O Sistema Financeiro Aberto (Open Finance) é uma iniciativa que visa revolucionar o setor financeiro brasileiro por meio do compartilhamento padronizado de dados e serviços entre instituições participantes, todas reguladas pelo Banco Central do Brasil (BCB). Este conceito permite que clientes de produtos e serviços financeiros autorizem o compartilhamento de seus dados com outras instituições para obter ofertas de serviços e até mesmo movimentar suas contas bancárias a partir de diferentes plataformas, de forma segura, ágil e conveniente.
Em 2022, o BCB trabalhou em conjunto com as entidades supervisionadas para resolver os desafios da fase inicial de compartilhamento de dados do Open Finance. Esses desafios estavam principalmente relacionados com a interoperabilidade, o consumo de dados e a qualidade das informações disponíveis. O Open Finance é um dos pilares fundamentais na construção do sistema financeiro do futuro e representa uma mudança paradigmática ao permitir a democratização do acesso à informação sobre serviços financeiros, empoderando o consumidor com maior controle sobre seus próprios dados.
Uma das características mais notáveis do Open Finance é a sua capacidade de fomentar a competição no setor financeiro. Ao possibilitar que as instituições compartilhem dados dos clientes, o Open Finance incentiva a oferta de produtos e serviços mais vantajosos para o consumidor. Esse novo ambiente favorece a criação de soluções inovadoras que facilitam o controle financeiro dos indivíduos. Agora, um cliente pode visualizar todas as suas informações financeiras em um único local, mesmo que tenha contas em diferentes instituições.
É importante destacar que o Brasil lidera o mundo em termos de Open Finance, tanto em escopo quanto em quantidade de instituições e consentimentos de consumidores. Até o final de 2022, foram registrados mais de 2 bilhões de chamadas de APIs (interfaces de programação de aplicativos) e 5,6 milhões de registros ativos no sistema.
Open Finance vs. Open Banking: Uma Expansão Notável
O Open Finance não é apenas uma expansão do conceito de Open Banking; ele vai muito além. O projeto evoluiu para abranger não apenas informações sobre produtos e serviços financeiros tradicionais, como contas e operações de crédito, mas também dados relacionados a produtos e serviços de câmbio, credenciamento, investimentos, seguros e previdência. Isso significa que, num futuro próximo, os consumidores poderão utilizar as suas informações financeiras de um banco para contratar seguros ou planos de previdência com melhores condições em outras instituições participantes. Além disso, terão acesso a opções mais diversificadas de investimentos. O nome mudou, mas os requisitos de segurança permaneceram, com os consumidores mantendo o controle sobre o compartilhamento de suas informações.
O Open Finance também abre caminhos para futuras inovações, como a interoperabilidade com o Open Insurance (Sistema de Seguros Aberto), promovendo uma maior portabilidade de dados entre instituições autorizadas pelo Banco Central e corretoras e seguradoras supervisionadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Isso ampliará ainda mais os benefícios para os consumidores, oferecendo opções mais diversificadas no mercado de seguros e previdência.
Promovendo uma Experiência Financeira Melhorada
Além de estimular a competição e promover inovações no setor, o Open Finance oferece benefícios tangíveis aos consumidores. A possibilidade de comparar diferentes ofertas de produtos e serviços financeiros, como tarifas bancárias, tipos de contas e cartões de crédito, torna mais fácil para as pessoas escolherem as opções mais específicas às suas necessidades e perfil financeiro. Também é possível solicitar o compartilhamento de dados cadastrais, informações sobre transações e produtos de crédito, todos os protegidos por solicitação prévia e específica do cliente.
Além disso, o Open Finance já permite realizar pagamentos no ambiente financeiro, sendo o Pix a primeira modalidade disponibilizada. Isso torna os pagamentos mais rápidos e convenientes, oferecendo aos consumidores uma experiência de pagamento aprimorada em lojas virtuais e outras plataformas.
O Open Finance é parte integrante da visão de um sistema financeiro mais aberto, competitivo, eficiente e inclusivo. À medida que o Brasil lidera o caminho nesse setor, os consumidores brasileiros podem esperar uma experiência financeira cada vez mais conveniente, transparente e adaptada às suas necessidades. À medida que o Open Finance continua a evoluir, mais inovações e benefícios estão no caminho.
