O Projeto de Lei das Criptomoedas

Fernando de Magalhães Furlan

No início de outubro de 2021 foi publicado parecer favorável[1] da Comissão Especial destinada a analisar o Projeto de Lei nº 2303/2015, que “dispõe sobre a inclusão das moedas virtuais (…) na definição de ‘arranjos de pagamento’, sob a supervisão do Banco Central do Brasil”.

A Comissão Especial, que discute a regulação de criptoativos no país, já havia aprovado, em 28/09/2021, o substitutivo apresentado pelo relator da matéria. O texto aprovado apresenta conceitos gerais e deixa aos reguladores (Banco Central do Brasil[2] e Comissão de Valores Mobiliários – CVM[3]) a normatização infralegal da matéria.

A proposta legislativa agora segue à votação pelo plenário da Câmara dos Deputados e, se aprovado, vai a votação no Senado Federal para posterior sanção do presidente da República.

Em sua análise de constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa do Projeto de Lei nº 2303/2015, o parecer aprovado pela Comissão Especial assim consignou:

(…) Não se verificam máculas na proposição quanto aos princípios constitucionais e legais que regem a possibilidade de regulação das chamadas moedas virtuais (…). De fato, além da falta de dispositivo contrário na Carta Magna, a norma tem como pressuposto atender o princípio basilar da Ordem Econômica, assentado expressamente no inciso V do artigo 170, ou seja, a defesa do consumidor”.

Outrossim, o artigo 170 da Constituição Federal, em seu inciso IX, também elege o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte como princípio geral da atividade econômica. Além disso, a Carta Magna erige a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica (art. 170, caput) e da própria República (art. 1º, IV).

Em síntese, a proposta legislativa pretende: a) tipificar o crime de “fraude em prestação de serviços de ativos virtuais”; b) inclusão das prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol constante do art. 16 da Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986, caracterizando crime a situação em que a prestadora opere sem que estar devidamente autorizada; c) aumento da pena para os crimes de lavagem de dinheiro, com o uso de ativos virtuais; e d) regras transitórias para as prestadoras de serviços de ativos virtuais em atividade na data da publicação do novo regramento, dispondo que estas terão o prazo de cento e oitenta dias, para ajustarem-se às normas emanadas pelos órgãos reguladores sobre as atividades realizadas.

O art. 2º da proposta prevê que as prestadoras de serviços de ativos virtuais somente poderão funcionar no país mediante prévio registro, podendo ser exigida autorização de órgão ou entidade da Administração Pública Federal a ser indicado em ato do Poder Executivo.

Além disso, o parágrafo único do art. 3º estipula que competirá a órgão ou entidade da Administração Pública Federal, definido em ato do Poder Executivo, estabelecer quais serão os ativos financeiros regulados, para fins desta Lei.

De acordo com o art. 4º, a prestação de serviços de ativos virtuais deve seguir os parâmetros a serem estabelecidos pelo órgão ou pela entidade da Administração Pública Federal, consoante os arts. 2º e 3º, além de observar as seguintes diretrizes: a) livre iniciativa e livre concorrência; b) boas práticas de governança e abordagem baseada em riscos; c) segurança da informação e proteção de dados pessoais; d) proteção e defesa de consumidores e usuários; e) proteção à poupança popular; f) solidez e eficiência das operações; e g) prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa, em alinhamento com os padrões internacionais.

Praticamente todos os incisos do artigo 4º da proposta são programáticos e, no mais das vezes, até mesmo redundantes, visto que enfatizam a aplicação de legislação já em vigor a situações, atos e fatos já regulamentados, seja pela perspectiva da defesa do consumidor, da proteção de dados, da proteção à poupança popular, da governança e mesmo do combate ao terrorismo e às armas de destruição em massa.

Aliás, esta última orientação soa um tanto hiperbólica, já que não é o meio que determina o ilícito, mas a sua própria essência. Ou seja, não é porque alguns utilizam ativos digitais para a prática de crimes que esses ativos se tornam ilegais por si sós. Assim fosse, o papel-moeda circulante também deveria ser considerado ilícito em seu cerne, visto que é amplamente utilizado para a prática de atos ilegais.

 Ainda, consoante o art. 7°, compete ao regulador indicado em ato do Poder Executivo Federal: a) autorizar o funcionamento, a transferência de controle, fusão, cisão e incorporação da prestadora de serviços de ativos virtuais, na hipótese de autorização mencionada no caput do art. 21; b) estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais em prestadora de serviços de ativos virtuais e autorizar a posse e o exercício de pessoas para cargos de administração na hipótese de autorização mencionada no caput do art. 21; c) supervisionar a prestadora de serviços de ativos virtuais e aplicar as disposições da Lei n° 13.506, de 13 de novembro de 2017, em caso de descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação; d) cancelar, de ofício ou a pedido, as autorizações de que tratam os incisos 1 e II, quando exigidas; e) dispor sobre as hipóteses em que as atividades ou operações de que trata o art. 5º serão incluídas no mercado de câmbio ou em que deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no País.

Em tempos de propalada liberalização da economia, com a edição da chamada Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019[4]) e outras[5], dentro do mesmo contexto, parece atitude farisaica aquela de restringir, condicionar, limitar e, até mesmo, cancelar o funcionamento de empresas de um setor altamente inovador, em sua maioria, de pequeno ou médio portes.

É certo que alguma regulação do setor de criptoativos era esperada, mas se supunha que seria direcionada a criar um ambiente legal e regulatório propício ao desenvolvimento dessas inovações no mercado financeiro, não partir do pressuposto de que as empresas do setor já nascem suspeitas, simplesmente porque manejam ativos financeiros não lastreados pelo Estado.

Infelizmente, o viés político-eleitoral, acima do legislativo, parece haver contaminado, tanto a iniciativa, quanto a discussão e eventual aprovação da proposta. Há redundância com atos normativos já existentes, inclusões desnecessárias na legislação, criação de situações específicas que já se encontravam incluídas nas hipóteses genéricas da legislação em vigor, enfim, uma série de aspectos que revelam interesses secundários, ainda que legítimos do ponto de vista parlamentar.

O art. 10 estipula a inclusão do artigo 171-A ao Decreto-Lei n° 2.848/1940 (Código Penal), nos seguintes termos:

Fraude em prestação de serviços de ativos virtuais.

Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos e multa.”

Quanto ao dispositivo acima, impressiona o fato de haver passado ileso pela análise de juridicidade da Comissão Especial. O que se propõe é a criação de um novo tipo penal, com artigo específico no código, quando o tipo penal já existe e está previsto no caput do artigo 171.

O que o projeto de lei pretende é simplesmente incluir a expressão “organizar, gerir, ofertar carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais” ao texto já em vigência e que lê:

obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.

Como já dito, não parece correto criminalizar o meio, a tecnologia ou a inovação, mas, ao contrário, é preciso concentrar esforços na persecução àqueles que se utilizam dela para a prática de crimes.

A proposta, ademais, ao pretender criar tipo penal, também se propõe a aumentar a pena de 1 a 5 anos de reclusão e multa (crime de estelionato) para 4 a 8 anos de reclusão e multa (fraude com ativos virtuais), como se o simples fato de serem utilizados “ativos virtuais” no ilícito, teria o condão de ampliar a sua antijuridicidade ou punibilidade.

Já o art. 11 altera a redação do art. 16, da Lei n°7.492/1986 (Lei dos Crimes contra o SFN), que passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio, bem como a prestadora de serviços de ativos virtuais”.

Pois bem, o projeto de lei busca inserir a expressão “bem como a prestadora de serviços de ativos virtuais” na redação do atual art. 16.  Novamente, a alteração do dispositivo parece retórica, eis que a própria Lei nº 7.492/86 já dispõe em seu artigo 1º, parágrafo único que:

Parágrafo único. Equiparam-se à instituição financeira:

I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;

II – a pessoa natural que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual”.

Ora, se a própria lei já equipara à instituição financeira qualquer pessoa jurídica que capte ou administre (…) recursos de terceiros, bem como qualquer pessoa física que exerça qualquer das atividades referidas, ainda que de forma eventual, desnecessária a adição do termo ao artigo 16 da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro. Mesmo porque o próprio caput do art. 1º também inclui a custódia de valores nas atividades típicas das instituições financeiras e equiparadas.

O art. 12 acrescenta o termo “ou por meio da utilização de ativo virtual” ao § 4º do artigo 1º da Lei n° 9.613/1998 (Lei de lavagem de Divisas), que passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. 

§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada, por intermédio de organização criminosa ou por meio da utilização de ativo virtual“.

Dito de outra forma, o que o legislador aqui almeja é equiparar a utilização de “ativo virtual” à organização criminosa, para fins de aumento de pena de um a dois terços. Ou seja, para a Comissão Especial, o uso de “ativos digitais” é, por si só, tão reprimível e condenável quanto a “associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente (…) para a prática de infrações penais(…)”.

Além disso, o art. 12 também acrescenta o inciso XIX ao parágrafo único do artigo 9º da mesma Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Divisas), verbis:

9º. Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:

(…)

Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações:

XIX – as prestadoras de serviços de ativos virtuais.”

Aqui também caberiam os mesmos comentários já feitos sobre o artigo 12 do projeto de lei. Contudo, como nisto o espírito do legislador parece ter sido, ao longo do tempo, o de identificar novas modalidades e incluí-las no texto legal, mister reconhecer a adequação de mais este adendo às situações previstas no art. 9º da Lei nº 9.613/98, ainda que o caput do art. 9º, e seus incisos, já abranjam, de forma genérica, todas as possibilidades descritas no parágrafo único.

E, finalmente, o art. 12 também acrescenta a expressão: “ativos virtuais” ao inciso II do art. 10 da Lei nº 9.613/98:

Art. 10 As pessoas referidas no art. 9º:

(…)

II – Manterão registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ativos virtuais, ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta expedidas;”.

Mais uma inovação legislativa desnecessária, já que a expressão “ou qualquer ativo possível de ser convertido em dinheiro” abarca os “ativos virtuais”.

Mas nem tudo são críticas, se há um reconhecimento que deve ser feito em relação ao projeto de lei, é que ele tem a modéstia de endereçar aos entes reguladores a regulamentação desse mercado.

Esperemos que o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) busquem uma regulamentação[6] inclusiva, desburocratizada, orientada por bases técnicas, e não apenas financeiras. Também se espera desses reguladores que desenhem formas de consulta ao setor privado e prestação de contas à sociedade.


[1] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1555470. Acesso em: 08/11/2021.

[2] Sobre BACEN e criptoativos, vide: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Comunicado&numero=31379. Acesso em: 08/11/2021.

[3] Sobre a CVM e os criptoativos, vide: https://www.investidor.gov.br/publicacao/Alertas/alerta_CVM_CRIPTOATIVOS_10052018.pdf. Acesso em: 08/11/2021.

[4] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 08/112021.

[5] Entre outras, a Lei nº 13.848/2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13848.htm. Acesso em: 08/11/2021.

[6] Ver: https://www.seudinheiro.com/2021/economia/presidente-do-bc-revela-conversa-com-cvm-sobre-regulacao-de-bitcoin-e-outras-criptomoedas/. Acesso em: 08/11/2021.

O dia em que o Bitcoin virou moeda soberana

Fernando de Magalhães Furlan

Na semana passada, El Salvador, menor país da América Central continental e 3ª maior economia daquela região (PIB de US$ 25 bi, em 2020)[1], aprovou lei que oficializa a adoção do Bitcoin como moeda de curso oficial (moeda fiat ou moeda soberana) naquela jurisdição. Antes do Bitcoin, El Salvador já havia aberto mão de sua soberania monetária ao adotar o dólar estadunidense, em 2001.

Assim, a iniciativa de El Salvador de incluir o Bitcoin como moeda de curso forçado, uma “moeda” sobre a qual não terá qualquer controle sobre emissão ou circulação, não parece tão radical, se considerarmos que há duas décadas isso já acontece lá em relação ao dólar.

Ou seja, El Salvador não tem qualquer controle sobre a sua própria política monetária. Desta forma, qualquer medida anticíclica, para frear ou acelerar a economia, só pode ter caráter fiscal ou pelo aumento do nível de endividamento público (já alto)[2].

Lightning Network Strike[3], uma plataforma de processamento de pagamentos por criptografia, desenvolvido pela startup Zap Solutions, com sede em Chicago, é a tecnologia operacional por trás do anúncio de El Salvador.

Mas além da jogada política de um jovem presidente em primeiro mandato, a iniciativa tem também razões pragmáticas. Aproximadamente 20% a 25% do PIB do país são formados por remessas que emigrantes (cidadãos salvadorenhos vivendo no exterior) enviam de volta para o país. Isto representa 5 a 6 bilhões de dólares ao ano, uma quantia que não pode ser desprezada.

Além disso, historicamente esse montante transacionado internacionalmente pode ser tarifado em até 10% pelos serviços bancários/financeiros tradicionais e demorar vários dias para chegar a El Salvador. Em alguns casos, o destinatário tem até mesmo que realizar fisicamente a coleta da remessa.

Neste contexto, estamos falando de uma economia de 500 a 600 milhões de dólares ao ano, tanto para o cidadão, quanto para o país, pois a oficialização do Bitcoin será benéfica para as movimentações financeiras internacionais de salvadorenhos, pois a criptomoeda descentralizada/distribuída cobra uma taxa de cerca de apenas US$ 5 por transação.

Outro motivo por trás do anúncio, é o potencial que o Bitcoin pode ter em seu uso cotidiano, como meio de troca em transações pequenas, criando uma rede financeira aberta, que beneficiaria os cidadãos e empresas salvadorenhos. Lembrando que em El Salvador predomina o uso do dinheiro físico nas transações diárias, cerca de 70% das pessoas não têm conta bancária ou cartão de débito/crédito[4].

Contudo, há o grande desafio da volatilidade do preço do Bitcoin, que dificulta o seu uso cotidiano. Somente em 2021, o ativo mais que dobrou de valor e atingiu o recorde de US$ 64 mil, sendo negociado “atualmente” a US$ 37 mil, aproximadamente. Em 19 de maio deste ano, por exemplo, no espaço de algumas horas, o preço do Bitcoin caiu 30%.

Para evitar essas oscilações, foram criadas as chamadas stablecoins, que rastreiam moedas emitidas pelos governos (moedas fiat ou soberanas).

