Felipe Fernandes Reis

O imposto seletivo não pode servir para selecionar os vencedores

Felipe Fernandes Reis & Bianca Xavier

A PEC 45/2019, atualmente em análise pelo Senado Federal, é uma das principais iniciativas para resolver o cruel, injusto e delirante Sistema Tributário Brasileiro. Por tais motivos, este artigo não se debruçará nas razões óbvias da necessidade de uma reforma tributária que simplifique, organize e modernize esse Sistema, como em grande parte a PEC 45/2019 o faz. Ademais, é importante registrar a dificuldade da técnica legislativa de reformular um sistema tão complexo como o atual, especialmente à nível constitucional.

Entretanto, a mesma PEC 45/2019 que visa simplificar o sistema atual, propõe emendar a nossa Constituição para instituir o denominado Imposto Seletivo, o qual incidirá sobre produção, comercialização ou importação de bens e serviços[1] “prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”. Pela proposta, o referido imposto será regrado por Lei Ordinária. O Poder Executivo, aliás, poderá majorar sua alíquota com bastante flexibilidade, sem observar o princípio da anterioridade nonagesimal e por Decreto.

Conforme o relatório apresentado pela Câmara dos Deputados, o referido imposto “proporcionaria aumento de arrecadação, com baixo custo administrativo, onerando produtos cujo consumo se quisesse desestimular pelos efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente”. Destaca-se, ademais, que foram citadas como benchmarking as experiências europeias, especialmente os arts. 3º e 5º da Diretiva nº 92/12/CEE do Conselho das Comunidades Europeias e o art. 1º da Diretiva nº 2003/96/CE do Conselho da União Europeia.

Contudo, considerando fatores como: (i) a flexibilidade do Poder Executivo para fixar alíquotas; (ii) a mitigação das garantias da anterioridade, e a (iii) imprecisão e abrangência de sua incidência, existem riscos consideráveis do Imposto Seletivo servir não somente para desincentivar o consumo (nesse ponto, deve ser avaliado o grau de elasticidade da demanda desses bens, inclusive) ou compensar eventuais externalidades negativas -uma vez que parte considerável de sua receita já está destinada para outros fins-, mas também para onerar produtores e comercializadores de determinados bens e serviços em benefícios de outros, prejudicando o processo competitivo e os objetivos de isonomia tributária, os quais fundamentaram a reforma e estão consagrados na Constituição Federal (art. 150, II e 170 III).

Dessa forma, é preocupante a previsão da utilização do Imposto Seletivo como ferramenta de competitividade em favor de agentes e operações realizadas em determinadas regiões já beneficiadas (como Zona Franca de Manaus e de outras áreas de livre mercado). Uma vez que, além de não atender as justificativas lançadas para criação desse imposto, isso poderá servir como instrumento e  fator de desequilíbrio competitivo, elegendo, assim, o player vencedor.

Nesse sentido, é importante citar o estudo do ICC referente à necessária interação entre a política tributária e defesa da concorrência, para fins de impedir que agentes que atuam no mesmo mercado sejam expostos a regimes diferentes. Vejamos[2]:

‘“A adoção dessas medidas extrafiscais em buscar atingir determinados efeitos sociais deve ser cuidadosamente pensada e adotada com cautela. Fundamentalmente, devem garantir horizontalidade e neutralidade tributária, a fim de não criar assimetrias injustificadas entre produtos que integram o mesmo mercado relevante. Por vezes, percebe-se desvirtuamento na sua aplicação e mesmo desigualdades injustificadas, por exemplo, entre produtos que integram o mesmo mercado relevante e não deveriam usufruir de tratamento diferenciado entre si.”

Note-se que, para alcançar o objetivo de somente desincentivar o consumo e/ou compensar externalidades de determinados produtos e/ou serviços, a PEC 45/2019 deveria limitar a incidência do Imposto Seletivo somente em uma determinada etapa da cadeia, como: no momento final do consumo, ao invés de permitir que fosse aplicado em diferentes elos, como na produção e comercialização do mesmo bem, atendendo, assim, ao princípio da não cumulatividade plena.

Por outro lado, se o escopo do Imposto Seletivo for incentivar o consumo de determinado bem ou serviço, ou promover região específica, isso deveria ser realizado por meio de benefícios e incentivos fiscais, ao invés de majorar os ônus tributários a agentes específicos, sem ao menos considerar outros custos que são aplicados com os mesmos objetivos, como aqueles de natureza regulatória.

Nesse sentido, é importante citar estudo da OCDE a respeito das regras no âmbito da União Europeia envolvendo incentivos e benefícios por parte dos países membros, denominado como “State aid”. No referido estudo, a OCDE fez questão de ressaltar as preocupações da autoridade europeia com distorções concorrenciais, consignando que[3]:

However, a favour in the sense of EU state aid rules is only deemed to have come into existence if it leads (or, at least, has the potential to lead) to a distortion of competition. Aid (in the sense of a selective grant through state resources) distorts competition only if that aid improves the position of the beneficiary or a third party in the applicable market to the detriment of their (potential) competitors. In order to determine whether this applies, it is necessary to compare the competitive situation before and after an (intended) subsidy is compared (ECJ, 1974[17]) (ECJ, 1980[18])12.