Em suma, o Open Finance do Banco Central do Brasil (BCB) tem o potencial de aumentar significativamente a concorrência no mercado financeiro de diversas maneiras:
Acesso a Dados de Clientes: O Open Finance permite que instituições financeiras autorizadas acessem dados de clientes de outras instituições, desde que esses clientes concedam permissão. Isso significa que, por exemplo, uma fintech pode oferecer serviços personalizados com base em dados financeiros de um cliente de um grande banco. Essa competição impulsionada pelos dados pode levar a ofertas mais interessantes para os consumidores.
Desenvolvimento de Produtos Inovadores: Com acesso aos dados dos clientes, as instituições financeiras podem desenvolver produtos e serviços financeiros inovadores que atendam às necessidades específicas dos consumidores. Isso incentiva a criação de soluções financeiras mais eficazes e convenientes.
Comparação de Ofertas: O Open Finance permite que os consumidores comparem facilmente as ofertas de produtos e serviços financeiros de diversas instituições. Isso cria um ambiente mais transparente em que os consumidores podem escolher as opções que melhor se adequam às suas necessidades e orçamento.
Redução de Custos: Cria um cenário em que as empresas são incentivadas a melhorarem suas ofertas, proporcionando aos consumidores tarifas mais baixas e melhores condições de prazo. Assim, a competição resultante do Open Finance pode levar à redução de custos para os consumidores.
LEANDRO OLIVEIRA LEITE. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.
A cada passo na jornada da digitalização, a vida cotidiana dos brasileiros se transforma. Em mais um movimento ousado, o Banco Central do Brasil (BC) está se preparando para lançar uma moeda digital que pode remodelar a maneira como realizamos transações e administramos nossos recursos financeiros. Batizada como Drex[1], essa moeda tem o potencial de trazer agilidade, eficiência e menor custo para uma variedade de transações contratuais e financeiras que hoje fazem parte do nosso dia a dia.
A evolução tecnológica tem desencadeado uma série de mudanças no modo como realizamos negócios e interagimos com as finanças. O Drex, uma representação eletrônica do real, não é apenas mais uma inovação, mas um passo significativo em direção à democratização do acesso aos serviços financeiros. Ao simplificar a comunicação, o BC optou por um nome próprio para essa nova moeda digital, abandonando a nomenclatura anterior “Real Digital”. A ideia é que o Drex seja mais do que uma moeda, seja um facilitador para negócios e um equalizador de oportunidades.
O Drex não é apenas uma moeda, é uma plataforma que utiliza tecnologias de registros distribuídos, o que permite a automação de transações financeiras através de “smart contracts“[2]. Imagine comprar um veículo ou um imóvel, por exemplo. O Drex permite que essa transação seja concluída com a segurança de que tanto o dinheiro quanto a propriedade serão transferidos simultaneamente. Essa função é possível graças à programabilidade do Drex, que garante que a transação só seja finalizada quando ambas as partes compram com suas obrigações.
Esse novo modelo também tem o potencial de revolucionar setores como o de investimentos, créditos e benefícios sociais. Além disso, o Drex pode trazer maior eficiência para a administração pública ao agilizar processos de arrecadação e distribuição de recursos.
O Drex e a Vida Cotidiana do Brasileiro
O Drex está projetado para se tornar parte integrante da vida cotidiana dos brasileiros. A exemplo do sucesso estrondoso do Pix, o BC planeja utilizar as lições aprendidas para fazer do Drex uma moeda amplamente utilizada. A facilidade de uso e a agilidade fornecidas pelo Drex têm o potencial de transformar nossos hábitos financeiros. Em breve, assim como hoje falamos em “fazer um Pix”, o Drex também fará parte do nosso planejamento financeiro, refletindo a sua integração em nosso cotidiano.
Concorrência no Mercado Financeiro
A introdução do Drex não apenas modernizará a economia brasileira, mas também espera desafios no cenário competitivo do mercado financeiro. Com a promessa de eficiência e democratização financeira, o Drex pode obter uma competição acirrada entre as instituições financeiras tradicionais e as fintechs, estimulando a busca por inovações e aprimoramentos nos serviços oferecidos. Essa pode ser um motor para apoiar a qualidade e reduzir os custos dos serviços financeiros, beneficiando diretamente os consumidores.
