Carolina Mendonça Guimarães

Ética Profissional e regulamentação normativa aplicados ao marketing jurídico

Apresentação

Os Textos para Discussão da WebAdvocacy é uma série de textos técnico-científicos nas áreas de direito e economia, que visa a ampliar a discussão acadêmica em torno dos temas de defesa da concorrência, regulação econômica, comércio internacional, direito econômico, direito tributário, entre outros.

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Ficha catalográfica

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Ética Profissional e regulamentação normativa aplicados ao marketing jurídico

Carolina Mendonça Guimarães de Alencar Meneses

Resumo: Esta pesquisa visa realizar uma análise aprofundada da ética profissional aplicada ao marketing jurídico no Brasil, destacando a importância dessa temática no contexto legal atual. Serão examinados os regulamentos e legislações em vigor que influenciam a prática do marketing jurídico na advocacia, com o objetivo de proporcionar uma compreensão mais ampla da necessidade de regulamentação dessa área à luz da ética profissional da classe advocatícia. O estudo abordará temas de grande relevância, incluindo a exploração do conceito de ética na advocacia e sua aplicação normativa, os limites estabelecidos para o marketing jurídico, e um breve estudo histórico da regulamentação da advocacia no Brasil. Ao combinar análises teóricas e a revisão da literatura e das normativas atuais, pretende-se promover uma compreensão esclarecedora da interseção entre marketing jurídico e ética profissional, ressaltando a importância da regulação para manter a integridade da advocacia.

Abstract: This research aims to conduct an in-depth analysis of professional ethics applied to legal marketing in Brazil, highlighting the importance of this subject in the current legal context. It will examine the regulations and legislation in force that influence the practice of legal marketing in the field of law, with the objective of providing a broader understanding of the need for regulation in this area in light of the professional ethics of the legal profession.The study will address highly relevant topics, including the exploration of the concept of ethics in the legal profession and its normative application, the established limits for legal marketing, and a brief historical study of the regulation of the legal profession in Brazil. By combining theoretical analyses and a review of current literature and norms, the aim is to promote a deep understanding of the intersection between legal marketing and professional ethics, emphasizing the importance of regulation to maintain the integrity of the legal profession.

Keywords: Legal Marketing. Regulation. Professional ethics. Law.


Introdução

Este trabalho se propõe a examinar e apresentar a matéria ética e regulatória no que se refere ao marketing jurídico. Com o atordoante novo número de profissionais que exercem regularmente a advocacia no Brasil, formado por cerca de 1,3 milhão de advogados até 2022[1] segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ordem dos Advogados do Brasil, 2022), o marketing jurídico permitiu que fosse possível gerar destaque e acentuar o diferencial desses profissionais e respectivos escritórios, frente ao mercado sobrecarregado. Contudo, com o advento das mídias sociais e da publicidade jurídica por essas vias, a regulação da publicidade advocatícia é cada vez mais questionada.

Nesse sentido, esta pesquisa objetiva demonstrar a necessidade de regulação do marketing jurídico, e explicar seus limites com ênfase na conformidade ética profissional, considerando o caráter social da profissão do advogado, o ambiente cada vez mais competitivo e digitalizado no qual ele está inserido e a necessidade de manutenção da discrição e sobriedade inerentes à classe. Dispõe-se também em chegar a uma conclusão no que se refere ao caráter da regulamentação da OAB, apontando se esta é satisfatória ou não, assim como sobre se uso do marketing no contexto jurídico trata-se de algo benéfico para a imagem do advogado e da advocacia. Não há a pretensão, dessa maneira, esgotar todas as nuances do tema, mas sim de oferecer uma visão esclarecedora sobre a relação entre ética profissional e a regulamentação do marketing jurídico, sendo contemplado apenas aquilo que se relaciona com a temática escolhida.

Imbuída dessas visões, trata-se de uma pesquisa exploratória com ênfase na bibliografia estrangeira e nacional, a primeira especialmente apontada aos países que compõem o continente Europeu, pelos conceitos fornecidos em ética. Em âmbito nacional, observou-se sobretudo artigos disponíveis sobre a temática do marketing jurídico. Para a coleta e análise das normativas foi visitado, especialmente, o sítio eletrônico da Ordem dos Advogados do Brasil, a fim de revelar as práticas reguladoras imperantes.

Nessa linha, cabe ainda destacar que servirá como referencial teórico o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados, instituído pela Lei 8.906 de 1994, como base necessária para o presente estudo devido a sua conexão tanto com a ética quanto com o marketing jurídico a ser estudado. Na mesma linha, é importante também indicar os provimentos da Ordem dos Advogados do Brasil assim como outras normativas editadas por esta, com destaque nos Provimentos 75/1992, 94/2000 e 2005/2021, focados na regulação da publicidade advocatícia.

No âmbito da ética profissional, muitos dos conceitos trazidos da escrita de Antônio Lopes de Sá em sua obra serão apreciados neste estudo, assim como os apontamentos do Professor Saul Tourinho Leal, por meio de seu artigo “O Advogado e a Ética”.

Por fim, cabe apontar que o estudo está estruturado de forma a tratar em seu primeiro capítulo da ética profissional no âmbito da advocacia, sequencialmente fala-se do marketing jurídico e ao final trabalha-se a regulamentação trazida pela OAB. Em cada um dos capítulos, traz-se conceitos e análises que visam contribuir para os objetivos do trabalho, objetivos estes revisados e demonstrados satisfeitos nas considerações finais.

