Fernando Boarato Meneguin**

Normas que provocam distorções, que geram mais custos que benefícios sociais, têm sido uma frequência nos três níveis da federação. A proliferação legislativa descuidada acarreta insegurança jurídica e dificulta o desenvolvimento econômico.

Essas dificuldades não são específicas do Brasil. Em nível internacional, o movimento chamado Better Regulation ganhou força nos anos 2000 e colocou holofote no problema da falta de qualidade do arcabouço regulatório mundial e na urgente necessidade de saneá-lo.

Com essa perspectiva, é importante trazer à tona novas alternativas de intervenção estatal. No presente texto, discorremos sobre a soft regulation – regulação que acontece por meio de instrumentos não vinculativos que, embora advenham do poder público, não exigem monitoramento e fiscalização ostensivos por parte da administração pública.

Existe um espaço promissor para se promover a soft regulation no Brasil, com consequências positivas para a racionalização do ordenamento jurídico, a dinamização do crescimento econômico e o incremento do bem-estar social.

No Manual de Boas Práticas Regulatórias da Advocacia-Geral da União é destacado que “o excesso de regras, a falta de clareza, a complexidade da linguagem e a ausência de atualização das normas produzem um ambiente deletério à segurança jurídica, ao setor regulado, aos usuários de serviços e ao próprio Estado de Direito”.

Um ambiente regulatório-normativo inchado é nocivo ao ambiente de negócios, já que dificulta investimentos pela falta de regras claras; encarece e burocratiza o empreendedorismo e o estímulo à inovação; e eleva o Custo Brasil, diante dos altos custos de transação, tornando o País menos competitivo no cenário mundial.

A relevância da atuação do Estado Regulador não afasta os questionamentos quanto à qualidade das regulações. Segundo Meneguin e Saab, no texto “Análise de Impacto Regulatório: perspectivas a partir da Lei da Liberdade Econômica”, as perguntas que devem pautar a atuação estatal são, basicamente: “será que o desenho da norma consegue gerar efeitos que eram realmente os esperados? Será que os custos impostos pela regulação superam os benefícios gerados para a sociedade?”.

Nesse sentido é que o desenho dos marcos regulatórios e das políticas públicas deve ser cuidadosamente pensado, pois ele cria incentivos e altera a matriz institucional, favorecendo ou dificultando o desenvolvimento econômico. A utilização da soft regulation vem para colaborar na construção de soluções que contenham os corretos incentivos para a sociedade, possibilitando intervenções estatais mais eficientes e evitando falhas de governo.

O termo soft regulation deriva do debate entre soft law e hard law no Direito Internacional. Os tratados e as convenções internacionais processados, aprovados e ratificados no contexto interno do país são denominados de hard law, de maneira que seu cumprimento pode ser exigido e as punições pelo descumprimento aplicadas. Por outro lado, as declarações, os códigos de conduta, as diretrizes e as outras promulgações de órgãos políticos do sistema das Nações Unidas, por exemplo, são chamadas de soft law, que se equivale a algo que não tem força legal ou vinculante.

No caso da soft regulation, embora difundida na Europa, a expressão não encontra unanimidade na doutrina internacional. Outras referências encontradas na literatura, tais como non-regulatory approaches ou, por vezes, non-regulatory solutions, apesar de serem mais genéricas, incluem, entre outras formas, o que se entende por soft regulation.

Apesar de não haver definição expressa na doutrina, podemos considerar soft regulation como forma regulatória editadas pelo Estado que não exige comando e controle, sendo aplicada por meio de diversos instrumentos sem força normativa cogente. A soft regulation pode anteceder, complementar, suplementar ou substituir a regulação tradicional, a depender da necessidade e do contexto, como mais uma alternativa para minimizar um problema regulatório.

No relatório da OCDE Alternatives to Traditional Regulation, os instrumentos não normativos são separados nas seguintes espécies: market-based instruments; self-regulation approach; co-regulation approach; e information and education schemes.

O novo Guia para Análise de Impacto Regulatório editado pelo governo federal, de forma semelhante ao que propõe a OCDE, categoriza as alternativas não normativas assim:

  • autorregulação: quando um grupo organizado regula o comportamento de seus membros;
  • corregulação: regulação compartilhada;
  • incentivos econômicos: buscam alterar o comportamento dos agentes por meio de incentivos econômicos, como alteração de preço; e
  • informação e educação: instrumentos usados para corrigir assimetria de informações entre os agentes.

Essas alternativas não normativas, que a depender do desenho podem ser entendidas como soft regulation, tem por objetivo, segundo o relatório da OCDE, Alternatives to Traditional Regulation, “minimizar algumas das principais deficiências da regulamentação tradicional”, por meio do uso de instrumentos regulatórios que possuam como base o desempenho e os incentivos.

Perceba que a escolha do uso de soft regulation está diretamente ligada aos objetivos e à necessidade do mercado e cabe ao gestor público, após fazer a análise de impacto regulatório (AIR) sobre o problema que se pretende minimizar, sopesar a solução mais adequada. Não é necessariamente uma gradação, já que há sempre a opção de se iniciar o processo com uma regulação tradicional.

A literatura aponta algumas vantagens inerentes aos instrumentos de soft regulation: adaptabilidade e flexibilidade às situações que se impõem; rapidez e menos custo para elaboração e implementação; mais assertividade e eficiência diante do problema regulatório; capacidade de influenciar e orientar pedagogicamente os regulados a comportamentos desejados.

Apesar de o uso da soft regulation ainda não ser muito disseminado no Brasil, temos um exemplo de sua utilização no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – o órgão publicou em 2016 o Guia Programas de Compliance, para estabelecer definições, sugestões e diretrizes não-vinculantes para as empresas no âmbito da defesa da concorrência.

A iniciativa, na forma de um “menu de opções”, visa auxiliar as empresas a adotarem programa de compliance para evitar condutas anticompetitivas, por meio de esclarecimento passo a passo para facilitar a implementação da conduta desejável.

O estímulo é feito por meio da demonstração das vantagens da adoção do programa de forma adaptável à realidade de cada organização. Assim, o Cade, guiado pelas práticas que estão sujeitas à sua função repressiva, trouxe, de forma inovadora, opções educativas e preventivas que visam impedir que as empresas violem a Lei de Defesa da Concorrência e sofram penalidades.

Portanto, claramente, não só o Guia do Cade, mas todos os programas de compliance estimulados por autoridades públicas se configuram como opções que se amoldam perfeitamente ao conceito de soft regulation.

Por fim, vale observar que a soft regulation não detém uma só forma para todos os fins e não é uma panaceia para todo problema que carece de intervenção estatal. No entanto, a forma se apresenta como funcional e adaptável ao caso concreto por meio de medidas não intrusivas. Cabe à administração pública, no bojo do processo de AIR, considerar todas as alternativas e decidir pela melhor opção.

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