Leandro Oliveira Leite

O ano de 2023 testemunhou uma série de transformações notáveis no cenário financeiro brasileiro, impulsionadas pela evolução tecnológica do próprio mercado e pelas ações regulatórias. Além disso, diversos eventos e estudos apresentados por entidades de destaque, como o Banco Central (BC), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e associações de classe, oferecem uma visão abrangente das mudanças e desafios que moldaram o setor.  

Desde 1º de dezembro de 2023, em uma oportunidade de o país colocar em pauta assuntos que considera prioritários, o Brasil passou a presidir o G20, fórum de cooperação econômica internacional que reúne dezenove das principais economias do mundo, além da União Europeia e alguns convidados eventuais. A presidência do G20 representa uma plataforma única para o Brasil influenciar e contribuir para decisões econômicas globais, refletindo o comprometimento com a sustentabilidade socioambiental e a estabilidade financeira. Nesse ínterim, o BC tem destacado o seu compromisso em sempre estar inovando e manter a inflação controlada para impulsionar o crescimento econômico sustentável e melhorar a qualidade de vida do cidadão. 

O Papel do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) na Evolução Financeira 

Primeiramente, no âmago dessa evolução está o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), uma criação do BC. Esta infraestrutura vital possibilita uma variedade de operações financeiras, desde transações cotidianas, como o Pix, até operações mais complexas, como investimentos e comércio exterior. A reestruturação do SPB, realizada duas décadas atrás, foi revolucionária para o sistema financeiro brasileiro, introduzindo segurança e eficiência às operações, reduzindo riscos sistêmicos e tornando-se um modelo referencial internacional. 

A transferência eletrônica instantânea, notadamente através do Pix, trouxe mudanças perceptíveis para os usuários. Além disso, a reestruturação impulsionou a competitividade no mercado financeiro, reduzindo concentrações no Sistema Financeiro Nacional (SFN) e ampliando a concorrência. Inovações como o Open Finance e Drex refletem a busca contínua por segurança, eficiência e novas possibilidades no mercado financeiro brasileiro. 

Maior número de pessoas bancarizadas 

Durante a pandemia do Covid-19, ampliou-se o número de cidadãos com relacionamento com o SFN, tanto pela concessão de auxílio emergencial quanto pela expansão das instituições financeiras ditas digitais.  

Segundo o BC, após o fim do pagamento do Auxílio, o Brasil viu crescer o número de tomadores de crédito e o percentual de endividados de risco desde o segundo semestre de 2021, principalmente em decorrência do maior comprometimento de renda com dívidas e da maior inadimplência por parte dos brasileiros.  

O BC atualizou os números sobre o endividamento de risco no Brasil, conforme divulgado na nova edição da “Série Cidadania Financeira”. Em março de 2023, o número de tomadores de crédito atingiu 105 milhões de pessoas, um aumento de 20 milhões desde março de 2021.  

Bancarização Aumentada e Desafios Pós-Covid-19 

O período da pandemia de Covid-19 trouxe uma maior bancarização, com mais cidadãos se envolvendo com o SFN, impulsionados tanto pelo Auxílio Emergencial quanto pela ascensão das instituições financeiras digitais. No entanto, após o término do Auxílio, observou-se um aumento no número de tomadores de crédito e no percentual de endividados de risco desde o segundo semestre de 2021, atribuído ao maior comprometimento de renda e à inadimplência. 

De acordo com o BC, em março de 2023, o número de tomadores de crédito atingiu 105 milhões de pessoas, um aumento notável de 20 milhões desde março de 2021. O endividamento de risco, caracterizado por critérios como inadimplência e comprometimento mensal de renda acima de 50%, cresceu, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, entre a população feminina, idosos e pessoas de menor renda. 

A “Série Cidadania Financeira” do BC, iniciada em 2020, é uma parte crucial dos esforços para promover o gerenciamento adequado de recursos financeiros pelos cidadãos, abordando temas como inclusão financeira, educação financeira e proteção do consumidor de serviços financeiros. 

Inovações do Banco Central e Empoderamento Financeiro 

O Banco Central introduziu mudanças significativas, incluindo uma versão unificada do Relatório de Empréstimos e Financiamentos (SCR). Essa atualização simplifica a apresentação de informações, tornando-as mais acessíveis para os cidadãos, e está disponível gratuitamente no site do BC. 

Outra contribuição notável à sociedade é o Sistema de Valores a Receber, permitindo que cidadãos e empresas verifiquem se têm dinheiro esquecido em bancos e instituições fiscalizadas pelo BC. Além disso, o Registrato, parte integrante desse movimento, agora requer acesso exclusivamente por meio da conta gov.br, fortalecendo a segurança das informações pessoais. 

