Não incidência de honorários sucumbenciais no incidente de desconsideração da personalidade jurídica: alguns aspectos relevantes sobre o tema à luz de recente precedente da 3ª Turma do STJ

André Santa Cruz & Jaylton Lopes Jr.

Com a edição da lei 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica), o Código Civil reforçou ainda mais a autonomia patrimonial das sociedades – e de todas as demais pessoas jurídicas –, ao receber em seu corpo normativo o acréscimo do art. 49-A.

1. Personalidade jurídica e autonomia patrimonial

No âmbito do direito empresarial, a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é sempre destacada como uma importante ferramenta de incentivo ao exercício de atividades econômicas, na medida em que assegura aos empreendedores responsabilidade subsidiária e limitada – esta a depender do tipo societário adotado – pelas obrigações sociais, o que permite um cálculo mais seguro e previsível do risco empresarial.

O Código Civil, na sua redação original, já consagrava a autonomia patrimonial das sociedades em seu art. 1.024, segundo o qual “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”.

Com a edição da lei 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica), o Código Civil reforçou ainda mais a autonomia patrimonial das sociedades – e de todas as demais pessoas jurídicas –, ao receber em seu corpo normativo o acréscimo do art. 49-A, que assim dispõe em seu caput e no seu parágrafo único:

Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

A inserção dessa regra foi de suma importância para deixar claro que o respeito à autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, especialmente as sociedades empresárias, deve ser visto como algo positivo e imprescindível para o bom funcionamento do mercado[1].

2. Abuso de personalidade jurídica e desconsideração dos seus efeitos

A despeito da importância da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, não se pode considerá-la um princípio ou uma regra de natureza absoluta, sob pena de serem chanceladas situações em que a pessoa jurídica é usada, de forma ilegítima, como meio para que seus criadores se esquivem de seus credores, blindando seus ativos contra atos constritivos/expropriatórios.

A fim de evitar esse uso indevido das pessoas jurídicas, principalmente as sociedades, construiu-se há bastante tempo, na doutrina e na jurisprudência, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, fundada na ideia de coibição do abuso de direito.

No ordenamento jurídico brasileiro, a desconsideração da personalidade jurídica teve sua primeira previsão legal em 1990, com a edição da lei 8.078 (Código de Defesa do Consumidor), que foi seguida pela lei 8.884/94 (Lei Antitruste) e pela lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais).

Em 2002, a desconsideração da personalidade jurídica deixou de ser prevista apenas em microssistemas legislativos específicos e passou ter uma regra geral, constante do art. 50 do Código Civil, cujo texto atual, modificado e ampliado pela lei 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica), tem a seguinte redação:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Apesar de o Código Civil ter trazido para o nosso ordenamento jurídico uma norma geral importante sobre a desconsideração da personalidade jurídica, faltava ainda a sua disciplina processual, o que só veio a ocorrer com a edição do Código de Processo Civil de 2015, que em seus arts. 133 a 137 criou um incidente processual específico para tratamento da matéria:

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Sobre essa disciplina procedimental da desconsideração da personalidade jurídica, algumas questões polêmicas já estão sendo debatidas pelo Superior Tribunal de Justiça, e uma delas é justamente a que se refere ao cabimento (ou não) de condenação ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais no referido incidente processual.

3. Honorários advocatícios: causalidade e sucumbência

Nos termos do art. 22 da lei 8.906/94, “a prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”.

Os honorários de sucumbência são devidos pela parte vencida ao advogado da parte vencedora, nos termos do art. 85 do CPC (“a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”).

Embora o referido artigo tenha se referido a “sentença”, não é a natureza do pronunciamento judicial que definirá o cabimento (ou não) dos honorários sucumbenciais, mas sim o conteúdo da decisão e o tipo de procedimento, de modo que serão fixados honorários sucumbenciais, por exemplo, na decisão interlocutória que resolve parte do mérito (art. 356 do CPC) e na decisão interlocutória que acolhe preliminar de ilegitimidade passiva de um dos litisconsortes (art. 354, parágrafo único do CPC).

A fixação de honorários sucumbenciais decorre de dois princípios: princípio da sucumbência e princípio da causalidade. Pelo primeiro, será condenada a parte que foi derrotada no processo. Pelo segundo, será condenada a parte que deu causa à propositura da ação.

A inter-relação entre esses dois princípios é importante, porque nem sempre o vencido (princípio da sucumbência) será condenado ao pagamento da verba honorária. É o que ocorre, por exemplo, na denunciação da lide quando o denunciado, mesmo sendo derrotado, não tenha se insurgido quanto à denunciação[2]. Nesse caso, o princípio da causalidade se sobrepõe ao princípio da sucumbência.

4. Honorários advocatícios no IDPJ

A 3ª Turma do STJ, em 2020, firmou entendimento no sentido de que no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais. Vejamos a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. ART. 85, § 1º, DO CPC/2015. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Não é cabível a condenação em honorários advocatícios em incidente processual, ressalvados os casos excepcionais. Precedentes.

2. Tratando-se de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o descabimento da condenação nos ônus sucumbenciais decorre da ausência de previsão legal excepcional, sendo irrelevante se apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente.

3. Recurso especial provido.

(REsp 1.845.536/SC, rel. ministra Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª turma, julgado em 26.05.20, DJe 09.06.20)

Para a ministra relatora, o não cabimento dos honorários sucumbenciais, no caso julgado, decorreria do fato de que a executada foi quem deu causa à instauração do IDPJ, porque não pagou a dívida e promoveu a dissolução irregular da sociedade (princípio da causalidade). Assim, mesmo tendo sido julgado improcedente o incidente, entendeu-se que a exequente (requerente do incidente) não poderia ser condenada ao pagamento dos honorários sucumbenciais.

Tal fundamento, contudo, não foi o prevalecente. Embora a conclusão dos demais julgadores tenha sido a mesma (não cabimento de honorários sucumbenciais no IDPJ), prevaleceu o fundamento expendido no voto divergente, no sentido de que é dispensável a perquirição acerca do princípio da causalidade ou mesmo da sucumbência, tendo-se em vista a ausência de menção ao IDPJ no rol do artigo 85, caput e § 1º do CPC.

O fundamento do voto vencedor é o que, de fato, melhor se coaduna com a sistemática do atual CPC, o qual se alinhou, em parte, à jurisprudência do STJ firmada ainda na vigência do CPC de 1973.

De início, faz-se necessário estabelecer uma importante distinção entre incidente processual e processo incidente.

No incidente processual, uma nova relação jurídica processual nasce de um processo pendente e nele se acopla, tornando-o mais complexo. Há um único processo, mas com duas ou mais relações jurídicas processuais (relação processual do processo e relação processual do incidente). São exemplos de incidente processual: (a) intervenção de terceiros, incluindo-se o IDPJ (arts. 119 a 138 do CPC); (b) incidente de suspeição ou impedimento do juiz (art. 146 do CPC); e (c) incidente de arguição de inconstitucionalidade (arts. 948 a 950 do CPC).

Já no processo incidente, uma nova relação jurídica processual nasce em razão de um processo pendente, porém não se acopla a ele e também não o torna mais complexo. O processo incidente é autônomo em relação ao processo principal, porém produz efeitos que o atingem. São exemplos: (a) embargos de terceiro (arts. 674 a 681 do CPC); (b) oposição (arts. 682 a 686 do CPC); (c) embargos à execução (arts. 914 a 920 do CPC); e (d) reclamação (arts. 988 a 993 do CPC)[3].

O processo incidente, por ser autônomo, se desenvolve como qualquer outro processo. Seu mérito é julgado por sentença (ex.: embargos de terceiro) ou acórdão (ex.: reclamação)[4]. Logo, haverá condenação da parte vencida ao pagamento dos honorários sucumbenciais, à luz dos princípios da sucumbência e da causalidade (art. 85 do CPC).

A Corte Especial do STJ, no julgamento do EREsp 1.366.014/SP, que ocorreu em 29.03.17 e teve como relator o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, firmou entendimento no sentido de que “a melhor exegese do § 1º do art. 20 do CPC/73 não permite, por ausência de previsão nele contida, a incidência de honorários advocatícios em incidente processual ou recurso”.

Ocorre que o atual CPC, no § 11 do seu art. 85, dispôs que “o tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento”. Assim, quanto ao não cabimento de honorários sucumbenciais em sede de recursos, o entendimento da Corte Especial do STJ encontra-se superado.

Em contrapartida, no tocante aos incidentes processuais, o legislador – ao que parece, conscientemente – não os contemplou no rol das situações ensejadoras de honorários sucumbenciais. Isso porque, conforme § 1º do art. 85 do atual CPC, “são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente”. Quisesse o legislador de 2015 admitir a incidência de honorários sucumbenciais no julgamento de incidentes processuais, teria feito previsão expressa no supracitado dispositivo.

O IDPJ tem natureza de incidente processual e seu julgamento se realiza, como regra, por decisão interlocutória (art. 136 do CPC).

Embora o referido incidente tenha mérito próprio (ocorrência ou não de abuso da personalidade), este não se relaciona diretamente com o mérito do processo[5], razão pela qual é equivocado pensar que a decisão interlocutória que resolve o IDPJ equivale a uma decisão parcial de mérito (art. 356 do CPC).

Destarte, a conclusão e o fundamento prevalecente do acórdão proferido pela 3ª turma do STJ no REsp 1.845.536/SC está em consonância com a sistemática atualmente prevista no CPC.

Ademais, não se pode perder de vista que é plenamente possível que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica seja julgado na própria sentença. Isso ocorrerá quando o pedido de desconsideração for requerido na petição inicial (hipótese que dispensa a instauração do incidente – art. 134, § 2º do CPC) ou quando o próprio incidente for decidido na sentença (a sentença julga, ao mesmo tempo, o incidente e o processo). Seja como for, não haverá condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais em razão do julgamento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

No entanto, julgado recente da 3ª Turma do STJ parece contrariar essa lógica: o REsp 1.925.959/SP. No caso, o juízo de 1°grau não fixou honorários sucumbenciais, alegando serem indevidos “por ser mero incidente”. Dessa decisão foi interposto agravo de instrumento pelo curador especial nomeado para a parte executada, eo TJSP deu provimento ao recurso, arbitrando R$ 1.500,00 a título de honorários advocatícios sucumbenciais.

Interposto recurso especial ao STJ, este rejeitou a pretensão da recorrente, por maioria, para manter a fixação da verba honorária sucumbencial.

Confira-se a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NATUREZA JURÍDICA DE DEMANDA INCIDENTAL. LITIGIOSIDADE. EXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. FIXAÇÃO. CABIMENTO.

1. O fator determinante para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não pode ser estabelecido a partir de critérios meramente procedimentais, devendo ser observado o êxito obtido pelo advogado mediante o trabalho desenvolvido.

2. O CPC de 2015 superou o dogma da unicidade de julgamento, prevendo expressamente as decisões de resolução parcial do mérito, sendo consequência natural a fixação de honorários de sucumbência.

3. Apesar da denominação utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsideração da personalidade jurídico tem natureza jurídica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido.

4. O indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo.

5. Recurso especial conhecido e não provido.

(REsp n. 1.925.959/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 22/9/2023.)

O relator para o acórdão, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou em seu voto que, “considerando a efetiva existência de uma pretensão resistida, manifestada contra terceiro(s) que até então não figurava(m) como parte, penso que a improcedência do pedido formulado no incidente, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide – situação que se equipara à sua exclusão quando indicado desde o princípio para integrar a relação processual –, mesmo que sem a ampliação do objeto litigioso, dará ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo, como vem entendendo a doutrina”.

Ademais, o Ministro pontuou que, “em caso de deferimento do pedido de desconsideração (direta ou inversa), […] o eventual sucumbimento destes somente poderá ser aferido ao final, a depender do juízo de procedência ou improcedência da pretensão contra eles direcionada”.

O Ministro Moura Ribeiro, em seu voto-vogal, aduziu o seguinte: “em que pese a decisão de resolução do IDPJ não ter natureza de sentença, nem tampouco estar presente no rol do art. 85, § 1º do CPC, não pode ser ignorado o fato de que a necessidade de pagamento das verbas honorárias decorre da existência de sucumbência de uma das partes, e não da natureza jurídica da decisão”.

Por fim, é importante mencionar que foi citado precedente da Primeira Seção (REsp 1.358.837/SP), de relatoria da Ministra Assusete Magalhães, julgado sob o regime dos recursos repetitivos em 10/3/2021, no qual se fixou a seguinte tese: “observado o princípio da causalidade, é cabível a fixação de honorários advocatícios, em exceção de pré-executividade, quando o sócio é excluído do polo passivo da execução fiscal, que não é extinta”.

Parece, desse modo, que caberá à Segunda Seção resolver a controvérsia, dada a existência de precedentes contrários ao cabimento de honorários advocatícios no incidente de desconsideração da personalidade jurídica na 4ª Turma do STJ[6]. Certamente, a questão será resolvida por meio dos embargos de divergência[7]. Esperamos que isso aconteça o quanto antes, de forma que a insegurança e a incerteza não prevaleçam em uma questão tão relevante como essa.

