Fernando Boarato Meneguin

As políticas públicas na área de saúde são cruciais para o desenvolvimento adequado de um Estado. De fato, a saúde é considerada na literatura tanto como capital humano, quanto como insumo para outros fatores, o que alicerça o desenvolvimento.

No Brasil, é notória a insuficiência do sistema público de saúde. Daí ser especialmente alarmante a sensível queda no acesso da população brasileira aos planos de saúde suplementar (a taxa de crescimento do número de beneficiários foi negativa ou praticamente nula em todos os períodos desde 2015).

Tal situação ressalta a importância de um desenho correto da regulamentação estatal, de maneira que se ache um equilíbrio entre interesses das administradoras dos planos de saúde e seus consumidores, para que não haja abuso por parte dos fornecedores de saúde privada, mas tampouco se imponha um regramento inviabilizador do negócio.

Dada a importância dessas regulações, cuidados devem ser tomados para que elas sejam concebidas de maneira a trazer mais benefícios do que custos à sociedade, mitigando possíveis efeitos colaterais negativos em decorrência da intervenção. Caso contrário, pode-se ter situações nas quais a medida, preliminarmente destinadas a ajudar o consumidor, acabam por prejudicá-lo.

Esse efeito adverso é conhecido na literatura como “Efeito Peltzman”, situação em que a regulação tende a criar condutas não previstas para os regulados, anulando os benefícios almejados.

Nesse sentido, com foco na atuação estatal, tem-se uma questão extremamente atual relacionada à saúde suplementar, com grande repercussão na sociedade, que merece debate: a validade de cláusula contratual de plano de saúde que preveja reajuste por faixa etária, especialmente para planos de saúde coletivos.

A regulamentação e a supervisão dos reajustes dos planos cabem à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que possui normatização sobre como devem acontecer esses reajustes. Apesar da atuação da Agência, o assunto foi judicializado.

Importante pontuar que, atualmente, são permitidas duas espécies de reajustes nos preços de planos de saúde: (i) anual (periódico) e (ii) por faixa etária do segurado.

No tocante aos contratos de planos de saúde do tipo coletivo (que representam mais de 80% do mercado), diferentemente dos planos individuais e familiares, o percentual de reajuste anual independe de prévia aprovação da ANS, ficando a operadora obrigada apenas a comunicar o reajuste aplicado no ano, o qual será livremente negociado com a pessoa jurídica contratante (empresa, sindicato, associação). Nesse caso, a ANS restringe-se a monitorar o mercado.

Já as regras de reajuste por variação de faixa etária são as mesmas para as diversas espécies de planos de saúde (individuais ou familiares e coletivos). As faixas para correção variam conforme data de contratação do plano e os percentuais de variação precisam estar expressos no contrato, mas não dependem de prévia aprovação da ANS. De todo modo, somente é permitida a incidência do reajuste de acordo com as faixas etárias estabelecidas pela agência reguladora.

A norma mais recente sobre este assunto é a Resolução Normativa nº 63, de 2003 – ANS (RN nº 63/03), que define os limites a serem observados para adoção de variação de preço por faixa etária nos planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 2004. Nessa Resolução foram previstas dez faixas etárias, aplicáveis a todos os tipos de planos (individuais, familiares e coletivos).

O art. 3º da RN nº 63/03 dispõe ainda que os percentuais de variação em cada mudança de faixa etária deverão ser fixados pela operadora, sendo que: o valor fixado para a última faixa etária não poderá ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária; a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não poderá ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas; as variações por mudança de faixa etária não podem apresentar percentuais negativos.

No âmbito do Poder Judiciário, o STJ apreciou a legalidade dos reajustes por faixa etária em planos individuais ou familiares no REsp nº 1.568.244, julgado sob o rito dos repetitivos em dezembro de 2016. Naquela ocasião, foi firmado o entendimento de que é válida a cláusula que prevê o reajuste de mensalidade de plano individual ou familiar pautado na mudança de faixa etária do beneficiário. Os argumentos caminharam em prol do equilíbrio econômico-financeiro dos planos de saúde, admitindo-se, entretanto, a solidariedade intergeracional, a fim de que não ocorra um exacerbado incremento no preço a ser cobrado dos idosos. Outrossim, não pode haver aumento de preços a beneficiários com mais de 60 anos, ante a vedação prevista no Estatuto do Idoso (art. 15, § 3º, da Lei 10.741/03).

Em poucas palavras, deve ser encontrada a calibragem ideal dos preços para que mais pessoas, de todas as idades, possam ter acesso à saúde suplementar, sem inviabilizar esse mercado.

Quanto aos planos coletivos, ainda não há decisão definitiva. As Cortes de Justiça têm, usualmente, seguido as mesmas diretrizes estatuídas no REsp nº 1.568.244. No entanto, há decisões conflitantes – e por vezes dotadas de alto grau de subjetividade – reconhecendo a nulidade de reajustes por faixas etárias. As várias decisões divergentes têm gerado bastante insegurança jurídica ao setor.