Além disso, uma série de criptomoedas menores está surgindo. No total, 10.000 estão listadas no CoinMarketCap[5], quase o dobro de um ano atrás. O Bitcoin ainda é responsável por 40% do valor total negociado em criptomoedas, em comparação a 70% em janeiro deste ano.

Além de adotar a criptomoeda como moeda oficial, o presidente de El Salvador informou que também instruiu a companhia estatal de eletricidade geotérmica do país a apresentar um plano para oferecer instalações para a mineração de Bitcoin com energia limpa e renovável, proveniente dos inúmeros vulcões do país[6].

As reações da comunidade financeira internacional, entretanto, já começaram. Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou que “os governos vão regulamentar e vencer o Bitcoin[7]. Na mesma linha, o diretor de comunicações do FMI, Gerry Rice, disse que a adoção do Bitcoin como moeda de curso legal em El Salvador “levanta uma série de preocupações jurídicas e econômicas”, sem, contudo, identificá-las. Para o presidente do banco central da Suécia, Stefan Ingves, “o Bitcoin se tornou um ativo grande demais para escapar da regulação[8]. Ele acredita que, à medida que o setor das criptomoedas crescer, naturalmente atrairá mais regulação. Isto porque a rápida expansão das criptomoedas no ano passado – US $ 2,4 trilhões em seu pico – atraiu a atenção jurídica e regulatória dos bancos centrais mundo afora.

Neste contexto de “estatização” do Bitcoin, também acompanhamos, recentemente, o prenúncio das moedas digitais soberanas, ou CBDCs (Central Bank Digital Currencies), moedas digitais dos bancos centrais que combinam a funcionalidade dos pagamentos eletrônicos com a acessibilidade universal do dinheiro, e prometem facilitar pagamentos e promover inclusão financeira. As CBDCs podem ser programadas, permitem maior controle sobre os fluxos financeiros no país e ajudam a reduzir os custos envolvidos na emissão de papel-moeda. Pelo menos 41 bancos centrais já se manifestaram sobre a possibilidade de emitir alguma forma de moeda digital até o fim de 2020, segundo registro do Banco de Compensações Internacionais (BIS).

A China desponta com testes que já somam dezenas de milhões de yuans digitais. O Brasil também faz parte do movimento e pode ter sua própria moeda digital nos próximos anos.

A moeda digital emitida por banco central (CBDC) é um passivo do banco, ao contrário das criptomoedas, que não são emitidas por nenhuma autoridade monetária, e tem conversibilidade garantida com as moedas nacionais convencionais. Além de funcionarem como reserva de valor, as moedas digitais de varejo podem ser utilizadas para realizar transferências via celular/tablet ou pagamentos off-line, por meio de dispositivos próprios, nos pontos de venda (points of sale – PoS).

As CBDCs podem ser uma alternativa segura, barata e eficiente para realizar pagamentos – domésticos e internacionais. Durante a pandemia, as medidas de isolamento social aceleraram a mudança de hábitos em direção aos pagamentos digitais. Ela acompanhou o aumento do e-commerce e outras formas de compras remotas, bem como a opção do público por métodos “sem contato”, nas transações financeiras.

Com a moeda digital, todos os cidadãos poderão ter uma conta junto ao banco central (ou receber uma espécie de token, código que equivale a uma quantia de CBDCs, para utilizar em qualquer estabelecimento). Assim, a CBDC pode vir a ser uma alternativa para incluir populações vulneráveis no sistema de pagamentos e reduzir o uso do dinheiro físico nos países em que o sistema bancário atual não atinge boa parte da população, como é o caso brasileiro.

As políticas emergenciais de distribuição de renda em resposta à crise do COVID-19 em vários países, confrontaram os governos com a necessidade de transferir dinheiro para o público de maneira rápida, segura e inclusiva, sem que as pessoas precisassem sair de casa.

As cédulas e moedas físicas não vão “sumir” imediatamente. Os bancos centrais devem seguir emitindo notas suficientes para atender à demanda daqueles que preferirem utilizar a moeda em meio físico. A ideia dos bancos centrais é que, conforme as pessoas se habituem às formas eletrônicas de guardar e transferir valores, a opção por uma moeda digital se torne natural. O papel dos bancos centrais será oferecer as duas opções para que empresas e indivíduos gradualmente substituam o papel-moeda pela moeda digital.

Por fim, um outro assunto relevante sobre o mundo cripto das últimas semanas foi o anúncio do Federal Bureau of Investigations – FBI relativo à recuperação de US$ 2,3 milhões de um resgate pago em Bitcoin aos hackers que fecharam a Colonial Pipeline, maior sistema de oleodutos para produtos petrolíferos refinados dos EUA, após identificarem a carteira virtual que haviam usado. Como todas as transações de Bitcoin são registradas em sua Blockchain, que é pública, deixam um rastro que permitiu identificar as IPs[9] de onde foram feitas as transações. Há, porém, criptomoedas que buscam fornecer maior anonimato, usando tecnologia de mascaramento. A Monero, por exemplo, tenta dificultar a vinculação de fluxos a uma identidade fixa, rastrear fundos ou observar o tamanho da transação.


[1] Fundo Monetário Internacional. Dados do país. El Salvador. Disponível em: https://www.imf.org/en/Countries/SLV. Acesso em: 17/06/2021.

[2] Fitch Ratings. Fitch Wire. El Salvador Budget Highlights Debt Risks, Funding Challenges. 06 Oct, 2020. https://www.fitchratings.com/research/sovereigns/el-salvador-budget-highlights-debt-risks-funding-challenges-06-10-2020. Acesso em: 17/06/2021.

[3]  Lightning Network Strike. Zap Solutions. Disponível em: https://strike.me/. Acesso em: 17/06/2021.

[4] UOL Economia. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/afp/2021/06/09/congresso-aprova-lei-para-transformar-bitcoin-em-moeda-de-curso-legal-em-el-salvador.htm. Acesso em: 17/05/2021.

[5] CoinMarketCap. Disponível em: https://coinmarketcap.com/. Acesso em: 17/06/2021.

[6] Disponível em: https://exame.com/future-of-money/criptoativos/el-salvador-quer-minerar-bitcoin-com-energia-produzida-a-partir-de-vulcoes/. Acesso em: 17/06/2021.

[7] Disponível em: https://br.investing.com/news/cryptocurrency-news/governos-vencem-bitcoin-na-briga-por-liberdade-diz-professor-de-harvard-824171. Acesso em: 17/06/2021.

[8] Disponível em: https://www.moneytimes.com.br/presidente-do-banco-central-da-suecia-afirma-que-o-bitcoin-nao-ira-escapar-da-regulacao/. Acesso em: 17/06/2021.

[9] Sigla para Protocolo da Internet, ou (Internet Protocol) Esse protocolo funciona de forma semelhante ao CPF de uma pessoa física, permitindo que conexões e dispositivos sejam identificados a partir de uma sequência numérica. O IP que reconhece a comunicação entre dois dispositivos distintos, o TCP/IP ou o OSI. Já o protocolo que identifica conexões, ou seja, o CPF de um dispositivo conectado a internet é chamado de IP Address, ou endereço de protocolo da Internet. Cada aparelho ou dispositivo possui um IP fixo, enquanto a conexão com a internet gera IPs dinâmicos, também conhecido como IP externo.

Governança e accountability no sistema financeiro nacional

Fernando de Magalhães Furlan

A melhoria do ambiente concorrencial no sistema financeiro do país também passa pelo aumento no nível de governança no setor. Questões como accountability[1] e transparência devem se aplicar tanto às instituições financeiras, públicas e privadas, quanto aos próprios reguladores.

Uma boa e relevante notícia, nesse contexto, foi a recente promulgação da lei[2] que concede autonomia formal para o banco central, transformando-o em autarquia de natureza especial. O texto também prevê mandatos não coincidentes para o presidente e diretores da entidade, novas regras para suas demissões e apresenta novas atribuições para a autoridade monetária, como, por exemplo, “suavizar as flutuações do nível de atividade econômica” e “fomentar o pleno emprego”.

Hoje, a autarquia tem como objetivos principais garantir o poder de compra da moeda e assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Com a mudança, o BC atuaria também para baixar o nível de desocupação e para perseguir o pleno emprego.

No Brasil, o órgão de cúpula do SFN é o Conselho Monetário Nacional (CMN)[3], a quem cabe, dentre outras funções, a formulação da política da moeda e do crédito no país. O CMN hoje é composto pelo ministro da Economia, que o preside, pelo presidente do Banco Central e pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia. É também o mesmo ministro que indica, e o presidente da República nomeia e demite, a qualquer tempo e conforme os humores das conveniências políticas, os presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, ambos grandes bancos comerciais. O chefe da Pasta da economia também nomeia os presidentes dos conselhos de administração do BB e da Caixa. Ou seja, no sistema financeiro, o Brasil não parece ser um bom exemplo de governança, onde os poderes se concentram nas mãos de poucos, não há supervisão ou ela é inócua, e interesses comerciais se confundem com o interesse público.

O único dispositivo da novíssima Lei Complementar 179/2021, que trata do que se pode considerar um arremedo de governança e accountability é o artigo 11, que prevê que: “o presidente do Banco Central do Brasil deverá apresentar, no Senado Federal, em arguição pública, no primeiro e no segundo semestres de cada ano, relatório de inflação e relatório de estabilidade financeira, explicando as decisões tomadas no semestre anterior”.

Contudo, essa singela e tímida disposição não parece ser suficiente para endereçar todas as incontáveis repercussões que as deliberações estratégicas do CMN e as decisões executivas do Banco Central podem ter nos mais diversos aspectos da vida cotidiana dos brasileiros: desde o controle da inflação, até condições favoráveis à geração e manutenção de empregos e postos de trabalho.

Afinal, consoante o artigo 192 da Constituição Federal, o sistema financeiro nacional deve servir aos interesses da coletividade, não das instituições financeiras ou de seus acionistas, sejam eles o próprio governo ou investidores estrangeiros.

Para ilustrar a questão, por meio de recente acontecimento, vejamos a representação[4] do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União que pede o afastamento e a investigação, por suposto uso político das entidades públicas, dos presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal), no episódio do manifesto da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) pela harmonia entre os Poderes.

No pedido, o Ministério Público afirma que ambos os presidentes “demonstraram que o motor das decisões tomadas na condução das instituições que dirigem possui forte viés político, em afronta ao esperado zelo pelo interesse público e não do governo de plantão”.

Existem três princípios básicos[5] que devem sustentar avanços na governança e accountability do Sistema Financeiro Nacional (Conselho Monetário Nacional e Banco Central do Brasil):

1) Promover mais discussão e diversidade de opiniões:

Embora os tomadores de decisão estejam obrigados a explicar as suas ações, tal obrigação se limita a uma simples publicação de dados e alguma informação genérica. O que está faltando é o registro e divulgação dos autênticos debates e deliberações. Banqueiros centrais e ministros da Economia não são oráculos. Deve haver mais espaço para divergências – tanto entre aqueles com o poder de definir políticas públicas, quanto na sociedade, diretamente afetada por essas políticas.

2) Garantir que as autoridades monetárias respondam ao público em geral:

Os impactos de decisões do CMN ou do BCB são difusos, isto é, atingem o conjunto da sociedade, sendo impossível identificar, isoladamente, todos os afetados e raramente se tornam evidentes o suficiente para mobilizar o público. Nesse contexto, é preciso encontrar maneiras criativas de garantir que o Banco Central do Brasil e o CMN prestem mais contas ao público em geral.

3) Ampliar os objetivos a partir dos quais suas ações serão avaliadas:

Uma forma de garantir que os formuladores das políticas monetária e financeira prestem contas ao público é garantir que as questões que afetam os cidadãos sejam refletidas nos padrões que as orientam. Atualmente, a maioria dessas questões não está oficialmente na agenda, o que é limitado pelo objetivo de atingir um nível de inflação muito baixo.

Afinal, as metas de inflação de hoje podem não ser mais apropriadas. Um documento de trabalho recente do Federal Reserve[6], por exemplo, sugere que aumentar a meta de inflação atual e complementá-la com uma meta de PIB nominal faz sentido, do ponto de vista econômico.

À medida em que os bancos centrais e autoridades monetárias assumem um papel cada vez mais influente em nossa vida política e econômica, também, em contrapartida, devem garantir a sua própria transparência, governança e mecanismos de mensuração de sua responsabilidade e performance.


[1] Accountability está relacionada com a prestação de contas e com a responsabilização por atos praticados.

[2] Lei Complementar nº 179, de 24 de fevereiro de 2021.

[3] Junto ao CMN também funciona a Comissão Técnica da Moeda e do Crédito (COMOC), que atua como órgão de assessoramento técnico na formulação da política da moeda e do crédito do Brasil. A COMOC manifesta-se previamente sobre assuntos de competência do CMN. Membros da COMOC: presidente do Banco Central (coordenador); presidente da Comissão de Valores Mobiliários; secretário-executivo do Ministério da Economia; secretário de Política Econômica do Ministério da Economia; secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Economia e diretores do Banco Central do Brasil.

[4] Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/radar/procurador-pede-ao-tcu-afastamento-de-chefes-do-bb-e-da-caixa/. Acesso em: 19/09/2021.

[5] BEST, Jacqueline. Why we need better central bank accountability. Ethics & International Affairs – EIA, junho de 2016. Disponível em: https://ethicsandinternationalaffairs.org/2016/need-better-central-bank-accountability/. Acesso em 19/09/2021.

[6] ENGLISH, William B. et al. The Federal Reserve’s Framework for Monetary Policy–Recent

Changes and New Questions. Finance and Economics Discussion Series. Divisions of Research & Statistics and Monetary Affairs. Federal Reserve Board, Washington, D.C., 2013. Disponível em: https://www.federalreserve.gov/pubs/feds/2013/201376/201376pap.pdf. Acesso em: 19/09/2021.

Advocacia da concorrência e acesso a mercados financeiros

Fernando de Magalhães Furlan

Em 2018, CADE e Banco Central do Brasil publicaram o Ato Normativo Conjunto nº 01[1], que estabeleceu procedimentos para harmonizar e tornar mais eficientes as respectivas ações em atos de concentração e na defesa da concorrência no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (SFN).

O art. 3º, III, do Ato Normativo Conjunto n° 01/2018, dispõe que o BCB e o CADE, observado o dever de sigilo, manterão comunicação e intercâmbio de dados e informações que permitam, dentre outros, a apuração de indícios de infrações concorrenciais verificadas, inclusive com disponibilização de documentação comprobatória.

