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Proteção e tratamento de dados pessoais como direito fundamental (PEC 17/2019) e a Defesa do Consumidor

Eduardo Molan Gaban

Nesta última quarta-feira (20/10), foi aprovada a PEC 17/2019[1], que elevou a nível constitucional a proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, inserindo esta previsão no rol de direitos fundamentais do artigo 5º; bem como atribuiu à União a competência privativa para legislar sobre matérias de proteção e tratamento dos dados pessoais, acrescentando o inciso XXX no artigo 22 da Constituição Federal. Após a aprovação em dois turnos pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem, o texto deve seguir para promulgação, por meio de sessão do Congresso ainda a ser designada.

Apesar de o rito e demais especificações da proteção dos dados já estarem previstos anteriormente na Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18, ou simplesmente LGPD), a PEC trouxe um expressivo reforço na efetivação da tutela desse direito, vez que, a partir da sua publicação, será dever do Estado zelar e criar mecanismos para colocar em prática o devido tratamento dos dados pessoais. E nessa condição, será o Estado responsável indireto por eventuais falhas ocorridas na disciplina da proteção de dados.

Assim, com a inserção da proteção dos dados na categoria dos direitos fundamentais, caso haja um vazamento de dados por meio de uma rede social, por exemplo, haverá dois tipos de responsabilização: (i) a primeira, de forma direta, da própria rede social; (ii) e em segundo lugar, de forma indireta, do Estado, que possui o dever de fiscalizar e coibir estas práticas. Da mesma forma, caso seja omisso em alguma dessas situações, também poderá ser responsabilizado.

Outro ponto de importante relevância que a PEC trouxe é a garantia de maior segurança jurídica sobre a matéria de proteção de dados, vez que ela impede a pulverização e fragmentação das normas. Isso quer dizer que, na medida em que ela impõe à União a competência única para legislar nesse tema, os demais entes da Federação estão automaticamente impedidos de criar leis esparsas sobre o mesmo assunto, as quais poderiam levar a interpretações contraditórias e conflitantes.

Cite-se, a título ilustrativo, a preexistência de normas infraconstitucionais sobre proteção de dados em João Pessoa/PB[2], Vinhedo/SP[3] e Cariacica/ES[4]. Com a publicação da PEC, tais leis não mais serão válidas, sendo tacitamente revogadas em razão da incompetência destes entes para legislar sobre o assunto. A competência privativa da União para legislar elimina o risco de conflitos de normas estaduais/municipais com a LGPD, as quais tendem a criar mais embaraços do que auxiliar na sua aplicação.

A Proposta aprovada ainda definiu um papel mais certeiro da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). De acordo com a relatora da PEC, a senadora Simone Tebet, “a previsão da PEC que atribui à União as competências de organizar e fiscalizar o tratamento dos dados pessoais dos indivíduos oferece agora ‘abrigo constitucional’ ao funcionamento da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)[5].

A este respeito, é oportuno destacar que a redação original da PEC previa a autonomia institucional da ANPD. No entanto, este enunciado foi removido, e a Autoridade permanece com a mesma composição institucional de quando foi criada: órgão da administração pública direta, vinculado à Presidência da República.

Muito embora a independência administrativa seja recomendável para as autoridades de proteção de dados, como demonstra relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[6], permanecem intactas as suas atribuições e prerrogativas sobre aplicação das sanções previstas na LGPD, tal como previsto no artigo 55-J da mencionada Lei.

Todavia, embora a PEC tenha trazido grandes avanços em termos de segurança jurídica para legislação da matéria e na competência sancionatória da ANPD, existem alguns pontos que remanescem sem a devida atenção do legislador e que podem trazer embaraços na efetivação da tutela deste direito fundamental, principalmente no que diz respeito à competência de aplicação das sanções em outras legislações existentes que também tratam da proteção de dados.

Mesmo antes da entrada em vigor da LGPD, o ordenamento jurídico pátrio já contava com leis que disciplinavam a proteção dos dados pessoais, como o Marco Civil da Internet[7], o Código de Defesa do Consumidor[8], a própria Constituição Federal[9], o Código Civil[10] e o Estatuto da Criança e do Adolescente[11]. Em tais normativas, as autoridades responsáveis pela aplicação de punições, em caso de violação, são as instâncias originárias competentes para o processamento da respectiva matéria.

Com o surgimento da LGPD, por sua vez, que vem para congregar todos os regulamentos e dar maior encaixe a eles, restou estabelecido que a aplicação das sanções administrativas ali previstas (artigos 52 a 54) deve ser feita por meio da ANPD.

A LGPD, contudo, embora tenha alcance multidisciplinar e sirva para cooptar as ideias constantes dos estatutos acima citados, não previu a competência da ANPD ou de qualquer outra autoridade nacional específica para tratar de violações ao tratamento dos dados das demais leis acima citadas.

Nesse sentido, na medida em que a LGPD não previu a competência sancionatória da ANPD para alcançar as demais legislações, um dos grandes desafios na aplicabilidade da matéria de proteção de dados será a promoção da atuação sinérgica entre os órgãos aplicadores de punições quando previstas nas outras normas, como o CDC e Marco Civil da Internet.

E nesse sentido, em que pese não haja uma previsão explícita de uma autoridade para promover essa atuação harmônica entre os demais órgãos, a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) do Ministério da Justiça e Segurança Pública vem desempenhando um papel de destaque, ao passo em que vem desenvolvendo um trabalho voltado à redução da insegurança jurídica por meio de uma uniformização racional do funcionamento dos órgãos a ela vinculados, porém não subordinados.

De acordo com as suas atribuições institucionais, a atividade do SENACON visa a harmonização nas relações de consumo, bem como incentiva a integração e a atuação conjunta dos membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC). Porém, a atual configuração do SNDC faz com que cada órgão, em sua atividade fiscalizatória, adote seus próprios entendimentos sobre temas e normas de direito do consumidor, o que acaba potencializando a desarticulação do SNDC e ampliando a insegurança jurídica tanto no tocante às regras processuais quanto ao padrão punitivo[12].

E é assim que surge o desafio à SENACON de promover a articulação e a integração dos órgãos componentes do SNDC. O que se verifica, na prática, é que a Secretaria vem atuando de forma a regulamentar um processo uniforme e racional para todo o SNDC, fixando critérios sistêmicos e parâmetros para a aplicação de sanções administrativas, buscando sempre alcançar a máxima segurança jurídica.

Inclusive, com essa finalidade, e já antevendo a insegurança jurídica que paira sobre a matéria de dados pessoais no âmbito consumerista, especialmente no início da aplicação das sanções, firmou Acordos de Cooperação Técnica com a própria ANPD[13]. Isso demonstra uma postura de preocupação da Secretaria com a complexidade do sistema de proteção de dados, o qual necessita da fixação de interpretações sobre o tema, até mesmo para evitar a judicialização em massa.

Não obstante a PEC, tampouco a LGPD, não tenham delimitado uma autoridade sancionatória para as demais legislações, fato este que garante autonomia às entidades do SNDC, faz-se necessária a cooperação entre as instituições, a fim de se evitar a desarticulação destes órgãos e maximizar os efeitos práticos da punição pelo uso indevido dos dados pessoais dos consumidores. E para tanto, a SENACON possui competência na imposição de diretrizes que possam tornar o sistema coordenado.

Apenas a prática vai demonstrar qual o melhor caminho a ser percorrido, porém uma coisa é certa: a segurança jurídica somente poderá ser alcançada quando as decisões do sistema forem sinérgicas, coesas e respeitem a due process clause contida na Constituição de 1988. A falta de um processo administrativo unificado e cogente, bem assim da não submissão de todas as entidades a critérios unificados de interpretação, dosimetria e aplicação de sanções implica o enfraquecimento do SNDC e não efetiva a tutela do consumidor. A efetividade da tutela dos dados pessoais e do consumidor somente pode decorrer de uma atuação transversal e coordenada das entidades de defesa do consumidor (capitaneadas pela SENACON mediante a instrução com diretrizes de interpretação, regras de processamento e padrões de dosimetria e aplicação de sanções) e a ANPD.


[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1773684&filename=PEC+17/2019

[2] https://leismunicipais.com.br/PB/JOAO.PESSOA/LEI-13697-2019-JOAO-PESSOA-PB.pdf

[3] https://www.legiscompliance.com.br/images/pdf/lei_complementar_161_vinhedo_lgpd.pdf

[4] http://www3.camaracariacica.es.gov.br/Arquivo/Documents/legislacao/image/L59482019.pdf

[5] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/10/20/senado-inclui-protecao-de-dados-pessoais-como-direito-fundamental-na-constituicao

[6] https://www.oecd.org/publications/a-caminho-da-era-digital-no-brasil-45a84b29-pt.htm

[7] Lei nº 12.965/14: art. 3º, II e III; art. 7º, VII a XI; art. 10º, caput e §1º; art. 11, caput; art. 16, I e II.

[8] Lei nº 8.078/90: art. 43.

[9] Constituição Federal: artigo 5º, X, XII e LXXII.

[10] Lei nº 10.406/02: art. 21.

[11] Lei nº 8.069/90: art. 17.

[12] DOMINGUES, Juliana Oliveira; GABAN, Eduardo Molan; BRAGA, Viviane Salomão. O Processo Administrativo em defesa do consumidor e o vetor interpretativo da LGPD: desafio de um sistema de muitos atores. No prelo, p. 9.

[13] https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-e-senacon-assinam-acordo-de-cooperacao-tecnica

Justiça Especializada para Combate a Cartéis

Eduardo Molan Gaban

Em seu discurso de posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Ministro Luiz Fux afirmou ser um profissional pragmático e consequencialista.[1] A vertente pragmática ficou clara na decisão do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 1.083.955[2], em que convenceu seus pares da Primeira Turma do STF (ausente o Ministro Luís Roberto Barroso) que a Corte teria “dever de deferência” às decisões técnicas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em razão da complexidade da matéria concorrencial, da reduzida expertise do Judiciário no tema, da possibilidade de geração de efeitos sistêmicos nocivos à dinâmica regulatória. O agravante buscava reverter a decisão do Ministro Luiz Fux que negou provimento ao seu recurso extraordinário. No recurso, a parte pleiteava que o poder judiciário revisse decisão condenatória do CADE em processo administrativo sancionador pela prática de infração coordenada à ordem econômica (popularmente conhecida como prática de cartel), a qual impôs penas diversas às partes investigadas no respectivo caso concreto. Entretanto, restou decidido que o STF não pode rever a decisão do CADE por não ter expertise para tanto.

A especialização é exceção no atual sistema judiciário brasileiro. Sendo assim, talvez o seguinte atalho seja subjacente à ratio decidendi do STF em referido precedente, bem assim em grande parte das decisões judiciais em situações análogas: melhor é confiar na competência técnica das autoridades administrativas (i.e., “dever de deferência”), como o CADE, a intervir, senão a intervenção jurisdicional (“o remédio”) pode sair pior que “a doença”. Afinal de contas, os recursos são escassos e há uma miríade de processos a julgar versando sobre todos os temas da nação, sobre os quais o judiciário presumidamente possui maior familiaridade. Resultado pragmático e consequencialista: a justiça não exerce o desejável e constitucionalmente previsto judicial review nas decisões administrativas, como as do CADE. Isto potencializa todos os efeitos deletérios dos comprovados fenômenos da captura (George Stigler, Nobel em 1982 – Theory of Economic Regulation) e dos conflitos de interesses (James M. Buchanan, Nobel em 1986 – Teoria da Escolha Pública)[3].

Não há atalho ou solução pragmática que elimine o controle jurisdicional das decisões administrativas, sem contanto gerar consequências negativas às instituições (Douglass C. North, Nobel em 1993 – Institutions). A judicial review é fundamental para o aperfeiçoamento das instituições e maximização dos mandamentos da Constituição. Agora, é inegável que não se viabiliza com o atual modelo generalista de justiça. É necessário especializar a justiça para substituir-se a deferência cega pela constante e eficiente vigilância.

Segundo as melhores práticas em outras jurisdições e conforme recomendações internacionais[4], a implementação de varas especializadas resulta em maior celeridade para a resolução definitiva de mérito dos processos. Além de mais celeridade, a especialização implica maior qualidade técnica às decisões. Tudo isso acaba por gerar decisões mais adequadas (i.e., “cirúrgicas”) para problemas complexos, como os usualmente enfrentados pelo CADE.

O conceito de especialização, é bom frisar, deve abranger o sistema judiciário, não apenas parte dele (os juízes). A ideia deve ser implementada na arquitetura do sistema. Assim, uma vara especializada não se resumiria ao magistrado especializado. Outros servidores públicos com formação interdisciplinar (juristas, economistas, contadores etc.) se especializariam e trabalhariam em conjunto com os magistrados para solucionar o maior número possível de lides e impasses complexos.  

Existem alguns riscos e críticas à especialização da justiça, é bom frisar. O exagero da especialização seria um deles, daí a importância de haver uma combinação de especialidades nas varas (ou melhor, combinação de competências), pois a excessiva especialização tende a inviabilizar sua implementação. Outro problema possível seria a captura dessas varas especializadas por grupos de interesse, sejam órgãos administrativos técnicos cujas decisões são revistas pelas varas, sejam núcleos de poder político ou poder econômico.

A primeira solução para esse problema da captura é o aprimoramento dos já existentes mecanismos de governança, transparência e gestão. Nesse sentido, por exemplo, o Conselho da Justiça Federal (CJF) instituiu, em agosto de 2020, o Guia de Governança e Gestão do Conselho e da Justiça Federal de 1º e 2º graus[5]. Agora, a segunda solução para o problema da captura seria criar um sistema de rotatividade entre os juízes e servidores das varas.

Há quem defenda com afinco que a captura seria o principal risco a afastar a especialização da justiça. Ledo engano. Essa captura já ocorreria nas varas generalistas, nas quais o juiz e os servidores tendem a sucumbir à “tentação” da deferência pela expertise técnica referida na infeliz decisão do STF no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 1.083.955.

Como já apontado em artigo passado de nossa autoria[6], o argumento da captura foi levantado nos EUA, nos anos 1900, quando houve a criação de um tribunal de apelação especializado em litígios envolvendo patentes e comércio internacional, o qual, em 1922, passou a abarcar todos os litígios relativos a direitos de propriedade intelectual. Em razão dessa especialização, os EUA se transformaram em uma potência da propriedade intelectual, com jurisdição segura e previsível sobre esse tema. Diversos países acabaram copiando esse modelo, obtendo sucesso em investimentos e inovações[7].

