STF inicia julgamento de ação que pode restringir cobertura de tratamentos pelos planos de saúde; “É uma sentença de vida ou morte”, afirma relator

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, nesta quinta-feira (10/04), o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.265, que pode redefinir o alcance da Lei 14.454/2022, popularmente conhecida como Lei do Rol da ANS. A sessão, que foi transmitida ao vivo, representa um momento decisivo para milhões de pacientes que dependem de tratamentos fora da lista oficial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A ADI 7.265, proposta pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), contesta dispositivos da Lei 14.454/2022, especialmente o que obriga os planos de saúde a custearem procedimentos e tratamentos com eficácia comprovada, mesmo que não estejam incluídos no rol da ANS.

Entenda o que é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF

A Ação Direta de Inconstitucionalidade é um instrumento jurídico que permite ao STF avaliar se uma lei fere princípios da Constituição Federal. No caso da ADI 7.265, o que se discute é se o Congresso foi além de suas competências ao ampliar, por lei, o acesso a tratamentos não listados pela ANS.

A ação foi proposta em 2022 e está sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente da Suprema Corte. A primeira sessão contou com a leitura do relatório e as sustentações das partes envolvidas, mas ainda não há data definida para a conclusão do julgamento.

Lista da ANS: o que está em jogo?

A Lei 14.454/2022 alterou a Lei nº 9.656/1998 para ampliar os critérios de cobertura dos planos de saúde. Entre os pontos centrais do documento está a determinação que procedimentos fora do rol da ANS devem ser cobertos caso haja comprovação científica de eficácia, indicação médica e reconhecimento por entidades certificadas ou órgãos internacionais de avaliação de tecnologias em saúde.

Segundo o texto da lei, a lista da ANS passa a ser uma referência básica, e não uma limitação jurídica, como vinha sendo interpretado anteriormente. Isso representou um avanço importante para pacientes com doenças raras ou em tratamentos inovadores, que muitas vezes ficavam fora do escopo da agência reguladora.

“Essa decisão é literalmente uma sentença de vida ou morte para pessoas que agonizam durante semanas ou meses em um leito de hospital”, afirma senador relator da proposta. Crédito: Raul Spinassé/AGÊNCIA A TARDE

Repercussão no Congresso e na sociedade

O senador Romário (PL-RJ), relator da proposta no Senado, foi à tribuna nesta quarta-feira (9) para defender a constitucionalidade da lei e alertar para os impactos da decisão do STF:

“Essa decisão é literalmente uma sentença de vida ou morte para pessoas que agonizam durante semanas ou meses em um leito de hospital, aguardando uma autorização de cirurgia ou de uso de um medicamento que nunca chega”, afirmou o parlamentar.

Romário também criticou a atuação das operadoras de planos de saúde e rejeitou o argumento de que a nova legislação representaria desequilíbrio financeiro para o setor:

“No ano passado, os planos de saúde tiveram um lucro líquido de R$ 10,2 bilhões. Isso representa um aumento de 429,2% em comparação ao ano de 2023. Os planos de saúde estão ganhando mais dinheiro a cada dia como nunca. A lei está correta sob todos os aspectos, tanto legais quanto morais”, declarou o senador, enfatizando o caráter humanitário da medida.

Impactos para os pacientes

A eventual revogação da Lei 14.454/2022 pode restringir o acesso de pacientes a tratamentos essenciais, limitando as opções terapêuticas apenas àquelas previstas na lista da ANS — uma lista que, apesar de atualizada periodicamente, não contempla todos os avanços da medicina contemporânea.

Para especialistas da área de saúde suplementar, a manutenção da lei representa um avanço nos direitos dos consumidores atendidos pelo serviço público e fortalece a aplicação do Código de Defesa do Consumidor mesmo dentro do setor da saúde. Já para as operadoras, os custos adicionais com tratamentos fora do rol podem gerar desequilíbrios econômicos — argumento central da ação movida pela Unidas.

