O mito do déficit previdenciário no Brasil: uma análise necessária

Marco Aurélio Bittencourt

No Brasil, é comum ouvirmos falar sobre o “déficit” da previdência social   numa narrativa esdrúxula que tem sido amplamente difundida ao longo dos anos. Contudo, é fundamental questionarmos a veracidade dessa narrativa e analisarmos os fatores que realmente influenciam o equilíbrio financeiro do sistema previdenciário nacional.​

Historicamente, a previdência social foi concebida para ser sustentada por três pilares: trabalhadores, empregadores e governo. Ela se tornou necessária depois de ultrapassada a fase inicial da previdência que tinha recolhimento de contribuições quase ausente de pagamentos de benefícios.  Essa estrutura tripartite visa garantir a solidez e a sustentabilidade do sistema, distribuindo equitativamente as responsabilidades de financiamento. No entanto, na prática, essa divisão nem sempre ocorre de forma equilibrada.​

Atualmente, as contribuições previdenciárias dos empregados variam entre 7,5% e 14% de seus salários, conforme a faixa salarial. Por outro lado, os empregadores contribuem com 20% sobre o valor das remunerações pagas a cada mês aos seus empregados. Essa estrutura de contribuição demonstra uma disparidade em relação à proposta de divisão equitativa de 1/3 para cada ente., embora se aproxime dos 30 %. Esses 30% sobre o percentual estimado do PIB que cabe aos trabalhadores (que engloba as contribuições patronais) seria de cerca de R$ 1,35 trilhões de reais em 2023, tomando como base a participação de 50% do PIB da categoria salários.

Em 2023, o PIB do Brasil chegou a R$ 10,9 trilhões, consolidando-se como a maior economia da América do Sul e a oitava do mundo (uma bobagem que os economistas não expressam na conta correta do PIB per capita). Esse dado reforça a capacidade econômica do país em sustentar um sistema previdenciário sólido, desde que haja uma gestão pública não ideológica e uma distribuição justa das responsabilidades de financiamento.​ Se olharmos para as informações do Tesouro, temos que em 2023, o déficit conjunto dos regimes de previdência administrados pela União alcançou R$ 428 bilhões, resultantes de receitas de R$ 638 bilhões e despesas de R$ 1,066 trilhão. Mas, se de fato considerássemos a divisão tripartide, a cada ente caberia uma responsabilidade de cerca de R$ 353,3 bilhões; o que aconteceu foi que cada ente (trabalhador e empregador) recolheu, teoricamente, R$ 319 bilhões. Isso nos mostra que o propalado déficit seria de apenas R$ 50 bilhões, em que pese nessa conta olharmos uma contribuição distorciva na conta dos empregadores (20%) e trabalhadores, provavelmente menos do que a metade dos empregadores. Isso não importa muito porque a fatura final fica por conta dos trabalhadores, já que as empresas repassam seus custos aos preços ou demitem para manterem sua margem de lucro.

O governo federal, que deveria ser um dos principais financiadores do sistema, não cumpre integralmente com sua parcela de contribuição. Essa omissão está sendo rotulada como “déficit”, mascarando a real origem do desequilíbrio financeiro da previdência.​ Situação constrangedora seria o próprio pagamento do governo relativa à sua contribuição previdenciária que deveria, para seus funcionários, ser de 10% e como empregador de mais 10% e como ente próprio outros 10%, na dimensão salutar de contribuição de cerca de 30% por trabalhador.

Mas o inferno orçamentário também abriga coisas diabólicas como isenções e recolhimentos em atraso que geralmente abarrotam os escaninhos jurídicos da receita federal. Isenções e desonerações fiscais: Alguns setores econômicos recebem incentivos fiscais que reduzem ou eliminam a obrigação de contribuição previdenciária.​ Evasão e inadimplência: Empresas e indivíduos que não cumprem com suas obrigações contributivas, seja por dificuldades financeiras ou por tentativa de evasão fiscal.​

É importante destacar que a questão do envelhecimento populacional, frequentemente apontada como a vilã do déficit previdenciário, não é, de fato, fator de desequilíbrio previdenciário. O que realmente importa é se o Produto Interno Bruto (PIB) do país suporta as despesas previdenciárias. Observa-se que a contribuição previdenciária, em termos percentuais do PIB, tem se mantido relativamente constante ao longo dos anos, conforme se depreende das Contas do Tesouro em seu relatório COFOG (média de 15% PIB entre 2020 e 2022). Se envelhecermos além da conta, duas saídas de mercado se apresentam naturalmente: a imigração voluntária e bem-vinda ou a recuperação do PIB pela produtividade.

