Affonso Celso Pastore e Mauro Boianovsky: um dia de perdas para os economistas

Editorial

Economistas brasileiros falecidos hoje (21) deixam obras e legado inestimável para a comunidade acadêmica brasileira

Morreu hoje em São Paulo o economista Affonso Celso Pastore, de 84 anos. Pastore presidiu o Banco Central durante o governo do general Figueiredo, último presidente do regime militar e atuou na formulação do programa econômico do ex-juiz Sérgio Moro (União Brasil – PR) quando este pretendia concorrer à Presidência em 2021. Pastore estava internado desde sábado (17) em razão de uma cirurgia após ter sofrido um acidente vascular.

Ainda hoje foi declarada a morte do professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Mauro Boianovsky, que faleceu em decorrência de câncer.  Boianovsky foi considerado um dos pesquisadores mais influentes do mundo e era referência no campo da História do Pensamento Econômico.

É inegável que essas perdas serão profundamente sentidas por seus familiares, amigos e colegas da academia. Hoje, os economistas brasileiros sentem a perda de profissionais que revolucionaram a área durante a vida, mas que permanecerão entre nós por meio de suas obras e seus legados de persistência, dedicação e progresso.

Hoje, é um dia de perdas para a área da Economia Brasileira, mas também um dia de reflexão no legado de dois professores que participaram de uma geração de economistas brasileiros que terá para sempre um legado na história.

Fonte: WebAdvocacy


Crédito das fotos:

Affonso Celso Pastore – Moneytimes

Mauro Boianovsky – Correio Braziliense

O que liga os protestos dos produtores agrícolas franceses ao Brasil

Editorial

Paris, Lion e outras cidades na França estão sitiadas por um grande número de tratores nas ruas há alguns dias e uma das reivindicações por parte dos produtores rurais é que o acordo em torno do bloco União Europeia/Mercosul não deva prosperar, pelo temor de que os produtos agrícolas produzidos na América do Sul, sobretudo no Brasil, exerçam concorrência desleal com os produtos agrícolas franceses/europeus.

 A manifestação dos produtores agrícolas franceses já gerou os seus primeiros efeitos com as iniciativas  do governo francês já pressionando para que as negociações em torno do acordo comercial sejam canceladas. Esta semana o primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, afirmou categoricamente que a França não assinará o acordo União Europeia/Mercosul.

O argumento comumente utilizado é o de que a Europa perde competitividade em relação aos produtos agrícolas produzidos nos países do Mercosul porque possui regras de controle para a utilização de agroquímicos muito mais severas que nos países participantes do Bloco do Mercosul, inclusive o glifosato que é largamente utilizado no Brasil e é proibido nos países da União Europeia.

Figura 1. Taxa anuais de Crescimento da PTF (%) Países selecionados – 2000 a 2019[1]

Fonte: ERS, 2021. Elaboração SPA/Mapa, 2021

Que a produtividade agrícola no Brasil é superior a produtividade agrícola europeia não se discute. Também não se discute que o Brasil consome uma quantidade muito maior de agroquímicos que os países da União Europeia[2] e que as restrições para uso de agroquímicos no Brasil são muito mais brandas do que as restrições impostas aos produtores franceses/europeus, sobretudo, depois da entrada em vigor da Lei nº 14.785 de 27/12/2023, oriunda do conhecido PL do Veneno.

Também é verdade que o Mercosul é um dos principais mercados de destino dos agroquímicos produzidos nos países da União Europeia que, em sua grande maioria, são proibidos de serem utilizados no bloco europeu. De acordo com a Fiocruz, em 2021 os 26 países da União Europeia exportaram para todo o planeta um volume de quase 2 milhões de toneladas de agrotóxicos, somando 14,42 bilhões de euros. Para o Mercosul seguiram mais de 6,84 mil toneladas de agrotóxicos proibidos em território europeu.[3] [

Será que o choro dos franceses é correto?

