Andrey Vilas Boas de Freitas

A indústria farmacêutica enfrenta um desafio complexo ao precificar terapias avançadas. A busca pela inovação e o desenvolvimento de tratamentos de ponta demandam altos investimentos em pesquisa, ensaios clínicos e produção, custos muito significativos que são considerados ao determinar o preço final do produto.

Além disso, a indústria busca refletir o valor terapêutico inovador das terapias avançadas ao estabelecer preços. Isso inclui considerações sobre as evidências de eficácia e os benefícios clínicos dessas terapias, bem como a segurança e o impacto que a terapia tem na qualidade de vida do paciente.

Nas estratégias de precificação, a indústria ainda leva em conta as políticas de reembolso e as barreiras de acesso ao mercado. Preços excessivamente altos podem limitar o acesso dos pacientes, enquanto preços muito baixos podem afetar a sustentabilidade financeira da empresa. Nesse sentido, o desenvolvimento de modelos alternativos de pagamento, como acordos de pagamento por desempenho ou modelos de pagamento baseados em resultados, além de parcerias com sistemas de saúde, tem sido uma estratégia para garantir o acesso e a viabilidade financeira.

Vale dizer que é preciso ainda considerar, nesse cálculo, questões éticas e sociais, especialmente porque o desenvolvimento de terapias avançadas tem estado associado a condições graves ou raras. Nesse aspecto, a forma como a terapia é comercializada e comunicada ao público, aos médicos e aos pagadores de saúde desempenha um papel na percepção do valor do produto, o que pode impactar as estratégias de precificação.

Por fim, à medida que a disseminação de terapias avançadas torna esse tipo de produto o “novo normal”, é fundamental considerar a concorrência nesse mercado como um fator decisivo na precificação. Quanto maior a quantidade de alternativas para tratamento de questões diversas por meio de terapias avançadas, maior a pressão para redução de preços desses produtos.

Por outro lado, as operadoras de planos de saúde se deparam com a necessidade de equilibrar a acessibilidade aos tratamentos com a sustentabilidade financeira do plano. Em um ambiente no qual as terapias avançadas frequentemente apresentam preços elevados, as operadoras buscam negociar valores mais baixos para garantir que esses tratamentos sejam acessíveis aos beneficiários do plano. O debate se foca não apenas na eficácia clínica, mas também na relação custo-benefício dessas terapias para a saúde financeira de longo prazo do plano.

Essa perspectiva decorre do fato de que as operadoras de planos de saúde estão preocupadas com a sustentabilidade financeira a longo prazo. Elas buscam controlar os custos médicos para garantir que os prêmios sejam acessíveis e não se tornem proibitivos para os participantes dos planos. Nesse sentido, para cobrir determinada terapia, as operadoras de planos de saúde buscam evidências robustas de eficácia e custo-efetividade. Elas avaliam se os benefícios clínicos justificam os custos associados à terapia.

Com base nessa análise, as operadoras consideram como a terapia trará valor tangível para os participantes dos planos. Isso inclui avaliar se a terapia resolverá condições significativas, reduzirá a necessidade de tratamentos futuros e melhorará a qualidade de vida. Elas também avaliam o impacto financeiro da inclusão de uma terapia no pool de riscos do plano de saúde. Uma terapia muito cara pode afetar a distribuição dos custos entre os membros do plano.[1]

Nessa perspectiva, os altos valores atribuídos às terapias avançadas já autorizadas a serem comercializadas no Brasil serviram como incentivo ao debate sobre a necessidade de buscar acordos de compartilhamento de riscos entre as operadoras de planos de saúde e as empresas farmacêuticas, nos quais o custo da terapia está vinculado ao desempenho e aos resultados dos pacientes.

Os conflitos entre as perspectivas da indústria farmacêutica e das operadoras de planos de saúde surgem de suas prioridades e objetivos distintos. Enquanto a indústria enfatiza a inovação, os custos de pesquisa e a justificativa do valor com base em benefícios clínicos, as operadoras focam na acessibilidade, na eficácia comprovada e no controle de custos.

Esses pontos de conflito incluem a divergência entre custos elevados e acessibilidade, o debate sobre evidências de eficácia versus critérios de cobertura, além da negociação de preços. Enquanto a indústria busca lucratividade e aceitação no mercado, as operadoras buscam limitar custos médicos e proteger seus beneficiários contra encargos financeiros excessivos. A busca por um terreno comum entre essas perspectivas muitas vezes representa um desafio, requerendo um equilíbrio delicado entre inovação, acessibilidade e sustentabilidade financeira.

Esse embate precisa ser mediado pelos reguladores. O regramento atual de precificação de medicamentos no Brasil grita por atualização. Esse debate precisa avançar rapidamente, não apenas para estabelecer parâmetros efetivos de precificação de terapias avançadas, mas também para permitir nova racionalidade para todo o mercado de medicamentos.

Aliado a essas mudanças, é urgente rever critérios para que a incorporação das terapias avançadas no sistema de saúde suplementar no Brasil ocorra dentro de condições que viabilizem o acesso, preservem a estabilidade econômico-financeira das operadoras e garantam a segurança dos beneficiários. Parece ser o catalisador ideal para um debate de aprimoramento das interfaces entre os sistemas público e privado, seja para a coleta de informações sobre desfechos (essencial para assegurar a eficácia dos tratamentos), seja para a negociação das condições de pagamento pelos tratamentos, que podem ser mais benéficas para os dois sistemas se forem consideradas conjuntamente as populações por eles atendidas.

Do lado da indústria farmacêutica, a regulação deve ser incentivadora de inovação, protetora de direitos de patente, promotora da concorrência e fiscalizadora de boas práticas. É preciso eliminar, definitivamente, o viés que faz a regulação nacional tratar com desconfiança o setor produtivo.


[1] Vale dizer que no Brasil, diferentemente do que ocorre em outros países, as operadoras estão submetidas a uma regulamentação que as obriga a oferecer cobertura a tratamentos incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde, conforme normatizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que diminui consideravelmente seu poder de negociação frente à indústria farmacêutica. Também é preciso considerar, no caso brasileiro, os parâmetros de precificação definidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), colegiado responsável pelo estabelecimento dos preços-teto de comercialização de medicamentos no Brasil, o que inclui a precificação de terapias avançadas.


Andrey Vilas Boas de Freitas. Economista, advogado, mestre em Administração, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) desde 1996.


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