Já o art. 40 do mesmo ato normativo conjunto, prevê que o BCB e o CADE reunir-se-ão, sempre que necessário, para discussão de temas que possam ensejar ação normativa com impactos concorrenciais em mercados e instituições submetidas à supervisão ou vigilância do BCB; e cooperação técnica no âmbito de processos administrativos no controle de atos de concentração e na apuração de infrações à ordem econômica, envolvendo instituições supervisionadas pelo BCB, inclusive com a participação dessas.

A boa cooperação entre o regulador do sistema financeiro e a autoridade da concorrência foi considerada tão crucial, que o Senado Federal tomou a iniciativa e aprovou projeto de lei complementar (PLP)[2] que dispõe sobre a defesa da concorrência no âmbito de atuação das instituições financeiras e demais instituições sujeitas à supervisão ou à vigilância do Banco Central do Brasil e sobre a cooperação e a partilha de competências entre o Banco Central do Brasil e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em matéria concorrencial. A proposta legislativa, que ora tramita na Câmara dos Deputados, está parada na Coordenação de Comissões Permanentes há mais de três anos[3].

O parágrafo único do artigo 2º do PLP prevê, inclusive, que o Banco Central do Brasil e o CADE mantenham fórum permanente de comunicação, por meio de acordo de cooperação técnica.

Em que pese a importância e essencialidade do trabalho da Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE), do Ministério da Economia, o CADE, enquanto autarquia federal, dotada de poder de polícia, e, portanto, com capacidade de intervenção ou sanção a agentes econômicos, públicos ou privados, é responsável último pela advocacia da concorrência no país.

Assim, ainda que a SEAE possa desempenhar papel de grande relevância na relação entre o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e o Sistema Financeiro Nacional (SFN), é ao CADE que cabe a palavra final quanto à Lei de Defesa da Concorrência e à aplicação da política pública respectiva, ressalvados casos de ilegalidade ou desproporcionalidade que poderão ser revistos pelo Poder Judiciário[4].

O certo é que a advocacia da concorrência perante o Sistema Financeiro Nacional tem sido tímida, em que pese iniciativas louváveis do próprio Banco Central do Brasil e do Congresso Nacional, que incluem, por exemplo, o Cadastro Positivo[5] de usuários, o Open Banking[6] e o PIX[7].

Políticas de acesso ao crédito, transparência e desregulamentação do mercado financeiro são cruciais para o incremento da concorrência e, consequentemente, do crescimento econômico sustentado. Sem a capacidade de financiar o seu desenvolvimento e crescimento, as empresas estariam fadadas a permanecerem pequenas, sem acesso ao natural processo de evolução econômica.

A garantia de acesso rápido a crédito e a transações financeiras de baixo custo tem, assim, o potencial de multiplicar a atividade econômica, aumentando a eficiência e a competitividade.

O caso dos Meios de Pagamento (Maquininhas)

Inquérito administrativo[8] instaurado pelo CADE buscou inicialmente averiguar indícios de que novas credenciadoras de cartões de crédito, recentemente estabelecidas, estariam enfrentando dificuldades impostas pelos incumbentes (instituições financeiras) para o seu desenvolvimento.

As investigações do CADE tinham por objeto inicial as relações de exclusividade remanescentes entre bandeiras de cartões de crédito e as credenciadoras líderes de mercado[9]. O CADE procurava analisar a ocorrência de possíveis condutas anticompetitivas praticadas por agentes já estabelecidos e que estariam limitando ou impedindo o acesso de novos concorrentes ao mercado.

Neste caso dos meios de pagamento, ou das “maquinhas”, com o reconhecimento pelo Banco Central do Brasil dos arranjos de moeda eletrônica, baseados na concepção de uma conta digital de pagamento, que possibilita aos pontos de venda receber valores, independentemente de uma conta bancária, o país afirma uma cultura da concorrência, da inovação e da inclusão financeira, já que, no Brasil, calcula-se haver 15 milhões de “desbancarizados”[10].

As contas digitais, em razão de seus custos reduzidos em relação às contas bancárias tradicionais, permitem que os estabelecimentos recebam pagamentos por meio de cartões, boletos e transferências, aumentando as opções de recebimento, sem qualquer vinculação à atividade de credenciamento.

Além disso, as contas digitais pré-pagas são operadas sem passar pela rede bancária, por meio de arranjos de pagamento das próprias fintechs, exatamente por não envolverem risco monetário, já que, ao contrário dos bancos, não podem captar depósitos de clientes ou atuar no mercado financeiro. 

Os resultados dos acordos firmados pelo CADE com as empresas investigadas foram imediatos e expressivos: com a quebra da exclusividade credenciadora/bandeira, a taxa cobrada pelos cartões de crédito caiu 20%, segundo a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços).

Foi um caso emblemático porque resultou na possibilidade de qualquer vendedor ambulante receber, por meio de uma “maquininha”, via cartão de débito ou crédito, de qualquer bandeira ou credenciadora.

Com isso, incontáveis pequenos negócios, mesmo informais, foram incluídos financeiramente e tiveram os seus negócios fortemente alavancados.

O caso WhatsApp Pay

No Brasil, apesar da institucionalização da cooperação entre o CADE e o Banco Central[11], são visíveis, contudo, os limites de atuação da autoridade da concorrência no sistema financeiro, a exemplo do caso WhatsApp Pay[12].

Uma semana depois do anúncio do lançamento do WhatsApp Pay pelo Facebook, em junho de 2020, o Banco Central do Brasil determinou a suspenção da operação da solução tecnológica, sob a alegação da necessidade de avaliar questões de competição e privacidade. O CADE fez o mesmo, mas depois de avaliar informações enviadas pelos interessados, voltou atrás de sua decisão, ainda no fim de junho de 2020, permitindo a continuidade da operação no Brasil.

Somente em outubro de 2020, o Banco Central do Brasil aprovou a constituição de uma nova modalidade de instituição de pagamento, denominada “iniciador de transação de pagamento”, em que o agente iniciador não participa do fluxo financeiro, categoria na qual o WhatsApp Pay poderia se encaixar.

Assim, finalmente, depois de cinco meses, o WhatsApp Pay pode começar a operar no Brasil, em novembro de 2020.


[1] Disciplina os procedimentos aplicáveis à análise de atos de concentração econômica envolvendo instituições financeiras; e à apuração de infrações à ordem econômica envolvendo instituições sujeitas à supervisão ou vigilância do Banco Central do Brasil.

[2] PLP (Projeto de Lei Complementar do Senado) nº 499/2018. Em tramitação na Câmara dos Deputados.

[3] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2173211. Acesso em: 11/08/2021.

[4] Ver Tema de Repercussão Geral 485 do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=307111179&ext=.pdf. Acesso em: 11/08/2021.

[5] Os dados utilizados pelos Bureau de Crédito passam a informar a pontualidade do consumidor no pagamento de suas contas e registra compromissos e hábitos de pagamentos, listando os bons pagadores e aqueles que cumpriram seus compromissos em dia. Com o cadastro positivo pode-se verificar, por exemplo, que o atraso é apenas um problema pontual diante do histórico de bom pagador (adimplência) do consumidor. Pessoas que podem ser bons pagadores começam a contratar empréstimos com juros mais baixos ou prazos maiores, deixando de pagar pelo risco de maus pagadores, incentivando o crescimento econômico.

[6] O Open Banking, que entrou em funcionamento em 2021, considera que os dados bancários pertencem aos clientes e não às instituições financeiras. Assim, desde que autorizadas pelo correntista, as instituições financeiras compartilharão dados, produtos e serviços com concorrentes e fornecedores, por meio da abertura e integração de plataformas e infraestruturas de tecnologia. Clientes bancários poderão, por exemplo, visualizar, em um único aplicativo, o extrato consolidado de todas as suas contas bancárias e investimentos. Também será possível realizar transferências de recursos ou pagamentos, sem a necessidade de acessar diretamente site ou aplicativo do banco. 

[7] PIX é o meio de pagamento eletrônico instantâneo brasileiro, de baixo custo e segurança. A iniciação de um PIX para uma pessoa física é gratuita. Foi lançado oficialmente em outubro de 2020, com início de funcionamento integral em novembro de 2020. O PIX funciona 24 horas, sete dias por semana, entre instituições financeiras, fintechs e instituições de pagamento. A chave PIX permite que o sistema (SPI) identifique os dados da conta transacional (que é uma conta de depósito à vista, conta de poupança ou conta de pagamento pré-paga) que o usuário mantém na instituição de sua escolha e que foram associados à chave PIX e realize a transação imediatamente. SPI (Sistema de Pagamentos Instantâneos) é a infraestrutura centralizada onde são liquidadas as transferências de fundos comandadas pelos usuários do PIX e pelas próprias instituições participantes do ecossistema PIX quando resultam em transferências de fundos que afetem as contas de pagamentos instantâneos (conta PI) mantidas pelas instituições junto ao Banco Central do Brasil (BC). Conta PI (conta pagamentos instantâneos) é a conta mantida no BC por um participante direto do SPI.

[8] Inquérito Administrativo nº 08700.000018/2015-11. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei//modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?2pXoYgv29q86Rn-fAe4ZUaXIR3v7-gVxEWL1JeB-RtUgqOwvr6Zlwydl0IhRNSr2Q22lByVKByYDYwsa13_JxjDSl_Nxq63HwR03xJFy9I7_2aEZKTuxj3WRclfAJqL-. Acesso em 03/03/2021.

[9] Cielo, credenciadora Visa para o Banco do Brasil e o Bradesco; e Rede, credenciadora Mastercard para o Itaú-Unibanco.

[10] O Cade, o Banco Central e a guerra das maquininhas. Priscila Brólio Gonçalves. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/05/o-cade-o-banco-central-e-a-guerra-das-maquininhas.shtml?loggedpaywall. Acessado em 27/06/2019.

[11] Ato Normativo Conjunto CADE/BCB n° 01/2018 e Projeto de Lei Complementar (PLP) n° 499/2018.

[12] Lançado em 6 de novembro de 2020, é um meio de transferir dinheiro e que está disponível para todos os usuários do WhatsApp. É mais um recurso para as pessoas fazerem transações financeiras (transferências ou pagamentos). No Brasil, segundo país a contar com esse serviço, calculam-se 120 milhões de usuários, cerca de 60% da população brasileira. O primeiro país a acessar o novo sistema de pagamentos e transferência P2P foi a Índia.

Proteção e tratamento de dados pessoais como direito fundamental (PEC 17/2019) e a Defesa do Consumidor

Eduardo Molan Gaban

Nesta última quarta-feira (20/10), foi aprovada a PEC 17/2019[1], que elevou a nível constitucional a proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, inserindo esta previsão no rol de direitos fundamentais do artigo 5º; bem como atribuiu à União a competência privativa para legislar sobre matérias de proteção e tratamento dos dados pessoais, acrescentando o inciso XXX no artigo 22 da Constituição Federal. Após a aprovação em dois turnos pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem, o texto deve seguir para promulgação, por meio de sessão do Congresso ainda a ser designada.

Apesar de o rito e demais especificações da proteção dos dados já estarem previstos anteriormente na Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18, ou simplesmente LGPD), a PEC trouxe um expressivo reforço na efetivação da tutela desse direito, vez que, a partir da sua publicação, será dever do Estado zelar e criar mecanismos para colocar em prática o devido tratamento dos dados pessoais. E nessa condição, será o Estado responsável indireto por eventuais falhas ocorridas na disciplina da proteção de dados.

Assim, com a inserção da proteção dos dados na categoria dos direitos fundamentais, caso haja um vazamento de dados por meio de uma rede social, por exemplo, haverá dois tipos de responsabilização: (i) a primeira, de forma direta, da própria rede social; (ii) e em segundo lugar, de forma indireta, do Estado, que possui o dever de fiscalizar e coibir estas práticas. Da mesma forma, caso seja omisso em alguma dessas situações, também poderá ser responsabilizado.

Outro ponto de importante relevância que a PEC trouxe é a garantia de maior segurança jurídica sobre a matéria de proteção de dados, vez que ela impede a pulverização e fragmentação das normas. Isso quer dizer que, na medida em que ela impõe à União a competência única para legislar nesse tema, os demais entes da Federação estão automaticamente impedidos de criar leis esparsas sobre o mesmo assunto, as quais poderiam levar a interpretações contraditórias e conflitantes.

Cite-se, a título ilustrativo, a preexistência de normas infraconstitucionais sobre proteção de dados em João Pessoa/PB[2], Vinhedo/SP[3] e Cariacica/ES[4]. Com a publicação da PEC, tais leis não mais serão válidas, sendo tacitamente revogadas em razão da incompetência destes entes para legislar sobre o assunto. A competência privativa da União para legislar elimina o risco de conflitos de normas estaduais/municipais com a LGPD, as quais tendem a criar mais embaraços do que auxiliar na sua aplicação.

A Proposta aprovada ainda definiu um papel mais certeiro da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). De acordo com a relatora da PEC, a senadora Simone Tebet, “a previsão da PEC que atribui à União as competências de organizar e fiscalizar o tratamento dos dados pessoais dos indivíduos oferece agora ‘abrigo constitucional’ ao funcionamento da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)[5].

A este respeito, é oportuno destacar que a redação original da PEC previa a autonomia institucional da ANPD. No entanto, este enunciado foi removido, e a Autoridade permanece com a mesma composição institucional de quando foi criada: órgão da administração pública direta, vinculado à Presidência da República.

Muito embora a independência administrativa seja recomendável para as autoridades de proteção de dados, como demonstra relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[6], permanecem intactas as suas atribuições e prerrogativas sobre aplicação das sanções previstas na LGPD, tal como previsto no artigo 55-J da mencionada Lei.

Todavia, embora a PEC tenha trazido grandes avanços em termos de segurança jurídica para legislação da matéria e na competência sancionatória da ANPD, existem alguns pontos que remanescem sem a devida atenção do legislador e que podem trazer embaraços na efetivação da tutela deste direito fundamental, principalmente no que diz respeito à competência de aplicação das sanções em outras legislações existentes que também tratam da proteção de dados.

Mesmo antes da entrada em vigor da LGPD, o ordenamento jurídico pátrio já contava com leis que disciplinavam a proteção dos dados pessoais, como o Marco Civil da Internet[7], o Código de Defesa do Consumidor[8], a própria Constituição Federal[9], o Código Civil[10] e o Estatuto da Criança e do Adolescente[11]. Em tais normativas, as autoridades responsáveis pela aplicação de punições, em caso de violação, são as instâncias originárias competentes para o processamento da respectiva matéria.