Ainda no âmbito internacional, existem diversos e exitosos exemplos de tribunais, varas ou entidades mistas (que combinam juízes e autoridades administrativas) especializadas em direito concorrencial[8]. No Reino Unido, existe a Competition Appeal Tribunal, responsável por julgar apelações sobre o mérito de decisões proferidas pela Competition and Markets Authority. No Chile, há o Tribunal de Defensa de La Libre Competencia, com competência para julgar os casos trazidos pelo Fiscalía Nacional Económica ou por agentes privados. No México, depois da reforma constitucional de 2013, as decisões proferidas pela Comisión Federal de Competencia Económica e pelo Instituto Federal de Telecomunicaciones podem ser revistas pela primeira e segunda Corte Distrital Especializada. No Canadá, o Competition Tribunal pode rever as decisões proferidas pela Competition Bureau of Canada. Na Austrália, o Australian Competition Tribunal julga as apelações contra as decisões proferidas pela Australian Competition and Consumer Commission.

Já no Brasil, a especialização da justiça é fortemente recomendada pelo CNJ[9] e alguns Tribunais já vêm estudando e adotando tais inovações. Cite-se, como exemplo, a criação em 2017 de grupo de trabalho para estudo da pertinência da implementação de varas especializadas em direito da concorrência e comércio internacional no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3)[10]. Todavia, talvez pelo desenho institucional das competências (concorrência e comércio internacional), esse projeto do TRF3 não saiu do papel até o presente momento.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) criou em novembro de 2020, na capital, duas varas especializadas em crimes tributários, organização criminosa e lavagem de bens e valores.[11] Tais varas são competentes para o julgamento de crimes como práticas de cartel, dentre outros. Também há varas especializadas criminais com similar desenho de competências em outros Tribunais Estaduais, como por exemplo no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG)[12], Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ)[13], Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT), Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA), Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Tribunal de Justiça de Roraima (TJ-RR) e Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC).

Em âmbito federal, com um desenho de competências um pouco mais restrito (não abrange, em princípio, os crimes contra a ordem econômica e financeira – Lei nº 8.137/90), determinou-se em 2019 a criação de varas especializadas no âmbito dos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª e 5ª Regiões[14] [15]. Tudo em atenção à Recomendação nº 3 de 2006 do CNJ, para a especialização de varas criminais para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas.[16]

No Direito Antitruste, o controle de condutas é uma espécie de atividade sancionatória que se submete aos princípios e regras do direito penal e do direito processual penal. Logo, pode ser entendido como um nicho do direito penal. Além desse fato, as práticas anticompetitivas coordenadas (popularmente conhecidas como cartéis) são também tipificadas como crime (art. 4º, I e II, da Lei nº 8.137/90, somadas às previsões contidas na Lei de Licitações – Lei nº 14.133/21). O combate aos cartéis representou desde o início da vigência da Lei Antitruste (em outubro de 1994, com a publicação da Lei nº 8.884/94) grande parte da atuação repressiva do CADE. Em 2018, por exemplo, mais de 80% do controle de condutas do CADE envolveu referidas práticas coordenadas. Essa média já foi maior, tendo chegado a quase 100% da atuação repressiva do CADE em alguns períodos.[17]

Logo, para as infrações contra a ordem econômica consistentes em práticas coordenadas de competência da justiça estadual (como provavelmente seria o caso do processo administrativo sancionador levado ao STF no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 1.083.955), já é possível aplicar-se o adequado exercício da judicial review pelas varas criminais estaduais especializadas. Para o âmbito federal, seria necessário, em princípio, sensível ajuste nas regras de organização judiciária a bem de incluir os crimes contra a ordem econômica e financeira na competência das varas criminais especializadas para apreciar investigações criminais e ações penais envolvendo organizações criminosas.

Veja-se que mudanças incrementais em linha com a ideia “do menos é mais” viabilizariam rapidamente a concretização da especialização da justiça para grande parte do controle de condutas no Direito Antitruste brasileiro. Esse seria um design institucional da justiça especializada de fácil implementação que criaria mais segurança jurídica ao controle de condutas no Direito Antitruste brasileiro e, ao mesmo tempo, protegeria as instituições e maximizaria a eficácia do art. 5º, inc. XXXV, da CF/88.


[1] “(…) a intervenção judicial em temas sensíveis deve ser minimalista, respeitando os limites da capacidade institucional dos juízes, e sempre à luz de uma perspectiva contextualista, consequencialista, pragmática, porquanto em determinadas matérias sensíveis, O MENOS É MAIS”. Para a transcrição completa do discurso, vide: <discurso-posse-fux-stf.pdf (conjur.com.br)>. Acesso em: 16.09.2021.

[2] “o “dever de deferência” às decisões técnicas, a complexidade da matéria concorrencial, a reduzida expertise do Judiciário no tema, a possibilidade de geração de efeitos sistêmicos nocivos à dinâmica regulatória” – Para a opinião completa sobre esse julgamento, vide: CAMPILONGO, Celso Fernandes. JOTA. “O Supremo Tribunal Federal e o CADE”. Disponível em: <O Supremo Tribunal Federal e o CADE | JOTA Info>. Acesso em: 08.09.2021.

[3] Para uma análise da acusação de que a Senacon estaria sofrendo esses efeitos da captura, vide: GABAN, E. M. Poder 360. “Senacon acerta ao investigar uso do termpo ‘5G’ por operadoras”. 25 de agosto de 2021. Disponível em: <Senacon acerta ao investigar uso do termo “5G” por operadoras, escreve Eduardo Molan Gaban | Poder360>. Acesso em: 16.09.2021.

[4] WORLD BANK. Doing Business 2011: Making a Difference for Entrepreneurs. Washington, DC: World Bank Group, 2012, p. 73. Disponível em: <Doing Business 2011>. Acesso em> 08.09.2021. Vide também: OCDE. Judicial performance and its determinants: a cross-country perspective. OECD Economic Policy Paper Series n. 05. OCDE Publishing, junho de 2013, p. 26-27. Disponível em: <Judicial performance and its determinants: a cross-country perspective – OECD>. Acesso em: 08.09.2021.

[5] Vide: CJF. Guia de Governança e Gestão da Justiça Federal. Disponível em: <Governança — Observatório da Estratégia da Justiça Federal (cjf.jus.br)>. Acesso em: 16.09.2021.

[6] GABAN, E. M.; DOMINGUES, Juliana. JOTA. “Vara para Direito Antitruste e Comércio Internacional”. Disponível em: <Varas para Direito Antitruste e Comércio Internacional | JOTA Info>. Acesso em: 08.09.2021.

[7] IIPI; USPTO. Study on Specialized Intellectual Property Courts. 2012. Disponível em: <Study-on-Specialized-IPR-Courts.pdf (iipi.org)>. Acesso em: 08.09.2021.

[8] Para estudo aprofundado no tema, vide: OCDE. The resolution of competition cases by specialized and generalist courts: Stockating of international experiences. 2017, Disponível em: <The resolution of competition cases by specialised and generalist courts: Stocktaking of international experiences – OECD>. Disponível em: 08.09.2021.

[9] Vide: Recomendação nº 56 de 22/10/2019. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3068>. Acesso em: 08.09.2021

[10] Notícia disponível no seguinte site: TRF3 ESTUDA IMPLANTAÇÃO DE VARAS ESPECIALIZADAS EM DIREITO DA CONCORRÊNCIA E COMÉRCIO INTERNACIONAL. Acesso em: 08.09.2021.

[11] Notícia disponível no seguinte site: Tribunal de Justiça de São Paulo (tjsp.jus.br). Acesso em: 08.09.2021.

[12] Vide notícia: <Varas especializadas em organizações criminosas passam a operar em BH – Portal CNJ>. Acesso em: 16.09.2021.

[13] Vide notícia: <1ª Vara Criminal Especializada completa um ano no combate ao crime organizado – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (tjrj.jus.br)>. Acesso em: 16.09.2021.

[14] Vide levantamento do CNJ: <Julgamento de crime organizado já segue rito próprio na maior parte do país – Portal CNJ>. Acesso em: 16.09.2021.

[15] Vide Resolução do TRF 1: <TRF1 – Resolução dispõe sobre especialização de varas federais no âmbito da 1ª Região>. Acesso em: 16.09.2021.

[16] Vide referida Recomendação: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/855>. Acesso em: 16.09.2021.

[17] Para a íntegra dos dados de atuação do CADE, vide: <Cade em Números — Português (Brasil) (www.gov.br)>. Acesso em: 16.09.2021.

Autoridade Nacional de Proteção de Dados já pode punir infratores da LGPD

Eduardo Molan Gaban

Após o transcurso da vacatio legis, as sanções administrativas previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) entraram em vigor no último domingo, 01 de agosto de 2021. Embora essa lei já tenha sido publicada em 2018, apenas as previsões concernentes à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e aos demais artigos – salvo as penalidades, dispostas nos artigos 52, 53 e 54 – estavam vigentes.

A partir de agora, as empresas alcançadas pelo escopo de incidência da LGPD estão sujeitas também às sanções administrativas pela prática de infrações das normas ali previstas. Tais sanções podem ser de natureza admoestativa, pecuniária e restritiva de atividades. Elas serão aplicadas somente pela ANPD e estão elencadas no artigo 52 da referida lei:

  1. advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
  2. multa simples, de até 2% do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 por infração;
  3. multa diária, observado o limite total a que se refere o inciso II;
  4. publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência;
  5. bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização e sua eliminação;
  6. suspensão parcial do funcionamento do banco de dados a que se refere a infração pelo período máximo de 6 meses, prorrogável por igual período, até a regularização da atividade de tratamento;
  7. suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais a que se refere a infração pelo período máximo de 6 meses, prorrogável por igual período;
  8. proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados.

A LGPD estabelece que a aplicação de sanções deve ser precedida do devido procedimento administrativo, garantindo-se a ampla defesa ao agente de tratamento de dados. Além disso, na dosimetria da sanção, devem ser observadas as peculiaridades do caso, sempre de acordo com o princípio da proporcionalidade, considerando-se a gravidade e a natureza das infrações e dos direitos pessoais afetados, a boa-fé do infrator, a vantagem por ele auferida, a condição econômica, a reincidência, o grau do dano, a cooperação do agente, a demonstração de adoção de mecanismos e procedimentos internos capazes de minimizar o dano voltados ao tratamento seguro e adequado de dados, bem como a adoção de política de boas práticas de governança e medidas corretivas.

Conforme prescrito pela LGPD, a ANPD deverá definir, por regulamento próprio sobre as sanções administrativas, as metodologias orientadoras do cálculo do valor-base das multas. Referidas metodologias devem ser previamente publicadas, na forma de consulta pública aberta aos agentes de tratamento de dados, apresentando objetivamente os critérios de forma e de dosimetria no cálculo da multa, além da fundamentação detalhada de todos os elementos nela utilizados. O regulamento deverá explicitar, ainda, as circunstâncias e condições para adoção de multa simples ou diária, sendo que esta deve observar a gravidade da falta e extensão do dano ou prejuízo causado.

Em que pese tal regulamento ainda não ter sido elaborado, nem levado à Consulta Pública, a ANPD, segundo sua Agenda Regulatória[1] e seu Relatório Semestral de Acompanhamento da Agenda Regulatória[2], está em fase de conclusão da elaboração do Regulamento de Fiscalização e Aplicação de Sanções Administrativas[3], que trata especificamente sobre as fases do processo administrativo sancionador, os direitos e deveres dos administrados. Tal Regulamento foi levado à Consulta Pública entre 28 de maio e 28 de junho de 2021 e obteve 1.831 contribuições de diversos setores da sociedade na Consulta Pública e 487 telespectadores simultâneos na Audiência Pública. Logo referido Regulamento será remetido ao Conselho Diretor da ANPD para deliberação e, com sua aprovação, passará a ter eficácia sobre todos os administrados.

Segundo a proposta de regulamento, a atuação da ANPD deve se dar de modo responsivo, adotando procedimentos de “monitoramento, orientação e atuação preventiva na sua atividade de fiscalização” (art. 14 da proposta do Regulamento) para os fatos ocorridos após 1º de agosto de 2021.

Entretanto, existe uma aparente obscuridade sobre a verdadeira data em que a ANPD passará a ter legitimidade para aplicar sanções administrativas. Se por um lado a LGPD condiciona a aplicação dessas sanções à existência daqueles regulamentos, por outro lado, essa mesma lei autoriza a aplicação dessas sanções a partir de 1º de agosto de 2021. Assim, verifica-se que a ANPD poderá sancionar os administrados entre 1º de agosto de 2021 até a data da aprovação daqueles regulamentos, mesmo na ausência de regulação sobre os procedimentos.

Não obstante essa aparente obscuridade em relação ao aspecto sancionador da ANPD, a Autoridade, além de ter publicado guia orientativo para definição das responsabilidades dos agentes de tratamento de dados pessoais e do encarregado[4], também tem promovido ações estratégicas visando o fortalecimento da cultura de Proteção de Dados Pessoais (Objetivo Estratégico 1), estabelecer ambiente normativo eficaz para a proteção desses dados (Objetivo Estratégico 2) e para aprimorar as condições para o cumprimento de suas competências legais (Objetivo Estratégico 3)[5].

Todavia, muito embora a normatização sobre o tratamento de dados fosse uma atitude há muito esperada como forma de proteção ao titular dos dados, ainda existe uma indeterminação sobre os cenários e instrumentos necessários para que se introduzam, na prática, os meios mais adequados para compliance com a LGPD. Em outras palavras, somente a experiência de aplicação da LGPD aos casos concretos pela ANPD viabilizará a criação do padrão brasileiro suficiente a mitigar a aplicação das sanções definidas pela LGPD.

Seja em razão desse fato, seja em decorrência da cultura local, conforme apontam as pesquisas[6], boa parte das empresas ainda não adequaram suas regras e normas corporativas aos termos da LGPD. Diante da falta de atualização dos programas de compliance de grande parte das empresas com as normas estabelecidas na LGPD, ao que tudo indica a ANPD irá adotar, num primeiro momento, uma postura de diálogo com os administrados e com outros órgãos públicos. Apenas em um segundo momento, a ANPD irá aplicar sanções mais severas, para além da advertência.