Mais notícias na WebAdvocacy

EUA criam força-tarefa para eliminar regulações anticompetitivas no país; entenda possíveis impactos ao mercado e os reflexos para o Brasil

Autoridade francesa multa Apple em mais de R$900 milhões 

Concorrência mundial: Autoridades Antitruste atuam na Itália e no Japão


Um oferecimento:

STF: Divergência na Suprema Corte reinicia julgamento sobre revista íntima em penitenciárias

Brasília, 07/02/2025

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, na manhã da quinta-feira (6), o julgamento sobre a legalidade de provas obtidas por meio de revista íntima em visitantes de presídios. Apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes, pedido de destaque reiniciou a discussão no plenário físico, apesar de já haver maioria formada pela ilegalidade da prática no plenário virtual.

O relator do caso, ministro Edson Fachin, reafirmou seu voto contra a revista íntima vexatória, enquanto Moraes manteve sua posição favorável à legalidade do procedimento em situações excepcionais. Devido a questões logísticas, o julgamento foi suspenso e será retomado na próxima quarta-feira (12).

Entenda o caso

O recurso em análise foi apresentado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS) contra decisão do Tribunal de Justiça estadual, que absolveu uma mulher acusada de tráfico de drogas. O TJ/RS considerou a prova obtida ilícita, uma vez que a visitante foi submetida à revista vexatória ao tentar entrar no Presídio Central de Porto Alegre com 96 gramas de maconha escondidas no corpo para entregar ao irmão detido.

STF
Crianças, idosos e membros da família de presos são alvo de medida considerada “invasiva e desumana” por relatório. Foto: RDNE Stock

Como aponta o relatório Revista vexatória: uma prática constante (2021), publicado por sete organizações da sociedade civil*, essa prática atinge majoritariamente mulheres negras e pobres, evidenciando a “seletividade penal e o racismo estrutural que organizam o encarceramento no Brasil”.

Segundo a pesquisa, “68,1% dos familiares que passam pelo procedimento são negros, número que reflete a composição da população carcerária, na qual 55,4% das pessoas presas também são negras”.

Além da violação do direito à visita, o artigo aponta que a revista vexatória impõe um controle sobre os corpos dessas mulheres, muitas vezes caracterizado como “estupro institucionalizado”, conforme destacam estudos citados no relatório. O procedimento envolve inspeções invasivas que desrespeitam a dignidade das visitantes e se tornam um obstáculo ao vínculo familiar.

“Vistas como suspeitas de antemão, milhares de mulheres enfrentam a fila do corpo, onde o vasculhamento de seus corpos que lutam para encontrar o familiar deixa marcas difíceis de serem esquecidas ao longo da vida”, descreve a publicação. Crianças e idosas também são alvos, sendo submetidas a um dilema: passar por um procedimento degradante ou abrir mão do contato com seus entes detidos.

*Organizações envolvidas no projeto: Agenda Nacional pelo desencarceramento, Conectas Direitos Humanos, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC), Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Pastoral Carcerária Nacional e Rede Justiça Criminal.

Voto do relator

O ministro Edson Fachin reiterou seu entendimento de que a revista íntima vexatória fere a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais à integridade, intimidade e honra. Ressaltou que a Lei 10.792/03 prevê a utilização de equipamentos eletrônicos, como scanners corporais e detectores de metais, para controle de entrada, e que a ausência desses dispositivos não justifica a adoção de medidas invasivas.

Fachin defendeu que a busca pessoal, sem práticas degradantes, só pode ocorrer quando os equipamentos eletrônicos indicarem elementos concretos de suspeita. No caso citado, votou pela ilicitude da prova, anulando a condenação da visitante, pois a revista se baseou apenas em denúncia anônima.