É claro que, no bom francês, há um certo mise en scène[4] , pois todo produtor agrícola que se prese no Brasil e, principalmente na Europa, sabe que biotecnologia de sementes e agroquímicos não são as únicas fontes de produtividade agrícola. Muito mais importante do que isso são as condições naturais para a produção de alimentos (germoplasmas[5] e as condições edafoclimáticas (relevo, temperatura, humidade do ar, radiação etc) e as políticas públicas direcionadas à produção agrícola.

O Brasil é celeiro agrícola não por causa dos agroquímicos etc, mas sim porque as condições edafoclimáticas do Brasil são infinitamente superiores àquelas observadas nos países do velho continente. Não é à toa que a adquirida Monsanto começou as suas investidas no Brasil nos idos dos anos 1990 adquirindo a empresa Agroceres, velha conhecida daqueles que assistiam o Globo Rural naqueles anos, e se tornou a quase monopolista na produção de soja no Brasil até ser adquirida pela Bayer em 2017.

Alegar “concorrência desleal” dos produtos agrícolas brasileiros é quase a mesma coisa que dizer que a nossa agricultura só é capaz de ter preços mais competitivos que os demais países porque utiliza “meios ilícitos” para isso, o que é uma agressão gratuita a um país que por anos a fio é um dos mais produtivos do mundo em matéria agrícola (figura 1).

A verdade é que exportar agroquímicos proibidos na União Europeia e outros produtos menos nobres para o Mercosul é um negócio que pode ser bem mais interessante do que tentar combater a insuperável produtividade agrícola brasileira.

Le pleurer est gratuit!!


[1] BRASIL. Nota nº 28-2021/CGPLAC/DAEP/SPA/MAPA. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. 10 de novembro de 2021. Disponível em: Nota2021PTFBrasilePaisesselecionados1.docx (live.com). Acesso em 01 de fevereiro de 2024.

[2] Brasil é um dos principais receptores de agrotóxicos proibidos na União Europeia | CEE Fiocruz

[3] CEEF. Brasil é um dos principais receptores de agrotóxicos proibidos na União Europeia. Centro de Estudos Estratégicos Fiocruz. Fundação Oswaldo Cruz. 10 de outubro de 2023. Disponível em: Brasil é um dos principais receptores de agrotóxicos proibidos na União Europeia | CEE Fiocruz. Acesso em: 01 de fevereiro de 2023.

[4] A tradução livre da palavra mise en scène para o português é encenação.

[5] De acordo com a Embrapa:

“Entende-se como Germoplasma o material que constitui a base física da herança sendo transmitida de uma geração para outra. Significa a matéria onde se encontra um princípio que pode crescer e se desenvolver, sendo definido ainda, como a soma total dos materiais hereditários de uma espécie.

Existem várias categorias de germoplasma: parentes silvestres; populações locais (landraces); cultivares primitivas; cultivares que foram substituídas; linhagens experimentais, mutações e outros produtos dos programas de melhoramento; cultivares modernas.”

EMBRAPA. Intercâmbio de Germoplasma. Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Disponível em: Intercâmbio de Germoplasma – Portal Embrapa. Acesso em: 31 de janeiro de 2024.

A Medida Provisória da reoneração da folha de pagamentos na pauta

Editorial

Agora é a vez da reoneração da folha de pagamentos dos 17 setores da economia. Lembram que o Governo editou a MP 1.202/2023[1] publicada no final de dezembro de 2023 para contrapor a derrubada do veto total referente a desoneração da folha de pagamentos no (PL 334/2023)?

Olha o que diz o art. 6º, II, da referida MP:

Art. 6º  Ficam revogados:

II – em 1º de abril de 2024:

a) o § 17 do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991;

b) o § 21 do art. 8º da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004;

c) os art. 7º a art. 10 da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011; e

d) a Lei nº 14.784, de 27 de dezembro de 2023.

O item d do inciso II é exatamente a Lei em que o Congresso derrubou o veto presidencial a desoneração da folha de pagamentos.