André Santa Cruz é advogado inscrito na OAB/DF, sócio do escritório Agi, Santa Cruz & Lopes Advocacia, doutor em Direito Comercial pela PUC-SP, professor de Direito Empresarial do Centro Universitário IESB, em Brasília, e ex-diretor do DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração. Autor de diversas obras jurídicas na área do Direito Empresarial.

Jaylton Lopes Jr. é ex-Juiz de Direito do TJDFT, e atualmente advogado inscrito na OAB/DF, sócio do escritório Agi, Santa Cruz & Lopes Advocacia. Professor nas áreas de Direito Imobiliário, Direito das Sucessões, Direito de Família e Direito Processual Civil.


[1] “Observe-se que ao Estado interessa essa permissão de formação de entes independentes inconfundíveis com a figura humana, principalmente na sociedade capitalista, entendida essa no sentido preconizado por Max Weber, ou seja, uma sociedade que busca o lucro renovado por meio da empresa permanente, capitalista e racional” (NAHAS, Thereza Christina. Desconsideração da pessoa jurídica. São Paulo: Atlas, 2004. p. 143).

[2] Nesse sentido: REsp 142.796/RS, Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, 3ª turma, julgado em 04.05.04, DJ 07.06.2004, p. 215.

[3] Cf. DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil: parte geral e processo de conhecimento. 17ª edição. Salvador: JusPodivm, 2015, v. 1, p. 476-477.

[4] Impende ressaltar que se houver julgamento parcial de mérito, o pronunciamento judicial não será uma sentença, mas sim uma decisão interlocutória (art. 356 do CPC).

[5] Aliás, todo incidente processual terá um mérito próprio. A título de exemplo, o mérito do incidente de suspeição do juiz é a existência de uma das hipóteses do art. 145 do CPC.

[6] Vejam-se, por todos, AgInt nos EDcl no REsp 2.017.344/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 23/3/2023 e AgInt no AREsp n. 2.326.010/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 21/8/2023, DJe de 28/8/2023.

[7] CPC

Art. 1.043. É embargável o acórdão de órgão fracionário que:

I – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito;

O Novo Arcabouço Fiscal e o efeito pró-cíclico do Resultado Primário

Elvino de Carvalho Mendonça

Já falamos neste espaço que o Novo Arcabouço Fiscal é uma regra fiscal de teto gastos, assim como o era o indicador criado pela Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016[1], popularmente conhecido por Teto de Gastos.

Também já apresentamos que a nova regra fiscal (Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023[2]) adiciona à correção das despesas do ano anterior pela inflação (IPCA) o componente de renda real, que acrescenta 70% da variação da receita do ano anterior as despesas se a meta de resultado primário acrescida de uma banda (0,25% do PIB para cima e para baixo) for cumprida e 50% de variação da receita do ano anterior se a meta de resultado primário não for cumprida.

Só não nos debruçamos sobre o que significa cumprir a meta dentro da banda em torno da meta que configura o componente de renda real do Novo Arcabouço Fiscal e o que significa não cumprir a meta.

Comecemos pelo começo!!

A meta de resultado primário como observamos hoje foi instituída pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar nº 101/2001) e é apurada a partir da diferença entre as receitas primárias e as despesas primárias da União, Distrito Federal, Estados e Municípios, sendo as primeiras estimadas nos termos do Capítulo III da LRF e as segundas fixadas em conformidade com Capítulo IV da mesma lei.

A experiência de 21 anos de vigência da meta permitiu constatar a existência de dois gatilhos para o seu cumprimento: (i) limitação de empenho e de movimentação financeira ao longo do exercício; e (ii) alteração da própria meta via proposição legislativa de autoria do Poder Executivo.

A limitação de empenho e de movimentação financeira é implementada por meio de Decreto Presidencial[3] sempre que a programação orçamentária e financeira identificar, em relatório consubstanciado (RARDP[4]), que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais[5], conforme previsto no caput do Art. 9º da LRF[6]. Neste caso, em resposta ao realizado das receitas primárias, ajusta-se a despesas primárias de maneira a cumprir a meta estabelecida (frustação na receita implica contingenciamento de despesas e vice-versa).

A alteração da meta de resultado primário, por seu turno, é realizada por meio da publicação de proposição legislativa encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional.

Bem, a meta de resultado primário foi cumprida em todos os 22 anos. Em 21 desses 22 anos, aponta Barbosa (2022)[7] que a meta foi alterada por proposição legislativa em 8 deles[8], o que perfaz uma probabilidade 55% de se alterar a meta (12/22) para o período completo e uma probabilidade de 50% se considerarmos apenas o período em que o Teto de Gastos vigeu[9].

Não se está aqui a questionar a metodologia de cumprimento da meta e nem as razões pelas quais as metas foram alteradas[10][11], o que se está a mostrar é que o processo orçamentário financeiro envolve uma série de contingências e a fixação de uma meta de resultado primário um ano antes do exercício possui uma elevada probabilidade de não se verificar conforme o planejado.

Bem, planejado ou não o fato é que a meta sempre foi cumprida, e a justificativa estava no fato de que as LDOs e a LRF impunham, até a entrada em vigor do Novo Arcabouço Fiscal, o ajuste das despesas primárias por meio de mecanismo de contingenciamento sempre que houvesse frustração de receita e, em último caso, a formalização de alteração da meta pelo Poder Executivo via proposição legislativa.

Ué!! Isso mudou? Como fica esse processo orçamentário na vigência do Novo Arcabouço Fiscal, uma vez que a Lei que a deu origem prevê que, sob certas condições[12], o descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário não resulta em infração à LRF?

Acalmemos os nossos corações!!! O processo orçamentário-financeiro previsto na LRF continua o mesmo. Nada mudou no acompanhamento bimestral das receitas e despesas primárias e o contingenciamento e a solicitação de alteração de meta do resultado primário pelo Poder Executivo continuou como dantes.

O que muda, então?

Duas são as coisas que mudam em relação ao Teto de Gastos: (i) o cumprimento da meta ocorre dentro do intervalo de tolerância; e (ii) há a possibilidade de não cumprimento da meta.

Entender o cumprimento da meta dentro de um intervalo de tolerância é simples, basta imaginar que a meta de resultado primário virou o centro da meta e o intervalo de tolerância virou a banda em que esta meta pode oscilar. Difícil é fazer uma interpretação única se cumprir a meta é atingir o centro da meta ou qualquer ponto dentro do intervalo de tolerância. Mas isso é assunto para outro editorial!!!

Entender o que significa o não cumprimento da meta na nova regra é um pouco mais confuso, pois o não cumprir também tem que ser cumprido, ou seja, segundo a Lei o não cumprimento somente pode acontecer até o limite de 25% das despesas discricionárias. Estando dentro desta condição e da condição de que o agente responsável lançou mão dos instrumentos do processo orçamentário-financeiro apresentados anteriormente, o descumprimento da meta de resultado primário não descumpre a LRF.

Sem esquecer que cumprir o não cumprimento implica restrições para a administração, pode-se afirmar que a criação da banda em torno da meta e a engenharia em torno do cumprimento do não cumprimento da meta, abriu uma margem de manobra considerável para a administração.

Elaboração do autor

No Teto de Gastos (figura 1), a meta sempre tinha que ser cumprida, quer fosse por meio do processo orçamentário-financeiro previsto na LRF quer fosse por alteração da meta via proposição legislativa do Poder Executivo.

No Novo Arcabouço Fiscal (figura 2), no entanto, além de haver a possibilidade do cumprimento da meta dentro de um intervalo de tolerância, abre-se a possibilidade de não cumprimento desta regra fiscal de resultado até um limite para o cumprimento do descumprimento.

Portanto, enquanto no Teto de Gastos não havia possibilidade fora do cumprimento da meta, no Novo Arcabouço Fiscal as despesas primárias serão obtidas tanto cumprindo quanto não cumprindo a meta e ficarão acrescidas de 70% da variação da receita no primeiro caso ou de 50% da variação da receita no segundo caso.

Mas o que isso significa em termos de efeito pró-cíclico da meta de resultado primário?

Vale lembrar que a maior crítica da literatura à medida de resultado primário é que ela é uma medida pró-cíclica, que diz que em tempos de bonança econômica as despesas aumentam e em tempos de recessão elas ficam comprometidas, tendo em vista que há uma queda forte na receita primária.

Com o Novo Arcabouço Fiscal, os períodos de bonança econômica gerarão uma despesa primária superior àquela obtido com o Teto de Gastos, pois sobre a correção da despesa do ano anterior será colocado 70% da variação da receita primária líquida, ao passo que em períodos de recessão a despesa primária corrigida do ano anterior será acrescida de 50% da variação da receita, o que garante uma despesa primária pelo Novo Arcabouço Fiscal superior àquela obtida com o Teto de Gastos.

Há dois pontos importantes: (i) a despesa mais elevada na bonança econômica gera despesa intertemporal; e (ii) o corte nas despesas primárias em períodos de recessão é superior àqueles que seriam realizados se não houvesse o intervalo de tolerância e menos qualificado.

A geração de gastos intertemporais na bonança econômica torna as despesas primárias do ano mais apertadas em períodos de recessão, pois as despesas feitas em anos de bonança ocupam o local das despesas que precisam ser feitas nos períodos de recessão, o que faz com que o efeito pró-cíclico seja potencializado sobre as despesas anuais.

Lembrem-se que incentivos bons e ruins são como paixão e ódio, o que os separa não é nada mais do que uma tênue linha.


[1] Emenda Constitucional nº 95 (planalto.gov.br)

[2] Lcp 200 (planalto.gov.br)

[3] Esses Decretos Presidenciais dispõem sobre a programação orçamentária e financeira do exercício.

[4] Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias – Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) – 2022 – 2° Bimestre — Tesouro Transparente

[5] Mensagem nº (planalto.gov.br)

[6] Art. 9oSe verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

[7] 21 anos de meta de resultado primário | Blog do IBRE (fgv.br)

[8] De acordo com Barbosa (2022), no ano 2001 a meta foi alterada por medida provisória (MP); nos anos de 2007, 2009, 2010 e 2013 a 2017 a meta foi alterada por meio da publicação de Projetos de Lei Complementar (PLC); e nos anos de 2020 a 2021 a meta foi alterada por Projetos de Emenda à Constituição (PEC)

[9] Dos 6 anos de existência do Teto de Gastos, em 3 deles a meta teve que ser alterada por encaminhamento de proposições legislativas pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional

[10]  Borges e Pires (2020) apresentam a evolução histórica do cumprimento da meta de resultado primário no Brasil.

BORGES, Bráulio; PIRES, Manoel. Meta de resultado primário: descanse em paz. Blog do Ibre. FGV. 17 de abril de 2020. Disponível em: Meta de resultado primário: descanse em paz | Blog do IBRE (fgv.br). Acesso em: 01 de outubro de 2023.

[11] É preciso olhar com lupa os anos 2020 a 2022. A pandemia da Covid-19 exigiu decretação de estado de calamidade pública e, com ele, o cumprimento das metas fiscais excepcionadas.

[12] A LCP prevê no art. 7º que o descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário não resulta em infração à LRF desde que o agente responsável tenha adotado as medidas de limitação de empenho e pagamento, preservado o nível mínimo de 75% (setenta e cinco por cento) das despesas discricionárias do valor autorizado na lei orçamentária anual, necessárias ao funcionamento regular da administração pública.

Medidas Preventivas no processo administrativo sancionador do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)

Mauro Grinberg

Medidas preventivas fazem parte da lei e são com frequência invocadas no Cade. Todavia, nem a Superintendência Geral (SG) nem o próprio Conselho têm, até o momento, um histórico amplamente encorajador de emissão de medidas preventivas, não obstante a redação clara do art. 84 da Lei 12.599/2011 (Lei de Defesa da Concorrência – LDC): “Em qualquer fase do inquérito administrativo para apuração de infrações ou do processo administrativo para imposição de sanções por infrações à ordem econômica, poderá o Conselheiro-Relator ou o Superintendente-Geral, por iniciativa própria ou mediante provocação do Procurador-Chefe do Cade, adotar medida preventiva, quando houver início ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo”.

O Regimento Interno do Cade – que, para o próprio órgão, tem força de lei, segue redação quase idêntica no seu art. 252, com o acréscimo de “legítimo interessado” ao Procurador-Chefe do Cade como capaz de provocar o Conselheiro-Relator e/ou o Superintendente-Geral; a relevância destes empoderados é relativa pois o simples fato da autoridade poder agir de ofício torna qualquer pessoa capacitada para a reclamação.

“Na medida preventiva, determinar-se-á a imediata cessação da prática e será ordenada, quando materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária, nos termos do art. 39 desta Lei” (LDC, art. 85, § 1º) e “da decisão que adotar medida preventiva caberá recurso voluntário ao Plenário do Tribunal, em 5 (cinco) dias, sem efeito suspensivo” (LDC, art. 85, § 2º).