A LGPD prevê, ainda, que a ANPD articulará sua atuação com outros órgãos e entidades sancionatórias. Nesse sentido, pontue-se que a ANPD, por meio da sua unidade de Coordenação-Geral de Fiscalização, já possui acordos de cooperação técnica firmados com a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e com o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Inclusive, já há casos sob análise da Autoridade envolvendo a atuação coordenada com os órgãos acima mencionados. Exemplo disso é a recomendação elaborada conjuntamente com o CADE, o Ministério Público Federal e a SENACON para o WhatsApp e Facebook sobre suas novas políticas de privacidade[7].

Além de indicar providências, recomendaram às empresas o adiamento da data de vigência da nova política até que fossem adotadas as recomendações sugeridas pelos órgãos reguladores. Tudo a fim de evitar possíveis violações aos direitos dos titulares de dados pessoais, bem como potenciais efeitos anticoncorrenciais ante a ausência de um design regulatório prévio. Além disso, atentou-se para a preocupação em relação à ausência de informações claras sobre os dados tratados e a finalidade das operações de tratamento ao consumidor.


[1] Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-11-de-27-de-janeiro-de-2021-301143313>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[2] Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/acesso-a-informacao/auditorias-acoes-de-supervisao-e-correicao/nota-tecnica-no-232021cgnanpd.pdf. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[3] Disponível em: <https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-abre-consulta-publica-sobre-norma-de-fiscalizacao/2021.05.29___Minuta_de_Resolucao_de_fiscalizacao_para_consultapblica.pdf>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[4] Disponível em: <https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/2021.05.27GuiaAgentesdeTratamento_Final.pdf>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[5] Disponível em: <https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/planejamento-estrategico/planejamento-estrategico-2021-2023.pdf>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[6] Disponível em: <https://abessoftware.com.br/indice-lgpd-abes-aponta-que-69-das-empresas-de-agronegocios-precisam-se-adequar-a-lei-geral-de-protecao-de-dados/; https://www.eskive.com/blog/5pesquisanacionaleskive; http://www.abnt.org.br/images/Docspdf/Alvarez_e_Marsal_Pesquisa_de_Maturidade_da_LGPD.pdf>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[7] Disponível em: < https://cdn.cade.gov.br/Portal/assuntos/noticias/2021/Recomendac%CC%A7a%CC%83o_WhatsApp_-_Assinada.pdf>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

US Competition and Antitrust Law Enforcement Reform Act of 2021 (CALERA): A revolução antitruste?

Eduardo Molan Gaban*

Gabriel de Aguiar Tajra**

Os acelerados passos das Big Techs no que tange às transformações de produtos e serviços no mercado digital, bem como de seus respectivos efeitos disruptivos à concorrência, impulsionaram uma verdadeira corrida internacional de adaptação normativa por parte das autoridades antitruste. Corrida esta protagonizada não só para harmonizar assimetrias regulatórias decorrentes do anacronismo legislativo, mas também, e principalmente, para adequar os instrumentos de análise e aplicação normativa aos casos futuros.

Os Estados Unidos estudam mais uma relevante alteração legislativa, denominada de Competition and Antitrust Law Enforcement Reform Act of 2021 (acrônimo: CALERA)[1]. Apresentada pelo senador Amy Klobuchar, chefe do Subcomitê de Políticas Concorrenciais, Antitruste e de Direitos Consumeristas, trata-se de uma reforma substancial condizente à abordagem do Partido Democrata, mais intervencionista, que, nas palavras do próprio senador, busca “resolver um problema concorrencial massivo”[2].

Para tanto, a proposta legislativa busca alterar normativas anteriores, especialmente o Clayton Act, uma das principais normas norte-americanas voltadas à repressão de práticas anticompetitivas. Ainda, pretende aprimorar o arcabouço normativo de controle de estruturas a partir de novos parâmetros de análise de atos de concentração de notificação obrigatória, indicação de possíveis presunções e elementos de investigação em sede de práticas anticompetitivas, inclusive mediante proteção da figura dos denunciantes (whistleblowers), implementação de nova estrutura administrativa e orçamentária.

As alterações normativas ao controle de estruturas são possivelmente algumas das mais relevantes do CALERA. Assumiu-se que, por um lado, aquisições e fusões (concentração de mercado) têm o potencial de reduzir a competitividade empresarial, a inovação e mesmo a qualidade dos produtos e serviços. Por outro, entendeu-se que os Estados Unidos vivenciaram verdadeira consolidação de entendimentos jurisprudenciais favoráveis à não intervenção. Isso por meio de atribuição de foco quase exclusivo aos efeitos sobre preços de produtos e serviços (consumer-welfare approach), deixando de lado presunções de dominância, análise de efeitos estruturais de longo prazo etc.

A proposta de substituição da atual regra exigida para rejeição de atos de concentração, isto é, a “prova de substancial diminuição da competição”, passaria a ser “demonstração de criação de riscos apreciáveis capazes de materialmente reduzirem a competição”. Essa mudança será substancial e, se aprovada, facilitará a proibição de concentração econômica pelas autoridades antitruste norte-americanas. Há ainda algumas outras hipóteses de rejeição de atos de concentração, como a “formação de estruturas monopsônicas”, especialmente relevante aos mercados digitais.

Outras alterações relevantes abarcam a seção 7 do Clayton Act (Unlawful Acquisitions), desta vez voltadas às presunções de geração de efeitos negativos em atos de concentração. Além de criar várias hipóteses de rejeição de atos de concentração, o CALERA também amplia consideravelmente as hipóteses de inversão do ônus probatório no tocante à demonstração de efeitos de operações de concentração econômica. Nesse sentido, recairá majoritariamente sobre os players o ônus de demonstrar efeitos quando a operação de concentração econômica: a) resultar em acréscimo significativo da concentração de mercado; ou b) permitir que a empresa adquirente unilateralmente e com lucratividade venha a exercer poder de mercado; ou c) aumente materialmente a probabilidade de interação coordenada entre competidores.

Especificamente, serão averiguados pontos sensíveis como controle de ativos relevantes, poder de decisão ou poder de voto tanto por parte do grupo econômico adquirente quanto da empresa adquirida e, não menos importante, market share das partes.

A título de exemplo, se impugnada na justiça pelas autoridades antitruste norte-americanas, o juiz deve declarar que uma operação pode representar risco apreciável de diminuir materialmente a concorrência, ou tende a criar monopólio ou monopsônio no mercado ou afetando o mercado se: a) a empresa adquirente possuir mais de 50% do market share, tanto pelo lado da oferta como demanda;b) quaisquer das empresas possua, isoladamente, poder de mercado significativo e como resultado da operação venha a adquirir controle sobre ativos que aumentem a probabilidade de abusarem de sua posição dominante; c) a aquisição resulte na combinação de ativos e entidades que tenham probabilidade razoável de impedir, limitar ou prevenir efeitos disruptivos no mercado em análise; d) a adquirente acabe por possuir ações com direito a voto ou ativos da empresa adquirida totalizando valor superior a US$ 5 bilhões.

Os Estados Unidos atingiram o patamar de US$10 trilhões desde 2008 em operações de fusões e aquisições[3]. Os novos padrões de análise propostos pelo CALERA abrem margem a uma maior rigorosidade pela autoridade antitruste norte-americana, especialmente em face das exigências decorrentes do mercado digital e da ascensão de concentrações por contratos associativos (isto é, que não envolvam diretamente fusões ou aquisições).

As alterações no controle de estruturas não foram as únicas de grande efeito. O mesmo ocorreu em relação às práticas anticompetitivas. Segundo CALERA, consideram-se exclusionárias as condutas que criam desvantagens materiais aos competidores ou limitam suas habilidades de competição. De forma similar ao realizado para o controle de estruturas, foram adotados parâmetros e presunções de dominância também para o controle de condutas, especialmente no que tange ao critério de market share (superior a 50% ou poder de mercado significativo).

Nesse sentido, se acusada de prática anticompetitiva, o ônus da prova recairá sobre a empresa, que deverá demonstrar a preponderância de efeitos positivos ao mercado e à concorrência em contraposição aos fatos imputados.

Ainda em sentido similar ao controle de estruturas, em conjunção à presunção mencionada, as autoridades não serão mais obrigadas a: a) quantificar os danos aproximados da conduta anticompetitiva; b) provar a recusa em contratar; c) demonstrar que os preços estabelecidos no mercado eram inferiores aos preços de custos de concorrentes (para as hipóteses de preços predatórios); ou d) demonstrar a irracionalidade da conduta atacada.

Mesmo práticas que sejam adotadas para garantir conformidade à lei ou aquelas atinentes à aplicação e cumprimento forçado de direitos de propriedade intelectual e industrial seriam passíveis de configurar indícios de práticas anticompetitivas, não tão somente se analisadas por si só, mas em conjunto à possível estratégia de dominação de mercado em curso.

A CALERA ainda trouxe algumas inovações referentes a estrutura administrativa, aplicação de penas e proteção de denunciantes (whistleblowers). Em relação a estes últimos, a normativa procura estender às normas antitruste os mecanismos de não-retaliação já existentes nos programas de whistleblowers em vigor (por exemplo, no âmbito da Security and Exchange Commission – SEC). Especificamente, proibição de demissão, suspensão das atividades profissionais ou qualquer outra forma de discriminação a empregados que disponibilizem informações relevantes à autoridade antitruste ou que atuem como testemunhas ou partícipes na investigação. 

No caso dos denunciantes não coautores, outra inovação interessante são os incentivos criados para denunciação, dentre as quais o pagamento de recompensa àquele que voluntariamente apresentou informações originais às autoridades que viabilizaram a recuperação de ativos até o limite de 30% sobre o montante da pena aplicada.

Em concomitância à previsão de denunciações com incentivos monetários, a CALERA também renovou o parâmetro das penalidades. Se aprovado, o antigo teto de US$ 100 milhões será substituído por penalidades de até 15% sobre o faturamento anual da empresa investigada, ou 30% sobre o faturamento no mercado em análise.

No que concerne à estrutura das administrativa, a CALERA aumentou consideravelmente a distribuição orçamentária da Divisão Antitruste do Departamento de Justiça (“USDoJ”) e do Federal Trade Commission (“FTC”). Os valores anuais passarão de US$ 166,8 milhões e US$ 331 milhões referentes ao no de 2020, para US$ 484,5 milhões e US$ 651 milhões, respectivamente representando um acréscimo de 190,5% e 96,7%.

Além robustecer o orçamento das autoridades (USDoJ, Antitrust Division e da FTC), a CALERA inova criando subdivisão independente para estudos de mercado e revisão atos de concentração passados e aprovados por ambas as autoridades, o Competition Advocate (ou Advogado da Concorrência), o qual, embora passe a funcionar dentro da estrutura da FTC, possuirá independência funcional e equipe própria, se reportando à presidência da FTC.

As alterações propostas quebram paradigmas, isso é fato. Em consonância ao movimento “Hipster Antitruste”, ampliam-se as margens de discricionariedade, bem como levanta-se um maior espectro metodológico a partir de efeitos estruturais e sócio-políticos, como questões atinentes a desigualdades sociais, salário e mobilidade de funcionários, concentração do poder político e portabilidade ou interoperabilidade de dados[4].

Será a tão esperada revolução do antitruste?


[1] Disponível em: https://www.congress.gov/117/bills/s225/BILLS-117s225is.pdf.

[2] Disponível em: https://www.klobuchar.senate.gov/public/index.cfm/2021/2/senator-klobuchar-introduces-sweeping-bill-to-promote-competition-and-improve-antitrust-enforcement.

[3] Segundo dados levantados pelo próprio Congresso Americano na emenda.

[4] DOMINGUES, Juliana Oliveira; GABAN, Eduardo Molan. Direito Antitruste e Poder Econômico: o movimento populista e “Neo-brandeisiano”. In: Justiça Do Direito, v. 33, n. 3, 2019, p. 235.

[*] Doutor em Direito (PUC-SP), Diretor do Instituto Brasileiro de Concorrência e Inovação (IBCI), membro de Nishioka & Gaban Advogados, contato: gaban@nglaw.com.br

[**] Graduado em Direito (USP), Pesquisador do Instituto Brasileiro de Concorrência e Inovação (IBCI), membro de Nishioka & Gaban Advogados, contato: gabriel.tajra@nglaw.com.br

Comentários ao regulamento de aplicação da LGPD para agentes de pequeno porte

Eduardo Molan Gaban

A última sexta-feira (28/01/2022) foi marcada por importantes acontecimentos. O primeiro deles foi a celebração do Dia Internacional da Proteção de Dados Pessoais. Nesta data, comemora-se o dia de 21 de janeiro de 1981, isto é, o dia em que foi firmado a Convenção 108 do Conselho da Europa para Proteção das Pessoas Singulares no que diz respeito ao Tratamento Automatizado de Dados Pessoais.

Esse foi o primeiro tratado internacional com efeitos jurídicos vinculativos firmado entre nações a fim de proteger a privacidade e dados pessoais frente a “abusos que podem acompanhar a coleta e tratamento de dados pessoais”[1] e para regular “o fluxo transfronteiriço de dados pessoais”[2] diante dos avanços tecnológicos de processamento e automatização desses dados.

O segundo evento marcante da última sexta-feira está intimamente relacionado ao primeiro: o Conselho Diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou a Resolução CD/ANPD nº 2, que aprova o regulamento de aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) para agentes de tratamento de pequeno porte[3]. Assim, desde o dia 28/01/2022, passa a vigorar esse regulamento em todo o Brasil.

A aprovação deste regulamento não foi uma grande surpresa para a sociedade. Isso porque o projeto deste regulamento foi amplamente discutido e sofreu contribuições ativas da sociedade, seja por meio de Tomada de Subsídios[4], seja por meio de Consulta Pública e Audiência Pública[5]. Entretanto, isso não quer dizer que a aprovação deste regulamento não estava sendo ansiosamente aguardada pela sociedade. Trata-se de um importante documento que, inicialmente, sinaliza o entendimento e a preocupação da ANPD com a aplicação e com a adequação dos agentes de pequeno porte às regras e princípios da LGPD. E essa preocupação não é infundada, pois, conforme descreveu a própria ANPD, “durante a Tomada de Subsídios realizada por essa Autoridade” foi verificado que há uma “baixa maturidade e a falta de uma cultura de proteção de dados pessoais pelos agentes de pequeno porte que pode dificultar a adequação desses agentes aos ditames da LGPD e, eventualmente, pode inviabilizar sua existência”[6]. Os dados não dizem o contrário[7].