Pois é!! Os Poderes Executivo e Poder Legislativo estão as turras!!

Já nos manifestamos aqui sobre a desoneração da folha de pagamentos. Entendemos que o melhor para o Brasil teria sido o Projeto de Lei que tratava da desoneração da folha de pagamentos não ter prosperado, pois acreditamos que políticas industriais verticais são distorcivas e não devem ser praticadas. Os benefícios devem ser estendidos a todos os setores da economia e não apenas para alguns escolhidos.

No entanto, apesar de reforçamos a nossa convicção de que estender até 2027 a desoneração nos 17 setores é um equívoco, entendemos que a decisão do Poder Legislativo em relação ao veto presidencial se deu com base em um projeto de lei[2], que, ao tramitar por diversas Comissões e pelos Plenários de ambas as Casas Legislativas, permite uma discussão muito mais ampla que com a Medida Provisória[3].

É preciso lembrar que a Medida Provisória é uma norma com força de lei editada pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Pelo menos com relação a Lei nº 14.784, de 27 de dezembro de 2023 (desoneração da folha de pagamentos) entendemos a relevância e a urgência, haja vista a nossa manifestação a respeito do tema.

Não entendemos como errada a edição da MP 1.202/2023. A medida é correta do ponto de vista econômico, também não há problemas de constitucionalidade com a sua edição. No entanto, o instrumento utilizado e a forma como foi executada pode não ser politicamente benéfica para o Governo.

Aguardemos a reação do Poder Legislativo!!!


[1] Ementa: Revoga os benefícios fiscais de que tratam o art. 4º da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, e os art. 7º a art. 10 da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, desonera parcialmente a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, revoga a alíquota reduzida da contribuição previdenciária aplicável a determinados Municípios e limita a compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado.

[2] Rito de um projeto de lei ordinária – Entenda o processo legislativo – Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)

[3] Rito de uma medida provisória – Entenda a Tramitação da Medida Provisória – Congresso Nacional.

“Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás!”  – Che Guevara

Calma!!  

Não se assustem com o título deste editorial. Não há qualquer cunho ideológico!!  

Apenas consideramos que esta é uma frase que reflete o nosso entendimento a respeito da responsabilidade que temos com a comunicação.  

Apesar de tocarmos em pontos sensíveis e que incomodam, não temos inimigos e nem queremos ter. Somos plurais, respeitamos todas as crenças, credos, raças e preferências políticas.  

Somos brasileiros natos que amamos a Terra Brasilis. Por isso, trabalhamos duro para apontar o que entendemos incorreto em termos de direito, economia e política, mas nunca, nunca, perdemos a empatia. 

Por hoje, deixemos a acidez de lado. Sejamos duros quando se tiver que ser, mas sem nunca perder a ternura!!!  

Feliz Natal!!! 

A manutenção da meta de déficit zero na LDO. 

Sinal positivo para o primeiro ano de governo 

Editorial

Ontem foi aprovado o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias – PLDO 2024. Esta peça faz parte das etapas do orçamento brasileiro e dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2024, dando origem a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO.  

A LDO estabelece as regras para a elaboração da Lei Orçamentária Anual – LOA e, entre outras coisas: determina o nível de equilíbrio geral entre receitas e despesas; traça regras para as despesas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; autoriza o aumento de despesas com pessoal; disciplina o repasse de verbas da União para estados, municípios e entidades privadas; e indica prioridades de financiamento pelos bancos públicos. [Agência Câmara]. 

Muitos são os pontos a destacar sobre a aprovação do PLDO 2024, alguns positivos outros negativos para a atual gestão, mas nenhum foi mais importante para o governo que a manutenção da meta de resultado primário igual a zero, pois demonstrou a vitória da equipe econômica em relação a uma parte da base de governo que desejava um déficit primário de R$ 115 bilhões. No entanto, com a aprovação do déficit fiscal igual a zero, o máximo de déficit que poderá ser alcançado pelo governo será de R$ 28,75 bilhões. 

