A interdisciplinaridade do direito civil na construção do Estado Democrático de Direito: análise da colaboração premiada e propostas para um novo modelo

Apresentação

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Ficha catalográfica

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A interdisciplinaridade do direito civil na construção do Estado Democrático de Direito: análise da colaboração premiada e propostas para um novo modelo

Resumo

O presente artigo científico tem o propósito de suscitar o debate da boa-fé os contratos de colaboração premiada frente aos vícios da coação e outros que fragilizam a sua consistência do modelo, levando-o a anulação, pois pressupõe na sua construção nos requisitos da voluntariedade, espontaneidade, regularidade e legalidade.

Levanta a utilização das “falsas memórias” e “mentiras” a produzir substanciais prejuízos que podem ser prevenidos com perícias de linguagem corporal e microexpressões faciais da Paul Ekman, psicólogos habilitados em transtornos de personalidade e psiquiatras forenses.

Abstract

This scientific article aims to raise the debate on the good faith of plea bargain contracts in the face of vices of coercion and others that weaken the consistency of the model, leading to its annulment, since its construction presupposes the requirements of voluntariness, spontaneity, regularity and legality.

It raises the issue of the use of “false memories” and “lies” that produce substantial damages that can be prevented with expert assessments of body language and facial micro expressions by Paul Ekman, psychologists qualified in personality disorders and forensic psychiatrists.

PALAVRAS-CHAVE: Princípio da boa-fé, perícia e ampla defesa.

KEYWORDS: Principle of good faith, expertise and full defense.

PROPEDÊUTICA:

Sumário

1. A interdisciplinaridade do direito civil e a Constituição Federal de 1988

2. Negócios jurídicos processuais e a colaboração premiada

3. A vis compulsiva e o lawfare

4. A necessidade de perícias especializadas

4.1. Perícia psicológica e psiquiátrica forense

4.2. Requisitos para homologação de laudo pericial

4.3. Proposta de um novo modelo para a colaboração premiada

5. Verdade real e ampla defesa substancial

6. Devido processo legal

7. Rescisão e controle de validade – hipóteses de anulação e rescisão

7.1. Limites da negociação

7.2. Procedimento proposto

8. Contribuição do direito civil

8.1. O papel do direito civil pós-1988

9. Conclusão

Referências bibliográficas

O presente trabalho tem como objetivo analisar a interdisciplinaridade do Direito Civil e sua relevância na construção do Estado Democrático de Direito, especialmente no contexto da colaboração premiada. A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova ordem jurídica, centrada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), o que impactou profundamente o Direito Civil e sua relação com outros ramos do direito.

1. A interdisciplinaridade do direito civil e a Constituição Federal de 1988

Esta pesquisa explora a intersecção entre o Direito Civil e o negócio jurídico processual da colaboração premiada, destacando sua vulnerabilidade à coação (vis compulsiva) e sua instrumentalização no lawfare. Propõe-se que os institutos civilísticos, como boa-fé e probidade, o direito constitucional de resistência e a conservação dos efeitos do contrato, aliados a perícias especializadas, são essenciais para resguardar o Estado Democrático de Direito.

Destaque-se que BUZANELLO[1] (2019, pág. 295) assinala com propriedade na identidade do que observamos nos últimos tempos assinala:

“…A noção de justiça necessita ser resgatada – como razão última de convivência social – pois, tem perdido com o tempo sua noção substantiva originária – jus justum – , pela confusão conceitual de lex. Onde o positivismo jurídico coloca no mesmo plano jus e lex. A lei não é sinônima de justiça, ao contrário, pode ser extremamente injusta, acobertada pelo manto da decisão jurídica…”

Logo, a legislação infraconstitucional não pode autoproclamar-se autônoma para estabelecer qualquer contexto de mediação contratual em qualquer segmento que desconsidere estes institutos, ainda mais com pretextos nitidamente distorcidos, manipulativos e porque não dizer comprometidos com outros sentimentos que não são os de um Estado Democrático de Direito.

O Código Civil de 2002, primeira codificação pós-Constituição Federal de 1988, introduz uma perspectiva civil-constitucional centrada na pessoa humana (art. 1º, III, CF/88). Seus institutos, como o negócio jurídico, influenciam outros ramos do direito, incluindo o processual penal.

Na visão do direito civil elaborada e exposta por FARIAS & ROSENVALD (2007, pág. 426) temos:

“…No negócio há uma composição de interesses, um regramento de condutas estabelecido bilateralmente, entre as partes envolvidas no acontecimento…”

2. Negócios jurídicos processuais e a colaboração premiada

A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, regido por princípios do Direito Civil (art. 113 e 422, CC/02), como boa-fé e probidade, e do CPC/2015 (arts. 5º e 6º). Contudo, sua aplicação desconsidera frequentemente a vis compulsiva (art. 151, CC/02), que anula atos viciados por coação.

Observam ainda, FARIAS & ROSENVALD (2007, pág. 428) o seguinte:

“…É preciso aqui registrar, reiterando posição antes evidenciada à exaustão, que o elemento volitivo, fruto da autonomia da vontade e da autonomia privada, marca registrada do negócio, não mais assume caráter absoluto, sofrendo sempre, as limitações decorrentes da ingerência de normas de ordem pública, notadamente constitucionais, por força da proteção destinada à pessoa humana, realçando sua necessária dignidade (art. 1.º, III, CF/88) …”

Na mesma linha temos a jurisprudência:

“…A concepção moderna do princípio da autonomia da vontade, que se harmoniza com o princípio da obrigatoriedade dos contratos, afastou-se do seu caráter absoluto anterior e diante de determinadas circunstâncias, admite a imposição de limites ao poder de contratar…” (TJRJ, Ac. 5.ª Câm. Cív. Ap. Cív. 10.128/2000, rel. Des. Milton Fernandes de Souza, DOERJ 6.11.2000)

O reconhecimento acadêmico e científico das regras que firmam as linhas do acordo de colaboração premiada é prestigiado por membros das Cortes de Vértice como constatamos na visão do Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Professor, ex-Presidente da 3.ª Secção Criminal ao abordar os limites que devem ser impostos na negociação:

“…A colaboração premiada é negócio jurídica estatal e, como tal, rege-se pelos princípios constitucionais da Administração Pública, pelos princípios do processo penal, pela legislação penal e processual penal, pelas regras do direito civil de negócios jurídicos e do contrato administrativo…” (CORDEIRO, 2020 pág. 179)[2]

A oportunidade dessa manifestação nos remete a reflexão da importância do direito civil e seus princípios presentes em regramentos processuais penais que muito necessitam de uma base principiológica saudável por conta do que temos vivenciado nos últimos tempos de confrontos entre o Estado – Juiz inquisitorial e o Estado Democrático de Direito que impõe o devido processo legal, a presunção de inocência, a ampla defesa, o contraditório e muito necessariamente em nossos dias a boa-fé nessas elaborações por todos que atuam em qualquer condição no processo.

Até porque a Lei Processual no artigo 5.º do C.P.C não estabelece uma prévia qualificação desse ator no Processo. Firma sim uma condição, ou seja, a de que o ator seja partícipe no processo: …Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé…” 

O viés neste momento e há muito é o de um olhar civil-constitucional nos acordos de colaboração premiada, como salientam FARIAS & ROSENVALD (2007, pág. 434):

  “…A partir da necessária perspectiva civil-constitucional, até porque não há outro modo de entender o Direito civil da pós-modernidade, impede estabelecer uma regra fundamental de interpretação de toda e qualquer atividade negocial: a boa-fé objetiva…”

É justamente a boa-fé que atrairá outras características importantes para a implementação desses negócios jurídicos processuais, afastando-os do que bem invoca o Professor Moraes da Rosa da Universidade Federal do Paraná quando afirma que há um “VALE TUDO DO PROCESSO PENAL” e isto com convicção compromete o Estado Democrático de Direito.

Essas divindades da boa-fé são bem apontadas por FARIAS & ROSENVALD (2007, pág.435):

“…A boa-fé objetiva é a busca do equilíbrio. Constitui-se, a um só tempo, na estipulação de deveres anexos, implícitos, nos negócios, impondo probidade, honestidade, ética, honrados e informação, mesmo não estando previstos expressamente na declaração negocial, além de limitar o exercício dos direitos subjetivos, evitando o abuso de direito e, finalmente, servindo como fonte de interpretação dos negócios jurídicos…” (Farias & Rosenvald, pág. 435,2007)

A questão merece uma reflexão diante de situações que varrem a nossas Corte de Vértice e o Judiciário de piso de nossos Tribunais Regionais e Tribunais de Justiças Estaduais.

São situações em que pessoas, indivíduos se utilizam de suas condições que permitem acesso a informações que só são possíveis a determinados segmentos como médicos, psiquiatras, psicólogos, advogados, contadores dentre outros, mas que possuem o compromisso de segredo profissional.

O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal já cristalizaram posicionamentos a respeito dessas condutas.

São iniciativas de pessoas que realizam acordo de colaboração premiadas sob qualquer condição e com argumentos e provas que necessitam de elementos de corroboração sem que sequer as possuam, mas convencem a qualquer custo membros do Poder Judiciário e integrantes do Ministério Público que conseguirão tais elementos através de práticas de “fishing expedition, ou também conhecidas como pesca probatória. Comprometendo e inutilizando com nulidades as ações penais em que são atores.

Temos casos de atores que na condição de contadores, de advogados que gravam clientes, subtraem provas, praticam ilicitudes a qualquer custo para obter vantagens em seus respectivos acordos de colaboração premiada.

Funcionários públicos presos por práticas criminosas sem qualquer relação com os fatos que delatam com narrativas sem Standard Probatório proporcionam verdadeiros estragos na vida de outras pessoas, na administração pública e movimentam uma máquina de repressão a custos extremamente substanciais e irresgatáveis para a máquina pública.

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça – DR. ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ no Recurso em Habeas Corpus n.º 98.062-pr (2019/0108331-7) estendeu uma decisão proferida no acórdão decidido pela Sexta Turma do Tribunal que deu provimento ao recurso ordinário em relação a um recorrente por ausência de justa causa.

Neste caso “in espécie”, o requerente teria sido denunciado pela suposta prática do crime de corrupção ativa, previsto no artigo 333, parágrafo único do Código Penal no âmbito da “Operação Publicano”.

O Ministério Público estadual propôs firmar novos acordos de delação, mediante a retratação das acusações imputadas ao Gaeco e a ratificação das informações prestadas nos termos anteriores.

O aditivo foi homologado pelo juízo da 3ª Vara Criminal de Londrina (PR). Nos HCs 142205 e 143427, a defesa dos investigados apontavam nulidades na realização dos aditivos, firmados com a finalidade de proteger réu-colaborador e autoridades acusadas de fraudar provas.

Os ministros Gilmar Mendes (relator) e Ricardo Lewandowski votaram para declarar a nulidade do segundo acordo de colaboração premiada e, por consequência, reconhecer a ilicitude das declarações incriminatórias prestadas pelos colaboradores. Para eles, o aditamento foi feito em “cenário de abusos e desconfianças entre as partes”.

A delação que foi criada pelo citado ex-auditor foi criada em razão das consequências danosas que a gestão fiscal da região e os delatados atrapalharam as “atividades ilegais” do delator.

Tudo produto de uma delação mentirosa.

Do mesmo modo, na linha da ausência de boa-fé contratual e processual, o Ministro REYNALDO DA FONSECA SOARES da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso em Habeas Corpus n.º 20.387 – RJ (2024/0334854-4), confirmada posteriormente por unanimidade pelo colegiado, anulou a colaboração premiada de um advogado que gravou seu cliente numa ação controlada autorizada judicialmente.

Destacou o Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA em seu voto, referenciando o Ministro GILMAR FERREIRA MENDES que:

“…O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, em mais de uma oportunidade, no sentido da impossibilidade de o advogado delatar fatos cobertos pelo sigilo profissional, uma vez que, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, o sigilo profissional é “premissa fundamental para exercício efetivo de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente” (Rcl 37.235/RO, Dje 27/5/2020) …”

Recorde-se, aliás, que o delator acompanhou o delatado, como advogado, em depoimento prestado. Recebeu honorários pelos serviços prestados, mediante as notas fiscais correspondentes,

Nesse contexto, considerando-se que houve efetiva atuação do advogado em benefício do paciente, com comprovado pagamento de honorários, não é possível inverter a presunção a respeito da sua efetiva atuação como advogado do paciente. De fato, “a presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova” (REsp 956.943/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 20/8/2014, DJe de 1º/12/2014).

Dessa forma, não sendo possível se presumir a suscitada simulação, a qual, conforme explicitado no voto vencido, não se encontra comprovada nos autos, deve se presumir a regularidade da relação advogado-cliente, comprovada por meio da efetiva atuação do causídico com o correspondente pagamento de honorários (e-STJ fl. 401). Nessa linha de intelecção, não havendo provas de se tratar de mera relação simulada, prevalece a impossibilidade de o advogado delatar seu cliente, sob pena de se fragilizar o direito de defesa. Assim, deve ser considerada ilícita a colaboração premiada, na parte em que se refere ao paciente, bem como as provas dela derivadas.

A decisão destaca a importância do Princípio da boa-fé, situando-o como um axioma, regra geral de direito universalmente aceito.

3. A vis compulsiva e o lawfare

Inicialmente, podemos pontuar que a coação é definida no viés do negócio jurídico como um fator externo habilitado a influenciar a vítima no sentido de realizar, efetivamente, o negócio que a sua vontade (interna e livre) não deseja.

FARIAS & ROSENVALD (2007, pág.  475) sinalizam:

“…Coação moral, também dita vis compulsiva, caracterizada pela existência de uma ameaça séria de algum dano (de ordem material ou moral), a ser causado ao declarante ou a pessoa afetivamente ligada a ele, viciando a sua vontade. José Roberto de Castro Neves menciona o exemplo de alguém que aceita vender uma casa, sob ameaça de serem revelados segredos de sua vida pessoal, como a existência de uma amante, sofrendo sérios prejuízos patrimoniais com a venda…”

Continuam os citados autores (idem, idem):

“…na coação moral, o negócio é anulável, exatamente porque houve um vício, defeito, na declaração de vontade, decorrente da coação sofrida, uma vez que não se tolheu a liberdade volitiva…”

Acrescente-se a esse entendimento claro e objetivo, a manifestação de um especialista responsável e autêntico na mesma direção central da questão, BITENCOURT[3] (2017):

“…Nada pode ser mais atual e palpitante que a indigitada “delação premiada”, mormente após os exageros praticados na conhecida operação “lava jato”, a qual a comunidade jurídica internacional está acompanhando estarrecida. Há inegavelmente a ausência de manifestação de vontade livre e consciente de delatores encarcerados, pressuposto básico de validade desse instituto…”

A consequência: ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO.

O direito civil constitucional não pode mais ser avaliado como um sistema em que a metodologia autoriza que a normativa típica de outros segmentos se imponha sem a observância à base principiológica constitucional a externar axiomas que em outros momentos eram típicos e nominados como exclusivos, impossível imaginarmos essas concepções em nossos dias.

É inegável o fomento de ferramentas em nossos tempos que fragilizam situações, declarações, depoimentos, documentos, perícias que embora façam parte do nosso contexto codificado foram emprestadas e estão institucionalizadas nos segmentos do direito processual, principalmente nas elaborações infraconstitucionais.

Aliás, neste sentido, KONDER[4] (2024, pág. 11) esclarece:

 “…a DISTINÇÃO ENTRE UM DIREITO PÚBLICO QUE SE REFERIA SOMENTE À LIMITAÇÃO DA ATUAÇÃO DO ESTADO, ENQUANTO O DIREITO PRIVADO DESEMPENHAVA UM PAPEL CONSTITUCIONAL COMO ESTATUTO TOTAL E EXCLUSIVO DO INDIVÍDUO, VAI SE ESVAZIANDO CONFORME SE AMPLIAM AS NORMAS INTERVENTIVAS NAS RELAÇÕES PRIVADAS, BEM COMO GANHA ESPAÇO NA ATIVIDADE ESTATAL O PAPEL DA COORDENAÇÃO E LIVRE NEGOCIAÇÃO…”.

A partir dessa valorosa e agregativa referência, não podemos mais conviver com negócios jurídicos sejam eles particulares ou ainda tratados com o Estado inquisidor sem observarmos as garantias coletivas e solidárias firmadas na Constituição sob pena de comprometermos direitos fundamentais básicos como a autonomia da vontade, liberdade para contratar e clamar por outros mais fortes já que falamos em solidariedade, presunção de inocência, contraditório, liberdade, devido processo legal, verdade real, com a primazia da boa-fé.

E é justamente a boa-fé em seu momento civil e processual que vão assegurar os efeitos tão bem salientados pelo Professor KONDER sobre a coletividade num compromisso com a segurança jurídica.

Como sinaliza o apontado autor (idem, pág. 13):

“…Serão sugeridos inicialmente parâmetros substantivos, consistentes no alcance dos efeitos do contrato sobre a coletividade e na essencialidade desses efeitos para os não contratantes…”

Essa concepção perceptível e cristalizada é um poderoso instrumento contra a prática, o combate a um instrumento não tão novo assim, mas que utiliza discursos de um slogan também histórico, retórico e amarelado: “O COMBATE A CORRUPÇÃO”.

A prática do lawfare utiliza essa retórica cansativa e comparável a um genérico que não produz os efeitos prometidos, mas viabiliza a mistificação e desconstrução de carreiras, lutas pela liberdade, igualdade, enfrentamentos a segregações de todos os gêneros.

A coação moral, ou vis compulsivas, caracteriza-se por ameaças que viciam a vontade (FARIAS & ROSENVALD, 2007, p. 475). Na colaboração premiada, pressões como prisões preventivas prolongadas ou chantagens comprometem a autonomia volitiva, possibilitando práticas de lawfare.

ALMEIDA CASTRO (2020, pág. 11/13) notifica bem esse agir:

“…Envolve a manipulação de conceitos e institutos jurídicos para se adequar às pretensões políticas e militares, manejando-se, ademais, a mídia e, consequentemente, a opinião pública para alcançar tais objetivos...”

E ainda afirma o advogado, escritor (idem, idem):

“…Tem-se, assim, a inegável politização e instrumentalização do direito, fato tão conhecido no Brasil, ainda que ao tratar de outros tipos de guerra. Na nossa realidade, em especial a suposta guerra contra a corrupção – versão brasileira da guerra contra o terror – tem gerado insuperáveis ataques ao Estado de direito, subvertendo garantias penais, sem, contudo, apresentar uma real preocupação com a formulação de políticas públicas para o enfrentamento dos problemas estruturais da sociedade…”

É a íntegra da metodologia da coação na vis compulsiva, o agente externo resta claro com ações segregatórias e invasivas com requintes de perversidade assinala ALMEIDA CASTRO (idem, idem):

“…Transformou-se o processo penal, o qual deveria ser a resguarda do cidadão contra os abusos estatais, no principal instrumento contra seus adversários. Menosprezou-se o direito à liberdade, decretando-se incontáveis prisões preventivas (g.n) – a suposta ultima ratio da legislação brasileira -, a fim de se obter delações premiadas tendenciosas (g.n)…”  

O mais desumano dessa metodologia implacável é o que atinge a família do perseguido, o desgaste é intenso, um sentimento enfraquecedor, cruel a causar danos em todas as direções: Materiais, imateriais, morais, psíquicos, em ricochete e tantos outros que por vezes são irresgatáveis. Jamais serão compensatórios.

A relação social e profissional do delatado ingressa no universo da “solidão funcional”, prenúncio da morte funcional, pois a desconfiança permeou toda a sua construção de vida. Poucos serão os amigos, os colegas de profissão que se sentirão desprendidos de conversar com o delatado.

Aliás, o objetivo é este, causar insegurança, medo, a insubsistência financeira, afetiva, psicológica e familiar do atormentado. São pessoas condenadas a 13 (treze) anos de prisão em regime fechado por conta de colaborações premiadas, filhos, netos, esposas, mães, amigos que não entendem o que está acontecendo, prisões cautelares preventivas regadas a clamor popular pelo discurso eufórico de curiosos por prazos abusivos, provas forjadas e suprimidas, cerceamentos de defesa para avaliações de transtorno de conduta antissocial/psicopata.

 A estória sempre se repete diante da perversidade humana não detectada quando gerações inteiras são consumidas no seu tempo de nascer, crescer, amadurecer e curtir sua família, amigo, reduzidos a declarações sem qualquer substrato técnico.   

ALMEIDA CASTRO (idem, idem) chama a atenção para esses aspectos:

“…No mesmo sentido, não se pode deixar de mencionar a escolha estratégica de alvos e a maciça perseguição de investigados e familiares com o claro intuito de fragilizar e despedaçar. Reputações, relações familiares e profissionais, além de promover o esgotamento financeiro, com falência de atividade econômica e da própria subsistência de pessoas sob investigação…’

Os ambientes de segregação cautelar sempre abusivamente constrangedores e humilhantes. Lugares que umas pessoas que futuramente poderá ser julgada inocente, já que tratamos de prisão cautelar de natureza não condenatória sequer imaginou algum dia que seria ali alocada. No entanto, o Estado-Juiz inquisidor em determinados casos se afasta do lugar reflexivo da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da boa-fé para efetivar acordos.

Poucas não foram as vezes em que se pode constatar a autorização de ações controladas invasivas em gravações ambientais em que Juízes autorizam esses abusos única e basicamente com base em declarações de colaboradores, suas “falsas memórias” e “mentiras”. Alguns no perfil do ex-auditor fiscal da Santa Catarina que foi preso praticando estupro de vulnerável com uma menina de 15 (quinze) anos de idade ou de um indivíduo que idealiza com estratégias de planejamento operacional absorvidos em sua formação como agente público para promover assassinatos.

Não há como esquecer o suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – PROFESSOR LUIS CARLOS CANCELIER juntamente com outros pares professore no ano de 2017 numa operação arquitetada e organizada pela Polícia Federal de Santa Catarina denominada “ouvidos moucos”.

Consequência: 1 – Suicídio do PROFESSOR LUIS CARLOS CANCELIER 18 (dezoito) dias após a prisão no último andar de um shopping center

2 – Não recebimento da denúncia por insuficiência probatória com direito a parecer do Tribunal de Contas da União no ano de 2024.

Não nos parece desabafo, mas sim a constatação de uma realidade. Um fato.

O que autoriza ao Estado a não investigar a sua condição psiquiátrica forense relacionadas a possibilidade de se tratar um indivíduo com conduta antissocial/psicopata.

Produtor incontinenti de “falsas memórias” e “mentiras”.

São ferramentas que segundo ALMEIDA CASTRO (idem, idem) sedimentam o açodamento:

“…Uma verdadeira forma de tortura emocional e muitas vezes física, tendo em vista as lamentáveis condições dos presídios brasileiros. Tortura essa típica de operações de guerra, mas valendo-se nesse caso do manto da legalidade…”  

4. A necessidade de perícias especializadas

A análise de microexpressões, conforme Ekman (2001), permite identificar incongruências emocionais em depoimentos, sendo aplicável à colaboração premiada para detectar mentiras (Carolina, 2020). Além disso, a avaliação de transtornos de personalidade (ex.: conduta antissocial, psicopatia) pode revelar predisposições à manipulação ou falsidade (Silva, 2018, p. 21).

Também descobriu as microexpressões faciais, que ocorrem quando tentamos, consciente ou inconscientemente, suprimir uma emoção.

As microexpressões faciais duram frações de segundo e foram recentemente comprovadas por uma pesquisa do Dr. David Matsumoto como ferramentas para detectar mentiras.

A estratégia da investigação Ekman analisou o desenvolvimento das características humanas e estados ao longo do tempo (Keltner, 2007).

A partir de ferramentas é possível avaliar a possibilidade de um colaborador premiado estar mentindo, construindo “falsas memórias” e “mentiras”. Versões dissociadas da realidade com fugas programadas em seu discurso numa tentativa de se beneficiar das vantagens de sua delação num processo criminal e consolidar seus ganhos e vantagens premiais.

Ocorre que se tem aliado a essa conduta um comportamento muito típico e perceptível na rotina desses colaboradores e que somente pode ser detectado pela psiquiatria forense e profissionais do segmento, já que a metodologia de Paul Ekman não possui densidade científica para identificar uma conduta antissocial/psicopata. Muito embora existam psicólogos aptos a fazer essa avaliação própria.

No entanto, somente através da medicina psiquiátrica forense poderemos consolidar a existência dessa conduta. Pois o psicopata não apresenta os sintomas imediatos de um transtorno mental. Ao contrário, seu discurso, sua fala são coerentes, sem qualquer sinal imediato de desvios no conteúdo ou mesmo ausência de discernimento e compreensão íntegra dos fatos.

A análise da linguagem corporal e microexpressões faciais trará elementos que sinalizarão em percentuais elevadíssimos de confiabilidade se o periciando está ou não falando a verdade, porém não poderá afirmar que a conduta deste seja antissocial/psicopata.

Há então a necessidade de que profissionais experimentados em análise de linguagem corporal e microexpressões faciais, psicólogos e psiquiatras forenses atuem em conjunto para uma avaliação íntegra de conteúdo nos colaboradores.

Salienta CAROL PORTILHO (2021, pág. 8):

“… Ao contarmos uma mentira, temos uma carga emocional associada e um esforço cognitivo grande. Por isso, é tão importante a análise das microexpressões faciais e as alterações psicofisiológicas do corpo. Mentir força o corpo a aplicar técnicas de autocontrole corporal e psicológico (quem mente vai se monitorar, vai esconder a mão, vai tentar se controlar e esse impasse vai gerar as incongruências). Por esses fatores, conseguimos pegar uma mentira através dos canais que iremos estudar a frente. Afinal de contas, mentir demanda um esforço cognitivo muito maior que contar a verdade. Ao mentir, usamos mais partes do cérebro do que quando contamos uma verdade.”

4.1. Perícia psicológica e psiquiátrica forense

A avaliação de transtornos de personalidade (ex.: conduta antissocial, psicopatia) pode revelar predisposições à manipulação ou falsidade (Silva, 2018, p. 21). Exemplo: o “predador social” que mente por natureza.

Um laudo não se confirma sem a realização de uma avaliação adequada, é o que aponta a academia através de CAPELA SAMPAIO & BIGELLI DE CARVALHO em seu capítulo intitulado “DETECÇÃO DE MENTIRA E PSICOFISIOLOGIA FORENSE” (2020, pág.201)[5]:

“…Como o perito em psiquiatria não tem a função de “detector de mentira”. A simulação deve ser relatada no laudo pericial em seu aspecto negativo – ou seja, deve-se relatar a ausência de um transtorno mental, e não a simulação. Afinal, vale lembrar que há sempre a possibilidade de a suspeita (dissimulação ou simulação) ser infundada e existirem, de fato, os sintomas referidos. Por isso, é necessária muita cautela nesse tipo de avaliação…”(g.n)

Os apontados pesquisadores e especialistas acrescentam ainda (idem, p. 203) acrescentam:

PSICOFISIOLOGIA FORENSE

“…A psicofisiologia forense tem como objetivo detectar a ocultação de informações por meio da aferição de parâmetros fisiológicos do sujeito. Os principais métodos utilizados são o polígrafo, a eletroencefalografia (EEG) e a ressonância magnética funcional (RMF). Essas técnicas são mais amplamente conhecidas para outras finalidades, mas constituem o arsenal que a psicofisiologia forense utiliza para a detecção de mentiras, ou memórias ocultas, como prefere a literatura mais parcimoniosa. A premissa básica é que o estado basal de contar a verdade é alterado para um modo de funcionamento que demanda maior esforço cognitivo quando o indivíduo precisa mentir.

As alterações psicofisiológicas relacionadas a esse novo estado podem ser aferidas perifericamente como sinais de excitação autonômica (alterações cardíacas, respiratórias e eletrocutâneas) ou pelo exame direto do cérebro, seja por sua atividade elétrica, seja por exames de neuroimagem….”

4.2. Requisitos para homologação de laudo pericial

Para que um laudo pericial seja homologado, é necessário que ele atenda a uma série de requisitos legais, técnicos sejam apontados em pronunciamentos do Juízo. Alguns dos principais requisitos são:

  • Imparcialidade

        O laudo pericial deve ser elaborado de forma imparcial, ou seja, o perito responsável pela sua elaboração não pode ter nenhum interesse pessoal ou profissional no resultado do processo. A imparcialidade é fundamental para garantir a objetividade e a neutralidade das informações contidas no laudo.

  • Fundamentação técnica

            O laudo pericial deve ser fundamentado em bases técnicas sólidas e confiáveis. Isso significa que o perito deve utilizar métodos científicos e conhecimentos técnicos adequados para a realização da perícia, de forma a garantir a precisão e a confiabilidade das conclusões apresentadas.

            A metodologia técnica e conhecimentos técnicos tem de ser apresentados por determinação legal processual, referenciados em atores científicos da modalidade adotada.