Tokenização da Economia: Um Novo Paradigma Financeiro
A ascensão do Drex também abre as portas para a discussão sobre a tokenização da economia. A possibilidade de representar ativos reais, como imóveis e commodities, por meio de tokens digitais pode revolucionar a forma como investimos e acessamos o mercado financeiro. Isso não apenas tornaria os investimentos mais acessíveis, mas também mais transparentes e seguros. A tokenização pode democratizar ainda mais o acesso a oportunidades de investimento, permitindo que um espectro mais amplo da população participe de setores antes restritos a poucos.
Em um cenário onde a tecnologia continua a moldar a maneira como vivemos e fazemos negócios, o Drex surge como uma resposta do Brasil à crescente digitalização do mundo financeiro. Enquanto se prepara para entrar em cena, o Drex promete democratizar, agilizar e simplificar, assim como foi o Pix, tornando-se não apenas uma moeda, mas um símbolo da transformação da economia brasileira para uma nova era digital.
[1] A palavra Drex surgiu da seguinte ideia: “d” e “r” fazem alusão ao Real Digital; o “e” vem de eletrônico e o “x” passa a ideia de modernidade e de conexão, do uso de tecnologia de registro distribuído (Distributed Ledger Tecnology – DLT), tecnologia adotada para o Drex, dando continuidade à família de soluções do BC iniciada com o Pix.
[2] Smart contracts: um contrato inteligente é um protocolo de computador autoexecutável criado com a popularização das criptomoedas e feito para facilitar e reforçar a negociação ou desempenho de um contrato, proporcionando confiabilidade em transações online.
Banco Central vai regular o mercado de criptomoedas e outros criptoativos
Leandro Oliveira Leite
Em junho de 2023[1], o Banco Central do Brasil assumiu a competência para regular o mercado de prestação de serviço de ativos virtuais, uma decisão que reflete seu papel essencial em zelar pela estabilidade e integridade do sistema financeiro. Essa regulação tem o objetivo de garantir a prestação adequada dos serviços de ativos virtuais, promover a livre concorrência e proteger os consumidores e usuários desse mercado.
O Banco Central está em processo de formulação e apresentação de um modelo de regulação para o mercado de criptoativos, planejando realizar consultas públicas no segundo semestre deste ano para receber opiniões de empresas, especialistas, consultores e do público em geral. Essa regulamentação será baseada em diretrizes importantes para garantir a prestação adequada de serviços de criptoativos. O objetivo é alinhar o Brasil às recomendações internacionais relacionadas ao tema, reconhecendo as oportunidades de inovação que esses ativos virtuais oferecem, incluindo descentralização, redução de custos de negociação, transparência e integração entre diferentes tipos de produtos e serviços.
A evolução constante dos ativos virtuais e tecnologias subjacentes exige uma atuação transversal e coordenada entre diversos reguladores, como a Secretaria da Receita Federal e a Comissão de Valores Mobiliários. As empresas já presentes no mercado terão pelo menos seis meses para se adequarem à legislação e regulamentação vigente.
Nos últimos anos, o mercado de criptomoedas e outros criptoativos tem ganhado uma atenção notável. Esses ativos financeiros virtuais, suportados por algoritmos criptográficos e uma rede descentralizada utilizando tecnologia de ledger distribuída (DLT)[2], atraíram a curiosidade de investidores, entusiastas e até mesmo governos ao redor do mundo.
A ideia de uma moeda ou ativo financeiro digital, sem representação física, pode parecer complexa à primeira vista. Porém, com a popularização da tecnologia blockchain[3], uma base de dados descentralizada que garante a segurança e a integridade das informações, a ideia de ativos virtuais ganhou espaço e interesse entre o público.
A rede descentralizada, construída em blockchain, é composta por milhares de computadores que armazenam as informações e garantem a veracidade das transações. Esse modelo torna o sistema resistente a fraudes e elimina a necessidade de uma entidade centralizadora, como um banco ou uma autoridade reguladora, para intermediar as operações. A criptografia é a base da segurança dessa rede, garantindo que as informações estejam protegidas e invioláveis.
Dentro do conceito de criptoativos, encontramos as criptomoedas, como o Bitcoin, Ethereum, entre outras. No entanto, é importante ressaltar que os criptoativos vão além das criptomoedas. Inclua também como NFTs (Non-fungible tokens), que representam ativos únicos e indivisíveis, como obras de arte digital, colecionáveis e outros itens exclusivos.
Apesar de toda a inovação e potencial revolucionário, os criptoativos carregam desafios e riscos. A volatilidade é um dos principais pontos de preocupação para os investidores. O valor de uma criptomoeda pode variar enormemente em curtos períodos de tempo, causando perdas para alguns investidores.
