Investimentos em Rodovias e o Novo Modelo Proposto de Compartilhamento de Risco de Demanda da ANTT

Katia Rocha

Em 2022, os investimentos privados em infraestrutura – concessões e PPPs, nas Economias Emergentes, continuaram sua recuperação, tanto em volume quanto em número de projetos, para níveis pré-pandemia segundo dados recentes disponibilizados pelo Banco Mundial[1]. O volume total de capital investido, que inclui Capex e outorgas, totalizou USD 91.7 Bilhões, distribuídos em 263 projetos conforme ilustra a Figura 1.

Em termos absolutos, China (33%), Brasil (19%), India (13%), Indonésia (5%) e Vietnam (5%) receberam os maiores volumes, representando 75% dos recursos globais privados alocados em infraestrutura econômica em emergentes de baixa e média renda. Na desagregação setorial, o setor de transportes voltou a liderar a recuperação, com 68% do volume total.

Figura 1 – Investimentos Privados em Infraestrutura: Emergentes x Brasil

No Brasil, o volume de investimentos totalizou USD 17.6 Bilhões (0,9% do PIB de 2022), distribuídos entre 51 projetos, alcançando os níveis pré-pandemia de 2019, como ilustra a Figura 2. O setor transporte continuou se destacando, mobilizando investimentos da ordem de USD 10 Bilhões (59% do volume total alocado no Brasil), com a seguinte distribuição dentro do segmento: portos (4%), aeroportos (8%), ferrovias (18%), mobilidade urbana (33%), e rodovias (37%).

Figura 2 – Investimentos Privados em Infraestrutura: Setorial Brasil

Esse panorama introdutório ilustra o contínuo apetite dos stakeholders pelos investimentos em infraestrutura no Brasil e emergentes de modo geral. Particularmente, no segmento de rodovias, um dos setores com maior lacuna de investimentos no Brasil[2], estima-se a necessidade de investimentos da ordem de R$ 30 Bilhões/ano até 2050[3].

Dada a necessidade considerável de investimento de longo prazo, o Brasil precisa melhorar a eficiência do investimento público e, ao mesmo tempo, mobilizar o capital privado em escala e ritmo, tendo, portanto, de gerar as condições necessárias para atrair, substancialmente, o investimento privado nesse segmento.

O setor de rodovias, assim como grande parte dos setores de infraestrutura do tipo Greenfield, envolvem incertezas diversas, tanto no desenvolvimento dos projetos, no custo de construção, na projeção da demanda; no perfil temporal das receitas – dissociadas das despesas, na dificuldade de conversão dos ativos para usos alternativos, entre outros específicos do setor (ambiental, desapropriação, etc). Representa um setor conhecido por ensejar grande número de incidências em renegociações de contratos de concessões em países emergentes[4].

Ocorrências de renegociações são esperadas e de certa forma necessárias para o bom funcionamento das concessões, dada a natureza incompleta dos contratos e da inviabilidade da previsão ex-ante de todas as contingências contratuais que podem afetar o acordo no longo prazo.

No entanto, uma alta incidência de renegociações levanta questionamentos sobre a credibilidade do modelo e do respectivo programa de concessão, impactando, até mesmo, o efeito competitivo do leilão, onde o concessionário selecionado passa a ser o “especialista em renegociação”, ao invés do operador mais eficiente. Isso incentiva comportamentos oportunistas, com impactos fiscais potenciais nas despesas do Governo e na percepção dos agentes econômicos e sociais, resultando em atrasos ou reduções nas obrigações de investimentos, aumentos na tarifa, diminuição dos benefícios do programa e do bem-estar dos usuários finais.