  • Clareza e objetividade

              O laudo pericial deve ser redigido de forma clara e objetiva, de modo a facilitar a compreensão por parte das partes envolvidas no processo e do próprio juiz. É importante que as informações sejam apresentadas de maneira organizada e que as conclusões sejam fundamentadas de forma lógica e coerente.

  • Atualização

        O laudo pericial deve estar atualizado em relação aos conhecimentos técnicos e científicos da área em que se insere. É fundamental que o perito esteja sempre atualizado e capacitado para realizar a perícia de acordo com os avanços e as mudanças que ocorrem em sua área de atuação.

Conclusão

A homologação de laudo pericial é um procedimento essencial para garantir a validade e a confiabilidade de um laudo pericial no âmbito jurídico. Ao passar pelo crivo de um juiz, o laudo é analisado sob a ótica da legalidade e da técnica, assegurando que todas as normas e diretrizes foram seguidas corretamente. Dessa forma, a homologação confere ao laudo pericial uma validade jurídica, tornando-o uma prova técnica aceitável em processos judiciais.

4.3. Proposta de um novo modelo para a colaboração premiada

Propõe-se a inclusão de perícias obrigatórias na homologação de acordos, conforme arts. 466, §2º, CPC e 3º, CPP, assegurando uma análise meticulosa e científica da credibilidade do colaborador (Farias & Rosenvald, 2007, p. 648). Além disso, é fundamental que o procedimento rescisório seja conduzido pelo Poder Judiciário, garantindo o contraditório e a ampla defesa.

A ocorrência cada vez mais presente e crescente de colaborações premiadas anuladas em um ambiente de conjunto probatório que obviamente deve considerar a realização de perícias que evitariam a evolução de narrativas sem standard probatório, substrato técnico impondo ao Estado um custo no seu processamento que poderia ser racionalmente e fundamentadamente evitado através da realização de perícias perfilhadas com a detecção de mentiras e falsas memórias.

FARIAS & ROSENVALD (idem, pág. 648) salientam a oportunidade dessa percepção:

“Existem hipóteses em que o esclarecimento de fatos exige uma percepção especial, um conhecimento técnico não reconhecido a todos. Nestes casos, um expert, utilizando de sua percepção acurada, fruto de sua formação profissional, apresentará o seu parecer sobre o tema posto à apreciação”

Quando consideramos o fato de que a personalidade do colaborador deve ser considerada na avaliação do julgador como um dos elementos de eficácia de seu acordo, não devemos desconsiderar a hipótese de termos um auxílio da prova técnica a fundamentar a atuação do Juízo.

FARIAS & ROSENVALD (idem, pág. 649):

“A prova pericial diz respeito a fatos (e fatos qualificados: que exigem conhecimento técnico específico, não sendo elucidáveis através de testemunhos ou documentos”.

A importância da prova pericial proporcionará sim congruência e o verdadeiro significado das demais provas, não que seja a mais importante, mas sim, uma prova independente que não será contaminada por depoimentos mentirosos e de falsas memórias. Proporcionará sentido as demais categorias de prova e permitirá uma construção histórica da realidade cronológica dos fatos com mais segurança jurídica.

O detalhe está em como construir eficientemente esse caminho na instrução de um processo seja ele criminal ou cível. A questão está no cerne de que as partes devem construir sequência probatória que sinalize a importância da busca da prova pericial. E isso será possível com documentos, testemunhos e por que não pontuar com outras perícias que nos levarão a necessidade de uma perícia psiquiátrica forense que irá complementar todo o contexto do conjunto probatório ou ainda, criar mais oportunidades para instrução do feito.

Sequenciando esse entendimento, FARIAS & ROSENVALD (idem, pág. 648) mostram esse caminho:

“…Assim sendo, a percepção de traços de distúrbios de personalidade do colaborador, comprovações documentais e testemunhas de mentiras por esse efetivadas, podem levar por iniciativa do juízo, das partes, o requerimento de perícia” …

A dispensabilidade da prova pericial não pode ou deve significar um exercício de antecipação de cognição exauriente do Juízo, mas sim que através de um pronunciamento fundamentado, ainda que em sede de cognição sumária enfrentou a não necessidade ou importância da prova em relação às provas previamente identificadas.

As demais provas do conjunto probatório devem estar apontadas em relação a uma possível desnecessidade da prova pericial. Há a imperiosa obrigatoriedade, essencial, imprescindível, precisa que o Juízo aponte o motivo do indeferimento da prova pericial com uma fundamentação substancial.

A uma, porque a prova pericial integra o conjunto probatório dos autos; a duas, porque o ato de indeferimento não seja percebido pelas partes com uma decisão de convicção pessoal do Juízo; a três, por que o devido processo legal, o due processo of law” como princípio legal não autoriza um tratamento desigual e injusto entre as partes; a quatro, porque as autoridades tem o dever de seguir as regras e procedimentos assegurados pelas codificações constitucionais para decidir sobre questões que afetem a vida, a liberdade ou os bens das pessoas.

A luz a essa questão tem na contribuição da Professora ARRUDA ALVIM, Livre docente da Pontíficia Universidade de São Paulo, consagrada advogada e escritora reclama esse compromisso quando enuncia e classifica essas ausências (2020, pág. 258)[6]:

“…Quanto mais nublada é a relação da solução normativa proferida pelo magistrado (por exemplo, texto de lei que contém conceito indeterminado + princípios jurídicos + citações de precedentes não idênticos do ponto de vista fático) com os fatos da causa, mais óbvia é a necessidade de uma maior densidade da fundamentação.

Esta necessidade que decorreria inexoravelmente do sistema, consta do Código de Processo Civil (art. 489, § 1.º, II) como exigência, sob pena de não se considerar fundamentada a decisão judicial.

Na mesma linha, é o subsequente inc. III, segundo o qual não se considera fundamentada decisão judicial tipo “vestidinho preto”: motivos que serviriam para justificar qualquer outra decisão.(g.n) Decisões como “defiro a liminar porque presentes os seus pressupostos” são, à luz do Código de Processo Civil, absolutamente carentes de fundamentação…”

O detalhe está justamente numa prática que inviabiliza o exercício da boa-fé, posto que a parte desconhece os desejos implícitos em jugados assim caracterizados e pronunciados.

A ciência dos nossos tempos é muito expansiva com propostas a solucionar inúmeras lacunas fáticas que há 30 (trinta) ou (40) quarenta anos atrás pareciam insuperáveis. A expertise dos vestígios está cada vez mais aparelhada e com profissionais pesquisadores que desnudam qualquer imbróglio. Logo, não é qualquer decisão hoje que pode obstar a verdade real ou material.

O exercício do contraditório e da ampla defesa, no entendimento do Exmo. Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que corresponde à pretensão à tutela jurídica, contém os seguintes direitos:

1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes;

2) direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo;

3) direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung), que exige do julgador CAPACIDADE, APREENSÃO e ISENÇÃO DE ÂNIMO (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas (Cf.Pieroth e Schlink, Grundrechte -Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis e Gusy, Einführung in das Staatsrecht, Heidelberg, 1991, p. 363-364; Ver, também, Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol IV, nº 85-99). (gn)

Logo, esse tempo de indeferir a prova pericial sob o pronunciamento de ausência de sua autoridade e integração no conjunto probatório pode comprometer sensivelmente a efetividade da justiça, sinalizar uma conduta de má-fé e por fim, comprometer o tempo razoável de duração de um processo.

A avaliação psiquiátrica forense de um colaborador que forje e apresente elementos inconsistentes de corroboração, inclusive recheadas de “FALSAS MEMÓRIAS” e “MENTIRAS exigem perícias especializadas de Linguagem Corporal e Microexpressões Faciais; análise psicológicas de conduta antissocial/psicopata e uma diagnose psiquiátrica de transtorno de personalidade.

O colaborador mentiroso não apresenta nenhum transtorno mental. Aliás, ensina SILVA (2008, P. 21), também conhecidos como PREDADORES SOCIAIS”. O seu melhor desenho é descrito numa fábula assim reproduzida:

“… O escorpião aproximou-se do sapo que estava à beira do rio. Como não sabia nadar, pediu uma carona para chegar à outra margem.

Desconfiado, o sapo respondeu: “Ora, escorpião, só se eu fosse tolo demais! Você é traiçoeiro, vai me picar, soltar o seu veneno e eu vou morrer.

Mesmo assim o escorpião insistiu, com o argumento lógico de que se picasse o sapo ambos morreriam. Com promessas de que poderia ficar tranquilo, o sapo cedeu, acomodou o escorpião em suas costas e começou a nadar.

Ao fim da travessia, o escorpião cravou o seu ferrão mortal no sapo e saltou ileso em terra firme.”

 Atingido pelo veneno e já começando a afundar, o sapo desesperado quis saber o porquê de tamanha crueldade. E o escorpião respondeu friamente:

– Porque essa é a minha natureza…”

O nosso vilão Sapo ofendeu basicamente o princípio da boa-fé contratual.  

A verdade real é a que estiver mais próxima da sequência histórica dos fatos, do que verdadeiramente aconteceu, não pode ser contaminada por vícios de vontade que deslocam os propósitos de qualquer negócio jurídico, inclusive processual.

A verdade na concepção de KALED JR[7] (2023, pág. 177) não pode ser objeto de um Estado-Juiz inquisitório como se impõe hoje a instrução que trata o acusado como núcleo de sua intenção nitidamente parcial.

Logo, no contexto de Operações que deflagram perseguições e condutas da Lawfare, encontraremos medidas cautelares invasivas determinadas no intuito do colaborador com “falsas memórias” e “mentiras” produzir a qualquer custo com fishing expedition, pescas probatórias; ainda que isso implique na prática de outros crimes como quebras de segredo profissional, quebras de sigilo legal, autorizações sem legitimidade legal para que o arrependido grave seu eventual cliente para o qual tem o compromisso legal de preservar a intimidade e outras questões no objetivo único e objetivo de criar provas que endossem suas narrativas sem Standard probatório.

A propósito da presente metodologia que encharca ações penais, não pode sobreviver aos axiomas da boa-fé e de um contraditório que além de diferido, está cristalizando-se no processo.

Pode-se assim entender quando a nossa lei processual determina que o perito do Juízo deve atuar escrupulosamente na realização de seu ofício, isto é, acuradamente, metodicamente. A sua autonomia exige essa prudência como prescreve o art. 466 caput do C.P.C. Assim transcrito:

“…O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso…”

Esse perito do Juízo é o responsável pelo exercício do contraditório e ampla defesa substancial quando recai sob a sua responsabilidade pelo acesso e acompanhamento das diligências pelos peritos assistentes das partes como prescreve o art. 466 § 2.º do C.P.C. Assim reproduzido:

“…O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco0 dias…”

Fechando o C.P.C esta oportunidade com as previsões do art. 473, rico em elementos para que as partes possam exercer o contraditório e a defesa dos seus interesses. Pois, o perito ao apresentar o seu laudo deve seguir o seguinte arquétipo:

  • A exposição do objeto da perícia, a análise técnica ou científica realizada;
  • A indicação do método utilizado, esclarecendo e demonstrando que essa metodologia é aceita predominantemente pelos especialistas da área do conhecimento exigido para a avaliação, dentre outros elementos.

Tudo de forma a assegurar o contraditório, a eficiência, a ampla defesa, proporcionando desta forma segurança jurídica e elementos sólidos a fundamentação de uma decisão judicial.

Salienta por fim, KHALED JR.[8] (2023, págs. 196):

“…O paradigma da cientificidade oferece fundamentação e legitimação “científica” para práticas processuais que rompem com a estrutura do sistema acusatório, atribuindo ao juiz, enquanto sujeito do conhecimento, a capacidade de extração da essência das coisas…”

A Lei processual ainda impõe preceitos que asseguram a impessoalidade e imparcialidade da atuação do expert do Juízo no art. 473 § 2.º do C.P.C quando assim prescreve:

“2.º É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia…”

Acrescente-se a isso que o art. 473 § 3.º do C.P.C em relação ao atuar do expert do Juízo no embasamento e fontes necessárias para a elaboração do seu laudo sob pena de comprometimento do mesmo e consequente nulidade quando prescreve:

§ 3.º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.

Por fim, nesta abordagem, temos que o perito tem um contexto científico e de pesquisa que não pode ser ultrapassado também sob pena de comprometimento do laudo. Assim, ainda que o laudo e exame sejam de sua exclusiva responsabilidade a partir do conhecimento que lhe diz respeito. Esse conhecimento não é uma visão de seu pertencimento individual. 

A Lei Processual determina ao perito que indique o método utilizado, esclarecendo e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou como prescreve o art. 473, inciso III do C.P.C, uma questão que exige o enfrentamento na observância do Juízo e no laudo da expert.

“…Art. 473. O laudo deverá conter:

III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou…”

5. Verdade real e ampla defesa substancial

A verdade real, aliada à ampla defesa, exige que as provas sejam obtidas sem vícios, resguardando o contraditório e a presunção de inocência (Cordeiro, 2019).

A prova afugenta e inibe qualquer argumentação ou narrativa mentirosa, pois possibilita a reconstrução de toda a história do fato submetido à tutela jurisdicional e neste sentido uma grande aliada da ampla defesa e do contraditório que poderão quando bem constituídas assegurar a presunção de inocência.

Numa citação de ARRUDA ALVIM[9] (2020, PÁG. 142) embasando seu raciocínio e argumentação nos Processualistas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart, citando Proto Pisani, afirmam que:

“…a palavra prova, não apenas no processo, mas também em outros ramos da ciência pode assumir diferentes conotações. Pode significar os instrumentos de que se serve o magistrado para o conhecimento dos fatos submetidos à sua análise, quando se pode falar em prova documental, prova pericial etc. Também pode representar o procedimento por meio do qual tais instrumentos de cognição se formam e são recepcionados pelo juízo – esse é o espaço em que se alude à produção da prova. De outra pparte, prova também pode dar a idéia da atividade lógica, celebrada pelo juiz, para o conhecimento dos fatos (percepção e dedução, na mente de Proto Pisani)….”

lustra ainda ARRUDA ALVIM[10] (2020, pág.142) no sentido de que a segurança jurídica cede espaço também para a verdade material:

“…Apesar de ser inegável que a cada dia a doutrina vem dando mais importância a busca do que se convencionou chamar de “Verdade Material”, a ponto de haver entendimento no sentido de que o Juiz deve comportar-se de modo muito mais ativo quando se trata da fase instrutória, não se pode afirmar que o fim absoluto do processo seja a descoberta da verdade real…”

O Superior Tribunal de Justiça tem-se posicionado sobre o compromisso com o princípio da verdade real como observamos no trecho do julgado (STJ, Aglnt no Resp 1414222/SC, rel. Min. Lázaro Guimarães (des. Convocado do TRF 5.ª Região):

“…O Poder Judiciário não pode, sob a justificativa de impedir ofensa à coisa Julgada, desconsiderar os avanços técnicos-científicos inerentes à sociedade moderna, os quais possibilitam, por meio de exame genético, o conhecimento da verdade real…” 

6. Devido processo legal

O CPC/2015 e o CC/02, em sintonia com a CF/88, demandam um processo penal que respeite a legalidade e a imparcialidade, evitando que a colaboração se torne instrumento de perseguição (Fagundes Reis, 2022).

O devido processo legal preenchido de todas as garantias processuais nos orienta que o direito à prova é insofismável, não autoriza discussões, inscrito em vários diplomas supranacionais com força supraconstitucional como afirma VALENTE[11] (2020, pág. 48).

A efetividade está em assegurar que os demais princípios possam ficar bem evidenciados no negócio jurídico processual. A sequência do processo não pode impelir uma desigualdade de armas entre as partes. O olhar do Estado inquisitório não pode se sobrepor ao Estado Democrático de direito.

A boa-fé esta alicerçada a probidade. Não existe ou pode ser consolidade, homologada e mantido um acordo de colaboração premiada que não seja acessível aos delatados.

A segurança jurídica como princípio e a preservação da cadeia de custódia devem ser protegidas e respeitadas de qualquer interferência que comprometa a sua integridade. Principalmente quando colaboradores são autorizados por decisões judiciais ou não, a praticarem pescas probatórias, fishing expedition para corroborarem suas narrativas sem a observância dos requisitos legais que demandam buscas de provas autênticas através de provimentos cautelares.

VALENTE[12] (idem, pág. 50):

“…incluindo a cadeia de custódia da prova, que integra o processo-crime e nunca pode ser aferida e garantida fora do processo-crime mesmo que se integre pelo método da consunção em ato judicial futuro; princípio da prossecução do interesse público e da prossecução dos direitos e interesses particulares; princípio da boa-fé e da confiança; e o princípio da lealdade (transparência) da atividade dos atores judiciários. Estes princípios dão a roupagem e a força vinculativa do princípio do devido processo legal com todas as garantias de defesa. É assim que o Tribunal de Karlsruhe tem entendido o processo de recolha, apreensão, conservação, tratamento e transmissão de provas – instituto da prova -em processo penal…”

A transgressão a essa conduta nas práticas de colheita de elementos de corroboração do arrependido já demonstra a ausência da boa-fé, probidade, confiança, transparências em suas ações que na maioria das vezes são assistidas por atores de persecução penal.

É a metodologia que assegura uma ampla defesa substancial, um contraditório bem processado, um devido processo legal, a segurança jurídica em toda a sua plenitude para preservar as pessoas vitimadas por mentiras de constrangimentos e coações.

7. Rescisão e controle de validade – hipóteses de anulação e rescisão

Anulação: Coação (*vis compulsiva, art. 151, CC/02) ou mentira comprovada.

A coação como vício traz em seu efeito um ato da parte que não emana de sua vontade de forma livre, pois esta atuará sob a ameaça dos atores que compõem o outro lado.

A vontade interna da parte fica contida, represada por alguma situação de fato que a coloque numa possibilidade de exposição pública que possa colocar em risco a sua liberdade ou outros interesses patrimoniais comprometedores.

Acrescente-se a esse elemento limitador, a personalidade do suposto arrependido, colaborador.

Nesta linha de observação, encontramos uma substancial e expressiva quantidade de narrativas sem standard Probatório ou mesmo sem substrato técnico.

São autorizações judiciais para ação controlada sem preservação da cadeia de custódia, gravações ambientais sem autorização judicial, conversas desvirtuadas do arrependido para tentar corroborar suas exposições, quebras de segredo profissional, dentre outras práticas sem qualquer compromisso com a boa-fé ou a verdade real. Um verdadeiro “VALE TUDO.

Considere-se que o ato coator não precisa ser direcionado ao colaborador, mas sim a pessoas de sua família ou com as quais tenha uma afetividade mais sensível.

O argumento coator deve ser efetivo, decisivo e convicto com o seu objetivo.

O indiciamento, por vezes, sem elementos probatórios ou fundamentação num inquérito policial já é o suficiente para causar constrangimento e o elemento coator externo na vontade do indiciado.

Este aspecto é importante para que possamos até considerarmos a análise do perfil do proponente.

Assim, a partir de olhares periciais habilitados em conduta antissocial/psicopata com ferramentas de linguagem corporal e microexpressões faciais, psicólogos e psiquiatras forenses experimentados, possamos ter condições de aumentar a segurança jurídica e a verdade real deste negócio jurídico processual.

Não se pode deixar de observar que a manifestação da vontade é um processo de elaboração na psique do indivíduo para que a vontade seja externada de forma livre e consciente.

É pacífica e superada a percepção de que o consentimento do indivíduo não autoriza que qualquer negócio jurídico, seja ele processual ou não, possa ser considerado válido, eficaz e tenha sido praticado com boa-fé, verdade real, resultados de uma postura decisória autônoma e plena.

A irretratabilidade e plenitude do negócio jurídico colaboração premiada deve ser avaliada por ferramentas seguras e externas ao invólucro das partes, pois pode vulnerar axiomas fundamentais e ainda gera expensas a máquina pública desnecessariamente.

A máquina pública envolve hoje: Policiais, inquéritos policiais, promotores, procedimentos de investigação criminal, equipes de analistas para avaliação das cautelares financeiras e tributárias, ações penais, audiências, recursos, sem considerar os incidentes imprevistos.

A propósito, MORAES ROSA & CANI[13] (2022, pág.64) expõem a sensibilidade do tema:

“…Em 30 de outubro de 2020, computava-se 2.684 exonerações ocorridas desde 1989 nos Estados Unidos, nas quais ocorreram erros em: a) 760 (285) por identificação errada pela testemunha Imistaken witness identification); b) 1588 (59%) por perjúrio ou acusação falsa (perjury or false acusation); c) 326 (12%) por confissão falsa (false confession); d) 657 (24%)por evidências forenses falsas ou enganosas (false ou misleading forensic evidence); e, e) 1458 (54%) por má conduta oficial (oficial misconduct)…”   

Os prefalados autores (idem, pág. 65) ao focarem a temática de depoimentos de informantes (snitches) acentuam:

“…Os depoimentos de informantes presos são geralmente introduzidos para provar a culpa do imputado. Nesses casos, os informantes presos costumam fazer acordos por meio dos quais se comprometem a depor em troca de benefícios/incentivos, ou seja, de redução das acusações em processo penal pendente, redução das punições, concessão de privilégios especiais, assistência à família e ainda remuneração dos depoimentos.

Não por acaso, a incidência de perjúrio ou de falsa acusação está presente em mais da metade dos casos de condenações de inocentes, o que faz com que seja referido como a principal causa de erros. Trata-se ora de abusos exclusivamente por parte dos informantes em busca de alguma recompensa, oura de abusos envolvendo também policiais e ou acusadores. Daí a referência reiterada a erros sistemáticos, erros concatenados ou erros que desencadeiam outros erros…”

Concluem os pesquisadores, destacando o detalhe da ausência da boa-fé evidenciada pela “mentira” (idem, idem e pág. 66):

“…Pesquisas apontam que em muitos casos os informantes não apenas mentiram sobre a participação dos imputados em determinados ilícitos penais, mas declararam falsamente terem ouvido confissões deles na prisão. Os problemas relacionados aos informantes são: fabricação de informações, modelagem, manipulação e encorajamento ativo de informantes por policiais e acusadores, bem coo a confiança intencional dos acusadores nas informações falsas prestadas pelos informantes.

Dito de outro modo, os principais erros de manuseio (handling) de informantes são fabricação de informantes pela polícia para fundamentar pedidos de prisão e obter condenações, manuseio incorreto de informantes pela polícia para encorajar atividades ilegais, manuseio incorreto de informantes pelos prosecutors ao fazer acordos e/ouadmitir como testemunhas pessoas não confiáveis…”

A ótica de constatação dos efeitos de condutas próprias e impregnadas das “mentiras” e “falsas memórias” são bem pontuadas nos inúmeros precedentes de nossas Cortes de Vértice e nossos estudiosos da temática da rescisão desses negócios jurídicos processuais.

A rescisão do acordo de colaboração premiada nos traz a concepção de revogação que ocorre numa primeira percepção quando há o descumprimento das cláusulas.

VASCONCELOS[14] (2017, pág. 249) inicia a questão:

“…A revogação (rescisão) do acordo ocorre com o descumprimento de suas cláusulas (por exemplo, a não efetividade da colaboração), por motivo alheio à vontade declarada do delator em manter a vigência do pacto.”

A jurisprudência também se consolidou nos precedentes do Supremo Tribunal Federal ilustrados por VASCONCELOS (idem, idem):

“…Nas palavras adotadas pelo STF no HC 127.483, trata-se de “inexecução de negócio jurídico perfeito”. Nesse caso, se rompido o acordo, não serão concedidos os benefícios prometidos ao imputado e as provas eventualmente produzidas por sua indicação serão mantidas no processo…’

As situações ilustrativas fáticas são inúmeras e em alguns casos, repetitivas nas condutas dos colaboradores que na ânsia de conseguir a qualquer custo convencer os agentes públicos: Policiais, promotores e outros atuantes nesta fase de ofertas ou promessas que sinalizem a possibilidades de efetivação do negócio.

O conceito de corroboração não abre mão, espaço de uma perícia autêntica e compromissada com a verdade real. É integrante do conjunto probatório.

A colaboração premiada envolve uma concepção de efetividade VASCONCELOS[15] (2017, pág. 85).

“…A corroboração só pode ser valorada, mas em conjunto com as demais, O Juízo da certeza depende de outros maios de provas confirmatórios…”

CORDEIRO[16] (2020. Pág. 161) a propósito entende:

“…A perícia de transtorno de personalidade é uma prova externa e independente, capaz de demonstrar e comprovar que a manifestação do cúmplice é verdadeira no que se refere a um réu….”

A partir desses argumentos, temos precedentes jurisprudenciais que acompanham essa consolidação:

Confirmação do julgado que valorou negativamente a personalidade do agente, o qual, segundo laudo psiquiátrico, tem, entre outras características, desprezo pelas obrigações sociais. 

“4. A aferição da personalidade foi perfeitamente realizada, pois constam elementos suficientes e bastantes para levar o julgador a uma conclusão segura sobre a questão. Com efeito, segundo o laudo psiquiátrico, o Agravante é portador de distúrbio denominado antissocial, sendo que ‘os atributos do criminoso, mencionados pelo expert (desprezo das obrigações sociais, falta de empatia e desvio considerável entre o seu comportamento e as normas sociais estabelecidas, destacando-se que as experiências adversas não modificam seu comportamento etc.), representam os sintomas do transtorno de personalidade’.” (grifo no original)

Não se poderia deixar de mencionar ao tratar do assunto que algumas temáticas são sugestivas quando se constata através das decisões das Cortes de Vértice, precedentes do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais de 2.ª Instância, decisões fundamentadas e as constantes divulgações pelas mídias, redes sociais e meios de comunicação em geral, as repetidas anulações do acordos de colaboração premiada que no transcorrer de sua das respectivas instruções de ações penais verificam:

  • Narrativas e afirmações em relatórios parciais e conclusivos de inquéritos policiais com distorções, manipulações com ausência de provas não apresentadas pelos responsáveis pelas investigações.
  • Inserções de gravações realizadas por penitentes que carecem de autorização judicial.
  • Juntadas de gravações autorizadas em medidas cautelares com inobservância dos artigos 8.ºA, incisos, parágrafos e 10ª da Lei n.º 9.296/96 acrescidas pela Lei n.º 13.964/2019 [PACOTE ANTICRIME] que regulamentam a captação ambiental (escuta ambiental) e a punição por seu uso indevido.
  • Quebras de sigilo legal e funcional do teor de acordos homologados em investigações fatiadas do contrito beneficiário do instituto premial apresentadas a pessoas ouvidas no procedimento na condição de testemunhas. Autorizadas pelos responsáveis pelas investigações sem prévia consulta ou manifestação judicial neste sentido.
  • Supressão de provas nas instruções dos processos com o intuito de consolidar as explanações inconsistentes do arrependido premiado.
  • Alteração de documentos de informação destinados aos desdobramentos de outras diligências investigatórias içadas a condição de prova por agentes públicos para fundamentar medidas cautelares segregatórias.
  • Utilização de provas emprestadas de outros Juízos em ofensa ao princípio da boa-fé, contraditório e ampla defesa como prescreve o artigo 372 do C.P.C.
  • Narrativas sem nenhum standard probatório ou substrato técnico.
  • Falsas memórias” e “mentiras” provenientes de pessoa interessada com informações são suscetíveis de manipulação por terem sido prestadas apenas para a obtenção de vantagens ou por vingança.[17]
  • Gravações realizadas por colaboradores que na condição de advogados de seus delatados sem qualquer fundamento fático ou legal que o autorize a conduta, praticam o crime de Violação do segredo Profissional a que também estão compromissados por previsão do art. 250 do Código Civil/02. [Obrigação de não fazer].
  • Indução de conversas de patrocinados por colaboradores que na condição de profissionais com o dever de proteger o sigilo profissional expõem seus clientes no único intuito de se apresentarem como arrependidos.    

Neste contexto e a partir dele que mostram o descolamento da probidade, boa-fé e verdade real, podemos ter algumas percepções desses feitos de colaboração:

1 – Colaboração” Sociedade de Fato” – O penitente colaborador firma uma sociedade informal com agentes públicos para atingir desafetos, políticos, robustecer práticas de lawfare, stalking, racismo estrutural, misoginia, perseguições religiosas, a imigrantes, orientais dentre outros no intuito de atender demandas de grupos empresariais e políticos que ambicionam cargos públicos, ou ainda, vinganças, vinditas proporcionadas pelos perseguidos em seu atuar profissional.

É uma das metodologias mais antigas do mundo e pode atender a várias finalidades políticas e financeiras.

2 – Colaboração “Assistencialista” – Metodologia contributiva, presente nas delações cruzadas. Ocorre quando empregados, testas-de-ferro, laranjas do colaborador fabricam “mentiras” e “falsas memórias para corroborar as exposições, declarações sem Standard Probatório ou substrato técnico de seus patrões.