1. A ética profissional no âmbito da advocacia

Na aurora da Grécia Antiga, os termos ηθοs e eεθοs (éthos e ethos) surgiram trazendo dois significados diferentes, porém complementares, que diferenciam-se dependendo da grafia utilizada. Segundo Risostomo, Varani e Pereira (2018, p. 25) existem duas formas de escrever e de entender os termos que deram origem à palavra ética: o primeiro, ethos com eta (letra “e” – Η η – em minúscula), é o sentido mais antigo da palavra e significa “morada”, “abrigo”, ou “lugar que se habita” (Figueiredo, 2008, p. 2) podendo vir a ser interpretado como o lugar onde vive o “eu real”, encontrando-se as características que constroem um indivíduo, como seus comportamentos, seus hábitos e sua disposição. Nesse sentido, cada um tem sua própria ética (Nicolescu et al., 2000, p. 56)[2].

Diferentemente, o conceito de Ethos com épsilon (Ε ε – letra E em maiúscula) afasta-se deste, já que vem a significar “costume”, “modo de ser” ou “caráter” (Spinelli, 2009, p. 16), tratando-se muito mais de um ethos social voltado ao “nós” e não ao “eu”, sendo a partir desta concepção que se torna possível a construção de uma ética profissional. Assim discorre Eugênio (2012, p. 22):

A ética profissional pode ser definida como um conjunto de normas ou condutas que deverão ser postas em prática no exercício de qualquer profissão. Ela tem por objetivo alimentar a relação de profissional e cliente trazendo uma segurança quanto ao comportamento humano e social principalmente do profissional, a ética sempre tem que visar à dignidade humana e à construção do bem-estar no contexto social-cultural onde exerce sua profissão.

Nota-se assim que a profissão tem além de sua utilidade para o indivíduo, uma rara expressão social e moral (Sá, 2019, p. 127)[3] que permite que um profissional exerça e demonstre sua habilidade, sabedoria, e ou inteligência de maneira a demonstrar-se útil perante a comunidade. O exercício do labor precisa ser acompanhado pela ética para que exista uma integral imagem de qualidade (Sá, 2019, p. 135) contudo, no caso do advogado, não só por isso, conforme passará a ser demonstrado.

As profissões de cunho social tal como a do advogado, que é capacitado em conhecimento legal para servir a sociedade e os indivíduos, sendo ele ainda indispensável à administração da justiça e inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos termos do artigo 133 da Carta Magna Brasileira, demonstra-se como um dos profissionais em que a ética profissional é um requisito mais do que necessário, exigido não apenas pela sociedade, mas também por normativas da Ordem de Advogados do Brasil.

Em conformidade com a declaração anterior, no âmbito do Direito, a ética profissional exibe-se como um pilar fundamental para a orientação da conduta dos advogados e dos mais diversos profissionais da área jurídica. A Lei 8.906 de 1994, a qual dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil e demais legislações correlatas, trabalham com a visão de garantir que o profissional de Direito atue com toda a transparência, integridade e a responsabilidade necessárias para que se torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia, objetivando, a manutenção da confiança da sociedade no sistema jurídico.

O artigo 1º do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, prevê que o exercício da advocacia deve exigir conduta compatível, dentre outros aspectos, com a moral individual, social e profissional. A justificativa para tal exigência recai no artigo seguinte, que aborda a função e indispensabilidade do advogado à administração da justiça:

Art. 2º O advogado […] é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes (Brasil, 1994).

Logo, frente ao papel de destaque do advogado perante a sociedade, a ética não pode ser algo individual, exercida de forma irregular pelos indivíduos que atuam nesse labor. Deve, porém, ser voltada ao social, ao “nós”, haja vista que a preservação da imagem da persona do advogado é imperiosa não somente para preservar o profissional em suas relações com o utente a quem os seus serviços são destinados, mas principalmente na manutenção da própria sociedade.

Assim, a ética no âmbito da profissão vem para preservar tanto aquele que pratica o labor e dele se beneficia como o cliente a quem os serviços são destinados. Contudo, no âmbito da advocacia, esta vem também para preservar a classe dos advogados e a sociedade, já que a perda total e absoluta na confiança daquele que deveria ser o motor da realização da paz social (Carneiro, 2014, p. 688), geraria consequências severas em todo o sistema. Notando isso, a ética profissional, quando voltada para a advocacia, não poder ser uma recomendação, mas sim uma norma (Leal, 2009, p. 1) conforme leciona o professor Paulo Lôbo:

[…] A ética profissional não parte de valores absolutos ou atemporais, mas consagra aqueles que são extraídos do senso comum profissional, como modelares para a reta conduta do advogado. São tópicos ou topoi na expressão aristotélica, ou seja, lugares-comuns que se captam objetivamente nas condutas qualificadas como corretas, adequadas ou exemplares; não se confundem com juízos subjetivos de valor.

Quando a ética profissional passa a ser objeto de regulamentação legal, os topós convertem-se em normas jurídicas definidas, obrigando a todos os profissionais. No caso da advocacia brasileira, a ética profissional foi objeto de detalhada normatização, destinada a deveres dos advogados, no Estatuto anterior e no Código de Ética Profissional, este datado de 25 de junho de 1934. O Estatuto de 1994 preferiu concentrar toda a matéria no Código de Ética e Disciplina, editado pelo Conselho Federal da OAB.

