Milei anuncia medidas de desregulamentação econômica e modificação ou revogação de cerca de 300 leis

Na noite de ontem (20), Javier Milei, atual presidente da Argentina,  anunciou por meio de gravação em canal oficial do governo uma profunda desregulamentação econômica e a alteração ou revogação de cerca de 300 leis, a fim de preparar o país para as medidas de privatização e flexibilização laboral, que foram prometidas ainda em campanha. 

Milei, esteve acompanhado de todos os ministros de governo durante a transmissão de 15 minutos e listou apenas 30 das 300 novas iniciativas. Entre as principais revogações estão  as leis que impediam a privatização de empresas públicas e que estabeleciam os regulamentos das empresas estatais. 

O Presidente da Argentina também anunciou mudanças no regime trabalhista a fim de “facilitar o processo de geração de empregos genuínos”, as alterações da legislação trabalhista agora contam com a eliminação de multas por registro irregular e redução do período probatório. 

As medidas anunciadas não irão passar pelo Congresso, e Javier Milei justifica: “ um país que estava a caminho de cair numa inflação anual de 15.000% exige uma mudança urgente de rumo para evitar um desastre”. O Governo confia na validade jurídica das medidas, apesar de não ser analisada pelo Legislativo, já  que declarou situação de emergência em matéria econômica, financeira, fiscal, administrativa, previdenciária, tarifária, sanitária até social até a data de 31 de dezembro de 2025. 


Confira o pronunciamento de Javier Milei na íntegra:

Fonte: Clarin

Da Redação

Fonte: WebAdvocacy – Direito e Economia

A reprodução das notícias é autorizada desde que citada a Fonte: WebAdvocacy – Direito e Economia

O orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE está em Consulta Pública 

Está aberta até o dia 15.01.2024 a consulta pública para obter subsídios para o aprimoramento da proposta de orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE de 2024 e das quotas anuais a serem pagas pelos agentes de distribuição e transmissão de energia elétrica que atendem consumidores finais. As contribuições deverão ser enviadas para o email: cp041_2023@aneel.gov.br 

De acordo com a NOTA TÉCNICA Nº 140/2023-STR-SGM-SFF/ANEEL, a Conta de Desenvolvimento Energético – CDE é um fundo setorial que tem por objetivo prover recursos para o custeio de diversas políticas públicas do setor elétrico brasileiro e possui como principal fonte de receita, as quotas anuais pagas pelos agentes que atendem consumidores finais, cativos e livres, mediante repasse de encargo nas tarifas de uso dos sistemas de distribuição e transmissão de energia elétrica (TUSD e TUST). A CDE foi instituída pela Lei nº 10.438/20021.  

Os valores propostos para as despesas e receitas de 2024 para a CDE e que serão submetidos ao processo de consulta pública estão apresentados na tabela 1. 

Tabela 1. Orçamento Anual da CDE 2024 

Fonte: NOTA TÉCNICA Nº 140/2023-STR-SGM-SFF/ANEEL 

DOCUMENTAÇÃO DISPONIBILIZADA: 

Brexit afetou o controle de fusões do Reino Unido, diz Diretora Executiva

Em discurso inédito em evento de controle de fusões de Autoridade de Concorrência e Mercados do Reino Unido (CMA), a Diretora Executiva Sarah Cardell afirmou que o regime de controle de fusões do Reino Unido em 2023 recebeu um nível de atenção incomum, tanto nacional quanto internacionalmente, especialmente depois do Brexit.

Segundo Cardell, em muitos aspectos isso não é uma surpresa. Após a saída do Reino Unido da União Europeia, a CMA assumiu responsabilidades que anteriormente eram de competência da União Europeia. Hoje, a CMA atua na análise de acordos globais e o seu foco principal, nas palavras de sua Diretora Executiva, é garantir que as fusões não prejudiquem o mercado britânico. 

Na mesma oportunidade, Sarah Cartell levantou alguns pontos de debate sobre o regime de controle de fusões britânico e afirmou não poder deixar de citar a transação Microsoft/Activision, também que “funcionou como uma espécie de “pára-raios” nas discussões sobre o regime” nas palavras dela. 

