Pedro Zanotta e Dayane Garcia Lopes Criscuolo
A troca de conhecimentos, experiências e modelos jurídicos, entre os países, é uma prática muito rica, já que nos ensina e traz ideias para melhorar pontos que, por vezes, são pedras no caminho em nossa legislação, que impedem o bom andamento, dificultam o prosseguimento ou a rápida evolução de procedimentos. É o direito comparado em sua essência!
Neste sentido, muito se fala acerca das evoluções trazidas pela Lei 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência – LDC) no âmbito da submissão e análise de atos de concentração, e não se nega o quanto evoluímos, mas será que não há mais nada que ainda possamos melhorar? Sabe-se que a submissão de operações à autoridade antitruste é importante, dado o impacto que podem trazer aos mercados dos mais diversos setores de nossa economia.
No entanto, será que a submissão automática de todas as operações, quando do atingimento dos valores de faturamento exigidos, nos termos do artigo 88, da LDC e da Portaria Interministerial 994/2012 (PI 994) é, em todas as hipóteses, de fato, necessária? Considerando que os valores[1] da PI 994 estão sem atualização desde o ano de 2012, eles estão aptos a filtrar as operações que devem, de fato, passar pelo crivo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)? Os valores não deveriam ser, periodicamente, atualizados? Levando-se em conta a obrigatoriedade da submissão das operações, seriam as taxas cobradas pelo órgão justas?
Considerando esses questionamentos, buscamos o Direito Comparado e, com base na Lei de Defesa da Concorrência Argentina (Ley 27442/2018[2]), tem-se que referido diploma traz alguns dispositivos que poderiam inspirar algumas alterações em nossa LDC.
Inicialmente, destaca-se que não há taxas para a submissão de atos de concentração junto à autoridade antitruste argentina. Ademais, uma operação só deve ser submetida[3] a esta autoridade quando o volume de negócios[4] total, do conjunto de empresas afetadas,[5] superar, no país, a soma equivalente a, aproximadamente, US$ 102,000,000[6]. Para efeitos da determinação desse volume de negócios, o Tribunal de Defesa da Concorrência informará, anualmente, o valor em moeda corrente que se aplicará durante o ano correspondente.
Isto quer dizer, a própria legislação prevê a forma de atualização do valor de corte das operações, sem a necessidade de novas portarias ou regulamentações, que demandam tempo para seus trâmites, adotando o Tribunal, desta forma, sempre os valores atualizados. Tal fato difere, em muito, do Brasil, na medida em que os valores aplicados pelo CADE foram atualizados em 2012, não sofrendo qualquer alteração desde então, o que, certamente, implicou na submissão de uma série de operações que, a princípio, não necessitariam de análise pelo órgão, se os valores estivessem atualizados, assim como não haveria o recolhimento da respectiva taxa para a submissão destas operações.
A lei argentina traz, também, exceções à submissão obrigatória das operações, ainda que o valor acima disposto seja atingido. São elas[7]:
(a) aquisições de empresas das quais o comprador já possuía mais de 50% das ações, sempre que este fato não implicar na alteração da natureza do controle;
(b) as aquisições de bônus de subscrição, debentures, ações sem direito de voto ou títulos de dívida da empresa;
(c) as aquisições de uma única empresa por parte de uma única empresa estrangeira que não possua anteriormente ativos (excluindo aqueles para fins residenciais) ou ações de outras empresas na Argentina e cujas exportações para a Argentina não tenham sido significativas, habituais e frequentes durante os últimos trinta e seis meses;
(d) aquisições de empresas que não tenham registrado atividade no país no último ano, salvo se as atividades principais da empresa-alvo e da empresa adquirente coincidirem;
(e) as operações de concentração econômica que requerem notificação, em razão de atingirem o montante correspondente ao volume de negócios, quando o valor da operação e o valor dos ativos situados na República Argentina que serão absorvidos, adquiridos, transferidos ou controlados não excederem, cada um deles, respectivamente, o equivalente a cerca de US$ 20,400,000, salvo se no período de doze meses anteriores tenham sido realizadas operações que, em conjunto, excedam esse montante, ou o equivalente a cerca de US$ 61,000,000, desde que em ambos os casos se trate do mesmo mercado.
