Daniela Santos
Felipe Fernandes Reis
Hoje o foco da minha coluna mensal, com a participação especial do Fernando Montera, é a exploração da energia offshore, ou seja, a energia gerada no mar – eólica, inclusive, mas pode ser qualquer outra, a partir das ondas, das marés, das correntes marítimas entre outras. Um tema muito atraente para todos aqueles que se interessam pela diversificação da matriz energética nacional, pela inovação tecnológica e pelo meio ambiente.
Para termos uma ideia do “tamanho da coisa”, somente Reino Unido, Alemanha e China respondem por um total de aproximadamente 27 GW de energia proveniente apenas de eólicas offshore[1]. E o mercado continua em franca expansão, incluindo a participação de outros Países como os Estados Unidos.
Apesar do tema não ser tão novo assim – se considerarmos que as primeiras experiências na produção de energia offshore ocorreram na Dinamarca em 1991 – é certo que, no Brasil, trata-se de uma nova frente energética, com um potencial enorme de geração de energia e, consequentemente, de estímulo de novos entrantes no setor.
Considerando todo o movimento mundial, em 2020, a EPE divulgou seu estudo sobre o tema no Brasil – Roadmap Eólica Offshore – Perspectivas e caminhos para a energia eólica marítima. Nele, são apresentadas informações que devem ser consideradas para o amadurecimento do debate sobre a nova fonte energética – já inserida no Plano Decenal de Expansão de Energia –PND.
Em síntese, o trabalho da EPE aponta para (i) a existência de um “potencial técnico de cerca de 700GW em locais com profundidade até 50m” em todo o litoral brasileiro, mas especificamente na região Nordeste (sem excluir outras áreas, inclusive o Rio de Janeiro, por exemplo, com a sua expertise em mercado offshore); (ii) a necessidade de estrutura portuária adequada para a construção, montagem e transporte dos equipamentos eólicos; (iii) custos elevados de implantação e operação dos parques eólicos offshore (tecnologia e equipamentos diferentes da eólica onshore) ; (iv) necessidade de conexão com as linhas de transmissão de energia (e eventuais reforços); (v) ajustes normativos/regulatórios e ambientais.
Paralelamente, no final de 2020, o IBAMA elaborou o Termo de Referência Padrão para Complexos de Energia Eólica Offshore, de modo a garantir o correto entendimento sobre os estudos de impacto ambiental de empreendimentos de geração eólica offshore. A iniciativa é importante para garantir celeridade e segurança para o investidor e o Termo já está sendo utilizado na análise dos projetos já apresentados ao IBAMA.
Em relação à regulação, a despeito de não haver impedimentos para o desenvolvimento da atividade eólica no País, o foco é a geração onshore, que, como sabemos, é uma atividade já estabelecida e diferente da offshore. Assim, recentemente o Ministro de Minas e Energia noticiou que devemos ter as adequações regulatórias necessárias equacionadas ainda em 2021.
Por outro lado, há algumas possibilidades de arcabouço legal que estão sendo cogitadas, o que inclui a adoção do modelo de Oferta Permanente do setor de petróleo e gás e possibilidade de se optar por uma nova lei federal, de modo a garantir segurança aos empreendimentos offshore. No Brasil, há dois projetos de lei sobre o assunto tramitando no Congresso. O mais antigo é o PL nº 11.247/18 (que trata da promoção ao desenvolvimento da geração de energia elétrica a partir de fontes eólica e solar fotovoltaica offshore) e o segundo o PL nº 576/21 (que trata do potencial energético offshore – sem limitar as fontes).
O PL 11.247/18 encontra-se, desde janeiro de 2019, na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara do Deputados. Em extrema síntese, o PL propõe alteração na Lei nº 9.074/95 de modo a incluir as usinas eólicas e solares e a autorização da ANEEL para a atividade (com a obrigação de chamada pública). Igualmente, propõe ajustes nos artigos sobre princípios e objetivos da Política Energética Nacional – com o intuito de promoção e incentivo às novas fontes – políticas nacionais e medidas específicas recomendadas pelo CNPE e nas definições (incluindo prismas eólico, fotovoltaico e energia de fonte solar fotovoltaica) contidas na Lei nº 9.478/97.
O mencionado PL propõe a alteração da Lei nº 9.427/96 – garantindo a competência da ANEEL para regular as atividades e promover os procedimentos para a outorga de concessão ou de autorização de uso do bem público associado às usinas eólicas e solar offshore – e da Lei nº 10.847/04, esclarecendo a competência e atribuições da EPE sobre o assunto.