A vitória da equipe econômica é importante, mas muito mais importante do que ter razão é assegurar que a imagem corresponda ao discurso, lição já ensinada pelo Imperador Júlio César na célebre frase “A mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta”. 

O compromisso com a estabilidade fiscal como imagem e a Lei Complementar nº 200/2023 como discurso mostrou que a equipe econômica entende que quando a imagem e o discurso não estão dizendo a mesma coisa, a desconfiança é instalada com sucesso1

Desse modo, a aprovação da meta do déficit zero na LDO é um sinal positivo para o primeiro ano de governo.  

03 anos de vitórias e conquistas  

Que venham mais 3 x 3 x 3 ao infinito!!! 

Editorial

Nada mais clichê que “somente no dicionário o sucesso vem antes do trabalho”. Mas é verdade!!! São três anos de muito trabalho de todos na WebAdvocacy: patrocinadores, colunistas e colaboradores.

Tudo começou quando um grupo de amigos, enfadados pela emergência sanitária do Coronavírus, decidiu reunir outros amigos virtualmente e fazer uma série de webinários sobre advocacia da concorrência em setores regulados. A discussão foi tão profícua que deu origem ao primeiro livro da recém-nascida WebAdvocacy “Advocacia da concorrência em setores regulados: a história contada por especialistas[1]”.

Este trabalho foi somente o início e hoje conta com 50 colunistas que produzem mensalmente artigos de opinião e textos para discussão de temas afetos ao Direito e a Economia.

A rica produção de artigos de opinião deu origem a Revista Colunas da WebAdvocacy -RCW[2] e a série Textos para Discussão da WebAdvocacy – TDW[3]. A RCW é uma publicação trimestral que agrega todos os artigos de opinião produzidos no trimestre e a série TDW é uma publicação mensal de textos destinados a discussão acadêmica de mais alto nível. Ambas as publicações são oficiais e contam com os números ISBN e ISSN, respectivamente.

Durante estes três anos, o grupo de patrocinadores da WebAdvocacy possibilitou que a Plataforma contribuísse diariamente com a disseminação de informações da concorrência, da regulação econômica e da política brasileira por meio da publicação de clippings[4]: DOU do CADE; Clipping da Concorrência; Notícias da Regulação; Notícias do Legislativo; Consultas e Audiências Públicas das Agências Reguladoras e Newsletter da WebAdvocacy.

Não se pode esquecer também dos programas de entrevistas realizados durantes estes 03 anos de vida da WebAdvocacy no canal da Plataforma no YouTube[5]: Concorrência em foco; A voz da Academia; e Vozes da Concorrência.

Tudo isso é resultado da construção conjunta de Colunistas, Patrocinadores e Colaboradores!!!

Que venham mais 3 vezes 3 vezes 3 ao infinito!!!


[1] Amazon.com.br eBooks Kindle: Advocacia da concorrência em setores regulados : A história contada por especialistas, Autores, Vários

[2] Revista Colunas da WebAdvocacy – RCW

[3] Textos para discussão da WebAdvocacy

[4] Newsletter da WebAdvocacy

[5] (3937) WebAdvocacy – Direito e Economia – YouTube

Patrocinadores

Colunistas

Colaboradores 

Javier Milei revogará a lei de defesa da concorrência da Argentina? 

Já adiantamos que há empecilhos constitucionais!! Embora não tenhamos dúvidas de que esta é a sua intenção. Vejamos por que? 

Javier Milei é um adepto da escola austríaca e, como tal, o seu pensamento é de que o Estado não deve intervir no ambiente econômico em hipótese alguma, deixando este funcionar ao sabor das leis da demanda e da oferta.

O novo presidente da Argentina é um assumido seguidor do professor da Universidad Del Cema Alberto Benegas Lynch (h) localizada em Buenos Aires na Argentina, haja visto a citação ao professor por Milei no seu discurso de posse em 10 de dezembro deste ano. 