A afirmativa de Cartell não é exagerada. Em outubro deste ano, a CMA deu seu parecer positivo ao processo de fusão da Microsoft com a Activision Blizzard, a fabricante de jogos como Diablo 4, Warfare e Call of Duty. O processo, que demorou cerca de 2 anos, levou muita atenção para a Autoridade da Concorrência do Reino Unido, gerando bastante discussão sobre o controle de fusões. 

 A Microsoft apenas recebeu sinal verde para adquirir a Activision após ceder direitos de jogos já existentes da empresa adquirida para a Ubisoft e a Diretora Executiva complementa: ” O controle das fusões continua a ser a forma mais eficaz de evitar, em primeiro lugar, a criação de situações de poder de mercado, incluindo nos mercados emergentes. Olhando para o futuro, espera-se que o escrutínio de tais acordos continue a ser uma prioridade para a CMA.” 

A Competitividade Brasileira do Hidrogênio Verde e de Produtos Power-to-X1 

Katia Rocha e Nelson Siffert

Estudo recente da Fundação Fraunhofer analisa a competitividade de diversos países nas exportações de hidrogênio verde e seus derivados para o mercado alemão.  Apresenta resultados que podem servir de pontos de atenção ao formulador de política pública no desenvolvimento do mercado Brasileiro de hidrogênio verde.  

Um total de 39 regiões distribuídas globalmente entre 12 países desenvolvidos e emergentes foram analisados ​​em termos de suas energias renováveis e potencial de custo de produção e fornecimento de produtos Power-to-X1 (PtX). Através de abordagens de simulação e otimização, o estudo identifica regiões promissoras de produção e fornecimento de hidrogênio verde e derivados para cada um dos os locais identificados2

O Brasil foi selecionado para compor a amostra do estudo tomando como referência os custos de produção em três localidades situadas nos estados do Rio Grande do Norte, Bahia e Rio Grande do Sul.  

Os resultados estabelecem indicadores técnicos e operacionais úteis à modelagem econômico-financeira de futuros projetos de hidrogênio verde e derivados, destinados ao mercado externo, como os recentes Leilão H2Global e o Leilão Europeu. Também possibilita identificação de parâmetros críticos que impactam a competitividade do Brasil em relação a países peers no desenvolvimento da indústria de hidrogênio de baixo carbono, um dos objetivos do Programa Nacional de Hidrogênio.  

O Brasil aparece com posição de destaque na amostra, com maior competitividade na produção e exportação de alguns produtos PtX, em especial, do hidrogênio líquido e da amônia verde, com um preço CIF3 de EUR 5,71/kg para o hidrogênio verde líquido (LH2) e EUR 886/ton para amônia verde (NH3). Revela-se o mais competitivo (menor intervalo de custo nivelado LCoPtX) nesses produtos na amostra de 12 países como ilustra a Figura 1. 

Figura 1: Ranking de Competitividade H2V – LCoPtX para a amostra de países 

Fonte: Hank et al (2023)Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems ISE 

O resultado é significativo, uma vez que, estão previstos volumes expressivos de investimentos no desenvolvimento da economia do hidrogênio verde nos próximos anos. Estima-se cifras da ordem de US$ 9,4 trilhões até 2050, sendo US$ 3,1 trilhões direcionados para países em desenvolvimento. Desse total, 49% serão destinados ao segmento upstream (geração de energia solar e eólica); 25% no midstream (eletrolisadores) e o restante no segmento downstream (transportes e conversão)4

Ao Brasil, caberá uma parcela maior ou menor deste bolo, a depender da capacidade que tivermos de transformar a oportunidade aberta pela Transição Energética em algo realmente transformador, capaz de mobilizar decisões de investimentos. Para tal, o desafio consiste em formular políticas públicas que permitam nos valer das vantagens comparativas, transformando-as em verdadeiras vantagens competitivas. Sempre bom lembrar que a matriz elétrica Brasileira apresenta 83% de participação de fontes renováveis enquanto a média mundial é de apenas 28%5. Claramente uma vantagem comparativa que deve ser explorada.  