O verdadeiro desafio reside na informalidade do mercado de trabalho brasileiro. Um número significativo de trabalhadores atua na informalidade, não contribuindo para o sistema previdenciário. Curioso, contudo, é notar que, mesmo com essa informalidade, o PIB formal do país é suficientemente robusto para gerar as contribuições necessárias para a manutenção da previdência, basta considerar o montante alocado à previdência.​

Portanto, ao invés de focarmos exclusivamente no suposto déficit previdenciário, é fundamental direcionarmos nossos esforços para combater a informalidade no mercado de trabalho e assegurar que todos os entes – trabalhadores, empregadores e governo – cumpram com suas obrigações contributivas. Somente assim poderemos garantir a sustentabilidade e a justiça do nosso sistema previdenciário, sem necessidade de reformas maquiavélicas que invariavelmente atinge de morte os aposentados presentes e futuros.


Marco Aurélio Bittencourt. Professor do Instituto Federal de Brasília – IFB , na área de gestão e negócios. Doutorado em Economia pela Unb.

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O que o deficit da previdência significa para a população em geral?

CADE instaura inquérito contra Conselhos de Odontologia por vedar descontos

Brasília, 10/03/2025

Publicado em 10/03/2025 às 06h12 – Atualizado em 11/03/2025 às 14h10

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em despacho publicado hoje, iniciou um Inquérito Administrativo contra o Conselho Federal de Odontologia (CFO) e 24 Conselhos Regionais de Odontologia (CROs), devido à divulgação de informações que associam o oferecimento de descontos em serviços odontológicos a infrações éticas. As publicações, feitas especialmente no período da Black Friday, indicam que a prática de oferecer descontos seria proibida pelo Código de Ética Odontológica, o que, segundo a investigação, configura uma possível infração à ordem econômica.

O caso e as denúncias

O Histórico do Processo

O processo que originou a investigação atual remonta a 2020, quando o Cade abriu um processo administrativo para investigar a prática de restrição à oferta de descontos por parte do CFO e de alguns CROs. Em 2023, o Cade tomou uma decisão histórica no processo nº 08700.002535/2020-91, que envolveu a prática de proibição de descontos e a aceitação de cartões de descontos no setor odontológico.

Naquela decisão, o Cade determinou que o CFO alterasse sua Resolução nº 118/2012, que restringia a aceitação de cartões de desconto e a oferta de promoções no setor odontológico. O órgão antitruste também declarou que a proibição de descontos infringia os princípios da livre concorrência, já que impedia a livre negociação de preços entre profissionais e consumidores. O Cade reconheceu que a prática de vetar descontos afetava negativamente tanto os profissionais da área quanto os consumidores, que eram privados da possibilidade de acessar preços mais competitivos.

O CFO foi condenado a promover a alteração da Resolução nº 118/2012, além de anular todos os processos administrativos instaurados contra profissionais de odontologia que oferecessem descontos. A decisão também determinou que o CFO desse publicidade à decisão, informando o público sobre as mudanças e esclarecendo a posição do Cade.

O Descumprimento e a Nova Investigação

Apesar da decisão do Cade, o Denunciante alega que tanto o CFO quanto os CROs, continuaram a promover publicações que associam a oferta de descontos a práticas antiéticas. Durante a Black Friday de 2024, por exemplo, diversas postagens teriam sido feitas alertando os profissionais de odontologia sobre os riscos de oferecer descontos, sugerindo que isso violaria as normas éticas da profissão. Essas postagens foram feitas tanto no site do CFO quanto nas redes sociais dos CROs de vários estados, como Acre, Alagoas, Amazonas, Ceará, Distrito Federal, entre outros.

Imagem: Instagram CRO/ACRE – https://www.instagram.com/p/Cz8xg30u-kJ/?img_index=1

Essas ações estariam supostamente descumprindo a decisão proferida pelo Cade no âmbito do Processo Administrativo n° 08700.002535/2020-91 (Odontocompany x CFO e CRO/MG), referente a proibição de os Conselhos de Odontologia sancionarem cirurgiões-dentistas pelo oferecimento de descontos, o que motivou uma nova denúncia e levou à instauração do Inquérito Administrativo. Em nota técnica o Cade entendeu que: “Os fatos narrados muito se assemelham a práticas anteriores de Conselhos de Odontologia já condenadas por esta autoridade antitruste, sendo, portanto, dever deste Cade investigar os indícios apresentados na medida em que, se comprovadas, tais condutas são passíveis de enquadramento como ilícitos concorrenciais previstos nos incisos I e IV do caput do art. 36 c/c incisos II, VIII, X do §3º do mesmo artigo da Lei nº 12.529/2011.”