Assim, a fim de evitar que a LGPD se torne letra-morta e garantir o direito fundamental à proteção de dados pessoais de seu titular, a ANPD publicou o referido regulamento para estabelecer normas e procedimentos simplificados para esses agentes de tratamento de dados. Cumpre aqui, então, ressaltar as principais inovações do novo Regulamento de Agentes de Pequeno Porte.

O Regulamento já inicia respondendo a primeira e intuitiva pergunta: a quem se aplica esse regulamento? Somente aos agentes de tratamento de pequeno porte (art. 1º), que são: microempresas, empresas de pequeno porte, startups, pessoas jurídicas de direito privado, inclusive sem fins lucrativos, nos termos da legislação vigente, bem como pessoas naturais e entes privados despersonalizados que realizam tratamento de dados pessoais, assumindo obrigações típicas de controlador e de operador (art. 2º, inc. I).  

A segunda pergunta é: a quem não se aplica o Regulamento? Basicamente, àquelas pessoas listadas no art. 4º da LGPD[8] (parágrafo único do art. 1º do Regulamento), aqueles que realizam tratamento de alto risco para os titulares[9], ressalvada a hipótese prevista no art. 8º do Regulamento, aufiram receita bruta anual superior ao limite estabelecido no Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (R$ 4.800.000,00 – quatro milhões e oitocentos mil reais) ou que pertençam a grupo econômico cuja receita ultrapasse esse limite (art. 3º).

O art. 7º do Regulamento traz as obrigações dos agentes de tratamento de pequeno porte sobre os direitos de titulares, como disponibilizar informações sobre o tratamento de dados pessoais e atender às requisições dos titulares por meio eletrônico, impresso ou qualquer outro que assegure esse direito do titular. É possível também a tais agentes de tratamento, inclusive àqueles que realizam tratamento de alto risco, organizarem-se por meio de entidades de representação para atender reclamações de titulares.

É importante destacar que, no Regulamento, não estão dispostas todas as minúcias dos procedimentos simplificados. Por exemplo, penderá de regulamentação a forma de registro simplificado das atividades de tratamento (art. 9º) e as comunicações dos incidentes de segurança para agentes de tratamento de pequeno porte (art. 10º).

O Regulamento desobriga os agentes de tratamento de pequeno porte a indicar o encarregado pelo tratamento de dados pessoais (art. 11), mas impõe a criação e manutenção de um canal de comunicação com o titular para atender os pedidos destes (art. 11, § 1º). É claro que, se houver a nomeação de um encarregado, isso será considerado fator indicativo de boas práticas e governança para fins do disposto no art. 52, § 1º, IX da LGPD (art. 11, § 2º), que trata exatamente dos critérios de dosimetria das sanções administrativas aplicadas pela ANPD por violações à LGPD.

Outro ponto que será positivamente levado em conta nos critérios de dosimetria das sanções diz respeito à adoção, pelo agente de tratamento de pequeno porte, de medidas administrativas e técnicas para proteção dos dados pessoais, bem como a adoção de política simplificada de segurança da informação (art. 12 e 13).

Ainda, o art. 14 do Regulamento dispõe que os agentes de tratamento de pequeno porte terão prazo em dobro para o cumprimento de diversas obrigações, como: (1) no atendimento das solicitações dos titulares referentes ao tratamento de seus dados pessoais, (2) na comunicação à ANPD e ao titular da ocorrência de incidente de segurança que possa acarretar risco ou dano relevante aos titulares[10], (3) no fornecimento de declaração clara e completa e (4) em relação aos prazos estabelecidos nos normativos próprios para a apresentação de informações, documentos, relatório e registros solicitados pela ANPD a outros agentes de tratamento. Quanto aos prazos não estabelecidos neste regulamento, eles serão fixados em regulamentação específica[11].

Por fim, é importante mencionar que a ANPD resguardou um relevante poder para si, qual seja, de afastar a aplicação das obrigações dispensadas ou flexibilizadas neste regulamento aos agentes de tratamento de pequeno porte, desde que haja circunstâncias relevantes da situação, como a natureza, o volume das operações e os riscos aos titulares.

Os dispositivos deste Regulamento trazem benefícios relevantes e sensíveis para a aderência desses agentes às normativas da LGPD. Entretanto, ainda pendem algumas regulações, conforme indicado acima, que, certamente, darão melhores instrumentos para esses agentes realizarem um Compliance de dados sem incorrerem custos proibitivos, fatores esses essenciais para o desenvolvimento dos atuais negócios adequados às leis.


[1] Para acesso à íntegra da Convenção 108, vide: https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list?module=treaty-detail&treatynum=108. Acesso em: 01 fev. 2022.

[2] Id. Ibid.

[3] Vide notícia publicada pela ANPD: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/conselho-diretor-aprova-regulamento-de-aplicacao-da-lgpd-para-agentes-de-tratamento-de-pequeno-porte. Acesso em: 01 fev. 2022.

[4] Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/ainda-na-semana-internacional-da-protecao-de-dados-anpd-inicia-tomada-de-subsidios-sobre-microempresa.

[5] Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/minuta-de-resolucao-para-aplicacao-da-lgpd-para-microempresas-e-empresas-de-pequeno-porte-.

[6] Vide trecho extraído da notícia publicada pela ANPD: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/conselho-diretor-aprova-regulamento-de-aplicacao-da-lgpd-para-agentes-de-tratamento-de-pequeno-porte. Acesso em: 01 fev. 2022.

[7] Diversas pesquisas apontam a baixa adesão das pequenas empresas aos termos da LGPD. Vide, por exemplo: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/07/12/lgpd-esta-chegando-mas-adesao-e-baixa.ghtml; https://www.lgpdbrasil.com.br/84-das-empresas-brasileiras-nao-estao-preparadas-para-a-lgpd/; https://www.sopesp.com.br/2021/07/12/lgpd-esta-chegando-mas-adesao-e-baixa/.

[8] Exemplo: pessoas naturais que realizam tratamento de dados pessoais para fins exclusivamente particulares e não econômico.

[9] Em seu art. 4º, o Regulamento elenca critérios gerais e específicos para a definição de tratamento de alto risco.

[10] Neste caso, existe uma exceção quando houver potencial comprometimento à integridade física ou moral dos titulares ou à segurança nacional, de modo que o prazo aplicável será o mesmo daquele dos demais agentes de tratamento.

[11] Deve-se destacar que o Regulamento estabeleceu um prazo de até 15 (quinze) dias para os agentes de tratamento de pequeno porte fornecerem a declaração simplificada indicada no art. 19, inc. I da LGPD.

Economic group and liability for violation to the economic order under article 33 of the Brazilian Competition Law

Fernando de Magalhães Furlan

  1. Economic group under the Brazilian Competition Law, regulations, and jurisprudence:

Article 33 of the Brazilian Competition Law (Law No. 12.529/11) stipulates that: “companies or entities that are part of an economic group, in fact or in law, will be jointly and severally liable, when at least one of them practices a violation to the economic order”.

CADE Resolution No. 02/2012 regulates, among other things, the notification of merger filings, as well as the concept of economic group[1]. According to the resolution, the following shall be considered as part of the same economic group:

  • companies under the same control, internal or external; and
  • companies in which any of the companies of item “i” owns directly or indirectly at least 20% of equity interest.

Regarding item (ii) above, by adopting objective criteria for defining economic group and considering the intent and the volume of equity interests acquired, CADE is typifying a presumption that 20% is sufficient to qualify the ability to have real interference in the company, therefore constituting an economic concentration and not just a financial investment.

            Article 10 of that resolution reads:

“Art. 10 Under the terms of article 9, II, acquisitions of part of a company or companies that fall under one of the following hypotheses are mandatory to be notified to Cade:

I – In cases where the investee company is not a competitor or does not operate in a vertically related market:

a) Acquisition that gives the acquirer direct or indirect ownership of 20% (twenty percent) or more of the invested company’s voting or share capital;

b) Acquisition made by a holder of 20% (twenty percent) or more of the share capital or voting, provided that the participation directly or indirectly acquired, of at least one seller considered individually, gets to be equal to or greater than 20% (twenty percent) of the share or voting capital.

II – In cases where the investee company is a competitor or operates in a vertically related market:

  1. Acquisition that grants direct or indirect participation of 5% (five percent) or more of the voting or social capital;

b) Last acquisition that, individually or combined with others, results in an increase in participation greater than or equal to 5%, in cases where the investor already holds 5% or more of the acquired voting or social capital.

Single paragraph. For the purposes of framing an operation in the hypotheses of items I or II of this article, the activities of the acquiring company and the activities of the other companies belonging to its economic group, as defined in article 4 of this Resolution, must be considered”.

CADE, in the request for a Cease-and-Desist Agreement (Termo de Compromisso de Cessação – TCC) proposed by Unimed Araraquara[2], defined what should be understood by economic group and the importance of its correct identification for the application of sanctions that may be imposed by Cade to curb unlawful acts practiced by companies linked by a unified decision-making board.

Therefore, it starts from the definition of an economic group adopted by Corporate and Labor Law, specifying the particularities of its application in the scope of the Competition Law. In summary, CADE understood that to set up an economic group within the scope of the Antitrust Law, it is necessary that the entities of the group have their own legal personalities and that there is a certain connection between/among them, that is, that they act under common general guidelines.

In this context, from the perspective of the Competition Law, there will be an economic group configuration when two or more companies act under common direction or when there is, among them, a relationship capable of compromising their impartiality in relation to the other member companies and that can, thus, influence their performance in the market[3].

Another question that should be addressed is the basis for calculating a fine eventually applied by CADE. Should it comprise only the billing of the legal entity (company) listed as “investigated” in the administrative process at CADE, as it would be the only company in an economic group liable to respond for penalties that may apply?

Such an argument could perhaps have some support if the investigated society were the only company in the economic group to operate in the sector whose anticompetitive conduct referred to. If the economic group operates in the same economic sector investigated through other companies, in addition to the company investigated, with documents attesting to such sales, it is certain that the gain from the reduction of competition promoted by anti-competitive conduct also reflects in these other companies in the group, with no justification for their exclusion from the responsibility of repairing the damages caused.

  • Joint liability provided for in Article 33 of the Competition Law:

            Solidary responsibility, by Brazilian legal system, is not presumed. It results from the law (non-contractual) or from the will of the parties (contractual), as provided for in art. 265 of the Civil Code[4].

That is because article 33 of Law 12.529/11 (Competition Law), provides that:

“Art. 33. Companies or entities that are part of an economic group, in fact or in law, will be jointly and severally liable, when at least one of them practices an infringement of the economic order”.

Thus, joint and several liability of companies belonging to the same economic group, for damages caused by anti-competitive infraction, results from the law (Art. 33, of Law 12.529/11).

Law 12,529/2011, by giving joint and several liability to companies that are members of economic groups for the unlawful conduct practiced by another company in the same group, expanded the liability of an obligation, with repercussions on directing the enforceability of its compliance to more than one person.

Brazilian courts[5], at times, when analyzing the issue, have attributed responsibility for the fulfillment of obligations to legal entities belonging to the same group as the one originally obliged. To support this understanding, they use the argument that there is a common control between/among societies and that they would have merely formal structures.

It is argued that the separation is purely formal between/amongst the companies since they constitute a single economic group, with the same direction and that business, in this case, is conducted in view of the group’s interests and not those of each different society. The understanding, therefore, is that, in the economic group, business is conducted with global/general interest unified, since control is common/shared and/or unified, and therefore, the responsibility between/amongst all the subsidiaries is joint[6].

In another administrative proceeding, CADE understood of the possibility of a company being included in the passive pole of the process in which the conduct of members of other companies in the same economic group were investigated. The controlling company was considered jointly and severally liable for the anticompetitive conduct of its whole subsidiary. CADE also accepted as a proof of solidarity the presentation of a corporate document that attested that they belonged to the same group.

  • Joint and several liability:

To carefully analyze the rules that regulate joint and several liability in Brazilian antitrust law, it is necessary to start from the analysis of art. 17 of revoked Law 8.884/1994 (former Brazilian Competition Law). The article reads as below and gives rise to two possible interpretations:

“Art. 17. Companies or entities that are part of an economic group, in fact or in law, who practice infractions of the economic order will be jointly and severally liable”.

According to the first interpretation, the investigation of a legal entity because of the actions of another is not permitted. Solidarity, from that point of view, is possible only in cases where both companies had contributed somehow (by acting or not acting, when they should) for the practice of the illicit.

Such understanding becomes evident with the text given to art. 33 of the current Competition Law (Law 12,529/2011). The substitution in the law of the term “praticarem” (to perpetrate, in the plural) for “praticar” (in the singular) “a violation of the economic order”; shows that, for the previous law, it was necessary for each company to commit the infraction to be held responsible. Such a change reveals that, according to the previous law, there could only be accountability by one own act, and to be possible to remove accountability, it must be shown that the other companies in the group or the parent company are not infringers because they did not participate directly or indirectly in the infraction.

Moving on to the analysis of art. 33 of the New Competition Law (Law No. 12.529/11), it is possible to infer that the legislator, with the new wording given to the norm, opened space for an extensive interpretation, to consider solidarity in a broad way, so that the consequences of this solidarity could be imposed on other business companies that integrate the same corporate group. Such an interpretation must be viewed cum grano salis (“with a grain of salt”) considering that the punishment of an administrative infraction cannot be disconnected from the censurability of the conduct.

Thus, with respect to joint and several liability for an antitrust infringement, it requires that the parent company, or any other member of the economic group, have participated in the conduct or that it exercised control or dominant/relevant influence over the offending company.

In any case, CADE’s jurisprudence has settled in the direction of ample liability from the part of the controlling/parent company[7].

  • Shared, joint or common control and relevant influence pursuant to CADE Resolution 02/2012 and CADE jurisprudence:

The concepts of “antitrust control”, “shared or common antitrust control” and “determinant influence on relevant market matters” depend on what is meant, for instance, by “relevant influence” or “relevant market matters”; as “control” or “common control” are concepts well established.

Some of the shareholders’ rights have already been declared in decisions issued by CADE as generating ‘determinant influence on materially relevant matters’, such as: (i) veto over merger, incorporation, spin-off or transformation options; (ii) appointment of a member of the Board of Directors; or (iii) investments by the company in activities other than those provided for in its corporate purpose or in amounts greater than the amount predefined in the business plan or in the shareholders’ agreement.