De forma geral, melhores características institucionais, presença de arcabouço regulatório expresso em lei, melhores indicadores de qualidade regulatória, controle de corrupção e do aparato legal do país, diminuem a incidência de renegociações. Por outro lado, maior obrigação de investimentos no contrato – regulação por meios, em oposição à regulação por incentivos, maior parcela de risco alocada ao operador, indefinição da matriz de alocação de risco do projeto, estimativas não realistas para demanda, desenhos de leilões de menor tarifa em detrimento aos de maior outorga, choques macroeconômicos – recessão e desvalorização cambial, aumentam a incidência de renegociação[5].

O Novo Modelo Proposto de Compartilhamento de Risco de Demanda da ANTT

Atualmente, cerca de 13 mil km da malha rodoviária federal são administrados por meio de concessões no âmbito da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT)[6]. Desse total, quase 5 mil km apresentam problemas com obras paralisadas há anos, em processo de devolução ou relicitação, em especial, as realizadas na segunda etapa do programa de concessão de rodovias federais (Procrofe) em 2013/2014, cujas estimativas de demanda foram frustradas, a partir da crise econômica de 2014/2016.

Com a evolução natural do Procrofe, nas suas diversas etapas desde a década de 90, a matriz de risco do contrato foi avançando nas definições e alocações de risco, evidenciando, gradativamente, maior maturidade regulatória. No entanto, é consenso que inúmeras divergências interpretativas e indefinições sobre matriz de risco, tem gerado, consistentemente, diversos conflitos judiciais, arbitrais e administrativos, em especial, a cada revisão, onde diversos pleitos de recomposição de equilíbrio econômico financeiro são requeridos.

Como forma de tratar essa questão, a ANTT lançou, ao final de 2022, a audiência pública 013/2022 sobre novo modelo proposto de alocação de risco nos contratos de concessão de infraestrutura rodoviária no âmbito da ANTT[7].

Diversos aprimoramentos de alocações para matriz de risco são endereçados na proposta, sendo o principal, objeto deste artigo, o compartilhamento de risco de demanda. Estabeleceu-se uma determinada banda em torno de uma variação simétrica de 15% nas receitas projetadas do projeto inicial. Variações de receitas dentro da banda são alocadas à concessionária e fora desta, ao Poder Concedente através de ajustes posteriores. O acesso à essa forma de proteção (hedge) para o risco de receita foi condicionado à conclusão de grande parte das obrigações de investimentos e obras pela concessionária – 90% do Capex.

O desenho proposto possibilita que a concessionária seja recompensada por variações de receitas, numa eventual realização abaixo de 15% da projetada no estudo de viabilidade econômico (risco negativo – downside), e, de forma análoga, ceda ao Poder Concedente o montante que exceder a 15% desta projeção (risco positivo – upside).

O compartilhamento de receitas, a partir de uma banda, representa um hedge, a semelhança de um derivativo financeiro do tipo caps and floors[8], acionado a partir de um gatilho determinado, no presente caso, a partir da conclusão de investimentos superiores a 90% do Capex.

A ideia básica consiste em aumentar a atratividade do projeto, modificando sua estrutura de risco/retorno. A depender do comportamento da receita (demanda) – variável incerta, a concessão pode apresentar uma estrutura de risco/retorno mais atrativa, com maior valor esperado (VPL) e menor risco (variância, Value at Risk, etc), possibilitando, inclusive, maior desconto tarifário no momento do certame.

A depender da dinâmica da receita (demanda) e sua volatilidade pode-se estimar a probabilidade e magnitude que esta ultrapassa a banda estabelecida – tanto acima quanto abaixo, o que impacta e condiciona a atratividade da concessão e potenciais descontos tarifários. É possível, inclusive, que a atratividade se mantenha (mesmo VPL), ou até diminua (menor VPL), com modificações apenas na sua estrutura de risco (distribuição do VPL), o que não implica, necessariamente, em descontos tarifários na média. Há que se calcular.

Cabe apontar que o teto da banda, impede o concessionário de se apropriar de eventuais vantagens (upside) no caso de realizações favoráveis de demandas (risco positivo), e, dessa forma, conceder maiores descontos aos usuários.