[…]

A ética profissional impõe-se ao advogado em todas as circunstâncias e vicissitudes de sua vida profissional e pessoal que possam repercutir no conceito público e na dignidade da advocacia. Os deveres éticos consignados no Código não são recomendações de bom comportamento, mas normas jurídicas dotadas de obrigatoriedade que devem ser cumpridas com rigor, sob pena de cometimento de infração disciplinar punível com a sanção de censura (art. 36 do Estatuto) se outra mais grave não for aplicável (Lôbo, 2007 apud Leal, 2009).

Nota-se que a ética social, a mesma ética que guia as relações profissionais, no âmbito da advocacia, ganha um caráter obrigatório, normativo. Naturalmente, dessa forma, a regulamentação da ética profissional no âmbito do exercício advocatício irá abranger diversos aspectos da rotina do advogado, amparando-o legalmente desde a prospecção de seus assistidos até ao sigilo profissional, que perdura muito depois do final da prestação dos serviços. Dentre os aspectos de interesse para regulamentação normativa, sobretudo nos dias de hoje, destaca-se uma das ferramentas mais utilizadas para se destacar no atual mercado: o marketing jurídico. 

2. O marketing jurídico

A imagem do advogado é um dos objetos de regulação da OAB que, por meio de provimentos e normativas, o faz para preservar a classe e seguir a máxima: “tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal” (grifo próprio). No entanto, Henri Robert, advogado francês em sua obra de 1921, expõe o complexo embate entre a imagem tradicional do advogado e a reputação que este evoca:

O advogado! Qual imagem essa palavra evoca de imediato na mente dos que vivem afastados do Palácio? Qual sentimento costuma despertar no público?

Para alguns, o advogado é tradicionalmente o ‘defensor do órfão e da viúva’, o paladino abnegado de todas as nobres causas, aquele cujo devotamento se volta inteiramente para todos os oprimidos, todos os infelizes, todos os deserdados da fortuna, e que faz ouvir perante a justiça a voz da piedade humana e da misericórdia.

Mas – tenhamos a modéstia e a clarividência de o reconhecer – essa está longe de ser sempre nossa reputação. Digamos mesmo que na literatura o advogado geralmente não tem boa fama.

Há uma tendência excessiva para representá-lo na figura de um insuportável tagarela, um sujeito espertalhão, chicaneiro, manhoso, encrenqueiro, capaz de defender qualquer causa, alegando inocência mesmo quando está convencido da culpabilidade… (Robert, 2002, p. 5, apud Leal, 2009)[4]

A controvérsia ética é nítida: enquanto o advogado necessita ser o defensor de direitos e garantias, diante do seu papel indispensável para a manutenção da justiça, sua imagem se materializa no imaginário coletivo de forma adversa e problemática. A fim de regular e dirimir isso, a OAB surge para manter os padrões da classe e preservar a imagem do advogado frente à sociedade. Para isso, a OAB tem cada vez mais rápido identificado as tendências modernas e separado o “joio do trigo” na medida em que reconhece os movimentos que surgiram com o advento das mídias, mas regula aquelas que podem ser prejudiciais. Dentre as tendências que surgiram, destaca-se nesta pesquisa, o marketing jurídico.

Conforme proposto por Bertozzi (2006, p. 29 apud Telhado, 2019), o marketing jurídico é conceituado como todos os esforços estratégicos de marketing dentro da comunidade jurídica, utilizando os instrumentos de acordo com o Código de Ética da OAB. De forma similar, apresenta-se o Provimento 205/2021 da própria OAB, que entende que o marketing jurídico caracteriza-se por ser a especialização do marketing destinada aos profissionais da área jurídica, consistente na utilização de estratégias planejadas para alcançar objetivos do exercício da advocacia (Diário Eletrônico da OAB, a. 3, n. 647, 21.07.2021, p. 1) [5].

A partir desses conceitos, é possível identificar que o marketing jurídico é um conjunto de estratégias para alcançar objetivos dentro da advocacia especialmente relevantes nos tempos modernos, com o surgimento do que se chama de marketing jurídico digital. Este permitiu a disseminação de diversos serviços por sítios, redes sociais, fóruns, etc. As vias virtuais permitiram uma forma de gerar destaque e acentuar o diferencial desses profissionais e respectivos escritórios, frente ao mercado sobrecarregado.

Hodiernamente, além do boom de profissionais, houve um aumento dos serviços jurídicos ofertados (Asensi, 2024) que permitiu que a atuação do advogado fosse além da mera propositura e acompanhamento de ações, atuando em diligências em instituições públicas, mediando extrajudicialmente e prestando consultorias a empresas. Contudo, independente do mercado turbulento ou do interesse em prestação de serviços diversos, o advogado possui uma responsabilidade ética em dar visibilidade ao que faz. Explica-se: retomando o conceito do advogado como defensor das garantias individuais, dos direitos e da boa prática jurídica, este não estaria cumprindo o seu dever como advogado se não apresentasse o seu trabalho para a sociedade. Ora, a quem ofereceria seu patrocínio e como serviria ao seu propósito se suas teses ficassem só para si? Ou em prol de qual assistido ficaria frente à tribuna, e para quem prestaria diligências ou consultoria?