A regulação do Banco Central deve partir de diretrizes que levem em consideração as peculiaridades dos criptoativos, a natureza descentralizada das operações e os envolvidos. A consulta pública sobre o tema permitirá que empresas e especialistas contribuam com suas opiniões e experiências para a criação de um ambiente regulatório mais seguro e adequado.
A regulamentação de criptoativos pelo Banco Central vai ao encontro de recomendações internacionais e visa fomentar a inovação, eficiência e inclusão financeira no Brasil. Com a competência de regulador definido em lei, o Banco Central acompanhará o desenvolvimento desse mercado, buscando sempre conciliar a inovação tecnológica com a segurança e estabilidade do sistema financeiro.
Por fim, é importante destacar que criptoativos não devem ser confundidos com a criação do CBDC (Central Bank Digital Currency), conhecido como Real Digital, outra tecnologia que também tem o potencial de promover a inclusão financeira, reduzir custos e aumentar a eficiência das transações financeiras no país. O real digital será uma moeda digital pertencente ao próprio Banco Central, com características distintas dos criptoativos. O “Boxe 9 – Real Digital: uma plataforma para as finanças” do Relatório de Economia Bancária 2022[4] destaca que essas iniciativas fazem parte de uma tendência global de digitalização do dinheiro e que o Banco Central deve atuar como regulador para garantir a plataforma de segurança e a estabilidade financeira.
Acrescenta ainda o relatório que, como mecanismo facilitador da inovação nos mercados financeiros, as plataformas das moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDC) permitem a incorporação de novas tecnologias e novos modelos de negócios com potencial para atender à demanda da população por meios nativamente digitais de liquidação, similares aos disponíveis no ecossistema de criptoativos. Uma tendência, favorecida pelas tecnologias que dão suporte ao ecossistema de criptoativos, é a tokenização[5] de ativos. “A disseminação da tokenização tem o potencial de gerar ganhos concretos em acessibilidade a ativos e promover maior eficiência em suas transações. Em geral, os ativos tokenizados podem ser transferidos facilmente, de forma fracionária e em segundos. Eles podem ser usados em aplicações descentralizadas e armazenados em contratos inteligentes (smart contracts), que são executados automaticamente quando condições e termos predeterminados são atendidos”.
Em resumo, a regulação dos criptoativos pelo Banco Central é um passo importante para a consolidação desse mercado no Brasil. A regulação adequada visa equilibrar a inovação tecnológica com a proteção dos consumidores e a estabilidade financeira, tornando o ambiente de negócios mais seguro e propício para o desenvolvimento dessa classe promissora de ativos financeiros virtuais. A regulamentação busca garantir que os criptoativos possam contribuir de forma positiva para a economia brasileira e o bem-estar dos cidadãos, impulsionando o país em direção a uma economia mais digital e inclusiva.
Referências:
Banco Central prepara Consultas Públicas sobre regulamentação de criptoativos:
[2] A tecnologia de contabilidade distribuída é usada em criptomoedas como bitcoin. DLT é usado para manter um banco de dados de todas as transações que estão acontecendo em um mercado e permitir que elas sejam vistas simultaneamente por todos os participantes.
[3] Blockchain pode ser traduzida como corrente de blocos. De uma forma simples, trata-se de uma tecnologia que agrupa um conjunto de informações que se conectam por meio de criptografia. Assim, transações financeiras e outras operações podem ser feitas de forma segura.
[5] Tokenizar um bem ou serviço nada mais é do reproduzir de forma digital esse produto – seja a ação de uma empresa, um título de dívida, obra de arte etc -, conferindo benefícios, valor e características originais associados a ele, inscrito em uma determinada rede blockchain.
Promovendo a competição e beneficiando os consumidores
Leandro Oliveira Leite
A portabilidade de produtos e serviços no setor financeiro desempenha um papel crucial na promoção da concorrência saudável entre as instituições. Essa prática permite que os consumidores transfiram facilmente suas contas bancárias, empréstimos, investimentos e outros serviços de uma instituição para outra, estimulando a competição e incentivando as instituições financeiras a oferecerem melhores condições, taxas de juros mais atraentes, prazos mais acertados e uma variedade de opções que atendam às suas necessidades.
A prática da portabilidade envolve o cliente, o credor original – instituição que concedeu o crédito – e o proponente – a nova instituição, destino do contrato portado e usualmente há envolvimento também de um intermediário financeiro.