Com o surgimento da LGPD, por sua vez, que vem para congregar todos os regulamentos e dar maior encaixe a eles, restou estabelecido que a aplicação das sanções administrativas ali previstas (artigos 52 a 54) deve ser feita por meio da ANPD.

A LGPD, contudo, embora tenha alcance multidisciplinar e sirva para cooptar as ideias constantes dos estatutos acima citados, não previu a competência da ANPD ou de qualquer outra autoridade nacional específica para tratar de violações ao tratamento dos dados das demais leis acima citadas.

Nesse sentido, na medida em que a LGPD não previu a competência sancionatória da ANPD para alcançar as demais legislações, um dos grandes desafios na aplicabilidade da matéria de proteção de dados será a promoção da atuação sinérgica entre os órgãos aplicadores de punições quando previstas nas outras normas, como o CDC e Marco Civil da Internet.

E nesse sentido, em que pese não haja uma previsão explícita de uma autoridade para promover essa atuação harmônica entre os demais órgãos, a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) do Ministério da Justiça e Segurança Pública vem desempenhando um papel de destaque, ao passo em que vem desenvolvendo um trabalho voltado à redução da insegurança jurídica por meio de uma uniformização racional do funcionamento dos órgãos a ela vinculados, porém não subordinados.

De acordo com as suas atribuições institucionais, a atividade do SENACON visa a harmonização nas relações de consumo, bem como incentiva a integração e a atuação conjunta dos membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC). Porém, a atual configuração do SNDC faz com que cada órgão, em sua atividade fiscalizatória, adote seus próprios entendimentos sobre temas e normas de direito do consumidor, o que acaba potencializando a desarticulação do SNDC e ampliando a insegurança jurídica tanto no tocante às regras processuais quanto ao padrão punitivo[12].

E é assim que surge o desafio à SENACON de promover a articulação e a integração dos órgãos componentes do SNDC. O que se verifica, na prática, é que a Secretaria vem atuando de forma a regulamentar um processo uniforme e racional para todo o SNDC, fixando critérios sistêmicos e parâmetros para a aplicação de sanções administrativas, buscando sempre alcançar a máxima segurança jurídica.

Inclusive, com essa finalidade, e já antevendo a insegurança jurídica que paira sobre a matéria de dados pessoais no âmbito consumerista, especialmente no início da aplicação das sanções, firmou Acordos de Cooperação Técnica com a própria ANPD[13]. Isso demonstra uma postura de preocupação da Secretaria com a complexidade do sistema de proteção de dados, o qual necessita da fixação de interpretações sobre o tema, até mesmo para evitar a judicialização em massa.

Não obstante a PEC, tampouco a LGPD, não tenham delimitado uma autoridade sancionatória para as demais legislações, fato este que garante autonomia às entidades do SNDC, faz-se necessária a cooperação entre as instituições, a fim de se evitar a desarticulação destes órgãos e maximizar os efeitos práticos da punição pelo uso indevido dos dados pessoais dos consumidores. E para tanto, a SENACON possui competência na imposição de diretrizes que possam tornar o sistema coordenado.

Apenas a prática vai demonstrar qual o melhor caminho a ser percorrido, porém uma coisa é certa: a segurança jurídica somente poderá ser alcançada quando as decisões do sistema forem sinérgicas, coesas e respeitem a due process clause contida na Constituição de 1988. A falta de um processo administrativo unificado e cogente, bem assim da não submissão de todas as entidades a critérios unificados de interpretação, dosimetria e aplicação de sanções implica o enfraquecimento do SNDC e não efetiva a tutela do consumidor. A efetividade da tutela dos dados pessoais e do consumidor somente pode decorrer de uma atuação transversal e coordenada das entidades de defesa do consumidor (capitaneadas pela SENACON mediante a instrução com diretrizes de interpretação, regras de processamento e padrões de dosimetria e aplicação de sanções) e a ANPD.


[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1773684&filename=PEC+17/2019

[2] https://leismunicipais.com.br/PB/JOAO.PESSOA/LEI-13697-2019-JOAO-PESSOA-PB.pdf

[3] https://www.legiscompliance.com.br/images/pdf/lei_complementar_161_vinhedo_lgpd.pdf

[4] http://www3.camaracariacica.es.gov.br/Arquivo/Documents/legislacao/image/L59482019.pdf

[5] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/10/20/senado-inclui-protecao-de-dados-pessoais-como-direito-fundamental-na-constituicao

[6] https://www.oecd.org/publications/a-caminho-da-era-digital-no-brasil-45a84b29-pt.htm

[7] Lei nº 12.965/14: art. 3º, II e III; art. 7º, VII a XI; art. 10º, caput e §1º; art. 11, caput; art. 16, I e II.

[8] Lei nº 8.078/90: art. 43.

[9] Constituição Federal: artigo 5º, X, XII e LXXII.

[10] Lei nº 10.406/02: art. 21.

[11] Lei nº 8.069/90: art. 17.

[12] DOMINGUES, Juliana Oliveira; GABAN, Eduardo Molan; BRAGA, Viviane Salomão. O Processo Administrativo em defesa do consumidor e o vetor interpretativo da LGPD: desafio de um sistema de muitos atores. No prelo, p. 9.

[13] https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-e-senacon-assinam-acordo-de-cooperacao-tecnica

Justiça Especializada para Combate a Cartéis

Eduardo Molan Gaban

Em seu discurso de posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Ministro Luiz Fux afirmou ser um profissional pragmático e consequencialista.[1] A vertente pragmática ficou clara na decisão do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 1.083.955[2], em que convenceu seus pares da Primeira Turma do STF (ausente o Ministro Luís Roberto Barroso) que a Corte teria “dever de deferência” às decisões técnicas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em razão da complexidade da matéria concorrencial, da reduzida expertise do Judiciário no tema, da possibilidade de geração de efeitos sistêmicos nocivos à dinâmica regulatória. O agravante buscava reverter a decisão do Ministro Luiz Fux que negou provimento ao seu recurso extraordinário. No recurso, a parte pleiteava que o poder judiciário revisse decisão condenatória do CADE em processo administrativo sancionador pela prática de infração coordenada à ordem econômica (popularmente conhecida como prática de cartel), a qual impôs penas diversas às partes investigadas no respectivo caso concreto. Entretanto, restou decidido que o STF não pode rever a decisão do CADE por não ter expertise para tanto.

A especialização é exceção no atual sistema judiciário brasileiro. Sendo assim, talvez o seguinte atalho seja subjacente à ratio decidendi do STF em referido precedente, bem assim em grande parte das decisões judiciais em situações análogas: melhor é confiar na competência técnica das autoridades administrativas (i.e., “dever de deferência”), como o CADE, a intervir, senão a intervenção jurisdicional (“o remédio”) pode sair pior que “a doença”. Afinal de contas, os recursos são escassos e há uma miríade de processos a julgar versando sobre todos os temas da nação, sobre os quais o judiciário presumidamente possui maior familiaridade. Resultado pragmático e consequencialista: a justiça não exerce o desejável e constitucionalmente previsto judicial review nas decisões administrativas, como as do CADE. Isto potencializa todos os efeitos deletérios dos comprovados fenômenos da captura (George Stigler, Nobel em 1982 – Theory of Economic Regulation) e dos conflitos de interesses (James M. Buchanan, Nobel em 1986 – Teoria da Escolha Pública)[3].

Não há atalho ou solução pragmática que elimine o controle jurisdicional das decisões administrativas, sem contanto gerar consequências negativas às instituições (Douglass C. North, Nobel em 1993 – Institutions). A judicial review é fundamental para o aperfeiçoamento das instituições e maximização dos mandamentos da Constituição. Agora, é inegável que não se viabiliza com o atual modelo generalista de justiça. É necessário especializar a justiça para substituir-se a deferência cega pela constante e eficiente vigilância.

Segundo as melhores práticas em outras jurisdições e conforme recomendações internacionais[4], a implementação de varas especializadas resulta em maior celeridade para a resolução definitiva de mérito dos processos. Além de mais celeridade, a especialização implica maior qualidade técnica às decisões. Tudo isso acaba por gerar decisões mais adequadas (i.e., “cirúrgicas”) para problemas complexos, como os usualmente enfrentados pelo CADE.

O conceito de especialização, é bom frisar, deve abranger o sistema judiciário, não apenas parte dele (os juízes). A ideia deve ser implementada na arquitetura do sistema. Assim, uma vara especializada não se resumiria ao magistrado especializado. Outros servidores públicos com formação interdisciplinar (juristas, economistas, contadores etc.) se especializariam e trabalhariam em conjunto com os magistrados para solucionar o maior número possível de lides e impasses complexos.  

Existem alguns riscos e críticas à especialização da justiça, é bom frisar. O exagero da especialização seria um deles, daí a importância de haver uma combinação de especialidades nas varas (ou melhor, combinação de competências), pois a excessiva especialização tende a inviabilizar sua implementação. Outro problema possível seria a captura dessas varas especializadas por grupos de interesse, sejam órgãos administrativos técnicos cujas decisões são revistas pelas varas, sejam núcleos de poder político ou poder econômico.

A primeira solução para esse problema da captura é o aprimoramento dos já existentes mecanismos de governança, transparência e gestão. Nesse sentido, por exemplo, o Conselho da Justiça Federal (CJF) instituiu, em agosto de 2020, o Guia de Governança e Gestão do Conselho e da Justiça Federal de 1º e 2º graus[5]. Agora, a segunda solução para o problema da captura seria criar um sistema de rotatividade entre os juízes e servidores das varas.

Há quem defenda com afinco que a captura seria o principal risco a afastar a especialização da justiça. Ledo engano. Essa captura já ocorreria nas varas generalistas, nas quais o juiz e os servidores tendem a sucumbir à “tentação” da deferência pela expertise técnica referida na infeliz decisão do STF no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 1.083.955.

Como já apontado em artigo passado de nossa autoria[6], o argumento da captura foi levantado nos EUA, nos anos 1900, quando houve a criação de um tribunal de apelação especializado em litígios envolvendo patentes e comércio internacional, o qual, em 1922, passou a abarcar todos os litígios relativos a direitos de propriedade intelectual. Em razão dessa especialização, os EUA se transformaram em uma potência da propriedade intelectual, com jurisdição segura e previsível sobre esse tema. Diversos países acabaram copiando esse modelo, obtendo sucesso em investimentos e inovações[7].

Ainda no âmbito internacional, existem diversos e exitosos exemplos de tribunais, varas ou entidades mistas (que combinam juízes e autoridades administrativas) especializadas em direito concorrencial[8]. No Reino Unido, existe a Competition Appeal Tribunal, responsável por julgar apelações sobre o mérito de decisões proferidas pela Competition and Markets Authority. No Chile, há o Tribunal de Defensa de La Libre Competencia, com competência para julgar os casos trazidos pelo Fiscalía Nacional Económica ou por agentes privados. No México, depois da reforma constitucional de 2013, as decisões proferidas pela Comisión Federal de Competencia Económica e pelo Instituto Federal de Telecomunicaciones podem ser revistas pela primeira e segunda Corte Distrital Especializada. No Canadá, o Competition Tribunal pode rever as decisões proferidas pela Competition Bureau of Canada. Na Austrália, o Australian Competition Tribunal julga as apelações contra as decisões proferidas pela Australian Competition and Consumer Commission.

Já no Brasil, a especialização da justiça é fortemente recomendada pelo CNJ[9] e alguns Tribunais já vêm estudando e adotando tais inovações. Cite-se, como exemplo, a criação em 2017 de grupo de trabalho para estudo da pertinência da implementação de varas especializadas em direito da concorrência e comércio internacional no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3)[10]. Todavia, talvez pelo desenho institucional das competências (concorrência e comércio internacional), esse projeto do TRF3 não saiu do papel até o presente momento.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) criou em novembro de 2020, na capital, duas varas especializadas em crimes tributários, organização criminosa e lavagem de bens e valores.[11] Tais varas são competentes para o julgamento de crimes como práticas de cartel, dentre outros. Também há varas especializadas criminais com similar desenho de competências em outros Tribunais Estaduais, como por exemplo no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG)[12], Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ)[13], Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT), Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA), Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Tribunal de Justiça de Roraima (TJ-RR) e Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC).

Em âmbito federal, com um desenho de competências um pouco mais restrito (não abrange, em princípio, os crimes contra a ordem econômica e financeira – Lei nº 8.137/90), determinou-se em 2019 a criação de varas especializadas no âmbito dos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª e 5ª Regiões[14] [15]. Tudo em atenção à Recomendação nº 3 de 2006 do CNJ, para a especialização de varas criminais para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas.[16]

No Direito Antitruste, o controle de condutas é uma espécie de atividade sancionatória que se submete aos princípios e regras do direito penal e do direito processual penal. Logo, pode ser entendido como um nicho do direito penal. Além desse fato, as práticas anticompetitivas coordenadas (popularmente conhecidas como cartéis) são também tipificadas como crime (art. 4º, I e II, da Lei nº 8.137/90, somadas às previsões contidas na Lei de Licitações – Lei nº 14.133/21). O combate aos cartéis representou desde o início da vigência da Lei Antitruste (em outubro de 1994, com a publicação da Lei nº 8.884/94) grande parte da atuação repressiva do CADE. Em 2018, por exemplo, mais de 80% do controle de condutas do CADE envolveu referidas práticas coordenadas. Essa média já foi maior, tendo chegado a quase 100% da atuação repressiva do CADE em alguns períodos.[17]

Logo, para as infrações contra a ordem econômica consistentes em práticas coordenadas de competência da justiça estadual (como provavelmente seria o caso do processo administrativo sancionador levado ao STF no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 1.083.955), já é possível aplicar-se o adequado exercício da judicial review pelas varas criminais estaduais especializadas. Para o âmbito federal, seria necessário, em princípio, sensível ajuste nas regras de organização judiciária a bem de incluir os crimes contra a ordem econômica e financeira na competência das varas criminais especializadas para apreciar investigações criminais e ações penais envolvendo organizações criminosas.

Veja-se que mudanças incrementais em linha com a ideia “do menos é mais” viabilizariam rapidamente a concretização da especialização da justiça para grande parte do controle de condutas no Direito Antitruste brasileiro. Esse seria um design institucional da justiça especializada de fácil implementação que criaria mais segurança jurídica ao controle de condutas no Direito Antitruste brasileiro e, ao mesmo tempo, protegeria as instituições e maximizaria a eficácia do art. 5º, inc. XXXV, da CF/88.