Assim, o marketing jurídico evidencia-se como forma de cumprir os objetivos da advocacia, fazendo com que, independentemente de estarem no início ou já experientes no ofício, todos que são capacitados a exercer a advocacia possam demonstrar seus conhecimentos jurídicos à sociedade.

Ocorre, no entanto, que com o crescimento do marketing jurídico, houve paralelamente o surgimento de publicidade advocatícia enganosa e, logo, criminosa. Considerando publicações e artigos de blogs e sítios eletrônicos de escritórios e advogados, a publicidade enganosa é elencada como uma das diversas características da advocacia predatória. Cabe apontar, contudo, que o marketing jurídico não possui caráter criminoso ou enganoso haja vista que, como uma ferramenta normatizada pela OAB, esta não possui em si própria qualquer caráter que possa deslegitimá-la.

Logo, qualquer prática de marketing em meio jurídico que não obedeça às normativas da OAB, não se trata de publicidade advocatícia legítima, mas sim de exercício de ato contrário à carreira, a imagem dos advogados no Brasil e, complementarmente, ao posicionamento da Ordem, não podendo a ética profissional do advogado conviver com qualquer tipo de comportamento permitido nos meios digitais. Assim, é possível constatar-se que o marketing jurídico em si é necessário e benéfico tanto para a sociedade quanto para a classe dos advogados e o exercício fraudulento de publicidade advocatícia trata-se de ato que vai contra normativas estabelecidas, podendo até ser criminoso, não sendo, portanto,  relacionado com o conceito adotado neste trabalho de marketing aplicado ao contexto legal.

3. A regulamentação da Ordem dos Advogados do Brasil

No Brasil, a advocacia começou a ser regulamentada ainda em 1870, por meio das Ordenações Filipinas, que dispunham de regulamentações relacionadas às taxas devidas para o exercício do ofício (Brasil, 1870)[6] e trajes (Brasil, 1870)[7], principalmente. Mas foi apenas em 1921, por meio do Código de Ética Profissional do Brasil criado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, que a publicidade foi primeiramente mencionada, em seu artigo 12:

Art. 12 – É igualmente contrário à ética profissional solicitar serviços ou causas, bem como angariar estas ou aqueles por intermédio de agentes de qualquer ordem ou classe. Nem mesmo pode ser tolerada, aberrante como é das tradições da nobre profissão da advocacia, a propaganda indireta, por meios provocados, de informações e comentários da imprensa sobre a competência do advogado, excepcional importância da causa, magnitude dos interesses confiados ao seu patrocínio e quejandos reclamos. Não é defeso, entretanto, anunciar o exercício da profissão ou escritório, pela imprensa e indicadores, ou por outros modos em uso, declarando suas qualidades, títulos ou graus científicos. (Iasp, 1921 apud Strazzi, 2020)

Após este, só em 1934 foi instituído o Código de Ética Profissional da Ordem dos Advogados do Brasil, o primeiro editado pelo órgão (Strazzi, 2020). Atualmente, as regulamentações que incidem sobre a publicidade advocatícia são, sobretudo, o Provimento 205/2021 e a Lei 8.906 de 1994. Comparativamente, em outros países, como nos Estados Unidos, a prática dessas estratégias de publicidade jurídica não é tão alvo de normatização. Nos EUA foi a partir do caso Bates vs State Bar of Arizona (1977) que a Suprema Corte Americana entendeu que restrições da publicidade dos advogados feriam a First Amendment to the United States Constitution e consequentemente, a liberdade de expressão.

Diferentemente dos EUA e de outros países com tradição no Common Law, a atividade do advogado no Brasil não se confunde com qualquer atividade comercial, gerando restrições quanto à publicidade permitida (Dias, Rosenvald, Fortes e Venturi, 2022a), conforme os art. 5º e 39 do Código de Ética e Disciplina, além do 3º e 4º do Provimento 205/2021. O tema da mercantilização na advocacia, já bem debatido, não apresenta apenas previsão normativa, mas também jurisprudencial. Veja-se:

[…] 2. O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, Lei nº 8.906/94, expressamente aponta o Código de Ética e Disciplina como documento regulador “dos deveres do advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade[…]” (parágrafo único do art. 33). 3. O Código de Ética e Disciplina da OAB reservou o Capítulo IV para tratar sobre publicidade, prevendo a possibilidade de anúncio do serviço profissional, individual ou coletivamente, “com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente informativa, vedada a divulgação em conjunto com outra atividade” (art. 28). Há vedação expressa de oferta de serviços que indiquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela. Eis que a prática a atividade advocatícia “é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização” (art. 5º). 4. No mesmo sentido apontam os arts. 1º, 3º, 4º e 6º, do Provimento nº 94/2000, do Conselho Federal da OAB e art. 34, inciso IV, da Lei nº 8.906/94, o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. (TRF-2, 2018, online, grifo próprio).