No caso do Imposto Seletivo, além da sua abrangência e da mitigação às garantias da legalidade e anterioridade, nota-se também a ausência da previsão de quaisquer mecanismos que limitem a instituição do referido imposto, especialmente por meio de instrumentos de análise prévia de seu impacto e resultado, como AIR e ARR, bem como da necessidade de observar princípios como: isonomia entre contribuintes em situações semelhantes; capacidade contributiva; e a não cumulatividade com outros tributos de natureza e objetivos semelhantes, como é o caso da CIDE e/ou da seletividade da alíquota do IPI e/ou ICMS, bem como com outros fatores de custos (regulatórios, por exemplo) que também tenham o mesmo objetivo do Imposto Seletivo.

Desse modo, para que se alcance as motivações reformistas da simplificação e isonomia tributária, bem como da não cumulatividade, da eficiência e da previsibilidade da carga nos diferentes elos e setores da cadeia econômica, é indispensável que o Senado Federal aperfeiçoe o texto referente ao Imposto Seletivo, de modo a estabelecer limites mínimos para sua incidência e assegurar que o mesmo não servirá para distorções do processo competitivo.  


[1] Trata-se de mais um aumento da base de incidência promovido pela PEC, uma vez que o IPI (que teria essa natureza extrafiscal) não incide sobre serviços. 

[2] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.iccbrasil.org/wp-content/uploads/2022/12/ICC-Tributac%CC%A7a%CC%83o-e-Concorre%CC%82ncia_Artigo.pdf

[3] Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/sites/bf96ce64-en/index.html?itemId=/content/component/bf96ce64-en#back-endnotea2z4


FELIPE FERNANDES REIS. Advogado, coordenador da equipe de Direito Econômico e Concorrencial do Malard Advogados Associados.Coordenador do Comitê de Compliance e de Regulação do Open Delivery. Graduado em Direito e Mestrando em Economia pelo IDP/Brasília. Membro Consultor das Comissões de Direito Econômico e de Energia da OAB/Federal; e membro das Comissões de Defesa da Concorrência e de Relações Governamentais e Institucionais da OAB/DF. Associado Internacional da American Bar Association (ABA), nos comitês de Antitrust Law; e Environment, Energy and Resource Law. Autor de artigos publicados em livros, periódicos e sites especializados de Direito Econômico e da Concorrência.

BIANCA XAVIER GOMES. Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela UCAM. Professora de Direito Tributário da FGV DIREITO RIO.  Técnica Contábil pela UCAW. Coordenadora da Pós-Graduação em Direito Financeiro e Tributário do CEPED/UERJ. Advogada.

Transição para o mercado concorrencial e o enforcement junto ao agente dominante: que prevaleça a defesa da concorrência no setor de gás natural

Felipe Fernandes Reis

Não obstante o mandamento constitucional em prol da livre concorrência e os respectivos instrumentos da Lei de Defesa da Concorrência, a nova legislação do setor de gás natural não deixa dúvida a respeito da estrutura e diretrizes pró-competitivas que devem ser observadas e respeitadas por seus agentes e reguladores. 

Apesar dos esforços intergovernamentais, diversas são as dificuldades para ingresso e competição no setor, especialmente no mercado de comercialização de gás à jusante[1]. Por isso, se fez necessário estabelecer premissas voltadas para a atuação das autoridades e dos agentes durante o período de transição para o ambiente concorrencial através da Resolução 03/2022 do CNPE[2][3], que trouxe diretrizes específicas ao agente com posição dominante.

No conjunto das medidas dedicadas ao período de transição, o enforcement da autoridade antitruste junto às práticas do agente incumbente é indispensável. E dentre as diversas condutas da Petrobras que despertam atenção concorrencial, o presente artigo analisa alguns aspectos do modelo de comercialização de gás recentemente adotado pela empresa.

Inicialmente, é importante explicar que nos contratos da Petrobras com as Distribuidoras (principal parcela da demanda do mercado) é estipulado uma quantidade mínima a ser retirada de gás (take or pay) que está relacionada à Quantidade Diária Contratada (“QDC”). Se o volume da Distribuidora for superior à QDC, o custo do gás será majorado, sendo aplicado o Preço de Gás de Ultrapassagem (PGU). Trata-se, portanto, de uma penalidade ao consumidor do gás.

As Distribuidoras, portanto, tendem a contratar volume significativo de sua demanda com a Petrobras, uma vez que a retirada abaixo da obrigação mínima não a isentará de pagar pela quantidade que não consumir, e qualquer oscilação para cima será duramente penalizada. Isso aumenta as dificuldades das Distribuidoras de criarem um portfólio com diferentes supridores, prejudicando, portanto, a liquidez e a diversidade de agentes ofertantes.

Ainda assim, as Distribuidoras e potenciais Consumidores Livres estão instituindo processos competitivos para contratarem seu volume de gás, com a esperança que novos agentes ofertantes consigam ultrapassar as diversas barreiras para tanto, em especial no acesso às essential facilities dos elos upstream e midstream (escoamento, processamento e gasodutos de transporte- majoritariamente controladas pela Petrobras).