No cenário internacional, encontramos o texto denominado Interim Measures in Antitrust Investigations, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que traz: “Interim measures are granted by public authorities or courts with a protective and corrective objective, i.e. providing temporary relief pending the outcome of a case. In general, interim measures are only granted in exceptional circumstances. They typically require meeting two key conditions: the likelihood of success on the merits (fumus boni iuris) and the urgency to prevent harm (periculum in mora) (pág. 6).

O mesmo texto sugere algumas hipóteses de aplicação de medidas preventivas: “refusal do supply, exclusive dealing and predatory pricing cases (…) alleged anticompetitive agreements, in particular vertical agreements and decisions of associations of undertakings recommending prices or limiting supply” (pág. 10). Obviamente o texto é apenas exemplificativo.

Embora essas duas expressões latinas – fumus boni iuris e periculum in mora – sempre tenham sido associadas à ideia de medidas cautelares, até mesmo como suas justificativas, nem o Código de Processo Civil de 1973 (CPC 1973) nem o atual Código de Processo Civil (CPC) as estampam.

Estabelecia o CPC 1973, no art. 798 que “(…) poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”. Já o CPC, após dividir as tutelas provisórias em urgência e evidência (art. 294), dispõe no art. 300: “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. Não é preciso muito para concluir que aquelas duas expressões latinas são mais do que atuais.

Sidney Sanches esclarece que, “se houver probabilidade de que a demora inevitável no ajuizamento da ação principal, ou no seu processamento e julgamento, venha a causar prejuízo ao autor da ação cautelar, terá ele preenchido o primeiro requisito: o do periculum in mora. Sobre o fumus boni iuris, “consiste na probabilidade da existência do direito invocado pelo autor da ação cautelar. Direito a ser examinado aprofundadamente, em termos de certeza, apenas no processo principal já existente, ou, então a ser instaurado”[1].

O mesmo autor aponta ainda as características da medida cautelar: “acessoriedade” (“o processo cautelar depende sempre do resultado do processo principal”), “preventividade” (“prevenir a ocorrência de danos”), “sumariedade” (“quanto à própria profundidade da cognição do direito, que nele é superficial”), “provisoriedade” e “instrumentalidade hipotética” (“porque o processo cautelar visa a tutelar o processo principal”)[2].

A medida cautelar é concedida mediante uma instrução sumária (embora sumária, deve ser convincente), muitas vezes apenas com documentos que demonstrem os requisitos, sendo que o perigo na demora muitas vezes é intuitivo e parte de um conhecimento geral da sociedade e da autoridade. Como diz Luiz Guilherme Marinoni, “as tutelas antecipada e cautelar são incompatíveis com o aprofundamento do contraditório e da convicção judicial, uma vez que estes demandam porção de tempo que impede a concessão da tutela de modo urgente”[3]

Assim, é de extrema importância que o Cade, seja através de seus Conselheiros e Conselheiras, seja através de sua Superintendência-Geral, atentem para a importância das medidas preventivas para salvaguarda do próprio direito da concorrência.

Mas há aqui uma diferença fundamental do processo civil. Aplicando-se o § único do art. 1º da LDC (“A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei”), é forçoso concluir que tanto a probabilidade da existência do direito quanto o perigo na demora de sua implementação devem ser relativos a um direito da coletividade e não de uma pessoa individualizada.

Utilizando um dos exemplos fornecidos pela OCDE, podemos imaginar uma medida cautelar contra uma negativa de fornecimento; mas aqui deverá ficar provado que essa negativa exclui um concorrente do mercado a jusante e que essa exclusão afeta o mercado permitindo comportamentos concorrenciais prejudiciais ao mercado. Mais ainda, em determinados mercados existem contratos de fornecimento de longo prazo que regem a programação da produção.

Outro exemplo fornecido pela OCDE é o dos preços predatórios, em que um concorrente com alto poder de mercado baixa seus preços até o nível do prejuízo para eliminar concorrentes. Esta é uma infração pouco tratada, até porque a penalidade seria uma condenação para aumentar os preços, o que parece uma situação bizarra. Mas, ainda assim, uma eventual medida preventiva deveria ser resultante de ameaça ao equilíbrio do mercado.

Contratos de exclusividade – continuando com os exemplos da OCDE – também podem ser objeto de medidas cautelares, sendo que vale aqui o mesmo raciocínio usado no caso da recusa de venda.  

Assim, chegamos à grande diferença entre a tutela de urgência do processo civil e a medida cautelar do direito concorrencial: neste os interesses protegidos são da coletividade e naquele de uma ou mais pessoas específicas, reiterando-se aqui que o art. 84 da LDC fala em lesão ao mercado.


[1] “Poder cautelar geral do Juiz”, RT, São Paulo, 1978, pág. 43

[2] Obra citada, págs. 29/30

[3] “Tutela de urgência e tutela de evidência”, RT, São Paulo, 2016, pág. 130


Mauro Grinberg é ex-Conselheiro do Cade, Procurador da Fazenda Nacional (aposentado), Mestre em Direito, advogado especializado em Direito Concorrencial, sócio de Grinberg Cordovil.

Open Finance: Transformando o Setor Financeiro Brasileiro

Leandro Oliveira Leite

O Sistema Financeiro Aberto (Open Finance) é uma iniciativa que visa revolucionar o setor financeiro brasileiro por meio do compartilhamento padronizado de dados e serviços entre instituições participantes, todas reguladas pelo Banco Central do Brasil (BCB). Este conceito permite que clientes de produtos e serviços financeiros autorizem o compartilhamento de seus dados com outras instituições para obter ofertas de serviços e até mesmo movimentar suas contas bancárias a partir de diferentes plataformas, de forma segura, ágil e conveniente.

Em 2022, o BCB trabalhou em conjunto com as entidades supervisionadas para resolver os desafios da fase inicial de compartilhamento de dados do Open Finance. Esses desafios estavam principalmente relacionados com a interoperabilidade, o consumo de dados e a qualidade das informações disponíveis. O Open Finance é um dos pilares fundamentais na construção do sistema financeiro do futuro e representa uma mudança paradigmática ao permitir a democratização do acesso à informação sobre serviços financeiros, empoderando o consumidor com maior controle sobre seus próprios dados.

Uma das características mais notáveis do Open Finance é a sua capacidade de fomentar a competição no setor financeiro. Ao possibilitar que as instituições compartilhem dados dos clientes, o Open Finance incentiva a oferta de produtos e serviços mais vantajosos para o consumidor. Esse novo ambiente favorece a criação de soluções inovadoras que facilitam o controle financeiro dos indivíduos. Agora, um cliente pode visualizar todas as suas informações financeiras em um único local, mesmo que tenha contas em diferentes instituições.

É importante destacar que o Brasil lidera o mundo em termos de Open Finance, tanto em escopo quanto em quantidade de instituições e consentimentos de consumidores. Até o final de 2022, foram registrados mais de 2 bilhões de chamadas de APIs (interfaces de programação de aplicativos) e 5,6 milhões de registros ativos no sistema.

Open Finance vs. Open Banking: Uma Expansão Notável

O Open Finance não é apenas uma expansão do conceito de Open Banking; ele vai muito além. O projeto evoluiu para abranger não apenas informações sobre produtos e serviços financeiros tradicionais, como contas e operações de crédito, mas também dados relacionados a produtos e serviços de câmbio, credenciamento, investimentos, seguros e previdência. Isso significa que, num futuro próximo, os consumidores poderão utilizar as suas informações financeiras de um banco para contratar seguros ou planos de previdência com melhores condições em outras instituições participantes. Além disso, terão acesso a opções mais diversificadas de investimentos. O nome mudou, mas os requisitos de segurança permaneceram, com os consumidores mantendo o controle sobre o compartilhamento de suas informações.

O Open Finance também abre caminhos para futuras inovações, como a interoperabilidade com o Open Insurance (Sistema de Seguros Aberto), promovendo uma maior portabilidade de dados entre instituições autorizadas pelo Banco Central e corretoras e seguradoras supervisionadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Isso ampliará ainda mais os benefícios para os consumidores, oferecendo opções mais diversificadas no mercado de seguros e previdência.

Promovendo uma Experiência Financeira Melhorada

Além de estimular a competição e promover inovações no setor, o Open Finance oferece benefícios tangíveis aos consumidores. A possibilidade de comparar diferentes ofertas de produtos e serviços financeiros, como tarifas bancárias, tipos de contas e cartões de crédito, torna mais fácil para as pessoas escolherem as opções mais específicas às suas necessidades e perfil financeiro. Também é possível solicitar o compartilhamento de dados cadastrais, informações sobre transações e produtos de crédito, todos os protegidos por solicitação prévia e específica do cliente.

Além disso, o Open Finance já permite realizar pagamentos no ambiente financeiro, sendo o Pix a primeira modalidade disponibilizada. Isso torna os pagamentos mais rápidos e convenientes, oferecendo aos consumidores uma experiência de pagamento aprimorada em lojas virtuais e outras plataformas.

O Open Finance é parte integrante da visão de um sistema financeiro mais aberto, competitivo, eficiente e inclusivo. À medida que o Brasil lidera o caminho nesse setor, os consumidores brasileiros podem esperar uma experiência financeira cada vez mais conveniente, transparente e adaptada às suas necessidades. À medida que o Open Finance continua a evoluir, mais inovações e benefícios estão no caminho.

Em suma, o Open Finance do Banco Central do Brasil (BCB) tem o potencial de aumentar significativamente a concorrência no mercado financeiro de diversas maneiras:

  1. Acesso a Dados de Clientes: O Open Finance permite que instituições financeiras autorizadas acessem dados de clientes de outras instituições, desde que esses clientes concedam permissão. Isso significa que, por exemplo, uma fintech pode oferecer serviços personalizados com base em dados financeiros de um cliente de um grande banco. Essa competição impulsionada pelos dados pode levar a ofertas mais interessantes para os consumidores.
  2. Desenvolvimento de Produtos Inovadores: Com acesso aos dados dos clientes, as instituições financeiras podem desenvolver produtos e serviços financeiros inovadores que atendam às necessidades específicas dos consumidores. Isso incentiva a criação de soluções financeiras mais eficazes e convenientes.
  3. Comparação de Ofertas: O Open Finance permite que os consumidores comparem facilmente as ofertas de produtos e serviços financeiros de diversas instituições. Isso cria um ambiente mais transparente em que os consumidores podem escolher as opções que melhor se adequam às suas necessidades e orçamento.
  4. Redução de Custos: Cria um cenário em que as empresas são incentivadas a melhorarem suas ofertas, proporcionando aos consumidores tarifas mais baixas e melhores condições de prazo. Assim, a competição resultante do Open Finance pode levar à redução de custos para os consumidores.

LEANDRO OLIVEIRA LEITE. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.

O imposto seletivo não pode servir para selecionar os vencedores

Felipe Fernandes Reis & Bianca Xavier

A PEC 45/2019, atualmente em análise pelo Senado Federal, é uma das principais iniciativas para resolver o cruel, injusto e delirante Sistema Tributário Brasileiro. Por tais motivos, este artigo não se debruçará nas razões óbvias da necessidade de uma reforma tributária que simplifique, organize e modernize esse Sistema, como em grande parte a PEC 45/2019 o faz. Ademais, é importante registrar a dificuldade da técnica legislativa de reformular um sistema tão complexo como o atual, especialmente à nível constitucional.

Entretanto, a mesma PEC 45/2019 que visa simplificar o sistema atual, propõe emendar a nossa Constituição para instituir o denominado Imposto Seletivo, o qual incidirá sobre produção, comercialização ou importação de bens e serviços[1] “prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”. Pela proposta, o referido imposto será regrado por Lei Ordinária. O Poder Executivo, aliás, poderá majorar sua alíquota com bastante flexibilidade, sem observar o princípio da anterioridade nonagesimal e por Decreto.

Conforme o relatório apresentado pela Câmara dos Deputados, o referido imposto “proporcionaria aumento de arrecadação, com baixo custo administrativo, onerando produtos cujo consumo se quisesse desestimular pelos efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente”. Destaca-se, ademais, que foram citadas como benchmarking as experiências europeias, especialmente os arts. 3º e 5º da Diretiva nº 92/12/CEE do Conselho das Comunidades Europeias e o art. 1º da Diretiva nº 2003/96/CE do Conselho da União Europeia.

Contudo, considerando fatores como: (i) a flexibilidade do Poder Executivo para fixar alíquotas; (ii) a mitigação das garantias da anterioridade, e a (iii) imprecisão e abrangência de sua incidência, existem riscos consideráveis do Imposto Seletivo servir não somente para desincentivar o consumo (nesse ponto, deve ser avaliado o grau de elasticidade da demanda desses bens, inclusive) ou compensar eventuais externalidades negativas -uma vez que parte considerável de sua receita já está destinada para outros fins-, mas também para onerar produtores e comercializadores de determinados bens e serviços em benefícios de outros, prejudicando o processo competitivo e os objetivos de isonomia tributária, os quais fundamentaram a reforma e estão consagrados na Constituição Federal (art. 150, II e 170 III).