Igualmente importante avaliar os impactos na flexibilização do percentual de gatilho proposto de Capex (90%) para acesso ao hedge de receita proposto. Um valor menor de gatilho pode aumentar a atratividade da concessão, potencializando maiores descontos tarifários.

Em uma ótica de análise de impacto regulatório (AIR), é possível estimar como flexibilizações no regramento modificam a atratividade da concessão e possibilitam maior potencial de desconto tarifário. Em especial, pode-se estimar o trade-off para o Poder Concedente entre menores tarifas imediatas ou eventuais desembolsos no futuro no caso do risco negativo (downside).

Nesse sentido, critérios de flexibilização podem ser analisados em eventuais AIRs. Seja no percentual do gatilho do Capex, na modalidade de garantia de receita mínima, que elimina para concessionária apenas o risco negativo (downside), preservando o risco positivo (upside), ou ainda, desenhos de leilões de menor valor presente de receita – LPVR[9].

Sob a ótica de potencializar investimentos em setores essenciais como os de infraestrutura, ou num contexto onde as concessões mais atrativas já foram licitadas, o melhor desenho para viabilizar novos projetos pode não ser, necessariamente, o de menor ônus ao Poder Concedente.

Concluindo, o novo modelo de compartilhamento de risco de demanda, apresentado pela ANTT, endereça recomendações estruturais presentes na literatura, sobre a necessidade de uma matriz de risco previsível e eficiente, de forma a diminuir a incidência de renegociações recorrentes em concessões de infraestrutura, especialmente, no setor de transporte. Melhora a atratividade da concessão, com ajustes nas estruturas de risco/retorno, potencializando maiores descontos tarifários, maior competição e investimentos. Possibilita estruturas de financiamentos mais favoráveis, incluindo modalidades do tipo project finance, com potencial de atrair maior gama de perfil de investidores para o segmento. A iniciativa é meritória e enseja grandes aprimoramentos regulatórios, na comparação às etapas anteriores do Procrofe.

Referências

  1. Engel, E., Fischer, R.  and Galetovic, A. (2001). Least‐Present‐Value‐of‐Revenue Auctions and Highway Franchising. Journal of Political Economy , Vol. 109, No. 5
  2. Global Infrastructure Hub. (2022). Renegotiation Data. Disponível em: https://managingppp.gihub.org/data/renegotiation-data/. Acesso em: 26 de maio de 2023.
  3. Guasch, J. L. (2004). Granting and Renegotiating Infrastructure Concessions: Doing it Right. World Bank. Washington, D.C.: The World Bank
  4. Guasch, J. L., Laffont, J. J., & Straub, S. (2008). Renegotiation of concession contracts in Latin America: Evidence from the water and transport sectors. International Journal of Industrial Organization, 26(2), 421-442.
  5. Hull, J.C. Options, Futures, and Other Derivatives. Pearson/Prentice Hall, 2009 
  6. Raiser, M.; Clarke, R.; Procee, P.; Briceno-Garmendia, C.; Kikoni, E.; J. Kizito; Vinuela, L. (2017). Back to Planning: How to Close Brazil’s Infrastructure Gap in Times of Austerity. World Bank Group. 2017.

[1] Private Participation in Infrastructure (PPI) Database. Disponível em: https://ppi.worldbank.org/en/ppi. Compreende os setores de eletricidade, gás natural, resíduos sólidos, água e saneamento, portos, ferrovias, rodovias, aeroportos e ICT.

[2] Estimações em Raiser et al (2017) apontam este setor com 50% da lacuna de investimentos no Brasil.

[3] Plano Integrado de Longo Prazo da Infraestrutura 2021-2050.

[4] Guasch, Laffont e Straub (2008) e Global Infrastructure Hub. (2022).

[5] Guash (2004).

[6] Ver em: https://www.gov.br/antt/pt-br/assuntos/rodovias/informacoes-gerais

[7] Ver em: https://participantt.antt.gov.br/Site/AudienciaPublica/VisualizarAvisoAudienciaPublica.aspx?CodigoAudiencia=518

[8] Ver Hull (2009).