Variáveis Chaves para a Competitividade dos Produtos PtX no Brasil 

Boa parte da posição de destaque do Brasil decorre do baixo custo de produção de energia renovável, cujos LCOE’s alcançados foram de EUR  29/MWh e EUR 41/MWh, para energia solar PV e eólica, respectivamente.  

A elevada competitividade do Brasil nestas fontes é  decorrência de quatro fatores: i) boa performance dos ventos e da insolação em algumas regiões do nosso país, que se traduz em fatores de capacidade ou eficiência entre os mais elevados de toda a amostra; iii) complementariedade das fontes híbridas de geração solar e eólica viabilizando operar o eletrolisador com elevados fatores operacionais em sistemas offgrid (76-82%); iii) adensamento local da cadeia produtiva, proporcionando um ambiente com várias alternativas de provedores de equipamentos e serviços de engenharia e montagens voltadas para indústria de energias renováveis, viabilizando  valores para o Capex e Opex, abaixo daqueles observados nos países peers; e iv) estimativa de custo de capital relativamente baixo entre os países emergentes, da ordem 6,5% a.a6

Verifica-se que, no tocante ao hidrogênio verde na forma líquida e amônia verde, o Brasil seria capaz de apresentar-se como o mais competitivo entre os 12 países examinados. Essa posição decorre, em boa medida, dos indicadores relativos ao custo nivelado de produção da energia (LCOE) solar PV e eólica, bem como de sua complementariedade horária em sistemas offgrid

Foram considerados também as condições da infraestrutura portuária, de conexão à rede transmissão e ambiente de negócios favorável ao desenvolvimento de projetos, levando-se em conta a estimativa do custo de capital, específica para cada país. 

Tomando-se apenas o exemplo do produto amônia verde no Rio Grande do Norte, os investimentos totais estimados somam EUR 5,4 bilhões, sendo: EUR 3 bilhões voltados para o parque gerador de 3 GW de capacidade, sendo 1,8 GW eólico e 1,2 GW solar PV; EUR 750 milhões para 1 GW de eletrólise PEM; EUR 644 milhões para o sistema de transmissão; EUR 572 milhões para estocagem de hidrogênio; EUR 336 milhões para a unidade síntese e liquefação da amônia e EUR 84 milhões para a unidade de ASU. 

Ainda segundo o estudo, dada a alta complementariedade horária da geração solar e eólica observada no Rio Grande do Norte7 torna-se possível operar o eletrolisador com fator de capacidade de 76%, podendo alcançar 82%. Neste caso, a complementariedade horária da geração de energia entre as fontes eólica e solar torna-se relevante para a competitividade. A produção estimada de amônia verde alcança um volume de 560 mil ton/ano. 

Todavia, em que pese a aparente competitividade do Brasil, em termos globais, na economia do hidrogênio verde, alguns pontos merecem atenção. 

Quando se relaxa a hipótese de geração dedicada (offgrid), e se considera o custo de aquisição da energia por meio da rede básica, o Brasil apresenta um custo de aquisição de energia da ordem de EUR 150/MWh8. Este valor é cerca de 3 a 5 vezes maior que o custo de geração da energia eólica e solar PV. Sob esta ótica, que leva em conta o diferencial entre o preço marginal de geração e a tarifa, nossa posição cai para a 10ª posição entre os 12 países examinados.  

Porque a tarifa de energia do Brasil apresenta valores tão elevados para o MWh a despeito da nossa competitividade? Como a competitividade do hidrogênio verde e seus derivados pode ser afetada? 

A resposta passa pelo exame da composição da tarifa e dos diversos encargos setoriais do sistema elétrico. O MWh ao sair do parque gerador ao custo do LCOE, incorre, na partida, com a TUST-g, caso a unidade de geração seja conectada diretamente com a rede9. Nesta tarifa, que representa a potência contratada para injeção de energia na rede, está incorporado parte dos custos relativos aos encargos setoriais. Também em sua jornada até o uso final, antes de ser consumido pela eletrólise, o MWh incide o pagamento da TUST-c, relativa à potência contratada pelo consumidor da energia. Sendo assim, o uso do sistema de rede básica, implica em arcar com custos relativos às diversas políticas públicas incorporadas nas tarifas. 