Como ensina NEFI[18] (2020, pág. 161/162):

“Neste sentido já reconheceu o Supremo Tribunal Federal, valendo exemplificar o acolhimento a essa tese em decisão do Ministro Celso de Melo:

Registre-se, de outro lado, por necessário, que o Estado não poderá utilizar-se da denominada “corroboração recíproca ou cruzada”, ou seja, não poderá impor condenação ao réu pelo fato de contra este existir, unicamente depoimento de agente colaborador que tenha sido confirmado, tão somente, por outros delatores, valendo destacar, quanto a esse aspecto, a advertência do eminente Professor GUSTAVO BADRÓ (“O Valor Probatório da Delação Premiada: sobre o § 16.º da Lei n.º 12.850/13”) – PET 5700/STF…”

3 – Colaboração “Chave Mestra” – No sentido figurado, a expressão significa uma chave que pode abrir diversas fechaduras diferentes, geralmente todas as fechaduras em qualquer sistema específico de um mesmo segmento. É uma ferramenta projetada para encaixar e desbloquear fechaduras que não foram projetadas para ser abertas por essa chave em particular.

Desse modo, são declarações do colaborador que entram em qualquer fechadura e abrem portas para práticas de “fishing expedition” proporcionando um leque de acusações para os escolhidos da persecução criminal segregatória. Um vale tudo no processo penal como salienta o Professor Mores da Rosa.

4 – Colaboração Premiada “Condominial” – São delações costuradas entre colaboradores que se conhecem, tiveram sociedades em negócios patrimoniais e proferem narrativas com o intuito de atingir pessoas que foram no passado responsáveis por fatos que lhes trouxeram alguma responsabilização negocial ou prejuízos na efetivação de suas atuações espúrias e criminosas. Via de regra, ultrapassam a realidade daquilo ou de uma situação óbvia e não merecedora de crédito, pois não há qualquer esteio legal mínimo para que possam ter ocorrido.

5 – Colaboração Premiada “Boca de JACARÉ” – São exposições, declarações que atendem a qualquer cenário fático não circunstanciado, porém são utilizadas para mistificar o “escolhido” na persecução criminal com o fim de que este seja massacrado em sua condição social e econômica.

6 – Colaboração Premiada “Ricochete” – São exposições do penitente com o fim de atingir familiares do delatado para obrigá-lo a aderir à metodologia da colaboração.

7 – Colaboração “Hereditária” ou também conhecida como “sucessória” – São explanações do arrependido que visam única e exclusivamente atingir os filhos do delatado para obrigá-lo a fazer colaboração. É uma prática indutiva com apoio dos agentes do Estado inquisidor.

8 – Colaboração Premiada “Mão Dupla” – É a metodologia de barganha em que o arrependido é apanhado na prática de um crime sem qualquer correlação ou conexão fático probatória com os ilícitos que delata e profere exposições distintas sobre outras pessoas para ser beneficiado em sua infração original.

Exemplo: Operação Publicano no ano de 2015 no Estado do Paraná quando o ex-auditor fiscal do Estado Luiz Antônio de Souza foi preso em flagrante por crime de estupro de vulnerável e fez uma delação com narrativas de crimes tributários de seus pares e outros. Comprovadas em 2024 que eram falsas e foram anuladas pela 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal.

9 – Colaboração Premiada “Fundo de Reserva” ou também conhecida como “aplicação Financeira” – Modelo de metodologia de barganha na qual os arrependidos realizam acordos objetivando retornos financeiros e restituição de bens e patrimônios angariados com práticas ilícitas que foram objeto de sua segregação e adoção de medidas invasivas. Exemplo: Operação Lava jato.

10 – Colaboração Premiada “Bis in Idem” – Modelo de negócio jurídico processual no qual o arrependido penitente é um criminoso reincidente em práticas delituosas de mesma natureza e ciclo de eventos.

Exemplo: Alberto Youssef que já tinha realizado uma ação idêntica no antigo Banco do Estado do Paraná (BANESTADO) com remessas ilegais para o exterior em 1998 quando foi preso e realizou acordo de delação premiada com o Juiz Sérgio Moro.

11 – Colaboração Premiada “Fábula do Escorpião” – O réu/colaborador demonstra não ser confiável. Mas sim um cruel e que não tem como alterar a sua natureza. A sua má-fé não tem como ser modificada para o bem. É o estado de uma pessoa identificada com o transtorno de personalidade antissocial/psicopata.

Seu interesse pessoal está acima de tudo e de todos.

São casos já documentados de pessoas que numa condição de advogados gravam clientes conduzindo seu discurso com mentiras para tentar selar uma confiabilidade as suas ilações.

12 – Colaboração Premiada “Top Secret” – São acordos realizados com objetos fatiados, fabricações de informações com modelagem inconclusivas, manipulações de fatos ainda não elaborados efetivamente na mente do arrependido. A partir dessa real inconsistência, ele não responde a nenhum questionamento sobre o fato com uma alegação de que o anexo respectivo de sua colaboração ainda está em investigação e há o receio do expositor de comprometer a persecução criminal.

13 – Colaboração Premiada “Abraço de Urso” – A expressão pode significar atitude de pessoa falsa, que finge amizade por alguém que pretende atacar. Ocorre com colaboradores gravando e filmando delatados com o aparato do Estado inquisidor para corroborar suas narrativas. Geralmente, tais medidas são autorizadas sem a observância da Lei n.º 9.296/96 acrescida do Pacote Anticrime.

14 – Colaboração “Dança das Cadeiras” – Tem como significado principal a competição e a exclusão, com a ideia de que apenas um participante pode “ganhar” e ficar sentado, enquanto os outros são eliminados. A prática também pode ser interpretada como uma metáfora para a vida, com os ciclos de inclusão e exclusão que ocorrem ao longo do tempo.

 A fala ou exposição tem uma finalidade objetiva, excluir o concorrente, o inimigo ou perseguido.

15 – Colaboração Premiada “Escrutínio” – Metodologia de narrativa, na maioria dos casos, sem Standard Probatório ou substrato técnico que é vazada na mídia com o intuito de favorecer candidatos a cargos eletivos da chapa concorrente.

Inserção com alto poder de destruição e extermínio da campanha eleitoral do escolhido e perseguido.

Exemplo: Vazamento de interceptação telefônica de uma conversa da ex-Presidente Dilma Roussef com o Presidente Luiz Inácio da Silva na Operação Lava Jato pelo Juiz e atual Senador Sérgio Moro.

16 – Colaboração Premiada “Mancoso” ou “Passarinho” – Metodologia preliminar de segregação da liberdade para forçar o preso a produzir narrativas no modelo de uma delação premiada para incriminar pessoas.

Exemplo: Inúmeras operações policiais como Publicano, Satiagraha, Castelo de Areia, Refino, Zelotes, Déjá Vu, Barrica e Lava Jato e tantas outras.

7.1. Limites da negociação

Alerta o Ex. Ministro do Superior Tribunal de Justiça, CORDEIRO[19] (2020, pág. 179) sobre a atuação do Estado na Colaboração Premiada, assim transcrito:

“… A colaboração premiada é negócio jurídico estatal e, como tal, rege-se pelos princípios constitucionais da Administração Pública, pelos princípios do processo penal, pela legislação penal e processual penal, pelas regras do direito civil de negócios jurídicos e do contrato administrativo.

O tratamento como negócio estatal acarreta a limitação normativa correspondente. O que não possa ser admitido a um agente público, em um contrato civil ou administrativo, ão poderá ser tampouco admitindo na negociação premial. Parece evidente o limite, mas a prática reiteradamente o tem descumprido.

É necessário verificar até onde pode atuar o negociador estatal, se pode criar favores, penas ou ritos, se pode criar obrigações e prêmios não contidos na lei, se pode violar a impessoalidade, a impessoalidade, a eficiência ou a moralidade pública…”

Então tem-se o entendimento que o agente público não pode autorizar uma ação controlada cautelar para um advogado gravar o seu cliente pelo simples argumento de estar corroborando com suas narrativas, pois a atitude além de ofender a ética do profissional da advocacia, é uma obrigação de não fazer, ou seja, um dever de preservar o sigilo profissional e crime com conduta prevista no artigo 154 do Código Penal. No entanto, esses conteúdos ilícitos têm frequentado as turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça onde são rechaçadas.

O agente público na condição da função da opinio delicti, custos legis e muito menos a autoridade policial podem autorizar diretamente o colaborador, arrependido de seus crimes de gravar reuniões com colegas advogados que tratam de interesses de seus clientes, gravar clientes em escutas ambientais e ainda mais, utilizar de discursos de interlocução mentirosos para induzir estes a produzir conteúdo de seu interesse persecutório.

A prática ofende o artigo 10 e 10 -A da Lei n.º 9.296/96 acrescida das alterações inserida pela Lei n.º 13.964/19 (Pacote Anticrime), pois contata-se o fim diversa, não há autorização judicial e o réu/colaborador ao mentir para obter informações de uma pessoa que foi seu patrocinado está praticando além do artigo 154 do Código Penal, o artigo 19 – Crime de Falsa Delação da Lei 12.850/13 também alterada pelo Pacote Anticrime.

São práticas reincidentes em nossas persecuções criminais que ficam inviabilizadas por ausências injustificadas daqueles que tem a obrigações de coibir essas condutas. Todas recheadas de má-fé e improbidade.

7.2. Procedimento proposto

  • Instauração de autos próprios, com contraditório e perícias, para avaliar a validade do acordo (Fagundes Reis, 2022, p. 76-80). 
  • Efeitos: perda de benefícios, mas manutenção de provas hígidas, salvo autoincriminação exclusiva (Lei 12.850/13, art. 4º, §10).

O vazio normativo atual sem o lastro na boa-fé, probidade, abuso de direito, ausência de função social, ou ainda, os reflexos econômicos gerados na máquina administrativa de persecução criminal devem ser considerados num momento da prevenção.  

A propósito, nos dias de hoje em que temos um significante crescimento de bancos de dados de consulta disponíveis, não há como deixar de adotar uma conduta legal de prevenção anterior às propostas de negociação premiada.       

A supletividade da lei tem que se fazer presente em dispositivos legais que já comprovaram a sua potencialidade de proporcionar injustiças.    

A restrição ao abuso de direito, entendemos, operacionalizará um padrão negativo de conduta, ou dever de abstenção agregatória na construção e cumprimento da função social do contrato.      

MONTEIRO FILHO & RITO[20] (2016, págs. 400/401) destacam uma percepção necessária na temática envolvendo: “…A PERSPECTIVA DINÂMICA DO PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO: A CAMINHO DO EQUILÍBRIO FUNCIONAL DOS CONTRATOS”, assim reproduzido:

“…Ocorre que, se o contrato revela manifestação clara de autonomia das partes, necessariamente tem que existir espaço (g.n) para avaliação de conformidade do seu conteúdo, não apenas em relação `vontade das partes, mas com respeito ao ordenamento, os seus valores e princípios informadores. Nesse sentido, KARL LARENZ (2001, p. 79-80) pondera que, se a validade de um contrato depende do seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico positivo no qual se manifesta, o seu conteúdo, não pode ser indiferente a esse mesmo …”

A análise de conteúdo incorre num exercício contínuo de cognição sumária da execução do negócio jurídico premial num procedimento próprio e independente no intuito de constatarmos a sua efetividade.          

O ordenamento jurídico a respeito do assunto enxergará:

  • O arrependido premial que numa condição profissional relacionada a observância de uma “obrigação de não fazer”, ou seja, preservar segredo profissional, a viola para tentar justificar ou dar substância a sua narrativa sem Standard Probatório.
  • O mesmo penitente que promove gravação ambiental sem autorização judicial ou ainda com autorização judicial que não observou os limites impostos pelos arts. 8.º A, 10 e 10A da Lei n.º 9.296/96 acrescida do pacote anticrime. Não há lastro ou amadurecimento investigatório para a conduta persecutória implementada.
  • O réu/colaborador premial com ou sem autorização judicial numa gravação ambiental utiliza falas e explanações “mentirosas” ou com “falsas memórias” para enganar delatados e induzi-los a manifestações para comprometê-los e a outros imputados que sequer participaram do ato.
  • Além, disso, a importância na análise cognitiva de conteúdo a potencialidade do penitente ter uma conduta antissocial/psicopata, um transtorno de personalidade.

Considerando que a finalidade da homologação do negócio jurídico processual pelo magistrado é o de realizar o controle da regularidade, legalidade, a voluntariedade e a espontaneidade perante o juiz natural do feito, urge a necessidade de um procedimento próprio que observem questões eclipsadas pela própria lei, autorizando somente essas questões superficiais e futuramente o faça num juízo de cognição exauriente.

Impõem uma nova aderência legal em caráter supletivo que previna danos imediatos e futuros. Pois, estas tem sido as constatações de que inúmeras operações midiáticas só proporcionaram prejuízos, momentos de glória para alguns agentes públicos com ambições pessoais e danos efetivos à sociedade com quebras de empresas, desempregos em massa. Tudo invisibilizado pelo slogan do “combate à corrupção”.

E isso somente é possível com uma perícia especializada composta por uma equipe de experts em linguagem corporal e microexpressões faciais, psicólogos habilitados na observância dessas condutas antissociais e psiquiatras forense também especializados.

Dessa forma não há como um conteúdo analisado num negócio premial sobreviver com vícios e proporcionar danos consideráveis em todos os sentidos.

VASCONCELOS (2017, pág. 249) discrimina as hipóteses que no trilhar desse trabalho podem autorizar uma saudável antecipação de rescisão de negócios jurídicos processuais por conta de um procedimento próprio que encerre consequências já conhecidas e com  resultados catastróficos. São elas, hipóteses:

a) descumprimento de qualquer dispositivo do acordo;

b) Ocultação da verdade ou mentira sobre os fatos aos quais há obrigação de colaboração;

c) Recusa a prestar informação de que tenho conhecimento.

d) recusa a entregar documento em seu poder ou sob guarda de pessoa de suas relações ou sujeita a sua autoridade ou influência, ou não indicação da pessoa e do local onde ele poderá ser obtido;

e) destruição, sonegação, adulteração ou supressão de provas;

f) cometimento de outro crime doloso;

g) Fuga ou sua tentativa;

h) Quebra do sigilo do acordo, entre outras;

E mais: “se o colaborador vier a praticar qualquer outro crime doloso da mesma natureza dos fatos em apuração após a homologação judicial desse acordo”;

“se o sigilo a respeito deste acordo for quebrado por parte do colaborador”

8. Contribuição do direito civil

O CC/02 oferece instrumentos (nulidades, boa-fé) para sanar vícios na colaboração premiada, reforçando o controle judicial e a segurança jurídica.

Podemos partir da constatação de que as ferramentas consagradas no direito civil devem ser mais impulsionadas para dar ao negócio jurídico da colaboração premiada um maior comprometimento de seus atores: colaboradores, agentes públicos, advogados, peritos na funcionalidade do contrato em homenagem também à segurança jurídica, pois o nosso sistema de nulidades é potencialmente saudável para realizar a sua missão.

A funcionalização do contrato é a questão em jogo, principalmente quando nossas Cortes de Vértice põem por terra essas práticas que se afastaram da legalidade, do sentimento axiológico, dos valores fundamentais de uma Nação comprometida na sua codificação com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, dignidade da pessoa humana, ampla defesa substancial, presunção de inocência, mas infelizmente com atores que optam por atropelar todas essas conquistas.

Logo, não há dúvida de que o negócio jurídico no seu nascer, viver, crescer, envelhecer e morrer tem de dialogar com o ordenamento jurídico.

A respeito do assunto, KONDER (2024, p. 25) preconiza:

“…A funcionalização do contrato, implica, portanto, avaliar-se a função impingida ao contrato em concreto pelo exercício da autonomia negocial é compatível com a função que o ordenamento jurídico acolhe e protege ao prover particulares de referida autonomia. Parece, portanto, que a real contraposição não se dá sobre a funcionalização em si mesma, mas a quais interesses o contrato deve ser funcionalizado. Mesmo no âmbito de abordagens mais formalistas, é possível encontrar alguma abertura especificamente à funcionalização dos contratos aos interesses dos próprios contratantes, subordinando sua exigibilidade á idoneidade para alcançar o fim por eles originalmente perseguido. O ponto controverso, portanto, é a quais interesses o contrato deve atender para merecer proteção do ordenamento: somente aqueles das partes, ou também outros que lhes sejam alheios. Não obstante a previsão legal da função social do contrato, exclusiva do ordenamento jurídico brasileiro, institutos oriundos de ordenamentos estrangeiros vêm sendo cogitados entre nós para operacionalizar esse processo de funcionalização do contrato…’

E aí está a fundamentação e essência dessa funcionalidade, pois quais os reflexos imediatos e duradouros de um negócio processual de colaboração premial? Fica relacionado apenas ao penitente e ao Estado? Certamente que não. Parece-nos se tornar uma obrigação indivisível que isenta ou protege o colaborador dos efeitos repulsivos de eventuais vícios que podem ser constatados em momento inicial ou ainda, na fase da policitação.

Ainda mais, numa relação jurídica dessa proporção. Com efeitos que ultrapassam a relação dos contratantes. Os delatados não tiveram uma participação inicial no feito e muito menos respondem solidariamente. Há no mínimo uma sub-rogação parcial que não é legal e nem foi convencionada.

Logo, o sentimento de coletividade se torna pertinente por conta do alcance dos efeitos desse negócio jurídico processual.

Mais uma vez contribui o Professor KONDER (idem, p. 148);

“… Dessa forma, o primeiro parâmetro que pode guiar o intérprete na aplicação da função social para a conservação dos efeitos do contrato diz respeito, justamente, ao alcance desses efeitos: quanto maior for o alcance dos feitos do contrato para o atendimento de interesses metaindividuais, maior será a tendência a conservá-los com base na sua função social. Em sentido contrário, quanto restritos estiverem os efeitos dos contratos à esfera dos contratantes, menor será o papel da função social na decisão pela sua conservação, sem prejuízo da incidência de outros princípios nesse sentido…”

8.1. O papel do direito civil pós-1988

O CC/02 e o CPC/2015, como codificações pós-constitucionais, reorientam o sistema jurídico para a proteção da dignidade humana, contribuindo e concorrendo com o direito penal e processual penal na construção de um Estado Democrático de Direito.

É inegável que numa primeira linha avassaladora veio o Código Civil de 2002/2003 apresentando novos institutos, consagrando outros, mas principalmente mostrando que uma codificação construída por operadores do direito estava mais voltada para uma construção de distribuição de espaço, riquezas, aumenta da segurança jurídica, agilização das necessidades, proporcionando liberações de procedimentos ou alternativas mais rápidas e eficientes em homenagem a um instituto agora escrito, replicado e sempre mencionado no teor da codificação.

A boa-fé tornou-se mais que uma palavra bonita, longe de um atuar contrário dos integrantes de uma relação jurídica.

Neste novo cenário constitucional, percebemos o aumento da segurança jurídica que eliminou presunções, ilações e proporcionou aos indivíduos melhores momentos em seus negócios.

Assim, por exemplo, tivemos a consignação extrajudicial, a promessa de compra e venda irretratável, o critério preciso da determinação do nexo de causalidade, a redução do tempo para a usucapião, o direito real de laje, dentre outros. Agregando o fato de que de que a codificação vem aceitando com espaço, novos institutos sem a necessidade de uma lei específica para temática, mas no efeito de uma supletividade que mostra maturidade.

No mesmo percurso veio o Código de Processo Civil de 2015 com o princípio da cooperação, de boa-fé processual, da realização de uma perícia com uma maior atuação e acessibilidade do expert assistente de modo a assegurar mais elementos para o contraditório, ampla defesa, dignidade da pessoa humana, além de orientar o que deve ser feito no sentido da fundamentação judicial, da respaldo de um laudo pericial e tornando mais participativa a atuação das partes no processo.

Assim, não há mais espaço para decisões surpresa, práticas de ‘fishing expedition’ e outras conquistas importantes.

Torna-se viável e oportuno a instauração de um procedimento próprio nos moldes desse amadurecimento Civil Constitucional, Processual Constitucional e de muita integração com a processualística penal, pois o bem ali tratado é o segundo maior bem jurídico do indivíduo. A liberdade.

Salienta ainda FAGUNDES REIS[21] (2022, pág. 77) que;

“…É imprescindível que o procedimento rescisório seja conduzido pelo Poder Judiciário e mesmo diante da inexistência de atual previsão legislativa, temos o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, disposta no comando expresso no art. 5.º, XXXV, garante “que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Logo, “qualquer disposição legal que impeça o juiz de verificar a razoabilidade e conveniência de adoção de restrições à liberdade é inconstitucional…”

O Estado inquisidor que prejulga não cabe mais neste universo de trocas com a verdade real, a presunção de inocência e como a realização de uma perícia nos moldes do arts.466, parágrafos e 473 parágrafos e incisos teríamos uma maior segurança e celeridade que não justificaria o exercício de uma cognição exauriente, custos e perdas para o Estado que deu azo a um penitente perverso.

FAGUNDES REIS (idem, pág. 86) reforça que:

“… os princípios do contraditório, da inafastabilidade da tutela jurisdicional e o da presunção de inocência, possuem aplicação imediata, e defende-se que sejam interpretados para reforçar a necessidade de um procedimento rescisório específico, independentemente da natureza do benefício concedido…’

As práticas de lawfare a comprometer a Justiça e proporcionar legitimidade as perseguições estariam com mais um elemento forte de confronto para as suas adulterações. Um elemento imparcial e que a jurisprudência de nossas Cortes Superiores já está familiarizada como percebemos nos precedentes trazidos ao texto.

Os prejulgamentos e perdas trazidas por colaborações com “falsas memórias” e “mentiras” teriam um outro olhar das instâncias inferiores que já demonstram um cansaço estrutural com a anulação dessas operações midiáticas que são extremamente cansativas, desonrosas e redundam em muitas Perdas.

CITTADINO (2020, pág. 55) conclui o seu olhar acadêmico:

“…A fragilidade do pacto constitucional, o lawfare e as novas modalidades da exceção no país são apenas decorrências do contrato social entre nós”

A Professora GISELE CITTADINO – Acadêmica, Professora e Coordenadora de Pós-Graduação em Teoria do Estado e Direito Constitucional da PUC-Rio de Janeiro nos convoca a uma reflexão num primeiro momento de que as perseguições precisam de um olhar no contrato que tem uma função social.

O Direito Civil com a sua interdisciplinariedade está presente nesta oportunidade. E seu entrelaçamento com os demais segmentos do direito, a destacar o Direito Processual que absorveu muito dos axiomas constitucionais, tornaram-se ferramentas importantes que através da perícia técnica, objetiva, imparcial e agora com compromissos também legais cristalizados na boa-fé, poderão proporcionar um novo canto de enfrentamento que os algozes da perversidade não queiram encarar. 

9. Conclusão

O Direito Civil, com seus princípios e institutos, desempenha um papel fundamental na construção do Estado Democrático de Direito. A interdisciplinaridade do Direito Civil é essencial para garantir que a colaboração premiada seja utilizada de forma ética e responsável, respeitando os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.

A interdisciplinaridade do Direito Civil levanta nesta exposição em que colacionamos contribuições dos demais segmentos do direito a atestar numa primeira ótica que a lei civil, sua doutrina não pode e não devem ser percebidos como um sistema hermético.

A nossa lei civil prescreve ainda que a invalidação, a anulabilidade do negócio jurídico só terá efeito com uma decisão judicial.

Não será pronunciada de ofício e somente os interessados poderão alegá-la. E a sensível contribuição nesta questão, ocorre com a tutela de urgência na obrigação de fazer e na obrigação de não fazer que autorizam as partes, os delatados, os atingidos metaindividualmente pelo negócio jurídico processual a adotarem providências que podemos sugerir de instrução probatória sem necessidade prévia de concessão judicial.

E por fim, a inserção de uma cláusula densa, substancial na afeição da boa-fé e seus reflexos rescisórios automáticos nessa modalidade de negócio jurídico processual.

A propósito, se considerarmos que a boa-fé é o parâmetro de conduta e honestidade nas relações negociais, não fica difícil entender a figura do abuso de direito que será perceptível no momento em que for constatado a violação do elemento axiológico da norma. Logo e por exemplo, a partir do momento em que um agente público no exercício de sua condição legal, ou ainda, sem essa autorização permite que um colaborador com mentiras e descrédito ao que prescreve um texto legal específico, como a Lei n.º 9.296/96 acrescida dos parâmetros do Pacote Anticrime, grave um suposto delatado que além de não preencher os requisitos dessa condição, foi patrocinado profissionalmente pelo colaborador, teremos a materialização da infração legal e uma sequência de ilícitos a dissolver a relação contratual.     

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[1] BUZANELLO, José Carlos. DIREITO DE RESISTÊNCIA CONSTITUCIONAL. 4.ª ED. VER. ATUAL./Curitiba: Juruá, 2019. 348 p.

[2] CORDEIRO, Nefi. COLABORAÇÃO PREMIADA PELA LEI ANTICRIME. Belo Horizonte: Letramento; Casq do Direito, 2020.

[3] BITENCOURT, Cézar Roberto. ARTIGO: “DELAÇÃO PREMIADA É FAVOR LEGAL, MAS ANTIÉTICO”. Procurador de Justiça Aposentado, Professor Universitário e Advogado.

[4] KONDER, Carlos Nelson. FUNÇÃO SOCIAL NA CONSERVAÇÃO DE EFEITOS DO CONTRATO. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024.

[5] PSIQUIATRIA FORENSE: Interfaces jurídicas, éticas e clínicas. Organizadores, Daniel Martins de Barros, Gustavo Bonini Castelhana. – 2.ª ed. – Porto Alegre: Artmed, 2020.

[6] ARRUDA ALVIM, Teresa. Embargos de Declaração: Como se motiva uma decisão judicial?. 5.ª ed. Ver. atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

[7] Khaled Jr., Salah H. a BUSCA DA VERDADE NO Processo Penal: para além da ambição inquisitorial. 4.ª ed. Belo Horizonte, MG: 552 p. 2023.

[8] KHALED JR., Salah H. A BUSCA DA VERDADE NO PROCESSO PENAL: PARA ALÉM DA AMBIÇÃO INQUISITORIAL. 4.ª ed. – Belo Horizonte, MG: Letramento; Casa do Direito, 2023.

[9] ARRUDA ALVIM, Teresa. Embargos de Declaração: Como se motiva uma decisão judicial?. 5.ª ed. Ver. atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

[10] ARRUDA ALVIM, Teresa. Embargos de Declaração: Como se motiva uma decisão judicial? 5.ª ed. Ver. atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

[11] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. 2.ª ed. EDIÇÕES ALMEDINA. S.A. 2020.

[12] VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. 2.ª ed. EDIÇÕES ALMEDINA. S.A. 2020.

[13] ROSA, Alexandre Morais da & CANI, Luiz Eduardo. GUIA PARA MITIGAÇÃO DOS ERROS JUDICIÁRIOS NO PROCESSO PENAL: CAUSAS PROVÁVEIS E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO. 1.ª ed. Florianópolis [SC]: Emais, 2022.

[14] VASCONCELOS, V. G. (2017). Colaboração Premiada no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 

[15] VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. COLABORAÇÃO PREMIADA NO PROCESSO PENAL. 1.ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2017.

[16] CORDEIRO, Néfi. COLABORAÇÃO PREMIADA. Atualizada pela Lei Anticrime. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, 2020. 300 p.

[17] Citação de Pereira, Frederico Valdez. Delação Premiada: legitimidade e Procedimento. 3.ª edição. Curitiba: Juruá, 2016. Página 177, assim transcrito: “{…} les déclarations dont il s’ agit se prêtent à la manipulation et peuvent être faites uniquement em vue d’ obtenir les avantajes offerts em échange ou à titre de vengeance personelle”. Caso Cornellis contra Holanda, 994/03, de 25 de maio de 2004 (decisão de inadmissibilidade), apud BEERNAERT, Marie-aude. La recevabilité des preuves em matiére pénaleddans la jurisprudence de la cour européenne des droites de l’homme. Revue trimestrielle des Droites de L’ Homme. Bruxelles, 18 a., n. 69, p. 81-105, janv. 2007. P. 89

[18] CORDEIRO, Néfi. COLABORAÇÃO PREMIADA. Atualizada pela Lei Anticrime. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, 2020. 300 p.

[19] CORDEIRO, Nefi. COLABORAÇÃO PREMIADA ATUALIZADA PELA LEI ANTICRIME. Belo Horizonte: Letramento. Casa do Direito, 2020.

[20] MONTEIRO, Carlos Edison do Rêgo & RITO, Fernanda Paes Leme Peyneau. ARTIGO: FONTES E EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL. Revista PENSAR, FORTALEZA, v. 21, n. 2 – 389/410, maio/ago. 2016.

[21]REIS, Dimas Antônio Gonçalves Fagundes. A RESCISÃO DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA A PARTIR DO SISTEMA DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. – Belo Horizonte: Forum, 2022. 132p.

Uma percepção legal das práticas de assédio pela administração pública

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.


Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

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Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

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Fernanda Manzano Sayeg – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marco Aurélio Bittencourt – Doutor em economia

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Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutora em direito

Vanessa Vilela Berbel – Doutora em Direito

Ficha catalográfica

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Uma percepção legal das práticas de assédio pela administração pública

Lorenzo Martins Pompílio da Hora

Tiago Natan Veiga Kaufmann

Resumo

O presente artigo científico tem por propósito, em síntese, suscitar um debate sobre o que realmente levou a alteração da sistemática da Lei nº 4.878/1965 ao novo regime disciplinar previsto na Lei nº 15.047/2024, implantado em 17 de dezembro de 2024.

Tecer correlações com balizas constitucionais que permeiam todo o processo disciplinar. E os elementos fáticos, legais e da percepção de uma nova “era” que necessita ainda dos preceitos constitucionais de uma sociedade livre justa e solidaria, da presunção de inocência, do contraditório, do respeito ao devido processo legal, da ampla defesa substancial para afastar de vez o viés ideológico que permearam durante décadas as manipulações e utilização de ferramentas recheadas de inconstitucionalidades e ilegalidades para favorecer os menos favorecidos na administração, desmerecendo a sua religião, o seu credo, o seu gênero, a sua cor, o seu livre arbítrio e principalmente o compromisso com a verdade real e as condutas constitucionais.

Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial que busca avaliar a presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos que nunca foram absolutas, assim como a necessidade de se verificar a justa causa em procedimentos disciplinares que apuram improbidade administrativa e desvios de conduta.

Exigindo daqueles que exercem cargos em Comissões disciplinares um compromisso com um Estado democrático de Direito e não uma submissão aos interesses dos que estão no poder sangrando a dignidade da pessoa humana com suas inovações principiológicas sem qualquer lastro dogmático, jurisprudencial, ou ainda com as contribuições da saudável doutrina.

Desafiante e estimulante a proposta que certamente trará outras contribuições ao Direito Público e exigirá que a sua interação interdisciplinar mereça também o compromisso com a boa-fé processual.

O novo texto transmite uma inicial clarividência de que o devido processo legal, a dignidade da pessoa humana, a presunção de inocência em voga há muito na jurisprudência de nossas Cortes de Vértice e doutrina especializada não podem ser mais reféns das eclipsadas manobras com suas desencorajadoras bases principiológicas que não são encontradas em nenhuma construção codificada, legislação infraconstitucional ou manuais de assistências às práticas de apurações de sinistros administrativos.

Indiciamentos sem contraditório, expressões do tipo “não é crível, “não é possível que, confecção de documentos ideologicamente falsos a permitir interpretações sem standard probatório, narrativas inconsistentes e tantas outras infinidades de práticas perversas. 

Por fim, conclui-se pelo alerta ao perigo que se corre ao instrumentalizar processos disciplinares como meios de assédio moral e de perseguição, caso as balizas constitucionais do devido processo legal (due processo of law), da segurança jurídica, da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência não sejam adequadamente observados.

As práticas de “fishing expedition” descritas pelo ilustre administrativista, parecerista, advogado e escritor Mauro Roberto Gomes de Mattos em sua obra:  Fishing Expedition no Direito Administrativo Sancionador são um exemplo da necessidade desse texto legal recentemente publicado quando a unidade corregedora não observa e se recente de que um administrado é vítima de perseguição e fica desmoralizado perante familiares, amigos, colegas e a administração de sua instituição, desenvolvendo uma conduta depressiva que em alguns casos é irresgatável com danos psíquicos, morais e reflexos que são irreparáveis.

Palavras-chave: direito administrativo; processo administrativo disciplinar; procedimento disciplinar; presunção de veracidade e legitimidade; atos administrativos; justa causa; improbidade administrativa; devido processo legal; presunção de inocência.

Abstract

The purpose of this scientific article, in short, is to spark a debate on what really led to the change in the system of Law No. 4,878/1965 to the new disciplinary regime provided for in Law No. 15,047/2024, implemented on December 17, 2024.

To draw correlations with constitutional guidelines that permeate the entire disciplinary process. And the factual, legal and perception elements of a new “era” that still requires the constitutional precepts of a free, fair and supportive society, the presumption of innocence, the adversarial system, respect for due process, and broad substantial defense to once and for all eliminate the ideological bias that has permeated for decades the manipulations and use of tools feared to be unconstitutional and illegal to favor the less favored in the administration, discrediting their religion, creed, gender, color, free will and, above all, their commitment to the real truth and constitutional conduct.

To this end, a bibliographical and jurisprudential research was carried out that seeks to evaluate the presumption of truthfulness and legitimacy of administrative acts that have never been absolute, as well as the need to verify just cause in disciplinary procedures that investigate administrative impropriety and misconduct.

Demanding that those who hold positions in disciplinary committees commit to a democratic State of Law and not submit to the interests of those in power, bleeding human dignity with their principled innovations without any dogmatic or jurisprudential basis, or even with the contributions of sound doctrine.

A challenging and stimulating proposal that will certainly bring other contributions to Public Law and will require that its interdisciplinary interaction also deserves a commitment to procedural good faith.

The new text conveys an initial clear-sightedness that due process, human dignity, and the presumption of innocence, which has long been in vogue in the jurisprudence of our High Courts and specialized doctrine, can no longer be held hostage by outdated maneuvers with their discouraging principled bases that are not found in any codified construction, infra-constitutional legislation, or manuals for assisting in the practice of investigating administrative claims. Indictments without a contradictory principle, expressions such as “it is not credible”, “it is not possible that”, the creation of ideologically false documents allowing interpretations without a standard of proof, inconsistent narratives and many other perverse practices.

Finally, we conclude by warning of the danger that arises when using disciplinary processes as means of moral harassment and persecution, if the constitutional guidelines of due process of law, legal certainty, human dignity and the presumption of innocence are not adequately observed. The “fishing expedition” practices described by the distinguished administrative expert, expert, lawyer and writer Mauro Roberto Gomes de Mattos in his work: “Fishing Expedition in Sanctioning Administrative Law” are an example of the need for this recently published legal text when the oversight unit fails to observe and is aware that an individual is a victim of persecution and becomes demoralized before family, friends, colleagues and the administration of his institution, developing a depressive behavior that in some cases is irreparable with psychological, moral and repercussion damages that are irreparable.

Keywords: administrative law; administrative disciplinary process; disciplinary procedure; presumption of truthfulness and legitimacy; administrative acts; just cause; administrative misconduct; due process of law; presumption of innocence.

Introdução

Nos dias de hoje dar ênfase a preceitos e posições basilares tem se mostrado cada vez mais importante, na medida em que garantias antes vistas como inabaláveis podem ser facilmente erodidas diante de processos administrativos mal conduzidos. Entre as garantias mais caras ao nosso constituinte de 1988 estão sem dúvidas o devido processo legal (Art. 5º, LIV CFRB/88), a dignidade da pessoa humana (art. 1.º inciso III da CFRB/88) e a presunção de inocência (Art. 5º, LVII CFRB/88). Tais garantias devem ser salvaguardadas em qualquer tipo de processo, seja judicial, seja administrativo (Art. 5º, LV CFRB/88).

Ocorre que por vezes um procedimento administrativo ou mesmo processo judicial pode, por motivos diversos, não se atentar a estas importantes garantias constitucionais. Nesse sentido, torna-se vital estar zeloso a qualquer violação de direitos e fazer valer os mandamentos constitucionais que garantem o devido processo legal.

Como exemplos de eventuais algumas ilegalidades cometidas pela Administração no curso de Processos Administrativos Disciplinares (PADs), colacionam-se os seguintes julgados das nossas Cortes de Vértice (STF e STJ):

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR (PAD). SERVIDOR PUNIDO COM PENA DE DEMISSÃO. RECURSO PROVIDO PARA CONCEDER A SEGURANÇA.

1. A aplicação das penalidades previstas no art. 127 da Lei 8.112/1990 vincula-se ao cumprimento de pré-requisitos estritos previstos na legislação de regência, apurados mediante a apreciação das características particulares de cada caso concreto em sede de processo administrativo disciplinar. A caracterização de tais requisitos não se sujeita a juízos de conveniência ou oportunidade da Administração e, portanto, é sindicável pela via judicial.

2. No controle judicial dos atos administrativos de demissão de servidor público estável, “a legalidade do ato administrativo compreende, não só a competência para a prática do ato e as suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato”, sendo certo que “a inconformidade do ato com os fatos que a lei declara pressupostos dele constitui ilegalidade, do mesmo modo que o constitui a forma inadequada que o ato porventura apresente” (LEAL, Victor Nunes. Atos administrativos – Exame da sua validade pelo poder judiciário. Revista de Direito Administrativo, v. 3, p. 69–98, 1946).

3. Caso em que a penalidade de demissão aplicada pela Administração se deu sem devida caracterização do elemento subjetivo referente ao intuito de abandonar o cargo ocupado (Lei 8.112/1990, art. 138). Na espécie, a aplicação da penalidade de demissão violou direito líquido e certo do impetrante, uma vez que, valendo-se de fundamentação inconsistente e contraditória, calcada em presunções não corroboradas pelo acervo fático-probatório dos autos do PAD, a União aplicou-lhe a penalidade de demissão deixando de considerar a data em que efetivamente se deu o término de sua cessão informal ao Senado. 4. Recurso ordinário provido para reformar o acórdão recorrido e conceder a segurança.

(RMS 38983. Relator(a): Min. ANDRÉ MENDONÇA. Redator(a) do acórdão: Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 13/11/2023. Publicação: 28/02/2024)

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO NO PAD. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL. CONTROLE DE LEGALIDADE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. INEVIDÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.


1. Apesar da absolvição administrativa, não há qualquer ilegalidade no acórdão que determina a instauração de incidente judicial de apuração de falta grave.

2. Esta Corte já decidiu que as esferas administrativa e judicial são independentes e autônomas entre si, de maneira que a decisão proferida no Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) que absolve o apenado ou que reconhece a imputação da prática de falta grave no cumprimento de pena, pode ser submetida ao controle judicial, pelo d. Juízo das Execuções (HC n. 553.572/PR, Ministro Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), Quinta Turma, DJe 24/3/2020).

3. Agravo regimental improvido.

AgRg no HC 915733 / MG. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 2024/0184452-9. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 23/09/2024, DJe 27/09/2024.

EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS. FALTA GRAVE. DESOBEDIÊNCIA A AGENTES PENITENCIÁRIOS. SINDICÂNCIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. NOVA OITIVA JUDICIAL. DESNECESSIDADE. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO SENTENCIADO E DE JUNTADA COMPLETA DA SINDICÂNCIA. PRECLUSÃO. ATIPICIDADE, DESCLASSIFICAÇÃO, INSIGNIFICÂNCIA E AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DA CONDUTA. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. PERDA DE 1/3 DOS DIAS REMIDOS. FUNDAMENTAÇÃO
INIDÔNEA. GRAVIDADE EM ABSTRATO DA FALTA DISCIPLINAR. AGRAVO PROVIDO EM PARTE.

1. Reconsiderada em parte a decisão que não conheceu do agravo com fundamento no art. 34, XVIII, do RISTJ.

2. O procedimento administrativo disciplinar, instaurado para a apuração do cometimento de falta grave, por tratar da liberdade de ir e vir do réu condenado, deve, necessariamente, observar o contraditório e a ampla defesa, tornando imprescindível a presença de advogado constituído ou de defensor público nomeado, em razão das regras específicas contidas na Lei de Execuções Penais.

3. Tendo sido determinada a notificação do sentenciado no momento da instauração do Procedimento Disciplinar, o qual foi interrogado na presença de advogada da FUNAP, que apresentou alegações finais, não há nos autos evidência de ilegalidade por inobservância do princípio do contraditório.


4. As questões acerca da ausência de citação e de juntada completa dos autos da sindicância não foram suscitadas pela defesa durante o interrogatório do sentenciado ou nas alegações finais do procedimento administrativo, ocorrendo, no ponto, a preclusão.

5. Havendo a prévia apuração da infração disciplinar em procedimento administrativo em que foram observados a ampla defesa e o contraditório, não se exige nova oitiva judicial do sentenciado.
6. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a desobediência a agentes penitenciários, conforme dispõe os arts. 50, VI, e 39, II e V, da LEP, consubstancia falta disciplinar de natureza grave.

7. Maiores considerações acerca da atipicidade, da desclassificação, da insignificância ou da ausência de materialidade da conduta, a fim de afastar a falta disciplinar aplicada e absolver o sentenciado, demandariam necessária incursão no conjunto fático-probatório dos autos, o que se mostra inviável na via eleita.

8. Com o advento da Lei n. 12.433, de 29/6/2011, foi dada nova redação ao art. 127 da Lei de Execuções Penais, que passou a dispor que o cometimento de falta grave não mais acarretaria a perda da integralidade do tempo remido, somente podendo atingir o limite de 1/3 (um terço).


9. No que respeita ao quantum a ser fixado pelo juízo das execuções penais, devem ser levados em conta os critérios estabelecidos no art. 57 da novel legislação, quais sejam: a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão, cabendo ao juiz certa discricionariedade.

10. Decisão que não apresenta fundamento idôneo e suficiente para justificar a perda máxima, prevista no art. 127 da LEP, consubstanciado na gravidade da infração praticada, havendo constrangimento ilegal a ser sanado.

11. Agravo interno parcialmente provido para não conhecer do writ, porém conceder de ofício a ordem, determinando o retorno dos autos ao Juízo das Execuções Penais, a fim de que complemente o julgamento, na parte referente à perda dos dias remidos, motivando a escolha do patamar da penalidade, à luz da disciplina do art. 127 da Lei de Execuções Penais.

AgInt no HC 374195 / SP. AGRAVO INTERNO NO HABEAS CORPUS
2016/0265931-0. Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, j. 04/04/2017, DJe 17/04/2017.

A recente lei nº 15.047/2024 instituiu o regime disciplinar da Polícia Federal e da Polícia Civil do Distrito Federal. No âmbito das prerrogativas do Estado de Direito, percebe-se que houve atualização de dispositivos que hoje buscam dar efetivação ao combate à corrupção por meio de atividades correicionais. No entanto, tais atividades devem ser promovidas levando-se em conta todos os preceitos constitucionais que lhe dão suporte e justificação jurídica, sob pena de se transformar, processos administrativos disciplinares em instrumentos de assédio moral e perseguição em desfavor do servidor-administrado, como a pesquisa aqui avaliada irá demonstrar.

Desta forma, convém destacar que a condução de processos disciplinares deve observar a necessidade de haver justa causa para a instauração. Além disso, a presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos é juris tantum (relativa) ou “apenas de direito”. Somente com a adoção de instrumentos de controle que preservem as garantias constitucionais é que se poderá garantir um julgamento justo e, sobretudo, atendo aos mandamentos da Constituição de 1988.

O gestor correicional deve der antevidente, prudente, inibidor das instaurações única e exclusivamente lastreadas em iniciais ministeriais que quando muito podem apenas conter um recebimento de ação penal que não se enquadra nas prescrições do art. 41 do C.P.P, ou mesmo com fundamentações genéricas do Juiz de Piso sem compromisso com as determinações de que suas fundamentações devem ser dotadas de elementos probatórios e não de narrativas sem Standard Probatório.

O gestor correicional sob pena de responder por abuso de autoridade e civilmente por tais equívocos ou desvios funcionais decorrentes de assédios dos mais diversos deve ter a percepção que uma narrativa necessita de uma “firmação de fatos” com destaca o Professor escritor e processualista GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ.

Imputações genéricas em portarias de instauração também responsabilizam todos os atores envolvidos em sua confecção. Isto é, quem determina, quem instaura, quem determina diligências e ainda os que são omissos diante das ilegalidades acreditando que são eclipsados e protegidos pelo manto da Responsabilidade Civil Objetiva.

Essas práticas no entender de nossas Cortes de Vértice acabaram. A literatura acadêmica atual prima pela boa-fé objetiva em feitos dessa natureza. O assédio horizontal não sobrevive para as condutas de lawfare, racismo estrutural e ações de segregação dos mais diversos gêneros.   

1. A exposição de motivos e a tramitação da Lei 15.047/2024 no Congresso Nacional

A Lei nº 15.047/2024 institui o regime disciplinar da Polícia Federal e da Polícia Civil do Distrito Federal. A norma foi publicada no Diário Oficial da União em 18/12/2024, buscando atualizar e substituir termos e tipos administrativos abertos, inconstitucionais (a este respeito veja-se a ADPF 353) e antiquados, revogando desta forma os artigos 41 a 60 da Lei nº 4.878/1965.

No bojo da citada ADPF 353, é importante destacar que o STF invalidou dispositivos da Lei nº 4.878/1965, com entendimento que “parte das condutas elencadas viola direitos fundamentais e, por esse motivo, não foram recepcionadas pela CF/88”. A ação foi julgada parcialmente procedente para declarar a não recepção pela Constituição Federal de 1988 dos incisos I, V, VI, XXXV e LI do artigo 43 da Lei 4.878/1965 e para conferir interpretação conforme a Constituição aos incisos II e XLIV da do mesmo artigo.

A lei é resultado de um projeto do Poder Executivo, que tramitou na Câmara dos Deputados como PL 1952/07 e no Senado como PL 1734/24. Contudo, o presidente Lula vetou sete dispositivos do texto original.

2. Alguns aspectos do novo regime disciplinar

O texto da Lei nº 15.047/2024 lista diversas infrações disciplinares relacionadas às atividades policiais e administrativas, além de casos que configuram insubordinação hierárquica. O texto também atualiza o conjunto de penalidades aplicáveis aos policiais, incluindo advertência, suspensão, demissão e cassação de aposentadoria.

A norma destaca fatores que podem agravar as penalidades, como reincidência, abuso de autoridade e participação de terceiros no cometimento da infração. Por outro lado, apresenta circunstâncias atenuantes, como a ausência de antecedentes, registros elogiosos, confissão ou colaboração espontânea durante as investigações.

Uma novidade é a possibilidade de celebrar um termo de ajustamento de conduta (TAC) para solucionar de forma consensual infrações disciplinares de menor gravidade — puníveis com advertência ou suspensão de até 30 dias. Para firmar o TAC, o servidor não pode ter penalidades prévias em sua ficha funcional nem ter assinado outro termo nos dois anos anteriores.

A lei também estabelece normas específicas para:

  • Investigação preliminar sumária, destinada à coleta de informações sobre autoria e materialidade da infração;
  • Sindicância patrimonial, voltada para identificar indícios de enriquecimento ilícito do servidor; e
  • Processos administrativos disciplinares, com foco na apuração de responsabilidade por infrações cometidas.

3. A presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos na jurisprudência e na doutrina

A voz do Estado não pode ser a única e muito menos absoluta. Em artigo publicado no Conjur [1], Fabrício Reis Costa e Ana Letícia Arruda Viana discutem sobre a necessidade de tratar da “autoproclamada confiança” na palavra estatal, objeto de críticas do Ministro Ribeiro Dantas (5ª Turma — STJ). Por acaso, em julgamento monocrático ocorrido no último dia 13/01/2025, o assunto foi, novamente, objeto de debate.

Em um sistema jurídico que se pretende democrático, a voz do Estado não pode ser absoluta, especialmente quando o tema são os processos criminais e as infindáveis formas de persecução penal por parte do Estado.

A decisão do ministro Reynaldo Soares da Fonseca — integrante da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça — no Recurso Especial nº 2.173.338/SC serve como um paradigmático contraponto à tendência de se privilegiar e acolher inadvertidas e incondicionais “técnicas investigativas” em detrimento das garantias fundamentais do indivíduo. O caso, que envolveu a condenação de um réu por tráfico de drogas, expõe as tensões entre o poder punitivo do Estado e os direitos constitucionais à inviolabilidade do domicílio, à presunção de inocência e ao devido processo legal.

Não se discute, muito menos se nega, que a atividade investigativa do Estado é essencial para a manutenção da ordem pública e a persecução penal. No entanto, ao se desvincular esta atividade dos limites legais e constitucionais, transforma-se em um instrumento de arbítrio. A versão estatal, representada pelos agentes policiais e pelo Ministério Público, não pode ser tomada como infalível ou incontestável. Do contrário, a história recente do Sistema de Justiça Criminal está repleta de exemplos em que a busca pela “verdade real” foi utilizada como justificativa para violações graves de direitos constitucionais.

A ausência de elementos objetivos que justifiquem a suspeita de prática criminosa invalida a busca e, consequentemente, os elementos dela decorrentes. Essa decisão reforça a ideia de que os representantes do Estado não devem ser ouvidos como portadores de uma verdade absoluta. Corre-se o risco de transformar a atividade investigativa em um exercício de poder discricionário, em que a palavra do agente estatal prevalece sobre os direitos do cidadão. Das vezes em que tal premissa se estabeleceu — dentro ou fora — do ordenamento brasileiro, o resultado foi trágico.

A presunção de veracidade dos depoimentos prestados por agentes estatais, especialmente em contextos de buscas domiciliares e abordagens policiais, é um tema que frequentemente gera controvérsias no sistema de justiça criminal. Quando há elementos concretos que apontam para agressões ou violações de direitos por parte dos policiais, essa presunção deve ser rigorosamente questionada. A decisão judicial não pode se basear em relatos contraditórios ou desprovidos de suporte probatório, mesmo que provenham de agentes do Estado.

Por fim, a decisão de afastar a presunção de veracidade dos depoimentos policiais quando há indícios de agressões reforça o princípio de que o Estado não está acima da lei. Em um Estado democrático de direito, a atividade policial deve ser submetida ao controle judicial e ao escrutínio público. A voz do Estado, embora importante, não pode ser incontestável. A Justiça exige que todas as partes sejam ouvidas e que as provas sejam analisadas com isenção, especialmente quando há indícios de que os direitos fundamentais foram violados. Essa postura não apenas protege o indivíduo contra abusos, mas também fortalece a credibilidade do sistema de justiça como um todo.

Conforme sustenta Geraldo Prado, não se pode recorrer a conceitos da antiga tradição do processo penal brasileiro, como a “fé-pública”, pois a interpretação predominante nas tradições democráticas que foram abraçadas após 1988 tem fundamento no princípio da desconfiança, afastando, portanto, qualquer presunção de veracidade absoluta dos atos praticados pelos agentes estatais responsáveis pela investigação criminal[2].

Segundo entendimento de Paolo Ferrua, no exercício da epistemologia jurídica é preferível o realismo do modelo acusatório, que admite a limitação da busca da verdade, cujo conhecimento será sempre relativo, à perigosa utopia típica modelo inquisitório, em que tudo é justificado para atingir a verdade absoluta. [3]

A presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos é um atributo que considera que os atos da Administração Pública são válidos até que se prove o contrário. A presunção de legitimidade significa que os atos administrativos são praticados de acordo com a lei. A presunção de veracidade significa que os fatos alegados pela Administração são verdadeiros. Como funciona?

  • A presunção de legitimidade e veracidade é uma presunção relativa, ou seja, é válida até que se prove o contrário. 
  • Em caso de controvérsia, o ônus da prova da ilicitude é de quem questiona o ato. 
  • O Poder Judiciário deve verificar a legalidade e legitimidade dos atos administrativos, mas não pode interferir no mérito. 

Exemplos de aplicação

  • A presunção de legitimidade e veracidade é aplicada em atos administrativos como a exoneração de um cargo. 
  • A presunção de legitimidade e veracidade é aplicada em atos administrativos como a exclusão de um programa de intercâmbio. 

A presunção de veracidade dos atos administrativos deve ser relativizada quando fundamentar atos administrativos sancionatórios, a fim de que o Poder Público prove o fato gerador da sanção aplicada e não atribua ao sujeito uma exigência ilegal, como a prova da inocência, ou impossível, como a prova da não ocorrência de um fato.

As manifestações de vontade da Administração Pública são instrumentalizadas por meio de atos que gozam de uma série de prerrogativas outorgadas pelo Direito Público, que autorizam o Estado a submeter de forma imediata o sujeito particular a deveres e obrigações. Nesse contexto, o atributo da presunção de legalidade, legitimidade e veracidade dos atos administrativos é a qualidade conferida pelo ordenamento jurídico que fundamenta a fé pública de que são dotadas as manifestações de vontade expedidas por agente da Administração Púbica e por seus delegatários1, no exercício da função administrativa.

Essas presunções, especialmente a presunção de veracidade dos fatos narrados no teor do ato administrativo, são relativas (juris tantum) e devem admitir a impugnação de seu mérito pelo sujeito interessado, a partir de um procedimento instrutório que oportunize a produção de provas, dentro de uma relação processual que garanta o contraditório e a ampla defesa, tanto na própria esfera administrativa quanto na via da tutela jurisdicional.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, [4] por sua vez, aponta os seguintes fundamentos justificadores da presunção de legitimidade do ato administrativo:

1. o procedimento e as formalidades que precedem a sua edição, os quais constituem garantia de observância da lei;

2. o fato de ser uma das formas de expressão da soberania do Estado, de modo que a autoridade que pratica o ato o faz com o consentimento de todos;

3. a necessidade de assegurar celeridade no cumprimento dos atos administrativos, já que eles têm por fim atender ao interesse público, sempre predominante sobre o particular;

4. o controle a que se sujeita o ato, quer pela própria Administração, quer pelos demais poderes do Estado, sempre com a finalidade de garantir a legalidade;

5. a sujeição da Administração ao princípio da legalidade, o que faz presumir que todos os seus atos tenham sido praticados em conformidade com a lei, já que cabe ao poder público a sua tutela.

No mesmo sentido, Lúcia Vale Figueiredo [5] afirma:

“Se os atos administrativos desde logo são imperativos e podem ser exigíveis (i.e., tornam-se obrigatórios e executáveis), há de militar em seu favor a presunção iuris tantum de legalidade.

Todavia, como bem assinala Celso Antônio, a presunção se inverte quando os atos forem contestados em juízo ou, diríamos nós, também fora dele, quando contestados administrativamente.

Caberá à Administração provar a estrita conformidade do ato à lei, porque ela (Administração) é quem detém a comprovação de todos os atos e fatos que culminaram com a emanação do provimento administrativo contestado.

Determinada, p. ex., a demolição de imóvel por ameaça à incolumidade pública, se houver contestação em juízo, deverá a Administração provar (por meio de estudos técnicos ou pareceres de profissionais competentes) que o imóvel ameaçava ruir e que desse fato resulta a periclitação da incolumidade pública.”

A jurisprudência também tem relativizado a exigência de a parte desincumbir-se de provar suas alegações quando se tratar de hipótese de prova diabólica. Nesse sentido, vale citar o julgamento do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 823.122/DF, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, relator para o acórdão o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, julgado por maioria em 14.11.2007, DJU de 18.02.2008, p. 59, no qual foi firmado o entendimento de que a prova, nos casos de concessão de anistia para fins de reintegração ao serviço público, é sempre indireta e deve decorrer da interpretação do contexto e das circunstâncias do ato apontado como de motivação política. Sendo assim, a prova direta, material ou imediata é rigorosamente impossível em casos dessa espécie. Impor ao autor que a produza é o mesmo que, em última análise, impor a produção de prova diabólica, porque os afastamentos dos cargos, à época, eram velados. Eis a ementa do referido julgamento:

DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ANISTIA. DEMISSÃO POR MOTIVAÇÃO POLÍTICA. PROVA DIRETA OU MATERIAL. IMPOSSÍVEL. ATO DEMISSÓRIO DISSIMULADO. CONTEXTO DEMONSTRATIVO DA NOTA POLÍTICA DA DEMISSÃO DO RECORRENTE. PROVA EM CONTRÁRIO QUE COMPETE À ADMINISTRAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. VALORAÇÃO DA PROVA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. A prova, nos casos de concessão de anistia para fins de reintegração ao serviço público, é sempre indireta e deve decorrer da interpretação do contexto e das circunstâncias do ato apontado como de motivação política.

2. A prova direta, material ou imediata é rigorosamente impossível em caso dessa espécie. Impor ao autor que a faça significa, em verdade, impor-lhe a chamada prova diabólica, de produção impossível, porque os afastamentos dos cargos, à época, eram disfarçados; assim, por exemplo, quando militar o servidor, afastava-se por indisciplina ou insubordinação; quando civil, por ato de abandono e outras alegações com a mesma finalidade e do mesmo teor. Destarte, compete à instituição que promoveu o ato demissionário demonstrar a inexistência de motivação política.

3. Na presente hipótese, o contexto da demissão do recorrente, revelado (I) pela sua participação ativa em movimentos então denominados esquerdistas ou subversivos, (II) pela perseguição e demissão de pessoas próximas, inclusive familiares, (III) pelo forte conceito que mantinha na universidade, sem qualquer mácula em sua conduta profissional e acadêmica, bem como (IV) pelo fato de ter sido anistiado pelo Ministério do Trabalho em face de sua demissão da Petrobras, demonstra a motivação política do seu afastamento dos quadros da UNB.

4. Não se cuida, aqui, de mero reexame de matéria fático-probatória, realmente incabível em sede recursal especial, mas de valoração da prova, abstratamente considerada, passível de realização nesta instância.