No contexto financeiro, a portabilidade tem sido amplamente reconhecida como uma maneira de promover a concorrência no setor bancário. Historicamente, os consumidores enfrentaram barreiras ao tentar mudar de instituição financeira, tendo em vista a complexidade dos processos, os custos envolvidos e a falta de informações claras sobre as opções disponíveis. Isso resultou em um cenário em que poucos consumidores se sentiram encorajados a buscar as melhores ofertas em outros bancos, levando a um mercado pouco competitivo e com menor incentivo para as instituições financeiras oferecerem condições mais ajustadas para seus clientes. Superada essas barreiras normativas[1], em 2014 notou-se a importante influência da portabilidade na promoção da concorrência, proporcionando uma série de facilidades para os consumidores.
Vários estudos realizados pelo Banco Central do Brasil (BCB) demonstraram a relação entre a portabilidade de crédito e a redução das taxas de juros. Esses estudos fortalecem as evidências empíricas de que a portabilidade estimula a concorrência entre as instituições financeiras, gerando benefícios nas diversas modalidades de crédito.
Um estudo relevante realizado pelo BCB, publicado no Relatório de Economia Bancária (REB) de 2022, analisou o impacto da portabilidade de crédito na competição do mercado bancário. O estudo investigou o efeito da portabilidade sobre a taxa de juros dos empréstimos consignados em municípios com mais de um banco em operação, em comparação com municípios com apenas um banco. Os resultados observaram um aumento do volume de crédito per capita (em torno de 3%) e uma redução de aproximadamente 0,8 ponto percentual (p. p.) nas taxas de juros nos municípios com mais de um banco em operação em relação aos municípios com apenas um banco. Essa redução foi estatisticamente significativa e econômica, indicando que a portabilidade de crédito contribui para a redução das taxas de juros.
Já outro estudo em 2020, encontraram-se novas evidências robustas de que a portabilidade de crédito diminuiu as taxas de juros e aumentou o volume de crédito. Em particular, o estudo analisou os resultados antes e após a portabilidade e demonstrou o impacto positivo da utilização desse instrumento na redução significativa das taxas de juros média de 2,9 p.p. ao ano para crédito imobiliário e 5,7 p.p. para o consignado.
Em um terceiro estudo publicado no Relatório de Economia Bancária de 2019, sobre o crédito imobiliário, indicou que os benefícios da portabilidade ainda atingiam uma pequena fração do seu potencial, vez que à época se sabia ainda pouco dessa opção, mas que, com a queda significativa da taxa Selic naquele momento, favoreceu a ampliação da demanda por portabilidade do crédito.
Ou seja, esses estudos são exemplos de como a análise do BCB tem mostrado que a portabilidade de crédito desempenha um papel importante na redução das taxas de juros. Eles demonstraram que a competição estímulou as instituições financeiras a oferecerem melhores condições aos consumidores, resultaram em benefícios tangíveis, como a redução dos custos financeiros.
No contexto da interoperabilidade, os órgãos reguladores estabelecem padrões e requisitos técnicos que as instituições financeiras devem cumprir para permitir a comunicação e a troca de informações de forma segura e padronizada. Isso inclui a definição de protocolos de comunicação, formatos de dados e requisitos de segurança, visando garantir a integridade e a confidencialidade das informações dos consumidores.
Para garantir a evolução contínua da portabilidade no setor financeiro, a interoperabilidade de sistemas entre instituições financeiras desempenha um papel crucial, sendo considerada um dos princípios basilares do Open Finance/Banking, uma iniciativa do BCB que têm sido implementadas em diversos países, permitindo o compartilhamento seguro de informações entre as instituições financeiras. Essa interoperabilidade facilita a transferência de dados[2] e a integração de serviços, promovendo uma experiência mais fluida para os consumidores e estimulando a competição entre as instituições.
Adicionalmente, ela promove a inovação no setor financeiro pois ao permitir que diferentes sistemas e tecnologias se integrem e se comuniquem, novas soluções e serviços podem ser desenvolvidos, trazendo maior eficiência para os consumidores. Isso inclui a criação de plataformas digitais que facilitam a comparação de produtos, a transferência de informações e a realização de transações entre diferentes instituições financeiras.
