Ônibus elétricos em São Paulo são a melhor escolha?
Felipe Lima Meneguin & Fernando B. Meneguin
Conforme divulgado na mídia[1], a prefeitura de São Paulo anunciou que substituirá parte da frota atual de ônibus por veículos elétricos. A meta é que, até o final de 2024, o município tenha 2,6 mil ônibus elétricos rodando, o que representa 20% da frota que hoje circula na cidade de São Paulo.
O senso comum enquadra essa medida como uma iniciativa louvável; no entanto, uma avaliação técnica deve estar permeada de evidências concretas para permitir a conclusão de ter havido ou não ganhos de bem-estar social; há que se comparar todos os custos envolvidos, incluindo custos de oportunidade, entre as várias opções que poderiam ser escolhidas.
No caso da adoção de veículos elétricos, podem-se trazer alguns dados simples que demonstram o tamanho do gasto e, consequentemente, a necessidade de criteriosa avaliação. Conforme informação da Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade[2], somando os custos de adaptação de infraestrutura – afinal, é necessário todo um suporte específico para recarregar os veículos –, com o custo dos novos veículos, o governo gastaria R$ 8 bilhões. Para se ter ideia relativa desse investimento, a Prefeitura de São Paulo destinou em 2023 para a função transporte 8,5% de seu orçamento, o que significa R$ 8,16 bilhões[3]. Dada essa restrição orçamentária relevante, o trade-off existente entre gastar com ônibus e gastar com outros modais – em especial, com linhas de metrô e trens –, torna-se consideravelmente relevante.
Assim, para verificar a racionalidade econômica da aquisição dos ônibus elétricos, o presente artigo propõe a realização de um exercício simples baseado na análise de custo-benefício para comparar os dois principais modais “verdes” da cidade de São Paulo, isto é, os ônibus elétricos e os tradicionais trens e metrôs.
Na literatura econômica, o debate ônibus versus metrô não possui um vencedor claro; existem trabalhos empíricos que defendem o primeiro meio em detrimento do segundo e vice-versa. Dada essa controvérsia ainda em aberto, é preciso se valer de características específicas inerentes à cidade de São Paulo.
De acordo com estudo sobre mobilidade urbana conduzido pela organização da sociedade civil Rede Nossa São Paulo[4], o tempo médio gasto para se locomover na cidade em 2022, considerando deslocamento de ida e volta para a realização de todas as atividades diárias, foi de 2h19min para quem usa carro e 2h23 para usuários de transporte público. Dentre os transportes públicos, os ônibus levam ampla vantagem em relação ao modal ferroviário no quesito aderência (33% versus 11%). Por fim, hoje, São Paulo é a segunda cidade em termos de taxa de engarrafamento do país, perdendo somente para Belo Horizonte, de acordo com o Global Traffic Scorecard[5].
Frente a essas considerações iniciais, é plausível se afirmar que o modal terrestre apresenta sinais de sobrecarga evidentes – o gap praticamente inexistente entre carros e transportes públicos, pouco usual para a maioria das metrópoles, é um indicador bastante forte nesse sentido. A baixa penetração dos metrôs e trens no universo total dos meios de transporte também é algo que demanda atenção.
A fim de se analisar empiricamente a questão da subpenetração dos metrôs e trens, construiu-se uma série de tempo da média mensal de usuários da linha amarela de 2018 até 2022 usando tabelas fornecidas em relatórios da ViaQuatro[6] – empresa responsável pela administração da linha. A partir dessa série, foi possível mensurar o efeito da inauguração de uma nova estação – no caso, das estações São Paulo-Morumbi e Vila Sônia-, em termos de novos passageiros. Em menos de três meses de operação, as novas estações atraíram, respectivamente, em torno de 26 e 34 mil passageiros diários, sem que isso afetasse a movimentação em outras estações anexas, como Butantã e Pinheiros.
No final de 2022, as duas estações, somadas, representaram um acréscimo mensal de 1,3 milhão de passageiros. Podemos inferir, portanto, que existe uma certa demanda pelo modal ferroviário ainda não atendida, especialmente em regiões mais distantes do centro. De fato, quanto maior a distância do centro, maior a preferência por trens e metrôs: na zona leste, por exemplo, 11% responderam que utilizavam o metrô/trem todos os dias, enquanto no centro, esse número foi de 4%, conforme estudo da Rede Nossa São Paulo.