The relevant influence can be conceptualized, albeit in a simplified manner, as “the possibility of an economic agent to make use of a minority shareholding, or even a simple contractual relationship, to intervene in the decision process of the target company of investments, thus affecting its actions and business strategies” (Concentration Case No. 08012.009529/2010-41)[8].

Upon analyzing the issue, CADE understood that:

The crux of the matter is determining the scope of expression ‘group of companies’ referred to in the Competition Law. As is well known, the concepts and norms of corporate law do not always coincide with those of antitrust law. In corporate law, the law is aimed at protecting the interests of minority shareholders and creditors and the decision-making power is seen as that capable of controlling the fate of the activity’s results (equity). As for competition law, the law is aimed at competitors and consumers, and, as for decision-making power, it is more important to determine who can control or influence market-relevant decisions, such as pricing, economic strategies, etc.”[9]

Thus, the antitrust analysis presupposes not only the examination of corporate forms, but the economic reality also. This leads to the notion of relevant influence. There is a ‘relevant (or significant) influence’ from a competitive point of view, whenever, from the union of decision-making centers in specific and strategic areas, it is possible to assume a cooperative behavior between/amongst companies, which does not assume ownership of most of the voting shares[10].

The concern about the existence or not of “relevant influence” was also directly related to the identification of the companies that are part of the same economic group at the time of the analysis, among others, of the Concentration Cases Nos.: 08012.000476/2009-60[11]; 08012.008415/2009-41[12] and 53500.012487/2O07[13].

Upon regulation of the provisions of item II of article 90 of Law No. 12,529/2011 (Competition Law), CADE Resolution No. 02/2012 established objective criteria related to the mandatory notification of transactions to the Brazilian Competition System (SBDC). The antitrust authority, with a view to ensuring greater efficiency in the analysis of acts of concentration that could result in greater competition concerns, ended up establishing, in an objective manner, minimum criteria for a given concentration act to be considered as of mandatory notification.

Indeed, by establishing, as a mandatory notification criterion, the acquisition of control resulting from the operation, item 1 of article 9 of Resolution No. 02/2012 must be interpreted in the technical sense of the expression, contained in articles 116 and 243, paragraph 2, of Law 6,404/76 (Corporate Law). In this case, the norm refers to the acquisition of shareholding control, either in isolation or in a shared manner.

At this point, it is worth noting that the concept of relevant influence is associated precisely with cases where there is no power to control. Both comprise expressions that, although not confused, are part of the concept of “active equity interests”.

A partner has the power to control a company when she/he/it holds rights that ensure her/his/its preponderance in the company’s decisions. If the partner cannot individually control the company’s decisions, but can, for example, veto or prevent other partners from doing so, her/his/its agreement being necessary to guide the company’s behavior, it is said that this partner enjoys the power of shared control. Although the controlling power normally concerns the shareholder holding more than 50% capital, it is possible, in certain cases, for minority shareholders to control a company.

There are cases, however, in which one or more partners do not have the power to control, alone or jointly, the behavior of a company; but they are able, even so, to exert a relevant influence on the company’s decisions, even if they only hold minority shares.

As seen, under Article 4 of CADE Resolution 02/2012:

Art. 4 It is understood as parties to the operation the entities directly involved in the legal business being notified and the respective economic groups.

§ 1 – It is considered an economic group, for purposes of calculating the billings contained in art. 88 of Law 12,529/11, cumulatively:

I – companies that are under common control, internal or external; and

II – companies in which any of the companies in item I holds, directly or indirectly, at least 20% (twenty percent) of the share capital or voting capital.

In the Rhodia/Granbio Concentration Act (Concentration Act No. 08700.008623/2013-78)[14], one company had a 20.6% stake in the other’s capital and was therefore considered part of the same economic group, even tough, due to a lawsuit, it could not fully exercise its social rights in the invested company.

This solution was given in line with CADE’s Resolution No. 2/2012, which characterizes unitary management by the simple participation of 20% or more in the company’s total share capital.

In the Agriport/Blue Ocean Concentration Act (Concentration Act No. 08700.002786/2015-17)[15], Cade considered a company that held 50% of shares of another as the same economic group. For the characterization of control, according to the rules of corporate law (Law 6,404/76), considering only the shareholding, 50% of the shares, plus at least one, would be required.

Even so, CADE’s understanding is in line with Resolution No. 2/2012, and it is plausible to assume that there is a unitary or common direction in the presence of a 50% shareholding or superior.

In the PricewaterhouseCoopers/PwC Strategy Concentration Act (Concentration Act No. 08700.006238/2015-58)[16], despite the lack of equity interest between the parties, external control (which already is provided for in CADE’s Resolution 02/2012) was sufficient to characterize a single economic group. Such external control was characterized because, despite the independence of the parties, there was an economic unit among the entities of the PwC Network, through which its entities could avail themselves of the resources and methodologies of the PwC Network.

In addition, the information presented by the parties suggested dependence, in relation to the development of the business, between the member company of the PwC Network and the internal bodies established by PwCIL, it being mandatory that each member company complied with the standards and policies established within the network, with a system for monitoring compliance with these obligations by the “Leadership Team”.

There was even a need for approval by the “Leadership Team” of certain acts individually performed by member firms, such as structural changes or decisions that could impact the performance, quality, economic interests, or reputation of the local business and, therefore, also of the Network. Adherence to and compliance with the norms, policies and standards established by the PwC Network were monitored and imposed/executed in a centralized manner, strengthening the argument of interdependence. In this context, the PwC Network was understood by CADE as a single economic group.

CADE Resolution 17/2016 regulates the notification of associative contracts referred to in item IV of article 90 of Law 12,529/2011 (“two or more companies enter an associative contract, consortium, or joint venture). Article 2 of the resolution provides that:

“Art. 2 – Any contracts with a duration equal to or greater than 2 (two) years that establish a common enterprise for the exploration of economic activity are considered as associations, provided that, cumulatively:

I – the contract establishes the sharing of risks and results of the economic activity that constitutes its object; and

II – the contracting parties are competitors in the relevant market object of the contract”.

And Art. 4 stipulates that:

“Art. 4 – For the purposes of this Resolution, contracting parties are those directly involved in the notified legal transaction and the respective economic groups, as defined in Article 4 of Resolution No. 2/2012”.

In another case of formation of a joint venture reviewed by CADE (Act of Concentration No. 08700.006723/2015-2)[17], the economic groups of media SBT, Record and RedeTV! notified the formation of “Newco”, to act together in the “transmission of content/programming of open TV for conditional access service providers”. The share capital of each company would be divided equally, with a 33% share for each.

The rapporteur of the case at CADE voted to reject the operation. CADE’s final decision, however, was to approve the joint venture with restrictions, by signing an Agreement on Control of Concentrations (Acordo em Controle de Concentrações – ACC). An excerpt of the decision was very enlightening about CADE’s perspective on joint ventures:

Joint ventures are a special type of arrangement whose characteristics are usually seen as neutral or beneficial to the competitive environment. A good translation of the term joint venture points to the meaning ‘enterprise with shared risks or responsibilities’. For competitive purposes, classic joint ventures are those whose mission is to serve as an exploratory vehicle for creating companies in unknown markets, whether this is lack of knowledge of a geographic or thematic market”.

In these cases, the most common formations of joint ventures are related to innovation, services, differentiated products or capital-intensive industries. As in the classic modality this type of company is always a means of entry into markets not related horizontally or vertically. CADE Resolution No. 2/2012 provides that the assessment of competition impacts takes place in a simplified procedure and summarily tending to approval without restrictions.

However, companies that deviate from this model may require a detailed antitrust assessment. The most common competitive risks associated with non-classical joint ventures are those relating to limitations on independent business decisions, shared control of important productive assets, facilitating the exchange of competitively sensitive information, incentives to reduce competition in markets other than the joint venture’s and other elements that indicate an increased risk of tacit or explicit collusion.

CADE Resolution 02/2012 itself defines a classic joint venture as “the creation of a company to explore another market”; and a concentrationist joint venture as “the creation of a company to explore a market already explored by the associated companies[18].

In fact, comparative law goes along the same lines, in relation to common or shared control. Article 3 of the European Union’s Merger Control Regulation (EU Regulation 139/2004) defines a concentration when there is a lasting change of control, through merger, acquisition or creation of a joint venture that performs all the functions of an autonomous economic entity.

In Opinion No. 394/2012/AGY/PGF/PFECADE, in the Concentration Act No. 08700.008736/2012-92[19], CADE’s legal body (ProCADE), when expressing its opinion on “associative contracts”, wrote that “there is no legal definition of what may arise to be ‘associative contracts’”. The doctrine conceptualizes them as legal transactions through which two or more companies, without forming a formal consortium, join to carry out an agreed undertaking. They do not lose the autonomy of the decision-making centers, but have their freedom limited, insofar as they are linked to the achievement of the common effort.

Thus, the delimitation of a legal transaction subsumable to the control of the Brazilian antitrust authority was established, insofar as it presents the following characteristics: it is about the establishment of a relationship between companies that, nevertheless, can maintain their legal and economic autonomy, they will jointly develop an activity, with technical (know-how) and structural complementation, in addition to exclusivity, preventing them from providing individual third parties with services similar to those that are the object of the partnership.

With a joint venture, it is unmistakable that a new business power center is created, either through a control that will be shared among the contracting parties, or through a control that will be exercised by only one of the contracting parties. That is why it is impossible not to associate joint ventures with the so-called “acts of business concentration”, since they nullify the competitive relationships between the contracting parties, regarding the joint venture, and may, therefore, be considered alternatives to the operations of corporate interpenetration, such as merger, acquisition, and incorporation[20].

On the other hand, the fact that the joint ventures admit the control of one of the contracting parties over the others, at least about the objectives of the joint venture, shows that such contracts can be seen as substitutes even for the business groups, insofar as that enables domination through contractual ties. From this angle, joint ventures could even be considered as instruments that generate partial external control, which is projected, a priori, in the exercise of enterprise, but which can be extended to other activities.

Joint ventures would be modalities of concentration by coordination or cooperation, alternatives to the usual forms of acquisition of controlling power or dominant influence over a company, or even the constitution of a fully controlled company[21]. For this reason, joint ventures have replaced acquisitions of companies or control, which has raised the yellow flag of competition authorities around the world.

By enabling the constitution of a new decision-making center or business control – effectively shared by the contracting parties or exercised only by one of them – it is unequivocal that joint ventures present themselves as new market structures, a circumstance that poses challenges in determining the liability regime of the contractors.

In joint venture contracts, the participating companies maintain their economic and financial independence, do not internally restructure their management or control power, and do not necessarily acquire assets, and if they do, this is merely instrumental. However, the communion of purposes and business risk, as well as the creation of a new specific control, certainly need to have repercussions in the responsibility regime of the contractors for the exercise of the joint venture.

The fundamental question that arises from joint venture contracts is precisely that of knowing to what extent the contractors simultaneously securitize the same business power and to what extent such circumstances allow them to be considered, together, as a single entrepreneur, including for the purposes of different liability regimes.

International joint ventures, therefore, and national joint ventures also cannot be allowed to conveniently deviate, by contractual provisions, imperative rules that seek to impute due responsibilities to those who jointly control or manage the enterprise[22].

Therefore, under CADE’s current legislation and jurisprudence, a joint venture (common or shared control) makes both shareholders liable for its acts and activities, in a competition or antitrust perspective, as they supposedly participated in the decisions of the joint venture, or, at least, did not take any action to opposed them.


[1] Law No. 12.529/11. Art. 90. “For the purposes of art. 88 of this Law, a concentration act is performed when:

I – 2 (two) or more previously independent companies merge;

II – 1 (one) or more companies acquire, directly or indirectly, through the purchase or exchange of shares, quotas, bonds or securities convertible into shares, or assets, tangible or intangible, by contract or by any other means or form, the control or parts of one or other companies;

III – 1 (one) or more companies incorporate another or other companies; or

IV – 2 (two) or more companies enter an associative contract, consortium, or joint venture.

[2] Requerimento n° 08700.005448/2010-14. Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?xgSJHD3TI7Rh0CrGYtJb0A1Onc6JnUmZgGFW0zP7uM-5q5sluy4XLqIdIJ5FuY3uZihVC6NaEsxcrTN7MNh0aoQdm4yejpT0EYXy5uoQhvSzaQix8jV1OcVSHZoOKsMl. Access: 26/05/2021.

[3] Requerimento No. 08700.005448/2010-14. Vote by the Reporting Member. December 14, 2011. Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?xgSJHD3TI7Rh0CrGYtJb0A1Onc6JnUmZgGFW0zP7uM-5q5sluy4XLqIdIJ5FuY3uZihVC6NaEsxcrTN7MNh0aoQdm4yejpT0EYXy5uoQhvSzaQix8jV1OcVSHZoOKsMl. Access on 25/05/2021.

[4] Art. 265. “Solidarity is not presumed; results from the law or the will of the parties”.

[5] The Eli Lilly case (CADE. ADMINISTRATIVE PROCESS No. 08012.011508/2007-91. Judged on 7/14/2015. Available at:

<https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?xgSJHD3TI7Rh0CrG

YtJb0A1Onc6JnUmZgGFW0zP7uM98EZn6wPgAA4S5qa8PY3kHZNkkhQsXqyoBEKEQO53fIqG5lav2fhcDbqzn7pI9D98IPIhFtEItq5ZxbeSnq9. Accessed on 12 May 2021. In the passive pole there was the parent company, headquartered abroad, and the Brazilian subsidiary. The billing for calculating the fine was that of the Brazilian subsidiary, but the obligation to pay was jointly and severally. This system was followed by two other cases: (i) CADE. ADMINISTRATIVE PROCESS No. 08012.008821/2008-22. Judged on 1/20/2016. Available at:

<https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZE

FhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yPQrNhNlQY1fJWMVS2OgIW3joeZbU0Nyma6gJX3oKI8AbgwPSHL7nptANhIYGfzV1BRCCjgS16VBHYZZV3A0ky>. Accessed on 12 May 2021: and (ii)ADMINISTRATIVE PROCESS No. 08012.003321/2004-71. Judged on 4/13/2016. Available at: <https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZE

FhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yNdsW2szLmPzaXSbOlv8Eu85-VyfcNecQlKh2GPZAIEthww9_x4-

HZRaRwJ5Km1tCo6ISylgWEZvr84CRRJ7nq->. Accessed on 12 May 2021).