Em resumo, a interoperabilidade é um elemento-chave para garantir a evolução da portabilidade no setor financeiro. Com a implementação de medidas regulatórias e avanços tecnológicos, a portabilidade de produtos e serviços no setor financeiro tem se tornado cada vez mais viável e acessível.
Observa-se ainda que a portabilidade e a interoperabilidade também influenciam outros aspectos do setor financeiro, como seguros habitacionais, investimentos, meios de pagamento e cartões de crédito. Por exemplo, a portabilidade de seguro habitacional permite que os consumidores mudem de garantia sem perder a cobertura do financiamento. Já a aceitação de bandeiras de cartão em qualquer maquininha favorece os diversos estabelecimentos e proporciona maior conveniência aos consumidores.
Outra opção interessante é a possibilidade de o cliente utilizar seus investimentos (ações, por exemplo) como garantia de uma operação de crédito. A competitividade, criada através das mais diversas modalidades financeiras, gera uma pressão nas instituições financeiras, incentivando-as a criarem melhores ofertas a fim de atrair e reter seus clientes, bem como, condições mais vantajosas e maior liberdade para escolher as instituições que melhor atendam às suas necessidades e objetivos.
Assim, como vimos, a concorrência no setor financeiro exerce um papel fundamental na redução das taxas de juros e na melhoria das condições oferecidas ao mercado. Quando há uma competição saudável entre as instituições financeiras, os consumidores se beneficiam de diversas maneiras:
Redução das taxas de juros: A concorrência entre as instituições financeiras leva a uma pressão para reduzir as taxas de juros. As instituições competem para atrair clientes oferecendo taxas mais baixas em empréstimos, financiamentos e linhas de crédito.
Melhoria das condições de empréstimo: Além da redução das taxas de juros, a concorrência também leva à melhoria das condições gerais de empréstimo. As instituições financeiras competem para oferecer prazos mais longos, períodos de carência, flexibilidade nos pagamentos e outros benefícios adicionais para conquistar e manter clientes.
Ampliação da oferta de produtos e serviços: A economia saudável estimula as instituições financeiras a ampliarem sua oferta de produtos e serviços. Elas buscam se diferenciar no mercado, oferecendo soluções financeiras mais abrangentes e adaptadas às necessidades dos consumidores. Os consumidores se beneficiam com uma gama mais ampla de opções para escolher, de acordo com suas emoções e objetivos financeiros.
Melhoria da qualidade do atendimento ao cliente: As instituições financeiras buscam se destacar no mercado oferecendo um serviço mais eficiente, suporte personalizado e uma experiência do cliente aprimorada. Elas investem em treinamento de funcionários, tecnologia e processos para garantir um atendimento de qualidade. Os consumidores se beneficiam com um atendimento mais ágil, eficaz e personalizado, além de terem mais opções caso estejam insatisfeitos com o atendimento recebido em uma instituição específica.
Em suma, a inovação competitiva no setor financeiro desempenha um papel crucial na promoção da oferta saudável ao abrir espaço para novos modelos de negócio e propiciar um ambiente de maior concorrência. Por meio da portabilidade, os consumidores têm a oportunidade de buscar melhores condições, serviços mais eficientes e melhoria das condições oferecidas. Para aproveitar esses benefícios é importante continuar aprimorando ferramentas como o Open Finance/Banking e expandir iniciativas que promovam a interoperabilidade no setor financeiro. Dessa forma, podemos construir um ambiente cada vez mais competitivo e benéfico para os consumidores no setor financeiro.
[1] A portabilidade de crédito, instituída por meio da Resolução 3.402, de 6 de setembro de 2006, e alterada pela Resolução 4.292, de 20 de dezembro de 2013, quando, de fato, iniciaram-se as efetivações de pedidos de portabilidade.
[2] O direito à “portabilidade dos dados” está previsto no inciso V do artigo 18 da Lei nº 13.709/18 – Lei Geral de Proteção de Dados, “LGPD”. Já a “portabilidade de serviços ou de ativos” está prevista em diversos instrumentos normativos diferentes, dependendo do tipo de mercado.
O mercado bancário brasileiro tem passado por mudanças importantes nos últimos anos, impulsionadas principalmente pelo desenvolvimento de novas tecnologias e modelos de negócios. Nesse contexto, o PIX, a segmentação financeira, os bancos digitais, o WhatsApp Pay, o Open banking e a Autonomia do Banco Central do Brasil (BCB) são alguns exemplos de iniciativas que contribuíram para tornar o mercado bancário mais eficiente.