[9] Engle et al (2001).

Katia Rocha é Pesquisadora do IPEA. katia.rocha@ipea.gov.br. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade da autora, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ipea.

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Agenda para Investimentos em Infraestrutura e o PL de Debêntures de Infraestrutura

Katia Rocha

Há consenso que a infraestrutura Brasileira, insuficiente em termos de estoque e qualidade, representa uma das principais barreiras à produtividade e ao crescimento econômico e social do país1. A despeito de diversos programas nacionais ao longo do tempo, o Brasil falhou em aumentar sua taxa de investimento em infraestrutura, nem tampouco melhorar a qualidade da mesma, resultando em uma lacuna significativa de infraestrutura seja medida em termos do estoque de capital físico, seja pela percepção qualitativa do serviço.

Na última década, o volume médio de recursos investidos no setor alcançou 1.80% PIB ano[1], situando-se bem abaixo da meta estimada de 4% PIB ano, para um crescimento sustentável[2].

O investimento público respondeu por apenas 0.7% PIB ao ano[3]. Tal valor situa-se abaixo da média de diversos pares emergentes (Peru 2.8%, Chile 2.2%, Colômbia 2%, Uruguai 1.8%, México 1.1%)[4], o que, claramente, justifica a relevância do atual debate sobre a preservação do investimento público num ambiente de ajuste fiscal[5].

A boa notícia refere-se a participação dos investimentos privados, que, de certa forma, supriu uma parcela considerável dessa lacuna, com volumes da ordem de 1.1% do PIB ano em média. Segundo dados do Banco Mundial[6], o Brasil figura, há tempos, entre os três primeiros lugares, seja em volume de recursos alocados em CAPEX ou em números de projetos, ao lado da China e Índia. Dessa forma, a participação privada se estabelece como forte aliada e uma importante fonte de recursos de longo prazo para o setor de infraestrutura nas próximas décadas.

O desafio requer ação simultânea e agenda baseada em quatro frentes: equilíbrio macroeconômico, arcabouço regulatório, planejamento institucional e políticas de financiamento.

A primeira frente sobre equilíbrio macroeconômico é condição básica para efetividade de qualquer programa de governo, em especial, no setor de infraestrutura, onde o usuário final, em última instância, financia os serviços via tarifas indexadas a inflação. Em um ambiente de inflação elevada, a reboque de uma pandemia global, é relevante endereçar prontamente essa questão, sem, no entanto, comprometer a segurança jurídica dos contratos, nem onerar usuários, via serviços mais caros ou ineficientes no futuro.

A segunda frente sobre arcabouço regulatório abrange o fortalecimento constante das agências reguladoras, com autonomia, independência decisória, administrativa e financeira. Busca-se alcançar maturidade regulatória, transparência e segurança jurídica, baseadas em pilares técnicos e nas melhores práticas internacionais. Evidências recentes sugerem maior protagonismo do arcabouço e maturidade regulatória como pré-requisito para a alocação de capital privado no setor de infraestrutura nas economias emergentes, movimento evidenciado, principalmente, após a crise financeira global de 2008[7]. Como implicação, o pilar Regulatório é, atualmente, visto como “complementar”, de fato, às políticas macroeconômicas e fiscais.

A terceira frente sobre aprimoramentos no planejamento institucional reforça o papel das Parcerias Público Privadas (PPPs) no desenvolvimento estratégico de longo prazo e plano nacional de infraestrutura, incentivando maior integração dos projetos com as prioridades de políticas públicas do governo. Nesse segmento, estruturas nos moldes do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), na qualificação, estruturação, e execução dos projetos com participação de ministérios setoriais, agências reguladoras e órgãos de controle são fundamentais.