Aos poucos, a entrada de novos players no mercado de comercialização de gás à jusante vem acontecendo, com propostas mais vantajosas e flexíveis em comparação às da Petrobras. Entretanto, nesse exato momento de transição, e com as dificuldades comuns da abertura do setor (historicamente concentrado e verticalizado no player dominante), é preocupante a celebração de contratos de longo prazo, especialmente na região sul e sudeste, entre a Petrobras e as Distribuidoras, como alternativa para que a incumbente não aumente expressivamente o preço do gás e encerre as disputas judiciais com esse objetivo[4].

Nota-se, inclusive, que a Petrobras vem inserindo nesses contratos trecho em que afirma que o volume contratado não representa mais de 2/3 da quantidade média da Distribuidora, de modo a atender ao princípio do inciso VII, art. 9 da Resolução 03/2022 do CNPE, permitindo, assim, que a CDL contrate com outros ofertantes, o que afastaria preocupações concorrenciais.

Além disso, também já se afirmou que a mera previsão de redução da QDC na hipótese de migração do consumidor ao mercado livre reduziria as preocupações dos efeitos à concorrência desses contratos de longo prazo, uma vez que pelo menos alguma parcela do volume contratado pelas Distribuidoras poderia ser reduzida se os usuários livres contratarem com outros comercializadores, não prejudicando a competitividade do mercado.

Entretanto, faz-se necessário explicar que a Petrobras apenas prevê a redução da QDC por parte das Distribuidoras no caso da migração de seu(s) usuário(s) para o ambiente livre, e, além disso, com algumas importantes restrições, vejamos:

  • Se o usuário que migrar para o Mercado Livre contratar com a Petrobras: não haverá qualquer limite na redução da QDC da Distribuidora;
  • Se o usuário que migrar para o Mercado Livre contratar com comercializador concorrente da Petrobras: haverá um limite da redução da QDC, geralmente de até 40% (quarenta por cento) ou – nos casos em que a Distribuidora também tem contratos com outros ofertantes- o limite poderá ser o mesmo percentual que a QDC daquele específico contrato representar em relação aos demais contratos da CDL com outros supridores.

Ademais, nos contratos recentes, a Petrobras não autoriza a redução da QDC da Distribuidora no caso do seu usuário livre contratar comercializador que já tenha contrato de suprimento com essa, criando, assim, significativa dificuldade ao seu concorrente. Isso porque, se esse concorrente da Petrobras vencer a disputa para atender o consumidor que migrar para o mercado livre, para as Distribuidoras restarão duas alternativas:

(i) se o contrato com esse supridor assim permitir, será reduzido o volume contratado desse; ou;

(ii) se não for possível tal redução, a migração do consumidor tende a ser obstaculizada pela Distribuidora, a qual buscará não arcar com tal prejuízo.

É extremamente necessário lembrar que tal previsão não permite a redução no caso da Distribuidora optar por contratar com outro supridor, mas apenas ao usuário que migrar ao mercado livre. A Resolução 03/2022 do CNPE, por sua vez, não faz tal distinção. Pelo contrário, o CNPE estipulou, observando experiências bem-sucedidas de abertura de mercado, que no período de transição para o ambiente concorrencial o agente com posição dominante observasse a seguinte medida:

VII – a oferta de contratos de compra e venda de gás natural com cláusula específica que possibilite a redução de quantidade contratada pelo adquirente, sem aplicação de qualquer penalidade, no limite mínimo de um terço do volume contratado.

Sob esse ponto, destaca-se que, conforme evidenciado pelos estudos e ranking regulatórios (como o RELIVRE[5]), a migração para o mercado livre é marcada por dificuldades de ordem regulatória e de mercado (inclusive relacionados às condutas da Petrobras, que criam dificuldades no ingresso de novos agentes aos mercado, como no acesso às suas essential facilities), tanto que são raros os consumidores que conseguiram tal objetivo. O que torna a previsão da redução apenas no caso de migração ao mercado livre pouco eficaz.

Além das limitações para a migração das quantidades contratadas pelas Distribuidoras, é preocupante a significativa parcela de mercado que está aprisionada ao agente dominante nos próximos anos. A alternativa a esses contratos de longo prazo seria o aumento significativo do preço do gás.

Nesse sentido, cita-se os recentes contratos da Petrobras com a Cemig e ES Gás, celebrados na esteira dos acordos para encerrar processos judiciais, que visavam impedir o referido aumento. Nas duas ocasiões, foram celebrados diversos contratos com durações, como: 2023-2025; 2024-2028 e 2024-2032, e/ou aditivos aos acordos em vigor. De modo geral, as Distribuidoras, que vinham contratando e negociando com outros ofertantes, aumentaram o volume contratado com a Petrobras nos próximos 03 (três) anos, além de terem que “reservar” parcela significativa dos próximos 05(cinco) e oito (oito) anos à Petrobras, senão vejamos:

*Com base em informações públicas do MME, ANP, CADE e relatórios das Distribuidoras

Pela sua inequívoca e histórica dominância, os efeitos do modelo de comercialização da Petrobras, ao fechar significativa parcela de mercado nos próximos anos, tende a reduzir a capacidade e incentivos para entrada de novos agentes e a esperada rivalidade no setor. Acrescenta-se que, no estágio de abertura e transição para um ambiente concorrencial de um setor com profundas dificuldades para tanto, o enforcement antitruste e regulatório sobre as condutas do agente incumbente requer atenção prioritária acerca de seus efeitos anticompetitivos.