[6] Superior Court of Justice (STJ) – 3a Turma – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (Ordinary Appeal in Writ of Mandamus) No. 12,872. Rapporteur: Nancy Andrighi. Judged on 24.06.2002. Available at: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=470151&num_registro=200100100791&data=20021216&tipo=51&formato=PDF. Accessed on May 26, 2021.

[7] Processo Administrativo No. 08012.004617/2013-41. Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?2pXoYgv29q86Rn-fAe4ZUaXIR3v7-gVxEWL1JeB-RtUgqOwvr6Zlwydl0IhRNSr2Q22lByVKByYDYwsa13_Jxv_TD0gMz5Bnf9DkLxr-asuqhGSyxpB7jiO8aqnx0vHf.Accessed on May 26 2021; Processo Administrativo No. 08012005324/2012-59. Available at:  https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?5LK2OPcLJR_ipmIIdOEcWJwPucpbCJDecPgMLlCe73jB508ahT9wUzaXUnjAZUJ4XW1xtu1H5kGUyGvypRMajWMjZBqZ7tkJ5OpHVeIxfwpnSYvFw1IVXU02fZRvCSdL. Accessed on May 26, 2021; and Processo Administrativo No. 08700.009029.2015-66. Available at:  https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcZNF6wRFQVq4JQpS_exAbBBVAdTW2UzM8ZeHpAvJHclU.  Accessed on May 26, 2021.

[8] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?xgSJHD3TI7Rh0CrGYtJb0A1Onc6JnUmZgGFW0zP7uM-54cKv3whfMyMJyxgUnW4_2eumIfm7hbrs9CEY–1UylQfGJWMQ2fOH-G1JHthe3UCl6fqdq1HQ_z2d7PSUCJw. Access on Jnue 22nd, 2020.

[9] Concentration Case No. 08012.010293/2004-48. Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBccvBeUlKC18QR5HMh2pJ91JUNIbpbzpnnTqD9moOO3IZ. Access on June 22nd, 2020.

[10] Idem.

[11] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yNNVQCTjpm7C367U-YYlYREK7bR1fRX6XGMZtrWUXZrJdjaC31raOYeQ4PM8cAeBei3qytqjJiPIQT6bi_egZ8V. Access on June 22nd, 2021.

[12] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?xgSJHD3TI7Rh0CrGYtJb0A1Onc6JnUmZgGFW0zP7uM84PNCjAYZ9QiJRTulTuAHgOaF9Lv2OoPGZblinFWjyhJ1iamkGSGaMQAzhavT6YvDXQe3C_lV-goLimYGYPCNW. Access on June 22nd, 2021.

[13] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73dCc3G_MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNgXFAcnUagM9Igy-8yamlycudxqG4KFbNWdRjNNLT7fGIBzaMp. Access on June 22nd, 2021.

[14] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcYJLJ6_IMCO8aWl4r1pWTuUkoYV1lIlDbfeDxBKOYx0v. Access on June 23, 2021.

[15] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73dCc3G_MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNgXFAcnRaC6ypKDabJe-detd0lKNX3ncd6hKdwRjeme_E8lBSu. Access on June 23, 2021.

[16] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73dCc3G_MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNgXFAcnX7jA_nX9j8uz3AeZuKJMmd3xfZygW8FYE5kqUnKgh8R. Access on June 23, 2021.

[17] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73dCc3G_MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNgXFAcnT41bnIPL8Pur7qdS9xYfkeM9jASRSJ3UrFMUUATmF75. Access on: June 23, 2021.

[18] Annex II (Phase III) of CADE Resolution 02/2012. Available at: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/normas-e-legislacao/resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o%202_2012%20-%20An%C3%A1lise%20Atos%20Concentra%C3%A7%C3%A3o.pdf. Access on: June 28th, 2021.

[19] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yOUomQu-DYUEhGE-sLrGNPYNg1fNbKz4-aCwfmgHjQHgPpTZVa1neaNbOyglhXxJjUohdFg9Wke3n7qJP2NFmBW. Access on June 24, 2021.

[20] PIRONON, Valerie. Les joint ventures: Contribution à l’étude juridique d’un instrument de coopération internationale. Paris: Dalloz, 2004, p. 3.

[21] ASTOLFI, Andrea. El contracto international de joint venture. 1 ed. Buenos Aires: Depalma, 1986. Cuadernos de la Revista del derecho comercial y de las obligaciones; v. 2.

[22] PIRONON, Valerie. Op. Cit., p. 12-17.

Regra “PER SE” no direito antitruste brasileiro: um grande erro

Eduardo Molan Gaban

Desde o surgimento do sistema brasileiro de defesa da concorrência, é possível observar uma forte influência dos conceitos norte-americanos na sua estruturação. Por exemplo: para a avaliação da ocorrência de um ilícito antitruste no Brasil, sistematizaram-se duas metodologias “importadas” do direito norte-americano para a análise de casos concretos: a regra da razão e a regra “per se”. A diferença entre essas duas regras reside na quantidade de informação necessária antes da tomada de uma decisão pelo tribunal administrativo.

A partir da aplicação do padrão analítico “per se”, a conduta é considerada ilícita independentemente do contexto em que foi praticada, sendo desnecessária a análise de estrutura de mercado e de poder econômico do agente. Referida regra determina que, uma vez configuradas certas práticas, o ato poderá ser julgado como ilegal sem qualquer necessidade de aprofundamento das investigações[i].

Por meio da metodologia da razão, por sua vez, a conduta não pode ser, de pronto (ou pela mera identificação de sua existência), considerada ilícita. Esta regra apenas considera ilegais as práticas que restrinjam a concorrência de forma não razoável, sem justificativa. Em sendo aplicável esta regra, para que se chegue a uma conclusão sobre a ilicitude ou não da conduta, é necessária uma avaliação completa e detalhada de todas as circunstâncias envolvendo o caso sob análise, com verificação dos efeitos líquidos negativos para a concorrência, para que somente então seja considerada anticoncorrencial.

Muito embora a importação destes conceitos dos EUA possua inegável utilidade prática no processo de aplicação de leis antitruste, antes da simples adoção de tais padrões de forma automática é necessário avaliar se haveria substrato de validade jurídica no Brasil. Nesse sentido, infelizmente, não há disposição normativa no ordenamento jurídico brasileiro, muito menos na Lei Antitruste, que incorpore a regra “per se” e permita sua utilização nos procedimentos administrativos sancionadores ou mesmo nos processos judiciais.

A Lei nº 12.529/11 dispõe, em seu artigo 36, caput, que as condutas anticompetitivas a serem submetidas ao julgamento pressupõem uma análise de efeitos. Em que pese a lei não defina expressamente sobre a aplicabilidade da regra “per se” ou da razão, a interpretação que se extrai é a de que qualquer análise a ser feita pelo CADE não pode se ancorar em presunções e deve, necessariamente, avaliar os efeitos decorrentes da prática. Nesse sentido, se aproximaria mais da regra da razão, em que é necessária a demonstração dos efeitos em um caso concreto.

A explicação para a utilização da análise “per se” nos casos de cartéis hard core reside no fato de que, ainda que fosse feita uma análise pela regra da razão, esta sempre resultaria em um efeito líquido social negativo, pois a premissa é da existência do poder de mercado e de ser nulo qualquer efeito compensatório em cadeias industriais concentradas em seus diferentes elos. Assim, justifica-se a análise dos cartéis hard core sob a ótica “per se” pela alegada economia processual.

Se em tese o argumento seduz, na prática ele é inviável segundo o sistema jurídico brasileiro, sobretudo por carecer de qualquer previsão legal para tanto. Sua inaplicabilidade fica ainda mais evidente quando consideramos a natureza penal da norma dispositiva contida no art. 36, da Lei Antitruste. Sendo assim, por mais sedutor que seja ao aplicador da norma adotar o padrão “per se” para casos de cartéis clássicos, é imprescindível que seja demonstrada a posição dominante no caso concreto (não apenas a presunção em função da participação de mercado), além é claro de demonstrar-se e provar-se o envolvimento dos acusados e os efeitos negativos de suas práticas.

Por mais cristalina que seja a hermenêutica nesse tema, lacunas e inconsistências marcam a jurisprudência do CADE sobre a questão: o cartel clássico deve ser analisado sob a regra da razão, sob a regra “per se” ou, ainda, como infração por objeto?[1]

Como ponto de partida, notamos louvável resistência de alguns Conselheiros na importação acrítica de ideias de ordenamentos estrangeiros, os quais não coadunam com a realidade brasileira e tampouco com os parâmetros constitucionalmente estabelecidos. Como exemplo, podemos citar o voto condutor da interpretação jurídica segundo a qual a legislação nacional não adota a tese da infração “per se”, proferido pelo Conselheiro Marcos Paulo Veríssimo no Processo Administrativo nº 08012.006923/2012-18[ii]. No mesmo sentido, o voto do Conselheiro Alessandro Octaviani Luis no Processo Administrativo nº 08012.011027/2006-02[iii] ressalva explicitamente a diferença de tradução entre as duas realidades (brasileira e norte-americana).

Tem prevalecido, entretanto, a aplicação da regra “per se” como padrão para aplicar a Lei Antitruste para os casos de carteis clássicos. A dispensa de necessidade de demonstração do poder de mercado para além do simples quadro da estrutura de oferta com as indicações de market share, bem assim da apuração dos efeitos propugnada pela regra “per se” – que “corta o caminho” de uma análise mais completa para uma presunção iuris et de iure do poder de mercado dos agentes – tem predominado nas notas técnicas da Superintendência-Geral[iv] e também nas decisões do Tribunal do CADE.

Este posicionamento punitivo/repressivo majoritário não fica imune à críticas. O primeiro exemplo a ser citado é a rejeição da regra “per se” para, ao invés, adotar a teoria da infração por objeto, com a qual também discordamos, como se denota do voto da Conselheira Ana Frazão no Processo Administrativo nº 08012.000261/2011-63[v]. A divergência também se faz presente no voto exarado pelo Conselheiro Márcio de Oliveira Júnior no Processo Administrativo nº 08700.006965/2013-53[vi], em que, entre a escolha pela adoção da regra “per se” ou da razão, preferiu esta última.

Isso ocorre pois, ainda que o atalho da regra “per se” seduza pela praticidade e facilitação da decisão, o ordenamento jurídico brasileiro não permite a formação de um juízo pela autoridade competente sobre determinado caso com base em especulações. Não é possível a presunção, sem dados, fatos e contexto, de que o agente possui poder de mercado, apenas por estar inserido na tabela de estrutura de oferta apresentada pela acusação cuja somatória de market share dos acusados de conluio supera 20%.

Não é suficiente para justificar a adoção dessa metodologia o argumento de que a análise “per se” otimizaria o funcionamento e o processamento dos casos tramitando perante a autarquia, na medida em que dispensa a autoridade do exame detido e demorado dos impactos do mercado.

A regra “per se” é incompatível com o sistema jurídico brasileiro, já que este privilegia o princípio constitucional da presunção da inocência e impõe às autoridades de acusação e de decisão a comprovação das práticas e de seus efeitos. Em outras palavras, a presunção insculpida na Constituição Federal de 1988 é pela inocência, não pela existência de poder de mercado que, via de consequência, leva a uma possível existência de ilícito. A adoção da regra per se na investigação e no juízo punitivo leva ao absurdo da prova negativa de autoria e de materialidade, o que é absolutamente inconsistente com a matriz constitucional vigente no Brasil.

Investigar e decidir por intermédio da regra “per se” viola o princípio de que o ônus da prova cabe à acusação, ou de que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”, conforme disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal – inquestionavelmente aplicável ao processo administrativo sancionador no âmbito do CADE. Nesse sentido, a presunção da existência de poder de mercado nesse tipo é aceitável apenas para se inaugurar investigações, porém jamais para se impor sanções.

Também não há que se falar em maior segurança jurídica. Na realidade, a aplicação da regra “per se” implica o efeito oposto, vez que aumenta significativamente o risco de overdeterrence, que pode culminar em erros do tipo I, e que, via de consequência, pode resultar em injustiças. Além disso, condenações injustas, que não decorrem do devido processo legal ante a verdade real dos fatos e de seu contexto, levam ao descrédito da sociedade sobre o trabalho da autoridade antitruste.

A este respeito, é digno de nota que Paolo Buccirossi[vii] entende que há três tipos de falhas que podem afetar o sistema de aplicação das normas – ou seu enforcement: (i) excesso ou contenção de dissuasão (over-deterrence/underdeterrence); (ii) erros tipo I e tipo II (ou falsos positivos e falsos negativos, respectivamente); e (iii) excesso ou contenção de inclusão (over-inclusion/under-inclusion). A primeira falha que se verifica na aplicação do direito concorrencial se refere à força do enforcement, que é demasiadamente grande com a regra “per se” (overdeterrence). A segunda é relacionada à qualidade do sistema de punição, que, pela aplicação da regra “per se”, pode revelar um falso positivo ou erro de tipo I, quando o agente é condenado por infringir uma norma, embora não tenha empreendido uma conduta proibida. A terceira falha é observada quando a norma proíbe uma conduta que em algumas circunstâncias é benéfica (over-inclusion).

E, de fato, a regra “per se” traz como consequência a proliferação de inquéritos/procedimentos administrativos muitas vezes infundados, o que resulta em um nível excessivo de repressão. Nestes casos, a coletividade, que é titular do bem jurídico protegido pela legislação concorrencial, se torna vítima da própria execução equivocada da lei.

Em síntese, o que se verifica é que a oposição e disputa entre as classificações da infração antitruste pela análise “per se” e da razão dizem respeito, principalmente, ao nível de segurança jurídica e de economia processual que cada uma das categorias proporciona. Todavia, estas são falsas justificativas, pois não há segurança jurídica em resultados que ferem a ordem constitucional vigente, e a economia processual não deve sobrepor-se aos princípios e direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal de 1988.

É de se notar que a regra “per se” é frequentemente questionada, inclusive, nos EUA, como recentemente indicou a decisão Sanchez et al. v. United States, em que aceitou a Suprema Corte daquele país reavaliar a aplicação da regra “per ser”. A questão apresentada nesse caso avalia se a aplicação da regra “per se” ao direito antitruste viola a proibição constitucional de instruir os julgadores de que certos fatos presumidamente estabelecem um elemento de crime.