Finalmente, a quarta frente relaciona-se a estruturas de financiamentos dos projetos, e abrange questões sobre desenvolvimento e ampliação do mercado de títulos coorporativos, em especial, das debêntures de infraestrutura, aumento da base de investidores, incluindo tópicos sobre emissões internacionais, incentivos fiscais e estímulos a investidores institucionais e estrangeiros, desenvolvimento da infraestrutura como uma classe de ativos financeiros, financiamento via modelos project finance, aperfeiçoamentos do sistema de garantias nas fases pré-operacionais e mecanismos de proteção a credores quanto à repactuação de contratos de concessão e transferência de controle.

Todas as quatro frentes, acima descritas, são determinantes para alavancar investimentos no setor, perseguindo eficiência e qualidade. A seguir, ilustramos como a iniciativa em curso – o PL de debêntures de infraestrutura – pode reforçar essa agenda.

O PL Debêntures de Infraestrutura e o Mercado de Dívida Coorporativa

O fortalecimento do mercado de títulos corporativos não financeiros, também conhecido como mercado de dívida coorporativa, é fundamental para toda a Economia. Permite a alocação eficiente de capital para financiamento de empresas, facilita o financiamento de toda uma cadeia de projetos de longo prazo, incluindo os de infraestrutura. Melhora a disciplina e saúde dos balanços das empresas, possibilita precificação eficiente do risco de crédito, diversificação de investidores institucionais e pessoas físicas, promove inclusão das Pequenas e Médias Empresas e estimula a inovação de instrumentos financeiros, ampliando a eficiência e estabilidade de todo sistema financeiro nacional.

A crise financeira global de 2008 destacou a necessidade de reduzir o domínio do sistema bancário no financiamento do setor corporativo, desenvolvendo o mercado de títulos corporativos, visto como elemento estabilizador em períodos de crise. Desde então esse mercado teve expressivo crescimento mundial.

No Brasil, o mercado brasileiro de dívida coorporativa é composto de instrumentos como debêntures (incentivadas e não incentivadas), certificados de recebíveis imobiliários (CRI), certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) e notas promissórias. Configura-se como importante fonte de recursos para as companhias brasileiras[8], tendo expandido de 6% do PIB em 2010 para 9% do PIB em 2022, segundo dados do International Settlements (BIS).

A Tabela abaixo apresenta o panorama global desse mercado para alguns países em 2022 a partir de dados do BIS[9], onde podemos inferir espaços para crescimento.

Mercado Global Dívida Coorporativa – Emissão Local e Internacional

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados do Bank for International Settlements

Pela tabela, observamos que a proporção dos títulos coorporativos não financeiros no Brasil de 9% do PIB (USD 149 Bilhões) situa-se abaixo da média de 13% da OCDE e de 12% dos países emergentes, o que sugere haver espaço para crescimentos nesse segmento[10]. Quanto às emissões internacionais, o volume de emitido pelo Brasil é de apenas 2% do PIB, bem abaixo da média de 8% do PIB da OCDE ou dos países emergentes, sugerindo maior espaço para colocação internacional.

Nesse sentido, o Projeto de Lei das Debêntures de Infraestrutura (PL 2.646/2020), aprovado em 2021 na Câmara de Deputados, mas ainda em tramitação no Senado, pode ser de alta valia para alcançarmos os patamares globais. Propõe a criação de nova categoria de títulos de captação de recursos financeiros, as chamadas debêntures de infraestrutura, ampliando as possibilidades de financiamento para projetos de infraestrutura no Brasil.

Pode ser visto como complementar a Lei de Debêntures Incentivadas (Lei nº 12.431, de 2011), que ampliou e estabeleceu o mercado de capital como importante fonte de recursos de longo prazo. Enquanto a iniciativa de debêntures incentivadas buscou atrair pessoas físicas com incentivos fiscais como isenção de tributação no imposto de renda, as debêntures de infraestrutura têm por objetivo a atração de investidores institucionais e estrangeiros por mecanismos de incentivos tributários, indexação cambial entre outros.