Nesse sentido, pode ser citada a importante pesquisa doutrinária do Dr. Bruno Braz de Castro, apresentada em seu livro “A que(m) serve o Antitruste”, que destaca a importância da atuação da autoridade de defesa da concorrência nas seguintes hipóteses e com os objetivos[6]:

Como isso é especialmente marcante para antigos monopólios estatais liberalizados, uma política rigorosa quanto ao abuso de posição dominante deve ser vista como complemento essencial à liberalização, para prevenir que agentes com posições dominantes perpetuem seu poder através da criação de restrições privadas (HEIMLER; MEHTA, 2013, p. 04)

Além de ser necessário que a política de aplicação da lei de defesa da concorrência, em países em desenvolvimento, atribua atenção especial aos abusos de posição dominante, é necessário que essa análise se utilize de critérios substantivos comprometidos com a manutenção da rivalidade e proteção da estrutura da concorrência.

Em recente julgado, o Tribunal do CADE ressaltou a preocupação dos efeitos anticompetitivos de condutas praticados por firmas dominantes que induzem exclusividades, fechamento de parcela relevante de mercado e/ou inviabilizam a entrada e rivalidade, conforme pesquisa jurisprudencial consignada no voto do Conselheiro Victor Fernandes[7]:

Na vasta maioria dos casos, o CADE infere a lesividade da prática exclusionária a partir de evidências indiretas, notadamente o grau de cobertura do fechamento no “mercado-alvo”. Além disso, a prática jurisprudencial também se afasta de uma regra da razão em sentido estrito, na medida em que, em alguns precedentes, o CADE parece ter adotado entendimento muito restritivo acerca da comprovação de eficiências.

Por fim, ressalta-se que, pela sua natureza de indústria de rede, as medidas pró-competitivas do setor devem ser adotadas em harmonia nos diversos segmentos que o compõe, ou seja: enquanto se promove boas práticas regulatórias no acesso às essential facilities (upstream e midstream) e medidas para desconcentrar a oferta (gas release), é necessário também assegurar que o elo da demanda tenha condições e flexibilidades para contratarem com os novos agentes do setor, de forma a permitir o seu ingresso e os elevados investimentos necessários, conforme denominado como “customer release” no estudo “Gas Release Study for the Brazilian Natural Gas Market[8] que avaliou o grau de concentração do setor de gás natural e medidas para a sua redução, e que será objeto de análise numa oportunidade futura.


[1] A respeito da delimitação do mercado relevante de comercialização, ver: Reis, Felipe F. “A OCDE e o novo mercado de gás: O Ponto Virtual de Negociação como mercado relevante no setor de gás natural”, Web Advocacy, 2022. Disponível em: https://webadvocacy.com.br/2022/10/17/a-ocde-e-o-novo-mercado-de-gas-o-ponto-virtual-de-negociacao-como-mercado-relevante-no-setor-de-gas-natural/

[2] As informações sobre a Resolução podem ser acessadas no site: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/analise-de-impacto-regulatorio-air-e-avaliacao-de-resultado-regulatorio-arr/relatorios-de-air/air-relacionada-a-proposicao-de-minuta-de-resolucao-cnpe

[3] Em sua coluna neste portal, a Dra. Daniela Santos explica os motivos e objetivos dessa resolução, Disponível em: https://webadvocacy.com.br/2022/05/04/o-cnpe-e-a-concorrencia-no-mercado-de-gas/

[4] Reportagem do portal especializado EPBR detalha os novos contratos da Petrobras e o contexto de suas negociações. Disponível em: https://epbr.com.br/petrobras-recorre-a-contratos-mais-longos-de-olho-na-abertura-do-mercado-de-gas/

[5] Iniciativa de Associações de Consumidores e Produtores de Gás. Para mais informações: https://relivre.com.br/

[6] Castro Bruno Braz de. “A que(m) serve o Antitruste”, São Paulo Singular, 2019. Pag. 205.

[7] SEI CADE: 1144189. Rec. Voluntário: 08700.005936/2022-65

[8] Estudo contratado por entidades representantes de consumidores e produtores de gás natural. A apresentação do estudo pode ser acessadas em: https://www.youtube.com/watch?v=cvS8Lq2VVcA

A OCDE e o Novo Mercado de Gás: O Ponto Virtual de Negociação como Mercado Relevante no setor de Gás Natural

Felipe Fernandes Reis

Os desafios do setor de gás natural no Brasil vem sendo objeto de iniciativas em prol de boas práticas regulatórias e de defesa da concorrência, a Web Advocacy ostenta importantes publicações nesse sentido, dentre os quais destaco a coluna da Dra. Daniela Santos, profunda conhecedora da matéria[1]. Com esse intuito, a proposta deste artigo é defender o conceito e dinâmica de um dos pilares desenhados para o novo modelo do setor, “o mercado de comercialização atacadista de gás”, especialmente no indispensável papel do CADE em suas análises de atos de concentração ou controle de condutas.