A modelagem apresentada assume a hipótese de que o parque gerador se localizará a uma distância não maior que 100 km da unidade de produção de hidrogênio verde e seus derivados. Como a produção de PtX é destinada às exportações, faz sentido que sua localização ótima seja próxima aos portos10. Todavia, no caso brasileiro, é provável que um parque gerador do tamanho previsto para atender um eletrolisador de 1GW, venha se situar a uma distância maior que definida nos estudos, implicado em transitar pela rede básica, e, incorrendo nos custos relativos à TUST e respectivos encargos setoriais.  

Estudo do ICT RESEL aponta que os gastos com a TUST podem provocar um acréscimo no custo nivelado (LCOH) da ordem de até EUR 0,60/kg H2. Implicaria em uma diminuição da competitividade dos derivados de hidrogênio verde – PtX. Uma queda da primeira posição para posições ao final do ranking.  

Outras variáveis também poderiam ser analisadas, como por exemplo, o custo de capital atribuído ao Brasil de 6,5% a.a. É preciso cotejar este indicador com as práticas observadas no mercado brasileiro, que sinaliza percentuais mais elevados. A competitividade observada para o Brasil pode também sofrer alguns percalços neste quesito. 

Concluindo, o estudo da Fundação Fraunhofer, a despeito de colocar o Brasil em uma posição de destaque, retrata uma posição estática, como uma fotografia. Competitividade, por seu turno, é algo dinâmico, envolvendo a interação de múltiplas variáveis, inclusive de caráter institucional e regulatório. Não podemos nos “deitar em berço esplêndido” e perder o foco, pois nossos competidores na nascente indústria do hidrogênio verde estão mobilizados, dando curso às suas respectivas estratégias nacionais, cada vez mais ambiciosas, agressivas.


Katia Rocha. Pesquisadora do Ipea. E-mail: katia.rocha@ipea.gov.br 

Nelson Siffert. Diretor ICT – Resel. E-mail: nelson.siffert@ictresel.org.br 


Disclaimer. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da WebAdvocacy.


Referências 

Arbache, J.; Esteves, L. (2023). Resiliência com eficiência: como o powershoring pode colaborar para a descarbonização e o desenvolvimento econômico da américa latina e caribe. WebAdvocacy. Disponível em: https://webadvocacy.com.br/2023/04/18/resiliencia-com-eficiencia-como-o-powershoring-pode-colaborar-para-a-descarbonizacao-e-o-desenvolvimento-economico-da-america-latina-e-caribe/ 

Deloitte (2023). Green hydrogen: Energizing the path to net zero. Deloitte’s 2023 global green hydrogen outlook. Disponível em: https://www.deloitte.com/global/en/issues/climate/green-hydrogen.html 

Hank et al (2023). Site-specific, Comparative Analysis for Suitable Power-to-X Pathways and Products in Developing and Emerging Countries. A cost analysis study on behalf of H2Global. Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems ISE. Disponível em: https://www.ise.fraunhofer.de/en/publications/studies/power-to-x-country-analyses.html 