5. A questão da prova direta não é nuclear no processo de anistia nem mesmo constitui o fulcro do pedido, porque em hipótese que tal a avaliação do pleito há de seguir a trilha do art. 8º do ADCT e da Lei 10.559/02 (Lei de Anistia), elaborada com o ânimo de pacificar o espírito nacional, aproximar os contrários e instalar o clima de recíprocas confianças entre grupos dantes desentendidos.

6. Recurso especial conhecido e provido.

Em síntese, a disciplina legal do ônus da prova deve ser interpretada de forma a se harmonizar com a garantia constitucional do devido processo legal e permitir às partes o pleno exercício do direito de defesa.

A defesa técnica do cidadão deve ainda exigir na busca da verdade real, na presunção de inocência, na dignidade da pessoa humana, na construção de uma sociedade livre justa e solidária, o protocolo de atuação do Estado Policial. Houve planejamento para a sua atuação? Que é o responsável pelo planejamento operacional da atuação dos investigadores? Como esse planejamento foi exposto aos executores? Que recursos foram disponibilizados aos agentes da lei? Quais eram os objetivos da missão policial que teve uma ordem formal emitida por uma autoridade policial? Quais os resultados dessa ação? Trouxe prejuízos ou possibilidade de prejuízos ao erário considerando que agentes policiais poderão ser mortos num confronto no vale tudo, sem objetivos claros e específicos. O ônus em qualquer lado onde ocorra perdas é do Estado.

São detalhes que os dois lados devem buscar no princípio da cooperação entre as partes. É um princípio processual de uma evolução do trato constitucional. 

Com base nas premissas acima trazidas, impõe-se a reflexão sobre os limites da presunção de legitimidade do ato administrativo em face do atual regime constitucional.

A presunção de legitimidade do ato administrativo não é um dogma. Em verdade, ela deriva de uma construção doutrinária que tem por finalidade permitir que a Administração Pública atue de forma eficaz, na busca de sua finalidade de atender ao interesse público. Mas é da essência do interesse público que as garantias constitucionais sejam respeitadas, de modo que a presunção de legitimidade do ato administrativo deve ser afastada quando conflitar com o ordenamento constitucional.

Assim sendo, e por necessidade metodológica, para fins de encerramento deste trabalho, é possível concluir que:

a) a presunção de legitimidade do ato administrativo, em certa medida, é necessária à regular atuação da máquina estatal;

b) os atos administrativos, em especial quando editados com a finalidade de restringir direitos dos administrados, devem respeitar as garantias constitucionais destes;

c) a presunção de legitimidade dos atos administrativos não prevalece quando ao administrado é impossível desincumbir-se do ônus da prova de que sua atuação ocorreu de forma lícita; e

d) em se tratando de atividade estatal sancionadora, cabe à Administração comprovar a ocorrência da situação fática motivadora da aplicação da penalidade.

Não é por outra razão que Mattos(2024, pág. 36) [6] destaca:

“…Contudo, não havendo autoria e materialidade demonstradas, deve o Ministério Público arquivar o inquérito civil, em vez de promover uma devassa na vida do investigado, com o intuito de encontrar ou “pescar” algo, mesmo não existindo o menor indício para o ingresso da futura ação judicial correspondente…”                                                                                                                                     

Acrescenta ainda (idem, idem) as considerações do Min. Joaquim Barbosa, ao relatar o RE n.º 464.893/GO, 1.ª Turma, DJ 1.º.08.2008:

[…] o que autoriza o Ministério Público a investigar não é a natureza do ato punitivo que pode resultar da investigação (sanção administrativa, cível ou penal), mas, sim, o fato a ser apurado, incidente sobre bens jurídicos cuja proteção a Constituição confiou ao Parquet. […} Assim, parece-me lícito afirmar que a investigação se legitima pelo fato investigado, e não pela ponderação subjetiva de qual será a responsabilidade do agente e qual a natureza da ação a ser eventualmente proposta…”                                                                                                                                                       

As narrativas construtoras de cenários inconsistentes e irreais não podem mais fazer parte de um cenário, pois não se consolidam em imaginários e intuições, ou ainda em análise de contextos isolados.

Estas explanações precisam de concretudes, elementos palpáveis e conexos, pois não sobreviverão a decisões decorrentes de um amplo contraditório, sem deixar de expor a fraca textura e perversidade de  suas imputações.

4. A necessidade de se verificar a justa causa para a instauração e apuração de procedimentos disciplinares

Em outra frente de reflexão, faz-se necessário trazer o seguinte ponto. Mattos [7] destaca que firmes posicionamentos são utilizados para defender, com toda razão, a necessidade de justa causa, para instauração do inquérito policial e até́ mesmo o próprio processo penal não direcionou até́ agora, também os seus valiosos focos para o procedimento disciplinar.

Ora, apesar de serem autônomos e independentes, existe forte semelhança entre o processo penal e o inquérito administrativo disciplinar. Basta notar, que em alguns casos, as normas punitivas do processo disciplinar se aproximam dos princípios do direito repressivo. Isso porque, quando um fato tem a natureza de infração disciplinar, pode ao mesmo tempo desencadear um processo crime, por ofender os interesses sociais gerais prevenidos nas leis penais. A responsabilidade penal abrange os crimes de contravenção imputados ao servidor. nessa qualidade [8].

O Estatuto do Servidor Público Federal é claro em estipular a tríplice responsabilidade do servidor:

“Art. 121 – O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.”

Portanto, como já dito, pode um fato disciplinar punível desencadear também responsabilidade criminal do servidor. Sendo certo, que a justa causa para a instauração do processo penal também deverá estar presente no âmbito disciplinar, pois a Constituição Federal garante o direito à inviolabilidade da honra, da vida privada e do cidadão, sem distinguir, se ele é ou não servidor público.

A existência da justa causa é condição sine qua non para a instauração do inquérito administrativo, pois sem elementos materiais, não pode o administrador público devassar a vida do servidor público sob o pálido argumento de tentar encontrar indícios de uma pseudo infração disciplinar.

Por ser o tema de grande relevância, resolvemos adentrá-lo no intuito de fixar os limites do poder público, que como todos sabem, possui competência discricionária para a instauração dos procedimentos administrativos que achar necessário para o atingimento de um determinado fim, do interesse da sociedade.

Sucede, que a atuação conforme a lei e o direito, retira do Estado a ampla, geral e irrestrita discricionariedade, devendo a Administração Pública obedecer ao princípio da segurança jurídica, [9] só instaurando o processo disciplinar quando estiver presente com toda certeza e materialidade, uma justa causa para a sua instauração, sob pena de indevida invasão da privacidade do agente público.

Em boa hora, a atual Constituição Federal estabelece limites à atuação do Estado, conferindo ao cidadão direitos e garantias fundamentais. sendo legitimado para apurar e punir condutas consideradas ilícitas, o Poder Judiciário (art. 92 e segs./CF), o Ministério Público (art. 127 e segs./CF), as Polícias (art. 144 e ss) e a própria previsão de um contencioso administrativo (art. 5°, LV).

Nessa linha, o constituinte moderno, na luta entre a repressão de ilícitos e a proteção da honra. imagem, bom nome e privacidade, traçou a devida fronteira de atuação do Poder Público, que deverá atuar dentro dos limites estabelecidos pela Magna Carta.

E coube ao artigo 5° da CF e seus incisos distribuir diversos dispositivos que disciplinam o processo; a aplicação da pena e as condições para seu cumprimento (incisos XXXVII e seguintes); a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem (inciso X); o direito de indenização do dano moral e à imagem (inciso V); defesa da intimidade restringida à publicidade de atos processuais (incisos LX); o direito de defesa (inciso LV) e o direito de propriedade (inciso LIV), dentre outras.

Mantendo inafastáveis e intactos tais direitos, o art. 60, § 4°, IV, da CF, proíbe que sejam esses direitos, inseridos nas garantias fundamentais da sociedade (art. 5°), objeto de deliberação de proposta de emenda constitucional tendente a abolir quaisquer dessas garantias.

Pois bem, a garantia mínima do cidadão de que não será́ molestado sem o devido processo legal, e que o procedimento instaurado conterá́ provas diretas e indiretas da prática de um ato vedado pelo ordenamento jurídico vigente é uma realidade, pois se também existem dois conjuntos de normas constitucionais – os que propugnam a investigação e punição de ilícitos e os que protegem a honra e a imagem das pessoas – o certo é que o direito reconhece e cria instrumentos aptos que evitam danos inúteis à imagem das pessoas quando não haja elementos de suspeitas suficientes para constranger as pessoas a determinados procedimentos.

Os procedimentos disciplinares entram também nessa escalada, pois é vedada a instituição de procedimento disciplinar genérico, onde acusações vagas servem para iniciar uma devassa na vida do agente público, no afã̃ de encontrar-se prova de pseudo conduta ilícita.

A sociedade clama por uma justiça administrativa séria e que, antes de mais nada, respeite os direitos e prerrogativas dos acusados.

Não é lícito e nem factível que ainda ocorram acusações genéricas contra a honra de quem quer que seja. O direito não permite procedimento de caráter aberto, sem que haja justa causa, contra agentes públicos que renderão ou não espaço na mídia contra seus nomes [10].

A falta de justa causa afasta a figura do possível delito, tendo em vista a ausência do ato ilícito. O STF vem retirando do Ministério Público o poder de instaurar inquérito policial sem um mínimo de plausibilidade ou de justo motivo, trancando-o:

Habeas Corpus. Inquérito policial instaurado pelo fato de vereadores terem recebido importância em virtude de lei municipal que veio a ser considerada inconstitucional pelo Tribunal de Contas do Estado, conhecimento parcial. com base na letra d do inciso j do artigo 102 da Constituição, já que, no caso, não há sequer conexão determinadora do deslocamento da competência. Sendo o fato que deu margem à instauração do inquérito policial manifestadamente atípico, é de trancar-se esse inquérito por falta de justa causa. Habeas Corpus conhecido quanto ao paciente que atualmente é deputado federal, e deferido com relação a ele[11].

Diante de todos esses elementos legais e jurisprudenciais, a Administração Pública deverá instaurar procedimento disciplinar contra agentes públicos para verificar a possível prática de infringência disciplinar, desde que exista um mínimo de provas ou materialidade do cometimento de ato ilícito.

Corroborando o que foi dito, a Lei nº 9.874/99, que regula o processo administrativo federal, veda as medidas restritivas além daquelas que sejam estritamente necessárias, bem como a segurança jurídica.

O processo disciplinar, segundo o art. 148, da Lei n° 8.112/90, é o instrumento destinado a apurar a responsabilidade do servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre vinculado.

Portanto, sem indícios ou provas, tanto o princípio da boa fé como o da segurança jurídica, retiram do administrador público a possibilidade de instaurar procedimento disciplinar contra o servidor público.

E a insistência numa instauração que se proponha única e exclusivamente a recepcionar procedimentos de outras instâncias balizadas em narrativas falsas e genéricas podem trazer a responsabilização patrimonial direta do gestor correicional se comprovado mais que uma conduta omissiva, voluntária, pois o manto de responsabilidade civil objetiva não cobre mais esse tipo de conduta.

A segurança jurídica funciona in casu como o dever/poder do Estado em proteger a sociedade, sem exceção, da inviabilidade da honra e da devida privacidade dos indivíduos, não podendo ser rompida por atos administrativos desarrazoados ou que guardam em seu núcleo o sentimento pessoal de vingança.

Sem justa causa para a instauração de processo administrativo disciplinar, não estará́ legitimado o poder público em promover procedimento genérico ou com falsa motivação, para apurar inexistente falta funcional.

A evolução do direito administrativo traz a segurança jurídica como um dos traços marcantes dos dias atuais. Não se admitindo mais que a força do arbitro prevaleça a qualquer modo.

A presunção de inocência [12] milita em favor de todos, não podendo ser descartada no procedimento disciplinar, pois compete à Administração provar a irregularidade ou a culpa do servidor [13].

Sendo assim, necessário se faz que haja justa causa na instauração do processo disciplinar, pois senão o mesmo será́ natimorto, pronto para ser fulminado pelo Poder Judiciário.

5. Alguns casos que mostram os prejuízos decorrentes da errônea interpretação dos dispositivos constitucionais

Em artigo paradigmático, Mattos [14] destaca que o Poder Público não é concebido para aniquilar o indivíduo. Pelo contrário, é justamente nele que toda sociedade deposita suas esperanças de ter uma vida mais digna e harmonizada, com a diminuição das desigualdades regionais e, finalmente, com a proteção do Estado.

Visando democratizar o Poder, o Preâmbulo da Carta Magna institui um: “…Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.

É justamente nesse dogma que as sociedades modernas se embasam para distribuir justiça e paz social para toda a comunidade.

Apesar da constante evolução tecnológica e social dos povos, quando o tema é direito público, as dores de um passado recente, responsáveis por chagas de injustiças, se inquietam na alma dos que sofreram este grave dissabor.

Portanto, nos preocupamos, no presente trabalho, em discorrer sobre alguns abusos de poder do Ministério Público quando instado a defender a sociedade, mesmo sem indícios de ilícitos, instaurando procedimentos penais e administrativos contra quem não deveria ser investigado. Para o homem de bem, a simples inclusão de seu nome em procedimentos investigatórios, sem um justo motivo, é suficiente para desestabilizar a vida da sua família e a sua própria, pois não existe vergonha maior para quem não cometeu um ato ilícito do que conviver com a dor de ser confundido com um infrator.

São frequentes estes casos, pois em algumas situações, mesmo inexistindo ilícito penal ou administrativo, alguns Promotores entendem que estão obrigados a promover uma devassa na vida do cidadão, com inversão do princípio da presunção de inocência, para apurarem se há ou não ilícito contra o investigado. E, para piorar a situação, mesmo não existindo o menor traço de ilicitude ou de falta funcional do agente público, ele responde a natimortos procedimentos, com o custo grave da sua saúde física e mental, para no curso dos anos ser absolvido, exatamente por falta de prova ou pela negativa de autoria, dentre outros fundamentos.

Essa dor, causada pelo denuncismo ilegal e abusivo, vem se tornando frequente em nosso meio jurídico, com a mutilação de várias pessoas, que não suportam a carga negativa dessa terrível injustiça e, a posteriori, mesmo sendo inocentadas, carregam sequelas psicológicas por uma eternidade.

A utilização irresponsável do processo administrativo disciplinar, tal qual no processo penal, traz a figura do abuso do direito de investigar, não mais tolerado em nosso ordenamento jurídico pátrio, que estabelece como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X, da CF).

Essa garantia constitucional de proteção à intimidade e à vida privada de todos impede intromissões ilícitas externas, do poder público, inclusive quanto ao bom nome do agente público em sua repartição, e no meio social que ele vive:

… o conceito de intimidade relaciona-se as relações subjetivas e de trato intimo da pessoa humana, suas relações familiares e de amizade, enquanto o conceito de vida privada envolve todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc[15].

Encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF), com o direito à honra, à intimidade e à vida privada (art. 5º, X, da CF), converter em instrumento de intromissão o direito de investigação ampla e genérica sem a existência de um fato concreto, desatrelado de um justo motivo ou de uma razão sólida.

Encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), com o direito à honra, à intimidade e à vida privada (art. 5º, X, da CF), converter em instrumento de intromissão o direito de investigação ampla e genérica sem a existência de um fato concreto, desatrelado de um justo motivo ou de uma razão sólida.

Na atual fase do direito público, onde as constituições fixam limites e prerrogativas, não é mais lícito que o poder de investigar possa chegar a excessiva perseguição, na tentativa de punir por punir determinada pessoa, agente público ou autoridade.

Equilíbrio como ideia de direito deve ser perquirido em respeito às liberdades individuais tão fundamentais para a estabilização de uma sociedade livre e justa.

Mesmo ostentando a prerrogativa de investigar, o Ministério Público não possui um “cheque em branco”, capaz de preenchê-lo como bem lhe aprouver, escolhendo este ou aquele para ser fiscalizado.

O abuso de direito ofende ao próprio direito, sendo defeso ao Ministério Público uma atuação contrária à sua própria instituição que é a de fiscalizar a lei.

A doutrina contemporânea nacional não tem demonstrado muita atenção para o abuso de poder de denunciar na esfera administrativa, desenvolvendo-se seu foco para o aspecto do desdobramento penal.

Entendemos que tanto no direito penal, como no direito administrativo, é dever da autoridade instauradora do procedimento um juízo preliminar, mesmo em sumaria cognito, onde fique caracterizado um justo motivo lastreado por indícios ou por uma fundamentação compatível com a imputação, sem que ela seja construída pela intelectualidade do subscritor da peça.

Por isso, que a denúncia ou a Portaria que instaura um processo administrativo disciplinar ou até mesmo a ação de improbidade administrativa não podem trazer em seus fundamentos a incerteza, a obscuridade, e ser inconcludente quanto aos elementos causais, gerando acusações vagas e elásticas.

O poder discricionário do MP em oferecer denúncias, solicitar investigações e ajuizar ações de improbidade administrativa não é absoluto, eis que se vincula à lei e ao direito.

Como princípio vertebral do direito público, o princípio da legalidade, configurado com bloc de la légalité a que Maurice Hauriou105 deixou registrado, serve para vincular todo o poder as normas jurídicas validamente instituídas.

O bem-estar de toda a sociedade está vinculado às normas constitucionais e legais, instituídas para trazer harmonia para toda a sociedade.

Ou, pelas lições de Rousseau, o poder não é maior do que a força da lei, devendo todos preconizarem o princípio da legalidade.

Não foi instituído o direito para ser um repositório de prerrogativa das autoridades públicas, pois a sua finalidade é aumentar as garantias da coletividade.

Assim, o excesso de poder do Ministério Público de invadir indevidamente a intimidade das pessoas e promover denúncias ou investigações indevidas, sem justa causa, agride a todos e deve ser rechaçado por toda a sociedade.

Dessa forma, não se admite denúncia ou investigações elásticas, onde o grau genérico é o preponderante, para que no curso dos trabalhos se apure se há ou não indícios de provas contra o acusado/investigado. Esses procedimentos causam um desserviço para o direito, devendo o MP não abusar do seu poder, evitando a onda do denuncismo inconsistente e indevido.

Conclusões

Naturalmente, a intenção deste artigo não foi esgotar o tema, tampouco trazer conclusões definitivas sobre o problema apresentado. O que se busca, antes de tudo, é provocar reflexões sobre o tema.

As garantias constitucionais sempre devem nortear o intérprete na aplicação do Direito, de modo que os antigos institutos jurídicos devem ser revisitados para que sua aplicação em tempos atuais se dê em harmonia ao texto constitucional vigente.

De acordo com as balizas do que foi visto, é perfeitamente possível concluir que o PAD pode revelar-se como instrumento de assédio moral e de perseguição, quando desenvolvido em afronta aos princípios constitucionais da garantia do devido processo legal e da presunção de inocência.

O novo texto legal denuncia este ambiente tóxico e nocivo da administração a merecer ainda a inserção de mais ferramentas, inclusive com soluções mais eficazes, diretas e imediatas nas atuações perversas dos gestores correicionais.

Referências e notas

[1] COSTA, Fabrício Reis; VIANA, Ana Letícia Arruda. A voz do Estado não pode ser a única e muito menos absoluta. Revista Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-fev-04/a-voz-do-estado-nao-pode-ser-a-unica-e-muito-menos-absoluta/. Acesso em 09 fev. 2025.

[2] PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Marcial Pons, 2021. p. 197.

[3] FERRUA, Paolo. Contradditorio e veritá nel processo penale. Studi sul processo penale: anamorfose del processo accusatorio. Torino: G. Giappichelli, 1992. v. II. p. 49.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

[5] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

[6] MATTOS, Mauro Roberto gomes de. FISHING EXPEDITION no direito Administrativo Sancionador. Inquérito Civil Público. Processo Administrativo Disciplinar e Ação de Improbidade Administrativa. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024.

[7] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Necessidade de Justa Causa para a Instauração de Processo Administrativo Disciplinar – Impossibilidade do Procedimento Genérico para que no seu Curso se Apure se Houve ou não Falta Funcional. R. Dir. Adm. Rio de Janeiro, 231: 117-128. Jan./mar. 2003.

[8] Cf. art. 123 da Lei nº 8.112/90.

[9] “Encontra-se a segurança jurídica toda vez que se observa a legalidade, a impessoalidade, finalidade, a moralidade administrativa. Dessa maneira, podemos dizer que a grande segurança da Administração e Administrado no processo administrativo consiste na observância do devido processo legal, vale dizer, no respeito às linhas traçadas pela lei reguladora, bem como no cumpri- mento dos postulados básicos que já examinamos.” (José dos Santos Carvalho Filho, Processo Administrativo Federal. Lumen Juris. 2001, p. 57)

[10] “O jornalista transforma, de bom grado, o inquérito judiciário num duelo simbólico entre o juiz de instrução e o acusado, no qual o arbitro não é mais o juiz, mas sim o jornalista.” (Antoine Garapon, O Juiz e a Democracia, Editora Revan, 1996, p. 80).

[11] STF, HC n067.039/RS, REI. Min. Moreira Alves, DJ de 24.11.89.

[12] “Uma das garantias mais expressivas do processo penal vigente nos países democráticos é a de que não pode haver processo sem um princípio de prova, sem um fumus boni iuri”. (Weber Martins Batista. Liberdade Provisória. Forense. 2″ ed., 1985. p. 27).

[13] “(…) II – No Processo Administrativo Disciplinar o ônus da prova incumbe à Administração.” (AGU – Parecer n° AGUIMF – 04/98 (Processo 10168.001291/95-93, de 23 de abril de 1998.)

[14] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Ilegalidade e Abuso de Poder na  Investigação Policial e Administrativa,  na Denúncia, e no Ajuizamento de  Ação de Improbidade Administrativa, quando Ausente uma Justa Causa. A & C R. de Dir. Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, ano 5, n. 20, p. 77-124, abr./jun. 2005.

[15] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 224.


Lorenzo Martins Pompílio da Hora. Advogado. Professor associado de Direito Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Tiago Natan Veiga Kaufmann. Advogado. Mestrando em Direito Público da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).


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Lorenzo Martins Pompílio da Hora

A responsabilidade civil das instituições de ensino e religiosas pelas práticas das condutas de pedofilia

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.


Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

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Vanessa Vilela Berbel – Doutora em Direito

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.


A responsabilidade civil das instituições de ensino e religiosas pelas práticas das condutas de pedofilia

Clayton da Silva Bezerra

Lorenzo Martins Pompílio da Hora

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça

Resumo: A proposta do presente artigo é suscitar o debate sobre a responsabilização civil e reflexos nas instituições de formação sobre a prática de pedofilia em seus ambientes. As medidas de prevenção, denúncias, responsabilização e alguns tipos de danos sofridos.

Palavras – chave: Pedofilia, transtorno de personalidade, norma, contratual, prevenção, segurança jurídica, responsabilização, solidariedade, criança, adolescente, cyberbullying, dano psíquico e dano reflexo.

Abstract: The purpose of this article is to raise the debate about civil liability and reflections in training institutions on the practice of pedophilia in their environments. Prevention measures, reporting, liability and some types of damage suffered.

Keywords: Pedophilia, personality disorder, norm, contractual, prevention, legal security, accountability, solidarity, child, adolescente, cyberbullying, psychic damage and reflex damage.

Introdução: a questão sobre um olhar abrangente e social

Não são poucas as prescrições normativas envolvendo as práticas cada vez mais intensas, sofisticadas e limitantes das atividades de prevenção e repressão aos sinistros envolvendo os crimes e abusos a menores, a pedofilia.

Uma ação que em uma visão sugestiva, é exercitada por atores com conduta antissocial, psicopata numa performance bem premeditada, calculada que pode ser constatada nos mais diversos segmentos sociais, coletivos, de extratos financeiros e profissionais.

A uma primeira abordagem, podemos entender que a responsabilidade civil das instituições de ensino sejam elas públicas, privadas, Federais, Estaduais e Municipais pelos sinistros envolvendo práticas de pedofilia são de natureza contratual.

Neste mesmo esteio, temos as instituições religiosas que participam ativamente da formação da criança, do jovem, adolescentes através dos seus prepostos de educação religiosa, cursos dos mais diversos contextos bíblicos e espirituais, são lugares nos quais os valores são tão sensíveis pelo seu contexto espiritual que podem ser também afetados por pedófilos sagáveis em suas argumentações.

O cidadão a partir de um contexto constitucional lastreado nos princípios próprios da responsabilidade civil como a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, da prevenção, da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica, procura a oportunidade de ser considerada com absoluta prioridade, o direito à educação que proporcionará uma inteiração respeitosa, com percepção do respeito entre si nas comunidades, nos valores da liberdade e principalmente no básico de todo o ser humano, a convivência familiar.

É responsabilidade do docente, da gestão escolar, e dos líderes espirituais, a preservação preventiva de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O conhecimento a respeito das qualificações dos formadores de conceitos, ideologias e conhecimento são inevitáveis no percurso da seleção desses profissionais, pois a responsabilidade por eventuais danos sofridos pelos educandos transpassa a responsabilidade do ministrador de conhecimento e alcança solidariamente a instituição de ensino.

O significado deste efeito se traduz na possibilidade de a vítima adequar a sua compensação patrimonial na polaridade passiva do causador direto do dano e do estabelecimento de ensino.

E neste percurso, importante agregar o ensino religioso que possui uma função educacional densa de assegurar a formação integral do jovem e da criação numa perspectiva inclusiva, respeitando a diversidade cultural sem proselitismos.

A proposta sinaliza para a construção de uma sociedade mais coesa e justa, fundamentada no reconhecimento e valorização das diferentes expressões de fé e cultura presentes no país. O sentido do ensino religioso, principalmente nos templos religiosos dos mais diversos segmentos e propostas, nada mais é que um instrumento valioso para a promoção da diversidade, do respeito mútuo e da compreensão intercultural.

Estamos relevando o sagrado, a tolerância religiosa na busca do convívio respeitoso e de convivência pacífica.

PAPA FRANCISCO[1]FRANCISCUS, sacerdote católico que serve como o 266º PAPA e soberano do Estado da Cidade do Vaticano, na data 05 de abril de 2013, em encontro e audiência com o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, arcebispo Gerhard Ludwig Müller pediu que a congregação continuasse com a linha de ação delineada por Bento XVI, agindo de forma decisiva contra o abuso sexual de menores por membros da Igreja Católica, promovendo medidas para a proteção e ajuda às crianças que sofreram esse tipo de violência e auxiliando nos processos contra os culpados.

O Papa Argentino pediu o compromisso das Conferências Episcopais na formulação e aplicação das diretivas necessárias num “campo tão importante para o testemunho da Igreja e a sua credibilidade”.

Na data de 22 de março de 2014, nomeou os oito primeiros integrantes da “Comissão Pontifícia de Proteção às Crianças“, órgão instituído por ele em 2013 para combater mundialmente os abusos sexuais de menores na Igreja Católica.

O grupo tem como objetivos, preparar o estatuto da comissão, informar a situação das crianças que sofreram abuso em todos os países, propor medidas e nomes, tanto de laicos quanto religiosos, para implantar novas iniciativas de combate aos abusos sexuais de menores na Igreja Católica, criar códigos de conduta e avaliações psiquiátricas para o ministério sacerdotal, além de implementar políticas que protejam os menores de idade e colaborar com as autoridades civis nas investigações de possíveis crimes.

A Comissão foi composta naquela oportunidade, entre outros, Marie Collins, uma irlandesa vítima de abuso sexual por um padre, Peter Saunders,[139] a psicóloga e psiquiatra francesa Catherine Bonnet, o cardeal norte-americano Sean Patrick O’Malley, defensor das vítimas norte-americanas, e o jesuíta alemão Hans Zollner, decano da faculdade de psicologia da Universidade Gregoriana, com sede em Roma.

Franciscus numa iniciativa inédita, assinou em 11 de julho de 2013, um decreto de MOTU PROPRIO, reformando o Código Penal do Vaticano e tornando mais rígidas as sanções para o crime de pedofilia e outros tipos de crime.

Em abril de 2014, o Papa pediu perdão pelos casos de pedofilia e abusos sexuais cometidos por sacerdotes da Igreja Católica.

Numa decisão inédita na história da Igreja Católica, em setembro de 2014 o Papa Francisco ordenou pessoalmente a prisão do ex-arcebispo e ex-embaixador da Santa Sé, o polonês Józef Wesolowski acusado de abusos sexuais durante o período de 2008 a 2013, quando era representante diplomático da Igreja Católica na República Dominicana.

Declarou em 21 de setembro de 2017 que a Igreja “chegou tarde” ao lidar com casos de abuso sexual.

Francisco em seu papado deu ênfase ao combate de abusos sexuais por membros do clero católico, tornando obrigatórias as denúncias e responsabilizando quem as omite desde 20/03/2019.

O Papa Francisco é um homem sem medo, que enfrentou uma das questões mais sensíveis da Igreja católica no mundo.

Sustenta que a Igreja deve ser mais aberta e acolhedora. Tem uma visão e conduta comprometida com o tradicionalismo da Igreja.