E também:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. TUTELA DE URGÊNCIA. PUBLICAÇÕES EM REDE SOCIAL QUE UTILIZAM INDEVIDAMENTE A LOGOMARCA DA AGRAVANTE. SUPOSIÇÃO DE QUE A AGRAVANTE SE ENRIQUECE ILICITAMENTE ÀS CUSTAS DOS USUÁRIOS. PUBLICAÇÕES QUE MACULAM A REPUTAÇÃO DA AGRAVANTE. ADVOCACIA É INCOMPATÍVEL COM A MERCANTILIZAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 5º E ART. 7º DO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB. PUBLICAÇÃO QUE EXTRAPOLA CONTEÚDO MERAMENTE INFORMATIVO, VIOLANDO O ART. 28 DO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB. PROVIMENTO DO RECURSO PARA CONFIRMAR A DECISÃO QUE DEFERIU A TUTELA RECURSAL. (TRF-2, 2022, grifo próprio)

Assim, clara a antipatia da OAB contra a mercantilização da advocacia é possível compreender a necessidade de regulação pelo órgão, haja vista que o mercantilismo, como uma tendência a subordinar tudo ao comércio, ao ganho ou ao interesse, empobrece a missão do advogado. Dessa forma, retorna-se para os conceitos apresentados de ética, ao apontar que se apenas um advogado, em pleno exercício da ética própria e individual aplica o marketing jurídico como uma ferramenta para mercantilizar a sua profissão, e se desse ato não houvesse consequências, este estará prejudicando toda a sua classe e também a sociedade.

Nesse sentido, é reconhecível que a regulação da OAB faz um papel satisfatório frente a classe e a sociedade brasileira. Isso pois, acompanha as novidades trazidas pelos tempos, conciliando a tradição e a inovação. Mantendo a autonomia do profissional, a OAB apenas proíbe e pune atos contrários a imagem da advocacia, à mercantilização e a quaisquer características negativas que possam, de qualquer forma, serem atribuídas a imagem do  advogado e prejudicar, conforme já foi exposto, a classe e a sociedade no geral.

Considerações finais

Nesses moldes, a presente pesquisa teve como objetivo central examinar a ética profissional e a regulamentação do marketing jurídico no Brasil, buscando entender como as normas vigentes influenciam a prática dessa ferramenta na advocacia em um mercado cada vez mais digitalizado e competitivo. Foi destacado que a ética profissional é uma ética voltada para o social, e que dentro do ambiente da advocacia, sobretudo, é necessário que essa ética seja regulamentada a fim de que não haja consequências para a sociedade ou para a classe dos advogados.

Procurou-se identificar a problemática envolvendo o marketing jurídico e a ética profissional normatizada, chegando-se à conclusão de que a regulação do marketing jurídico é essencial para manter a integridade e a dignidade da profissão. Destaca-se a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que possuiu um papel crucial na definição de limites para a publicidade advocatícia, assegurando que os advogados possam promover seus serviços sem comprometer os valores éticos fundamentais da profissão. Contribui-se, por meio deste estudo, para a conceituação do marketing jurídico como uma nova ferramenta capaz de auxiliar desde o recém-formado até o advogado mais experiente em alcançar seus objetivos dentro da advocacia, mas contrabalanceia-se a inovação trazida, com a necessidade de observância de preceitos tradicionais e inerentes à advocacia. A pesquisa aponta que, ao respeitar as diretrizes estabelecidas pela OAB, os advogados podem utilizar estratégias de marketing para se destacarem no mercado, sem recorrer a práticas mercantilistas que possam prejudicar a imagem da profissão.

Limitou-se o estudo em uma análise principalmente qualitativa, baseando-se em literatura e normativas existentes, sem um levantamento empírico mais aprofundado, focando, sobretudo, na realidade brasileira, não abordando em detalhes como outras jurisdições tratam a questão do marketing jurídico. Visando o crescimento de estudos e artigos voltados à área de marketing jurídico e a inovação que ela traz, entende-se como necessário que novas pesquisas empíricas sejam feitas a fim de que possam avaliar o impacto concreto das práticas de marketing jurídico na percepção pública da advocacia e na captação de clientes.

Em suma, este trabalho conclui que a regulação ética do marketing jurídico, embora desafiadora, é imprescindível para preservar o prestígio da advocacia e garantir que esta continue a servir a justiça e a sociedade de forma íntegra e respeitosa, balanceando a inovação com o respeito às diretrizes éticas e garantindo, por fim, que toda a classe mantenha seu prestígio e sua essência sacerdotal frente a sociedade.

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[1] ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Brasil tem 1 advogado a cada 164 habitantes: CFOAB se preocupa com qualidade dos cursos jurídicos. OAB, Brasília, 17 nov. 2022. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/59992/brasil-tem-1-advogado-a-cada-164-habitantes-cfoab-se-preocupa-com-qualidade-dos-cursos-juridicos. Acesso em: 6 jun. 2024.

[2] Nicolescu B, et al. Educação e transdisciplinaridade. São Paulo: UNESCO, USP/Escola do Futuro, CESP; 2000. p.56.

[3] SÁ, Antônio Lopes de. Ética Profissional. Grupo GEN, 2019.p. 127.

[4]LEAL, S. T. O Advogado e a Ética. Caderno Virtual, v. 1, n. 20, 2009.

[5] DEOAB, a. 3, n. 647, 21.07.2021, p. 1

[6] A licença para advogar cooccdida ao Advogado não formado em Direito. Lcgulcio. ou Iormado nos Unh’cr- sidades csLrangeiras, paga de sello a11nualmcnLc 5$000, c por uma só “cz 50$000. Rcg. n. 68 I – de IOde Julho de 1850 arl. 48. O Advogado formado cm DireiLo nas Faculdades do Imperio .pa”a de no,’os direiLos 60$000; c provido lemporartamenle, 2$000 por anno. L. de 30 dc No- vemhro dc j 8\ I § 5 da ‘fabella annexa.

