou entrar. Com entrada negada tanto abaixo quanto acima, Lampião vai a algum lugar – e Pelos cantos do sertão… Vagueia, vagueia / Tal qual barro feito a mão misturado na areia.
Com a já anunciada morte do Antitruste, ainda se há de pensar o que fazer da livre concorrência com estatuto constitucional, consagrada pela Carta de 1988, mas aparentemente fadada a vagar pelas reflexões dos concorrencialistas como figura quase folclórica, como se oriunda do cordel. Não por acaso, ainda sob a égide da Lei nº. 8.884/1994, o saudoso Conselheiro Luis Fernando Schuartz já anunciava a Desconstitucionalização do Direito da Concorrência[1], ao perceber com perplexidade que “apesar das óbvias conexões semânticas entre as “partes” constitucional e infraconstitucional da afirmação da defesa da concorrência no direito brasileiro, bem como da aparente semelhança estrutural entre as formas desta afirmação nos arts. 170 e 173, §4o da CF, e 1o e 20 da Lei 8.884/94, os processos de decisão das autoridades responsáveis pela implementação da Lei Antitruste têm permanecido impermeáveis a argumentos substantivos de natureza constitucional”.
Constata o autor, nesse sentido, que, por mais que a livre concorrência conste do texto constitucional e por mais óbvia que seja a relação entre a legislação de defesa da concorrência e sua base constitucional, as decisões sobre casos concretos têm sido altamente resistentes a argumentos constitucionais, na medida em que se abrigam na técnica oriunda da econômica neoclássica sub-repticiamente introduzida no Direito da Concorrência pela Escola de Chicago. Ainda segundo Schuartz, operou-se no Direito da Concorrência uma colonização sem paralelo em qualquer outra seara jurídica por uma teoria extrajurídica, no que chamou de “revolução discreta e silenciosa” ocorrida especialmente em nível metodológico, oferecendo ao critério consequencialista supremacia sem precedentes.
As principais repercussões de tal fenômeno podem ser classificadas em duas componentes: uma descritiva, que preconiza a demonstração instrumental das consequências como resultado de uma lógica universal ou erga omnes; e uma normativa, que, apesar de não estar juridicamente sistematizada ou institucionalizada, determina a aplicação do Direito da Concorrência por critérios declaradamente não-jurídicos. Não se ignora, por evidente, que a construção institucional do Direito da Concorrência brasileiro e do próprio CADE estão fortemente calcadas nessas premissas, resultando em um ramo do direito com linguagem própria – tão própria que muitas vezes sequer parece direito.
A desconstitucionalização, dessa maneira, constituiria em verdadeiro subproduto da chamada Revolução do Direito da Concorrência brasileiro, que, abrigada na aparente coerência científica oferecida por critérios consequencialistas da economia neoclássica, achou por bem abandonar a axiologia da norma constitucional que lhe oferece fundamento. O Direito da Concorrência, com isso, confortavelmente isolou-se da abarcante força normativa das normas constitucionais preceituada por Konrad Hesse e contentou-se em conferir poder meramente simbólico à inserção da livre concorrência na ordem econômica constitucional. Tal postura traz consigo uma importante consequência prático-institucional: o declínio da competência de interpretação das normas constitucionais por uma sociedade aberta, conforme propõe Peter Häberle, para reduzir a análise concorrencial a uma análise normativa daquilo que não é verdadeiramente norma.
A perplexidade de Schuartz é ainda mais justificável quando se constata que o estatuto constitucional do Direito da Concorrência constituiria peculiaridade marcante desse ramo do direito no Brasil, capaz de diferenciá-lo das empedernidas posturas da jurisprudência norte-americana e mesmo de autorizar maior proficiência de argumentos substancialmente constitucionais que, no contexto europeu, devem ser articulados com o arrojo de quem não conta com disposições normativas tão autoevidentes. O Direito Concorrencial Constitucional, por conseguinte, não encontra guarida entre as malfadadas posições neoclássicas, que dificilmente abrem espaço para qualquer direito – quem dirá o constitucional.
De outro lado, a desconstitucionalização o Direito da Concorrência pode projetar repercussões ainda mais nefastas por isolar o Antitruste da própria discussão constitucional nos órgãos mais classicamente habilitados para interpretar a Constituição. Seja a dogmática de Direito Constitucional, seja o Poder Judiciário, muitas vezes acabam por pouco desenvolver discussões sobre a defesa da concorrência a nível jurídico-normativo para além de elementos procedimentais ou de digressões à legislação infraconstitucional – cuja leitura tende a ser conforme a um Direito da Concorrência livre de amarras constitucionais, e não conforme à Constituição. O Direito da Concorrência, por conseguinte, não raro fica órfão não de base constitucional, mas de leituras que adequadamente lhe coloquem no assento constitucional que o texto de 1988 lhe reservou.
Exemplo disso é a perspectiva de dogmatização do que se denominou por deferência pelo Poder Judiciário das decisões da autoridade concorrencial, que naturalmente se faz de rigor em termos organizacionais para mais adequadamente garantir a competência que se lhe atribuiu e evitar indevidas incursões no mérito administrativo (o que, aliás, a doutrina administrativista já preconiza há décadas), porém não é capaz de tornar o Direito da Concorrência indene ao controle de seu conteúdo constitucional. O Direito da Concorrência Constitucional, portanto, não sofre apenas pela colonização por parte da economia neoclássica, mas também por uma espécie de abandono por parte de uma dogmática e de uma jurisprudência aparentemente despreocupadas com um maior aprofundamento da reflexão sobre o sentido de se ter a livre concorrência constitucionalizada e inserida na ordem econômica constitucional junto de diversos princípios igualmente relevantes.
Produz-se para o Direito Concorrencial Constitucional, assim, paradoxo semelhante ao de Lampião: o órgão habilitado para interpretar o Direito da Concorrência o enjeita, e o guardião da Constituição pouco aprofunda o seu conteúdo e eventualmente remete-o de volta. Acontece que o estatuto constitucional da livre concorrência existe e, apesar da constante rejeição, segue vagando pelos cantos da reflexão jurídica, e há de ir a algum lugar.
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