Isto quer dizer, a lei argentina prevê, como exceções, operações que apresentam menor potencial de risco ao mercado, ainda que o critério do valor de volume de negócios seja atingido, evitando, desta forma, que o excesso de formalidade prejudique a boa movimentação dos mercados e a evolução de procedimentos necessários para o desenvolvimento da economia.
Dentro deste contexto, verificamos que, em determinados pontos, a lei argentina está um passo à frente da brasileira, podendo nos servir de inspiração, já que prevê a gratuidade de seus procedimentos, a forma de atualização anual dos valores e, principalmente, as exceções para casos de menor impacto, mantendo-se, desta forma, sob o controle da autoridade antitruste apenas as operações que podem, de alguma maneira, ter efeitos no mercado. Há de se destacar, por fim, que a própria lei traz o resguardo para a autoridade, na medida em que possibilita diminuir eventual efeito negativo destas exceções, a qualquer tempo[8], diante da previsão de requerimento, pela autoridade, de notificação de um ato de concentração que não seria notificável[9].
Desta forma, trazemos à reflexão alguns aspectos trazidos pela Lei de Defesa da Concorrência argentina, no âmbito dos atos de concentração, para incentivar a discussão se não deveriam ser aqui aproveitados, dando, assim, maior efetividade e celeridade ao controle realizado pela autoridade brasileira.
[1] “Art. 1o Para os efeitos da submissão obrigatória de atos de concentração a análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, conforme previsto no art. 88 da Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, os valores mínimos de faturamento bruto anual ou volume de negócios no país passam a ser de:
I – R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinqüenta milhões de reais) para a hipótese prevista no inciso I do art. 88, da Lei 12.529, de 2011; e
II – R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais) para a hipótese prevista no inciso II do art. 88, da Lei 12.529 de 2011.”
[2] Disponível em: https://www.argentina.gob.ar/normativa/nacional/ley-27442-310241/texto Acesso 06.05.2025.
[3] Para efeitos de curiosidade, o controle exercido pela autoridade argentina é posterior à operação, assim como o era na Lei 8.884/84. Neste aspecto, entendemos que a lei 12.529/2011 é mais avançada.
[4] Art. 9º “(…) A los efectos de la presente ley se entiende por volumen de negocios total los importes resultantes de la venta de productos, de la prestación de servicios realizados, y los subsidios directos percibidos por las empresas afectadas durante el último ejercicio que correspondan a sus actividades ordinarias, previa deducción de los descuentos sobre ventas, así como del impuesto sobre el valor agregado y de otros impuestos directamente relacionados con el volumen de negocios.”
[5] Art. 9º “(…) Las empresas afectadas a efectos del cálculo del volumen de negocios serán las siguientes:
- La empresa objeto de cambio de control;
- Las empresas en las que dicha empresa en cuestión disponga, directa o indirectamente:
1. De más de la mitad del capital o del capital circulante.
2. Del poder de ejercer más de la mitad de los derechos de voto.
3. Del poder de designar más de la mitad de los miembros del consejo de vigilancia o de administración o de los órganos que representen legalmente a la empresa, o
4. Del derecho a dirigir las actividades de la empresa.
c) Las empresas que toman el control de la empresa en cuestión, objeto de cambio de control y prevista en el inciso a);
d) Aquellas empresas en las que la empresa que toma el control de la empresa en cuestión, objeto del inciso c) anterior, disponga de los derechos o facultades enumerados en el inciso b);
e) Aquellas empresas en las que una empresa de las contempladas en el inciso d) anterior disponga de los derechos o facultades enumerados en el inciso b);
f) Las empresas en las que varias empresas de las contempladas en los incisos d) y e) dispongan conjuntamente de los derechos o facultades enumerados en el inciso b).”