Medidas preventivas e multas

Em resposta à denúncia, o CADE determinou a adoção de medidas preventivas para cessar os efeitos anticompetitivos dessas práticas. As ações incluem a remoção de todas as publicações que associem descontos em serviços odontológicos a infrações, a abstenção de novas postagens com esse conteúdo e a suspensão de processos administrativos que tenham sido movidos contra dentistas que ofereceram descontos. A decisão também estipula uma multa diária de R$ 50.000,00 para o caso de descumprimento das medidas preventivas.

Além disso, os conselhos deverão divulgar a decisão em suas páginas na internet e comunicar a todos os profissionais associados sobre a imposição dessas medidas, com um prazo de cinco dias para cumprimento. Em termos práticos, a medida preventiva busca conter a propagação de informações que possam gerar um ambiente de insegurança entre os profissionais de odontologia, impedindo-os de atuar livremente, sem a preocupação de sofrer sanções por praticarem promoções ou oferecimentos de descontos.

O Cade continuará a monitorar o cumprimento das medidas preventivas e a conduzir a investigação para apurar a extensão das infrações cometidas pelos Conselhos de Odontologia. O próximo passo será avaliar se a exclusão das publicações e a suspensão dos processos administrativos ocorrerão dentro dos prazos estabelecidos.

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CADE instaura processo administrativo e impõe medidas preventivas contra a Cardiovasc

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CADE determina exigências sobre comércio eletrônico da Apple no Brasil


Um oferecimento:

PATROCINADOR: DOU DO CADE

Regulação econômica em dia – 08.03.2025

ANTT – Governo Federal lança Programa MelhorAR para reduzir emissões no transporte rodoviário

Programa MelhorAR para o transporte rodoviário

ANTT anuncia mudanças estruturais e novos ajustes tarifários

ANTT anuncia ajustes tarifários

Regulação econômica em dia

Acesse aqui:

Concorrência pelo mundo – 08.03.2025

Informativo semanal de defesa da concorrência no Brasil e no mundo

Brasil

CADE encaminha investigação contra bancos internacionais para fase final

CADE encaminha investigação contra bancos internacionais para fase final

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) avançou mais um passo no Processo Administrativo nº 08700.004633/2015-04, que investiga supostas infrações à ordem econômica cometidas por grandes bancos internacionais e seus executivos no mercado financeiro brasileiro. Em despacho publicado nesta terça-feira (19/02), a Superintendência-Geral do CADE determinou o encerramento da fase instrutória do caso, notificando os envolvidos para apresentação de suas alegações finais antes da decisão definitiva.

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CADE instaura processo administrativo e impõe medidas preventivas contra a Cardiovasc

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Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em despacho publicado na manhã desta sexta-feira (07), anunciou a instauração de um Processo Administrativo contra a Sociedade de Médicos Cardiovasculares do Maranhão S/S Ltda. (Cardiovasc), com base em uma denúncia do Ministério Público do Estado do Maranhão (MP-MA). A decisão visa investigar práticas que possam configurar ilícitos anticompetitivos, conforme a Lei nº 12.529/2011.

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CADE divulga 11 novas aprovações para atos de concentração 

CADE

Nesta sexta-feira (7), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) divulgou, no Diário Oficial da União (DOU), 11 novas aprovações para atos de concentração referentes aos mercados de investimentos, energia, supermercado, veículos, indústria e saúde. Além das parcerias autorizadas, a autarquia instaurou processo administrativo contra a Sociedade de Médicos Cardiovasculares do Maranhão e anunciou retificação da Portaria Normativa nº 45/2025/CADE (SEI nº 1510354).

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CADE determina exigências sobre comércio eletrônico da Apple no Brasil

CADE

Na última quarta-feira (5), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) determinou novas exigências com relação ao mercado eletrônico do sistema IOS. Com um prazo limite de 90 dias cedido pela autarquia, a Apple deve fazer mudanças no sistema operacional dos produtos e permitir lojas terceirizadas de aplicativos nos dispositivos, para além da App Store. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) definiu que a Big Tech precisa seguir as imposições da Autoridade Antitruste brasileira mesmo após conduta favorável decidida pela Justiça Federal em dezembro de 2024. 