Aliás, aproveita-se que a OCDE incluiu a delimitação de mercado relevante nos setores de Oil & Gas (“O&G”) entre os temas tratados na “Latin American and Caribbean Competition Forum”[2], como oportunidadede também considerar as recomendações desse importante órgão a respeito desse tema. No paper que endereça as principais questões encaminhadas no aludido Forum[3], é destacado a importância de boas práticas na delimitação do mercado relevante, reforçando o entendimento que tal exercício consiste em valioso instrumento de análise, mas não sendo “um fim em si mesmo” ou o único meio de análise da autoridade antitruste para apurar os possíveis efeitos anticompetitivos de uma conduta ou ato de concentração. O CADE, inclusive, vem adotando essa premissa, reconhecendo o papel da delimitação do mercado relevante como instrumento de análise e importante mecanismo para apurar probabilidade de condutas anticompetitivas e seus respectivos efeitos[4].

No referido paper da OCDE, também é mencionado o desafio da delimitação de mercado relevante em setores objetos de transformação, seja em razão de inovações tecnológicas ou pela própria regulação, como é o caso do setor de gás natural no Brasil, que nos últimos anos vem sendo objeto de reformas legais e regulatórias, alterando a sua estrutura e dinâmica, com o objetivo de promover concorrência, eficiência e liquidez no setor de gás natural, conforme proposto pelo Comitê de Promoção da Concorrência no Mercado de Gás Natural[5] e estruturado pelo novo modelo desenhado pela ANP[6].

Além disso, vale citar a orientação da OCDE sobre a necessidade da interação entre a agência reguladora com a autoridade antitruste, para melhor compreensão do setor, redução de assimetrias de informação e outras formas de colaboração na adoção de medidas de preservação e promoção da concorrência. Ressalta-se, também, o reconhecimento, no referido paper, acerca da evolução das análises do CADE na delimitação do mercado relevante no setor de gás natural, especialmente a partir do ato de concentração envolvendo a aquisição do controle da GASPETRO pela Compass Gás e Energia S.A, que antes era detido pela Petrobras[7]. No documento, essa evolução é atrelada à importante separação entre os mercados de comercialização e distribuição de gás natural[8].

Nesse sentido, vale citar que a referida operação foi objeto de análise tanto pela Superintendência Geral (“SG/CADE”) como pelo Tribunal do CADE. A SG/CADE[9] e o Conselheiro Relator definiram o mercado relevante da distribuição de gás canalizado de forma separada da Comercialização, a qual foi segmentada em dois mercados distintos:

  • Comercialização para atender ao Consumidor Livre;
  • Comercialização para fornecimento ao Consumidor Cativo (ou seja: Comercialização para atender as Distribuidoras de Gás Canalizado).

Por outro lado, apesar de acompanhar o Relator em suas conclusões quanto à aprovação da operação, o Conselheiro Victor Fernandes divergiu no tocante à delimitação dos mercados relevantes acima mencionados. No que se refere aos mercados de Comercialização de gás, o Conselheiro o definiu em “Comercialização Atacadista”, segmentado em dois níveis: a montante (i.e. entre produtores e importadores) e a jusante (que ocorre a partir da rede de transporte), aliás, também tratou do mercado de comercialização varejista, que consiste no fornecimento aos usuários do mercado cativo, atualmente de exclusividade das Concessionárias do serviço público de distribuição gás canalizado (Distribuidoras/CDL).

Entre as diferenças dos entendimentos acima, é importante principalmente destacar a opção de incluir as distribuidoras no lado da demanda juntamente com os consumidores livres, conforme delimitado pelo Conselheiro Victor no denominado “mercado de comercialização atacadista à jusante”, enquanto o entendimento da SG/CADE e do Conselheiro Relator seria apenas incluir os consumidores livres na demanda do mercado de comercialização, sem considerar, portanto, o volume adquirido pela Distribuidora e seu papel enquanto adquirente de gás nesse mercado.

É importante destacar que o presente artigo não tem por objeto analisar os fundamentos e motivações alcançadas no referido ato de concentração, o que poderá ser feito em oportunidades futuras. Contudo, é importante apenas mencionar que durante a análise dessa operação, os debates a respeito da dinâmica do setor, em especial sobre a comercialização de gás (se seria apenas uma atividade; um elo e/ou um mercado relevante) acabou por prejudicar, a meu ver, a adequada compreensão da comercialização, sua definição como um mercado relevante, bem como a sua dinâmica concorrencial.