[6] Valores de acordo com Resolución 21/2025 emitida pela Secretaría de Industria y Comercio del Ministerio de Economía.
[7] “Art. 11.- Se encuentran exentas de la notificación obligatoria prevista en el artículo 9° de la presente ley, las siguientes operaciones:
a) Las adquisiciones de empresas de las cuales el comprador ya poseía más del cincuenta por ciento (50%) de las acciones, siempre que ello no implique un cambio en la naturaleza del control;
b) Las adquisiciones de bonos, debentures, acciones sin derecho a voto o títulos de deuda de empresas;
c) Las adquisiciones de una única empresa por parte de una única empresa extranjera que no posea previamente activos (excluyendo aquellos con fines residenciales) o acciones de otras empresas en la Argentina y cuyas exportaciones hacia la Argentina no hubieran sido significativas, habituales y frecuentes durante los últimos treinta y seis meses;
d) Adquisiciones de empresas que no hayan registrado actividad en el país en el último año, salvo que las actividades principales de la empresa objeto y de la empresa adquirente fueran coincidentes;
e) Las operaciones de concentración económica previstas en el artículo 7° que requieren notificación de acuerdo a lo previsto en el artículo 9°, cuando el monto de la operación y el valor de los activos situados en la República Argentina que se absorban, adquieran, transfieran o se controlen no superen, cada uno de ellos, respectivamente, la suma equivalente a veinte millones (20.000.000) de unidades móviles, salvo que en el plazo de doce (12) meses anteriores se hubieran efectuado operaciones que en conjunto superen dicho importe, o el de la suma equivalente a sesenta millones (60.000.000) de unidades móviles en los últimos treinta y seis (36) meses, siempre que en ambos casos se trate del mismo mercado. A los efectos de la determinación de los montos indicados precedentemente, el Tribunal de Defensa de la Competencia informará anualmente dichos montos en moneda de curso legal que se aplicará durante el correspondiente año. A tal fin, el Tribunal de Defensa de la Competencia considerará el valor de la unidad móvil vigente al último día hábil del año anterior.”
[8] Neste sentido, entendemos que a inexistência de prazo para esta exigência do órgão é prejudicial, e pode trazer insegurança jurídica. Neste aspecto, entendemos que a nossa lei é mais avançada.
[9] Art. 10. “(…) El Tribunal de Defensa de la Competencia dispondrá el procedimiento por el cual determinará de oficio o ante denuncia si un acto que no fue notificado encuadra en la obligación de notificar dispuesta bajo este capítulo de la ley”.
Pedro Zanotta. Advogado em São Paulo, com especialidade em Direito Concorrencial, Regulatório e Minerário. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, em 1976. Foi titular dos departamentos jurídicos da Bayer e da Holcim. Foi Presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica – CECORE, da OAB/SP, de 2005 a 2009. Foi Presidente do Conselho e é Conselheiro do IBRAC. Autor de diversos artigos e publicações em matéria concorrencial. Sócio de BRZ Advogados.
Dayane Garcia Lopes Criscuolo. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Magistratura – EPM. Mestre em Cultura Jurídica pelas Universitat de Girona – UdG (Espanha), Università degli Studi di Genova – UniGE (Itália) e Universidad Austral de Chile – UAch (Chile). Aluna do Programa de Doutorado da Universidad de Buenos Aires – UBA (Argentina). Membro dos comitês de Mercados Digitais e Direito Concorrencial do Instituto Brasileiro de Concorrência, Relações de Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). Pesquisadora REDIPAL – Red de Investigadores Parlamentarios en Línea de la Cámara de Diputados de México. Autora de diversos artigos relacionados ao Direito da Concorrência, Direitos Humanos e questões de gênero.
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