O ministro propôs a seguinte tese:

1. É inadmissível a revista íntima com desnudamento ou inspeção de cavidades corporais de visitantes em presídios;

2. A prova obtida por meio de revista vexatória é ilícita, salvo para decisões já transitadas em julgado;

3. A administração penitenciária pode impedir visitas caso haja indícios robustos de porte de material proibido;

4. Instituições prisionais terão 24 meses para instalar equipamentos de inspeção eletrônica;

5. Até a instalação dos equipamentos, a revista pessoal será permitida desde que não seja vexatória.

Divergência de Moraes

O ministro Alexandre de Moraes discordou do relator, argumentando que a revista íntima não deve ser automaticamente considerada abusiva ou degradante. Para ele, em casos excepcionais, o procedimento pode ser realizado, desde que:

– Seja feito por profissionais do mesmo gênero do visitante;

– Em caso de contato físico invasivo, seja conduzido por médicos;

– O visitante não seja obrigado a se submeter à revista, mas, se recusar, a visita pode ser impedida.

No caso concreto, Moraes concordou com a decisão do TJ/RS, mas por um fundamento diferente: o interrogatório da ré ocorreu antes da oitiva das testemunhas de acusação. Ele propôs a seguinte tese:

1. A revista íntima será excepcional e dependerá da concordância do visitante;

2. Deve seguir protocolos preestabelecidos e ser conduzida por profissionais do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos, em exames invasivos;

3. O excesso ou abuso na realização da revista resultará em responsabilização do agente e ilicitude da prova obtida;

4. Caso o visitante não concorde com a revista, a visita pode ser impedida.

O impacto da decisão dentro do STF

Durante a sessão, Moraes alertou sobre os riscos da proibição irrestrita da revista íntima, argumentando que “se tem algo que gera rebelião, é quando se impede a visita”. Além do fato de a suspensão de visitas fomentar revoltas dentro dos presídios, segundo o ministro, todos os itens proibidos apreendidos em presídios são ocultados sob as roupas ou em cavidades corporais, reforçando a necessidade de uma fiscalização rigorosa.

No plenário virtual, cinco ministros já haviam votado pela proibição da prática: Fachin, Barroso, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber (aposentada). Cristiano Zanin acompanhou Fachin, com ressalvas. A divergência foi aberta por Moraes, seguido por Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli.

O julgamento prosseguirá no dia 12, quando os ministros deverão consolidar um entendimento definitivo sobre a validade da revista íntima e a admissibilidade das provas obtidas através desse método.


por Gustavo Barreto

Notícias recentes na WebAdvocacy

DeepSeek derruba ChatGPT e causa prejuízo de US$1 trilhão aos EUA em nova “guerra fria” pela inteligência artificial; é o que apontam especialistas

Coco Bambu ganha direito de usar título de “Melhor Restaurante do Brasil” após contestações do Outback

Mineração marinha: interesse no mar brasileiro explode; mas país está preparado para essa inovação?


Um oferecimento:

“Redes sociais não são terra sem lei ” : STF, Lula e outras autoridades reagem à nova medida de Zuckerberg

“O país deve ter a sua soberania resguardada”, declarou Lula a jornalistas, na tarde desta quinta-feira, após confirmar necessidade de uma reunião diante do que o presidente classifica como decisão “extremamente grave” sobre a regulação das mídias do CEO bilionário do Grupo Meta (Instagram, Facebook).

Por Gustavo Barreto, 09/01/2024

Um dia após Mark Zuckerberg divulgar publicamente um plano de 5 etapas com o intuito de “se livrar das agências de checagem de fatos” de suas redes sociais, diferentes órgãos federativos do país expressaram descontentamento com as promessas da empresa multimilionária Meta; que atualmente administra as plataformas WhatsApp, Instagram e Facebook.

“No Brasil, [as redes] só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira, independentemente de bravatas de dirigentes irresponsáveis das big techs”, declarou Moraes durante evento no Supremo que relembrou dois anos dos ataques às instituições de 8 de janeiro de 2023. Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já apontou a autoria desse “movimento antidemocrático” ao “ápice de um processo gradual de desinformação e ataques às instituições como o TSE” que aconteceu, em maior parte, nas redes sociais.