Barry1 (2023) apresenta uma visão importante de Milei a partir do pensamento do professor Alberto Benegas Lynch (h) em relação a manutenção da defesa da concorrência como política na Argentina durante o seu mandato de presidente. 

Para contextualizar o pensamento ideológico do professor Alberto Benegas Lynch (h), Barry (2023) cita em seu texto um trecho extraído de um livro do professor que demonstra em qual grau de apreço está o professor pela política de defesa da concorrência, in verbis

Assim como a liberdade de imprensa, a melhor lei sobre o processo competitivo é aquela que não é promulgada. Para fraudes, abusos e corrupções diversas existe o Código Penal e o Código Civil e Comercial, não só não é necessária uma lei nacional em defesa da concorrência como completamente contraproducente, que, como outros documentos de teor equivalente, parecem destinados a bons propósitos, mas escondem veneno sob o poncho.2 

Como se vê, para o principal ideólogo econômico do Presidente Milei a política de defesa da concorrência não deve existir. Por este motivo, também acreditamos que Milei considere a lei de defesa da concorrência um instrumento negativo para a economia e se puder revogar a lei, o fará. Mas porque não o faz? 

Bem, como dissemos no início deste editorial, existe um impedimento constitucional e ele é o art. 42 da Constituição da Nação Argentina3, que assim dispõe: 

Artigo 42.º – Os consumidores e utilizadores de bens e serviços têm direito, na relação de consumo, à proteção da sua saúde, segurança e interesses económicos; informação adequada e verdadeira; liberdade de escolha e condições de tratamento justo e digno. 

As autoridades devem prever a proteção desses direitos, a educação dos consumidores, a defesa da concorrência contra todas as formas de distorção dos mercados, o controlo dos monopólios naturais e legais, a qualidade e eficiência dos serviços públicos e a criação de associações de consumidores e utilizadores. 

A legislação estabelecerá procedimentos eficazes para a prevenção e resolução de conflitos, bem como os marcos regulatórios dos serviços públicos de competência nacional, prevendo a necessária participação das associações de consumidores e usuários e das províncias envolvidas nos órgãos de controle.4 

Nas palavras de Barry (2023), na impossibilidade de revogar a lei de defesa da concorrência por razões constitucionais, o novo governo adotará ritos de controle de concentração muito mais frouxos que os atualmente verificados. 

Nós, cá do Brasil, sabemos muito bem o que é fazer emendas constitucionais de conveniência. Não foram poucas as alterações feitas na Constituição Federal do Brasil. 

Aguardemos!! Não demoraremos muito a saber o que será feita da lei de defesa da concorrência da Argentina. 

Vão-se os governos, fica o Estado! 

O bom exemplo que vem de Além-Mar 

Javier Gerardo Milei toma posse como Presidente da Argentina neste domingo. Apesar das bravatas ditas durante a eleição, o Presidente eleito acenou ao Brasil e fez o convite formal para a posse. Um aceno importante para o Brasil e para todo o Mercosul. 

A questão central é que o Presidente do Brasil não irá a posse, tendo em vista que o mandatário do Brasil foi alvo de agressão verbal pelo então candidato à presidência da Argentina. O representante do Brasil será o ministro das relações exteriores, Mauro Vieira.  

Não comparecer a posse de um Presidente em um país amigo e estratégico é uma boa solução? 

Definitivamente não é uma boa solução!!! 

E por que não é uma boa solução? 

Pela simples razão de que uma relação entre países não é uma relação entre pessoas e sim uma relação entre Estados soberanos. As ofensas dirigidas pelo candidato Milei ao Presidente do Brasil são totalmente fora do tom e, portanto, execráveis e desprezíveis. No entanto, estas são ofensas pessoais que deveriam ser tratadas do ponto de vista da relação de Estados soberanos, amigos e independentes e não na esfera privada. 