[7] Não podem entrar nas nudiencias com espada ou trajos prohibidos. AI. de 30 de .Iunbo de 1652. Os do Institulo dos Ad,’ogados e os do Couselho d. Eslado têm vestimenta especial para os auditorios e dias de fe,lividade aacional. D. n. 393 – de 23 de Novembro de 1843 ar·t. 102. (BRASIL,1870)


Carolina Mendonça Guimarães de Alencar Meneses. Graduanda em Direito na Faculdade Presbiteriana Mackenzie com experiência em Direito Tributário e Administrativo, além de atuação em assessoramento na CLDF. Estagiária no Advocacia Mendonça e Diretora na WebAdvocacy – Direito e Economia.


Efeitos do Tratado de Westhalia na atual guerra do Oriente Médio entre Israel e Palestina

Carolina Mendonça Guimaraes de Alencar Meneses

Em 1648, foi firmado o Tratado de Westphalia que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, um conflito travado entre nações europeias, sobretudo por razões religiosas, o qual é frequentemente apontado como o marco zero do sistema internacional moderno, baseando-se na soberania estatal e na não intervenção nos assuntos internos dos estados. Segundo Mazzuoli (2023, p. 46), a Paz de Westphalia foi um “divisor de águas” que permitiu o desprendimento de regras fundamentais que passaram a presidir as relações entre os Estados europeus, reconhecendo princípios e normas que, teoricamente, definem as relações internacionais até os dias de hoje. Entretanto, o conflito atual entre Israel e Palestina revela a complexa interação e contradição desses princípios estabelecidos pelo Tratado de Westphalia com as dinâmicas de reivindicações territoriais e intervenções
externas que hoje são observadas não só na “Terra Santa” como também
em todo o Oriente Médio.

Veja-se que, influenciado pelo Tratado de Westphalia, o conceito de soberania estatal implica que cada estado tem autoridade exclusiva sobre seu território e as pessoas nele, sendo uma das características que compõe o Estado Moderno. Para Mazzuoli (2023, p. 46 apud Brierly, 1954, p. 7-8):

 

Esse tipo de Estado, desenvolvido a partir da reforma protestante e dos tratados de Westfália, deu origem à chamada doutrina da soberania (que já contava com sua formulação teórica desde 1576, no De Republica de Jean Bodin), segundo a qual a força capaz de agregar seres humanos em um dado território é a unidade do poder (summa potestas), sem a qual o Estado seria – na expressão de Bodin – como um “barco sem quilha”.

 

No contexto do conflito Israel-Palestina, ambos os lados reivindicam o direito à soberania sobre determinados territórios. Israel, estabelecido como um estado soberano em 1948, controla terras que os palestinos reivindicam para a formação de seu próprio Estado.

Assim, nota-se que a soberania estatal, nascida da Paz de Westphalia, se relaciona com as reivindicações territoriais de Israel e Palestina na medida em que trata-se de um dos objetos de disputa entre as duas nações frente às realidades de reivindicações nacionais e identitárias conflitantes. Paralelamente, entende-se que o conflito não se limita apenas às nações mencionadas. Segundo Seitenfus:

 

O discurso que defende o paradigma da soberania, inspirado nos primórdios de Vestefália, apresenta grande atualidade nos países do Sul. As pressões exercidas pelo exterior são apresentadas como neocoloniais, desrespeitosas do domínio reservado e da independência dos Estados.

 

Apesar do autor referir-se de forma ampla aos ditos “países do Sul” de forma análoga pode ser aplicado aos conflitos do Oriente que de forma reiterada e contínua, vem sendo influenciados por atores externos à sua política e cultura. A interferência de atores externos no conflito Israel-Palestina contradiz diretamente o princípio de não intervenção estabelecido pelo Tratado de Westphalia. Diversos países e organizações internacionais tê tomado partido, fornecendo apoio político, econômico e, em alguns casos, militar para Israel ou à Palestina. Um exemplo disso é o próprio Irã que tem apoiado de forma militar os ataques contra Israel. O Dr. Amit Chamoli (2024, p. 781) aponta que:


O Irã está apoiando completamente o Hamas, a prova disso é que comemorações foram feitas no Irã depois dos ataques realizados pelo Hamas. O apoio total do Irã ao Hamas tem aumentado a força do Hamas, fazendo-o capaz de atacar Israel. (…) O Irã tem providenciado suporte militar assim como assistência econômica para o Hamas no passado, para que em tempos de guerra, não haja falta. (…) Junto com o Irã, o Líbano (…) e muitos países mulçulmanos são vistos se unindo.

 

A intervenção tem inflamado o conflito, o que pode, a longo termo, dificultar esforços de paz e dificultar o descobrimento de soluçõe baseadas no respeito mútuo pela soberania e pela autodeterminação dos povos.

Sobre a retromencionada busca de soluções, entende-se que para que as hostilidades sejam cessadas é imperioso o reconhecimento internacional da soberania dos estados em conflito. Para isso, os esforços diplomáticos têm sido essenciais para legitimar suas reivindicações à luz dos princípios do Tratado de Westphalia. Israel já alcançou amplo reconhecimento internacional, embora sua soberania sobre certos territórios ainda seja contestada. A Palestina, por outro lado, em busca do reconhecimento como estado
tem encontrado sucesso variado. A princípio, assim como aconteceu em Westphalia, a paz entre Israel e Palestina não nascerá em uma única reunião entre os representantes das partes, mas por uma profunda compreensão da necessidade de paz e de cessões de ambos os lados.