Dessa forma, é preocupante a previsão da utilização do Imposto Seletivo como ferramenta de competitividade em favor de agentes e operações realizadas em determinadas regiões já beneficiadas (como Zona Franca de Manaus e de outras áreas de livre mercado). Uma vez que, além de não atender as justificativas lançadas para criação desse imposto, isso poderá servir como instrumento e  fator de desequilíbrio competitivo, elegendo, assim, o player vencedor.

Nesse sentido, é importante citar o estudo do ICC referente à necessária interação entre a política tributária e defesa da concorrência, para fins de impedir que agentes que atuam no mesmo mercado sejam expostos a regimes diferentes. Vejamos[2]:

‘“A adoção dessas medidas extrafiscais em buscar atingir determinados efeitos sociais deve ser cuidadosamente pensada e adotada com cautela. Fundamentalmente, devem garantir horizontalidade e neutralidade tributária, a fim de não criar assimetrias injustificadas entre produtos que integram o mesmo mercado relevante. Por vezes, percebe-se desvirtuamento na sua aplicação e mesmo desigualdades injustificadas, por exemplo, entre produtos que integram o mesmo mercado relevante e não deveriam usufruir de tratamento diferenciado entre si.”

Note-se que, para alcançar o objetivo de somente desincentivar o consumo e/ou compensar externalidades de determinados produtos e/ou serviços, a PEC 45/2019 deveria limitar a incidência do Imposto Seletivo somente em uma determinada etapa da cadeia, como: no momento final do consumo, ao invés de permitir que fosse aplicado em diferentes elos, como na produção e comercialização do mesmo bem, atendendo, assim, ao princípio da não cumulatividade plena.

Por outro lado, se o escopo do Imposto Seletivo for incentivar o consumo de determinado bem ou serviço, ou promover região específica, isso deveria ser realizado por meio de benefícios e incentivos fiscais, ao invés de majorar os ônus tributários a agentes específicos, sem ao menos considerar outros custos que são aplicados com os mesmos objetivos, como aqueles de natureza regulatória.

Nesse sentido, é importante citar estudo da OCDE a respeito das regras no âmbito da União Europeia envolvendo incentivos e benefícios por parte dos países membros, denominado como “State aid”. No referido estudo, a OCDE fez questão de ressaltar as preocupações da autoridade europeia com distorções concorrenciais, consignando que[3]:

However, a favour in the sense of EU state aid rules is only deemed to have come into existence if it leads (or, at least, has the potential to lead) to a distortion of competition. Aid (in the sense of a selective grant through state resources) distorts competition only if that aid improves the position of the beneficiary or a third party in the applicable market to the detriment of their (potential) competitors. In order to determine whether this applies, it is necessary to compare the competitive situation before and after an (intended) subsidy is compared (ECJ, 1974[17]) (ECJ, 1980[18])12.

No caso do Imposto Seletivo, além da sua abrangência e da mitigação às garantias da legalidade e anterioridade, nota-se também a ausência da previsão de quaisquer mecanismos que limitem a instituição do referido imposto, especialmente por meio de instrumentos de análise prévia de seu impacto e resultado, como AIR e ARR, bem como da necessidade de observar princípios como: isonomia entre contribuintes em situações semelhantes; capacidade contributiva; e a não cumulatividade com outros tributos de natureza e objetivos semelhantes, como é o caso da CIDE e/ou da seletividade da alíquota do IPI e/ou ICMS, bem como com outros fatores de custos (regulatórios, por exemplo) que também tenham o mesmo objetivo do Imposto Seletivo.

Desse modo, para que se alcance as motivações reformistas da simplificação e isonomia tributária, bem como da não cumulatividade, da eficiência e da previsibilidade da carga nos diferentes elos e setores da cadeia econômica, é indispensável que o Senado Federal aperfeiçoe o texto referente ao Imposto Seletivo, de modo a estabelecer limites mínimos para sua incidência e assegurar que o mesmo não servirá para distorções do processo competitivo.  


[1] Trata-se de mais um aumento da base de incidência promovido pela PEC, uma vez que o IPI (que teria essa natureza extrafiscal) não incide sobre serviços. 

[2] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.iccbrasil.org/wp-content/uploads/2022/12/ICC-Tributac%CC%A7a%CC%83o-e-Concorre%CC%82ncia_Artigo.pdf

[3] Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/sites/bf96ce64-en/index.html?itemId=/content/component/bf96ce64-en#back-endnotea2z4


FELIPE FERNANDES REIS. Advogado, coordenador da equipe de Direito Econômico e Concorrencial do Malard Advogados Associados.Coordenador do Comitê de Compliance e de Regulação do Open Delivery. Graduado em Direito e Mestrando em Economia pelo IDP/Brasília. Membro Consultor das Comissões de Direito Econômico e de Energia da OAB/Federal; e membro das Comissões de Defesa da Concorrência e de Relações Governamentais e Institucionais da OAB/DF. Associado Internacional da American Bar Association (ABA), nos comitês de Antitrust Law; e Environment, Energy and Resource Law. Autor de artigos publicados em livros, periódicos e sites especializados de Direito Econômico e da Concorrência.

BIANCA XAVIER GOMES. Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela UCAM. Professora de Direito Tributário da FGV DIREITO RIO.  Técnica Contábil pela UCAW. Coordenadora da Pós-Graduação em Direito Financeiro e Tributário do CEPED/UERJ. Advogada.

A Tragédia dos Concorrentes Comuns

Maxwell de Alencar Meneses

Shlomo ben Dovid, no século X a.C. apregoou algo que ao contrário de algumas teorias e modelos vem sempre sendo testado e provado ao passar dos milênios: “O que foi voltará a ser, o que aconteceu, ocorrerá de novo, o que foi feito se fará outra vez; não existe nada de novo debaixo do sol. Será que há algo do qual se possa dizer: ‘Vê! De fato, isto é absolutamente inédito?’ Não! Já existiu em épocas anteriores à nossa”.

Essa afirmação, como pressuposto, nos permite entender como o ensaio publicado pelo ecologista Hardin em 1968 a respeito da exploração não regulamentada de recursos naturais[i], que se baseou, por sua vez, em escrito do matemático William Forster Lloyd de 1883[ii] com referências a vilarejos medievais, pode ser recorrentemente aplicado e avaliado em contextos atuais. Se bem que Moshe ben Aharon, ainda no século XIII a.C., já havia recomendado a propriedade privada e o descanso da terra a cada 7 anos, o que hoje podemos perceber claramente sob a roupagem da rotação de culturas defendida pela Embrapa ou do pagamento pelo não cultivo feito nos EUA, como um antídoto para algumas condições abordadas por Hardin na Tragédia dos Comuns.

O interessante dessas condições é que são fruto da observação, ainda que indireta, de cenários práticos, a exemplo de outros grandes pensadores, como Arquimedes, que teria descoberto a Lei da Flutuação e gritado ‘Eureka’ nu durante o banho, e a história da maçã que teria inspirado Newton à descoberta da Lei da Gravidade.

De forma análoga, pode-se dizer que Brasília, o Brasil, o brasileiro e a dinâmica da concorrência entre as empresas proporcionam histórias e dimensões a serem observadas, a fim de extrair ou confirmar leis ou princípios subjacentes, semelhantes a algoritmos que ditam como o mundo funciona. Neste contexto, estas dimensões são percorridas aqui de modo exploratório para provocar uma melhor reflexão acerca do seu funcionamento e sua influência conjunta para somatização de seus efeitos.

A iniciar por Brasília, que em geral é considerada uma cidade não comum, embora Palmas tenha se utilizado de conceitos e formatos de Brasília, a capital do Brasil é, no entanto, um palco do comum. Os criadores da cidade, simpáticos a ideias comunistas (do latim ‘communis’, que significa comum ou compartilhado), implementaram esses conceitos de forma evidente na cidade. Os blocos de apartamentos parecidos entre si, que se assemelham a prédios moscovitas de períodos próximos e contam com algo impensável em outras capitais: não há cercas, ao contrário, livre trânsito por baixo dos prédios, garantido pelos pilotis. Já se discutiu o cercamento por questões de segurança, mas a ideia não evoluiu para não descaracterizar o tombamento da cidade.

A Área Octogonal Sul, também idealizada por Lúcio Costa, se difere por ser o primeiro local em formato de condomínios fechados de prédios em Brasília, e ainda hoje é a única área com as características urbanísticas similares ao plano piloto que tem esse privilégio. Aí que a tragédia se manifesta, como se fosse por um refrator de greens, aquele aparelho usado pelo oftalmologista mudando lentes e perguntando: ‘Está melhor ou está pior?’ Dentro dos alambrados da quadra, o ‘está melhor’ – jardins perfeitamente cuidados, limpeza e beleza – mas entre as quadras há a área dos comuns, o ‘está bem pior’, que é de responsabilidade pública e também de todos – uma sujeira e morosidade para manter as coisas em ordem – a terra de ninguém aludida pela ‘Tragédia dos Comuns’.

O que é curioso é que o problema parece que não reside no uso incorreto ou excessivo de recursos, que em tese seria evitado se disciplinado pelo Estado. Os moradores são ocasionalmente vistos cuidando das áreas comuns, plantando e cuidando de árvores, além de financiarem melhorias identificadas como custeadas pela comunidade em tais áreas. A verdadeira tragédia ocorre quando o Estado assume a responsabilidade pelo cuidado de algo, que foi tornado comum.

No Brasil, mais especificamente na extremidade sul, Porto Alegre, há um parque chamado Parque Moinhos de Vento (ou ‘Parcão’) que abriga a Escola Estadual Uruguai, formadora de especialistas em vários campos. Um cenário bonito, com semelhanças ao europeu, com patos e outras aves aquáticas, algo que seria impensável em certo período em Belém do Pará, no lado oposto do Brasil, cidade que tem em sua culinária o apreciado Pato no Tucupi. Belenenses de mudança para Porto Alegre ficavam admirados de como os patos ficavam ali e ninguém os pegava, até que o fizeram: a própria Prefeitura de Porto Alegre e uma ONG. Mas foi para a proteção dos patos, que sempre estiveram lá de acordo com moradores. Agora o parque está mais parecido com outros parques, mais comum, sem algo que o caracterizava.

Sequindo com essas reflexões e testes de cenários, sem a intenção de representar quaisquer opiniões institucionais ou pessoais, observa-se agora a história dos brasileiros, que, por esse termo, se diferenciam de outros gentílicos[iii]. Esse gentílico específico, caracterizado pelo uso do sufixo ‘-eiro’, explicita que poderiam ser ‘brasilenses’ como os canadenses, ‘brasilianos’ como os italianos, ou ‘brasileses’ como os portugueses.

No entanto, são chamados de ‘brasileiros’, assim como engenheiros, padeiros, açougueiros e assim por diante. Esse nome historicamente evoca a ideia de trabalhar na exploração de uma terra comum, em vez de indicar propriedade sobre ela. O que conferiria um maior teor de cuidado e zelo, para além da extração ou distribuição de riquezas sem pensar no amanhã, algo que poderia ser chamado de patriotismo, representando um senso de proteção e cuidado.

Trata-se de uma dimensão importante porque, como diz o bom senso comum: ‘Se você dominar as palavras, dominará o pensamento e tudo mais que daí é proveniente’. Há um fluxo bidirecional entre palavras e comportamentos que também é vivenciado no Brasil, como exemplificado pelo mote: ‘Sou brasileiro, não desisto nunca! ”, que foi personificado pela população em geral.

Antes de prosseguir, relembra-se que foram tocadas as dimensões Brasília, Brasil e brasileiro, no sentido de estabelecer um breve pano de fundo a partir de histórias que ilustram efeitos observados ao tornar algo comum. O que aqui inclui tanto o sentido de igualar e deixar de ser original, quanto o sentido de partilhar e ceder a uma administração coletivista, ou seja, englobando ambos os aspectos resultantes dessas considerações, investigando sua inter-relação.

Quanto às empresas, estas também podem ser tornadas comuns. No livro “A Estratégia do Oceano Azul”, escrito por W. Chan Kim e Renée Mauborgne, são explorados conceitos e desafios do ponto de vista dos empreendedores. O “oceano azul” representa um espaço de mercado com pouca concorrência; a metáfora evoca a imagem de um oceano sereno, claro e tranquilo, como aqueles retratados em filmes de mergulho turístico. Em contrapartida, o “oceano vermelho” é uma metáfora para um espaço onde a competição é feroz e acirrada, semelhante a tubarões em frenesi, cada um lutando agressivamente para obter uma fatia da caça, e o resultado é a água cristalina do oceano azul se tornando turva de vermelho. O que caracteriza o oceano vermelho. Pode-se notar uma certa analogia com o uso de recursos limitados de mercados saturados por concorrentes comuns.

Como história de exemplo, a LATAM, anteriormente conhecida como TAM (acrônimo de Transportes Aéreos Marília), empregou uma estratégia inteligente que foi fundamental para seu sucesso no mercado de aviação. A empresa, fundada pelo Comandante Rolim Amaro, diferenciou-se de forma inusitada ao optar por adquirir aeronaves Fokker 100. Essas aeronaves se destacaram não apenas pelo número de passageiros que podiam acomodar, mas também por sua capacidade de operar em aeroportos regionais que não estavam na mira das principais companhias aéreas (tubarões) da época.