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Grupo Porto Dias expande atuação em medicina diagnóstica com aquisição aprovada pelo CADE

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O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) aprovou, sem restrições, a aquisição de controle compartilhado do Instituto de Patologia Clínica Cemaza pelo Centro de Saúde Norte S.A. (CSN), integrante do Grupo Porto Dias. A decisão foi oficializada em parecer publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 21 de fevereiro de 2025.

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Internacional

Co-op reescreve acordos de terras para cumprir regras de concorrência no Reino Unido

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A rede de supermercados Co-operative Group Limited (Co-op) reconheceu ter violado 107 vezes uma norma imposta para garantir a concorrência no setor varejista de alimentos no Reino Unido. A investigação foi conduzida pela Competition and Markets Authority (CMA), órgão antitruste britânico.

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Concorrência Mundial: união entre Microsoft e OpenIA é liberada no Reino Unido

concorrência

Na última quarta-feira (5), a Competition & Markets Authority (CMA), autorizou a parceria entre a Microsoft e a OpenIA. De acordo com o Wall Street Journal, a Autoridade Antitruste britânica, após analisar o caso, decidiu não abrir uma investigação formal acerca da união entre as empresas, já que o órgão afirma que a operação é um ato não prejudicial à concorrência de mercado na região. 

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Concorrência em solo indiano: 3 grandes empresas de delivery enfrentam processo

concorrência

Empresas indianas de entregas rápidas abriram processo na Competition Commission of India (CCI), autoridade antitruste do país, contra grandes empresas internacionais que atuam no setor de comércio eletrônico. Na mira da investigação, companhias de delivery como Zomato, Swiggy e Zepto são observadas. 

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Golpe Milionário: FTC suspende operações de empresa acusada de fraude financeira nos EUA

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A Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC) obteve uma decisão judicial para suspender as operações da Growth Cave, empresa investigada por enganar consumidores com falsas promessas de enriquecimento. A Justiça também congelou os ativos da companhia, que teria arrecadado cerca de US$ 50 milhões desde 2020.

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CADE instaura processo administrativo e impõe medidas preventivas contra a Cardiovasc

Brasília, 6 de março de 2025

Publicado em 07/03/2025, às 11h03

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em despacho publicado na manhã desta sexta-feira (07), anunciou a instauração de um Processo Administrativo contra a Sociedade de Médicos Cardiovasculares do Maranhão S/S Ltda. (Cardiovasc), com base em uma denúncia do Ministério Público do Estado do Maranhão (MP-MA). A decisão visa investigar práticas que possam configurar ilícitos anticompetitivos, conforme a Lei nº 12.529/2011.

Entenda o Caso

A acusação central é que a Cardiovasc, ao reunir quase todos os cirurgiões cardiovasculares da cidade, teria monopolizado o mercado de serviços médicos nessa especialidade, o que resultaria em restrição à concorrência, tabelamento de honorários e abuso de posição dominante.

O que é a Cardiovasc e sua composição

A Cardiovasc é uma sociedade simples formada por médicos especialistas em cirurgia cardiovascular com o objetivo de prestar serviços médicos nessa área. A sociedade foi criada com a intenção de melhorar as condições de trabalho dos seus membros, reunindo os cirurgiões para negociar diretamente com planos de saúde, mas, de acordo com as investigações, essa centralização das negociações resultou em práticas que podem ser consideradas anticompetitivas.

As alegações e denúncias

O MP-MA, com base em uma Notícia de Fato apresentada pela União Nacional das Instituições de Saúde (Unidas), alegou que a Cardiovasc teria praticado os seguintes atos:

  1. Monopolização do mercado: Ao agregar todos ou quase todos os cirurgiões cardiovasculares de São Luís, a Cardiovasc teria criado uma posição dominante no mercado, restringindo a entrada de novos concorrentes.
  2. Tabelamento de honorários: A sociedade teria imposto uma tabela de preços para os seus membros, elevando os valores cobrados pelos procedimentos cirúrgicos, prejudicando a concorrência e o acesso a tratamentos de qualidade para os consumidores.
  3. Exclusividade: A Cardiovasc teria exigido que seus membros prestassem serviços exclusivamente através da sociedade, dificultando a concorrência direta entre os profissionais.