Os nossos compatriotas portugueses nos deram um importante exemplo na comemoração do 7 de setembro de 2022. Naquela ocasião, o então presidente do Brasil dirigiu ofensas ao Presidente de Portugal por este acenar para o seu principal opositor. No entanto, como é de praxe na diplomacia democrática, as nações amigas sempre são convidadas para eventos que marcam datas importantes. Não por outro motivo, no dia da comemoração da independência do Brasil, estava lá presente o Presidente de Portugal, na tribuna de honra ao lado do Presidente do Brasil representando o Estado português. 

Este acontecimento recente é um bom exemplo de que o Presidente da República de um país é o Chefe de Estado e, como tal, ele deve preservar as relações amistosas que existem entre as nações amigas, pois essas relações são muito maiores do que os anos de mandato de um Presidente da República. 

Portugal mostrou a sua grandeza do alto dos seus mais de 800 anos de existência. Teria sido importante o Brasil mostrar a sua, pois assim como vão-se os dedos e ficam os anéis, vão-se os governos, fica o Estado. 

A estabilidade que incomoda 

Editorial

Ontem o INEP1 disponibilizou os resultados do Brasil Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) para o ano de 2022. 

Fonte: Gov.br 

Elaboração: WebAdvocacy – Direito e Economia 

Uma leitura apressada da figura 1 poderia nos dizer que as médias obtidas pelos alunos brasileiros no PISA 2022 não se alteraram muito em relação àquelas observadas no ano de 2018, podendo até dizer que houve estabilidade entre os dois programas.  

Da mesma forma, um leitor desatento poderia não achar as colocações do Brasil no PISA 2022 nos conteúdos de matemática, leitura e ciências tão ruim assim, afinal de contas os alunos do Brasil estariam classificados entre os 100 melhores do mundo. 

Pois é!! O problema é que a estabilidade dos números incomoda porque estão estabilizados em médias muito baixas. Historicamente, as médias próximas de 400 são limites inferiores para dois terços dos estudantes nos países da OCDE. Em geral, estes estudantes obtêm entre 400 e 600 pontos2

  Também incomoda o fato de que a amostra do PISA 2022 se limitou a 81 países, o que significa dizer que o Brasil ficou entre os 17 piores países no desempenho de matemática; entre os 28 piores países no desempenho de leitura e entre os 20 piores países no desempenho de ciências. Não por outra razão, ficamos atrás de alguns países latino-americanos, como o Chile, Uruguai, México e Costa Rica3.   

Tabela 1. Pontuações médias do Brasil e dos países da OCDE 

Conteúdo   2018 2022 Variação 
Matemática Brasil 384 379 -1,3% 
OCDE 489 472 -3,5% 
Diferença 105 93   
Leitura Brasil 413 410 -0,7% 
OCDE 487 476 -2,3% 
Diferença 74 66   
Ciências Brasil 404 403 -0,2% 
OCDE 489 485 -0,8% 
Diferença 85 82   

Fonte: Gov.br4 

Não há nenhuma surpresa na comparação das médias do Brasil com as médias dos países da OCDE. Mesmo que houvesse uma melhora muito grande, ficar com as médias atrás da OCDE já era esperado. 

Está bem, poderíamos dizer que não foi só o Brasil que piorou na comparação do PISA 2022 com o PISA 2018. A tabela 1 mostra que as médias dos países da OCDE também pioraram e, percentualmente pioraram mais que o Brasil (tabela 1). 

A questão citada no parágrafo anterior intriga, mas em nada melhora a situação da educação brasileira. Afinal de contas, o Brasil continua com uma defasagem educacional considerável em relação aos países da OCDE. 

Fonte: Gov.br  

Elaboração: WebAdvocacy – Direito e Economia 

Conquanto os resultados do Brasil tenham piorado menos que os resultados da OCDE, a estabilidade dos números apresentados na figura 2 incomoda e incomoda muito, pois ela mostra que o aprendizado de matemática, de leitura e o aprendizado de ciências dos alunos brasileiros está 4,7 anos, 3,3 anos e 4,1 anos5 defasados, respectivamente, em relação ao aprendizado de matemática, leitura e o aprendizado de ciências dos alunos dos países da OCDE. 