Essa estratégia pode ser comparada à tática militar de “cabeça de praia” ou “cabeça de ponte” utilizada na Segunda Guerra Mundial, na qual uma pequena porção do território inimigo é conquistada como ponto de partida para uma expansão posterior. A LATAM aplicou essa abordagem de forma eficaz para aumentar sua penetração e participação no mercado.

Vale mencionar que, na época, não havia um regulador limitando artificialmente alguns aeroportos do mesmo modo como pode se observar hoje, o que pode ser um fator que permitiu à LATAM uma maior flexibilidade em suas operações e na escolha de aeroportos regionais estratégicos.

Essa estratégia de diferenciação, assim como outras, foi fundamental para o sucesso da LATAM. Afinal, quantas outras empresas tinham o próprio dono envolvido na tarefa de destacar o ticket de embarque e dar atenção aos passageiros durante o embarque em Congonhas? O jeito TAM de voar. Essa expansão inteligente contribuiu significativamente para a LATAM se tornar uma das principais companhias aéreas da América Latina.

Em mais uma história, constata-se que quando Bezos fundou a Amazon, sua ideia inicial era estabelecer uma livraria. No entanto, a diferença estava no fato de que essa livraria seria online, o que já era um passo à frente em relação ao convencional. Mas não parou por aí. Seu objetivo era oferecer o maior catálogo de livros disponíveis, e, na verdade, já nos anos 90, havia livros que só podiam ser encontrados na Livraria Cultura da Avenida Paulista e, em último caso, se você não conseguisse encontrá-los lá, poderia verificar na Amazon, onde quase certamente o encontraria. Desde então, a empresa vem ampliando suas diferenças, fugindo do comum e sendo criticada pelos frutos de ousar sair do comum, ao qual muitos acreditam que deveria aderir.

Em comparação, a Xerox foi uma empresa que veio produzir uma grande quantidade de patentes de inovação. A Ethernet desenvolvida pelo Xerox PARC (Palo Alto Research Center) é a tecnologia utilizada para comunicação de dados em redes locais de computadores, assim como o mouse, a GUI (interface gráfica de usuário), um dos primeiros PC´s, NLP (Natural Language Processing) base para a Inteligência Artificial e muitas outras inovações em uso hoje[iv]. Mesmo assim não teve capacidade de se diferenciar por isso, a antes vantagem da marca Xerox, sinônimo de cópia, que era sinal de poder de mercado, torna-se sinal do comum, afinal todos tiram Xerox ou cópia.

No Brasil, a Xerox buscou se diferenciar da concorrência ao oferecer serviços que incluíam o fornecimento de material de consumo. No entanto, a empresa foi condenada pelo Cade e posteriormente pelo TRF devido à litigância de má-fé contra o Cade. Sem entrar em discussões sobre a correção dessas decisões, interessa abordar um outro aspecto.

Em mercados altamente competitivos, como o setor de cópias, onde a competição frequentemente se transforma em uma batalha de preços – o mencionado “Oceano Vermelho” – é comum que os concorrentes tradicionais sacrifiquem critérios que podem ser considerados dispensáveis, como a qualidade dos insumos, a fim de oferecer preços mais baixos. Em sentido análogo, percebe-se que até mesmo companhias aéreas premiam pilotos por redução de custos com combustíveis. Quando se constata casos de queda de avião por falta de combustível, chega-se ao ponto de inferir o quanto a luta por margens de lucro em meio a concorrência entre comuns pode ser uma tragédia e refletir o quanto a ação antitruste, assim como outras ações do Estado podem limitar movimentos de negócios que levem empresas a Oceanos Azuis.

Uma lógica semelhante pode ser observada na decisão de multar a Uber em um valor bilionário e obrigá-la a contratar todos os motoristas. Essa abordagem faz sentido do ponto de vista de buscar a uniformidade (comum), afinal, se todas as empresas teoricamente seguem as leis trabalhistas (CLT), por que permitir que a Uber escape desse padrão e busque diferenciação? Deve-se buscar a igualdade, caso contrário, a substitubilidade pode ser prejudicada e margens de lucro excessivamente elevadas podem ser alcançadas, o que não seria desejável dentro dessa linha de raciocínio.

Ataviando os fios das histórias aqui percorridas, depreende-se, como mencionado anteriormente, que essas histórias seguem um ciclo que se repete através das eras, hoje chamado algoritmo. Sendo que é perceptível o potencial dano que pode ser causado quando dimensões fundamentais como as apresentadas são tornadas comuns nesse sentido ambivalente e diferente aqui aventado, seja em relação à terra, cidades, empresas ou indivíduos. Esse dano que enseja a tragédia dos concorrentes comuns é ainda mais acentuado quando percebemos como essas dimensões podem eventualmente ser interconectadas.

Um povo que não compreende que o que é público realmente lhe pertence atribui um valor insignificante a essa propriedade e tem por como se fosse sua obrigação explorá-la. O que resulta em um inconsciente coletivo permeado de um olhar genérico de permissividade, mesmo quando se trata de empresas. Muitos indivíduos acabam enxergando essas entidades como algo que, no fundo, também não pertencem a ninguém em particular, mas sim como algo de valor social comum a todos. Por conseguinte, suscitando a legitimidade para regular, em outras palavras, as padronizar, tornando-as tão uniformes quanto o vasto conjunto habitacional que Brasília aparenta ser quando observada de cima de sua Torre de TV.

Em conclusão, essa homogeneização e a perda de identidade podem acarretar “buracos negros” de ações predatórias no ambiente em que ocorrem, tanto para o patrimônio público quanto para o empreendedorismo. A ausência de um senso de propriedade e responsabilidade pode resultar na degradação de elementos fundamentais que compõem a sociedade, como a capacidade de pensar diferente, primeira baixa quando a igualdade forçada suprime a identidade e a propriedade, além da perda do senso de pertencimento e individualidade que são fundamentais para a preservação e prosperidade do povo brasiliano.


[i] Hardin, G. (1968). The Tragedy of the Commons. Fonte: The Garrett Hardin Society: https://www.garretthardinsociety.org/articles/art_tragedy_of_the_commons.html

[ii] W. F. Lloyd, Two Lectures on the Checks to Population (Oxford Univ. Press, Oxford, England, 1833), reprinted (in part) in Population, Evolution, and Birth Control, G. Hardin. Ed. (Freeman, San Francisco, 1964), p. 37.

[iii] Rodrigues, S. (2020). ‘Brasileiro’, a palavra, já nasceu pegando no pesado . Fonte: Sobre palavras: https://veja.abril.com.br/coluna/sobre-palavras/brasileiro-a-palavra-ja-nasceu-pegando-no-pesado/

[iv] parc. (s.d.). Fonte: PARC History: https://www.parc.com/about-parc/parc-history/

Combate à violência de gênero – Aplicação da tese da ‘Legítima Defesa da Honra’[1]

Pedro S. C Zanotta & Dayane Garcia Lopes Criscuolo

Em 2022, de acordo com o Monitor da Violência do site g1, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com base nos dados oficiais dos estados e do Distrito Federal, 1,4 mil mulheres foram mortas apenas pelo fato de serem mulheres, crime caracterizado como feminicídio[1]. Esse grave cenário se dá em razão de estarem enraizados, no cerne de nossa sociedade, conceitos e valores machistas, dos quais há tempos[2] tentamos nos desvencilhar.

Dentro deste contexto, no dia 01° de agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF)[3] afastou, definitivamente, o uso da tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio. Referida decisão é um marco importante no combate à violência de gênero que assola nossa sociedade e que mata mais mulheres do que o câncer e os acidentes de trânsito[4][5].

Para explicar melhor, a tese da legítima defesa da honra defende a ideia de que é legitima a absolvição do réu/homem que, comprovadamente, pratica feminicídio em defesa de sua honra. Esta tese decorre da herança do patriarcado que carregamos, no sentido de que o homem, chefe da casa, é o detentor/possuidor de sua esposa e, portanto, com ela pode agir da forma como bem entende, de modo corretivo e violento.

Esses valores e comportamentos foram, por muito tempo, aceitos pela sociedade e até mesmo chancelados pelo direito. Neste sentido, a decisão proferida pelo STF destaca os principais pontos de nossa legislação que culminaram no surgimento da tese, já que a honra masculina já foi um bem jurídico protegido pelo nosso ordenamento.

Neste sentido, a decisão esclarece que à época do Brasil colônia, desde o ano de 1605, os portugueses adotaram as Ordenações Filipinas, que tutelavam o “poder do homem sobre o corpo e a vida da mulher” no Livro V, Título XXXVIII (“Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assi a ella”). Explica a Min. Carmen Lúcia, em seu voto, que o assassinato da mulher era um meio de afastar do marido a pecha da traição, já que o adultério colocava à prova a masculinidade do marido traído. Citando Sandra Ornellas, explica, ainda, que essa legislação, aliada aos valores culturais dos colonizadores, relacionavam a honra masculina ao comportamento feminino; a preocupação com os laços consanguíneos, com a patrilinearidade, que passavam de geração para geração, não só a herança, como também a honra da família.

Já os Códigos Criminal do Império e do Regime Republicano, posteriores às Ordenações Filipinas, embora não autorizassem expressamente o direito de o homem matar a sua esposa, passaram a considerar, apenas formalmente, o homem como sujeito potencial da prática do crime de adultério. Para tanto, deveria haver prova de que mantinha uma relação estável com sua amante, na medida em que eram normalizadas e aceitas pela sociedade as relações extraconjugais do homem. No entanto, no que concerne à mulher, bastava a presunção do adultério, destacando evidente diferenciação entre os requisitos para configuração do crime, dada a discriminação em relação ao gênero do agente.

Com a promulgação do Código Penal de 1940, esta diferenciação quanto à tipificação do crime, com base no gênero do agente, deixou de existir, não se exigindo mais a comprovação de relacionamento permanente com relação ao adultério masculino. No corpo do novo Código, no entanto, permaneceram diversas expressões discriminatórias (“mulher virgem”, “mulher honesta” etc.). Isto quer dizer, nada mudou culturalmente, pois a cobrança social e política apenas da mulher continuou, sendo ela considerada como propriedade do homem e sua exclusividade sexual[6].

Essa cobrança podia ser verificada, ademais, na legislação civil. O Código Civil de 1916 determinava serem relativamente incapazes as mulheres casadas; dispunha acerca da submissão da mulher ao homem na sociedade conjugal; preconizava ser o marido o chefe da sociedade conjugal e ter a mulher o dever de velar pela direção material e moral da família; determinava atos que a mulher não poderia praticar sem a autorização do marido.

Depreende-se, desta forma, que havia uma contaminação sistêmica do direito brasileiro, que culmina na ideia de submissão dos direitos das mulheres aos interesses do homem e que relaciona a honra masculina ao dever da mulher. Carmen Lúcia, explica, ainda, citando Margarita Danielle Ramos, o dever de a mulher, com sua castidade e fidelidade, sustentar a legitimidade do sangue, fator de honorabilidade de seu pai e marido, sendo a infidelidade perigosa por duas razões: desonra do pai e marido, e o risco de trazer para o seio familiar filhos ilegítimos.

Essa contaminação sistêmica ficou ilustrada no caso emblemático envolvendo o assassinato da socialite Ângela Diniz[7], crime passional com grande repercussão e mobilização da opinião pública. Ângela foi morta a tiros por seu marido, o empresário Raul “Doca” Fernandes do Amaral Street, no dia 30 de dezembro de 1976, em Búzios, no Rio de Janeiro que, em um primeiro julgamento, foi condenado a dois anos de prisão, com o direito de cumprir a pena em liberdade.

Em sua tese de defesa, seu advogado alegou ter ele matado por amor e agido em legítima defesa de sua honra. Essa argumentação causou forte controvérsia, protestos populares e a organização de um movimento feminista “quem ama não mata”, que impulsionaram pedido de revisão pelo promotor e levaram Doca a um segundo julgamento, no qual foi condenado a 15 anos de prisão em regime fechado (ele depois obteve liberdade condicional).

Esse caso ganhou forte repercussão em razão de envolver pessoas da alta sociedade brasileira, o que levou a imprensa a veicular todos os seus passos, desde a descoberta do crime, enterro de Ângela, missa de sétimo dia, investigações e, posteriormente, todos os passos de Doca. Interessante notar que, em pesquisa realizada pela Rádio Novelo, disponibilizada em seu podcast Praia dos Ossos, verifica-se que, durante a investigação realizada, muitas foram as tentativas de justificar a conduta de Doca e de imputar a culpa pelo acontecido à vítima, em razão de Ângela ter um comportamento considerado muito à frente de sua época. O podcast relata, inclusive, reportagem na qual Doca foi mencionado como vítima.