[1] “(…) a intervenção judicial em temas sensíveis deve ser minimalista, respeitando os limites da capacidade institucional dos juízes, e sempre à luz de uma perspectiva contextualista, consequencialista, pragmática, porquanto em determinadas matérias sensíveis, O MENOS É MAIS”. Para a transcrição completa do discurso, vide: <discurso-posse-fux-stf.pdf (conjur.com.br)>. Acesso em: 16.09.2021.

[2] “o “dever de deferência” às decisões técnicas, a complexidade da matéria concorrencial, a reduzida expertise do Judiciário no tema, a possibilidade de geração de efeitos sistêmicos nocivos à dinâmica regulatória” – Para a opinião completa sobre esse julgamento, vide: CAMPILONGO, Celso Fernandes. JOTA. “O Supremo Tribunal Federal e o CADE”. Disponível em: <O Supremo Tribunal Federal e o CADE | JOTA Info>. Acesso em: 08.09.2021.

[3] Para uma análise da acusação de que a Senacon estaria sofrendo esses efeitos da captura, vide: GABAN, E. M. Poder 360. “Senacon acerta ao investigar uso do termpo ‘5G’ por operadoras”. 25 de agosto de 2021. Disponível em: <Senacon acerta ao investigar uso do termo “5G” por operadoras, escreve Eduardo Molan Gaban | Poder360>. Acesso em: 16.09.2021.

[4] WORLD BANK. Doing Business 2011: Making a Difference for Entrepreneurs. Washington, DC: World Bank Group, 2012, p. 73. Disponível em: <Doing Business 2011>. Acesso em> 08.09.2021. Vide também: OCDE. Judicial performance and its determinants: a cross-country perspective. OECD Economic Policy Paper Series n. 05. OCDE Publishing, junho de 2013, p. 26-27. Disponível em: <Judicial performance and its determinants: a cross-country perspective – OECD>. Acesso em: 08.09.2021.

[5] Vide: CJF. Guia de Governança e Gestão da Justiça Federal. Disponível em: <Governança — Observatório da Estratégia da Justiça Federal (cjf.jus.br)>. Acesso em: 16.09.2021.

[6] GABAN, E. M.; DOMINGUES, Juliana. JOTA. “Vara para Direito Antitruste e Comércio Internacional”. Disponível em: <Varas para Direito Antitruste e Comércio Internacional | JOTA Info>. Acesso em: 08.09.2021.

[7] IIPI; USPTO. Study on Specialized Intellectual Property Courts. 2012. Disponível em: <Study-on-Specialized-IPR-Courts.pdf (iipi.org)>. Acesso em: 08.09.2021.

[8] Para estudo aprofundado no tema, vide: OCDE. The resolution of competition cases by specialized and generalist courts: Stockating of international experiences. 2017, Disponível em: <The resolution of competition cases by specialised and generalist courts: Stocktaking of international experiences – OECD>. Disponível em: 08.09.2021.

[9] Vide: Recomendação nº 56 de 22/10/2019. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3068>. Acesso em: 08.09.2021

[10] Notícia disponível no seguinte site: TRF3 ESTUDA IMPLANTAÇÃO DE VARAS ESPECIALIZADAS EM DIREITO DA CONCORRÊNCIA E COMÉRCIO INTERNACIONAL. Acesso em: 08.09.2021.

[11] Notícia disponível no seguinte site: Tribunal de Justiça de São Paulo (tjsp.jus.br). Acesso em: 08.09.2021.

[12] Vide notícia: <Varas especializadas em organizações criminosas passam a operar em BH – Portal CNJ>. Acesso em: 16.09.2021.

[13] Vide notícia: <1ª Vara Criminal Especializada completa um ano no combate ao crime organizado – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (tjrj.jus.br)>. Acesso em: 16.09.2021.

[14] Vide levantamento do CNJ: <Julgamento de crime organizado já segue rito próprio na maior parte do país – Portal CNJ>. Acesso em: 16.09.2021.

[15] Vide Resolução do TRF 1: <TRF1 – Resolução dispõe sobre especialização de varas federais no âmbito da 1ª Região>. Acesso em: 16.09.2021.

[16] Vide referida Recomendação: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/855>. Acesso em: 16.09.2021.

[17] Para a íntegra dos dados de atuação do CADE, vide: <Cade em Números — Português (Brasil) (www.gov.br)>. Acesso em: 16.09.2021.

Autoridade Nacional de Proteção de Dados já pode punir infratores da LGPD

Eduardo Molan Gaban

Após o transcurso da vacatio legis, as sanções administrativas previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) entraram em vigor no último domingo, 01 de agosto de 2021. Embora essa lei já tenha sido publicada em 2018, apenas as previsões concernentes à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e aos demais artigos – salvo as penalidades, dispostas nos artigos 52, 53 e 54 – estavam vigentes.

A partir de agora, as empresas alcançadas pelo escopo de incidência da LGPD estão sujeitas também às sanções administrativas pela prática de infrações das normas ali previstas. Tais sanções podem ser de natureza admoestativa, pecuniária e restritiva de atividades. Elas serão aplicadas somente pela ANPD e estão elencadas no artigo 52 da referida lei:

  1. advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
  2. multa simples, de até 2% do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 por infração;
  3. multa diária, observado o limite total a que se refere o inciso II;
  4. publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência;
  5. bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização e sua eliminação;
  6. suspensão parcial do funcionamento do banco de dados a que se refere a infração pelo período máximo de 6 meses, prorrogável por igual período, até a regularização da atividade de tratamento;
  7. suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais a que se refere a infração pelo período máximo de 6 meses, prorrogável por igual período;
  8. proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados.

A LGPD estabelece que a aplicação de sanções deve ser precedida do devido procedimento administrativo, garantindo-se a ampla defesa ao agente de tratamento de dados. Além disso, na dosimetria da sanção, devem ser observadas as peculiaridades do caso, sempre de acordo com o princípio da proporcionalidade, considerando-se a gravidade e a natureza das infrações e dos direitos pessoais afetados, a boa-fé do infrator, a vantagem por ele auferida, a condição econômica, a reincidência, o grau do dano, a cooperação do agente, a demonstração de adoção de mecanismos e procedimentos internos capazes de minimizar o dano voltados ao tratamento seguro e adequado de dados, bem como a adoção de política de boas práticas de governança e medidas corretivas.

Conforme prescrito pela LGPD, a ANPD deverá definir, por regulamento próprio sobre as sanções administrativas, as metodologias orientadoras do cálculo do valor-base das multas. Referidas metodologias devem ser previamente publicadas, na forma de consulta pública aberta aos agentes de tratamento de dados, apresentando objetivamente os critérios de forma e de dosimetria no cálculo da multa, além da fundamentação detalhada de todos os elementos nela utilizados. O regulamento deverá explicitar, ainda, as circunstâncias e condições para adoção de multa simples ou diária, sendo que esta deve observar a gravidade da falta e extensão do dano ou prejuízo causado.

Em que pese tal regulamento ainda não ter sido elaborado, nem levado à Consulta Pública, a ANPD, segundo sua Agenda Regulatória[1] e seu Relatório Semestral de Acompanhamento da Agenda Regulatória[2], está em fase de conclusão da elaboração do Regulamento de Fiscalização e Aplicação de Sanções Administrativas[3], que trata especificamente sobre as fases do processo administrativo sancionador, os direitos e deveres dos administrados. Tal Regulamento foi levado à Consulta Pública entre 28 de maio e 28 de junho de 2021 e obteve 1.831 contribuições de diversos setores da sociedade na Consulta Pública e 487 telespectadores simultâneos na Audiência Pública. Logo referido Regulamento será remetido ao Conselho Diretor da ANPD para deliberação e, com sua aprovação, passará a ter eficácia sobre todos os administrados.

Segundo a proposta de regulamento, a atuação da ANPD deve se dar de modo responsivo, adotando procedimentos de “monitoramento, orientação e atuação preventiva na sua atividade de fiscalização” (art. 14 da proposta do Regulamento) para os fatos ocorridos após 1º de agosto de 2021.

Entretanto, existe uma aparente obscuridade sobre a verdadeira data em que a ANPD passará a ter legitimidade para aplicar sanções administrativas. Se por um lado a LGPD condiciona a aplicação dessas sanções à existência daqueles regulamentos, por outro lado, essa mesma lei autoriza a aplicação dessas sanções a partir de 1º de agosto de 2021. Assim, verifica-se que a ANPD poderá sancionar os administrados entre 1º de agosto de 2021 até a data da aprovação daqueles regulamentos, mesmo na ausência de regulação sobre os procedimentos.

Não obstante essa aparente obscuridade em relação ao aspecto sancionador da ANPD, a Autoridade, além de ter publicado guia orientativo para definição das responsabilidades dos agentes de tratamento de dados pessoais e do encarregado[4], também tem promovido ações estratégicas visando o fortalecimento da cultura de Proteção de Dados Pessoais (Objetivo Estratégico 1), estabelecer ambiente normativo eficaz para a proteção desses dados (Objetivo Estratégico 2) e para aprimorar as condições para o cumprimento de suas competências legais (Objetivo Estratégico 3)[5].

Todavia, muito embora a normatização sobre o tratamento de dados fosse uma atitude há muito esperada como forma de proteção ao titular dos dados, ainda existe uma indeterminação sobre os cenários e instrumentos necessários para que se introduzam, na prática, os meios mais adequados para compliance com a LGPD. Em outras palavras, somente a experiência de aplicação da LGPD aos casos concretos pela ANPD viabilizará a criação do padrão brasileiro suficiente a mitigar a aplicação das sanções definidas pela LGPD.

Seja em razão desse fato, seja em decorrência da cultura local, conforme apontam as pesquisas[6], boa parte das empresas ainda não adequaram suas regras e normas corporativas aos termos da LGPD. Diante da falta de atualização dos programas de compliance de grande parte das empresas com as normas estabelecidas na LGPD, ao que tudo indica a ANPD irá adotar, num primeiro momento, uma postura de diálogo com os administrados e com outros órgãos públicos. Apenas em um segundo momento, a ANPD irá aplicar sanções mais severas, para além da advertência.

A LGPD prevê, ainda, que a ANPD articulará sua atuação com outros órgãos e entidades sancionatórias. Nesse sentido, pontue-se que a ANPD, por meio da sua unidade de Coordenação-Geral de Fiscalização, já possui acordos de cooperação técnica firmados com a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e com o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Inclusive, já há casos sob análise da Autoridade envolvendo a atuação coordenada com os órgãos acima mencionados. Exemplo disso é a recomendação elaborada conjuntamente com o CADE, o Ministério Público Federal e a SENACON para o WhatsApp e Facebook sobre suas novas políticas de privacidade[7].

Além de indicar providências, recomendaram às empresas o adiamento da data de vigência da nova política até que fossem adotadas as recomendações sugeridas pelos órgãos reguladores. Tudo a fim de evitar possíveis violações aos direitos dos titulares de dados pessoais, bem como potenciais efeitos anticoncorrenciais ante a ausência de um design regulatório prévio. Além disso, atentou-se para a preocupação em relação à ausência de informações claras sobre os dados tratados e a finalidade das operações de tratamento ao consumidor.


[1] Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-11-de-27-de-janeiro-de-2021-301143313>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[2] Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/acesso-a-informacao/auditorias-acoes-de-supervisao-e-correicao/nota-tecnica-no-232021cgnanpd.pdf. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[3] Disponível em: <https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-abre-consulta-publica-sobre-norma-de-fiscalizacao/2021.05.29___Minuta_de_Resolucao_de_fiscalizacao_para_consultapblica.pdf>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[4] Disponível em: <https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/2021.05.27GuiaAgentesdeTratamento_Final.pdf>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[5] Disponível em: <https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/planejamento-estrategico/planejamento-estrategico-2021-2023.pdf>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[6] Disponível em: <https://abessoftware.com.br/indice-lgpd-abes-aponta-que-69-das-empresas-de-agronegocios-precisam-se-adequar-a-lei-geral-de-protecao-de-dados/; https://www.eskive.com/blog/5pesquisanacionaleskive; http://www.abnt.org.br/images/Docspdf/Alvarez_e_Marsal_Pesquisa_de_Maturidade_da_LGPD.pdf>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

[7] Disponível em: < https://cdn.cade.gov.br/Portal/assuntos/noticias/2021/Recomendac%CC%A7a%CC%83o_WhatsApp_-_Assinada.pdf>. Acesso em: 02 de agosto de 2021.

US Competition and Antitrust Law Enforcement Reform Act of 2021 (CALERA): A revolução antitruste?

Eduardo Molan Gaban*

Gabriel de Aguiar Tajra**

Os acelerados passos das Big Techs no que tange às transformações de produtos e serviços no mercado digital, bem como de seus respectivos efeitos disruptivos à concorrência, impulsionaram uma verdadeira corrida internacional de adaptação normativa por parte das autoridades antitruste. Corrida esta protagonizada não só para harmonizar assimetrias regulatórias decorrentes do anacronismo legislativo, mas também, e principalmente, para adequar os instrumentos de análise e aplicação normativa aos casos futuros.

Os Estados Unidos estudam mais uma relevante alteração legislativa, denominada de Competition and Antitrust Law Enforcement Reform Act of 2021 (acrônimo: CALERA)[1]. Apresentada pelo senador Amy Klobuchar, chefe do Subcomitê de Políticas Concorrenciais, Antitruste e de Direitos Consumeristas, trata-se de uma reforma substancial condizente à abordagem do Partido Democrata, mais intervencionista, que, nas palavras do próprio senador, busca “resolver um problema concorrencial massivo”[2].

Para tanto, a proposta legislativa busca alterar normativas anteriores, especialmente o Clayton Act, uma das principais normas norte-americanas voltadas à repressão de práticas anticompetitivas. Ainda, pretende aprimorar o arcabouço normativo de controle de estruturas a partir de novos parâmetros de análise de atos de concentração de notificação obrigatória, indicação de possíveis presunções e elementos de investigação em sede de práticas anticompetitivas, inclusive mediante proteção da figura dos denunciantes (whistleblowers), implementação de nova estrutura administrativa e orçamentária.