Dessa forma, chega-se à conclusão que o Tratado de Westphalia até hoje influencia o mundo, e os conflitos entre Israel e Palestina ilustram os desafios de aplicar princípios do Tratado em um mundo que mudou drasticamente desde 1648. As realidades de reivindicações territoriais sobrepostas, intervenções de atores externos e a luta pelo reconhecimento internacional, revelam as tensões entre a teoria da soberania estatal e as práticas internacionais contemporâneas.

Mesmo assim, nota-se que a paz e o período de reconstrução da Europa que seguiram o fim da Guerra dos Trinta Anos foi marcada pelos dizeres declarados nos tratados: “paz e a amizade cristã, universal, perpétua, verdadeira e sincera”. Da mesma forma, os conflitos sobre a soberania de territórios no Oriente Médio por Israel e Palestina não durarão para sempre e a necessidade de paz, reconstrução de vidas, laços e pontes se fará necessária. Nestes termos, espera-se que o maior efeito dos Tratados de Westphalia não seja no atual conflito entre as nações do Oriente, mas sim em sua futura conciliação. Para que a paz e a amizade entre israelenses e palestinos seja igualmente, universal, perpétua, verdadeira e sincera.


Práticas Anticompetitivas e Acessibilidade: Impacto em Tecnologias Assistivas para Pessoas com Deficiência. 

Carolina Mendonça e Élcio Pimenta

…combater o poder econômico e seu exercício abusivo nada mais é que combater o individualismo excludente das relações puras de mercado, imprimindo-lhes valores como informação ampla, respeito aos usuários e consumidores, melhor distribuição dos recursos na sociedade e regras mínimas de convivência econômica.” (SALOMAO FILHO 2021, 1) 

O acesso equitativo a produtos e serviços acessíveis desempenha um papel fundamental na promoção da inclusão e qualidade de vida das pessoas com deficiência.  Nota-se, no entanto, que são raras as ocasiões em que a intersecção entre o direito concorrencial e a acessibilidade são discutidas tanto no âmbito acadêmico quanto no político. Compreende-se que o cenário hodierno é complexo: ao mesmo tempo que a cada dia que passa novas tecnologias assistivas, serviços e produtos têm surgido e gerado facilidade e inclusão no cotidiano das Pessoas com deficiência, também conhecidas como PCDs, o mercado que os fornece é limitado, gerando produtos e serviços superfaturados e de difícil aquisição.  

Assim este artigo tem como objetivo exatamente lançar luz sobre esse tema, trazendo à baila como a concorrência — ou a falta dela  — pode afetar a acessibilidade, a precificação e disponibilidade de produtos e serviços voltados para portadores de deficiência, com destaque às novas tecnologias assistivas, a fim de que, com a compreensão sobre os desafios e oportunidades que envolvem essa intersecção do direito concorrencial e acessibilidade, seja possível caminhar para uma sociedade mais inclusiva.  

Notadamente, com o aprimoramento de tecnologias assistivas, que tem crescido de maneira exponencial e gerado produtos tecnológicos de última geração, existem atualmente no mercado, por exemplo, óculos de descrição dinâmica, os quais permitem a leitura para o usuário de maneira instantânea de qualquer texto: livros, revistas, cardápios, textos no computador ou celular, placas de rua e até bula de remédio, podendo inclusive escolher a voz e a velocidade da leitura. Destarte, é insigne o teor revolucionário que a supracitada tecnologia traz para pessoas com deficiência visual, entretanto, tal dispositivo não se destina às massas, principalmente por sua onerosidade e difícil acesso.  

Contudo, tal situação não é a prevista normativamente. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência traz por fundamento a destinação a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Adiante, é direito da pessoa com deficiência a tecnologia assistiva, no que se segue: 

Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se: 

III – tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social; 

Nesse sentido, segundo o especialista e sócio-fundador da Diversitera, Marcus Kerekes, um relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) trouxe ponderações de alto interesse visto que, segundo este, pelo menos 1 bilhão de adultos e crianças, notadamente pessoas com deficiência, são excluídos do acesso a tecnologias, afastando o interesse normativo retro apresentado e tendo sido demonstrado uma realidade bem diferente. Em entrevista à CNN, ele destacou que esta é uma “luta antiga” e que chama a atenção a “discrepância entre países mais pobres e mais ricos” na tecnologia assistiva.  

Este tipo de inovação, segundo ele, vai desde aparelhos físicos, como cadeiras de rodas, quanto digitais, como softwares de leitura de tela, que de alguma forma consigam suprir a perda de funcionalidade das pessoas. “Ao longo do tempo, países ricos estabeleceram um conjunto de fatores, como investimento público, que possibilitaram o acesso dessas pessoas a essas tecnologias, e elas depois conseguiram se inserir no mercado de trabalho e ter acesso a elas, a cadeia foi se estruturando”, explicou. Paralelamente, em países mais pobres, o especialista destaca que “a falta de acesso faz com que menos pessoas cheguem ao mercado de trabalho, e fiquem mais à margem da sociedade em termos de renda, é um ciclo que vai se tornando”. 