Feito esse breve resumo acerca dos diferentes entendimentos recentemente adotados pelo CADE, entende-se de suma importância defender o mercado de comercialização atacadista de gás à jusante (nos termos propostos pelo Conselheiro Victor), isso porque, no atual momento e de forma geral, é possível e provável que os ofertantes atuem e rivalizem para atender tanto o consumidor livre como as distribuidoras, as quais, além de representarem a maior parcela do volume comercializado no país, desempenham significativo papel no acesso dos comercializadores ao consumidor livre, na medida que esses precisam contratar seu serviço de distribuição de gás no nível downstream para então migrarem como demandante nesse mercado de comercialização atacadista à jusante. Aliás, são vários os casos de comercializadoras que já celebraram contratos com ambos[10].

As recentes reformas do setor buscaram instituir o mercado de comercialização atacadista à jusante[11], a partir do Ponto Virtual de Negociação (“PVN”) ou “Hub” atrelado à respectiva área de capacidade de transporte- como o ambiente propício à competição entre os diferentes ofertantes (comercializadoras de produtoras, importadoras, do grupo econômico das distribuidoras e traders) para atender a demanda das CDL’s, dos consumidores livres e das distribuidoras a granel (GNL/GNC), de modo que as relações comerciais não sejam necessariamente atreladas ao fluxo físico da molécula, gerando, desse forma, liquidez, concorrência e flexibilidade, com aumento da oferta e entrada novos agentes. Por tais razões, o CNPE, através da Resolução n.03 de 2022, estabeleceu como de interesse da Política Energética Nacional que os agentes identifiquem nos contratos de comercialização o Ponto Virtual de Negociação como o ambiente de troca de titularidade do gás, conforme modelo estruturado nas reformas do setor:

Sugere-se, portanto, que o mercado relevante de comercialização atacadista à jusante seja delimitado à luz do Ponto Virtual de Negociação, adotando, inclusive, essa terminologia, de modo a evitar que esse seja confundido com outras atividades e segmentos adjacentes que também envolvem a compra e venda de gás, por exemplo: comercialização de gás não processado entre produtoras (upstream) ou o fornecimento de gás pelas Distribuidoras ao usuário cativo (downstream).

Em sua esfera geográfica, até a completa integração entre as diferentes áreas de transportes, sugere-se a segmentação do mercado conforme cada uma das áreas de capacidades de transporte, uma vez que a sua contratação (no formato de entrada e saída) é necessária para a atuação do agente em cada mercado, conforme assim delimitado pela ANP:

Reita-se que a definição do PVN como um mercado relevante permite a melhor identificação de sua dinâmica competitiva e os riscos de eventuais atos anticoncorrenciais, em especial a partir da sua integração vertical, seja com o elo upstream (comercialização atacadista à montante) como a partir do downstream (Distribuidoras Locais de Gás Canalizado).

No que se refere ao elo upstream, cita-se, como hipótese, o caso dos concorrentes da Petrobras que constantemente necessitam contratar capacidade de escoamento e processamento de suas infraestruturas à montante para então ofertarem gás junto aos consumidores livres e distribuidoras no mercado Ponto Virtual de Negociação. Sob a perspectiva concorrencial, a adequada delimitação do PVN como mercado relevante, permite avaliar riscos de eventuais estratégias para criação de custos, dificuldades e outras condutas restritivas verticalizadas a partir do elo upstream contra esses concorrentes na contratação de de gás e de acesso às suas essential facilities, prejudicando a concorrência no Ponto Virtual de Negociação.

Em relação à integração vertical entre o mercado de Ponto Virtual de Negociação com as distribuidoras de gás canalizado (monopólio natural), os riscos decorrem especialmente no caso do grupo da distribuidora também atuar como comercializadora no PVN, ou seja, concorrendo com outros comercializadores para atender a sua demanda ou a dos usuários cativos aptos para migrarem para o ambiente livre. A definição do PVN como mercado relevante independente, permite, assim, identificar quaisquer tentativas de práticas restritivas a partir do elo da distribuição, as quais devem ser efetivamente apuradas, para fins de preservar um ambiente competitivo, no qual os agentes tenham condições reais de concorrerem para atender às CDL’s e aos potenciais consumidores livres.

Por fim, importante destacar que a nova Lei do Gás (Lei Federal 14.134/2021) instituiu mecanismos importantes para preservação da concorrência nesse mercado, e, assim, evitar condutas anticompetitivas. Contudo, a aplicação dessas medidas requer a constante atuação e cooperação entre as autoridades competentes, em especial do CADE com os respectivos reguladores, à luz das boas práticas internacionais e conforme destacado pela OCDE.


[1] Disponível em: https://webadvocacy.com.br/daniela-santos/

[2] Para mais informações sobre o Latin American and Caribbean Competition: https://www.oecd.org/competition/latinamerica/2022forum/

[3] Disponível em: https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/LACF(2022)12/en/pdf

[4] Nesse sentido, ver: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-trabalho/2010/documento-de-trabalho-n01-2010-delimitacao-de-mercado-relevante.pdf

[5] Instituído pela Resolução n.:04 de 2022 do CNPE.

[6] Disponível em: http://www.anp.gov.br/arquivos/cp/2020/cp01/cp1-2020-modelo-conceitual.pdf

[7] Ato de Concentração: 08700.004540/2021-10.