Ao fim e ao cabo, mesmo havendo algum sentido analógico entre os padrões dogmáticos e econômicos de análise entre ambas as jurisdições (EUA e Brasil) no tocante à Política Antitruste, decisões baseadas apenas na regra “per se” são nulas de pleno direito, já que contrariam a Constituição Federal de 1988 e os parâmetros infraconstitucionais contidos nos diplomas aplicáveis aos processos sancionatórios.


[1] Trataremos desse tema em outro artigo.


[i] GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 96.

[ii] “30. Mencionado trecho do guia europeu (o Guidelines on the Application of 101(3) TFEU (formerly Article 81(3) TEC), no qual se inspirara) deixa claro que a presunção de ilicitude que acompanha as condutas anticompetitivas pelo objeto é baseada na experiência, no conteúdo do acordo e na sua alta probabilidade de prejudicar o bem coletivo protegido pela lei. Contudo, trata-se apenas de uma presunção iuris tantum, e não significa que se esteja adotando uma ficção absolutamente descolada da realidade, nem uma presunção irrefutável. (…) 99. Tudo isso não significa, evidentemente, que se trate de ‘infração per se’, até porque essa expressão sequer existe na legislação nacional. Em outras palavras, não significa que se trate de presunção iuris et de iure de ilegalidade”. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica.  Processo Administrativo nº 08012.006923/2012-18. Relator: Conselheiro Ricardo Machado Ruiz. Voto-vista do Conselheiro Marcos Paulo Veríssimo. Brasília, 20 de fevereiro de 2013.

[iii] “A tentativa de submeter o direito administrativo e econômico brasileiro à prática norte-americana não é um bom método. Esse erro de tradução entre duas realidades legislativa e jurisprudencialmente distintas muitas vezes é a pedra angular da tese segundo a qual a condenação de infrações à ordem econômica, no Brasil, dependeria da efetiva comprovação dos efeitos deletérios da conduta pela autoridade de defesa da concorrência”. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica.  Processo Administrativo nº 08012.011027/2006-02. Relatora: Conselheira Ana Frazão. Brasília, 11 de março de 2015.

[iv] A título exemplificativo, podemos citar um trecho da Nota Técnica nº 23/2017/CGAA7/SGA2/SG/CADE, emitida no PA n.º 08012.002414/2009-92, excerto este comumente utilizado pela SG em investigações de mesmo objeto: “171. O resultado prático e útil desta classificação na aplicação da lei antitruste é evidente. Quando uma conduta for considerada anticompetitiva porque possui objeto ilícito, ou seja, sua mera existência a torna ilícita já que dela nunca decorreriam efeitos positivos concorrenciais, existe uma presunção de ilegalidade, aplicando-se aquilo que se convencionou chamar de regra per se. Neste caso, repise-se, a mera existência de uma conduta com determinado objeto é anticompetitiva, não sendo necessárias análises posteriores sobre efeitos ou sobre o mercado. (…) 183. Nesse sentido, estando diante de um cartel normalmente basta a comprovação da existência do acordo para sua punição, dispensando a prova acerca da existência de prejuízos efetivos para fins de sua repressão. Assim, nos casos de cartel clássico, a prova da existência do acordo já seria suficiente para sua condenação. Entretanto, a comprovação da existência de outros elementos que caracterizem perenidade e institucionalidade (ainda que potenciais) torna a conduta mais grave, ensejando punição proporcional a esta gravidade. Novamente, dispensa-se, para a caracterização de um cartel como clássico, provas relativas a efeitos ou digressões sobre poder de mercado, bastando a comprovação da existência de elementos de perenidade e institucionalidade. (…) Dessa forma, a utilidade em estabelecer as condições de existência de um cartel clássico, em outras palavras, comprovar se o acordo possui características que demonstrem sua perenidade (ao menos possível) e institucionalização (mecanismos de monitoramento do cumprimento dos objetivos acordados entre seus membros), está não em obter prova necessária para a condenação da conduta, para a qual basta a prova da existência do acordo colusivo, mas sim em determinar a gravidade da conduta e o quantum proporcional de punição”. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica.  Processo Administrativo nº 08012.002414/2009-92. Relator: Conselheiro Paulo Burnier da Silveira. Nota Técnica nº 23/2017/CGAA7/SGA2/SG/CADE. Brasília, 8 de março de 2017.

[v] Neste caso, embora entendendo que a adoção de tabela de preços é conduta ilícita, bastando à sua configuração a divulgação dos preços, sendo desnecessário investigar seus efeitos, reconheceu tratar-se de presunção relativa e não “per se”. Com isso, permitiu-se à defesa o afastamento da ilicitude caso provados os benefícios racionais e legítimos para o comportamento, ou seja, se a sugestão de preços for utilizada para a realização de outro objeto lícito e razoável. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica.  Processo Administrativo nº 08012.000261/2011-63. Relatora: Conselheira Ana Frazão. Brasília, 03 de setembro de 2014.

[vi] “25. Considerando a possível divergência sobre a metodologia de análise da influência à adoção de conduta uniforme ou concertada sob a regra ´per se´ ou sob a regra da razão, adoto postura conservadora e opto pela segunda alternativa. 26. Caso seja analisada pela regra ´per se´, o próprio escopo da conduta seria suficiente para demonstrar o potencial de lesividade do ilícito. Por outro lado, se adotada a regra da razão, seria necessário aferir a existência de poder de mercado, bem como aferir se os efeitos líquidos da prática seriam favoráveis ou não à concorrência. Diante dessa possível dúvida, essa postura conservadora será adotada no caso concreto para averiguar se, mesmo com a consideração de eventuais eficiências da concertação, a prática poderia elevar o bem-estar e culminar na efetiva oferta de melhores condições ao consumidor final”. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica.  Processo Administrativo nº 08700.006965/2013-53. Relator: Conselheiro Márcio de Oliveira Júnior. Brasília, 23 de abril de 2015.

[vii] BUCCIROSSI, Paolo. The Enforcement of Imperfect Rules. 2010. Disponível em: https://www.learlab.com/wp-content/uploads/2016/03/lear_rp_1_10_1283338320.pdf. Acesso em: 26 jan. 2022. 5-15 pp.

Enforcement concorrencial privado e as condutas unilaterais

Ana Sofia Cardoso Monteiro Signorelli

Desde o último Peer Review da OCDE, é uníssono entre doutrinadores brasileiros e estrangeiros a relevância que o enforcement concorrencial privado possui com relação ao aprimoramento da persecução pública. No Brasil, apesar da previsão normativa do Art. 47 da Lei 12.529/2011 possibilitar sua propositura, deficiências sistêmicas do sistema judiciário brasileiro e a dificuldade de equiparar as reparatórias concorrenciais ao sistema de reparação cível tradicional originaram um absoluto desestímulo ao crescimento deste tipo de demanda em território nacional.

Dentre as dificuldades desta equiparação, está a problemática de quantificação do valor do dano, uma vez que a captura do sobrepreço proveniente de condutas colusivas exige um robusto contrafactual, produzido a partir de exercícios econométricos não apenas complexos, como absolutamente distantes da realidade dos julgadores.

A metodologia acima descrita, contudo, possibilita unicamente o cômputo do sobrepreço em decorrência de condutas de natureza colusiva, ou seja, cuja ocorrência prejudica os demais entes da cadeia que precisarão absorver este aumento. Não obstante, é necessário relembrarmos que o Art. 47 não realiza qualquer delimitação de objeto, isto é, quanto a que tipo de infração econômica poderia vir a ensejar a propositura de uma ação reparatória privada. Do contrário, o artigo refere-se, de forma genérica, às “práticas que constituam infração à ordem econômica”, ou seja, incluindo-se também práticas de natureza unilateral, cujo cálculo do dano possui uma lógica diametralmente distinta.

Estas peculiaridades acentuaram ainda mais a coleção de desincentivos para que particulares ingressassem com estas ações no Brasil. Assim, em que pese a esperança de que o PL 11.275/2018 possa resolver parte relevante destes problemas – como as calorosas discussões sobre o prazo prescricional aplicável – a reparação de danos em sede de condutas unilaterais está ainda um passo atrás neste processo.

Enquanto isso, cinco dias atrás, na Inglaterra, teve início uma ação coletiva ajuizada em face do grupo Meta, hoje controlador do Facebook, cujos pedidos reparatórios somam aproximadamente 2,3 bilhões de libras. Trata-se de um pedido de reparação de danos com base no alegado abuso de posição dominante da plataforma Facebook durante o período de outubro de 2015 a dezembro de 2019, quando 44 milhões de usuários ingleses haveriam sido afetados por uma política de coleta de dados que, apesar de agressiva, como defendem os advogados da causa, seria essencial para que os usuários pudessem acessar os benefícios da rede social.

Retomando a discussão acerca das limitações para a difusão deste instrumento, para além do cálculo em si, há outras diferenças importantes e que vêm sendo mapeadas pela literatura estrangeira[1], como o grau de impacto da infração com relação aos competidores, o momento do dano, a duração e diferenciação do efeito sobre diferentes tipos de consumidores.

Com relação ao grau de impacto, além de prejudicar os demais entes ao longo da cadeia produtiva, condutas unilaterais possuem repercussões patrimoniais tanto para os consumidores diretos do infrator, quanto para os competidores[2], que atuam na mesma fase da cadeia. Isto ocorre porque, diferentemente do cartel, cujo intuito é apropriar-se de excedentes, similarmente ao fenômeno do monopolista, condutas unilaterais, como a utilização de preços predatórios, podem inicialmente inclusive beneficiar o consumidor, que se beneficiará de preços melhores.

Entretanto, uma vez que o incumbente tem sucesso ao excluir ou até mesmo coibir a entrada de novos competidores, a elevação de preços e possível deterioração da qualidade dos produtos é certa – caso contrário, não haveria racionalidade na conduta. Dessa maneira, a cobrança de lucros cessantes como reparação privada é não apenas mais óbvia, como também mais fácil de ser quantificada.

Sobre o momento do dano, diferentemente dos cartéis, as fases de implementação das condutas unilaterais são bastante demarcadas e geralmente remontam um fechamento, seguido por um atrito, onde ocorre a retirada dos demais concorrentes do mercado, e, em seguida, a recuperação, seguida pelo crescimento deste incumbente no mercado. Essas fases terão impacto direto não apenas na duração do efeito sobre concorrentes e consumidores, como também na forma com que são afetados, uma vez que, em razão do tratamento diferenciado com relação a consumidores específicos (por exemplo, oferecendo compensação a alguns deles), é possível que consumidores não sejam afetados de forma homogênea

Certamente, a proliferação da utilização de vieses comportamentais especialmente no contexto das plataformas digitais pode acentuar este fenômeno, ocasionando um desnível no grau de afetação dos consumidores com relação à prática, o que precisará ser levado em conta no momento de quantificar o dano.

No que diz respeito à duração do efeito – em que pese as calorosas discussões que debatem uma extensão de efeitos no contexto dos cartéis em licitação – ao passo em que o efeito do cartel normalmente não se sustenta por muito tempo após o encerramento da prática colusiva (o que também dependerá de características próprias de cada mercado, como a elasticidade da demanda, por exemplo), condutas unilaterais poderão implicar em saídas forçadas ou entradas impedidas, o que possibilita que os efeitos da infração perdurem por muito tempo após a cessação da conduta.

Ora, todas estas distinções carecem de um tratamento próprio e chamam atenção para a necessidade de fortalecer o enforcement concorrencial privado também com relação às condutas unilaterais – o que pode não apenas assumir a forma de tutelas reparatórias, como ressaltaram Camargo e Violada (2021)[3], mas também, no formato das chamadas “stand-alone suits”, de tutelas declaratórias, desconstitutivas, inibitórias ou mesmo reintegrativas.

Com o crescimento na quantidade de casos envolvendo infrações unilaterais e discutindo complexidades adicionais no que diz respeito às características inerentes às plataformas, observemos as cenas dos próximos capítulos. Mardsden (2013)[4], ao referir-se sobre a interação entre os dois tipos de enforcement, manifestou o entendimento de que o ideal seria que sua interação seguisse um modelo de engrenagens, como um veículo híbrido, que pudesse alternar suas baterias de acordo com a necessidade naquele momento. Ainda há muita estrada pela frente até que o Brasil possa atingir este “estado da arte” de aplicação do Direito Concorrencial, mas é possível que os novos desafios trazidos com a proliferação de condutas unilaterais possam acelerar este processo.


[1] MAIER-RIGAUD, Frank P.; SCHWALBE, Ulrich. Quantification of Antitrust Damages. In: ASHTON, David; HENRY, David. Competition Damages Actions in the EU: Law and Practice, 2013.

[2] Sobre este tema, a American Bar Association, em publicação que trata sobre a prova nas ações reparatórias, igualmente ressalta tal diferenciação: “Thus, exclusionary condut cases may be brought by either a rival or a customer (or class of customers). In this way, exclusionary conduct cases differ from price-fixing cases, in which competitors to the price-fixing conspirators typically do not have a claim to antitrust injury”, in: AMERICAN BAR ASSOCIATION. Proving antitrust damages: legal and economic issues. 3a Ed. Chicago: 2017, p. 275.

[3] GOMES, Adriano Camargo; VIOLADA, Kelly Fortes. Private enforcement do direito concorrencial: a tutela dos direitos nos casos de conduta unilateral. In MOTTA, Ricardo; OLIMPIA, Anna. Concorrência: um olhar contemporâneo sobre condutas unilaterais. São Paulo: Editora Singular, 2021, p. 125-142.

[4] MARSDEN, Philip. Public-Private for effective enforcement: some “hybrid” insights? In: FABBIO, Philipp, MARSDEN, Philip; WALLER, Spencer Weber. Antitrust Marathon V: When in Rome Public and Private Enforcement of Competition Law. European Competition Journal, Vol. 9, Número 3, 2013, p. 510-511.

A celebração de TCCs em sede de condutas unilaterais: dúvidas, inquietações e algumas poucas certezas

Ana Sofia Cardoso Monteiro Signorelli

Os Termos de Compromisso de Cessação (“TCCs”) foram disciplinados pela antiga Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 8.884/94) e mantidos pela Lei nº 12.529/2011 em seu artigo 85, podendo ser negociados com a autoridade antitruste a pedido do representado ou a requerimento, uma vez atendidos os critérios de conveniência e oportunidade previstos no caput do referido artigo.