Os desdobramentos decorrentes do assassinato de Ângela, retratam não só inúmeras tentativas de se culpar a vítima pela agressão ou, ainda, pelo seu próprio assassinato, cenário que só é encontrado em casos de feminicídio, jamais quando o corpo encontrado é masculino. Retrata também que a comoção popular[8], que causou a reviravolta no caso e a condenação de Doca, deu-se porque a imprensa esteve presente retratando os detalhes do crime, por envolver atores da alta sociedade, o que foi considerado um escândalo à época. No entanto, pergunta-se, quantos outros crimes não ocorreram nessa mesma época, nos quais o homem saiu pela porta da frente da delegacia ou do tribunal, sob o argumento de que sua honra valia mais do que a vida de sua namorada, companheira, esposa e até mesmo filha?

Voltando à análise da decisão proferida pelo STF, esta esclarece, ainda, que apenas com a promulgação da Constituição de 1988, essa diferenciação e submissão da mulher deu espaço ao tratamento idêntico a todo e qualquer cidadão, independentemente do gênero. Desta forma, homens e mulheres passam a ter os mesmos deveres e obrigações na sociedade e o Estado passou a ter o dever de instituir mecanismos para coibir a violência de gênero, doméstica, com intuito de construir uma sociedade justa e livre de preconceitos e discriminações.

Neste cenário, o Brasil assinou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Dec. n° 1.973/1996) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (Dec. n° 4.377/2002). Em 2006, foi editada a Lei Maria da Penha, regulamentando os direitos assegurados constitucionalmente e ratificados pelo Brasil por tratados de direitos humanos, com intuito de coibir as múltiplas formas de violência contra a mulher.

Como é possível depreender da leitura desse resumido contexto histórico apresentado na decisão do STF, a submissão da mulher perante o homem e de seu papel na sociedade, a ideia de ser a mulher propriedade do homem, seja de seu pai ou marido, ou de ser seu dever social a manutenção da honra do homem, ficaram impregnados na cultura de nossa sociedade. A cultura, por sua vez, é o conjunto dos valores, atos, ações, que são aceitos pela sociedade, que influenciam em todos os aspectos que a norteiam, como o direito, as reações e as relações sociais, e que são passados de geração para geração.

A sociedade, no entanto, sofre transformações, exigindo modificações no direito que deve acompanhar essas mudanças, tornando efetiva a sua tutela. No entanto, os valores que envolvem a sociedade, a cultura, necessitam de muito mais tempo para se transformar, o que pode ser verificado com a necessidade da assinatura de tratados, edições de leis e adoção de medidas visando ao combate da violência de gênero, que surge quando o homem, acostumado a ser chefe e dono, não atura o fato de não mais ocupar esse papel, reagindo com violência e, por vezes, matando.

E é nesse contexto que a tese da legítima defesa da honra surgiu, e criou suas raízes, absolvendo centenas de assassinos, com base na alegação de que sua honra, seu brio e seu orgulho valem mais do que a vida de uma mulher. Note que a referida tese é aceita há anos, enquanto vigente não só a Constituição Federal de 1988, que traz como princípios basilares a defesa da proteção à vida, da igualdade, da proteção dos direitos humanos, mas também todos os tratados assinados pelo Brasil e a Lei Maria da Penha.

A utilização desta tese como defesa perante os tribunais brasileiros, demonstra a tolerância da sociedade com relação à violência contra a mulher, já que a aceita mesmo sem ela apresentar qualquer amparo legal. E, diz-se isso porque, conforme esclarecido pelo Min. Dias Toffoli em seu voto, a legítima defesa da honra não é tecnicamente legítima defesa, já que seu desvalor reside no âmbito ético e moral, não havendo direito subjetivo de contra ela agir com violência.

De acordo com o artigo 23 do Código Penal, a legítima defesa é uma das causas excludentes de ilicitude. Já o artigo 25 do Código Penal esclarece que, entende-se por legítima defesa, “quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Adiciona Toffoli que por agressão injusta, entende-se aquela que ameaça ou lesa um bem jurídico; que há em nossa legislação a proibição do excesso, no sentido de que a defesa deve consistir no uso de meios proporcionais à agressão, isto é, suficientes para repeli-la; e que, com o objetivo de evitar que a autoridade judiciária absolvesse o agente movido por ciúme ou outras paixões e emoções, o legislador inseriu no Código Penal a regra do artigo 28, que dispõe que a emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade penal.

Desta forma, Toffoli conclui que a honra é um atributo pessoal, íntimo e subjetivo, cuja tutela se encontra delineada na Constituição, isto quer dizer, aquele que se vê lesado em sua honra tem meios jurídicos para buscar sua compensação. Neste contexto, aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério, não está a se defender, mas, sim, a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa.

E adiciona, que a legítima defesa da honra “normaliza e reforça uma compreensão de desvalor da vida da mulher, tomando-a como ser secundário cuja vida pode ser suprimida em prol da afirmação de uma suposta honra masculina”, o que está em descompasso com os objetivos fundamentais da Constituição, quais sejam, construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Trata-se de uma tese violadora dos direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres e, citando Silvia Pimentel, reforça que lançar mão dessa tese significa não o julgamento do crime em si, mas do comportamento da mulher, com base um uma dupla moral sexual, cabendo, assim, ao Estado não ser conivente e não estimular a violência doméstica e o feminicídio.

Neste sentido, a cláusula tutelar de plenitude de defesa do Tribunal do Juri[9], não pode constituir em um instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas, como o feminicídio ou qualquer outra forma de violência contra a mulher, já que no Direito brasileiro o bem considerado como mais valioso é justamente a vida. Assim, decidiu-se por obstar à defesa de um acusado, à acusação, à autoridade policial e ao juízo a utilização, direta ou indireta, da tese da legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese), nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

Assim, à unanimidade, a tese da legítima defesa foi julgada inconstitucional, e conferidos aos artigos 23, II 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao artigo 65, do Código de Processo Penal, uma interpretação conforme à Constituição, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa.

Como visto, a decisão proferida pelo STF é um importante marco no combate a violência de gênero e reforça as mudanças sofridas no âmbito de nossa sociedade, mas também demonstra o quanto a luta é árdua para afastar do cerne de nossa cultura os traços do machismo decorrentes do patriarcado, que marcou nossa legislação e ainda corrompe o pensamento de muitos brasileiros.

Preocupa o fato de a tese ter sido afastada apenas após passados mais de 34 anos da promulgação da Constituição, que reconheceu a igualdade, e este fato reforça a questão acerca da dificuldade de se mudar a cultura de um povo e, portanto, dos valores que o envolvem. No entanto, ao mesmo tempo, conforta, na medida em que a partir de agora nenhum homem poderá dar à sua honra, ao menos em nossos tribunais, mais valor do que a vida de uma pessoa, até porque, quem assim pensa, sequer honra tem a ser defendida.

Esse é um dos diversos e importantes passos dados pela sociedade e pelas Instituições brasileiras em busca da igualdade plena entre homens e mulheres. Chegará o dia em que olharemos para esses fatos e sentiremos a distância das atrocidades vividas pelas mulheres neste país, pois, sim e, de fato, todos serão verdadeiramente iguais em direitos e obrigações diante não só da lei, mas da sociedade como um todo.


[1] Fonte: RESENDE, Rodrigo. STF decide proibir uso da tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2023/08/01/stf-decide-proibir-uso-da-tese-de-legitima-defesa-da-honra-em-casos-de-feminicidio#:~:text=contra%20a%20mulher-,STF%20decide%20proibir%20uso%20da%20tese%20de%20leg%C3%ADtima%20defesa%20da,Weverton%20(PDT%2DMA). Acesso: 30.08.23.

[2] Os primeiros núcleos em defesa dos ideais feministas surgiram no Brasil no século XIX. Já no século XX, houve uma diversificação dos feminismos no Brasil, que iam desde uma tendência mais conservadora (feminismo “bem-comportado”) até o feminismo mais incisivo. No entanto, foi em 1960 que o movimento ganhou força, reafirmando a necessidade da luta contra “opressões sistemáticas”. Fonte: Feminismo no Brasil. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/feminismo.htm#:~:text=Entre%20as%20d%C3%A9cadas%20de%201930,pelo%20governo%20de%20Get%C3%BAlio%20Vargas. Acesso em 12.09.2023.

[3] Decisão proferida no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, registrada sob nº ADPF 779, requerente Partido Democrático Trabalhista.

[4] Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Precisamos falar sobre Violência Contra as Mulheres. Disponível em: https://www.defensoria.rs.def.br/upload/arquivos/202303/08151229-precisamos-falar-sobre-violencia-contra-a-mulher.pdf . Acesso 30.08.23.

[5] De acordo com dados que constam na decisão, 40% de todos os assassinatos de mulheres registrados no Caribe e na América Latina, ocorrem no Brasil; no Estado de São Paulo, a cada 60 (sessenta) horas, uma mulher é vítima de feminicídio; de acordo com dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, entre 2014 e 2018, a cada 4 (quatro) minutos, uma mulher foi agredida por um homem no Brasil; 1 (um) feminicídio a cada 7 (sete) horas no Brasil.

[6] O adultério deixou de ser crime no Brasil apenas em 2005, com a edição da Lei 11.106/2005.

[7] Fonte: Assassinato de Ângela Diniz. Disponível em: https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/assassinato-de-angela-diniz/noticia/assassinato-de-angela-diniz.ghtml . Acesso em 12.09.2023.

[8] Importante esclarecer, neste ponto, que houve comoção apenas de uma parte da população, já que muitos foram os apoiadores de Doca, dentre eles muitas mulheres, que não estavam de acordo com o modo de vida escolhido por Ângela. As pessoas chegaram, inclusive, a fazer camisetas com a foto de Doca para apoiá-lo.

[9] Os crimes contra a vida são julgados no Brasil pelo Tribunal do Juri. A plenitude da defesa é princípio essencial à instituição do Tribunal do Juri e está disposta, na Constituição Federal, no rol de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, XXXVIII, a). Por meio deste princípio, restou assegurado aos réus a apresentação de argumentos jurídicos e não jurídicos (morais, políticos, sociológicos etc.) para a formação do convencimento dos jurados.


[1] Mais informações: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6081690


Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Magistratura – EPM. Mestre em Cultura Jurídica pelas Universitat de Girona – UdG (Espanha), Università degli Studi di Genova – UniGE (Itália) e Universidad Austral de Chile – UAch (Chile). Aluna do Programa de Doutorado da Universidad de Buenos Aires – UBA (Argentina). Membro dos comitês de Mercados Digitais e Direito Concorrencial do Instituto Brasileiro de Concorrência, Relações de Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). Pesquisadora REDIPAL – Red de Investigadores Parlamentarios en Línea de la Cámara de Diputados de México. Autora de diversos artigos relacionados ao Direito da Concorrência, Direitos Humanos e questões de gênero.


O Comércio Internacional da China e a Política Antitruste

Cristina Ribas Vargas

Estudar a economia chinesa é sempre um desafio gigantesco, não só pela dimensão geográfica e populacional do país, como pelas peculiaridades de sua cultura de mais de quatro mil anos, distribuídas por vinte e duas províncias, cinco regiões autônomas (Guanexi, Mongólia interior, Ningxia, Xinjiang e Tibete), quatro municípios e duas regiões administrativas. Sobretudo as peculiaridades históricas atinentes à sua prática comercial internacional nos leva a refletir sobre como esse país encara a política antitruste e o próprio sentido da concorrência.