As alterações normativas ao controle de estruturas são possivelmente algumas das mais relevantes do CALERA. Assumiu-se que, por um lado, aquisições e fusões (concentração de mercado) têm o potencial de reduzir a competitividade empresarial, a inovação e mesmo a qualidade dos produtos e serviços. Por outro, entendeu-se que os Estados Unidos vivenciaram verdadeira consolidação de entendimentos jurisprudenciais favoráveis à não intervenção. Isso por meio de atribuição de foco quase exclusivo aos efeitos sobre preços de produtos e serviços (consumer-welfare approach), deixando de lado presunções de dominância, análise de efeitos estruturais de longo prazo etc.

A proposta de substituição da atual regra exigida para rejeição de atos de concentração, isto é, a “prova de substancial diminuição da competição”, passaria a ser “demonstração de criação de riscos apreciáveis capazes de materialmente reduzirem a competição”. Essa mudança será substancial e, se aprovada, facilitará a proibição de concentração econômica pelas autoridades antitruste norte-americanas. Há ainda algumas outras hipóteses de rejeição de atos de concentração, como a “formação de estruturas monopsônicas”, especialmente relevante aos mercados digitais.

Outras alterações relevantes abarcam a seção 7 do Clayton Act (Unlawful Acquisitions), desta vez voltadas às presunções de geração de efeitos negativos em atos de concentração. Além de criar várias hipóteses de rejeição de atos de concentração, o CALERA também amplia consideravelmente as hipóteses de inversão do ônus probatório no tocante à demonstração de efeitos de operações de concentração econômica. Nesse sentido, recairá majoritariamente sobre os players o ônus de demonstrar efeitos quando a operação de concentração econômica: a) resultar em acréscimo significativo da concentração de mercado; ou b) permitir que a empresa adquirente unilateralmente e com lucratividade venha a exercer poder de mercado; ou c) aumente materialmente a probabilidade de interação coordenada entre competidores.

Especificamente, serão averiguados pontos sensíveis como controle de ativos relevantes, poder de decisão ou poder de voto tanto por parte do grupo econômico adquirente quanto da empresa adquirida e, não menos importante, market share das partes.

A título de exemplo, se impugnada na justiça pelas autoridades antitruste norte-americanas, o juiz deve declarar que uma operação pode representar risco apreciável de diminuir materialmente a concorrência, ou tende a criar monopólio ou monopsônio no mercado ou afetando o mercado se: a) a empresa adquirente possuir mais de 50% do market share, tanto pelo lado da oferta como demanda;b) quaisquer das empresas possua, isoladamente, poder de mercado significativo e como resultado da operação venha a adquirir controle sobre ativos que aumentem a probabilidade de abusarem de sua posição dominante; c) a aquisição resulte na combinação de ativos e entidades que tenham probabilidade razoável de impedir, limitar ou prevenir efeitos disruptivos no mercado em análise; d) a adquirente acabe por possuir ações com direito a voto ou ativos da empresa adquirida totalizando valor superior a US$ 5 bilhões.

Os Estados Unidos atingiram o patamar de US$10 trilhões desde 2008 em operações de fusões e aquisições[3]. Os novos padrões de análise propostos pelo CALERA abrem margem a uma maior rigorosidade pela autoridade antitruste norte-americana, especialmente em face das exigências decorrentes do mercado digital e da ascensão de concentrações por contratos associativos (isto é, que não envolvam diretamente fusões ou aquisições).

As alterações no controle de estruturas não foram as únicas de grande efeito. O mesmo ocorreu em relação às práticas anticompetitivas. Segundo CALERA, consideram-se exclusionárias as condutas que criam desvantagens materiais aos competidores ou limitam suas habilidades de competição. De forma similar ao realizado para o controle de estruturas, foram adotados parâmetros e presunções de dominância também para o controle de condutas, especialmente no que tange ao critério de market share (superior a 50% ou poder de mercado significativo).

Nesse sentido, se acusada de prática anticompetitiva, o ônus da prova recairá sobre a empresa, que deverá demonstrar a preponderância de efeitos positivos ao mercado e à concorrência em contraposição aos fatos imputados.

Ainda em sentido similar ao controle de estruturas, em conjunção à presunção mencionada, as autoridades não serão mais obrigadas a: a) quantificar os danos aproximados da conduta anticompetitiva; b) provar a recusa em contratar; c) demonstrar que os preços estabelecidos no mercado eram inferiores aos preços de custos de concorrentes (para as hipóteses de preços predatórios); ou d) demonstrar a irracionalidade da conduta atacada.

Mesmo práticas que sejam adotadas para garantir conformidade à lei ou aquelas atinentes à aplicação e cumprimento forçado de direitos de propriedade intelectual e industrial seriam passíveis de configurar indícios de práticas anticompetitivas, não tão somente se analisadas por si só, mas em conjunto à possível estratégia de dominação de mercado em curso.

A CALERA ainda trouxe algumas inovações referentes a estrutura administrativa, aplicação de penas e proteção de denunciantes (whistleblowers). Em relação a estes últimos, a normativa procura estender às normas antitruste os mecanismos de não-retaliação já existentes nos programas de whistleblowers em vigor (por exemplo, no âmbito da Security and Exchange Commission – SEC). Especificamente, proibição de demissão, suspensão das atividades profissionais ou qualquer outra forma de discriminação a empregados que disponibilizem informações relevantes à autoridade antitruste ou que atuem como testemunhas ou partícipes na investigação. 

No caso dos denunciantes não coautores, outra inovação interessante são os incentivos criados para denunciação, dentre as quais o pagamento de recompensa àquele que voluntariamente apresentou informações originais às autoridades que viabilizaram a recuperação de ativos até o limite de 30% sobre o montante da pena aplicada.

Em concomitância à previsão de denunciações com incentivos monetários, a CALERA também renovou o parâmetro das penalidades. Se aprovado, o antigo teto de US$ 100 milhões será substituído por penalidades de até 15% sobre o faturamento anual da empresa investigada, ou 30% sobre o faturamento no mercado em análise.

No que concerne à estrutura das administrativa, a CALERA aumentou consideravelmente a distribuição orçamentária da Divisão Antitruste do Departamento de Justiça (“USDoJ”) e do Federal Trade Commission (“FTC”). Os valores anuais passarão de US$ 166,8 milhões e US$ 331 milhões referentes ao no de 2020, para US$ 484,5 milhões e US$ 651 milhões, respectivamente representando um acréscimo de 190,5% e 96,7%.

Além robustecer o orçamento das autoridades (USDoJ, Antitrust Division e da FTC), a CALERA inova criando subdivisão independente para estudos de mercado e revisão atos de concentração passados e aprovados por ambas as autoridades, o Competition Advocate (ou Advogado da Concorrência), o qual, embora passe a funcionar dentro da estrutura da FTC, possuirá independência funcional e equipe própria, se reportando à presidência da FTC.

As alterações propostas quebram paradigmas, isso é fato. Em consonância ao movimento “Hipster Antitruste”, ampliam-se as margens de discricionariedade, bem como levanta-se um maior espectro metodológico a partir de efeitos estruturais e sócio-políticos, como questões atinentes a desigualdades sociais, salário e mobilidade de funcionários, concentração do poder político e portabilidade ou interoperabilidade de dados[4].

Será a tão esperada revolução do antitruste?


[1] Disponível em: https://www.congress.gov/117/bills/s225/BILLS-117s225is.pdf.

[2] Disponível em: https://www.klobuchar.senate.gov/public/index.cfm/2021/2/senator-klobuchar-introduces-sweeping-bill-to-promote-competition-and-improve-antitrust-enforcement.

[3] Segundo dados levantados pelo próprio Congresso Americano na emenda.

[4] DOMINGUES, Juliana Oliveira; GABAN, Eduardo Molan. Direito Antitruste e Poder Econômico: o movimento populista e “Neo-brandeisiano”. In: Justiça Do Direito, v. 33, n. 3, 2019, p. 235.

[*] Doutor em Direito (PUC-SP), Diretor do Instituto Brasileiro de Concorrência e Inovação (IBCI), membro de Nishioka & Gaban Advogados, contato: gaban@nglaw.com.br

[**] Graduado em Direito (USP), Pesquisador do Instituto Brasileiro de Concorrência e Inovação (IBCI), membro de Nishioka & Gaban Advogados, contato: gabriel.tajra@nglaw.com.br

Comentários ao regulamento de aplicação da LGPD para agentes de pequeno porte

Eduardo Molan Gaban

A última sexta-feira (28/01/2022) foi marcada por importantes acontecimentos. O primeiro deles foi a celebração do Dia Internacional da Proteção de Dados Pessoais. Nesta data, comemora-se o dia de 21 de janeiro de 1981, isto é, o dia em que foi firmado a Convenção 108 do Conselho da Europa para Proteção das Pessoas Singulares no que diz respeito ao Tratamento Automatizado de Dados Pessoais.

Esse foi o primeiro tratado internacional com efeitos jurídicos vinculativos firmado entre nações a fim de proteger a privacidade e dados pessoais frente a “abusos que podem acompanhar a coleta e tratamento de dados pessoais”[1] e para regular “o fluxo transfronteiriço de dados pessoais”[2] diante dos avanços tecnológicos de processamento e automatização desses dados.

O segundo evento marcante da última sexta-feira está intimamente relacionado ao primeiro: o Conselho Diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou a Resolução CD/ANPD nº 2, que aprova o regulamento de aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) para agentes de tratamento de pequeno porte[3]. Assim, desde o dia 28/01/2022, passa a vigorar esse regulamento em todo o Brasil.

A aprovação deste regulamento não foi uma grande surpresa para a sociedade. Isso porque o projeto deste regulamento foi amplamente discutido e sofreu contribuições ativas da sociedade, seja por meio de Tomada de Subsídios[4], seja por meio de Consulta Pública e Audiência Pública[5]. Entretanto, isso não quer dizer que a aprovação deste regulamento não estava sendo ansiosamente aguardada pela sociedade. Trata-se de um importante documento que, inicialmente, sinaliza o entendimento e a preocupação da ANPD com a aplicação e com a adequação dos agentes de pequeno porte às regras e princípios da LGPD. E essa preocupação não é infundada, pois, conforme descreveu a própria ANPD, “durante a Tomada de Subsídios realizada por essa Autoridade” foi verificado que há uma “baixa maturidade e a falta de uma cultura de proteção de dados pessoais pelos agentes de pequeno porte que pode dificultar a adequação desses agentes aos ditames da LGPD e, eventualmente, pode inviabilizar sua existência”[6]. Os dados não dizem o contrário[7].

Assim, a fim de evitar que a LGPD se torne letra-morta e garantir o direito fundamental à proteção de dados pessoais de seu titular, a ANPD publicou o referido regulamento para estabelecer normas e procedimentos simplificados para esses agentes de tratamento de dados. Cumpre aqui, então, ressaltar as principais inovações do novo Regulamento de Agentes de Pequeno Porte.

O Regulamento já inicia respondendo a primeira e intuitiva pergunta: a quem se aplica esse regulamento? Somente aos agentes de tratamento de pequeno porte (art. 1º), que são: microempresas, empresas de pequeno porte, startups, pessoas jurídicas de direito privado, inclusive sem fins lucrativos, nos termos da legislação vigente, bem como pessoas naturais e entes privados despersonalizados que realizam tratamento de dados pessoais, assumindo obrigações típicas de controlador e de operador (art. 2º, inc. I).  

A segunda pergunta é: a quem não se aplica o Regulamento? Basicamente, àquelas pessoas listadas no art. 4º da LGPD[8] (parágrafo único do art. 1º do Regulamento), aqueles que realizam tratamento de alto risco para os titulares[9], ressalvada a hipótese prevista no art. 8º do Regulamento, aufiram receita bruta anual superior ao limite estabelecido no Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (R$ 4.800.000,00 – quatro milhões e oitocentos mil reais) ou que pertençam a grupo econômico cuja receita ultrapasse esse limite (art. 3º).

O art. 7º do Regulamento traz as obrigações dos agentes de tratamento de pequeno porte sobre os direitos de titulares, como disponibilizar informações sobre o tratamento de dados pessoais e atender às requisições dos titulares por meio eletrônico, impresso ou qualquer outro que assegure esse direito do titular. É possível também a tais agentes de tratamento, inclusive àqueles que realizam tratamento de alto risco, organizarem-se por meio de entidades de representação para atender reclamações de titulares.

É importante destacar que, no Regulamento, não estão dispostas todas as minúcias dos procedimentos simplificados. Por exemplo, penderá de regulamentação a forma de registro simplificado das atividades de tratamento (art. 9º) e as comunicações dos incidentes de segurança para agentes de tratamento de pequeno porte (art. 10º).

O Regulamento desobriga os agentes de tratamento de pequeno porte a indicar o encarregado pelo tratamento de dados pessoais (art. 11), mas impõe a criação e manutenção de um canal de comunicação com o titular para atender os pedidos destes (art. 11, § 1º). É claro que, se houver a nomeação de um encarregado, isso será considerado fator indicativo de boas práticas e governança para fins do disposto no art. 52, § 1º, IX da LGPD (art. 11, § 2º), que trata exatamente dos critérios de dosimetria das sanções administrativas aplicadas pela ANPD por violações à LGPD.

Outro ponto que será positivamente levado em conta nos critérios de dosimetria das sanções diz respeito à adoção, pelo agente de tratamento de pequeno porte, de medidas administrativas e técnicas para proteção dos dados pessoais, bem como a adoção de política simplificada de segurança da informação (art. 12 e 13).

Ainda, o art. 14 do Regulamento dispõe que os agentes de tratamento de pequeno porte terão prazo em dobro para o cumprimento de diversas obrigações, como: (1) no atendimento das solicitações dos titulares referentes ao tratamento de seus dados pessoais, (2) na comunicação à ANPD e ao titular da ocorrência de incidente de segurança que possa acarretar risco ou dano relevante aos titulares[10], (3) no fornecimento de declaração clara e completa e (4) em relação aos prazos estabelecidos nos normativos próprios para a apresentação de informações, documentos, relatório e registros solicitados pela ANPD a outros agentes de tratamento. Quanto aos prazos não estabelecidos neste regulamento, eles serão fixados em regulamentação específica[11].

Por fim, é importante mencionar que a ANPD resguardou um relevante poder para si, qual seja, de afastar a aplicação das obrigações dispensadas ou flexibilizadas neste regulamento aos agentes de tratamento de pequeno porte, desde que haja circunstâncias relevantes da situação, como a natureza, o volume das operações e os riscos aos titulares.

Os dispositivos deste Regulamento trazem benefícios relevantes e sensíveis para a aderência desses agentes às normativas da LGPD. Entretanto, ainda pendem algumas regulações, conforme indicado acima, que, certamente, darão melhores instrumentos para esses agentes realizarem um Compliance de dados sem incorrerem custos proibitivos, fatores esses essenciais para o desenvolvimento dos atuais negócios adequados às leis.