A partir da promulgação da nova lei, o papel dos TCCs no contexto de investigações de condutas colusivas mostrou-se decisivo na construção da história institucional do Cade, seguindo o padrão do continente americano, no qual, de acordo com o levantamento mais recente da OCDE[1], cerca de 48% dos casos envolvendo condutas cartelizadas resultou em acordo (considerando uma média de 130 casos julgados por ano, no período compreendido entre 2015 e 2019).

Há, entretanto, uma importante lacuna a ser preenchida em relação à política de acordos do Cade: e quando estes TCCs são celebrados no contexto da “terceira onda do antitruste”? Conforme defendem Athayde e Jacobs[2], esta terceira onda remete à ascensão dos ilícitos concorrenciais advindos de condutas unilaterais, o antigo calcanhar de Aquiles do Cade, de acordo com os últimos Peer Reviews publicados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[3].

Em que pese já se falar em uma quarta onda, que remeteria à análise regulatória do antitruste[4], a terceira onda não parece ter chegado a seu zênite no Brasil, mas, ao contrário, vem sendo impulsionada por abalos sísmicos cada vez mais emblemáticos e representativos, sobretudo a partir da pandemia do COVID-19, sua relação com o crescimento dos mercados digitais e a consequente ampliação do número de casos envolvendo abuso de posição dominante por parte das plataformas[5].

Entretanto, a elevada complexidade ínsita a este tipo de análise – considerando que se trata de ilícitos por efeitos e, portanto, avaliados sob a ótica da regra da razão – impõe desafios adicionais ao juízo de conveniência e oportunidade para iniciar um acordo. Esses desafios se estendem a outras questões debatidas ao longo de sua negociação, como é o caso da necessidade e quantificação de uma contribuição pecuniária, da aplicação de multa por descumprimento, da necessidade de confessar ou não a prática lesiva e, finalmente, da inclusão ou não de garantias, por parte da Administração Pública, com relação à determinação sobre se a prática cessada através da celebração do acordo constituirá ou não um precedente vinculante para a instituição e da própria análise de mérito do caso.

Assim, inobstante o fato de ter o Cade estruturado um Guia de TCC, trazendo diretrizes gerais sobre a celebração destes acordos no âmbito da Autarquia, ainda há muita dúvida no que diz respeito aos parâmetros de negociação para acordos em sede de condutas unilaterais, como abuso de posição dominante através da adoção de cláusulas de exclusividade, programas de desconto, fixação de preços de revenda, recusa de contratar e discriminação de preços[6].

Recentemente, o Documento de Trabalho “TCC na Lei 12.529/2011” – publicado pelo Cade em Fevereiro de 2021 e fruto das contribuições de Carolina Saito, consultora PNUD[7] – identificou alguns padrões na celebração de acordos pelo Cade desde que a Lei nº 12.529/2011 entrou em vigor. Naquela oportunidade, chamou-se atenção à proporção dos TCCs celebrados em sede de cartel, frente aos acordos realizados perante condutas unilaterais – aproximadamente 3 para 1[8].

Tal desequilíbrio poderia se explicar como um reflexo da desproporção no que diz respeito à quantidade de investigações em cartéis vis-à-vis o volume de casos instaurados para averiguar infrações à ordem econômica no contexto das condutas unilaterais. Entretanto, analisar os dados sobre a abertura de investigações na Autarquia é suficiente para se chegar à conclusão de que esta hipótese não explica este desnível – pelo menos não exclusivamente – uma vez que, segundo aponta o Anuário do Cade 2020, a proporção média de cartéis com relação às condutas unilaterais considerando todas as investigações instauradas naquele ano foi de 1,16[9].

De acordo com o último Peer Review produzido pela OCDE em relação ao enforcement do antitruste no Brasil[10], é possível que a reduzida frequência da celebração de TCCs em sede de condutas unilaterais possa ser explicada a partir do receio da Autarquia em impedir a formação de um histórico jurisprudencial e, consequentemente, reduzir a experiência analítica do Tribunal Administrativo do Cade a respeito da matéria. Entretanto, apesar de parecer uma preocupação válida, sua natureza parece ser muito mais prospectiva do que explanatória.

Assim, o que talvez seja a melhor explicação para a desproporção na celebração destes acordos em relação aos diferentes tipos de conduta é o frequente arquivamento de investigações envolvendo condutas unilaterais[11], somado às incertezas quanto à correta fase processual para a celebração de um acordo – considerando a evolução do Procedimento Preparatório (Art. 66, §2º) para o Inquérito Administrativo (Art. 66, §1º) e, finalmente, para o Processo Administrativo (Art. 69 e seguintes), todos previstos na Lei de Defesa da Concorrência.

Ademais, a natureza do ilícito investigado traduz boa parte desta dificuldade, uma vez que as condutas unilaterais possuem pressupostos de ilicitude distintos, dependendo essencialmente da aplicação da regra da razão, o que, por si só, já configuraria um desincentivo ao promitente compromissário, vez que sua probabilidade de condenação é reduzida[12].

Tal desincentivo, por sua vez, possui efeito direto com relação à fixação de uma contribuição pecuniária e dos parâmetros para a sua quantificação. Neste sentido, enquanto que nos TCCs celebrados em casos de cartéis um dos requisitos é a fixação de tal contribuição, a mesma afirmação não é verdadeira em se tratando de condutas unilaterais.

Ao observarmos o histórico dos 76 TCCs celebrados desde a vigência da Lei 12.529/2011, 14 casos (18,42%) dispensaram sua fixação, ao passo em que um total de 39 casos (51,3%) teve a fixação da contribuição fixada proporcionalmente ao aporte da operadora Unimed (Representada), variando entre R$ 10 e R$ 30 milhões. Finalmente, os 23 casos remanescentes (30,26%) aplicaram uma média de R$8.652.645,90 em contribuições pecuniárias, com um desvio padrão amostral de aproximadamente 14.959.567,37. Esta média representa tão somente 6,14% do total de contribuições fixadas em TCCs no ano de 2020[13].

A desnecessidade de apresentar uma contribuição pecuniária para ensejar a negociação destes acordos em sede de condutas unilaterais poderá causar pelo menos dois efeitos, cujo entendimento requer retomar os conceitos de falsos positivos e falsos negativos. Quando tratamos de um falso positivo, ou seja, a condenação de um agente que não praticou um ilícito, é possível que o fato de se tratar de uma conduta unilateral gere danos mais intensos ao mercado, prejudicando a própria dinâmica naturalmente competitiva. Assim, exigir o pagamento de uma contribuição pecuniária nessas circunstâncias apenas potencializaria este dano. Por outro lado, um falso negativo poderia beneficiar-se da incerteza quanto aos parâmetros para aplicação da contribuição, que provoca um desvio-padrão tão alto quanto o que verificamos no caso concreto.

Para além dos efeitos reportados acima, a indefinição quanto à contribuição pecuniária afetará também o que será adotado como valor da multa por descumprimento do acordo, ensejando uma problemática quanto à mensuração deste valor. Neste sentido, apesar de o art. 85, §1º, II do RICADE estabelecer como cláusula obrigatória a multa por descumprimento total ou parcial dos termos do TCC, quando os acordos não fixam uma contribuição pecuniária, torna-se impossível realizar qualquer exercício de correlação entre estes valores – o que normalmente se faria nos casos de cartel.

Após revisar os mesmos 76 TCCs firmados neste espaço de tempo, constata-se que a maioria deles (aproximadamente 85,5%) possui cláusulas de multa por descumprimento do tipo “escalonadas”, ou seja, que fixam multas diferentes a depender do tipo de obrigação que venha a ser descumprida.

Do universo das cláusulas escalonadas, apenas 4,6% delas utilizam-se da receita líquida corporativa como a base de cálculo da multa, ao passo em que 3% acabam aplicando como multa um percentual do valor da contribuição pecuniária fixada. Dentre as cláusulas que fixam multas apenas em caso de descumprimento integral, 9% relacionam o valor da multa com esta contribuição.

A maior questão relativa ao estabelecimento de multa nesses casos deriva da própria dificuldade no monitoramento de cumprimento do acordo. Assim, caso a autoridade antitruste entenda pela não aplicação de cláusula de contribuição pecuniária, por todos os problemas evidenciados acima, os termos do acordo de TCC estarão calcados tão somente em obrigações de fazer e de não fazer, além de remédios comportamentais, cuja dificuldade de monitorar o seu cumprimento é conhecida não apenas pelo Cade, como também pelos demais órgãos atuantes na defesa da concorrência no Brasil.

Ora, a dificuldade no monitoramento também é outro elemento característico neste tipo de acordo. Neste sentido, denota-se que a esmagadora maioria, compreendendo aproximadamente 85,5% destes TCCs, adota como padrão de monitoramento de decisão a prestação de informações diretamente ao Cade, ao passo que o percentual remanescente se divide entre a contratação de consultoria externa, auditoria independente ou, mais recentemente, a adoção dos Trustees.

É certo que a ausência de um terceiro independente pode acarretar comportamentos oportunistas por parte dos promitentes compromissários, na medida em que estes vislumbrem, no decorrer das negociações, formas de maquiar eventuais descumprimentos, utilizando-se da assimetria informacional entre a autoridade e o representado no que diz respeito às particularidades de seu negócio.

De toda forma, ainda que o monitoramento seja realizado pela figura do Trustee, a fixação de obrigações comportamentais continua representando um ponto sensível para a identificação de descumprimento e, retomando o ponto anterior, a fixação de uma multa suficientemente dissuasória poderia ajudar, fixando a base de cálculo para a vinculação da multa por descumprimento – o que significaria uma incerteza a menos no mar de dúvidas potencializadas pelo abalo sísmico pandêmico.

Dentre tantas questões em aberto a respeito do desenho destes acordos em sede de unilaterais, contudo, resta uma possível certeza no que diz respeito à obrigação de confissão da prática lesiva – é possível que a estrutura de incentivos demonstre que obrigar o compromissário acusado de possivelmente cometer este tipo de ilícito pode enfraquecer a própria política de acordos, uma vez que, a depender da fase em que se encontra o processo, o agente que se comprometesse com a celebração do TCC em um estágio inicial e precisar confessar que praticou o ilícito para ter direito à celebração do acordo – assim como ocorre nos casos de cartel[14] – não enxergaria grandes benefícios com o TCC, sendo mais lógico que apenas optasse por fazê-lo em uma fase processual mais amadurecida e próxima à formação da convicção do julgador quanto à existência deste ilícito – que ainda enfrentaria uma ponderação sobre as possíveis eficiências geradas.

Corroborando com esta possível – e aparentemente, isolada – certeza, caberia questionar se a obrigatoriedade de assunção de culpa como requisito para a celebração de TCCs em sede de condutas unilaterais não seria capaz de viciar os termos contratuais[15], vez que inexiste a mesma presunção de ilicitude dos cartéis na qualidade de ilícitos per se.

A experiência do Cade na celebração destes acordos ainda é muito incipiente se comparada ao histórico de TCCs celebrados no âmbito de condutas colusivas. Entretanto, ao passo em que a OCDE manifestou sua preocupação no sentido de que estimular a celebração destes acordos pode acabar por prejudicar a formação de uma jurisprudência sólida sobre este tipo de análise antitruste, é possível que o aprimoramento da sua utilização possa gerar ganhos à autoridade, inclusive no que diz respeito à sistematização da análise investigativa.

[1] OECD (2021), OECD Competition Trends 2021, Volume I: Global Competition Enforcement Update 2015-2019. P. 13.

[2] ATHAYDE, Amanda; JACOBS, Patrícia. “A terceira ‘onda’ do antitruste no Brasil: marolinha ou tsunami?”. Revista Consultor Jurídico, 1 de março de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mar-01/athayde-jacobs-terceira-onda-antitruste-brasil. Acesso em: 20 de setembro de 2021.  

[3] OECD (2019), OECD Peer Reviews of Competition Law and Policy: Brazil. Disponível em: https://www.oecd.org/daf/competition/oecd-peer-reviews-of-competition-law-and-policy-brazil-2019.htm. Acesso em: 20 de setembro de 2021.

[4] JÚNIOR, Marco Antonio Fonseca. “Que onda surfa o Cade?”. Jornal Estadão. 17 de agosto de 2021. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/que-onda-surfa-o-cade/#:~:text=Come%C3%A7ou%2Dse%2C%20ent%C3%A3o%2C%20a,reparat%C3%B3rias%20decorrentes%20de%20danos%20concorrenciais. Acesso em: 20 de setembro de 2021.

[5] https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/cadernos-do-cade/plataformas-digitais.pdf

[6] PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva. CASAGRANDE, Paulo Leonardo. Direito Concorrencial. São Paulo: Saraiva, 2016. P. 135.

[7]CADE, 2021. Documento de Trabalho: TCC na Lei 12.529/11. Fevereiro/2021. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/TCC%20na%20Lei%20nº%2012.52911/TCC%20na%20Lei%20nº%2012.529-11.pdf . Acesso em: 20 de setembro de 2021.

[8] Ibid. Conforme é possível constatar da Leitura da Imagem 6 (Página 18), aproximadamente 65,6% dos TCCs firmados envolviam casos de cartel, enquanto que apenas 22,6%, casos de conduta unilateral.

[9] CADE, 2020. Anuário do Cade 2020. P. 9. Disponível em: https://indd.adobe.com/view/f30f80e3-23b2-4370-9314-41a50b625073. Acesso em: 20 de setembro de 2021.

[10] Ob cit. OCDE (2019).

[11] Dos 19 casos que envolviam abuso de posição dominante através da imposição de exclusividades contratuais na história do Cade, aproximadamente 47% foram arquivados. Disponível em <https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/LACF(2021)23/en/pdf>

[12] “(…) a caracterização do ilícito de cartel exige uma efetiva comprovação de que existe ou existiu entre concorrentes um acordo cujo objeto é a restrição da competição, em que a presunção de produção dos efeitos anticompetitivos visados baseia-se, notadamente, pela detenção de relevante parcela conjunta de mercado”. Ob. Cit. PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva. 2016. P. 14.

[13] p. 11 https://indd.adobe.com/view/f30f80e3-23b2-4370-9314-41a50b625073

[14] Conforme dispõe o §5º do art. 179 do Regimento Interno do Cade

[15] Pode-se aqui realizar uma espécie de paralelismo com a colaboração premiada realizada na esfera penal, em que a Legislação responsável prevê como requisito para a celebração do acordo a voluntariedade do compromisso estabelecido, e que caso não seja observado, poderá vir a viciar os termos do contrato e torná-lo nulo.