Notas de rodapé

  1. Power-to-X (PtX) é a tecnologia que converte energia renovável gerada por centrais fotovoltaicas ou eólicas em outras fontes de energia, ou carregadores de energia, como como hidrogênio verde, metanol verde, amônia verde e SAF, que podem ser utilizados como substitutos de combustíveis fósseis. ↩︎
  2. Algumas hipóteses comuns a todos países da amostra são estabelecidas, como um sistema de produção de 1 GW de capacidade de eletrólise com tecnologia PEM, para a produção de hidrogênio verde, associado a um parque gerador híbrido, eólico e solar PV, de uso exclusivo, cujo tamanho e performance de geração alcançada, depende das características específicas de cada localidade em termos de insolação e ventos. Outra hipótese importante recai no sistema de produção offgrid, ou seja, projetos de geração dedicada, que evita tratar as questões regulatórias de cada país, associadas ao uso do sistema de transmissão e respectivas tarifas.  ↩︎
  3. Cost, Insurance and Freight – CIF no porto de Brunsbüttel – Alemanha. ↩︎
  4. 7 Ver Deloitte (2023).  ↩︎
  5. Ver em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-2023 ↩︎
  6.  No estudo, Austrália e Espanha são apresentadas com um custo de capital de 5,75%. A Ucrânia, antes da guerra com a Rússia, teve o custo de capital estimado em 6,00%. Colômbia, Marrocos, Tunísia, África do Sul, Namíbia tem o WACC estimado em 7,00%. O México em 6,75% e a Índia em 8,00% ↩︎
  7. Embora o Rio Grande do Norte tenha tido melhor performance, a Bahia e o Rio Grande do Sul, também se destacam entre os resultados. Na produção de hidrogênio gasoso, por exemplo, apenas sites na Austrália e Colômbia apresentaram resultados melhores que os observados na Bahia e Rio Grande do Sul.  ↩︎
  8. Tarifa média ponderada residencial no Brasil é cerca de BRL 726 MWh antes de tributos segundo Aneel. ↩︎
  9. A TUST e TUSD são pagas pelos consumidores livres, regulados, e pelos geradores de energia elétrica que necessitam usar as redes de transmissão e distribuição, ou seja, são tarifas pagas pela prestação de um serviço.  ↩︎
  10. Arbache e Esteves (2023) já discutem a tendência de que o powershoring venha a ser nos próximos anos um vetor relevante na determinação da localização de plantas industrial, ou seja, que novos investimentos em produtos intensivos em energia venham se situar em áreas com disponibilidade de energias renováveis. ↩︎

A necessidade de regulamentação do Filtro de Relevância do Recurso Especial

Maria Augusta Sampaio Ferraz

O problema da massificação de demandas judiciais não é novidade no Brasil. Desde a promulgação da Constituição de 1988 e da garantia do livre acesso à justiça, o número de demandas judiciais no país aumentou de forma exponencial.

Segundo dados do CNJ[1], havia 81 milhões de processos em tramitação no Brasil até dezembro de 2022. Nesse mesmo ano, foram distribuídas 31 milhões de novas ações.

Tais números, que representam o volume de demandas nos tribunais, tornou o sistema processual brasileiro desafiador para o alcance de garantias constitucionais, dentre elas, a segurança jurídica, celeridade e eficiência da prestação jurisdicional.

Nesse contexto, a efetivação das funções das Cortes Superiores, quais sejam, Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, se mostram urgentes e necessárias.

A extrema judicialização no Brasil, em conjunto com a facilidade de recorrer da parte litigante que perde a demanda, tornou-se cenário perfeito para que as Cortes Superiores se transformassem em meros tribunais recursais, onde, em grande parte, os litigantes recorrem apenas para ganhar tempo e protelar uma decisão final.

Em 2022, o STJ recebeu 399.455 processos, o equivalente a três processos a cada quatro minutos durante todos os dias do ano. No mesmo período, o mesmo tribunal atingiu a marca de 577.707 julgamentos. É como se cada ministro tivesse julgado 17.506 processos no ano, ou 48 processos por dia, caso trabalhasse todos os dias do ano.

Tais dados refletem um sistema ineficiente, no qual o cidadão que aguarda uma análise minimamente cautelosa do seu caso, não recebe a devida prestação jurisdicional.

O papel das Cortes Superiores

Diante do cenário apresentado, faz-se necessária uma reflexão do real papel das Cortes Superiores. E nesse contexto surge a figura dos precedentes, cada vez mais presente no cenário jurídico brasileiro.

As Cortes de Precedentes, como deveríamos chamar o STF e o STJ, são cortes cuja função é de interpretação do direito constitucional e direito federal, a partir do julgamento de um caso concreto, para que aquela decisão proferida sirva de modelo para aplicação do direito pelas instâncias inferiores.