No mais, especifica os regimes de concessão e autorização de uso do bem público associado a implantação das usinas, detalhando o processo licitatório e as cláusulas essenciais do contrato de concessão. Sobre as participações que deverão ser pagas pelos autorizados/concessionários, o PL propõe o seguinte:
“Art. 14. O edital de licitação e o contrato de concessão ou de autorização de uso do bem público disporão sobre o pagamento pela ocupação ou retenção de área, a título de arrendamento ou taxa de ocupação, a ser feito mensalmente, nos termos estabelecidos em resolução do CNPE.” (g.n.)
Por outro lado, o PL 576/21 encontra-se, desde fevereiro de 2021 no Plenário do Senado Federal aguardando a escolha do relator. De forma resumida, o PL altera as Leis nº 9.478/97, nº 9.074/95 e nº 10.438/02, disciplinando a outorga de autorizações para aproveitamento de potencial energético offshore, seja ele eólico ou qualquer outro. O texto apresentado define offshore, prisma energético e descomissionamento, além de esclarecer os princípios e fundamentos da exploração e desenvolvimento da geração de energia a partir de fonte instalada offshore.
O PL estabelece o regime de autorização – e não concessão – de uso de bens da União (com suas respectivas obrigações), por meio de outorga planejada (conforme planejamento do CNPE, por meio de processo seletivo público, considerando, entre outros, a disponibilidade de ponto de interconexão à rede básica) ou de outorga independente (conforme prismas sugeridos pelos interessados – após estudos, por sua conta e risco – com realização de consulta pública prévia).
O texto também define os estudos exigidos para a autorização, o que remete a avaliação técnica e econômica, EIA e avaliação da segurança náutica e aeronáutica. Detalha questões referentes aos prismas energéticos, inclusive indicando a possibilidade de constituição de prismas nas áreas de exploração e produção de petróleo e gás nos casos de constituição de prismas pelos seus operadores ou com sua anuência – boa oportunidade para as concessionárias de E&P!
Ademais, o PL mais recente, além de detalhar o descomissionamento, também fala sobre participações governamentais obrigatórias, o que merece a transcrição do dispositivo proposto:
“Art. 13. O processo seletivo público e o respectivo instrumento de outorga dele resultante disporão sobre as seguintes participações governamentais obrigatórias:
I – bônus de assinatura, que terá seu valor mínimo estabelecido no respectivo instrumento de outorga e corresponderá ao pagamento ofertado na proposta para obtenção da autorização, devendo ser pago no ato da assinatura do termo de outorga;
II – pagamento pela ocupação ou retenção de área, que será pago mensalmente, a partir da data da assinatura do termo de outorga, fixado por quilômetro quadrado ou fração da superfície do prisma energético, na forma da regulamentação;
III – participação proporcional, que será paga mensalmente, a partir da data de entrada em operação comercial, em montante correspondente a cinco por cento da energia efetivamente gerada e comercializada relativamente a cada prisma energético;
§ 1º Regulamento disporá sobre a apuração, o pagamento e as sanções pelo inadimplemento ou mora relativos às participações governamentais devidas pelos autorizatários.
§ 2º O Poder Executivo poderá estipular redução de até sessenta por cento dos valores previstos neste artigo mediante recomendação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) pelo prazo de até cinco anos, sem renovação.” (g.n.)
Em qualquer dos dois projetos, é fundamental garantir que uma eventual lei sobre o tema não engesse a atividade e os avanços tecnológicos, ao mesmo tempo que assegure a sua competitividade e redução de custos, considerando que hoje, a despeito do imenso potencial, devido aos elevados custos associados à tecnologia, a atividade ainda não é competitiva no Brasil. Nesta medida, a questão das participações devidas pelo agente – que impacta na sua competitividade – deverá ser alvo de amplo debate de forma a assegurar que não representem obstáculos ou barreiras para o desenvolvimento da nova atividade.
As oportunidades para eólicas offshore são grandes e estão em linha com o cenário internacional de redução das emissões, incluindo nesse rol a sua convergência com o desenvolvimento de outras tecnologias como o Hidrogênio Verde. Por fim, importante não perder de vista que a “aposta” nas eólicas onshore foi certeira para o Brasil, tratando-se de uma atividade limpa e competitiva consolidada há anos no País, com resultados excepcionais. E é precisamente isso que se espera da eólica offshore, em harmonia com as práticas ESG, gerando mais empregos e competitividade nos próximos anos.
*Fernando Montera é economista e mestre em administração. Atualmente é Coordenador de relacionamento Petróleo, Gás e Naval da FIRJAN, liderando a coordenação do Núcleo de Trabalho de Gás Natural e o desenvolvimento de ações no âmbito de Novas Energias.
(as opiniões do autor não refletem necessariamente o posicionamento da FIRJAN sobre o tema)
[1] De acordo com o Irena o valor de 2020 para esses 3 Países é de 27 GW, equivalente a 80% da capacidade mundial de OW. GWEC-Global-Wind-Report-2021.pdf