Normas sobre mudanças climáticas podem impedir o ingresso de produtos brasileiros na União Europeia
Fernanda Manzano Sayeg
Recentemente, foram publicados dois importantes Regulamentos na União Europeia no âmbito da nova política comercial de sustentabilidade do bloco, a saber: (i) o Regulamento UE n.º 2023/956, publicado em 16 de maio de 2023, que institui o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira – “CBAM”; e (ii) o Regulamento UE n.º 2023/1115, publicado em 9 de junho de 2023, que proíbe a comercialização, importação e exportação de determinados produtos derivados de áreas de desmatamento e/ou degradação ambiental nos países do bloco, também conhecido como “lei anti desmatamento”.
Tanto o CBAM quanto a lei anti desmatamento integram o “Green Deal”, conjunto de políticas da União Europeia apresentado em dezembro de 2019 que objetiva zerar as emissões de gases de efeito estufa nos países do bloco até 2050.
Embora o objetivo dessas medidas seja nobre, não há dúvidas que terão consequências econômicas avassaladoras para países como o Brasil, já que essas medidas poderão afetar as exportações brasileiras e de outros países para o mercado europeu.
O CBAM tem como objetivo diminuir as emissões de carbono pelos países da União Europeia. Para tanto, estabelece regras para as importações de mercadorias, com o objetivo de equiparar o tratamento dos produtos fabricados na União Europeia aos países com políticas ambientais menos rígidas, como o Brasil.
A União Europeia determinou que apenas as seguintes indústrias intensivas em energia estão sujeitas ao CBAM, a saber: cimento, ferro, aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio. Acredita-se que, progressivamente, novas indústrias serão incluídas nessa lista.
Para que os produtos importados ingressem na União Europeia, será necessário adquirir Certificados em uma plataforma estabelecida pelos países da União Europeia. Os preços desses certificados serão baseados no fechamento médio semanal das negociações das licenças de emissões (preço médio semanal do leilão de permissões do ETS, expresso em €/tonelada de CO2 emitido).
O CBAM não entrará em vigor imediatamente. Foi estabelecido um período de transição visando garantir uma transição mais efetiva e suave para o novo sistema. As obrigações de reportar informações sobre as emissões de carbono terá início em 1º de outubro de 2023, mas o pagamento das taxas de carbono (emissão dos Certificados) começará apenas em 1º de janeiro de 2026.
A partir de outubro deste ano, será necessário reportar apenas as emissões de gases de efeito estufa (GEE) incorporados em suas importações (emissões diretas e indiretas), sem a necessidade de realizar pagamentos ou ajustes financeiros. Ou seja, os exportadores deverão rastrear as emissões de carbono na cadeia produtiva de determinada mercadoria e calcular essa emissão, nos termos do regulamento europeu. No entanto, a partir de 2026, os importadores terão que declarar anualmente a quantidade de bens importados para a União Europeia no ano anterior e as emissões de GEE incorporadas a eles, além de entregar o número correspondente de certificados CBAM.
Uma grande questão que ainda está longe de ser resolvida é o funcionamento do sistema e as regras para o cálculo do carbono em produtos com emissão indireta (relacionadas às emissões produzidas pela eletricidade consumida na produção de determinado bem) serão oportunamente definidas pela Comissão Europeia.
Já a lei anti desmatamento foi apresentada como uma importante contribuição da União Europeia – que é essencialmente consumidora de commodities – para a interrupção do desmatamento global e da degradação florestal, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade.
A legislação europeia determina que apenas poderão ingressar livremente nos países do bloco produtos originários de terras que não tenham sido desmatadas após 31 de dezembro de 2020, os quais serão denominados “produtos livres de desmatamento”.
Desse modo, produtos originários de áreas desmatadas terão sua comercialização proibida no bloco, incluindo aqueles que são fabricados a partir desses produtos.
As medidas de combate ao desmatamento devem incluir a criação de incentivos para uma transição para um uso mais sustentável dos recursos naturais, contribuindo para preservar mais florestas intactas, aumentando as oportunidades de mercado para produtos sustentáveis e eliminando a concorrência desleal de produtores não sustentáveis que exportam para o mercado comum europeu. Também será dada atenção à situação das comunidades locais e dos povos indígenas.
O próprio Regulamento UE n.º 2023/1115 traz algumas definições importantes, como os conceitos de desmatamento[1], floresta[2], plantações agrícolas[3] e degradação florestal[4]. A definição de “livre de desmatamento” é uma das maiores inovações da regulamentação, na medida em que é conceituada com base no parâmetro de que as commodities e produtos relevantes – incluindo aqueles usados ou contidos em produtos relevantes – foram produzidos em terras que não foram sujeitas a desmatamento ou degradação florestal após 31 de dezembro de 2020.