A Defesa da Cardiovasc

Em sua defesa, a Cardiovasc argumentou que a criação da sociedade tinha como objetivo equilibrar as condições de negociação com os planos de saúde, que, segundo a sociedade, impunham valores muito baixos para os honorários médicos. A Cardiovasc também afirmou que as negociações com as operadoras de planos de saúde eram feitas individualmente, e que a tabela de honorários não era uma imposição, mas sim uma tentativa de garantir um pagamento justo para seus membros.

Medidas Preventivas Impostas

Como parte da investigação, o CADE também concedeu medidas preventivas com o objetivo de cessar os efeitos prejudiciais das possíveis práticas anticompetitivas enquanto o processo segue em andamento. As medidas impostas à Cardiovasc incluem:

  1. Abstenção de aplicar a tabela de honorários da Cardiovasc até a decisão final do processo;
  2. Proibição de editar novas tabelas ou documentos que possam ter efeitos similares aos da tabela de honorários;
  3. Proibição de exigir exclusividade dos médicos cardiovasculares associados;
  4. Divulgação pública da decisão em sua página da internet e comunicação oficial aos planos de saúde conveniados no prazo de cinco dias corridos.

Em caso de descumprimento, a Cardiovasc poderá ser multada em R$ 20.000,00 por dia.

Prazos e Procedimentos

A decisão também determina que a Sociedade de Médicos Cardiovasculares do Maranhão seja notificada para apresentar defesa no prazo de 30 dias, contados a partir da publicação do despacho. Durante esse período, a Cardiovasc deverá indicar as provas que pretende produzir e, caso tenha interesse em prova testemunhal, deverá indicar até três testemunhas a serem ouvidas pelo CADE.

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O 13º ICC Brazilian Arbitration Day

Eric Moura

Introdução

O 13º ICC Brazilian Arbitration Day está marcado para 13 de março de 2025, e estou animado para participar deste evento prestigioso. Ele representa uma oportunidade fantástica não apenas para discutir novas tendências em arbitragem com profissionais extremamente qualificados, mas também para celebrar as significativas conquistas da instituição. À medida que o cenário da arbitragem no Brasil e na América Latina continua a evoluir, o Brazilian Arbitration Day serve como um pilar fundamental para a discussão de avanços, desafios e tendências emergentes em arbitragem. Este encontro é o momento ideal para refletir sobre como a ICC Brazil tem sido instrumental na modelagem do campo da arbitragem, tornando um artigo sobre este tópico oportuno e relevante.

A arbitragem comercial internacional floresceu no Brasil nas últimas duas décadas, transformando o país em um centro regional para resolução de disputas. Esse crescimento foi sustentado por reformas legais, como a Lei de Arbitragem Brasileira de 1996 e uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal em 2001 que confirmou sua constitucionalidade[1]. Uma vez que a base legal da arbitragem foi assegurada, o uso expandiu-se rapidamente. O Brasil ratificou a New York Convention em 2002, alinhando-se aos padrões globais de execução.[2]. Neste contexto, a International Chamber of Commerce estabeleceu uma presença formal no Brasil. A iniciativa ICC Brazil desde então evoluiu para uma instituição chave, integrando partes e advogados brasileiros à comunidade global de arbitragem.

Criação da ICC Brazil

A ICC Brazil foi criada em 2014 como o comitê nacional brasileiro da International Chamber of Commerce[3]. O objetivo era dar às empresas brasileiras uma voz mais ativa globalmente e adaptar os serviços da ICC para o mercado brasileiro. Em termos práticos, isso significava que as empresas brasileiras poderiam se envolver mais facilmente com os mecanismos de resolução de disputas e com a expertise da ICC. O momento foi oportuno: até 2014, a arbitragem já havia ganhado ampla aceitação no Brasil, com instituições locais prosperando e o judiciário apoiando decisões em arbitragens. A iniciativa da ICC aproveitou esse momento.

Em 2017, a ICC inaugurou um escritório de gestão de casos em São Paulo, a primeira presença desse tipo da ICC na América Latina[4]. Isso seguiu a aprovação pelo Conselho Executivo da ICC no final de 2016[5]. O escritório de São Paulo foi estabelecido para administrar casos intimamente conectados com o Brasil, incluindo arbitragens domésticas sob as regras da ICC[6]. Esse desenvolvimento foi baseado na fundação da ICC Brazil em 2014 e complementou os outros escritórios internacionais da ICC, como os de Nova York, Singapura e Xangai. Alexis Mourre, descreveu a expansão da presença em São Paulo como uma resposta ao mercado de arbitragem da América Latina, que está “sempre em expansão”, e uma maneira de aproximar os serviços da ICC aos usuários na região[7]. Desde então, a ICC Brazil tem efetivamente ligado a demanda local à estrutura global de arbitragem da ICC.