Nesse sentido, com o volume processual já citado e um sistema jurídico processual onde existem decisões distintas sobre o mesmo fato, os precedentes tem extrema importância para a uniformização da intepretação legal e logo, para segurança jurídica.

O STF, com a criação da Repercussão Geral, em 2004, através da Emenda Constitucional 45, conseguiu, ao longo dos anos, diminuir consideravelmente o número de processos que chegassem a Corte, uma vez que a parte que deseje ter o seu recurso apreciado pelo referido tribunal, deve demonstrar que o seu caso possui relevância jurídica, política, social ou econômica. Ou seja, o STF forma Teses de Repercussão Geral sobre matéria constitucional que devem ser observados por todos os juízes e tribunais. 

E o STJ, estando em situação crítica em volume processual, também precisou de um instrumento que concretize o seu papel como Corte de formação de teses sobre matéria federal.

O Superior Tribunal de Justiça e o Filtro da Relevância

Na tentativa de efetivação do STJ como uma Corte de Precedentes para consequente diminuição no número de demandas e melhora na prestação jurisdicional, a Câmara dos Deputados aprovou em julho de 2022 a Proposta de Emenda à Constituição 39/2021, denominada “PEC da Relevância”, a qual altera a redação do artigo 105 da Constituição, para inserir um novo requisito intrínseco de admissibilidade do recurso especial, tanto na esfera civil quanto na criminal.

A partir da promulgação da referida emenda, a nova regra impõe ao recorrente o ônus de demonstrar a relevância da questão ou questões federais deduzidas como fundamento do recurso especial, ou seja, o litigante tem o ônus de evidenciar que a questão jurídica a ser decidida pelo Superior Tribunal de Justiça ostenta uma relevância que ultrapassa o interesse subjetivo das partes. Essa relevância deve ser comprovada pelas perspectivas jurídica, econômica e social.

Além disso, o STJ julgará temas relevantes para formação de teses sobre lei federal, as quais deverão ser aplicadas pelos juízes e tribunais, como ocorre com a Repercussão Geral, no âmbito do STF.

Em recente entrevista, o ministro Gurgel de Faria, do STJ, faz a comparação entre os institutos e ressalta a necessidade do filtro para a formação de precedentes pelo STJ. Para o ministro, no STF, foi possível perceber a importância da fixação de precedentes para reduzir o número de processos e dar uma maior atenção a eles.

“Quanto mais processos, por óbvio você vai ter que julgar mais rápido e ali muitas vezes a rapidez faz com que você não dê atenção a temas que são importantes.”

A inclusão dos incisos 2º e 3º ao artigo 105 da Constituição Federal tem como principal objetivo a concretização do papel do Superior Tribunal de Justiça não como uma mera corte de cassação ou de controle, mas sim como uma corte de precedentes no que se refere à matéria de legislação federal.

Para a aplicação do “filtro da relevância”, é necessária uma lei que o regulamente. Nesse sentido, o STJ entregou, no dia 05 de dezembro de 2022, ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, uma sugestão de anteprojeto para a regulamentação do filtro de relevância do recurso especial. Contudo, até o momento não houve movimentação do órgão para prosseguimento do feito.

Diante do cenário exposto, em que o volume processual se torna cada ano maior e a insegurança jurídica se encontra presente em razão de decisões distintas acerca do mesmo fato, a regulamentação do Filtro de Relevância se mostra urgente.

As Cortes Superiores precisam exercer suas funções de forma plena para que possamos caminhar no sentido de prover a devida prestação jurisdicional, com segurança jurídica e razoável duração do processo, conforme determina a Constituição Federal.


[1] Disponível em: justica-em-numeros-2023-010923.pdf (cnj.jus.br)


Maria Augusta Sampaio Ferraz. Advogada especialista em processo civil e em processos nas Cortes Superiores. Mestranda em processo civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Atua há 15 anos perante as Cortes Superiores (STF e STJ), com larga experiência e expertise na área.