Com relação às exportações, será estabelecido um sistema de benchmarking baseado em países com uma classificação escalonada que imporia tratamentos diferentes aos países, de acordo com critérios estabelecidos unilateralmente. A Comissão Europeia determinará o nível de risco dos países, que serão classificados como “risco alto”, “risco médio” ou “risco baixo” em razão do grau de desmatamento e degradação florestal, da expansão do uso de terras nas principais comodities e das tendências observadas, com base nos dados disponíveis, alertas de ONGs e outras de fontes internacionalmente reconhecidas.
Inicialmente, os seguintes produtos foram apontados como sendo presumidamente originários de áreas de desmatamento terão seu ingresso proibido na União Europeia: óleo de palma, madeira, café, cacau, carne bovina, borracha e soja. Produtos fabricados com tais commodities (pro exemplo, móveis, cosméticos e chocolates) também não poderão ser exportados para a União Europeia. A lista de commodities cuja entrada será proibida será revisada e atualizada regularmente, levando em consideração novos dados, como mudanças nos padrões de desmatamento.
A lei anti desmatamento entrará em vigor no dia 29 de junho de 2023. A proibição de importação e algumas obrigações de prestar informações terão início em 30 de dezembro de 2024 para as empresas em geral e em 30 de junho de 2025 para os operadores estabelecidos até 31 de dezembro de 2020 como micro e pequenas empresas, nos termos da Diretiva 2013/34/EU.
Esses dois regulamentos terão um grande impacto nas exportações brasileiras para a União Europeia, já que a pauta das exportações brasileiras para o bloco inclui várias das commodities mencionadas como proibidas. Estima-se que apenas a lei anti desmatamento tenha potencial de impactar em 80% das exportações do agronegócio brasileiro ou 40% do total das exportações para a UE, somando US$ 14,5 bilhões de vendas em 2021 para o bloco[5].
As empresas que utilizam em sua cadeia produtiva os commodities cuja entrada será proibida deverão demonstrar que os mesmos não são fabricados em áreas desmatadas ou com degradação ambiental. Empresas que já estão alinhadas com a agenda de compliance ambiental certamente terão maior facilidade de continuar exportando para a União Europeia.
As empresas que ainda não são sustentáveis devem adotar medidas para contribuir com as políticas públicas para evitar o desmatamento e a degradação florestal o mais rapidamente possível, além de mapear e registrar todos os insumos e todas as etapas de sua cadeia de produção.
Algumas restrições já foram, inclusive, anunciadas. Em 30 de maio, grandes bancos brasileiros anunciaram um protocolo de autorregulação para a concessão de crédito a frigoríficos e matadouros, com o objetivo de combater o desmatamento na Amazônia. A partir de 2025, os bancos passarão a exigir de seus clientes o rastreamento total da cadeia, para que seja comprovada a não aquisição de gado proveniente de áreas de desmatamento, tanto de fornecedores diretos quanto de fornecedores indiretos[6].
Não há dúvidas que esse processo será financeiramente oneroso e de difícil implementação. Não obstante, representará uma grande vantagem competitiva em relação aos concorrentes em outros países não conseguirem cumprir com as exigências estabelecidas na região europeia.
[1] Definido como “Conversão de florestas para uso agrícola, que tenha origem humana ou não”. Engloba as ideias de desmatamento ilegal, mas também de desmatamento legal.
[2] “Um terreno de uma extensão superior a 0,5 hectares, com árvores de mais de cinco metros de altura e um grau de cobertura arbórea de mais de 10 %, ou árvores que possam alcançar esses limiares in situ, excluindo as terras predominantemente consagradas a uso agrícola ou urbano”.
[3] “Terreno com povoamentos arbóreos integrados em sistemas de produção agrícola, nomeadamente plantações de árvores de frutos, plantações de palmeira-dendém ou olivais, e em sistemas agroflorestais, quando as culturas são plantadas sob coberto arbóreo. Incluem todas as plantações dos produtos de base em causa, com exceção da madeira; as plantações agrícolas estão excluídas da definição de floresta”.
[4] “Alterações estruturais da cobertura vegetal, sob a forma de conversão de Florestas primárias, ou de florestas em regeneração natural, em plantações florestais ou noutros terrenos arborizados; ou Florestas primárias em florestas plantadas”.
[5] Vide https://valor.globo.com/google/amp/opiniao/assis-moreira/coluna/brasil-critica-na-omc-medidas-unilaterais-da-uniao-europeia.ghtml.
[6] https://exame.com/esg/bancos-apertam-cerco-a-desmatamento-com-o-que-e-mais-importante-no-esg-criterio/?utm_source=crm&utm_medium=email&utm_campaign=newsletter-esg_conteudo-news_bancos-apertam-cerco-a-desmatamento-com-o-que-e-mais-importante-no-esg-criterio/&utm_term=n/a&utm_content=n/a.