A colaboração entre o Banco Central e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é essencial para garantir um mercado financeiro saudável e competitivo. As responsabilidades complementares de ambas as autarquias permitem uma supervisão mais eficaz do mercado financeiro e uma resposta mais ágil a possíveis problemas de concorrência. A colaboração também ajuda a promover a inovação e a entrada de novas empresas no mercado financeiro, o que beneficia os consumidores.
Enquanto o Banco Central tem competência em supervisionar e regular o Sistema Financeiro Nacional (SFN), o CADE é responsável por garantir que as empresas do setor financeiro cumpram as leis antitruste e promovam a concorrência saudável, sendo responsável por investigar e punir as empresas que violam as leis de defesa da concorrência. Isso inclui o combate a práticas anticompetitivas no mercado financeiro, como acordos de fixação de preços ou ações para limitar a entrada de novas empresas. O CADE também pode avaliar previamente as fusões e aquisições do setor e tomar medidas preventivas quando necessárias.
O Banco Central, por sua vez, possui competências complementares ao CADE na medida em que é responsável por monitorar e regulamentar a entrada de novas empresas no mercado financeiro, principalmente no caso das fintechs. O termo em inglês Fintech vem da junção das palavras financeiro e tecnologia, se tratando da tecnologia e inovação aplicadas na solução de serviços financeiros e que competem diretamente com o modelo tradicional ainda prevalente do setor. Deste modo, empresas startups que buscam operar e aperfeiçoar serviços financeiros através de soluções tecnológicas são consideradas empresas fintech.
De uma forma geral, as fintechs fazem uso de tecnologias como Inteligência Artificial, Computação em Nuvem e Big Data para criar um ambiente totalmente digital e automatizado, distribuído para seus clientes nos diversos canais digitais existentes, sobretudo smartphones. Isto permite que as empresas trabalhem de maneira remota, sem a necessidade de agências físicas ou mesmo de operadores humanos, como é o caso do atendimento operado por bots.
Trabalhando na fronteira da inovação, o CADE tem atuado na melhor eficiência do mercado com o uso das tecnologias e o Banco Central tem criados incentivos para promover a concorrência, seja com (i) a segmentação regulatória financeira, (ii) o Sandbox Regulatório e (iii) o Laboratório de Inovações Financeiras Tecnológicas (LIFT). Este último tem-se oferecido um ambiente tecnológico controlado para que as empresas testem novas ideias e produtos financeiros. Isso permitiu que novas empresas concorram com os bancos tradicionais e tragam inovação e benefícios para os consumidores.
A segmentação financeira instituída pelo Banco Central, por sua vez, é uma classificação das instituições financeiras em cinco categorias (S1 a S5), de acordo com sua complexidade operacional. Essa classificação é utilizada pelo Banco Central para atender às exigências regulatórias às características específicas de cada instituição. Esse modelo tem permitido que os bancos mantenham produtos e serviços mais adequados às necessidades de cada segmento, ou seja, quanto maior for a instituição financeira maiores serão as exigências normativas, tratando os desiguais na exata medida de suas desigualdades normativas.
Corroborando com este entendimento, o Sandbox Regulatório é um ambiente controlado criado pelo Banco Central para permitir que as empresas testem novos produtos e serviços financeiros, sem estar sujeitos a todos os requisitos regulatórios de forma imediata, desde que cumprem com requisitos mínimos de segurança e proteção ao consumidor. Nesse sentido, o Sandbox Regulatório do Banco Central tem se mostrado uma importante ferramenta para a concorrência, uma vez que permite que novas empresas entrem no mercado e aumentem a competição entre as instituições financeiras.
Ao fomentar a inovação no mercado bancário, o programa contribui para a diversificação dos produtos e serviços oferecidos pelas instituições financeiras, bem como para a redução dos custos e melhoria da eficiência no setor. Isso traz benefícios tanto para os consumidores, que têm acesso a produtos e serviços mais adequados às suas necessidades, quanto para as empresas, que conseguem se diferenciar no mercado e conquistar novos clientes. Além disso, aumenta a pressão competitiva sobre as instituições financeiras tradicionais, inibindo a possibilidade de práticas anticompetitivas, como a formação de cartel ou a criação de barreiras à entrada de novas empresas.