Evolução e Principais Marcos

A criação da ICC Brazil coincidiu com um aumento dramático na participação brasileira na arbitragem da ICC. Até 2016, o Brasil ocupava o terceiro lugar mundial em número de partes em arbitragens da ICC, compreendendo quase 30% de todas as partes da América Latina nos casos da ICC[8]. Essa tendência continuou: as partes brasileiras têm estado consistentemente entre os usuários mais frequentes da ICC. Nas estatísticas de 2019, o Brasil estava em terceiro lugar por número de partes, refletindo uma profunda penetração da arbitragem da ICC no país[9]. A equipe de gestão de casos de São Paulo administrou mais de 650 casos da ICC desde seu lançamento em 2017 até o final de 2024, e nos últimos anos, ela gerencia mais de 100 novos casos anualmente[10]. Notavelmente, o Brasil agora não é apenas uma fonte de casos internacionais, mas também um local para arbitragens domésticas da ICC, já que 21 disputas puramente entre partes brasileiras foram registradas na ICC em 2023[11]. Isso faz do Brasil o segundo maior usuário de arbitragem da ICC para casos domésticos em 2023, um indicador notável da credibilidade local da ICC Brazil[12].

Outro desenvolvimento importante foi a adaptação da ICC às necessidades locais: a ICC introduziu uma tabela de custos de arbitragem em reais em 2017, para fornecer previsibilidade sobre as taxas para casos gerenciados pelo escritório de São Paulo. Essa tabela em reais foi atualizada em 2021 e novamente em 2024 (válida a partir de 2025) para compensar as flutuações cambiais, garantindo que a ICC permaneça competitiva e acessível no mercado brasileiro[13]. Paralelamente a isso, a ICC Brazil traduziu as regras da ICC e orientações para o português e promove ativamente melhores práticas, ajudando a adaptar as políticas globais da ICC para os usuários brasileiros.

A presença da ICC Brazil se entrelaçou com o ecossistema de arbitragem mais amplo do país. As instituições arbitrais brasileiras, como CAM-CCBC, CAM-B3, CAMARB, CIESP/FIESP e outras, já estavam bem estabelecidas e contribuíram para uma cultura de arbitragem robusta. Em vez de deslocar os fóruns locais, a ICC Brazil os complementa ao lidar com casos de perfil internacional ou quando as partes preferem os procedimentos da ICC. O escritório da ICC em São Paulo colabora com a Comissão de Arbitragem e ADR da ICC Brazil para garantir que os desenvolvimentos das regras da ICC reflitam as necessidades dos usuários locais. O judiciário brasileiro também desempenhou um papel nessa evolução, mantendo-se favorável à arbitragem ao fazer sentenças. Esses fatores promoveram um ambiente no qual a ICC Brazil pôde prosperar e se tornar um dos líderes regionais.

Impacto na Arbitragem na América Latina e Globalmente

A ascensão da ICC Brazil teve um impacto significativo na arbitragem na América Latina e reforçou as redes globais de arbitragem. Primeiramente, o Brasil se tornou um grande centro para a arbitragem internacional na América Latina, com São Paulo sendo frequentemente escolhida como sede para arbitragens na região. De fato, atualmente o Brasil é o local de arbitragem mais utilizado mundialmente em casos da ICC[14]. Partes de toda a América Latina incluem cada vez mais cláusulas da ICC em contratos, sabendo que a ICC tem uma forte base no Brasil para administrar os procedimentos. Ao estabelecer operações locais, a ICC tornou mais conveniente resolver disputas latino-americanas sob as regras da ICC, reduzindo as barreiras de idioma e distância. Isso ajudou a aumentar a participação de partes latino-americanas para cerca de 15% do volume de casos da ICC nos últimos anos[15], com o Brasil liderando a contribuição da região.