Cade e a Análise Profunda do Mercado Bancário e de Seguros 

No âmbito da concorrência, o Cade lançou a vigésima edição da série “Cadernos do Cade”1, focando no estudo dos mercados de serviços bancários e seguros. Esse estudo, dividido em quatro seções, analisa detalhadamente diversos segmentos, incluindo concessão de crédito, gestão de recursos, câmbio, distribuição de títulos, seguros, entre outros. Reconhecendo a importância econômica desses mercados, o estudo destaca o papel crucial dos bancos e seguradoras para a economia do país, fornecendo condições para investimentos, consumo e poupança. O avanço da economia digital, com o surgimento de fintechs e insurtechs, tem gerado desafios que exigem uma abordagem conjunta das autoridades regulatórias e de defesa da concorrência. 

O ambiente de inovação desafia as autoridades regulatórias e de defesa da concorrência, evidenciando a necessidade de cooperação entre entidades como Banco Central do Brasil e Cade. A série “Cadernos do Cade” tem o objetivo de consolidar, sistematizar e divulgar a jurisprudência do Cade em mercados específicos, contribuindo para o conhecimento técnico e acadêmico em temas relacionados à defesa da concorrência. O estudo também destaca a importância dos seguros e a variedade de serviços prestados por bancos e seguradoras, com foco na concentração nesses setores e nas análises de atos de concentração e condutas anticompetitivas. 

Competição e Inovação na Economia Digital 

A Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (ABIPAG) desempenha um papel ativo na promoção da competição e inovação. O evento “Concorrência no Mercado Financeiro: Desafios da Nova Economia Digital” destaca os esforços do setor para abordar tanto os aspectos regulatórios quanto os concorrenciais. Medidas governamentais, notadamente do BCB e Cade, ao encerrar relações de exclusividade, abriu espaço para a entrada de novos participantes, fomentando a competição, incentivaram o setor de meios eletrônicos de pagamento, proporcionando maior diversidade de modelos de negócios e atendendo às necessidades dos usuários finais. 

Presidência do G20 e Compromissos Globais 

Por fim, é importante destaca que o Brasil organizará mais de cem reuniões e conferências que culminarão na 19ª Cúpula em novembro de 2024. A Trilha de Finanças, liderada pelo BC, desempenhará um papel crucial, abordando temas macroeconômicos estratégicos em colaboração com o Ministério da Fazenda. O G20 está organizado em duas trilhas, a de financeira2 e a de Sherpas3, cada uma com grupos técnicos temáticos. 

Durante as reuniões do G20, o BC abordará também questões de inovação e avanços nos sistemas de pagamentos rápidos, mas o principal papel do Brasil no G20, desde sua participação em 2008 e, nos planos do Banco Central para 2024, estará focando na luta contra a pobreza e desigualdade como centrais para a estabilidade financeira.  

Assim, a parceria entre o Ministério da Fazenda e o BC no G20 visa melhorar a coordenação entre as trilhas financeira e de Sherpas. O compromisso com a sustentabilidade socioambiental é destacado, com o BC sendo reconhecido por implementar medidas alinhadas à agenda global de sustentabilidade. 

A agenda do BC no G20 terá oportunidade de abordar os impactos das inovações digitais no sistema financeiro, priorizando discussões sobre a tokenização de ativos, solução de finanças descentralizada (DeFi) e Inteligência Artificial (IA). Segundo o BC, será destacada a importância de compreender tanto os benefícios quanto os riscos das inovações digitais. 

Perspectivas e Desafios Futuros 

A evolução notável do mercado financeiro brasileiro em 2023 reflete não apenas avanços tecnológicos, mas também uma adaptação a um ambiente dinâmico e competitivo. A convergência contínua de tecnologias, como Pix, Drex e Open Finance, continuará a moldar o setor, posicionando o Brasil na vanguarda dos sistemas de pagamento. No entanto, desafios persistem, especialmente na gestão das complexidades da economia digital e na garantia de uma concorrência saudável para o benefício dos consumidores. 

O diálogo contínuo entre entidades reguladoras, instituições financeiras e outros stakeholders será crucial para enfrentar esses desafios e promover uma evolução positiva e sustentável no mercado financeiro brasileiro. A cooperação entre o Banco Central do Brasil, Cade e outros órgãos demonstra a importância da abordagem conjunta para garantir a estabilidade e a inovação nesse setor vital para a economia nacional. 

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