Estabilidade é uma palavra que pode significar tanto firmeza e solidez quando uma condição de invariabilidade. Infelizmente, a estabilidade observada nos resultados do PISA 2022 estão mais para uma condição de imobilidade em patamares muito aquém do desejável para um país da grandeza do Brasil. 

O tripé desequilibrado: Estado, poder econômico e população.

Maceió que o diga, José!!!

Será que o que está acontecendo em Maceió no Estado de Alagoas com o afundamento de bairros é um exemplo de que o tripé formado pelo Estado, poder econômico e população está condenado a ser desequilibrado para todo o sempre?

O Estado utiliza a força das suas instituições e a capacidade heroica dos seus servidores para demonstrar os pontos negativos da atuação do poder econômico; o poder econômico, por seu turno, utiliza toda a força econômica para contra-argumentar e protelar o improtelável; e a população fica literalmente neste buraco.

O que estamos a dizer não são ilações, são evidências!!

O problema dos afundamentos nos bairros de Maceió já vem de longa data, assim como também já vem de algum bom tempo a exploração de sal-gema na região.

Será que há correlação entre estes dois fatos? Parece que sim!!!

Não foram poucos os alertas a respeito das consequências das ações antrópicas[1]. O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) apresentou, em 2019, extenso estudo[2] sobre o fenômeno que estava a acontecer nos bairros de Maceió, chegando à conclusão de que a causa do gatilho do tremor de terra com afundamento de cavidades nos bairros de Maceió era a desestabilização das cavidades de extração de sal-gema[3].

O poder econômico, por seu turno, apresentou diversos questionamentos a respeito da validade do estudo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM)[4]. Nada mais natural!! Afinal de contas todo o poder deve ser combatido, inclusive o poder do Estado.

Direitos ao contraditório a parte, parece que as hipóteses apontadas pelo Serviço Geológico do Brasil para possível colapso das estruturas nos bairros de Maceió em Alagoas estão se confirmando.

E agora josé, a festa acabou!!![5]

Acabou para quem? Infelizmente acabou para a população que vive naquela região. São eles que estão vendo o seu patrimônio ser destruído e são eles que dependerão da luta entre o poder do Estado e o poder econômico para receberem as suas indenizações ou qualquer coisa que o valha.

            Por isso, com grande ousadia[6] nos apropriando de uma estrofe do venerável poema “José” de Carlos Drumond de Andrade para finalizar este editorial:

“Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?”