As debêntures incentivadas foram, e continuam sendo, essenciais no financiamento de projetos de longo prazo no setor de infraestrutura e no próprio desenvolvimento do mercado de capital Brasileiro. O volume desse mercado aumentou, sensivelmente, a partir da nova dinâmica do papel de financiamento do BNDES após 2016, alcançando estoque atual de R$ 211 bilhões[11]. Tal montante corresponde a cerca de 27% do mercado total de dívida corporativa (USD 149 Bilhões) e a 2% do mercado de renda fixa no Brasil (USD 2.3 Trilhões). No entanto, a participação de investidores institucionais nas debêntures incentivadas segue baixa – menos de 4% do total da distribuição desde 2012 – incluindo seguradoras, entidades de previdência privada e investidores estrangeiros. Em 2022, a participação dos institucionais e estrangeiros foi praticamente nula – 0.4% do total distribuído[12].

Nesse sentido, o PL de debêntures de infraestrutura se justifica ao buscar incentivar a participação desses institucionais. A classe de ativos do segmento infraestrutura possui características desejáveis a esses investidores. A sua baixa correlação com ativos tradicionais gera oportunidades de diversificação. A estabilidade temporal dos fluxos de caixa pode fornecer hedge e funding à longa duração do passivo dos fundos de pensões ou seguradoras, em especial, do segmento de vida. Retornos justos e atrativos a longo prazo proveniente de receitas de tarifas, sujeitas a revisão e reajustes periódicos, fornece proteção contra inflação e ciclo econômico ao longo do tempo.

A iniciativa fortalece, portanto, a agenda de financiamento e desenvolvimento da infraestrutura como classe de ativos financeiros, e se apresenta como uma importante fonte potencial de recursos de longo prazo para o setor no Brasil.

Referências

1. Calderón C., Servén L., 2010, ‘Infrastructure in Latin America’, World Bank Policy Research Working Paper No 5317.

2. Calderón, C., Servén L., 2004, ‘The Effects of Infrastructure Development on Growth and Income Distribution’, World Bank Policy Research Working Paper No 3400.

3. CVM (2018).  O mercado de dívida corporativa no Brasil: Uma análise dos desafios e propostas para seu desenvolvimento. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/menu/acesso_informacao/serieshistoricas/estudos/anexos/estudo_cvm_mercado_de_divida_corporativa_no_Brasil.pdf

4. Estache, A.; Foster, V.; Wodon, Q. (2002): Accounting for Poverty in Infrastructure Reform: Learning from Latin America’s Experience. WBI Development Studies, Washington, DC: The World Bank

5. Fay, M.; Andres, L.A.; Fox, C.;  Narloch , U.; Straub,S.; Slawson, M. (2017). Rethinking Infrastructure in Latin America and the Caribbean Spending Better to Achieve More

6. Frischtak, C.; Mourão, J. (2017). Uma Estimativa do Estoque de Capital de Infraestrutura no Brasil. Desafios da Nação – artigos de apoio volume 1. IPEA, 2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/180413_desafios_da_nacao_artigos_vol1_cap02.pdf

7. Global Infrastructure Outlook. (2022). Forecasting infrastructure investment needs and gaps. Disponível em: https://outlook.gihub.org/

8. Infralatam – Public Investment in Economic Infrastructure: Evolution by Country and Sector. Disponível em: http://infralatam.info/en/home/

9. Raiser, M.; Clarke, R.; Procee, P.; Briceno-Garmendia, C.; Kikoni, E.; J. Kizito; Vinuela, L. (2017). Back to Planning: How to Close Brazil’s Infrastructure Gap in Times of Austerity. World Bank Group. 2017.

10. Rocha, K. (2020). Investimentos Privados em Infraestrutura nas Economias Emergentes: a importância do ambiente regulatório na atração de investimentos. Texto para Discussão 2584. IPEA. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10217/1/td_2584.pdf.