Por exemplo, reajustes de 51% e 67,57% foram tidos como abusivos pelos Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), respectivamente (Apelação Cível [AC] nº 1004264-21.2014.8.26.0562 e AC nº 0030706-35.2016.8.07.0001). As decisões foram fundamentadas na ausência de elementos idôneos a justificarem o reajuste e na violação do dever de informação ao consumidor. No último caso, chegou-se a afirmar: “Revela-se abusivo e discriminatório o aumento demasiado na prestação do beneficiário idoso, pois a desvantagem contratual inibe a permanência no referido plano de saúde, em violação aos princípios da boa-fé objetiva e da equidade”.

Em consequência das divergências, a matéria será apreciada pelo STJ no bojo do Recurso Especial n.º 1.715.798/RS – afetado à sistemática dos recursos repetitivos (art. 1.036 do CPC), a fim de firmar precedente qualificado e específico sobre os planos de saúde coletivos, mais especificamente sobre: a) a validade de cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária; e b) o ônus da prova da base atuarial do reajuste.

Para uma análise econômica do assunto, há que se enfatizar que o setor de saúde suplementar possibilita um nível elevado de assimetria de informação que, se não tratada adequadamente, pode inviabilizar o seu funcionamento.

O primeiro problema informacional é a seleção adversa. Os beneficiários dos planos privados de assistência médica conhecem bem o seu estado de saúde, mas a operadora não detém essa informação. Assim, a seguradora estabelece o valor da mensalidade com base em um risco médio. Contudo, fazendo isso ela seleciona os clientes com maior exposição ao risco, ou seja, a seguradora seleciona adversamente os piores segurados.

Evidentemente, os planos de assistência médica estão a par dos problemas de seleção adversa e investem recursos para dividir os segurados em graus de riscos diferentes para, consequentemente, cobrar de maneira diferente. Uma variável que serve de indicativo para o grau de risco é a idade do segurado. Esse indicativo que está em jogo por meio da atuação do Estado.

Outro tipo de problema envolvendo a assimetria informacional é o risco moral ou incentivo adverso. Nesse aspecto, o obstáculo encontra-se na dificuldade de as operadoras monitorarem o quanto cada segurado cuida da sua própria saúde, ou, ainda, se o segurado está usando demasiadamente os serviços sem haver necessidade.

Perceba que a assimetria de informação no setor de saúde suplementar exige a construção, por parte do Estado, de uma sinalização correta para que os tipos de planos de saúde sejam oferecidos de maneira adequada, criando interesse para segurados e seguradoras.

Essa sinalização, juntamente com a respectiva precificação gerada, deve ser transposta para um contrato claro, com concordância expressa das partes, diminuindo as chances de intervenções estatais indevidas prejudiciais ao setor.

Uma vez que o Poder Judiciário poderá vedar o uso da idade como forma de diferenciação, cabe avaliação, com base na teoria econômica de incentivos e da análise econômica do direito, dos efeitos da proibição dessa diferenciação, notadamente os impactos na oferta e na solidariedade intergeracional embutidos nos planos de saúde em equilíbrio.

Os principais resultados sugeridos por modelagem microeconômica são os seguintes:

Se houver total liberdade na precificação nos planos de saúde coletivos, não haverá solidariedade intergeracional.

Por outro lado, se for proibida a cobrança diferenciada entre jovens e idosos, existe probabilidade alta de se inviabilizar o mercado de planos coletivos direcionados aos jovens. Nesse caso, os mais novos terão como alternativa planos individuais mais caros, persistindo a falta de solidariedade intergeracional.

 Na situação intermediária, em que o Estado permite a diferenciação por idade nos preços dos planos coletivos, mas estabelecendo uma amplitude nos preços, poderá existir incentivos para um certo nível de solidariedade intergeracional com a manutenção da oferta de planos coletivos de saúde para cada faixa etária, desde que essa amplitude seja corretamente delimitada.

Assim, o recado que se quer deixar consiste na importância de haver uma análise cuidadosa das consequências das ações do Poder Público. O desafio estatal, considerando ações oriundas dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, é regrar os preços dos planos de saúde, de maneira que estes sejam sustentáveis do ponto de vista econômico-financeiro, mantendo atratividade tanto para os consumidores quanto para as operadoras de saúde suplementar. Um erro nesse regramento pode representar sérios danos para a saúde suplementar no Brasil e consequentemente para todos seus beneficiários. Espera-se dessa maneira um desfecho no qual a calibragem seja correta, promovendo bem-estar social.

* Texto baseado no seguinte artigo acadêmico: MENEGUIN, F. B.; BUGARIN, M. S.; BUGARIN, T. T. S. Planos de saúde coletivos: Análise econômica do reajuste por faixa etária. Revista de Análise Econômica do Direito. vol. 2. ano 1. São Paulo: Ed. RT, jul.-dez. 2021.

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