No mês de maio de 2019, o Papa Francisco promulgou o motu proprio Vos estis lux mundi (Vós sois a Luz do Mundo), estabelecendo novas normas de procedimento para combater o abuso sexual e garantir que bispos e superiores religiosos sejam responsabilizados por suas ações. 

O documento exigiu que clérigos e irmãos e irmãs religiosos, incluindo bispos, em todo o mundo denunciem casos de abuso sexual e encobrimentos de abuso por seus superiores. 

A partir dessa orientação, todas as dioceses católicas em todo o mundo são obrigadas a estabelecer mecanismos ​​através dos quais as pessoas possam apresentar denúncias de abuso ou o seu encobrimento até junho de 2020.

O documento promulgado por Francisco em maio de 2019, estabelecendo novas leis do Vaticano sobre como o clero católico em todo o mundo deveria lidar com casos relatados de abuso sexual, foi atualizado quatro anos depois.

O Papa Francisco em 2021[2] no intuito de erradicar um dos fenômenos que mais fragilizam a fé cristã, incluiu no Código de Direito Canônico um artigo que contemplou a pedofilia, exigida pelas vítimas.

O documento que inseriu a prescrição no Código de Direito Canônico foi assinado em 23 de maio de 2021.

Desta maneira, o Vaticano modificou o Código de Direito Canônico promulgado pelo papa João Paulo II em 25 de janeiro de 1983 em substituição ao Código promulgado em 1917.

É uma codificação composta por 1.752 cânones, organizados em sete livros. 

As fontes do direito Canônico são: O Papa, que é a autoridade suprema da Igreja, os concílios ecumênicos, que tomaram decisões jurisprudenciais e as escrituras, que constituem o fundamento da Igreja Católica. 

Na data de 25 de março de 2023, como já apontado, o documento de maio de 2019 foi revisado e divulgado pelo Vaticano.

Nas novas orientações, o documento ampliou a responsabilidade também dos líderes leigos, que são pessoas que não são membros do clero, mas participam das atividades eclesiais, e que fazem parte de associações aprovadas pelo Vaticano, caso venham a encobrir abusos sexuais.

Na sistemática anterior, as prescrições aplicavam-se anteriormente apenas aos bispos e superiores religiosos.

O conceito de “vítima de abuso” também foi modificado.

As vítimas, que antes eram definidas como “menores e pessoas vulneráveis”, passaram a ser definidas como “menores, ou pessoas que habitualmente têm um uso imperfeito da razão, ou adultos vulneráveis”.

Uma conduta, inciativa que pontua com concretude normativa a repulsa da congregação católica com os sinistros de pedofilia que agora terão um tratamento legal previsto normativamente.   

Os grupos Evangélicos[3], a própria Igreja Luterana Alemã, que é a maior organização protestante do País, encomendou um relatório contendo mais de 800 (oitocentas) páginas preparadas por especialistas de diferentes Universidades e Institutos alemães sobre levantamentos de vítimas de pedofilia.

São elementos que despertam a nossa consciência para um olhar de alerta sobre essas ocorrências preocupantes.

Dados da Ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania relacionados a esses segmentos, nos informam que as pessoas atingidas com mais frequência estão nas religiões de Umbanda, Candomblé, outros segmentos de religiosidades Afro-brasileiros, evangélicos e católicos.

A sensibilidade da matéria que podemos acessar no Painel da Ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania nos disponibiliza mais elementos que clamam pela necessidade de trabalharmos a responsabilização das instituições também religiosas que cristalizam as ideologias em nossas crianças e jovens, sejam para o olhar aos outros segmentos religiosos. Sejam para preservar nossos menores daqueles que eclipsam suas reais intenções e ações no manto da religiosidade.

Não podemos desviar a nossa acuidade do artigo 5.º, inciso VI da Constituição Federal de 1988 que define: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.

As liturgias, seus valores, símbolos precedem um processo de formação.

O executar desse processo é que exige a cautela com as técnicas dos pedófilos e seus modelos de inserção.

É numa aula, catequização, orientação espiritual, curso de base e formação que podem transcorrer provocações, brincadeiras, dramas e muito humor que inibam as pessoas, que podem atingir o seu inconsciente, e revolver questões a serem consolidadas.

Esses personagens pedófilos de conduta psicopata, com transtornos de personalidade são hábeis negociadores a proporcionar uma imersão reflexiva dos telespectadores ou espectadores, fazendo com que as vítimas de suas investidas realizemuma viagem ao inconsciente sedimentando lembranças que agora serão alicerçadas a novas amizades e cumplicidades manipuladores inimagináveis.

A diversidade religiosa nas escolas ou em templos religiosos e o combate ao bullyng

Como reflexo do preconceito institucionalizado nas redes sociais e  presentes na sociedade, o ambiente escolar e religioso, são muitas vezes, marcados pelo bullying, decorrente da intolerância religiosa que pode ser uma narrativa, recurso, sistemática utilizada pelo pedófilo para deixar o seu espaço mais confortável.

Desta forma, portanto, muitas crianças e adolescentes, ao exercerem suas crenças após uma estigmatização, sofrem com o preconceito e o bullying. A manifestação de uma crença ocorre por meio do uso de símbolos, objetos ou vestimentas.          

Sendo assim, é essencial, imperioso que as instituições religiosas, escolas, e instituições seminaristas atentem a conscientização sobre a importância de refletirmos nas ações de prevenção a pedofilia nas diferentes religiões e instituições de ensino.

Os valores que as próprias religiões pregam auxiliam nesse processo.

A família tem de estar e se fazer presente já que pode também sofrer com essa conduta em seus ambientes.

Mas, obviamente chegou o momento de avaliarmos com uma sensibilidade jurídica e acadêmica, a dimensão patrimonial causadas com incidentes dessa natureza.

Obviamente que o trabalho a ser enfatizado é o da prevenção envolvendo todas as realidades e cenários possíveis para antecipar a cognição às práticas de pedofilia através de eventos esportivos coletivas, treinamentos nas escolas, nos templos religiosos, inserção do conhecimento sobre as típicas práticas do crime de pedofilia e seus eventuais atores, a influência da tecnologia digital utilizada como ferramenta de persuasão e alienação.

Os principais atores deste cenário perverso de exploração de menores, a título exemplificativo, podem ser todos aqueles numa primeira ótica as mais próximas e com acessibilidade às crianças e adolescentes.

Na data de 18/05/2023 foi divulgado um boletim epidemiológico[4] pelo Ministério da Saúde em evento realizado pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania dando conta de que entre os anos de 2015 e 2021, o Brasil registrou mais de 200 mil casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes.

Foram notificados mais de 83 (oitenta e três) mil episódios entre crianças e mais de 119 (cento e dezenove) mil atos violentos contra adolescentes agregando um somatório de 202.948 casos.

No ano de 2021, o número de notificações foi apontado como o mais expressivo na investigação implementada com o quantitativo de 35.196 episódios.

O apontado expediente sinaliza que o local de ocorrência de maior incidência é o caso das vítimas num percentual de 70,9% na faixa etária de 0 a 9 anos de idade e 63,4% dos casos contra pessoas de 10 a 19 anos

Na sequência da pesquisa, temos que o perfil dos agressores se enquadra no sexo masculino num percentual de 81% dos sinistros para a faixa etária de crianças e 86% dos casos dos adolescentes entre 10 e 19 anos.

Noutro ponto de análise, temos que as vítimas são em sua maioria do sexo feminino 76,9 % dos registros envolvem crianças e 92,7 % abrangem adolescentes do gênero feminino.

É importante observar, segundo expõe o Ministério dos Direitos Humanos no sentido de que levantamentos sinalizam que são denunciados todos os dias aproximadamente 366 (trezentos e sessenta e seis) crimes cibernéticos no Brasil, sendo que as maiores vítimas são crianças e adolescentes.

As abordagens a crianças e adolescentes são trabalhadas através da técnica do “DEEPFAKE[5] que permite alterar um vídeo ou foto com a ajuda de inteligência artificial (IA). São ferramentas das práticas de pedofilia.

A metodologia virtual é uma substancial ameaça à privacidade, à segurança nas instituições de ensino e na vida familiar, considerando que nossos menores ocupam seu tempo em casa em celulares, smartphones e notebooks com inúmeros jogos desafiantes.

A criação de deepfakes objetiva ludibriar, confeccionando vídeos que se apresentam como verdadeiros.

A capacidade da IA de capturas e replicar a expressão facial detalhada, proporciona um efeito ilusório nos cenários reais desses vídeos, pois apesar de serem fictícios, são tidos como genuínos, autênticos.

Ressalte-se também que a potencialidade focada em fins educativos ou culturais, sua ampla divulgação está relacionada à elaboração de conteúdo enganoso e desumano, alocados especialmente em plataformas sociais, objetivando a alienação de crianças e adolescentes.

A dinâmica desenvolvida pelos adeptos dessa sistemática envolve a capacidade possível através de uma tecnologia denominada “TEXT TO SPEECH” (TTS) que sintetiza o áudio a partir de um texto, tomando por lastro, uma ampla coleta de amostras de áudio de uma pessoa pública conhecida.

A partir daí, tudo é possível na fala artificial do escolhido, principalmente a desinformação com a emissão de declarações falsas, sutis e alienantes.

A oportunidade de prevenção e repressão dessas práticas de deepfakes é expansivamente dimensionada quando levamos em conta que o indivíduo, principalmente a criança e o adolescente depositam confiança no que percebem, principalmente quando o conteúdo é visualizado em telas pequenas, a exemplo dos smartphones que pela sua dimensão, obscurecem detalhes cruciais para a identificação de manipulações.

MARTINS (2024)[6] destaca que a falta de familiaridade do público com técnicas como leitura labial, restringem ainda mais a capacidade de discernir vídeos falsificados de produções insuspeitas.

Apresentados esses elementos e a problematização de seu objeto, passemos a estudar e compreender o papel das instituições de ensino que precisam urgentemente adotar mecanismos de prevenção e repressão aos efeitos nocivos das inserções pedófilas nesta circunstância ou conjuntura. Há uma responsabilidade compartilhada entre escola e pais.

Afinal a Lei Civil no art. 932, no inciso I e IV, assim prescrevem:

“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

[…]

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos…” 

Dentro dessas concepções, temos que a modalidade de responsabilidade civil a macular esses sinistros é de natureza contratual. Não pode haver jogo de empurra ou transferência de responsabilidades, mas sim apurar em sua integralidade e com compromisso com a verdade real.

A instituição de ensino que condensa crianças e adolescentes sem adotar ferramentas tecnológicas e legais a esses atos, está fadada a conviver com a exclusão social da vítima, evasão escolar, ações indenizatórias consequentes de danos físicos, materiais, psicológicos e morais.

Estamos sim e há muito na era do cyberbullying. Uma prática ferramenta da pedofilia.

As instituições de ensino são as mais sensíveis e devem estar aparelhadas frente às mudanças globais desses nossos últimos tempos avassaladores com inúmeras informações e personalizações falsas.

Sabemos que a escola tem o dever de zelar para a segurança e integridade física e mental de seus acolhidos. Porém as responsabilidades devem ser compartilhadas entre educadores e Pais.

Com isso, assimila institucionalmente total responsabilidade para com os casos que ocorrem no período de oferta do serviço educacional, até mesmo nas atividades externas que sejam efeitos diretos e imediatos das atividades extraclasse decorrentes da programação de estudos e seus desdobramentos.

Fundamenta esta percepção a psiquiatra, professora e escritora SILVA (2010, pág. 63)[7]:

“As escolas mais sensíveis e atentas às mudanças globais de nosso tempo já estão procurando iniciar processos de inovação e de reforma que poderão dar conta dos novos desafios. É necessário modificar não somente a organização escolar, os conteúdos programáticos, os métodos de ensino e estudo, mas sobretudo, a mentalidade da educação formal.

Até bem pouco tempo, o aprendizado do conteúdo programático era o único valor que importava e interessava na avaliação escolar. Hoje é preciso dar destaque à escola como um ambiente no qual as relações interpessoais são fundamentais para o crescimento dos jovens, contribuindo para educá-los para a vida adulta por meio de estímulos que ultrapassam as avaliações acadêmicas tradicionais (testes e provas). Para que haja um amadurecimento adequado, os jovens necessitam que profundas transformações ocorram no ambiente escolar e familiar. Essas mudanças devem redefinir papéis, funções e expectativas de todas as partes envolvidas no contexto educacional.

Na concepção da Wikipédia [A enciclopédia Livre] a Pedofilia é um transtorno psiquiátrico em que um adulto ou adolescente mais velho sente uma atração sexual primária ou exclusiva por crianças pré-púberes, geralmente abaixo dos 11 anos de idade 

Tal como um diagnóstico médico, critérios específicos para o transtorno classificam a pré-puberdade até os 13 anos. Uma pessoa que é diagnosticada com pedofilia deve ter ao menos 16 anos de idade, mas adolescentes devem ser pelo menos cinco anos mais velhos que a criança pré-púbere para que a atração possa ser diagnosticada como pedofilia.

Pedofilia é o desvio sexual “caracterizado pela atração por crianças, com os quais os portadores dão vazão ao erotismo pela prática de obscenidades ou de atos libidinosos”.[8]

Objetiva e certamente um transtorno de personalidade e não um transtorno mental. O pedófilo não possui transtorno mental na essência de sua conceituação. São pessoas com condutas de desvio de personalidade. Falam bem, são inteligentes, hábeis em seus discursos, com uma linguagem de apreensão das atenções, extremamente sedutoras.

Alguns sexólogos, porém, como o especialista americano John Money, acreditam que não somente adultos, mas também adolescentes, podem ser qualificados como pedófilos.

A expressão pedófilo para descrever criminosos que cometem atos sexuais com crianças é visto como equivocado por alguns indivíduos, especialmente quando tais indivíduos são vistos de um ponto de vista clínico psiquiátrico, numa avaliação de linguagem corporal e microexpressões faciais na concepção do psicólogo Paul Ekman, ou ainda numa visita que os operadores do direitos devem realizar as neurociências como a enuropsicologia forense.

Como registrado na wikipédia, uma vez que a maioria dos crimes envolvendo atos sexuais contra crianças são realizados por pessoas que não são consideradas clinicamente pedófilas, já que não sentem atração sexual primária por crianças[9].

No contexto de uma visão mundial, pesquisadores sinalizam que apenas um quarto dos abusos sexuais de crianças são praticados por pedófilos.

Esses abusos sexuais são praticados por pessoas que simplesmente acharam mais fácil fazer sexo com crianças, seja enganando-as ou utilizando de intimidação ou força. E aí reside a necessidade de que cada caso tenha uma tratamento investigativo e científico coerente com a psiquiátrica forense em todos os sentidos, na defesa e preservação da instituição que poderá ser responsabilizada solidariamente com o causado do dano  e com as vítimas do dano que também necessitarão de elementos probatórios para pontuarem melhor suas medidas sejam judiciais, criminais ou extrajudiciais.

Esse entendimento é referenciado por Silva (2010, págs 22/24)[10] quando evidencia as formas de Bullying, assim transcrito:

“…Algumas atitudes podem se configurar em formas diretas ou indiretas de praticar o bullying. Porém, dificilmente a vítima recebe apenas um tipo de maus-tratos; normalmente, os comportamentos desrespeitosos dos bullies costumam vir em “bando”. Essa versatibilidade de atitudes maldosas contribui não somente para a exclusão social da vítima, como também para muitos casos de evasão escolar, e pode se expressar das mais variadas formas, como as listadas a seguir:

SEXUAL

Abusar, violentar, assediar, insinuar. Este tipo de comportamento desprezível costuma ocorrer entre meninos com meninas, e meninos dom meninos. Não raro o estudante indefeso é assediado e/ou violentado por vários “colegas” ao mesmo tempo…” 

Por isto, somente o abuso sexual de crianças pode indicar ou não que um abusador é um pedófilo. A maioria dos abusadores em fato não possuem um interesse sexual voltado primariamente para crianças.

Assim, com base nesta fonte de informações. Projeta-se que apenas entre 2% a 10% das pessoas que praticaram atos de natureza sexual em crianças sejam pedófilos, tais pessoas são chamadas de pedófilos estruturados, fixados ou preferenciais. Abusadores que não atendem aos critérios regulares de diagnóstico da pedofilia são chamados[ de abusadores oportunos, regressivos ou situacionais.

Acrescente-se ainda, SILVA (2008, P. 21)[11]:

Também conhecidos como predadores sociais. O seu melhor desenho é descrito numa fábula lembrada por SILVA (2008, p. 21) assim reproduzida:

“… O escorpião aproximou-se do sapo que estava à beira do rio. Como não sabia nadar, pediu uma carona para chegar à outra margem.

Desconfiado, o sapo respondeu: “Ora, escorpião, só se eu fosse tolo demais! Você é traiçoeiro, vai me picar, soltar o seu veneno e eu vou morrer.

Mesmo assim o escorpião insistiu, com o argumento lógico de que se picasse o sapo ambos morreriam. Com promessas de que poderia ficar tranquilo, o sapo cedeu, acomodou o escorpião em suas costas e começou a nadar.

Ao fim da travessia, o escorpião cravou o seu ferrão mortal no sapo e saltou ileso em terra firme.”

Atingido pelo veneno e já começando a afundar, o sapo desesperado quis saber o porquê de tamanha crueldade. E o escorpião respondeu friamente:

                     – Porque essa é a minha natureza…”

É neste contexto, cenário que a importância de avaliarmos bem o fato envolvendo uma conduta desta natureza com as ferramentas que a fisiologia e psiquiatria forense contemporânea disponibiliza é que poderemos perceber a diferença de um indivíduo pedófilo que apresente uma conduta de transtorno psiquiátrico mental ou o outro lado, um transtorno de personalidade, onde certamente a sua conduta antisocial não autorizará a classificação psiquiátrica onde certamente inexistirá o transtorno mental, mais a plena consciência do que faz , pois é um pedófilo psicopata.

A confirmação deste perfil necessita da realização de uma avaliação adequada, é o que aponta a academia através de CAPELA SAMPAIO & BIGELLI DE CARVALHO em seu capítulo intitulado “DETECÇÃO DE MENTIRA E PSICOFISIOLOGIA FORENSE” (2020, pág.201)[12]:

“…Como o perito em psiquiatria não tem a função de “detector de mentira”. A simulação deve ser relatada no laudo pericial em seu aspecto negativo – ou seja, deve-se relatar a ausência de um transtorno mental, e não a simulação. Afinal, vale lembrar que há sempre a possibilidade de a suspeita (dissimulação ou simulação) ser infundada e existirem, de fato, os sintomas referidos. Por isso, é necessário muita cautela nesse tipo de avaliação…” (g.n) 

Não se poderia deixar de mencionar na linha de CAPELA SAMPAIO[13] & BIGELLI DE CARVALHO[14] que um exame dessa magnitude acautele alguma facilidade como apontam (idem, p. 2011):

“…DETECÇÃO DE MENTIRAS

A tarefa de identificar mentiras não é fácil. Surpreendentemente, um estudo mostrou que grupos de psiquiatras, estudantes universitários e técnicos de polígrafo apresentam médias de acerto baixas. Somente agentes do serviço secreto apresentaram médias significativamente maiores que o acaso (64% vs. 53%). Em estudo no qual oficiais de polícia foram requisitados a identificar verdades e mentiras de suspeitos em interrogatórios policiais gravados, a acurácia esteve relacionada à percepção de experiência em entrevistar suspeitos e ao ato de mencionar pistas para detectar mentiras que se relacionassem à história do sujeito. Houve correlação negativa entre acurácia e sinais que popularmente se imaginam associados à mentira, como evitação de olhar nos olhos e inquietação. Não foi evidenciada relação significativa entre acurácia e confiança.

A constatação de padrões específicos característicos da mentira pode ser feita de diversas formas, como análise do conteúdo da fala (ACF), observação de comportamento (OC) ou aferição de parâmetros psicofisiológicos. A ACF pode ser feita por técnicas como análise de conteúdo baseada em critério (ACBC) ou monitoramento de realidade (MR). A técnica ACBC usa testes psicométricos, entrevista semiestruturadas, técnicas de análise sistemática e julgamento clínico para diferenciar se o indivíduo vivenciou um fato ou o inventou.

O MR parte da teoria de que memórias do indivíduo que têm origem em sua experiência interna apresentam mais referências cognitivas e aquelas com origem externa são mais carregadas de informações sensoriais, contextuais, afetivas e semânticas.

A OC pode ser objetiva, subjetiva direta ou subjetiva indireta. Aplica-se a OC objetiva por quantificação de frequência de emissão não verbais de mentiras, como tempo de falta, latência de respostas, pausas e movimentos das mãos. Na OC subjetiva direta, o indivíduo simplesmente recebe o comando para identificar a mentira, sem outra metodologia, mas sua precisão não difere significativamente do acaso. Já na OC subjetiva indireta, orienta-se o sujeito a prestar atenção em elementos, como ambivalência, confiança e esforço para pensar, e seus resultados são melhores. […]

Os apontados pesquisadores e especialistas acrescentam ainda (idem, p. 203) acrescentam:

PSICOFISIOLOGIA FORENSE

“…A psicofisiologia forense tem como objetivo detectar a ocultação de informações por meio da aferição de parâmetros fisiológicos do sujeito. Os principais métodos utilizados são o polígrafo, a eletroencefalografia (EEG) e a ressonância magnética funcional (RMF). Essas técnicas são mais amplamente conhecidas para outras finalidades, mas constituem o arsenal que a psicofisiologia forense utiliza para a detecção de mentiras, ou memórias ocultas, como prefere a literatura mais parcimoniosa. A premissa básica é que o estado basal de contar a verdade é alterado para um modo de funcionamento que demanda maior esforço cognitivo quando o indivíduo precisa mentir.

As alterações psicofisiológicas relacionadas a esse novo estado podem ser aferidas perifericamente como sinais de excitação autonômica (alterações cardíacas, respiratórias e eletrocutâneas) ou pelo exame direto do cérebro, seja por sua atividade elétrica, seja por exames de neuroimagem….”

A partir dessas contribuições acadêmicas desses especialistas em psiquiatria forense com referencial teórico, observamos que a avaliação diagnóstica não pode ser realizada sem ferramentas da neurociência para que não seja incompatível com a prática diagnóstica pericial dessa natureza.

Temos dentro desta instrumentalidade de recursos de testagem, as técnicas de avaliação do transtorno antisocial/psicopata: O PCR-L, O MMPI, MMPI-2[15], O TAT, O RORSCHACH e outros instrumentos (HTP e inventários, bem como sugerem os pesquisadores, ou seja, o uso combinado de alguns deles

HOLMES (1997, pág.311)[16] nesta temática da conduta antisocial/psicopata introduz um panorama histórico acerca desse conceito, mencionando o termo “insanidade sem delírio”. Aliás, um excelente olhar de um acadêmico e atuante de campo.

Há, também uma tendência a culpar os outros e a oferecer racionalizações para explicar um comportamento que entra em conflito com as normas sociais.

Ao discorrer sobre os sintomas cognitivos do transtorno, HOLMES (idem, pág. 199) ressalta a inteligência e as boas qualidades verbais e sociais, além da capacidade de racionalizar seus atos inadequados de maneira a imprimir-lhes aparência justificável.

Acrescenta a isso o fato de a punição não surtir efeito nesses indivíduos, que costumam reincidir no comportamento punido – “quando não convencem de sua inocência, utilizando suas habilidades verbais e sociais para evitar serem punidos”.

HOLMES (1997, pág. 309)[17] faz uma leitura interessante sobre o transtorno de personalidade antisocial/psicopata, que auxilia a compreensão da problemática social acerca desse transtorno.

O referido pesquisador ressalta que na maioria dos outros transtornos, temos a vivência pelas próprias pessoas que têm o transtorno, enquanto, que no caso do transtorno de personalidade antisocial, os problemas são vividos pelas pessoas que estão ao seu redor.

Os indivíduos com este transtorno são descritos pelo autor como “os mais interpessoalmente destrutivos e emocionalmente prejudiciais em nossa sociedade”.

Essa concepção é reafirmada por HENRIQUE (2009, pág. 15)[18] quando afirma que “a psicopatia certamente é uma anomalia da personalidade que apresenta consequências sociais mais graves”.

A metodologia pericial adequada a avaliação de indivíduos pedófilos com viés psicopata

A Lei processual civil em respeito a busca da verdade, da constatação e motivação de um saudável diagnóstico à instrução de feitos apuratórios de condutas antissociais de comportamento dos pedófilos que auxiliam a correto e adequado processamento de feitos indenizatórios, inclusive penais tem socorro no art. 466 § 2.º do C.P.C.

Não é por outra razão, que que essa integração acopla de forma integrativa o art. 466 § 2.º do C.P.C, ao art. 3.º do C.P.P, assim reproduzido:

“…466. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso.

§. 2.º O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.

É certamente a cristalização da ampla defesa substancial, do contraditório e do devido processo legal. Dogmas que não podem ser eclipsados na reconstrução histórica do fato no intuito de uma elaboração cognitiva própria do nexo de causalidade relacionado ao espiral legal do dano causado por efeito direto e imediato praticado em relação à criança e ao adolescente.

“Pedofilia[19] é algo bastante grave e, sim, os criminosos virtuais estão sempre tentando se aproveitar da internet, do fato deles estarem por trás de uma câmera ou por trás de algum elemento”, alerta a professora. Ela adianta que uma forma de os pais protegerem seus filhos é não deixar que fiquem com o celular ou computador sozinhos sem a supervisão de um adulto, principalmente quando são pequenos. 

Além disso, Kalinka pontua que os filhos têm sua individualidade, mas é responsabilidade dos pais ou responsáveis estarem sempre atentos.      

“Verifique o que eles estão acessando, as contas, o conteúdo e evite o computador no quarto onde eles podem acessar sozinhos sem que você esteja presente”, sugere. 

 Por fim, a especialista aponta ainda que um software de controle pode auxiliar nesse processo de verificação de conteúdo por parte dos responsáveis. “Eles auxiliam a verificar se a criança está tendo acesso a conteúdo que não deveria. Atitudes bastante simples de olhar e verificar com quem seu filho está falando na internet, o que ele está acessando, pode ajudar muito a evitar casos e problemas como de pedofilia virtual”, finaliza a professora. *Sob a supervisão de Ferraz Junior.

Logo, por essas considerações, experiências, extensão possível dessa conduta é que no campo jurídico a metodologia de uma perícia escrupulosamente bem realizada se torna imprescindível.

A não observância dessa metodologia em atenção a prescrição do art. 466 § 2.º do C.P.C traz como consequência a nulidade da perícia e a realização de novo exame como decidiu recentemente o Eminente desembargador MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO da 2.ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal no HC n.º 5006007 – 85.2024.4.02.0000/RJ na data de 04/06/2024, no qual colacionamos os seguintes trechos:      

Consequentemente, a admissão do assistente técnico somente após a juntada do laudo aos autos, ainda que em cumprimento do disposto no § 4º, do art. 159, do CPP, forçosamente incorreu em cerceamento da defesa, o que justifica a necessidade de renovação do ato. (g.n)

Por outro lado, em razão de certo tumulto envolvendo a expedição de vários ofícios endereçados ao Instituto de Perícias Heitor Carrilho, requisitando esclarecimentos quanto à atuação do Dr. José Roberto M. Laborne Valle, parece-me prudente determinar que outro profissional conduza o novo exame do periciado.

Ante o exposto, voto no sentido de JULGAR PROCEDENTE o pedido de concessão da ordem de habeas corpus, para que seja realizado, por outro perito, um novo exame de sanidade do corréu colaborador, devendo ser acompanhado pelo assistente técnico indicado pela defesa do paciente, e JULGAR PREJUDICADO o recurso de embargos de declaração da defesa (evento 11, EMBDECL1).          

Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça, o MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA da 5.ª Turma no AgRg no Recurso em HABEAS CORPUS n.º 201415 – RJ (2024/0268130-RJ), decidido em 19/08/2024, adotou fundamentadamente, o mesmo entendimento, como extraímos dos trechos abaixo: 

No entanto, o exame teria sido realizado sem a participação da defesa técnica do ora agravante, o que violaria a disposição do art. 466, § 2º, do Código de Processo Penal, que dispõe sobre o acesso e acompanhamento de diligências e exames às partes. Segundo a defesa, o exame pericial ocorreu antes do horário agendado sem prévia comunicação ao assistente técnico do ora agravante. (g.n)

Neste caso, a despeito de a perícia ter sido realizada conforme o art. 159, § 4º, do Código de Processo Penal, segundo o qual o assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão. No entanto, a falta de acompanhamento dos representantes técnicos do agravante, tendo em vista a relevância do exame para a própria persecução criminal instaurada, certamente reduz as possibilidades de participação da defesa, o que justifica a necessidade de renovar o ato. (g.n)

Nesse sentido, mutatis mutandis:

PROCESSUAL CIVIL. EXAME PERICIAL. REALIZAÇÃO. JUNTADA AOS AUTOS DO LAUDO. VISTA AS PARTES. NECESSIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE PROFERIR SENTENÇA SEM DAR OPORTUNIDADE AS PARTES DE IMPUGNAÇÃO. PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO. DOUTRINA. VIOLAÇÃO. ART. 398, CPC APLICADO A PROVA PERICIAL. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO I – O PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO, GARANTIA CONSTITUCIONAL, SERVE COMO PILAR DO PROCESSO CIVIL CONTEMPORANEO, PERMITINDO AS PARTES A PARTICIPAÇÃO NA REALIZAÇÃO DO PROVIMENTO.