11. Serebrisky, Tomás, Ancor Suárez-Alemán, Diego Margot, and Maria Cecilia Ramirez. (2015). Financing Infrastructure in Latin America and the Caribbean: How, How Much and by Whom? IDB (Inter-American Development Bank), Washington, D.C. https:// publications.iadb.org/bitstream/handle/11319/7315/Infrastructure%20Financing.%20Definitivo.pdf?sequence=1.

12. SPE (2022). Boletim de Debêntures Incentivadas. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-de-debentures-incentivadas


Disclaimer

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade da autora, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ipea.

* Pesquisadora do IPEA. E-mail: katia.rocha@ipea.gov.br

1 As relações entre infraestrutura e crescimento são bem documentadas na literatura econômica e incluem impactos no desenvolvimento, criação de empregos, acesso ao mercado, saúde e educação e redução da pobreza e desigualdade. Maiores detalhes em: Calderόn e Servén 2004, 2010; Estache, Foster e Wodon (2002).

[1] Referimos ao total de investimentos, público e privado, nos setores de energia elétrica, gás natural, transportes (rodovias, aeroportos, portos e ferrovias), água e esgoto. Dados provenientes do banco de dados Infralatam e PPI Banco Mundial

[2] Raiser et al (2017), Serebrisky et al (2015), Fay et al (2017), Frischtak e Mourão (2017)

[3] Dados disponíveis em InfraLatam http://infralatam.info/en/home/ relativo a media entre 2008 e 2019.

[4] Dados disponíveis em InfraLatam http://infralatam.info/en/home/.

[5] Ver Ardanaz et al. (2021).

[6] A base de dados Private Participation in Infrastructure – PPI monitora os volumes financeiros de CAPEX e números de projetos com controlador privado em diversos setores de infraestrutura em 124 economias emergentes de baixa e média renda, desde a década de 90. Disponível em https://ppi.worldbank.org/en/ppi

[7] Rocha, K. (2020). Investimentos Privados em Infraestrutura nas Economias Emergentes: a importância do ambiente regulatório na atração de investimentos. Texto para Discussão 2584. IPEA. Disponível em: td_2584.pdf (ipea.gov.br).

[8] Maiores detalhes podem ser encontrados em CVM (2018).

[9] Dados compilados para setembro de 2022 pelo Bank for International Settlements – BIS. Incluem títulos de dívida total (TDS) e os títulos da dívida local (DDS) reportados pelas autoridades nacionais, e títulos da dívida internacional (IDS) definidos e compilados pelo BIS a partir de fontes de dados comerciais. Disponível em https://stats.bis.org/statx/srs/table/c1?p=20223&c=

[10] Inferências devem tem em mente o efeito deslocamento (crowding out), no qual o mercado de títulos públicos (financiamento do governo) impõe limites a aumentos no mercado de dívida coorporativa

[11] Estoque de dezembro de 2022 segundo SPE (2022).

[12] Dados disponíveis em https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-de-debentures-incentivadas


Katia Rocha é Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), autarquia vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão desde 1997.

Doutora em Engenharia Industrial/Finanças, Mestre e Graduada em Engenharia Industrial e Elétrica pela Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora no Departamento de Engenharia Industrial
(2002-2013).

Autora e revisora em diversos periódicos acadêmicos – Energy Policy, Journal of Fixed Income, Emerging Markets Review, Forest Policy and Economics, Pesquisa e Planejamento Econômico, Revista Brasileira de Finanças, Revista Brasileira de Economia, Economia Aplicada e Estudos Econômicos.

Atua no Planejamento, Desenvolvimento e Avaliação de Políticas públicas nas áreas de Investimentos em Infraestrutura , Economia da Regulação, Financiamento da Infraestrutura (Investidores Institucionais e Mercado de Capitais), Finanças Internacionais, Determinantes de Risco Soberano, IED e Fluxos de Capital para Economias Emergentes.

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