Apêndice: Conclusão do Serviço Geológico do Brasil a partir dos dados utilizados

HipótesesPremissasDesenvolvimentoConclusão
Características geotécnicas dos solos da região e forma de ocupação do bairroPresença de solos colapsáveis e orgânicos, forma de ocupação e métodos construtivos inadequados.Os ensaios de geotécnica não demonstraram características que explicassem os danos. O surgimento de rachaduras em imóveis de diversas idades não pode ser explicado por problemas construtivos. Entretanto, processos interligados necessitam de cuidados específicos, tais como estabilização dos processos erosivos, saneamento básico, instalação de rede de drenagem eficiente no bairro e demais obras estruturantes.O conjunto de estudos invalida esta hipótese. É importante ressaltar que as chuvas intensificam o processo erosivo.
Presença de vazios (cavidades, cavernas) nos solos e subsolos da região decorrentes de causas naturais ou ações antrópicasocorrência de cavidades decorrentes da dissolução de rochas em subsuperfície ou desabamento de minas de extração de sal-gema, como as minas 7 e 19.A sismologia mostrou sismos coincidentes com minas de extração. A gravimetria demonstrou a existência de anomalias negativas de massa associadas com as cavernas produzidas pela extração do sal. O método geofísico audiomagnetotelúrico mostrou a existência de anomalias resistivas em profundidade que seriam geradas por cavidades de mineração em desabamento. A interferometria indicou deformação compatível com subsidência por deformação dúctil da camada de sal e concêntrica na região de poços de mineração. As observações de campo apontam deformações compatíveis com subsidência. A análise integrada dos dados dos oito sonares em ambiente 3D permite afirmar que as atividades de extração de sal-gema, alterou o estado de tensões resultando no colapso de minas e causando os processos de subsidência no bairro do Pinheiro: Há evidências que comprovam que a deformação nas cavernas da mineração teve papel predominante na origem dos fenômenos que estão causando danos na região estudada. Este processo está em evolução.
Estruturas/Feições tectônicas ativas na regiãoOs danos estudados teriam origem em eventos de neotectônica.A geofísica identificou diversas falhas que já eram esperadas pelo contexto regional. A sismologia identificou padrões de sismos que não são compatíveis com movimentos de tectônica regional. A interferometria indica deformação concêntrica na região de poços de mineração incompatível com eventos de origem tectônica. Os trabalhos de mapeamento estrutural de campo realizado no bairro do Pinheiro e em outras áreas de Maceió confirmaram as direções das descontinuidades nas direções NW/SE, NS e NE/SW que são regionais e coincidentes com as direções das fraturas e trincas que ocorrem nas moradias e ao longo do bairro e delimitadas no mapa de mapa de feições de instabilidade do terreno.O conjunto de estudos indica que as hipóteses 2 e 3 estão associadas, sendo a hipótese 2 desencadeadora do processo. A correlação entre zonas de falha com direção NNW-SSE que ocorrem nos bairros do Mutange e Bebedouro e a localização das minas de sal indicam que o processo de mineração interferiu diretamente na trama estrutural preexistente da região e favoreceu a reativação dessas estruturas, produzindo a subsidência observada nos dados de interferometria.
Explotação de água subterrâneaOs danos estudados teriam origem em subsidência causada por recalque decorrente da extração de água subterrânea.A análise dos dados de hidrogeologia revelou que os níveis estáticos e dinâmicos dos aquíferos Barreiras e Marituba estão em recuperação, não existindo indícios de superexplotação.O estudo realizado invalida a hipótese.

Fonte: Brasil (2019)[7]


[1] Ações antrópicas são ações do homem.

[2] Serviço Geológico do Brasil – SGB (cprm.gov.br)

[3] “A sismologia identificou padrões de sismos que não são compatíveis com movimentos de tectônica regional. A interferometria indica deformação concêntrica na região de poços de mineração incompatível com eventos de origem tectônica”. [CPRM (2019), pags. 36 e 37].

[4] Estes questionamentos com as respectivas respostas do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) estão disponibilizadas no arquivo datado de 03 de junho de 2019 – RESPOSTAS DO SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL AOS QUESTIONAMENTOS DA BRASKEM – respostas_finalizacao_braskem.pdf (sgb.gov.br).

[5] Frase cunhada no poema de Carlos Drumond de Andrade “José”

[6] A ousadia está no fato de que Carlos Drumond de Andrade escreveu este poema em 1942, no auge da 2ª guerra mundial. Os medos estavam associados com a incerteza da guerra, mas também não estavam associados com o regime ditatorial que vigorava no Brasil à época. Não nos parece que os medos de “José” escritos no contexto da guerra e da ditadura sejam tão diferentes dos medos vividos pelos moradores de Maceió.

[7] BRASIL. Serviço Geológico do Brasil (CPRM). ESTUDOS SOBRE A INSTABILIDADE DO TERRENO NOS BAIRROS PINHEIRO, MUTANGE E BEBEDOURO, MACEIÓ (AL) Ação Emergencial no Bairro Pinheiro. Volume I, RELATÓRIO SÍNTESE DOS RESULTADOS Nº 1. Brasília, 29 abril de 2019. Disponível em: relatoriosintese.pdf (sgb.gov.br). Acesso em: 02 de dezembro de 2023.