II – APRESENTADO O LAUDO PERICIAL, E DEFESO AO JUIZ PROFERIR DESDE LOGO A SENTENÇA DEVENDO ABRIR VISTA AS PARTES PARA QUE SE MANIFESTEM SOBRE O MESMO, PENA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO.

(REsp n. 92.313/SP, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 14/4/1998, DJ de 8/6/1998, p. 113).

Diante do exposto, nos termos do art. 258, § 3º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, reconsidero a decisão de e-STJ, fls. 207-211, para dar provimento ao recurso ordinário, determinando a renovação do exame de insanidade mental do corréu colaborador, com a participação de assistente técnico indicado pela defesa do ora agravante. (g.n)

Publique-se.

Brasília, 19 de agosto de 2024.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA

Relator

Da jurisprudência pronunciada em nossos tribunais sobre a importância da prova, destinatários e o princípio da verdade real

A nossa jurisprudência é muito bem acentuada nesta questão, pois os nossos Tribunais numa tendência comprometida cada vez mais com a ciência psiquiátrica forense adequada, acrescente-se a psicologia forense, a neurociência, a neuropsicologia forense e a psicofisiologia forense reforçadas pela doutrina que possui a tarefa agregatória de encontrar as respostas adequadas à Constituição caminham neste sentido.

Por isso, é preciso, sim debater com o Poder Judiciário, que é o guardião dos direitos fundamentais. Essa sintonia e importante, real, acontece e é corajosa para se opor aos equívocos que ocorrem cada vez mais em mínimas oportunidades graças a essa nova visão.

É certo, como afirma FERRAZ (2024)[20]: “…Há um pesadelo do negacionismo jurídico. Não se pode jamais afrontar a Constituição…”

E nesse sentido, colhemos excelentes notícias do Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Desembargador – DR. LUIZ ROLDÃO DE FREITAS GOMES FILHO, no Agravo de Instrumento n.º 0004672-46.2023.8.19.0000 que proporcionou uma aula de Direito Constitucional Processual ao Juízo que indeferiu a prova pericial, mandando chamar o VAR, assim transcrito:

“Com efeito, a Constituição da República estabelece como garantia fundamental o acesso à justiça (art. 5º, XXXV CRFB), que se materializa por meio da adequada prestação jurisdicional assegurado o devido processo legal. Nesse diapasão, a busca da verdade real é corolário do princípio do devido processo legal, como instrumento necessário para que se concretize o acesso à ordem jurídica justa. Assim, não se pode fazer justiça sem entender, com segurança, o quadro fático trazido à consideração do órgão judicante. Na medida em que a justiça da prestação jurisdicional se vincula ao compromisso do processo com a verdade real, e a essa só se chega mediante a instrução probatória, ao julgador é lícita a determinação de produção de provas a fim de que o conjunto probatório resulte completo.”

Nesse mesmo sentido, esse meio de prova é de grande utilidade à boa instrução processual. Cumpre trazer, neste ponto, a doutrina do professor Alexandre Câmara[21]:

“Sendo juiz e partes destinatários da prova, a todos eles são reconhecidos a existência de poderes de iniciativa instrutória. Às partes evidentemente caberá postular a produção de provas que lhes pareçam relevantes, pois é delas o direito material em debate e, por isso, são titulares de interesse de produzir prova.”

Logo, é importante que se acentue que todos são destinatários da prova

Conforme leciona o Desembargador Alexandre Câmara:

“A prova possui dois tipos de destinatários: um destinatário direto, o Estado-juiz, e destinatários indiretos, as partes. A prova levada aos autos, pertence a todos, isto é, pertence ao processo, não sendo de nenhuma das partes (o que costuma ser chamado de “princípio da comunhão da prova”. (…) Na verdade, a prova tem por destinatários todos os sujeitos do processo (FPPC, Enunciado nº 50: “os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz.”

Assim sendo, todos atuam com o mesmo fim, qual seja, um processo justo. uma Justiça justa. Em consequência, a atividade probatória deve ser destinada ao processo para que haja o melhor debate. Em consequência, o destinatário da prova não é somente o juiz.

Logo, uma prova que trate de uma avaliação de um transtorno de personalidade não pode ser considerada válida quando uma avaliação psiquiátrica forense fugindo ao seu escopo a trate como um transtorno mental.

Salienta por fim, KHALED JR.[22] (2023, págs. 196): …O paradigma da cientificidade oferece fundamentação e legitimação “científica” para práticas processuais que rompem com a estrutura do sistema acusatório, atribuindo ao juiz, enquanto sujeito do conhecimento, a capacidade de extração da essência das coisas…”

Recentemente, na seara criminal, o Ministro RIBEIRO DANTAS, da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em seçãio da 3.ª Turma que reúnem a 5.ª Turma e a 6.ª Turma desta Corte de Vértice, na data de 08/06/2022, publicado no Dje 01/07/2022 – TEMA REPETITIVO 1121, na tese jurídica (tese firmada em recurso repetitivo), definida nestes parãmetros: “Presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP)”., pronunciaram o seguinte julgado:

Ementa

PENAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS.
ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A DO CP). DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL (ART. 215-A DO CP). EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. TRATADOS INTERNACIONAIS. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIOS DA ESPECIALIDADE E DA SUBSIDIARIEDADE. RESERVA DE PLENÁRIO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. MANDAMENTO DE CRIMINALIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DA DESCLASSIFICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. De maneira ampla, a Medicina Legal define o abuso sexual infantil como “toda e qualquer exploração do menor pelo adulto que tenha por finalidade direta ou indireta a obtenção do prazer lascivo” (FRANÇA, Genival Veloso. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2017, p. 250). Nesse sentido, não há meio-termo. O adulto que explora um menor com a finalidade de obter prazer sexual, direto ou indireto, está a praticar ato abusivo.
2. Nesse ponto, é importante ressaltar que o abuso sexual contra o público infantojuvenil é uma realidade que insiste em perdurar ao longo do tempo. A grande dificuldade desse problema, porém, é dimensioná-lo, pois uma parte considerável dos delitos “ocorrem no interior dos lares, que permanecem recobertos pelo silêncio das vítimas”. Há uma elevada taxa de cifra negra nas estatísticas. Além do natural medo de contar para os pais (quando estes não são os próprios agressores), não raro essas vítimas sequer “possuem a compreensão adequada da anormalidade da situação vivenciada.” (BIANCHINI, A.; MARQUES, I. L.; ROSSATO, L. A.; SILVA, L. P. E.;
GOMES, L. F.; LÉPORE, P. E.; CUNHA, R. S. Pedofilia e abuso sexual de crianças e adolescentes. São Paulo: Saraiva, 2013, e-book, Introdução, cap. 1).
3. Nessa senda, revela-se importante observar que nem sempre se entendeu a criança e o adolescente como sujeito histórico e de direitos. Em verdade, a proteção às crianças e aos adolescentes é fenômeno histórico recente. “A família não percebia as necessidades específicas das crianças, não as via como um ser com peculiaridades e que precisavam de atendimento diferenciado. […] a única diferença entre o adulto e a criança era o tamanho, a estatura, pois assim que apresentavam certa independência física, já eram inseridas no trabalho, juntamente com os adultos. Os pais contavam com a ajuda de seus filhos para realizar plantações, a produção de alimentos nas próprias terras, pescas, caças, por isso, assim que seus filhos tinham condições de se manterem em pé, já contribuíam para o sustento da família.” (HENICK, Angelica Cristina. FARIA, Paula Maria Ferreira de. História da Infância no Brasil. Educere, 2022. Disponível em: br/arquivo/pdf2015/19131_8679.pdf>. Acesso em: 7/1/2022).
4. Diante de um cenário de exposição e vulnerabilidade passando para uma perspectiva protetiva, alguns autores verificam uma correlação entre o reconhecimento pelo Estado da violência intrafamiliar e o movimento feminista. Dizem que esse movimento, “ao enfrentar o denominado modelo patriarcal de família, acaba por desvelar inúmeras formas de violência, que permaneciam encobertas pelo manto do silêncio”. (MACIEL, K. R. F. L. A. Curso de direito da criança e do adolescente. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, e-book, parte I, cap. I).
5. Verificou-se, portanto, uma modificação de paradigmas sociais, que refletiu no Direito. E é nessa perspectiva que se deve ressaltar a importância de o Direito estar atento à complexidade da vida social. “Muitos dos argumentos defendidos por tantos anos já estão superados. […] O histórico da Criminologia revela muito sobre a superação de paradigmas e axiomas”, um exemplo disso é o reconhecimento da violência doméstica e familiar. O lar, que era até então considerado um local seguro (ao contrário das ruas, do lado de fora), passa a ser palco do drama criminal. (BIANCHINI, A.; MARQUES, I. L.; ROSSATO, L. A.; SILVA, L. P. E.; GOMES, L. F.;
LÉPORE, P. E.; CUNHA, R. S. Pedofilia e abuso sexual de crianças e adolescentes. São Paulo: Saraiva, 2013, e-book, Introdução). O fato de a violência dentro dos lares ser reconhecida pelo Estado não significou a criação dessa violência. Em verdade, ela sempre existiu, mas permanecia no silêncio entre os familiares e na indiferença institucional. O que era para servir de apoio violentava ou ignorava.
6. Nesse passo, Andréa Rodrigues Amin lembra que “vivemos um momento sem igual no plano do direito infantojuvenil. Crianças e adolescentes ultrapassam a esfera de meros objetos de ‘proteção’ e ‘tutela’ pela família e pelo Estado e passam à condição de sujeitos de direito, beneficiários e destinatários imediatos da doutrina da proteção integral.” (MACIEL, K. R. F. L. A. Curso de direito da criança e do adolescente. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, e-book, parte I, cap. I). O Estado não é mais indiferente ao que acontece no interior dos lares com as crianças e com os adolescentes. Porém, reforce-se, que isso é relativamente recente.

7. Toda essa evolução é verificada no Brasil, como um reflexo de um movimento internacional pela proteção das crianças. Chamando a atenção para a importância dos instrumentos internacionais na positivação e na interpretação do direito penal pátrio, o em.
Ministro João Otávio de Noronha, em voto lapidar no EREsp n. 1.530.637/SP, lembra que o Brasil está obrigado, perante seus pares, a adotar medidas legislativas para proteger às crianças (todos aqueles com menos de 18 anos completos) de qualquer forma de abuso sexual.

8. Este Superior Tribunal de Justiça, em várias oportunidades, já se manifestou no sentido de que a prática de qualquer ato libidinoso, compreendido como aquele destinado à satisfação da lascívia, com menor de 14 anos, configura o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP). Não se prescinde do especial fim de agir: “para satisfazer à lascívia”. Porém, não se tolera as atitudes voluptuosas, por mais ligeiras que possam parecer. Em alguns precedentes, ressaltou-se até mesmo que o delito prescinde inclusive de contato físico entre vítima e agressor.
9. Com efeito, a pretensão de se desclassificar a conduta de violar a dignidade sexual de pessoa menor de 14 anos para uma contravenção penal (punida, no máximo, com pena de prisão simples) já foi reiteradamente rechaçada pela jurisprudência desta Corte.
10. A superveniência do art. 215-A do CP (crime de importunação sexual) trouxe novamente a discussão à tona, mas o conflito aparente de normas é resolvido pelo princípio da especialidade do art. 217-A do CP, que possui o elemento especializante “menor de 14 anos”, e também pelo princípio da subsidiariedade expressa do art. 215-A do CP, conforme se verifica de seu preceito secundário in fine.
11. Além disso, a cogência do art. 217-A do CP não pode ser afastada sem a observância do princípio da reserva de plenário pelos tribunais (art. 97 da CR).
12. Não é só. Desclassificar a prática de ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos para o delito do art. 215-A do CP, crime de médio potencial ofensivo que admite a suspensão condicional do processo, desrespeitaria ao mandamento constitucional de criminalização do art. 227, §4º, da CRFB, que determina a punição severa do abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes. Haveria também descumprimento a tratados internacionais.
13. De fato, de acordo com a convicção pessoal desta Relatoria, o legislador pátrio poderia, ou mesmo deveria, promover uma graduação entre as espécies de condutas sexuais praticadas em face de pessoas vulneráveis, seja por meio de tipos intermediários, o que poderia ser feito através de crimes privilegiados, ou causas especiais de diminuição. De sorte que, assim, tornar-se-ia possível penalizar mais ou menos gravosamente a conduta, conforme a intensidade de contato e os danos (físicos ou psicológicos) provocados. Mas, infelizmente, não foi essa a opção do legislador e, em matéria penal, a estrita legalidade se impõe ao que idealmente desejam os aplicadores da lei criminal.
14. Verifique-se que a opção legislativa é pela absoluta intolerância com atos de conotação sexual com pessoas menores de 14 anos, ainda que superficiais e não invasivos. Toda a exposição até aqui demonstra isso. E, essa opção, embora possa não parecer a melhor, não é de todo censurável, pois, veja-se, “o abuso sexual contra crianças e adolescentes é problema jurídico, mas sobretudo de saúde pública, não somente pelos números colhidos, mas também pelas graves consequências para o desenvolvimento afetivo, social e cognitivo”. Nesse sentido, “não é somente a liberdade sexual da vítima que deve ser protegida, mas igualmente o livre e sadio desenvolvimento da personalidade sexual da criança” (BIANCHINI, A.; MARQUES, I. L.; ROSSATO, L. A.; SILVA, L. P. E.; GOMES, L.F.; LÉPORE, P. E.; CUNHA, R. S. Pedofilia e abuso sexual de crianças e adolescentes. São Paulo: Saraiva, 2013, e-book, Introdução, cap. 1).
15. Tanto a jurisprudência desta Corte superior quanto a do Supremo Tribunal Federal são pacíficas em rechaçar a pretensão de desclassificação da conduta de praticar ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos para o crime de importunação sexual (art. 215-A do CP). Precedentes.
16. Tese: presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP).
17. Solução do caso concreto: recurso especial provido para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 217-A do CP, determinando a remessa dos autos ao Tribunal de origem para que, na instância ordinária, seja realizada a dosimetria da pena.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 217-A do CP, determinando a remessa dos autos ao Tribunal de origem para que, na instância ordinária, seja realizada a dosimetria da pena, e fixou a seguinte tese: “presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (Art.
217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP)”.

Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Joel Ilan Paciornik.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

Os julgados da Cortes de Vértice na sensibilidade a destacar deste julgadores de Escol, representados nesta profunda reflexão pela autoridade judicial e olhar reflexivo para a vida na sua espiral mais ampla e em todos os lados e sentidos do Ministro Ribeiro Dantas pontuam que o Judiciário está bem atento as essas questões.

Consequências psíquicas e comportamentais da pedofilia

Os danos causados às crianças, adolescentes e como já apontamos no decorrer do presente artigo, a família e ao ambiente social do menor trouxeram a precupação dos especialistas também na Responsabilidade Civil na qual podemos contextualizar danos psíquicos e reflexos a serem considerados nesta análise.

Na concepção da avaliação psicológica/psiquiátrica, constatamos o dano psíquico com a finalidade de apurar o prejuízo decorrente de um determinado siistro no que trouxe a pessoa, ou melhor, como salienta CASTRO & MAIA[23] (2010, pág. 03): “assume que pode existir um nexo de causalidade entre a experiência de quem foi vítima e o grau de perturbação mental”.

Acrescentam os referidos autores (Idem, idem):

“…O dano psíquico é caracterizado por uma deterioração das funções psíquicas, de forma súbita e inesperada, que surge após a ação deliberada ou culposa de alguém e que traz para a vítima um prejuízo material ou moral, face à limitação das suas actividades habituais ou profissionais (Ballone G., 2003, s/p). O autor acrescenta que o dano psíquico pode ser concebido como uma doença psíquica relacionada causalmente com um evento traumático (ex: acidente, doença, delito), que tenha resultado num prejuízo das aptidões psíquicas prévias com carácter irreversível ou transitório longo (leia-se durante um período prolongado). Este implica a alteração do equilíbrio básico do sujeito e/ou o agravamento de uma patologia anterior, alterando a normalidade do sujeito relativa a si mesmo e aos outros (Brito, 1999) …”

Silva (2010, pág. 25/32)[24] enumera as consequências possíveis no campo da psiquiatria com os quais se depara em seu consultório nos casos de vítimas de práticas dessa natureza que são os seguintes: Sintomas psicossomáticos: [cefaleia, cansaço crônico, insônia, dificuldades de concentração, náuseas, diarreia, boca seca, palpitações, alergias, crise de asma, sudorese, tremores, sensação de “nó” na garganta, tonturas ou desmaios, calafrios, tensão muscular, formigamentos.

Transtorno do Pânico, fobia escolar, fobia social (transtorno de ansiedade social – TAS), transtorno de ansiedade generalizada (TAG), depressão, anorexia e bulimia; transtorno obsessivo – compulsivo (TOC); transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) dentre outros menos frequentes.

Nas hipóteses menos frequentes referencia a renomada psiquiatra e escritora (idem, pág. 31): Esquizofrenia; suicídio e homicídio.

Ocorre Também que a atuação de um pedófilo, personagem com transtorno de personalidade, diferentemente das outras modalidade de transtorno, atinge não somente a vítima, mas também as pessoas do seu entorno e convivência, transformando-ono dano em ricochete, também conhecido como dano moral reflexo, é o prejuízo sofrido por pessoas próximas à vítima direta de um ato ilícito. 

 Ressalte-se que o dano em ricochete é uma indenização autônoma em relação ao dano sofrido pela vítima direta

Esse vem sendo o entendimento de precedentes de nossos tribunais, cuja ementa transcrevemos abaixo:

Trecho da ementa

“(…) No dano moral reflexo ou em ricochete, a despeito de a afronta a direito da personalidade ter sido praticada contra determinada pessoa, por via indireta ou reflexa, tal conduta agride a esfera da personalidade de terceiro, o que também reclama a providência reparadora a título de danos morais indenizáveis na medida da ofensa aos direitos destes. 3. Demonstrados o ato ilícito decorrente do atendimento defeituoso prestado por hospital público à neonatal, o dano correspondente à morte de filho recém-nascido e o nexo de causalidade entre ambos, deve ser o Estado ser condenado à prestar reparação por dano moral aos pais da vítima.”

Acórdão 1336600, 00354692820168070018, Relatora: MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 28/4/2021, publicado no PJe: 14/5/2021. 

A responsabilidade civil decorrentes dessas práticas

Nos nossos tempos estamos cada vez mais expostos a situações consequentes das práticas de pedofilia. E são assustadores os registros e estatísticas apresentadas pelos mais diversos meios de pesquisas contratados por instituições de ensino, grupos religiosos.

A Lei Civil no Código Civil de 2002 proporciona um certo conforto e objetividade no sentido de precisar as responsabilidades decorrentes dos efeitos de uma conduta pedófila que proporcione efetos danosos as vítimas quando prevê o “nexo de causalidade” entre a ação do causador do dano e a efetividade dos prejuízos causados. Assim temos o orientação do art. 403 CC/02:

“… Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato,(g.n) sem prejuízo do disposto na lei Processual…” 

Assim superando décadas sobre o debate sobre essa temática que percorreu uma longa discussão sobre o que seria a ação e seu efetivo resultado. O legislador pôs por terra as estridentes correntes doutrinárias, acadêmicas e jurisprudenciais que tentavam preencher essa lacuna do Código Civil de 1916.

A concepção de efeito está focada na denominada e conhecida teoria do dano direto e imediato ou também conhecida por teoria do nexo causal.

Como descrevem ROSENVALD, FARIAS & BRAGA NETTO[25] (2017, pág. 477):

“…Se interpretarmos literalmente o mencionado dispositivo, encotraremos uma noção singela e bem-acabada do nexo causal sob o ponto de vista pragmático. Qual seja: de todas as condições presentes, só será considerada causa eficiente para o dano aquela que com ele tiver um liame direto e imediato. Todos os danos que se ligarem ao fato do agente de forma indireta e mediata serão excluídos da causalidade…”

Acrescentam ainda os referidos autores (idem, pág. 480) a importância do nexo de causalidade que pressupõe, obviamente uma investigação criteriosa e com um Standard Probatório seguro e bem fundamentado que viabilizará a responsabilidade sem equívocos:

“Nesse sentido, confessadamente decidiu o Supremo Tribunal Federal[26]. ‘a (teoria da equivalência das condições, teoria da causalidade necessária ou teoria da causalidade adequada) – revela-se essencial ao reconhecimento do dever de indenizar, pois, sem tal demonstração, não há como imputar, ao causador do dano, a responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelo ofendido”…       

Ora, se temos o dever legal de identificar o responsável pela ação direta e imediata causadora do dano, é evidente e certo a necessidade e importância de uma investigação que resgate toda a história do incidente causador do dano.

Logo, temos que identificar quem é o pedófilo, agiu com ajuda de alguém? É preposto de alguma instituição de ensino ou organização religiosa. Em caso afirmativo, como foi contratado, qual a sua tarefa, exigia treinamento, porque a instituição o contratou? Com que finalidade? Verificou algum precedente? Em caso afirmativo. Que providências tomou ou foram adotadas? Houve omissão das vítimas ou de seus responsáveis quanto as ocorrências precedentes? Informaram à empresa ou pessoa jurídica? Realizou alguma avaliação psicológica de transtorno de personalidade? Há quanto tempo trabalha na pessoa jurídica? Houve omissão, negligência ou imprudência da organização nessa contratação? Há uma unidade com essa atribuição de receber as notícias na organização? Os Pais e responsáveis têem ciência dessas unidade? Como foram cientificados? Há comprovação dessa ciência? As pessoas que lidam com menores foram treinados ou preparados para eventos dessa natureza? Isto, dentro de um rol de ferramentas e expertise próprios de um profissional de investigação habilitado para esse ofício específico.

Não é qualquer profissional que investiga preventivamente ou probatoriamente um cenário de pedofilia. É um ambiente que exige preparação adequada, habilitação e acima de tudo experiência.

A importância dessa investigação no resgate da história está na definição daqueles que iram responder individualmente ou solidariamente pelo dano, pois também são orientações prescritas na nossa Lei Civil de 2002.

O artigo 932 elenca os possíveis responsáveis pela reparação civil, dentre les o empregador pelos empregados em resposta ao serviço que prestarem.

“ Art. 932: São também responsáveis pela reparação civil: III – o empregador ou comitente, por seus empregados,serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele…”  

Ou ainda, como é tipico no caso do bullyng, a responsabilidade solidária como também prescreve o Código civil de 2002 no artigo 942 e parágrafo único, já que essas práticas são ofensivas e violam o direito da vítima que merece uma segurança jurídica:

“…Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente respnsáveis com os autores ous coautores e as pessoas designadas no art. 932….”   

A questão a ser avaliada em sinistros resultantes de ações de pedófilos envolve uma visão cada vez mais técnica e especializada. Compromissada com as nossas crianças e adolescentes, pois serão um amanhã bem resolvido ou alguém com medo de enxergar e caminhar pela vida.

Essa área de atuação, preocupação e conhecimento não é nova, mas necessita de uma debate democrático, participante, preocupado, atuante daqueles que pensam numa sociedade justa, livre e solidária.

Não é uma tarefa que atente a um padrão de normalidade profissinal, mas sim espinhosa, penosa, trabalhosa e certamente por alguns episódios, frustrante. Mas esses infortúnios não tira a nossa esperança, pois com certeza, temos neste momento muitas pessoas do bem tentando suprimir ou mesmo amenizar este cenário.                                                                                              


[1] FONTE :WIKIPÉDIA.

[2] FONTE:CARTA CAPITAL. 01.06.2021. VATICANO INCLUI CRIME DE PEDOFILIA NO CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO

[3] FONTE: UOL de 26/01/2024: ESTUDO REVELA MILHARES DE CASOS DE PEDOFILIA NA IGREJA EVANGÉLICA DA ALEMANHA DESDE 1946.

[4] FONTE: LUCAS ROCHA, da CNN em São Paulo.

[5] FONTE: “O QUE É DEEPFAKE E COMO SE PROTEGER DOS RISCOS DA DESINFORMAÇÃO”. Fernanda Martins, março, 7, 2024.

[6] FONTE: “O QUE É DEEPFAKE E COMO SE PROTEGER DOS RISCOS DA DESINFORMAÇÃO”. Fernanda Martins, março, 7, 2024.

[7] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. BULLYING: MENTES PERIGOSAS NAS ESCOLAS. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

[8] Croce, Delton, et alli, Manual de Medicina Legal, Saraiva, São Paulo, 1995

[9] Seto MC (2009 «Pedofilia». Annual Review of Clinical Psychology, 5:391 – 407: PMID – 193270034. Doi: 10.1146/annurev. Clinpsy 032408.153618.

[10] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: MENTES PERIGOSAS NAS ESCOLAS. RIO DE JANEIRO: OBJETIVA, 2010.

[11] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas: O psicopata mora ao lado. 3.ª ed. – São Paulo: Principium, 2018.

[12] PSIQUIATRIA FORENSE: Interfaces jurídicas, éticas e clínicas. Organizadores, Daniel Martins de Barros, Gustavo Bonini Castelhana. – 2.ª ed. – Porto Alegre: Artmed, 2020.

[13] LEONARDO AUGUSTO NEGREIROS PARENTE CAPELA SAMPAIO – Psiquiatra. Coordenador do Programa de Psiquiatria Social e Cultural (Prosol) do IPq-HCFMUSP)

[14] VICTOR B BIGELLI DE CARVALHO – Psiquiatra e empreendedor digital. Especialista em Medicina Legal pela FMUSP.

[15] MMPI e MMPI-2 (inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota). Indicadíssimos pela ciência psiquiátrica. MMPI – inventário de autorrelato e compreendem 566 itens, que descrevem sentimentos, atitudes, sintomas físicos e emocionais e experiências anteriores de vida, para os quais o examinado assinala “certo” ou “errado”, conforme sua concordância com o item. É composto por 14 escalas, sendo 10 clínicos e quatro de validade. MMPI-2 – Além dessas citadas, contém 15 de conteúdo e 18 suplementares.

[16] HOLMES, D. (1997).  PSICOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS. Porto Alegre: ARTMED.

[17] DAVID S. HOLMES – Professor do Kansas, Usa. PHD em Psicologia Clínica pela NORTHWESTERN UNIVERSITY.

[18] HENRIQUES, R.P (2009) de H. CLECKLEY ao DSM – IV – TR: A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PSICOPATIA RUMO À MEDICALIZAÇÃO DA DELINQUÊNCIA. Retirado do site www.scielo.br.

[19] KALINKA CASTELO BRANCO. FONTE: SUZANA NAZAR “CASOS DE PEDOFILIA SE MULTIPLICAM NO BRASIL COM OS AVANÇOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. https://jornalismo.usp.br/? P = 653936. Atualizado: 21/07/2023 às 14:51

[20] DIREITO FUNDAMENTAL À PROVA. CONSTITUCIONAL. 22/11/2024. RENATO OTÁVIO FERRAZ. Professor e Advogado.

[21] CÂMARA, Alexandre Freitas, Manual de Direito Processual Civil, 2023, p.416/417, Gen/Atlas)

[22] KHALED JR., Salah H. A BUSCA DA VERDADE NO PROCESSO PENAL: PARA ALÉM DA AMBIÇÃO INQUISITORIAL. 4.ª ed. – Belo Horizonte, MG: Letramento; Casa do Direito, 2023.

[23] Castro, A., & Maia, A. (2010). A avaliação de dano psíquico em processo cível: Uma análise de cinco anos de práticas. Psicologia, Psiquiatria e Justiça, 3, 111-127.Universidade de Minho.

[24] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. BULLYING: MENTES PERIGOSAS NAS ESCOLAS. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

[25] BRAGA NETTO, Felipe, CHAVES DE FARIAS, Cristiano & ROSENVALD, 

[26] STF, RE 481110 AgR-PE, rel. Min. Celso de Mello, j. 6-2-2007, 2.ª Turma.


Clayton da Silva Bezerra. Delegado de Polícia Federal. Palestrante. Presidente do Instituto Federal Kids de Combate A Pedofilia. Instrutor da Academia Nacional de Polícia Federal. Especialista em Direito Processual Penal.

Lorenzo Martins Pompílio da Hora. Professor Associado do Departamento de Direito Civil da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça. Doutora em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e pesquisa – IDP – Escola de direito de Brasília – EDB. Sócia do Escritório Jurídico Mendonça Advocacia.