[8] Entendimento da OCDE desde os anos 2000, disponível em: https://www.oecd.org/daf/competition/sectors/1920080.pdf

[9] Em seu parecer, a SG consignou a possibilidade da revisão desse entendimento conforme as mudanças da dinâmica do setor, nos moldes pretendidos pela regulação

[10]  Nesse sentido, ver: https://epbr.com.br/abertura-do-mercado-de-gas-natural-ja-tem-dez-novos-fornecedores/

[11] Nessa linha, sugere-se o estudo da CNI sobre a organização do mercado atacadista: https://static.portaldaindustria.com.br/media/filer_public/22/4d/224de293-bec6-455d-8b9f-dc5a69e30e14/id_237108_organizacao_do_mercado_atacadista_de_gas_web1.pdf

Energia OFFSHORE: um tema novo que une as experiências elétrica e do petróleo e gás

Daniela Santos

Felipe Fernandes Reis

Hoje o foco da minha coluna mensal, com a participação especial do Fernando Montera, é a exploração da energia offshore, ou seja, a energia gerada no mar – eólica, inclusive, mas pode ser qualquer outra, a partir das ondas, das marés, das correntes marítimas entre outras.  Um tema muito atraente para todos aqueles que se interessam pela diversificação da matriz energética nacional, pela inovação tecnológica e pelo meio ambiente.

Para termos uma ideia do “tamanho da coisa”, somente Reino Unido, Alemanha e China respondem por um total de aproximadamente 27 GW de energia proveniente apenas de eólicas offshore[1]. E o mercado continua em franca expansão, incluindo a participação de outros Países como os Estados Unidos.

Apesar do tema não ser tão novo assim – se considerarmos que as primeiras experiências na produção de energia offshore ocorreram na Dinamarca em 1991 – é certo que, no Brasil, trata-se de uma nova frente energética, com um potencial enorme de geração de energia e, consequentemente, de estímulo de novos entrantes no setor.

Considerando todo o movimento mundial, em 2020, a EPE divulgou seu estudo sobre o tema no Brasil – Roadmap Eólica Offshore – Perspectivas e caminhos para a energia eólica marítima. Nele, são apresentadas informações que devem ser consideradas para o amadurecimento do debate sobre a nova fonte energética – já inserida no Plano Decenal de Expansão de Energia –PND.

Em síntese, o trabalho da EPE aponta para (i) a existência de um “potencial técnico de cerca de 700GW em locais com profundidade até 50m” em todo o litoral brasileiro, mas especificamente na região Nordeste (sem excluir outras áreas, inclusive o Rio de Janeiro, por exemplo, com a sua expertise em mercado offshore); (ii) a necessidade de estrutura portuária adequada para a construção, montagem e transporte dos equipamentos eólicos; (iii) custos elevados de implantação e operação dos parques eólicos offshore (tecnologia e equipamentos diferentes da eólica onshore) ; (iv) necessidade de conexão com as linhas de transmissão de energia (e eventuais reforços); (v) ajustes normativos/regulatórios e ambientais.

Paralelamente, no final de 2020, o IBAMA elaborou o Termo de Referência Padrão para Complexos de Energia Eólica Offshore, de modo a garantir o correto entendimento sobre os estudos de impacto ambiental de empreendimentos de geração eólica offshore. A iniciativa é importante para garantir celeridade e segurança para o investidor e o Termo já está sendo utilizado na análise dos projetos já apresentados ao IBAMA.

Em relação à regulação, a despeito de não haver impedimentos para o desenvolvimento da atividade eólica no País, o foco é a geração onshore, que, como sabemos, é uma atividade já estabelecida e diferente da offshore. Assim, recentemente o Ministro de Minas e Energia noticiou que devemos ter as adequações regulatórias necessárias equacionadas ainda em 2021.

Por outro lado, há algumas possibilidades de arcabouço legal que estão sendo cogitadas, o que inclui a adoção do modelo de Oferta Permanente do setor de petróleo e gás e possibilidade de se optar por uma nova lei federal, de modo a garantir segurança aos empreendimentos offshore. No Brasil, há dois projetos de lei sobre o assunto tramitando no Congresso. O mais antigo é o PL nº 11.247/18 (que trata da promoção ao desenvolvimento da geração de energia elétrica a partir de fontes eólica e solar fotovoltaica offshore) e o segundo o PL nº 576/21 (que trata do potencial energético offshore – sem limitar as fontes).

O PL 11.247/18 encontra-se, desde janeiro de 2019, na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara do Deputados. Em extrema síntese, o PL propõe alteração na Lei nº 9.074/95 de modo a incluir as usinas eólicas e solares e a autorização da ANEEL para a atividade (com a obrigação de chamada pública). Igualmente, propõe ajustes nos artigos sobre princípios e objetivos da Política Energética Nacional – com o intuito de promoção e incentivo às novas fontes – políticas nacionais e medidas específicas recomendadas pelo CNPE e nas definições (incluindo prismas eólico, fotovoltaico e energia de fonte solar fotovoltaica) contidas na Lei nº 9.478/97.

O mencionado PL propõe a alteração da Lei nº 9.427/96 – garantindo a competência da ANEEL para regular as atividades e promover os procedimentos para a outorga de concessão ou de autorização de uso do bem público associado às usinas eólicas e solar offshore – e da Lei nº 10.847/04, esclarecendo a competência e atribuições da EPE sobre o assunto.