Breve histórico das origens do Comércio e Concorrência na China

A estratégia dos Chineses durante a conformação geográfica do país, por volta de 119 a.C., objetivava evitar as invasões de suas fronteiras, ao mesmo tempo em que buscava garantir a continuidade de suas transações comerciais. Antes de expulsarem os povos nômades (particularmente os Xiongnú) das aéreas de fronteira por via militar, curiosamente os chineses procuraram transformar os seus costumes. Durante muitos anos, a fim de conter as invasões, os chineses presenteavam os nômades com os produtos disponibilizados na rota da seda, produtos diferenciados, considerados artigos de luxo no comércio internacional. Os tecidos de seda de alta qualidade eram os principais artigos, além da porcelana, especiarias e até mesmo produtos com algum grau de inovação, como as lanternas de azeite de peixe para iluminação. O comércio era regulamentado por uma estrutura formal, e toda transação ocorrida no corredor de Ganzu era registrada. Todos os comerciantes estrangeiros que ingressavam no país eram registrados, assim como, todos os valores de sua movimentação comercial. Para o controle efetivo das contas os comerciantes estrangeiros deveriam seguir uma rota estabelecida e fiscalizada pelo governo. Há mais de dois mil anos esse intenso comércio já era um fato, gerando oportunidades, conflitos e incentivando avanços técnicos. Por volta do século I a.C. a expansão do Império Romano rumo ao oriente resultava na dominação do Egito e alcançava a Índia, onde ocorria intenso intercambio comercial. O acirramento do conflito religioso na região do oriente médio intensificou-se até meados do século VIII, quando os mulçumanos tentavam avançar até fronteira ocidental da China, tomando os corredores comerciais da região, e até o século XIV, a China continuaria sofrendo com as invasões dos Mongóis pelo norte, e pela disseminação da Peste Negra. Mesmo durante esse período intenso de invasões bárbaras a China ainda era considerada como um país seguro para o trânsito comercial, oferecendo o controle e a segurança para os comerciantes estrangeiros que lá ingressavam. Após a peste Negra e o renascimento da Europa, o fluxo comercial marítimo conduz a relações comerciais mais intensas entre Europa, Índia e China. Contudo é somente no século XVIII que a Inglaterra supera técnica e cientificamente a China, passando a impor, nos países onde possui influência colonial, restrições comerciais `a China. No Brasil, com a chegada da família imperial em 1808, a Inglaterra exigia a substituição dos produtos chineses pelos ingleses por meio de decretos imperiais impresvistos, a serem executados em curtíssimo prazo. Esse foi o caso da substituição dos telhados em formato de pagoda na cidade do Rio de Janeiro, que deveriam ser substituídos por seus proprietários no prazo máximo de uma semana. Produtos antes apreciados pelos brasileiros tornaram-se objeto de uma política de “desassombramento”, que visava extirpar da cultura brasileira os “costumes bisonhos” de consumir produtos chineses. Em 1839 a Guerra do Ópio marcaria de forma militar invasiva a tentativa de colonização britânica da China. E posteriormente, a invasão japonesa durante a II Guerra Mundial seria a última grande tentativa de dominação do território Chinês. A partir daí a China enfrenta o dualismo interno entre uma proposta econômica do partido nacionalista Kuomitang e do Partido Comunista Chinês, que assume o poder em 1949. Após tantas tentativas de invasões territoriais, enfrentamento de políticas restricionistas e dificuldades de unificação de diversas culturas em diferentes províncias, em meio a um ambiente conflituoso da Guerra Fria, e sob o jugo da União Soviética, o que se percebe é uma China lutando para manter seu processo de consolidação nacional. Após o fracasso resultante do plano de Mao Tse Tung “Grande Salto à Frente” a China decide retomar em 1978 o caminho que desde suas origens lhe parecia natural, qual seja, a retomada de suas relações comerciais com o mundo. Dessa vez surge um processo inovador, de estímulo de parcerias entre as grandes empresas estatais e empreendimentos individuais, conformando o que se convencionou chamar de uma economia socialista de mercado, orquestrada por Deng Xiaoping. Essa dinâmica promovida por um sistema intenso de exportações inicialmente de produtos de menor valor agregado e posteriormente de produtos intensivos em tecnologia, resultou na economia com as maiores taxas de crescimento do inicio do século XXI. Não obstante, o mundo questionava-se sobre como o país, comandado pelo partido comunista, lidaria com a crescente concentração de riqueza nas mãos de alguns poucos capitalistas chineses, e sobre como atuaria para fiscalizar possíveis abusos do poder econômico advindo desse novo cenário.

O Caso das Empresas Intensivas em Tecnologia

Em 2021 o governo Chinês estabeleceu como uma das prioridades para o país a implementação de políticas regulatórias antitruste. Ainda em 2021 impôs uma multa de 2,8 bilhões de dólares à empresa Alibaba, o que corresponderia a 4% do total do faturamento da empresa em 2019. Após a investigação a conclusão foi de que acordos de negociação exclusiva impediam os comerciantes de venderem seus produtos em outras plataformas além da Alibaba.  Além disso, ainda em 2020 o governo já havia imposto restrições sobre o funcionamento da Fintech Ant Group, da empresa de tecnologia Didi Global e da gigante de entregas Meituam sobre a constituição de uma cadeia monopolista. Quanto ao segmento de educação on-line o governo Chinês chegou a alegar que o projeto de educação fora seqüestrado pelo capital, e tem tratado de implementar uma nova estrutura regulatória para o segmento.

Enquanto nos EUA há um predomínio das empresas de inovação em tecnologia, as Bigtechs, na China a liderança é das empresas de transmissão de dados. Enquanto o governo Chinês acreditava que era benéfica a competição dessas empresas com gigantes americanas, permitiu sua instalação na região do Caribe, e a parceria entre empresas de  inovação dos EUA e de transmissão da China. Não obstante, cada vez mais, ambos os países demonstram preocupações com as informações de posse dessas empresas. Sob esse argumento a China reviu a estratégia para instalação e cooperação com empresas dos EUA via região do Caribe.

Essa postura da China, de impor limites à atuação das bigtechs chinesas, bem como, às parcerias com empresas de tecnologia estrangeiras, tem sido apontada pelos críticos à política chinesa como excesso de intervenção do Estado. Por outro lado, pode significar importante estratégia, para ganhar vantagem contra seu principal rival, na liderança em inovações em produtos de valor agregado elevado. Neste caso, a política de incentivo às pequenas empresas do segmento de inovação na China pode ter importante papel, ao evitar-se que sejam restringidas pelas gigantes. Já foi anunciado pelo governo o desejo de incentivar parcerias entre governo e empresas nos segmentos de inteligência artificial e semicondutores. Conforme Angela Zhang o caso do Alibaba levou apenas quatro meses para a aplicação da decisão da autoridade antitruste, conferindo maior segurança e confiança ao ambiente institucional. Em comparação acredita que as autoridades antitruste de EUA e União Européia devem demorar anos para impor limites a casos que envolvem grandes empresas.

Aplicação da Lei Antimonopólio na China em 2023.

O governo Chinês deixou claro que a regulação dos mercados e a aplicação da legislação antitruste está fortemente vinculada à política de desenvolvimento definida pelo governo. Enquanto nos EUA a ação antitruste tem como objetivo precípuo a proteção ao consumidor, na China ela segue pari passu os objetivos da política governamental. Além disso, o governo chinês compreendeu a necessidade de sinalizar ao mercado que sua intervenção visa uma coordenação que busca equalizar as já conhecidas falhas de mercado.

Nesse sentido, em junho de 2023, a Administração Estatal de Regulamentação de Mercado da China (SAMR) divulgou o Relatório Anual sobre a Aplicação da Lei Antimonopólio na China (2022). Neste Relatório destacam-se alguns dispositivos que visam conferir limites à atuação do agente estatal, na prevenção do abuso de poder administrativo:

Conforme o artigo 13.º da Lei Antimonopólio, a Administração Estatal de Regulação dos Mercados autoriza todas as províncias, regiões autônomas, departamentos de supervisão e administração do mercado dos governos dos distritos e municípios diretamente subordinados ao Governo Central a aplicação da Lei Antimonopólio, incluindo seus dispositivos que tratam do abuso do poder administrativo.

As organizações não devem abusar do poder administrativo ao restringir ou operações comerciais de unidades ou indivíduos nas seguintes situações: ao tratar as bases de dados, ao disfarçar restrições a unidades ou indivíduos que realizam operações comerciais, prejudicar outras partes ao assinar acordos de cooperação, memorandos, etc. com outros agentes econômicos, impedir ou restringir a livre circulação de mercadorias entre regiões. Ainda, não poderá ser praticado abuso do poder administrativo para coagir operadores estrangeiros a realizar determinados investimentos em escala e local definido pelo poder administrativo.

Ainda, as organizações não devem abusar do poder administrativo para forçar pública ou secretamente os operadores a se envolverem em atividades de monopólio estipuladas na Lei Antimonopólio.

Ademais, as agências de aplicação da lei antimonopólio deverão, de acordo com os seus poderes, encaminhar relatórios às autoridades superiores se for encontrada qualquer suspeita de abuso do poder administrativo.

Assim, em que pese o caráter extremamente peculiar da sociedade chinesa, em que a simbiose entre Estado e mercado ainda está em plena ebulição, influenciando diretamente sua relação com o resto do mundo, podemos identificar no Relatório Antimonopólio um esforço em garantir integridade aos processos de defesa da concorrência. Acompanhar os avanços na legislação e as práticas da China em matéria de antitruste sem dúvida parece ser indispensável na atualidade.

FRANKOPAN, Peter. O coração do mundo: Uma nova história universal a partir da rota da seda: o encontro do oriente com o ocidente.São Paulo: Planeta, 2019.

VARGAS, Cristina. O Crescimento Econômico da China entre 1952 E 2015: uma aplicação econométrica da Lei de  Thirlwall.

Disponível em https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/168625

Relatório Anual sobre a Aplicação da Lei Antimonopólio na China (2022).

Disponível em https://drive.google.com/file/d/14M4E9wdJeMeYCd7HbneDZrF5EuiZlz8w/view

WebAdvocacy. A Geopolítica na economia digital. EUA e China posicionados. Por anda a Europa? Editorial, 29 jan de 2023.

Disponível em https://webadvocacy.com.br/2023/01/29/a-geopolitica-na-economia-digital-eua-e-china-posicionados-por-onde-anda-a-europa/

CNN Brasil: China multa gigantes de tecnologia por violação de leis antitruste.

Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/economia/china-multa-gigantes-de-tecnologia-por-violacao-de-leis-antitruste/


Cristina Ribas Vargas. Doutora em economia do desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUC/RS e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.   Atuou como professora substituta na UFRGS e professora adjunta em instituições de ensino privado. É economista da Administração Pública Federal desde 2005, e atualmente está atuando na CGAA2 do Cade.


Legal certainty and cross-border investments: the Brazilian ACFIs – Agreements on Cooperation and Facilitation of Investments

Fernando de Magalhães Furlan

No investor, small or big, private or public, will put his assets somewhere with too many risks, with no stability or predictability. Capital is a very suspicious creature. It needs to be carefully persuaded, nurtured and constantly reassured.

In relation to Foreign Direct Investments (FDI), a way to guarantee all those things is the employment of investment agreements.

The pillars of investment agreements are risk mitigation and institutional governance. The aim is to stimulate business through legal guarantees for investors, intergovernmental cooperation and dispute resolution.

International investment agreements deal with substantive provisions, that is, the rules that a foreign investment must comply with so that it can be admitted and have the right of establishment in the country that will receive that investment. In turn, the country receiving the investment must also comply with certain rules to guarantee protection, isonomy and impartial treatment of the foreign investment made.

Currently, there is no multilateral investment agreement, due to the complexity of negotiating the provisions of the agreement and the interests involved, despite the efforts made in this regard, mainly by the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD), with the attempt to establish the Multilateral Agreement on Investments – MAI, between 1995 and 1998. This difficulty is mainly due to the divergence of objectives between investor countries (capital exporters) and investment recipient countries (capital importers) and the lack of trust between these countries in relation to the investment environment that involves the following factors: governance, credibility of public and private institutions, legal framework, sector regulation, economic environment, transparency, predictability, among others, which can be characterized as political risk from the country.

On the side of countries interested in investing, there is a concern to protect investments to be made in other countries, that is, they seek to adopt a definition of investment as comprehensive as possible, so that all their assets and rights are protected by the agreement.

On the side of the countries receiving the investments, there is a concern to attract investments that provide an increase in the production of goods and/or services, an increase in the offer of jobs and allow the transfer of technology or of new management forms, to guarantee the improvement of productivity. For these countries, a more restricted definition of investment would be the most appropriate and is generally linked to the definition of direct investment, that is, productive and lasting investment.

Although there is no multilateral trade agreement to date, there are several international investment agreements signed bilaterally and other regional ones. Therefore, there is no specific agreement model, but most agreements deal with investment protection devices in which, generally, the broader scope and definition of investment by investor countries (capital exporters) prevails, to the detriment of the definition of investment defended by the investment recipient countries (importers of capital), more restricted.

In addition to the question of the scope and definition to be adopted in an investment agreement, there are other devices that are as or more complex than this one, such as: expropriation, transfers (capital movement), prohibition of performance requirements, dispute settlement, National Treatment (equivalence of treatment for national and imported goods/services), Most Favored Nation (if a country lowers its tariffs for one trading partner, it must lower it for all trading partners) and the right to regulate, which is directly related to maintaining the political space of the State.

Brazilian ACFIs – Agreements on Cooperation and Facilitation of Investments

Brazil, based on international experiences from other countries and international organizations, developed the ACFIs, whose main objectives are:

i) improvement of institutional governance.

ii) creation of risk mitigation mechanisms and dispute prevention.

iii) elaboration of thematic agendas for cooperation and facilitation of investments.

The proposal includes important elements for a positive agenda (creation of the Joint Committee, Ombudsman for Direct Investments and Thematic Agenda) and regulatory aspects (principles of national treatment and most favored nation, terms for foreign exchange remittances, direct expropriation, compensation for losses, liability corporate social, State-State dispute settlement mechanism, among others) that seek to mitigate the risks of Brazilian companies that invest abroad and of foreign companies that invest in Brazil.

The Brazilian approach emphasizes mechanisms of prevention of disputes based on dialogue and bilateral consultations, prior to the establishment of an arbitration panel.


Fernando de Magalhães Furlan. Antigo Secretario-Executivo do Ministerio do Desenvolvi mento, Industria e Comercio Exterior (MDIC) e assessor especial da CAMEX. Foi presidente do Conselho de Administracao do BNDES e da BNDESPAR. Foi presidente, conselheiro e procurador-geral do CADE. Foi também diretor do Departamento de Defesa Comercial (DECOM) e chefe de gabinete do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foi membro do Conselho de Administração da FINAME/BNDES. Atualmente e membro do grupo de especialistas do sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL e consultor ad hoc de projetos de defesa da concorrência das Nações Unidas (UNCTAD). É professor de direito em Brasília e atua, como professor ou pesquisador, em universidades e institutos no Brasil e no exterior. É consultor externo ou membro não-governamental de organizações e institutos brasileiros e estrangeiros e consultorias. Graduado em Administração pela UDESC/ESAG e em Direito pela UnB, tem mestrado e doutorado pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), com pós-doutorado pela Universidade de Macau, China.