Acesse o Guia do Governo Federal (Família protetora) para identificar riscos com pedofilia

https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/maio/FAMILIAPROTETORA.pdf

A boa fé e seus aliados processuais no exercício da litigância elegante e cristalina dos operadores do direito em todos os seus segmentos

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

Os textos para discussão da WebAdvocacy estão disponíveis para leitura na plataforma no link: Textos para Discussão.


Corpo editorial

Editor:

Elvino de Carvalho Mendonça

Conselho editorial:

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Eduardo Molan Gaban – Doutor em direito

Elvino de Carvalho Mendonça – Doutor em economia

Fernanda Manzano Sayeg – Doutora em direito

Fernando de Magalhães Furlan – Doutor em direito

Katia Rocha – Doutora em Engenharia de Produção/Finanças

Luiz Alberto Esteves – Doutor em economia

Márcio de Oliveira Júnior – Doutor em economia

Marco Aurélio Bittencourt – Doutor em economia

Marcos André Mattos de Lima – Mestre em economia 

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça – Doutora em direito

Vanessa Vilela Berbel – Doutora em Direito

Ficha catalográfica

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy – Direito e Economia.

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A boa fé e seus aliados processuais no exercício da litigância elegante e cristalina dos operadores do direito em todos os seus segmentos

Lorenzo Martins Pompílio da Hora e Durval Pimenta de Castro Filho

RESUMO: O presente artigo científico tem por propósito, em síntese, uma análise do exercício do direito probatório aliado ao princípio da boa-fé, como elementos processuais estruturantes de um procedimento potencialmente gerador de uma sentença com resolução de mérito seguramente justa e efetiva, de acordo com a norma fundamental do artigo 6º do Código de Processo Civil, conforme reclama o Estado Democrático de Direito, resguardado pela denominada Constituição Cidadã, promulgada em 5 de outubro de 1988.  

Palavras – chave: princípio da boa-fé; direito probatório; devido processo legal.

ABSTRACT: The purpose of this scientific article is, in summary, an analysis of the exercise of the right to evidence combined with the principle of good faith, as structuring procedural elements of a procedure potentially generating a sentence with a surely fair and effective resolution of the merits, in accordance with the fundamental rule of article 6 of the Civil Procedure Code, as demanded by the Democratic Rule of Law, protected by the so-called Citizen Constitution, promulgated on October 5, 1988.

Keywords: principle of good faith; evidentiary law; due process of law.

Propedêutica

A Boa-fé cresceu, superou todos os percalços da puberdade, da adolescência, atingiu a maioridade e atualmente se faz presente nos mais diferentes cenários cognitivos da vida jurídica.

Superou um momento clássico, sujeito a concepções preestabelecidas e ao mesmo tempo limitadoras do seu potencial de generosidade com o bom senso, a probidade na arte de litigar entre as partes.

O legislador processual civil  hodierno contemplou a boa-fé, colocando-a sob a égide das normas fundamentais, de acordo com a redação do artigo 5º do Código de Processo Civil, bem como elencou, no artigo 80 do precitado Estatuto, condutas reveladoras de uma litigância temerária, caracterizadoras de má-fé, entre as quais a que altera “a verdade dos fatos”.

Podemos afirmar que agir de boa-fé, é agir no paradigma da verdade, da evidência, alieno da sombra da subversão do que é certo, seja sob o aspecto objetivo e subjetivo, de modo que a intenção e o agir estejam inarredavelmente alinhados com a finalidade a que se propõe o benévolo agente alcançar.

Em termos, quem provoca a jurisdição para, segundo o disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil, afastar “lesão ou ameaça a direito”, tem o dever de fazê-lo com fundamento na legitimidade de sua pretensão, amparado em norma jurídica assecuratória da alegada titularidade, bem como na prova, pena de responsabilização reparatória pela temeridade da infundada litigância, conforme inteligência do artigo 79 do Código de Processo Civil. 

Desenvolvimento

Para o alcance de melhor abordagem do instituto, sob o aspecto preliminarmente conceitual, valem-se os articulistas de expressiva manifestação doutrinária, trazendo à lume, primeiramente, o magistério do atemporal civilista ORLANDO GOMES:

A expressão boa-fé não tem, no particular, o sentido em que é usada no Direito das Coisas. No Direito das Obrigações, significa, segundo BARASSI, referente a um modelo abstrato, ao qual deve adequar-se a execução da obrigação. Não é fácil enunciá-lo. Ao se estabelecer que as partes de uma relação obrigacional oriundas de contrato precisam agir com boa-fé, quer-se dizer que lhes cumpre observar comportamento correto, que corresponda à legítima confiança do outro contratante.[1] (Grifos no original).

As locuções reveladoras da boa-fé, segundo o precitado ensinamento, são a confiança, o comportamento fidedigno, a lisura, em suma, o empenho do agente em direção ao fim colimado pela avença, partindo-se do pressuposto restritivamente contratual.

A boa-fé como sinalizam ROSENVALD & FARIAS:

Demais disso, não se pode olvidar a boa-fé objetiva como princípio fundamental das relações civis, especialmente das relações negociais, obrigacionais e contratuais. Não prevista na estrutura codificada de 1916, a boa-fé objetiva materializa uma necessária compreensão ética das relações privadas. Aliás, já tivemos oportunidade de afirmar que a boa-fé objetiva “significa a mais próxima tradução da confiança, que é o esteio de todas as formas de convivência em sociedade”. A Lei Civil, inclusive, acolhe a boa-fé objetiva de forma expressa, como princípio fundamental das relações jurídicas privadas, mencionadas nos arts. 113 e 422, como regra interpretativa dos negócios jurídicos e das obrigações como um todo, como mecanismo de imposição de limites ao poder de contratar e para estabelecer deveres implícitos nas relações do mundo negocial (…).[2]

Acontece que esses visionários do Direito já antecipavam que os limites da boa-fé não ficariam apenas no Direito Civil. Ocupariam espaços legais em outros textos normativos, até porque em suas cuidadosas pesquisas de citações notificaram:

Valendo-se da advertência de PALOMA MODESTO, “todo o processo de descoberta da norma de decisão para a resolução dos casos passa, necessariamente, pelos princípios constitucionais – verdadeiros balizadores da realização e da concretização da Constituição – , não tendo pretensão de exclusividade (…).[3]

E assim aconteceu, na renovação da Lei Processual Civil, até o momento, juntamente com episódios institucionais consagrados de Lei Processual Penal integrativa para fazer companhia as conquistas constitucionais, também tivemos a boa-fé presente de forma substancial e expressa na Lei Processual. Restando claro que a sua presença também faz parte das metodologias de busca da verdade real, contraditório, ampla defesa substancial, devido processo legal, entre outros.

Dispensáveis maiores ilações para reconhecer que a boa-fé não é um ornamento legal, mas sim um princípio que veio para ficar nos momentos mais cruciais do Estado-Juiz em vários ritos normativos, no âmbito civil e penal, entre outros, a citar: NEGÓCIOS JURÍDICOS, HOLDING FAMILIAR, ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL, INVENTÁRIOS EXTRAJUDICIAIS, A DINÂMICA E AS FERRAMENTAS DE COBRANÇAS DECORRENTES DE INADIMPLEMENTOS, NARRATIVAS E ACUSAÇÕES SEM STANDARD PROBATÓRIO, INVESTIGAÇÃO POLICIAL VICIADA POR INQUISITÓRIOS PROVENIENTES DE ILAÇÕES, COLABORAÇÃO PREMIADA, ABUSO DE ATORIDADE, QUEBRAS DA CADEIA DE CUSTÓDIA, ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL.

O DIREITO A PRODUÇÃO PROBATÓRIA, CONTRADITÓRIO, MOTIVAÇÕES INTRÍNSECAS E EXTRÍNSECAS DAS DECISÕES JUDICIAIS e outros temas sensíveis que nos levariam a discorrer por inúmeras páginas, até porque a natureza humana ainda pode ser uma incógnita que carece do manto da boa-fé, ou seja, é preciso que haja entre as partes credibilidade mútua.

Assim, podemos nos defrontar, hipoteticamente, com uma simples investigação policial em que o agente da perquirição, depois de ter acesso preliminar a todas as medidas invasivas e cautelares de quebras de sigilo do investigado, faz uma narrativa desprovida da verdade, como, por exemplo, de que só teria descoberto determinado bem de propriedade deste após uma recente diligência de busca do imóvel do invadido, mesmo depois de ter minuciosamente averiguado toda a respectiva situação fiscal daquele que é alvo da persecução criminal preliminar.[4]

Vale dizer, uma típica inverdade que não resiste a um exame superficial na cronologia de eventos que precederam a buscar domiciliar. Ou seja, uma conduta de má-fé do agente público, aliena da legalidade constitucionalmente assegurada pela via principal da norma fundamental contida no artigo 5º, inciso LIV. 

O suporte e a assistência consolidadora é multidisciplinar, comunicação com todas as metodologias periciais, psiquiátricas, neuropsicológicas, psicológicas que por não poderem estar mais eclipsadas e distantes dos princípios constitucionais encontram o seu forte engajamento na Boa-fé.

Parceira incólume do processamento dos feitos judiciais para limitar os abusos irresponsáveis e descomprometidos em qualquer segmento institucional, desde a instauração do feito até o almejo da coisa soberanamente julgada.

Como afirma constantemente o Doutor e Professor da Universidade Federal de Santa Catariana, Juiz Federal Alexandre Moraes da Rosa em suas encantadoras obras e monografias: “NÃO VALE TUDO NO PROCESSO PENAL”.

A boa-fé pede emprestado a expressão: “NÃO VALE TUDO SEM BOA-FÉ”.

Na acepção da boa-fé objetiva temos uma contrapartida numa lide que envolve uma litigância com elegância, sem o slogan: saiba levar vantagem em tudo, que há alguns bons anos atrás era exposto pelo denominado “canhotinha de ouro”, considerado o melhor meio campista do mundo da irretocável Seleção Brasileira Tricampeão Mundial de Futebol na Itália – GERSON DE OLIVEIRA NUNES.

Um jogador de meio-campo taticamente inteligente, eficiente e tecnicamente talentoso, foi considerado o “cérebro” por trás da Seleção Brasileira que venceu a Copa do Mundo de 1970.

Além do análogo contexto futebolístico, também ficou famoso nos anos 70 por protagonizar uma campanha publicitária do produto cigarro Vila Rica, na qual dizia “Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também…“. Essa frase presumidamente resumiria a suposta, por assim dizer, malandragem brasileira[5] e acabou caindo na cultura midiática como o símbolo do jeitinho desonesto de ser e da corrupção, ficando conhecida como “Lei de Gérson“. Após a associação maliciosa e indevida, ele se lamentou publicamente, em diversas ocasiões, de ter seu nome ligado a esses defeitos morais associados pela cultura midiática ao povo brasileiro.

E certamente não merecia essa associação pelo valor de atleta que também representou o Brasil em todas as suas atuações.

Ocorre que esse slogan, além de ser reprimido pelo próprio GERSON, não deixou de traduzir uma situação em que as lides processuais se esmeravam eclipsando elementos e narrativas inoportunas e provas obtidas ilicitamente. Aí temos o bom local para a percepção da acepção da boa-fé como destacam, mais uma vez ROSENVALD & FARIAS:

Compreende a boa-fé objetiva um modelo ético de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizada por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não se frustrar a legítima confiança da outra parte (…)[6]

A boa-fé se impõe como um arquétipo capaz de conduzir o conteúdo geral da colaboração intersubjetiva, trazendo o princípio a ser combinado, conduzido de maneira coordenada às normas integrantes da também locução ritos processuais, no intuito de lograr própria concreção.[7]

Hodiernamente, há um limite que concorre para promover a cognição daqueles que decidem, podendo exercitá-la em sede sumária parcial ou mesmo exauriente numa percepção de um cognicismo justo. Não é por mero acaso legislativo que a norma fundamental contida no texto do artigo 6º do Código de Processo Civil dispõe que, além da cooperação dos sujeitos processuais para abreviação do procedimento, no que obviamente estiver alinhado com o devido processo legal, devem igualmente concorrer para que, ao fim e ao cabo, tenha lugar “decisão de mérito justa e efetiva”.

A propósito da centralidade judicial relativamente à condução do procedimento, oportuna é a lição de EMÍLIO SANTORO, Professor de Sociologia do Direito na Universidade de Florença, litteris:

O perfil do juiz ator fundamental do rule of law traçado por Dicey parece muito semelhante àquele do juiz ator fundamental do ‘Estado constitucional de direito’ desenhado por Luigi Ferrajoli. Também para ele, o juiz está caracterizado por uma ‘função e uma dimensão pragmática desconhecida à razão jurídica própria do velho juspositivismo dogmático e formalista’; atribui-se ao juiz a ‘responsabilidade civil e política’ de perseguir, através operações interpretativas ou jurisdicionais ‘a efetividade dos princípios constitucionais – contudo, sem que seja possível iludir-se que estes sejam alguma vez inteiramente realizáveis’.[8]   

RUI ROSADO DE AGUIAR JUNIOR, reportando-se ao revogado Código de Processo Civil de 1973, doutrina que a função limitadora “veda ou pune o exercício de direito subjetivo, quando caracteriza “abuso da posição jurídica (…)”:

{…} Outro exemplo está no art.22 do Código de Processo Civil, que não extingue o direito do réu que deixar arguir, na sua resposta fato, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor, dilatando o processamento da lide, mas faz recair sobre ele os ônus derivados de sua omissão (…).[9]

Numa situação hipotética, entretanto possível, teríamos na seara cível o cenário em que a parte ré promove juntada extemporânea de inúmeros documentos, acrescendo ser este momento posterior à réplica apresentada pela parte autora, com fundamento na redação do artigo 435, caput, do Código de Processo Civil, interpretando a locução “em qualquer tempo”, sob o palio da mais intensa literalidade. Nesse contexto, é de bom alvitre recordar a lição de CARLOS MAXIMILIANO, afirmando que “O processo gramatical, sobre ser o menos compatível com o progresso, é o mais antigo (único outrora).”[10] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES obtempera que “A lei, em princípio, deve ser entendida da maneira que melhor corresponda à consecução do resultado que o legislador teve em mira. A lei está para a ‘ratio iuris’ como o meio para o fim, e quem quer o fim quer o meio.”[11]

Quanto ao aspecto preliminarmente teórico, alusivo a decisão de saneamento do feito, acerca da manifestação do autor sobre os documentos coligidos pela ré, cumpre, primeiramente, resgatar o denominado princípio da preclusão consumativa, isto é, uma vez exercida validamente a respectiva faculdade processual, não mais estará assegurada à parte a possibilidade de realiza-la novamente, instituto que se revela por intermédio da redação do artigo 200, caput, do Código de Processo Civil.

Na hipótese em que a parte não exerce a faculdade que lhe compete durante o assegurado prazo legal e/ou judicial, cumpre reportar à preclusão temporal, vale dizer, tempus regit actum; logo, expirado o prazo, tal faculdade terá sido peremptoriamente acobertada pela preclusão temporal, exceto na hipótese ventilada no artigo 223 do Código de Processo Civil.

Assim, caso a ré não tenha, durante o prazo da contestação, coligido aos autos processuais toda a prova pré-constituída, isto é, pré-existente à instauração da demanda e ao seu alcance, e de cuja produção presumidamente haveria de tirar proveito, inferir-se-á que tal faculdade teria sido definitivamente acobertada pela preclusão temporal.

Entretanto, caso a ré tenha exercido o contraditório, na fase postulatória, promovendo a juntada aos autos de documentação presumidamente idônea e concernente ao objeto da ação, para provar a existência “de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (…)”, segundo informa a redação do artigo 373 do Código de Processo Civil, teve lugar a preclusão consumativa, razão pela qual eventual juntada posterior de documento, há que, necessariamente, ser enquadrada na categoria de documento novo, conforme estabelece a norma contida no texto do artigo 435, caput, do Código de Processo Civil. Outro não é o sentido da copiosa jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da Segunda Região, revelada pela v. decisão proferida em sede de Apelação Cível nº 0151933-02.2015.4.02.5109/RJ, Relatoria do Desembargador William Douglas Resinente dos Santos, amparada em sólida jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa é parcialmente transcrita:

De acordo com o art. 434, do Código de Processo Civil, incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações. Entretanto, tal comando pode ser excepcionado, quando surgem documentos novos decorrentes de fatos supervenientes, já alegados pela parte, mas que por algum motivo só foram produzidos ou conhecidos posteriormente. Nesse sentido:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTOS NA APELAÇÃO. DOCUMENTO NOVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A regra prevista no art. 396 do CPC/73 (art. 434 do CPC/2015), segundo a qual incumbe à parte instruir a inicial ou a contestação com os documentos que forem necessários para provar o direito alegado, somente pode ser excepcionada se, após o ajuizamento da ação, surgirem documentos novos, ou seja, decorrentes de fatos supervenientes ou que somente tenham sido conhecidos pela parte em momento posterior, nos termos do art. 397 do CPC/73 (art. 435 do CPC/2015).(Grifou-se).[12]

O v. e monocrático julgado acima retratado acompanha a sólida manifestação pretoriana do Colendo Superior Tribunal de Justiça, extraída dos autos do Agravo Interno no Recurso Especial nº 2034103/SP, Relatoria do Ministro Moura Ribeiro, integrante da Terceira Turma, e que a correspondente ementa segue parcialmente transcrita:

(…)

2. A invocação do art. 435, parágrafo único, do CPC não pode ser utilizada de forma indiscriminada pela parte com o intuito de juntar documentos em qualquer fase do processo, inclusive após a prolação de sentença, na tentativa de, por vias transversas, desconstituir a coisa julgada.[13]

No que diz respeito, ainda, à juntada de documento posteriormente à demanda (rectius, ao protocolo da petição inicial) ou à contestação cumpre observar tal admissibilidade expressa na redação do artigo 350 do Código de Processo Civil, quando o autor, se for o caso, manifestar-se em réplica,[14] haja vista que a norma em referência não restringe a modalidade probatória aplicável. Logo, presume-se que obtendo o autor documento novo a oportunidade de coligi-lo aos autos do processo seria, pena de preclusão, na ocasião da réplica, exceto, obviamente, na hipótese de posterior surgimento ou alcance pela parte.

Dessa forma, se os documentos coligidos pela ré, sobre os quais o autor foi judicialmente instado a se manifestar, não se revestem da qualidade albergada na redação do artigo 435, caput, do Código de Processo Civil, conforme a revelação pretoriana acima colacionada, eficácia probatória de nenhuma natureza terão, razão pela qual não poderão concorrer para a formação da convicção judicial, de modo a atender o predicado fundamental contido no artigo 6º do Código de Processo Civil. Ou seja, não poderá o prístino Julgador disponibilizar sua capacidade de percepção, acerca da verdade dos fatos, orientado por modalidade probatória ilegítima para o alcance da finalidade a que se presta a elevada atividade do Dignatário Judicial, isto é, o proferimento de inarredável “decisão de mérito justa e efetiva (…)”, segundo os termos da precitada norma fundamental processual civil.

Sabidamente que o ente público, independentemente da categoria republicana que ostentar, detém, justificadamente, prerrogativas funcionais na dinâmica processual, de acordo, por exemplo, com o disposto nos artigos 183, caput, e 345, inciso II, do Código de Processo Civil, sem, entretanto, deixar o albergue da lealdade processual e da paridade de armas, pena de franca violação ao preceito maior do devido processo legal, consoante a norma contida no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil.

No que concerne a uma decisão saneadora, ato judicial interlocutório cuja finalidade é, segundo a lição de GALENO LACERDA, “(…) desimpedir o caminho para a instrução da causa, seu objeto, certamente, há-de ser o exame da legitimidade da relação processual (…)”.[15] Dessarte, sob os auspícios da redação do artigo 357 do Código de Processo Civil, referentemente à justificativa da modalidade probatória a requerer, 02 (dois) temas precisam ser milimetricamente explorados pelo requerente: admissibilidade da prova e pertinência da prova.

A propósito, a juízo dos articulistas, a respeito do assunto, o melhor conceito, sem prejuízo da proficiência da destacada comunidade de intérpretes, é da lavra do atemporal EDUARDO COUTURE, ensinando que “Prova pertinente é aquela que versa sôbre as alegações e fatos que são realmente objeto de prova.”[16] (Grifo no original).

Referentemente à prova admissível, disserta o precitado autor que “está-se fazendo referência à idoneidade ou falta de idoneidade de um determinado meio de prova para demonstrar um fato.”[17]

C.J.A. Mittermayer, citado por LUIZ OTÁVIO DE OLIVEIRA AMARAL, disserta que “prova é o complexo dos motivos produtores da certeza. A prova consiste na demonstração da existência ou da veracidade daquilo que se alega em juízo. Alegar sem provar não tem valor.” [18] (Grifos no original).

Acerca do contexto probatório, assinala DURVAL PIMENTA DE CASTRO FILHO, inspirado na lição do memorável Eduardo Couture, verbis:

(…) o convencimento judicial acerca da verdade dos fatos não será formado com espeque na eloquência dos respectivos patronos, narrativa dos fatos sob a ótica autoral, ou conforme o engendramento da matéria de defesa por obra do réu, mas, necessariamente, segundo a lavra de EDUARDO COUTURE, mediante o ‘contrôle das proposições que os litigantes formulam em juízo (176)’. É o que se denomina prova. [19]

Em suma, a locução admissibilidade da prova concerne à modalidade da prova que se pretende produzir (documental, testemunhal, material, pericial), ou qualquer outro meio, ainda que não especificado no ordenamento, segundo informa a redação do artigo 369 do Código de Processo Civil; logo, a expressão prova admissível diz respeito à idoneidade do meio probandum, ou seja, o quanto a modalidade probatória requerida concorrerá efetivamente para a formação da convicção judicial, vale dizer, em que medida contém suficiente higidez para revelar a verdade dos fatos sob a ótica do sentenciante, que decidirá com fundamento nos princípios da livre investigação das provas e da livre convicção motivada, este último igualmente denominado persuasão racional e adstrição, conforme o disposto no artigo 371 do Código de Processo Civil.

No que diz respeito à locução pertinência da prova concerne ao fato probandum, isto é, se o que a parte pretende provar tem relação direta com o objeto da ação. A título de exemplo, a prova testemunhal em ação de responsabilidade civil por danos materiais, causados em razão de colisão de veículos na via pública, em horário de rush, seria, em tese, além de admissível, pertinente. É factível que, naquele horário e logradouro houvesse fluxo de transeuntes, aptos a descrever como os automóveis colidiram, que é o cerne da questão.     

Em apertada síntese, para que haja prova,[20] será necessário a conjugação de 02 (dois) elementos fidedignamente inarredáveis da instrução: meio (probandum) e fato (probandum), os quais, uma vez alinhados, revelarão a verdade dos fatos, ainda que formal ou relativa.

Dessarte, será preciso que no requerimento de produção de provas a parte conjugue simultaneamente a respectiva admissibilidade e pertinência, de modo a convencer o sentenciante que, tanto a modalidade probatória pretendida, como o fato a provar (objeto da prova), concorrem, no mesmo paradigma de instrução, para o seu convencimento, sem o que estará à míngua de elemento idôneo e revelador da verdade dos fatos, impedindo-o de atender a norma fundamental do artigo 6º do Código de Processo Civil, reiteradamente citada durante o curso da pesquisa. 

Nesse Standard processual e probatório, teremos uma perspectiva da exteriorização de conduta da boa ou má-fé[21] e é esta a avaliação que nos conforta, e não as intenções. O fluxo do processo sentirá deveras sucessivas interrupções e substancial prejuízo na sua construção. Uma ferramenta com inúmeros vazios em todos os sentidos, pois, segundo o magistério do atemporal ENRICO TULLIO LIEBMAN, “El mismo es derecho instrumental y dinámico, y pertenece al derecho público.”[22]

Conclusão

A boa-fé presente em nosso Código de Processo Civil de 2015, Diploma Legal que entrou em vigor no dia 18 de março do ano de 2016, veio para proporcionar mais segurança jurídica não só nas decisões, mas também na postura daqueles que buscam uma interação transparente e justa entre as partes, isto é, sob a égide da cooperação dos atores processuais, de modo a alcançar o desiderato do proferimento de uma “decisão de mérito justa e efetiva”, segundo a norma fundamental contida no artigo 6º do sobredito Estatuto Processual.

Para tanto, será preciso que a provocação da atividade jurisdicional, amparada no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, tenha por fundamento a credibilidade da parte referentemente à sua titularidade sobre determinado bem jurídico, credibilidade construída por uma conjugação de fatores que, a seu juízo, acabaram por erigi-la a condição de prejudicado pelo inadimplemento alheio, malgrado o Estado-juiz em sentido contrário possa vir a entender.

Em apertada síntese, o princípio da boa-fé aliado à dinâmica probatória tecnicamente admissível e pertinente, conforme expusemos no decorrer da pesquisa, concorrem sobremaneira para o desenvolvimento do denominado processo justo, terminologia reveladora de um conceito embora indeterminado, porém seguramente construtivo pelos atores processuais, quando, por exemplo, o juiz, ao detectar a presença de irregularidade sanável, determina a chamada do feito à ordem para recolocá-lo sob a égide da legalidade, mormente em se tratando de contraditório e ampla defesa, princípios sabidamente de índole constitucional fundamental, portanto, indene de violação de qualquer natureza. 

Referentemente aos aliados processuais, locução que intitula a pesquisa e concorre para o exercício da litigância com probidade e elegância, lastreada principalmente em contraditório regular e ampla defesa, potencialmente geradores do processo justo, mediante o deferimento e produção de prova admissível e pertinente, destaque-se, conclusivamente, que a relação jurídica instaurada em juízo (rectius, processual), entre outras características, autônoma, complexa, dinâmica e dialética, tem por exclusivo desiderato reanimar e consolidar a paz social, reconhecendo a quem de direito a almejada e valiosa titularidade sobre um bem da vida.  

Referências

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor: de acordo com o novo Código Civil, 2 ed. Rio de Janeiro: Aide, 2004.

AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria geral do direito, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 2034103/SP. Relator Ministro Moura Ribeiro. Terceira Turma. Julg.: 21.08.2023. Pub. DJe: 23.08.2023. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/. Acesso em: 23 jul. 2024.

CASTRO FILHO, Durval Pimenta de. Estudos preliminares de teoria geral do processo, 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023.

COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil, tradução de Benedicto Giaccobini, Campinas – São Paulo: RED Livros, 1999.

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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. [Et al]. Primeiros comentários ao Código de Processo Civil, 3 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.


[1] GOMES, Orlando. Obrigações, 2 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense, 1968, p. 107-108.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves de & ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral, 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 37.

[3] Idem, p. 36.

[4] Reportam-se os articulistas ao inquérito policial, previsto no artigo 5º do Código de Processo Penal.

[5] Locução que contém caráter inegavelmente pejorativo correspondente à uma conduta em que o agente, subvertendo o princípio da boa-fé, aufere vantagem, não necessariamente econômica, aproveitando-se da impercepção de outrem acerca daquela realidade. 

[6] FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria geral. Op. cit., p. 127.

[7] Mesmo entendimento sinalizado por MARTINS-COSTA, Judith. BRANCO, Gerson. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro, São Paulo Saraiva, 2002, p.199.

[8] SANTORO, Emílio. Estado de direito e interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do estado de direito, tradução de Maria Carmela Juan Buonfiglio e Giuseppe Tosi, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 102.

[9] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor: de acordo com o novo Código Civil, 2 ed. Rio de Janeiro: Aide, 2004.

[10] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 121.

[11] TELLES, Inocêncio Galvão. Introdução ao estudo do direito, vol. I e II, 11 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 248.

[12] ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 0151933-02.2015.4.02.5109/RJ. Relator Desembargador William Douglas Resinente dos Santos. Julg.: 25.10.2021. Disponível em: https://juris.trf2.jus.br/. Acesso em: 23 jul. 2024.

[13] BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 2034103/SP. Relator Ministro Moura Ribeiro. Terceira Turma. Julg.: 21.08.2023. Pub. DJe: 23.08.2023. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/. Acesso em: 23 jul. 2024.

[14] Certo que não terá lugar a réplica se a dinâmica processual, in casu, contiver revelia.

[15] LACERDA, Galeno. Despacho saneador, 2 ed. Porto Alegre: Fabris, 1985, p. 57.

[16] COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil, tradução de Benedicto Giaccobini, Campinas – São Paulo: RED Livros, 1999, p. 158.

[17] Idem, p. 158.

[18] AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria geral do direito, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 515, apud MITTERMAYER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal, Campinas: Bookseller, 1996, p. 75.

[19] CASTRO FILHO, Durval Pimenta de. Estudos preliminares de teoria geral do processo civil, 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023, p. 236.

[20] Leia-se: elemento revelador da verdade dos fatos.

[21] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. [Et al]. Primeiros comentários ao Código de Processo Civil, 3 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

[22] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de derecho procesal civil, traducción de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: EJEA, 1976, p. 26.