[1] Para acesso à íntegra da Convenção 108, vide: https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list?module=treaty-detail&treatynum=108. Acesso em: 01 fev. 2022.

[2] Id. Ibid.

[3] Vide notícia publicada pela ANPD: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/conselho-diretor-aprova-regulamento-de-aplicacao-da-lgpd-para-agentes-de-tratamento-de-pequeno-porte. Acesso em: 01 fev. 2022.

[4] Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/ainda-na-semana-internacional-da-protecao-de-dados-anpd-inicia-tomada-de-subsidios-sobre-microempresa.

[5] Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/minuta-de-resolucao-para-aplicacao-da-lgpd-para-microempresas-e-empresas-de-pequeno-porte-.

[6] Vide trecho extraído da notícia publicada pela ANPD: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/conselho-diretor-aprova-regulamento-de-aplicacao-da-lgpd-para-agentes-de-tratamento-de-pequeno-porte. Acesso em: 01 fev. 2022.

[7] Diversas pesquisas apontam a baixa adesão das pequenas empresas aos termos da LGPD. Vide, por exemplo: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/07/12/lgpd-esta-chegando-mas-adesao-e-baixa.ghtml; https://www.lgpdbrasil.com.br/84-das-empresas-brasileiras-nao-estao-preparadas-para-a-lgpd/; https://www.sopesp.com.br/2021/07/12/lgpd-esta-chegando-mas-adesao-e-baixa/.

[8] Exemplo: pessoas naturais que realizam tratamento de dados pessoais para fins exclusivamente particulares e não econômico.

[9] Em seu art. 4º, o Regulamento elenca critérios gerais e específicos para a definição de tratamento de alto risco.

[10] Neste caso, existe uma exceção quando houver potencial comprometimento à integridade física ou moral dos titulares ou à segurança nacional, de modo que o prazo aplicável será o mesmo daquele dos demais agentes de tratamento.

[11] Deve-se destacar que o Regulamento estabeleceu um prazo de até 15 (quinze) dias para os agentes de tratamento de pequeno porte fornecerem a declaração simplificada indicada no art. 19, inc. I da LGPD.

Economic group and liability for violation to the economic order under article 33 of the Brazilian Competition Law

Fernando de Magalhães Furlan

  1. Economic group under the Brazilian Competition Law, regulations, and jurisprudence:

Article 33 of the Brazilian Competition Law (Law No. 12.529/11) stipulates that: “companies or entities that are part of an economic group, in fact or in law, will be jointly and severally liable, when at least one of them practices a violation to the economic order”.

CADE Resolution No. 02/2012 regulates, among other things, the notification of merger filings, as well as the concept of economic group[1]. According to the resolution, the following shall be considered as part of the same economic group:

  • companies under the same control, internal or external; and
  • companies in which any of the companies of item “i” owns directly or indirectly at least 20% of equity interest.

Regarding item (ii) above, by adopting objective criteria for defining economic group and considering the intent and the volume of equity interests acquired, CADE is typifying a presumption that 20% is sufficient to qualify the ability to have real interference in the company, therefore constituting an economic concentration and not just a financial investment.

            Article 10 of that resolution reads:

“Art. 10 Under the terms of article 9, II, acquisitions of part of a company or companies that fall under one of the following hypotheses are mandatory to be notified to Cade:

I – In cases where the investee company is not a competitor or does not operate in a vertically related market:

a) Acquisition that gives the acquirer direct or indirect ownership of 20% (twenty percent) or more of the invested company’s voting or share capital;

b) Acquisition made by a holder of 20% (twenty percent) or more of the share capital or voting, provided that the participation directly or indirectly acquired, of at least one seller considered individually, gets to be equal to or greater than 20% (twenty percent) of the share or voting capital.

II – In cases where the investee company is a competitor or operates in a vertically related market:

  1. Acquisition that grants direct or indirect participation of 5% (five percent) or more of the voting or social capital;

b) Last acquisition that, individually or combined with others, results in an increase in participation greater than or equal to 5%, in cases where the investor already holds 5% or more of the acquired voting or social capital.

Single paragraph. For the purposes of framing an operation in the hypotheses of items I or II of this article, the activities of the acquiring company and the activities of the other companies belonging to its economic group, as defined in article 4 of this Resolution, must be considered”.

CADE, in the request for a Cease-and-Desist Agreement (Termo de Compromisso de Cessação – TCC) proposed by Unimed Araraquara[2], defined what should be understood by economic group and the importance of its correct identification for the application of sanctions that may be imposed by Cade to curb unlawful acts practiced by companies linked by a unified decision-making board.

Therefore, it starts from the definition of an economic group adopted by Corporate and Labor Law, specifying the particularities of its application in the scope of the Competition Law. In summary, CADE understood that to set up an economic group within the scope of the Antitrust Law, it is necessary that the entities of the group have their own legal personalities and that there is a certain connection between/among them, that is, that they act under common general guidelines.

In this context, from the perspective of the Competition Law, there will be an economic group configuration when two or more companies act under common direction or when there is, among them, a relationship capable of compromising their impartiality in relation to the other member companies and that can, thus, influence their performance in the market[3].

Another question that should be addressed is the basis for calculating a fine eventually applied by CADE. Should it comprise only the billing of the legal entity (company) listed as “investigated” in the administrative process at CADE, as it would be the only company in an economic group liable to respond for penalties that may apply?

Such an argument could perhaps have some support if the investigated society were the only company in the economic group to operate in the sector whose anticompetitive conduct referred to. If the economic group operates in the same economic sector investigated through other companies, in addition to the company investigated, with documents attesting to such sales, it is certain that the gain from the reduction of competition promoted by anti-competitive conduct also reflects in these other companies in the group, with no justification for their exclusion from the responsibility of repairing the damages caused.

  • Joint liability provided for in Article 33 of the Competition Law:

            Solidary responsibility, by Brazilian legal system, is not presumed. It results from the law (non-contractual) or from the will of the parties (contractual), as provided for in art. 265 of the Civil Code[4].

That is because article 33 of Law 12.529/11 (Competition Law), provides that:

“Art. 33. Companies or entities that are part of an economic group, in fact or in law, will be jointly and severally liable, when at least one of them practices an infringement of the economic order”.

Thus, joint and several liability of companies belonging to the same economic group, for damages caused by anti-competitive infraction, results from the law (Art. 33, of Law 12.529/11).

Law 12,529/2011, by giving joint and several liability to companies that are members of economic groups for the unlawful conduct practiced by another company in the same group, expanded the liability of an obligation, with repercussions on directing the enforceability of its compliance to more than one person.

Brazilian courts[5], at times, when analyzing the issue, have attributed responsibility for the fulfillment of obligations to legal entities belonging to the same group as the one originally obliged. To support this understanding, they use the argument that there is a common control between/among societies and that they would have merely formal structures.

It is argued that the separation is purely formal between/amongst the companies since they constitute a single economic group, with the same direction and that business, in this case, is conducted in view of the group’s interests and not those of each different society. The understanding, therefore, is that, in the economic group, business is conducted with global/general interest unified, since control is common/shared and/or unified, and therefore, the responsibility between/amongst all the subsidiaries is joint[6].

In another administrative proceeding, CADE understood of the possibility of a company being included in the passive pole of the process in which the conduct of members of other companies in the same economic group were investigated. The controlling company was considered jointly and severally liable for the anticompetitive conduct of its whole subsidiary. CADE also accepted as a proof of solidarity the presentation of a corporate document that attested that they belonged to the same group.

  • Joint and several liability:

To carefully analyze the rules that regulate joint and several liability in Brazilian antitrust law, it is necessary to start from the analysis of art. 17 of revoked Law 8.884/1994 (former Brazilian Competition Law). The article reads as below and gives rise to two possible interpretations:

“Art. 17. Companies or entities that are part of an economic group, in fact or in law, who practice infractions of the economic order will be jointly and severally liable”.

According to the first interpretation, the investigation of a legal entity because of the actions of another is not permitted. Solidarity, from that point of view, is possible only in cases where both companies had contributed somehow (by acting or not acting, when they should) for the practice of the illicit.

Such understanding becomes evident with the text given to art. 33 of the current Competition Law (Law 12,529/2011). The substitution in the law of the term “praticarem” (to perpetrate, in the plural) for “praticar” (in the singular) “a violation of the economic order”; shows that, for the previous law, it was necessary for each company to commit the infraction to be held responsible. Such a change reveals that, according to the previous law, there could only be accountability by one own act, and to be possible to remove accountability, it must be shown that the other companies in the group or the parent company are not infringers because they did not participate directly or indirectly in the infraction.

Moving on to the analysis of art. 33 of the New Competition Law (Law No. 12.529/11), it is possible to infer that the legislator, with the new wording given to the norm, opened space for an extensive interpretation, to consider solidarity in a broad way, so that the consequences of this solidarity could be imposed on other business companies that integrate the same corporate group. Such an interpretation must be viewed cum grano salis (“with a grain of salt”) considering that the punishment of an administrative infraction cannot be disconnected from the censurability of the conduct.

Thus, with respect to joint and several liability for an antitrust infringement, it requires that the parent company, or any other member of the economic group, have participated in the conduct or that it exercised control or dominant/relevant influence over the offending company.

In any case, CADE’s jurisprudence has settled in the direction of ample liability from the part of the controlling/parent company[7].

  • Shared, joint or common control and relevant influence pursuant to CADE Resolution 02/2012 and CADE jurisprudence:

The concepts of “antitrust control”, “shared or common antitrust control” and “determinant influence on relevant market matters” depend on what is meant, for instance, by “relevant influence” or “relevant market matters”; as “control” or “common control” are concepts well established.

Some of the shareholders’ rights have already been declared in decisions issued by CADE as generating ‘determinant influence on materially relevant matters’, such as: (i) veto over merger, incorporation, spin-off or transformation options; (ii) appointment of a member of the Board of Directors; or (iii) investments by the company in activities other than those provided for in its corporate purpose or in amounts greater than the amount predefined in the business plan or in the shareholders’ agreement.

The relevant influence can be conceptualized, albeit in a simplified manner, as “the possibility of an economic agent to make use of a minority shareholding, or even a simple contractual relationship, to intervene in the decision process of the target company of investments, thus affecting its actions and business strategies” (Concentration Case No. 08012.009529/2010-41)[8].

Upon analyzing the issue, CADE understood that:

The crux of the matter is determining the scope of expression ‘group of companies’ referred to in the Competition Law. As is well known, the concepts and norms of corporate law do not always coincide with those of antitrust law. In corporate law, the law is aimed at protecting the interests of minority shareholders and creditors and the decision-making power is seen as that capable of controlling the fate of the activity’s results (equity). As for competition law, the law is aimed at competitors and consumers, and, as for decision-making power, it is more important to determine who can control or influence market-relevant decisions, such as pricing, economic strategies, etc.”[9]

Thus, the antitrust analysis presupposes not only the examination of corporate forms, but the economic reality also. This leads to the notion of relevant influence. There is a ‘relevant (or significant) influence’ from a competitive point of view, whenever, from the union of decision-making centers in specific and strategic areas, it is possible to assume a cooperative behavior between/amongst companies, which does not assume ownership of most of the voting shares[10].

The concern about the existence or not of “relevant influence” was also directly related to the identification of the companies that are part of the same economic group at the time of the analysis, among others, of the Concentration Cases Nos.: 08012.000476/2009-60[11]; 08012.008415/2009-41[12] and 53500.012487/2O07[13].

Upon regulation of the provisions of item II of article 90 of Law No. 12,529/2011 (Competition Law), CADE Resolution No. 02/2012 established objective criteria related to the mandatory notification of transactions to the Brazilian Competition System (SBDC). The antitrust authority, with a view to ensuring greater efficiency in the analysis of acts of concentration that could result in greater competition concerns, ended up establishing, in an objective manner, minimum criteria for a given concentration act to be considered as of mandatory notification.

Indeed, by establishing, as a mandatory notification criterion, the acquisition of control resulting from the operation, item 1 of article 9 of Resolution No. 02/2012 must be interpreted in the technical sense of the expression, contained in articles 116 and 243, paragraph 2, of Law 6,404/76 (Corporate Law). In this case, the norm refers to the acquisition of shareholding control, either in isolation or in a shared manner.

At this point, it is worth noting that the concept of relevant influence is associated precisely with cases where there is no power to control. Both comprise expressions that, although not confused, are part of the concept of “active equity interests”.

A partner has the power to control a company when she/he/it holds rights that ensure her/his/its preponderance in the company’s decisions. If the partner cannot individually control the company’s decisions, but can, for example, veto or prevent other partners from doing so, her/his/its agreement being necessary to guide the company’s behavior, it is said that this partner enjoys the power of shared control. Although the controlling power normally concerns the shareholder holding more than 50% capital, it is possible, in certain cases, for minority shareholders to control a company.

There are cases, however, in which one or more partners do not have the power to control, alone or jointly, the behavior of a company; but they are able, even so, to exert a relevant influence on the company’s decisions, even if they only hold minority shares.

As seen, under Article 4 of CADE Resolution 02/2012:

Art. 4 It is understood as parties to the operation the entities directly involved in the legal business being notified and the respective economic groups.

§ 1 – It is considered an economic group, for purposes of calculating the billings contained in art. 88 of Law 12,529/11, cumulatively:

I – companies that are under common control, internal or external; and

II – companies in which any of the companies in item I holds, directly or indirectly, at least 20% (twenty percent) of the share capital or voting capital.

In the Rhodia/Granbio Concentration Act (Concentration Act No. 08700.008623/2013-78)[14], one company had a 20.6% stake in the other’s capital and was therefore considered part of the same economic group, even tough, due to a lawsuit, it could not fully exercise its social rights in the invested company.

This solution was given in line with CADE’s Resolution No. 2/2012, which characterizes unitary management by the simple participation of 20% or more in the company’s total share capital.

In the Agriport/Blue Ocean Concentration Act (Concentration Act No. 08700.002786/2015-17)[15], Cade considered a company that held 50% of shares of another as the same economic group. For the characterization of control, according to the rules of corporate law (Law 6,404/76), considering only the shareholding, 50% of the shares, plus at least one, would be required.

Even so, CADE’s understanding is in line with Resolution No. 2/2012, and it is plausible to assume that there is a unitary or common direction in the presence of a 50% shareholding or superior.