“Para sairmos desse ciclo, ampliar as cadeias produtivas é um caminho e é uma das possibilidades também de sair da estagnação econômica, de adicionar valor ao mercado, aumentar o tamanho da pizza e não a briga por fatias dela”, completou. 

A indústria brasileira, no entanto, carece bastante de qualidade, já que as tecnologias assistivas importadas são melhores, visto que o quadro econômico nacional atual acaba dificultando e afastando as pessoas do acesso a essas tecnologias. Apesar de avanços terem sido feitos, o processo é longo e gradativo, tendo muito a ser feito, apesar de já existiram acertos nessa área, como o acesso à linha de financiamento para pessoas com deficiência. 

Não há dúvidas de que as tecnologias assistivas tornam a vida das pessoas com limitações físicas muito mais fácil. O que não é tão fácil é a aquisição desses recursos, principalmente os que envolvem tecnologia de ponta.  

Para se ter uma ideia, uma impressora jato de tinta de modelo mais básico não custa muito mais de R$ 200, enquanto uma impressora braile, também de modelo mais básico, não sai por menos de R$ 10 mil. Cadeiras de roda e outros equipamentos mecânicos, programas de computador, e muitas outros exemplos fazem uma grande diferença na qualidade de vida de quem utiliza, mas custa muito caro para se adquirir. 

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Tecnologia Assistiva, Abiteca, Alexis Munõs, um dos fatores que elevam o custo desses produtos é a falta de concorrência.  “A partir do momento em que se tem mais pessoas trabalhando, mais concorrência, a tendência seria (e nós estamos aqui pra isso, pra organizar um pouco o setor para que se tenha equipamentos com um pouco mais de qualidade)… Chegando nesse ponto, acreditamos que a própria concorrência vá baixar o custo desses equipamentos.” 

Alexis Munõs salienta que a participação do Estado é muito importante nesse processo, através da desoneração dos produtos associados às tecnologias assistivas. Como contrapartida, ele defende que as empresas brasileiras produzam equipamentos com a mesma qualidade dos importados.  “Não é a ideia de incentivar tanto a política de importação. A ideia é incentivar que tenhamos tecnologia nacional para desenvolver produtos aqui no Brasil. Estamos em contato com vários ministérios, em especial o Ministério da Ciência e Tecnologia, que é a maneira da gente estar apoiando, incentivando o desenvolvimento de produtos nacionais, para a gente evitar essa taxação que a gente tem, esse trabalho de trazer produtos importados para as pessoas com deficiência.” 

Em boa parte dos países europeus, o governo dispõe de uma política de ajudas técnicas que financiam a aquisição de tecnologias assistivas por parte de pessoas com deficiência. No caso de programas adaptativos de computador, por exemplo, a pessoa paga pelo equipamento, mas os softwares de acessibilidade são instalados pelos fornecedores via programas de ajudas técnicas. É por essa razão que, nesses países, a quase totalidade dos indivíduos com deficiência que usa programas de computador para acessibilidade têm softwares registrados. 

O Sistema Único de Saúde possui um programa de distribuição de órteses, como cadeiras de roda, e próteses, como pernas mecânicas. No entanto, são equipamentos de modelos bastante simples, pois no Brasil, no entanto, ainda não existem programas que financiam tecnologias assistivas de ponta. 

Para a deputada Mara Gabrili, do PSDB paulista, mesmo com as políticas de órtese e prótese, o percentual das pessoas com deficiência beneficiadas é muito baixo.  

“Eu acho que toda a distribuição de equipamentos que é feita pelo SUS precisa ser muito bem trabalhada, porque não condiz com o tamanho da nossa realidade. E a gente tem outros equipamentos que ajudam as pessoas, deficientes visuais, software de voz, pernas mecânicas, e precisa um trabalho muito bem feito para que esses produtos consigam chegar nas pessoas. A gente acredita que esses 24 milhões já estão chegando nos 30 milhões, porque 24 é um dado do senso de 2000, e você pode ter certeza que nem 5 por cento desse público está coberto com tecnologias assistivas que realmente façam diferença na vida deles.” 

Assim compreende-se que, no cenário nacional atual, há ainda a necessidade de desenvolvimento de uma concorrência saudável no mercado visto que esta tende a promover a inovação, a redução de preços e a melhoria na qualidade dos produtos e serviços. No entanto, quando se trata de produtos e serviços voltados para pessoas com deficiência, a dinâmica da concorrência pode ser diferente. Isso se dá pela falta de visibilidade do mercado que envolve as tecnologias assistivas e demais aparelhagens correlatas que auxiliam, segundo dados do IBGE, uma população formada hoje por 18,6 milhões de deficientes visuais, físicos e mentais no Brasil. Ana Frazão aponta em sua obra: “Direito da Concorrência” que a proteção do consumidor e do próprio povo é a pedra de toque da criação da legislação antitruste, contudo é claro que certas medidas devem ser adotadas para a mudança da atual situação. O Estado, como agente normativo e regulador, nos termos do artigo 174 da Constituição Federal, deveria atuar a fim de que haja um fomento à Concorrência, apoiando a entrada de novos concorrentes no mercado por meio de políticas de apoio a startups e empreendedores na área de acessibilidade, para garantir que todos tenham igualdade de oportunidades e acesso aos recursos necessários para uma vida plena e independente.