Em termos de custos para o Estado, no ano de 2022, o governo gastou cerca de R$ 829 milhões com subsídios ao sistema de metrô[7], ao passo que gastou mais de R$ 5 bilhões com subsídios para o transporte coletivo viário[8]. Assim, ponderando por número de passageiros, o primeiro se mostra quase três vezes mais cost-efficient que o segundo, uma vez implementado.
Por outro lado, comparando de maneira bem simples os custos fixos iniciais da nova frota elétrica com novas estações, os ônibus saem na frente: assumindo uma média de 200 passageiros em um ônibus por dia – consoante a valores da Associação Nacional de Transportes[9] –, 2600 ônibus movimentariam mais de 11 milhões de pessoas por mês. Com esse mesmo investimento (R$ 8 bilhões) – e assumindo o valor observado para as estações Vila Sônia e São Paulo-Morumbi[10] –, seria possível movimentar cerca de 5,2 milhões de pessoas/mês com novas estações.
Vale ressaltar, no entanto, que o projeto da frota elétrica almeja não adicionar, mas substituir a frota atual. Dentro do panorama já descrito de alto tráfego, adicionar mais ônibus sem a construção de novas vias preferenciais poderia ser contra produtivo, especialmente dado que o ganho marginal de novos usuários seria baixo. Além disso, o número estimado para as estações está viesado para baixo; afinal, há notáveis ganhos de escala conforme as linhas se ampliam, além de existir um forte efeito substituição com outros modais.
Em síntese, ainda que não seja possível chegar a uma conclusão definitiva, é possível delinear argumentos consistentes para, no mínimo, promover uma reflexão sobre a nova política da prefeitura de São Paulo. Se o intuito era se adequar às novas tendências urbanas com enfoque na sustentabilidade, seria mais interessante focar no ainda subpenetrado modal ferroviário, extremamente eficiente não só no transporte de passageiros, mas também na redução de níveis de CO2 na atmosfera. Alternativamente (ou até adicionalmente), soluções como o BRT – Bus Rapid Transit-, ônibus que opera em faixas completamente segregadas das pistas convencionais, também poderiam se apresentar como mais eficiente.
[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/meio-ambiente/audio/2023-01/sao-paulo-quer-20-da-frota-de-onibus-sendo-eletrica-ate-2024
[2] https://www.investe.sp.gov.br/noticia/prefeitura-de-sp-fecha-parceria-com-enel-em-projeto-de-r-8-bilhoes-para-onibus-eletricos-1/
[3]https://orcamento.sf.prefeitura.sp.gov.br/orcamento/uploads/2023/CADERNO%20OR%C3%87AMENTO%20LOA%202023.pdf
[4] https://www.nossasaopaulo.org.br/wp-content/uploads/2019/01/211404_Viver-em-Sao-Paulo_Tematica-2-Mobilidade-v1.pdf
[5] https://inrix.com/scorecard/
[6] https://www.viaquatro.com.br/linha-4-amarela/passageiros-transportados
[7] https://www.metrocptm.com.br/operacao-do-metro-de-sao-paulo-gerou-economia-de-r-85-bilhoes-em-2021/
[8] https://www.estadao.com.br/sao-paulo/valor-pago-pela-prefeitura-de-sp-a-empresas-de-onibus-e-recorde-governo-ja-banca-metade-da-tarifa
[9] https://ntu.org.br/novo/
[10] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/12/17/estacao-vila-sonia-da-linha-4-amarela-e-inaugurada.ghtml
Graduando em Economia na FEA/USP. Vice-Presidente da Liga de Mercado Financeiro FEA/USP. Estagiário na área de Macro Research do Bradesco BBI.
Mestre e Doutor em Economia pela Universidade de Brasília. Pós-doutor em Análise Econômica do Direito pela Universidade de Califórnia – Berkeley. Líder do Grupo de Estudos em Direito e Economia – GEDE/UnB-IDP. Professor do Mestrado do IDP e da AMBRA University.