In the PricewaterhouseCoopers/PwC Strategy Concentration Act (Concentration Act No. 08700.006238/2015-58)[16], despite the lack of equity interest between the parties, external control (which already is provided for in CADE’s Resolution 02/2012) was sufficient to characterize a single economic group. Such external control was characterized because, despite the independence of the parties, there was an economic unit among the entities of the PwC Network, through which its entities could avail themselves of the resources and methodologies of the PwC Network.

In addition, the information presented by the parties suggested dependence, in relation to the development of the business, between the member company of the PwC Network and the internal bodies established by PwCIL, it being mandatory that each member company complied with the standards and policies established within the network, with a system for monitoring compliance with these obligations by the “Leadership Team”.

There was even a need for approval by the “Leadership Team” of certain acts individually performed by member firms, such as structural changes or decisions that could impact the performance, quality, economic interests, or reputation of the local business and, therefore, also of the Network. Adherence to and compliance with the norms, policies and standards established by the PwC Network were monitored and imposed/executed in a centralized manner, strengthening the argument of interdependence. In this context, the PwC Network was understood by CADE as a single economic group.

CADE Resolution 17/2016 regulates the notification of associative contracts referred to in item IV of article 90 of Law 12,529/2011 (“two or more companies enter an associative contract, consortium, or joint venture). Article 2 of the resolution provides that:

“Art. 2 – Any contracts with a duration equal to or greater than 2 (two) years that establish a common enterprise for the exploration of economic activity are considered as associations, provided that, cumulatively:

I – the contract establishes the sharing of risks and results of the economic activity that constitutes its object; and

II – the contracting parties are competitors in the relevant market object of the contract”.

And Art. 4 stipulates that:

“Art. 4 – For the purposes of this Resolution, contracting parties are those directly involved in the notified legal transaction and the respective economic groups, as defined in Article 4 of Resolution No. 2/2012”.

In another case of formation of a joint venture reviewed by CADE (Act of Concentration No. 08700.006723/2015-2)[17], the economic groups of media SBT, Record and RedeTV! notified the formation of “Newco”, to act together in the “transmission of content/programming of open TV for conditional access service providers”. The share capital of each company would be divided equally, with a 33% share for each.

The rapporteur of the case at CADE voted to reject the operation. CADE’s final decision, however, was to approve the joint venture with restrictions, by signing an Agreement on Control of Concentrations (Acordo em Controle de Concentrações – ACC). An excerpt of the decision was very enlightening about CADE’s perspective on joint ventures:

Joint ventures are a special type of arrangement whose characteristics are usually seen as neutral or beneficial to the competitive environment. A good translation of the term joint venture points to the meaning ‘enterprise with shared risks or responsibilities’. For competitive purposes, classic joint ventures are those whose mission is to serve as an exploratory vehicle for creating companies in unknown markets, whether this is lack of knowledge of a geographic or thematic market”.

In these cases, the most common formations of joint ventures are related to innovation, services, differentiated products or capital-intensive industries. As in the classic modality this type of company is always a means of entry into markets not related horizontally or vertically. CADE Resolution No. 2/2012 provides that the assessment of competition impacts takes place in a simplified procedure and summarily tending to approval without restrictions.

However, companies that deviate from this model may require a detailed antitrust assessment. The most common competitive risks associated with non-classical joint ventures are those relating to limitations on independent business decisions, shared control of important productive assets, facilitating the exchange of competitively sensitive information, incentives to reduce competition in markets other than the joint venture’s and other elements that indicate an increased risk of tacit or explicit collusion.

CADE Resolution 02/2012 itself defines a classic joint venture as “the creation of a company to explore another market”; and a concentrationist joint venture as “the creation of a company to explore a market already explored by the associated companies[18].

In fact, comparative law goes along the same lines, in relation to common or shared control. Article 3 of the European Union’s Merger Control Regulation (EU Regulation 139/2004) defines a concentration when there is a lasting change of control, through merger, acquisition or creation of a joint venture that performs all the functions of an autonomous economic entity.

In Opinion No. 394/2012/AGY/PGF/PFECADE, in the Concentration Act No. 08700.008736/2012-92[19], CADE’s legal body (ProCADE), when expressing its opinion on “associative contracts”, wrote that “there is no legal definition of what may arise to be ‘associative contracts’”. The doctrine conceptualizes them as legal transactions through which two or more companies, without forming a formal consortium, join to carry out an agreed undertaking. They do not lose the autonomy of the decision-making centers, but have their freedom limited, insofar as they are linked to the achievement of the common effort.

Thus, the delimitation of a legal transaction subsumable to the control of the Brazilian antitrust authority was established, insofar as it presents the following characteristics: it is about the establishment of a relationship between companies that, nevertheless, can maintain their legal and economic autonomy, they will jointly develop an activity, with technical (know-how) and structural complementation, in addition to exclusivity, preventing them from providing individual third parties with services similar to those that are the object of the partnership.

With a joint venture, it is unmistakable that a new business power center is created, either through a control that will be shared among the contracting parties, or through a control that will be exercised by only one of the contracting parties. That is why it is impossible not to associate joint ventures with the so-called “acts of business concentration”, since they nullify the competitive relationships between the contracting parties, regarding the joint venture, and may, therefore, be considered alternatives to the operations of corporate interpenetration, such as merger, acquisition, and incorporation[20].

On the other hand, the fact that the joint ventures admit the control of one of the contracting parties over the others, at least about the objectives of the joint venture, shows that such contracts can be seen as substitutes even for the business groups, insofar as that enables domination through contractual ties. From this angle, joint ventures could even be considered as instruments that generate partial external control, which is projected, a priori, in the exercise of enterprise, but which can be extended to other activities.

Joint ventures would be modalities of concentration by coordination or cooperation, alternatives to the usual forms of acquisition of controlling power or dominant influence over a company, or even the constitution of a fully controlled company[21]. For this reason, joint ventures have replaced acquisitions of companies or control, which has raised the yellow flag of competition authorities around the world.

By enabling the constitution of a new decision-making center or business control – effectively shared by the contracting parties or exercised only by one of them – it is unequivocal that joint ventures present themselves as new market structures, a circumstance that poses challenges in determining the liability regime of the contractors.

In joint venture contracts, the participating companies maintain their economic and financial independence, do not internally restructure their management or control power, and do not necessarily acquire assets, and if they do, this is merely instrumental. However, the communion of purposes and business risk, as well as the creation of a new specific control, certainly need to have repercussions in the responsibility regime of the contractors for the exercise of the joint venture.

The fundamental question that arises from joint venture contracts is precisely that of knowing to what extent the contractors simultaneously securitize the same business power and to what extent such circumstances allow them to be considered, together, as a single entrepreneur, including for the purposes of different liability regimes.

International joint ventures, therefore, and national joint ventures also cannot be allowed to conveniently deviate, by contractual provisions, imperative rules that seek to impute due responsibilities to those who jointly control or manage the enterprise[22].

Therefore, under CADE’s current legislation and jurisprudence, a joint venture (common or shared control) makes both shareholders liable for its acts and activities, in a competition or antitrust perspective, as they supposedly participated in the decisions of the joint venture, or, at least, did not take any action to opposed them.


[1] Law No. 12.529/11. Art. 90. “For the purposes of art. 88 of this Law, a concentration act is performed when:

I – 2 (two) or more previously independent companies merge;

II – 1 (one) or more companies acquire, directly or indirectly, through the purchase or exchange of shares, quotas, bonds or securities convertible into shares, or assets, tangible or intangible, by contract or by any other means or form, the control or parts of one or other companies;

III – 1 (one) or more companies incorporate another or other companies; or

IV – 2 (two) or more companies enter an associative contract, consortium, or joint venture.

[2] Requerimento n° 08700.005448/2010-14. Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?xgSJHD3TI7Rh0CrGYtJb0A1Onc6JnUmZgGFW0zP7uM-5q5sluy4XLqIdIJ5FuY3uZihVC6NaEsxcrTN7MNh0aoQdm4yejpT0EYXy5uoQhvSzaQix8jV1OcVSHZoOKsMl. Access: 26/05/2021.

[3] Requerimento No. 08700.005448/2010-14. Vote by the Reporting Member. December 14, 2011. Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?xgSJHD3TI7Rh0CrGYtJb0A1Onc6JnUmZgGFW0zP7uM-5q5sluy4XLqIdIJ5FuY3uZihVC6NaEsxcrTN7MNh0aoQdm4yejpT0EYXy5uoQhvSzaQix8jV1OcVSHZoOKsMl. Access on 25/05/2021.

[4] Art. 265. “Solidarity is not presumed; results from the law or the will of the parties”.

[5] The Eli Lilly case (CADE. ADMINISTRATIVE PROCESS No. 08012.011508/2007-91. Judged on 7/14/2015. Available at:

<https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?xgSJHD3TI7Rh0CrG

YtJb0A1Onc6JnUmZgGFW0zP7uM98EZn6wPgAA4S5qa8PY3kHZNkkhQsXqyoBEKEQO53fIqG5lav2fhcDbqzn7pI9D98IPIhFtEItq5ZxbeSnq9. Accessed on 12 May 2021. In the passive pole there was the parent company, headquartered abroad, and the Brazilian subsidiary. The billing for calculating the fine was that of the Brazilian subsidiary, but the obligation to pay was jointly and severally. This system was followed by two other cases: (i) CADE. ADMINISTRATIVE PROCESS No. 08012.008821/2008-22. Judged on 1/20/2016. Available at:

<https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZE

FhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yPQrNhNlQY1fJWMVS2OgIW3joeZbU0Nyma6gJX3oKI8AbgwPSHL7nptANhIYGfzV1BRCCjgS16VBHYZZV3A0ky>. Accessed on 12 May 2021: and (ii)ADMINISTRATIVE PROCESS No. 08012.003321/2004-71. Judged on 4/13/2016. Available at: <https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZE

FhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yNdsW2szLmPzaXSbOlv8Eu85-VyfcNecQlKh2GPZAIEthww9_x4-

HZRaRwJ5Km1tCo6ISylgWEZvr84CRRJ7nq->. Accessed on 12 May 2021).

[6] Superior Court of Justice (STJ) – 3a Turma – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (Ordinary Appeal in Writ of Mandamus) No. 12,872. Rapporteur: Nancy Andrighi. Judged on 24.06.2002. Available at: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=470151&num_registro=200100100791&data=20021216&tipo=51&formato=PDF. Accessed on May 26, 2021.

[7] Processo Administrativo No. 08012.004617/2013-41. Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?2pXoYgv29q86Rn-fAe4ZUaXIR3v7-gVxEWL1JeB-RtUgqOwvr6Zlwydl0IhRNSr2Q22lByVKByYDYwsa13_Jxv_TD0gMz5Bnf9DkLxr-asuqhGSyxpB7jiO8aqnx0vHf.Accessed on May 26 2021; Processo Administrativo No. 08012005324/2012-59. Available at:  https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?5LK2OPcLJR_ipmIIdOEcWJwPucpbCJDecPgMLlCe73jB508ahT9wUzaXUnjAZUJ4XW1xtu1H5kGUyGvypRMajWMjZBqZ7tkJ5OpHVeIxfwpnSYvFw1IVXU02fZRvCSdL. Accessed on May 26, 2021; and Processo Administrativo No. 08700.009029.2015-66. Available at:  https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcZNF6wRFQVq4JQpS_exAbBBVAdTW2UzM8ZeHpAvJHclU.  Accessed on May 26, 2021.

[8] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?xgSJHD3TI7Rh0CrGYtJb0A1Onc6JnUmZgGFW0zP7uM-54cKv3whfMyMJyxgUnW4_2eumIfm7hbrs9CEY–1UylQfGJWMQ2fOH-G1JHthe3UCl6fqdq1HQ_z2d7PSUCJw. Access on Jnue 22nd, 2020.

[9] Concentration Case No. 08012.010293/2004-48. Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBccvBeUlKC18QR5HMh2pJ91JUNIbpbzpnnTqD9moOO3IZ. Access on June 22nd, 2020.

[10] Idem.

[11] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yNNVQCTjpm7C367U-YYlYREK7bR1fRX6XGMZtrWUXZrJdjaC31raOYeQ4PM8cAeBei3qytqjJiPIQT6bi_egZ8V. Access on June 22nd, 2021.

[12] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?xgSJHD3TI7Rh0CrGYtJb0A1Onc6JnUmZgGFW0zP7uM84PNCjAYZ9QiJRTulTuAHgOaF9Lv2OoPGZblinFWjyhJ1iamkGSGaMQAzhavT6YvDXQe3C_lV-goLimYGYPCNW. Access on June 22nd, 2021.

[13] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73dCc3G_MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNgXFAcnUagM9Igy-8yamlycudxqG4KFbNWdRjNNLT7fGIBzaMp. Access on June 22nd, 2021.

[14] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcYJLJ6_IMCO8aWl4r1pWTuUkoYV1lIlDbfeDxBKOYx0v. Access on June 23, 2021.

[15] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73dCc3G_MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNgXFAcnRaC6ypKDabJe-detd0lKNX3ncd6hKdwRjeme_E8lBSu. Access on June 23, 2021.

[16] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73dCc3G_MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNgXFAcnX7jA_nX9j8uz3AeZuKJMmd3xfZygW8FYE5kqUnKgh8R. Access on June 23, 2021.

[17] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73dCc3G_MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNgXFAcnT41bnIPL8Pur7qdS9xYfkeM9jASRSJ3UrFMUUATmF75. Access on: June 23, 2021.

[18] Annex II (Phase III) of CADE Resolution 02/2012. Available at: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/normas-e-legislacao/resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o%202_2012%20-%20An%C3%A1lise%20Atos%20Concentra%C3%A7%C3%A3o.pdf. Access on: June 28th, 2021.

[19] Available at: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yOUomQu-DYUEhGE-sLrGNPYNg1fNbKz4-aCwfmgHjQHgPpTZVa1neaNbOyglhXxJjUohdFg9Wke3n7qJP2NFmBW. Access on June 24, 2021.

[20] PIRONON, Valerie. Les joint ventures: Contribution à l’étude juridique d’un instrument de coopération internationale. Paris: Dalloz, 2004, p. 3.

[21] ASTOLFI, Andrea. El contracto international de joint venture. 1 ed. Buenos Aires: Depalma, 1986. Cuadernos de la Revista del derecho comercial y de las obligaciones; v. 2.

[22] PIRONON, Valerie. Op. Cit., p. 12-17.