A Competitividade Brasileira do Hidrogênio Verde e de Produtos Power-to-X1 

Katia Rocha e Nelson Siffert

Estudo recente da Fundação Fraunhofer analisa a competitividade de diversos países nas exportações de hidrogênio verde e seus derivados para o mercado alemão.  Apresenta resultados que podem servir de pontos de atenção ao formulador de política pública no desenvolvimento do mercado Brasileiro de hidrogênio verde.  

Um total de 39 regiões distribuídas globalmente entre 12 países desenvolvidos e emergentes foram analisados ​​em termos de suas energias renováveis e potencial de custo de produção e fornecimento de produtos Power-to-X1 (PtX). Através de abordagens de simulação e otimização, o estudo identifica regiões promissoras de produção e fornecimento de hidrogênio verde e derivados para cada um dos os locais identificados2

O Brasil foi selecionado para compor a amostra do estudo tomando como referência os custos de produção em três localidades situadas nos estados do Rio Grande do Norte, Bahia e Rio Grande do Sul.  

Os resultados estabelecem indicadores técnicos e operacionais úteis à modelagem econômico-financeira de futuros projetos de hidrogênio verde e derivados, destinados ao mercado externo, como os recentes Leilão H2Global e o Leilão Europeu. Também possibilita identificação de parâmetros críticos que impactam a competitividade do Brasil em relação a países peers no desenvolvimento da indústria de hidrogênio de baixo carbono, um dos objetivos do Programa Nacional de Hidrogênio.  

O Brasil aparece com posição de destaque na amostra, com maior competitividade na produção e exportação de alguns produtos PtX, em especial, do hidrogênio líquido e da amônia verde, com um preço CIF3 de EUR 5,71/kg para o hidrogênio verde líquido (LH2) e EUR 886/ton para amônia verde (NH3). Revela-se o mais competitivo (menor intervalo de custo nivelado LCoPtX) nesses produtos na amostra de 12 países como ilustra a Figura 1. 

Figura 1: Ranking de Competitividade H2V – LCoPtX para a amostra de países 

Fonte: Hank et al (2023)Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems ISE 

O resultado é significativo, uma vez que, estão previstos volumes expressivos de investimentos no desenvolvimento da economia do hidrogênio verde nos próximos anos. Estima-se cifras da ordem de US$ 9,4 trilhões até 2050, sendo US$ 3,1 trilhões direcionados para países em desenvolvimento. Desse total, 49% serão destinados ao segmento upstream (geração de energia solar e eólica); 25% no midstream (eletrolisadores) e o restante no segmento downstream (transportes e conversão)4

Ao Brasil, caberá uma parcela maior ou menor deste bolo, a depender da capacidade que tivermos de transformar a oportunidade aberta pela Transição Energética em algo realmente transformador, capaz de mobilizar decisões de investimentos. Para tal, o desafio consiste em formular políticas públicas que permitam nos valer das vantagens comparativas, transformando-as em verdadeiras vantagens competitivas. Sempre bom lembrar que a matriz elétrica Brasileira apresenta 83% de participação de fontes renováveis enquanto a média mundial é de apenas 28%5. Claramente uma vantagem comparativa que deve ser explorada.  

Variáveis Chaves para a Competitividade dos Produtos PtX no Brasil 

Boa parte da posição de destaque do Brasil decorre do baixo custo de produção de energia renovável, cujos LCOE’s alcançados foram de EUR  29/MWh e EUR 41/MWh, para energia solar PV e eólica, respectivamente.  

A elevada competitividade do Brasil nestas fontes é  decorrência de quatro fatores: i) boa performance dos ventos e da insolação em algumas regiões do nosso país, que se traduz em fatores de capacidade ou eficiência entre os mais elevados de toda a amostra; iii) complementariedade das fontes híbridas de geração solar e eólica viabilizando operar o eletrolisador com elevados fatores operacionais em sistemas offgrid (76-82%); iii) adensamento local da cadeia produtiva, proporcionando um ambiente com várias alternativas de provedores de equipamentos e serviços de engenharia e montagens voltadas para indústria de energias renováveis, viabilizando  valores para o Capex e Opex, abaixo daqueles observados nos países peers; e iv) estimativa de custo de capital relativamente baixo entre os países emergentes, da ordem 6,5% a.a6

Verifica-se que, no tocante ao hidrogênio verde na forma líquida e amônia verde, o Brasil seria capaz de apresentar-se como o mais competitivo entre os 12 países examinados. Essa posição decorre, em boa medida, dos indicadores relativos ao custo nivelado de produção da energia (LCOE) solar PV e eólica, bem como de sua complementariedade horária em sistemas offgrid

Foram considerados também as condições da infraestrutura portuária, de conexão à rede transmissão e ambiente de negócios favorável ao desenvolvimento de projetos, levando-se em conta a estimativa do custo de capital, específica para cada país. 

Tomando-se apenas o exemplo do produto amônia verde no Rio Grande do Norte, os investimentos totais estimados somam EUR 5,4 bilhões, sendo: EUR 3 bilhões voltados para o parque gerador de 3 GW de capacidade, sendo 1,8 GW eólico e 1,2 GW solar PV; EUR 750 milhões para 1 GW de eletrólise PEM; EUR 644 milhões para o sistema de transmissão; EUR 572 milhões para estocagem de hidrogênio; EUR 336 milhões para a unidade síntese e liquefação da amônia e EUR 84 milhões para a unidade de ASU. 

Ainda segundo o estudo, dada a alta complementariedade horária da geração solar e eólica observada no Rio Grande do Norte7 torna-se possível operar o eletrolisador com fator de capacidade de 76%, podendo alcançar 82%. Neste caso, a complementariedade horária da geração de energia entre as fontes eólica e solar torna-se relevante para a competitividade. A produção estimada de amônia verde alcança um volume de 560 mil ton/ano. 

Todavia, em que pese a aparente competitividade do Brasil, em termos globais, na economia do hidrogênio verde, alguns pontos merecem atenção. 

Quando se relaxa a hipótese de geração dedicada (offgrid), e se considera o custo de aquisição da energia por meio da rede básica, o Brasil apresenta um custo de aquisição de energia da ordem de EUR 150/MWh8. Este valor é cerca de 3 a 5 vezes maior que o custo de geração da energia eólica e solar PV. Sob esta ótica, que leva em conta o diferencial entre o preço marginal de geração e a tarifa, nossa posição cai para a 10ª posição entre os 12 países examinados.  

Porque a tarifa de energia do Brasil apresenta valores tão elevados para o MWh a despeito da nossa competitividade? Como a competitividade do hidrogênio verde e seus derivados pode ser afetada? 

A resposta passa pelo exame da composição da tarifa e dos diversos encargos setoriais do sistema elétrico. O MWh ao sair do parque gerador ao custo do LCOE, incorre, na partida, com a TUST-g, caso a unidade de geração seja conectada diretamente com a rede9. Nesta tarifa, que representa a potência contratada para injeção de energia na rede, está incorporado parte dos custos relativos aos encargos setoriais. Também em sua jornada até o uso final, antes de ser consumido pela eletrólise, o MWh incide o pagamento da TUST-c, relativa à potência contratada pelo consumidor da energia. Sendo assim, o uso do sistema de rede básica, implica em arcar com custos relativos às diversas políticas públicas incorporadas nas tarifas. 

A modelagem apresentada assume a hipótese de que o parque gerador se localizará a uma distância não maior que 100 km da unidade de produção de hidrogênio verde e seus derivados. Como a produção de PtX é destinada às exportações, faz sentido que sua localização ótima seja próxima aos portos10. Todavia, no caso brasileiro, é provável que um parque gerador do tamanho previsto para atender um eletrolisador de 1GW, venha se situar a uma distância maior que definida nos estudos, implicado em transitar pela rede básica, e, incorrendo nos custos relativos à TUST e respectivos encargos setoriais.  

Estudo do ICT RESEL aponta que os gastos com a TUST podem provocar um acréscimo no custo nivelado (LCOH) da ordem de até EUR 0,60/kg H2. Implicaria em uma diminuição da competitividade dos derivados de hidrogênio verde – PtX. Uma queda da primeira posição para posições ao final do ranking.  

Outras variáveis também poderiam ser analisadas, como por exemplo, o custo de capital atribuído ao Brasil de 6,5% a.a. É preciso cotejar este indicador com as práticas observadas no mercado brasileiro, que sinaliza percentuais mais elevados. A competitividade observada para o Brasil pode também sofrer alguns percalços neste quesito. 

Concluindo, o estudo da Fundação Fraunhofer, a despeito de colocar o Brasil em uma posição de destaque, retrata uma posição estática, como uma fotografia. Competitividade, por seu turno, é algo dinâmico, envolvendo a interação de múltiplas variáveis, inclusive de caráter institucional e regulatório. Não podemos nos “deitar em berço esplêndido” e perder o foco, pois nossos competidores na nascente indústria do hidrogênio verde estão mobilizados, dando curso às suas respectivas estratégias nacionais, cada vez mais ambiciosas, agressivas.


Katia Rocha. Pesquisadora do Ipea. E-mail: katia.rocha@ipea.gov.br 

Nelson Siffert. Diretor ICT – Resel. E-mail: nelson.siffert@ictresel.org.br 


Disclaimer. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy.


Referências 

Arbache, J.; Esteves, L. (2023). Resiliência com eficiência: como o powershoring pode colaborar para a descarbonização e o desenvolvimento econômico da américa latina e caribe. WebAdvocacy. Disponível em: https://webadvocacy.com.br/2023/04/18/resiliencia-com-eficiencia-como-o-powershoring-pode-colaborar-para-a-descarbonizacao-e-o-desenvolvimento-economico-da-america-latina-e-caribe/ 

Deloitte (2023). Green hydrogen: Energizing the path to net zero. Deloitte’s 2023 global green hydrogen outlook. Disponível em: https://www.deloitte.com/global/en/issues/climate/green-hydrogen.html 

Hank et al (2023). Site-specific, Comparative Analysis for Suitable Power-to-X Pathways and Products in Developing and Emerging Countries. A cost analysis study on behalf of H2Global. Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems ISE. Disponível em: https://www.ise.fraunhofer.de/en/publications/studies/power-to-x-country-analyses.html 

Notas de rodapé

  1. Power-to-X (PtX) é a tecnologia que converte energia renovável gerada por centrais fotovoltaicas ou eólicas em outras fontes de energia, ou carregadores de energia, como como hidrogênio verde, metanol verde, amônia verde e SAF, que podem ser utilizados como substitutos de combustíveis fósseis. ↩︎
  2. Algumas hipóteses comuns a todos países da amostra são estabelecidas, como um sistema de produção de 1 GW de capacidade de eletrólise com tecnologia PEM, para a produção de hidrogênio verde, associado a um parque gerador híbrido, eólico e solar PV, de uso exclusivo, cujo tamanho e performance de geração alcançada, depende das características específicas de cada localidade em termos de insolação e ventos. Outra hipótese importante recai no sistema de produção offgrid, ou seja, projetos de geração dedicada, que evita tratar as questões regulatórias de cada país, associadas ao uso do sistema de transmissão e respectivas tarifas.  ↩︎
  3. Cost, Insurance and Freight – CIF no porto de Brunsbüttel – Alemanha. ↩︎
  4. 7 Ver Deloitte (2023).  ↩︎
  5. Ver em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-2023 ↩︎
  6.  No estudo, Austrália e Espanha são apresentadas com um custo de capital de 5,75%. A Ucrânia, antes da guerra com a Rússia, teve o custo de capital estimado em 6,00%. Colômbia, Marrocos, Tunísia, África do Sul, Namíbia tem o WACC estimado em 7,00%. O México em 6,75% e a Índia em 8,00% ↩︎
  7. Embora o Rio Grande do Norte tenha tido melhor performance, a Bahia e o Rio Grande do Sul, também se destacam entre os resultados. Na produção de hidrogênio gasoso, por exemplo, apenas sites na Austrália e Colômbia apresentaram resultados melhores que os observados na Bahia e Rio Grande do Sul.  ↩︎
  8. Tarifa média ponderada residencial no Brasil é cerca de BRL 726 MWh antes de tributos segundo Aneel. ↩︎
  9. A TUST e TUSD são pagas pelos consumidores livres, regulados, e pelos geradores de energia elétrica que necessitam usar as redes de transmissão e distribuição, ou seja, são tarifas pagas pela prestação de um serviço.  ↩︎
  10. Arbache e Esteves (2023) já discutem a tendência de que o powershoring venha a ser nos próximos anos um vetor relevante na determinação da localização de plantas industrial, ou seja, que novos investimentos em produtos intensivos em energia venham se situar em áreas com disponibilidade de energias renováveis. ↩︎