Globalmente, a ICC Brazil reforçou a influência da ICC. O intenso engajamento de empresas brasileiras significa que mais árbitros, advogados e casos do Brasil estão contribuindo para a prática mundial da ICC. Por exemplo, em 2023, o Tribunal da ICC confirmou ou nomeou 60 árbitros de nacionalidade brasileira[16], ilustrando a integração do Brasil nos grupos globais de árbitros. Árbitros e profissionais brasileiros agora são proeminentes em procedimentos da ICC no exterior, e, inversamente, partes estrangeiras confiam na arbitragem da ICC no Brasil. Essa interação eleva o perfil da América Latina na arbitragem internacional. Como um comentário no Kluwer Arbitration Blog observou, o Brasil “emergiu como um jogador proeminente na comunidade internacional de arbitragem” e solidificou sua posição no cenário global através das estatísticas de casos da ICC[17]. Além disso, a história de sucesso da ICC Brazil, em um país que já foi cético em relação à arbitragem, serve como modelo de como as instituições internacionais podem se adaptar e prosperar, incentivando assim a disseminação da arbitragem para outros mercados emergentes.

Vale ressaltar que a maior contribuição do Brasil tem sido na arbitragem comercial, uma vez que o país permanece fora do sistema de arbitragem entre investidor e estado, já que o Brasil não ratificou a Convenção do ICSID[18]. No entanto, a ICC Brazil demonstra que a arbitragem comercial internacional robusta pode florescer concentrando-se em disputas entre empresas e contratos estatais. A presença da ICC no Brasil provavelmente encorajou outros países da América Latina a aprofundarem seu envolvimento com a ICC e instituições similares. A Conferência Anual de Miami sobre Arbitragem Internacional da ICC, um evento importante para as Américas, apresenta regularmente desenvolvimentos do Brasil, destacando seu impacto regional. Em suma, a ICC Brazil beneficiou-se e contribuiu para o boom mais amplo da arbitragem na América Latina, ao mesmo tempo em que reforça a missão global da ICC de facilitar a resolução de disputas transfronteiriças.

Conclusão

Em pouco mais de uma década, a ICC Brazil estabeleceu-se e consolidou-se como um pilar tanto no contexto brasileiro quanto no internacional de arbitragem. Desde seu lançamento em 2014, passando pela abertura do escritório da ICC em São Paulo em 2017 e outros marcos importantes, a evolução da ICC Brazil acompanha a crescente reputação do Brasil como uma jurisdição favorável à arbitragem. Ela facilitou a resolução de disputas de alto calibre para partes brasileiras e latino-americanas, trazendo também as melhores práticas globais para o cenário local. O impacto foi mutuamente reforçador: a aceitação da arbitragem pelo Brasil proporcionou à ICC Brazil um terreno fértil para crescer, e a ICC Brazil, por sua vez, impulsionou o desenvolvimento da arbitragem em toda a América Latina. Como evidenciado por iniciativas como o Brazilian Arbitration Day, a ICC Brazil permanece na vanguarda das discussões e do delineamento do futuro da arbitragem, focando em eficiência, adaptando-se às mudanças do setor e enfrentando desafios jurídicos emergentes. Aguardo ansiosamente a oportunidade de me conectar com colegas durante este evento.


[1] Capistrano, Diego. “The Evolution of the Interpretation of the Competence-Competence Principle in the Brazilian Legal Order: Legal Certainty Provided for Foreign Investors.”

[2] Id.

[3] https://www.iccbrasil.org/en/icc-brasil

[4] https://iccwbo.org/news-publications/news/icc-court-announces-new-operations-brazil

[5] Id.

[6] Id.

[7] Id.

[8] Id.

[9] https://chambers.com/content/item/3944

[10] https://iccwbo.org/news-publications/news/icc-reaches-arbitration-milestone-with-case-29000

[11] Id.

[12] Id.

[13] https://iccwbo.org/news-publications/news/new-2025-brazilian-scale-in-reais-for-arbitration

[14] https://iccwbo.org/news-publications/news/icc-reaches-arbitration-milestone-with-case-29000

[15] Id.

[16] Id.

[17] https://arbitrationblog.kluwerarbitration.com/2023/08/07/first-icc-arbitration-conference-in-the-south-of-brazil-marks-a-milestone

[18] https://icsid.worldbank.org/about/member-states


Eric Moura. LLM in Global Business Law pela Columbia Law School. Consultor na Omni Bridgeway. E-mail: emoura@omnibridgeway.com


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Eric Moura

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O 13th Brazilian Arbitration Day acontece no dia 13 de março em São Paulo – ICC Brasil