No mais, especifica os regimes de concessão e autorização de uso do bem público associado a implantação das usinas, detalhando o processo licitatório e as cláusulas essenciais do contrato de concessão. Sobre as participações que deverão ser pagas pelos autorizados/concessionários, o PL propõe o seguinte:

“Art. 14. O edital de licitação e o contrato de concessão ou de autorização de uso do bem público disporão sobre o pagamento pela ocupação ou retenção de área, a título de arrendamento ou taxa de ocupação, a ser feito mensalmente, nos termos estabelecidos em resolução do CNPE.” (g.n.)

Por outro lado, o PL 576/21 encontra-se, desde fevereiro de 2021 no Plenário do Senado Federal aguardando a escolha do relator. De forma resumida, o PL altera as Leis nº 9.478/97, nº 9.074/95 e nº 10.438/02, disciplinando a outorga de autorizações para aproveitamento de potencial energético offshore, seja ele eólico ou qualquer outro. O texto apresentado define offshore, prisma energético e descomissionamento, além de esclarecer os princípios e fundamentos da exploração e desenvolvimento da geração de energia a partir de fonte instalada offshore.

O PL estabelece o regime de autorização – e não concessão – de uso de bens da União (com suas respectivas obrigações), por meio de outorga planejada (conforme planejamento do CNPE, por meio de processo seletivo público, considerando, entre outros, a disponibilidade de ponto de interconexão à rede básica) ou de outorga independente (conforme prismas sugeridos pelos interessados – após estudos, por sua conta e risco – com realização de consulta pública prévia).

O texto também define os estudos exigidos para a autorização, o que remete a avaliação técnica e econômica, EIA e avaliação da segurança náutica e aeronáutica. Detalha questões referentes aos prismas energéticos, inclusive indicando a possibilidade de constituição de prismas nas áreas de exploração e produção de petróleo e gás nos casos de constituição de prismas pelos seus operadores ou com sua anuência – boa oportunidade para as concessionárias de E&P!

Ademais, o PL mais recente, além de detalhar o descomissionamento, também fala sobre participações governamentais obrigatórias, o que merece a transcrição do dispositivo proposto:

“Art. 13. O processo seletivo público e o respectivo instrumento de outorga dele resultante disporão sobre as seguintes participações governamentais obrigatórias:

I – bônus de assinatura, que terá seu valor mínimo estabelecido no respectivo instrumento de outorga e corresponderá ao pagamento ofertado na proposta para obtenção da autorização, devendo ser pago no ato da assinatura do termo de outorga;

II – pagamento pela ocupação ou retenção de área, que será pago mensalmente, a partir da data da assinatura do termo de outorga, fixado por quilômetro quadrado ou fração da superfície do prisma energético, na forma da regulamentação;

III – participação proporcional, que será paga mensalmente, a partir da data de entrada em operação comercial, em montante correspondente a cinco por cento da energia efetivamente gerada e comercializada relativamente a cada prisma energético;

§ 1º Regulamento disporá sobre a apuração, o pagamento e as sanções pelo inadimplemento ou mora relativos às participações governamentais devidas pelos autorizatários.

§ 2º O Poder Executivo poderá estipular redução de até sessenta por cento dos valores previstos neste artigo mediante recomendação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) pelo prazo de até cinco anos, sem renovação.” (g.n.)

Em qualquer dos dois projetos, é fundamental garantir que uma eventual lei sobre o tema não engesse a atividade e os avanços tecnológicos, ao mesmo tempo que assegure a sua competitividade e redução de custos, considerando que hoje, a despeito do imenso potencial, devido aos elevados custos associados à tecnologia, a atividade ainda não é competitiva no Brasil. Nesta medida, a questão das participações devidas pelo agente – que impacta na sua competitividade – deverá ser alvo de amplo debate de forma a assegurar que não representem obstáculos ou barreiras para o desenvolvimento da nova atividade.

As oportunidades para eólicas offshore são grandes e estão em linha com o cenário internacional de redução das emissões, incluindo nesse rol a sua convergência com o desenvolvimento de outras tecnologias como o Hidrogênio Verde.  Por fim, importante não perder de vista que a “aposta” nas eólicas onshore foi certeira para o Brasil, tratando-se de uma atividade limpa e competitiva consolidada há anos no País, com resultados excepcionais. E é precisamente isso que se espera da eólica offshore, em harmonia com as práticas ESG, gerando mais empregos e competitividade nos próximos anos.

*Fernando Montera é economista e mestre em administração. Atualmente é Coordenador de relacionamento Petróleo, Gás e Naval da FIRJAN, liderando a coordenação do Núcleo de Trabalho de Gás Natural e o desenvolvimento de ações no âmbito de Novas Energias.

(as opiniões do autor não refletem necessariamente o posicionamento da FIRJAN sobre o tema)


[1] De acordo com o Irena o valor de 2020 para esses 3 Países é de 27 GW, equivalente a 80% da capacidade mundial de OW. GWEC-Global-Wind-Report-2021.pdf