Outra inovação importante no mercado bancário foi o PIX (pagamento instantâneo brasileiro), em que permitiu a transferência imediata de dinheiro entre bancos e instituições financeiras em tempo real e sem custo para o usuário final, eliminando a necessidade de intermediários e atendendo os custos e tempo das transações financeiras. Com isso, o PIX trouxe maior eficiência ao mercado bancário e caiu no gosto popular.
Estas inovações têm contribuído para a extensão do acesso aos serviços financeiros, bem como para a redução dos custos de transação no mercado bancário, uma vez que elimina a necessidade de intermediários e torna as transações financeiras mais rápidas e seguras. Uma das principais vantagens apontadas pelo modelo é a maior acessibilidade e praticidade por parte dos clientes, promovidas pela difusão do produto em smartphones.
O WhatsApp Pay, por exemplo, integrado ao PIX, permite que as pessoas façam pagamentos e transferências de dinheiro diretamente pelo aplicativo de mensagens, sem a necessidade de baixar um aplicativo bancário separado. Apesar de inovações polêmicas, como no caso do WhatsApp Pay, o Banco Central e o CADE têm atuado em conjunto para monitorar e garantir a melhor concorrência no mercado de pagamentos, tornando o processo mais fácil e conveniente para os usuários, garantindo a eficiência em menos cliques.
O Open banking é outra sacada do regulador que permitiu que os clientes compartilhem seus dados bancários com outras instituições financeiras, o que facilita a criação de produtos financeiros personalizados e adaptados às necessidades de cada cliente. Com isso, o mercado bancário se torna mais eficiente ao oferecer produtos e serviços que atendam melhor às necessidades dos clientes, avaliando-o melhor e reduzindo as taxas do crédito. O Open Banking é um conjunto de tecnologias e padrões que permitem o compartilhamento de dados financeiros entre instituições, de forma segura e padronizada.
Por fim, assim tão importante quanto a função judicante do CADE de entidade independente – a exemplo das agências reguladoras, a recente autonomia do Banco Central permitiu que possa atuar de forma mais eficiente na condução da política monetária e cambial do país, garantindo a estabilidade do sistema financeiro e a manutenção da estrutura da livre concorrência. Isso contribui para a eficiência do mercado bancário, criando um ambiente de estabilidade e confiança, bem como favorece a concorrência e o desenvolvimento do setor.
Em resumo, todas essas iniciativas têm em comum o objetivo de tornar o mercado financeiro mais eficiente, mais acessível e mais inovador, desejável para a promoção da concorrência e para o benefício dos consumidores. Tanto o Banco Central quanto o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), ilhas de excelência no serviço público, têm papéis importantes na promoção da concorrência no Sistema Financeiro Nacional (SFN). Esses avanços até aqui, com o uso consciente de tecnologias para tornar os serviços financeiros mais acessíveis e mais baratos, tem contribuído para aumentar a previsibilidade, confiança e a transparência das políticas públicas, o que tem efeitos de externalidades positivas sobre a economia como um todo.
Bibliografia:
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Banco Central do Brasil. (2020). PIX: O que é e como vai funcionar? https://www.Banco Central.gov.br/estabilidadefinanceira/pagamentosinstantâneos
Banco Central do Brasil. (2020). Resolução BANCO CENTRAL nº 25, de 24 de fevereiro de 2020. Estabelece os requisitos e as condições para a prestação de serviços de pagamento iniciados por meio de dispositivos móveis. http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-25-de-24-de-fevereiro-de-2020-245854155
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Banco Central do Brasil. (2021). Segmentação de clientes e de produtos no Sistema Financeiro Nacional. https://www.Banco Central.gov.br/estabilidadefinanceira/segmentacaodeclientes
Banco Central do Brasil. (2021). Autonomia do Banco Central do Brasil. https://www.Banco Central.gov.br/autonomia
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). (2021). Atuação do CADE no Sistema Financeiro Nacional. https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/sistema-financeiro-nacional
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Leandro Oliveira Leite. Servidor público federal, analista do Banco Central do Brasil (BCB), atualmente trabalhando no CADE na área de condutas unilaterais, possui graduações em Administração, Segurança Pública e Gestão do Agronegócio e especialização em Contabilidade Pública. Tem experiência na parte de supervisão do sistema financeiro e cooperativismo pelo BCB, bem como, já atuou com assessor técnico na Casa Civil.
Obs. Este artigo foi escrito no curso de defesa da concorrência da WebAdvocacy ofertado no primeiro semestre de 2023 e não reflete a opinião pessoal do autor.
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