Ministro comentou a fala de Zuckerberg no evento de “Abraço da Democracia”. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência, João Brant, também comentou o assunto em sua conta no X. Brant classificou a fala de Zuckerberg como “fortíssima” e “explícita”, destacando que as plataformas Facebook e Instagram parecem priorizar “liberdade de expressão individual e deixar de proteger outros direitos individuais e coletivos”.

“O que esse novo populismo extremista digital faz é corroer a democracia por dentro, fingindo que são democratas, fingindo que defendem a liberdade”

– Alexandre de Moraes à imprensa na última quarta-feira (08)

No vídeo publicado em suas redes sociais, Zuckerberg expressa alinhamento político ao novo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, conhecido por suas críticas às políticas de moderação das redes sociais. Durante o pronunciamento, Zuckerberg acusou países da América Latina de possuírem “Cortes secretas” que, segundo ele, obrigam empresas de tecnologia a remover conteúdos de forma clandestina.

“O que esse novo populismo extremista digital faz é corroer a democracia por dentro, fingindo que são democratas, fingindo que defendem a liberdade”, declarou o ministro da Corte durante o evento relacionado ao movimentos antidemocráticos de 8 de janeiro.

“É como se um cidadão pudesse ser punido por algo que faz na vida real, mas não pudesse ser punido […] no digital”, avaliou o atual presidente Luis Inácio ‘Lula’ da Silva, pouco antes de anunciar que realizará uma reunião ainda essa semana para abordar a “questão da Meta”.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa em cerimônia pela memória dos 2 anos dos atos de 8 de janeiro — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A declaração foi feita após questionamentos sobre o anúncio recente de Mark Zuckerberg sobre as mudanças significativas nas políticas de moderação de conteúdo das plataformas do grupo Meta.

Durante uma interação com jornalistas no Palácio do Planalto, Lula classificou como “extremamente grave” a ideia de que a comunicação digital possa fugir das mesmas responsabilidades aplicadas a crimes cometidos na imprensa escrita.

A briga contra a desinformação no Brasil

Vale lembrar que, ao longo dos últimos anos, o ministro Alexandre de Moraes tem se consolidado como uma das principais figuras no combate à desinformação no Brasil. Atuando em diversas frentes, Moraes liderou ações emblemáticas que buscavam a responsabilização do ambiente digital como um lugar seguro para todos. Em sua atuação no Supremo Tribunal Federal (STF), foi protagonista de decisões que miraram desde usuários de redes sociais, até as próprias plataformas, reforçando a importância do cumprimento das leis brasileiras no ambiente digital.

Um dos episódios mais marcantes dessa trajetória foi o bloqueio do Twitter no Brasil por 40 dias, determinado por Moraes em 2024. A decisão ocorreu após o empresário Elon Musk, proprietário da plataforma, descumprir uma série de regras estipuladas pela Justiça brasileira relacionadas à remoção de conteúdos que disseminavam discurso de ódio e desinformação. A medida foi considerada inédita e gerou amplo debate nacional e internacional, destacando o papel do STF como agente regulador no enfrentamento aos desafios das big techs.

Ao final do evento, em roda de conversa com ministros e funcionários do STF, Moraes afirmou que o STF “não vai permitir que as big techs, as redes sociais continuem sendo instrumentalizadas, dolosa ou culposamente – ou, ainda, somente visando lucro – para ampliar discursos de ódio”, conclui o ministro.


Por Gustavo Barreto

Para saber mais sobre democratização e regulação da informação, leia o artigo de opinião de Cristina Ribas Vargas na íntegra do WebAdvocacy.

Um oferecimento:

*Foto de destaque da matéria por Focus Pix e Frederic Legrand – COMEO / Shutterstock)