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Simplificação da linguagem como medida de maior acesso à justiça

Pedro Zanotta e Dayane Garcia Lopes Criscuolo

Quando falamos em acesso à justiça, qual a primeira coisa que nos vem à mente? Sem dúvida, ver resguardados os nossos direitos, por intermédio do Poder Judiciário, seja arcando com os custos ou de forma gratuita? Ter a disponibilização de um advogado para nosso auxílio pelo Estado, de forma gratuita? Ter um órgão que, independentemente de outras esferas, analisa o nosso pleito de forma imparcial?

Sem dúvida que, ter garantidos todos estes pontos, significa verdadeiro acesso à justiça. No entanto, quando presente em uma audiência ou, ainda, diante de uma decisão proferida pelo judiciário ou órgãos administrativos especializados, a dificuldade na compreensão do que ali está sendo discutido ou decidido, te faz, de fato, sentir que essa acessibilidade existe? Ou ainda, quando auxiliado por um advogado, a linguagem por ele utilizada é, no todo, clara e acessível?

Vivemos em um país no qual o idioma oficial é o português. No entanto, a utilização de um palavreado técnico e excessivamente rebuscado pelos operadores do direito, popularmente conhecido como “juridiquês”, que inclui, inclusive, diversos termos em latim, prejudica o acesso à justiça, na medida em que é de difícil compreensão por aqueles que não atuam na área jurídica. Há de se dizer que determinados textos chegam a ser incompreensíveis, o que nos faz recordar da primeira vez que abrimos um livro de direito na faculdade, na qual entramos preparados e instruídos para as lições que seriam aprendidas, mas, ainda assim, nada do que ali estava escrito parecia fazer o menor sentido.

Neste cenário, diversos desses termos são utilizados, dificultando sobremaneira a interpretação e compreensão dos textos jurídicos, tais como a petição inicial é chamada de exordial; a denúncia virou exordial increpatória; a apresentação de um recurso, diz-se interposição; a repetição de uma situação jurídica, bis in idem; para apenas argumentar, utiliza-se ad argumentandum tantum; para normas que se aplicam a situações passadas, diz-se ter efeito ex tunc; para INSS[1], autarquia ancilar; a partir do início, diz-se  ab initio; para com todos, em relação a todos, de caráter geral, erga omnes, dentre outros. Assim, pergunta-se, qual a utilidade desta linguagem que restringe o acesso à justiça e cuja compreensão fica restrita apenas aos operadores do direito? Como afirmar, diante desta situação que o acesso à justiça é não só reconhecido, mas, de fato, disponibilizado à todos os cidadãos?

O Professor José Barcelos de Souza, em seu artigo “Linguagem jurídica[2], traz dois exemplos que ilustram esta dificuldade, encontrada pelas pessoas leigas de compreender a linguagem rebuscada:

“Vou citar dois casos curiosos. Um ocorrido nos Estados Unidos, que li no interessante livro The art of cross-examinatoin (A arte de inquirir testemunhas).

Querendo perguntar à testemunha onde ela morava, o advogado lhe indagou: Where do you reside? A testemunha não entendia, e o advogado repetia, elevava a voz, escandia as sílabas, caprichava no “reside”, e nada. Então o oficial de justiça soprou-lhe aos ouvidos: “Pergunte assim, Where do you live?”. Não deu outra. A testemunha respondeu prontamente: moro na rua tal, número tal.

O outro fato – a mim contado por testemunha ocular da história – aconteceu aqui mesmo em Minas Gerais, protagonizado por bom advogado, que se tornou depois desembargador.

Desejando que a testemunha informasse se o tiro foi dado durante a luta da vítima com o réu, o advogado perguntou assim: “O tiro foi antes, no meio ou depois da refrega?”. A testemunha engolia em seco, mostrava-se inibida, ficou vermelha, mas não respondia. Indagada se entendera a pergunta, e instada (opa!) a responder, explicou: “Não foi antes nem depois; foi entre a refrega e o umbigo”. Uma gargalhada geral ecoou no salão.

O pior foi que a sessão teve de ser encerrada antes de terminar o julgamento. Porque, tudo já acalmado, quando menos se esperava, quando parecia que tudo corria normalmente, alguém iniciava uma risadinha, que acabava contagiando todo o auditório.”

Necessário se faz que o conhecimento do dia a dia dos processos, assim como das respectivas decisões, seja levado para além destes profissionais especializados, tornando a comunicação com a sociedade mais abrangente. Neste sentido, diversas medidas têm sido adotadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com o objetivo de que seja adotada uma linguagem mais simples, direta e compreensível na produção das decisões judiciais e na comunicação geral do Judiciário, e dos advogados, tornando a justiça, então, mais acessível à toda população.

Uma destas medidas, foi o lançamento, pelo CNJ e STF, em dezembro de 2023, com base nos princípios constitucionais e nos instrumentos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, as Regras de Brasília Sobre Acesso à Justiça da Pessoas em Condição de Vulnerabilidade e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes), do Pacto Nacional pela Linguagem Simples do Judiciário.

De acordo com o Presidente do CNJ e STF, Ministro Luís Roberto Barroso, “[C] com muita frequência, não somos compreendidos. Boa parte das críticas ao Judiciário decorre da incompreensão sobre o que estamos decidindo. A linguagem codificada, a linguagem hermética e inacessível, acaba sendo um instrumento de poder, um instrumento de exclusão das pessoas que não possuem aquele conhecimento e, portanto, não podem participar do debate” e completou “[E] e quase tudo que decidimos pode ser explicado em uma linguagem simples, que as pessoas consigam entender. Ainda que para discordar, mas para discordar daquilo que entenderem”[3].

Ainda de acordo com Barroso, a linguagem simples na Justiça está relacionada ao fortalecimento da democracia, já que promove a igualdade de acesso à informação e à participação de todos os indivíduos no sistema jurídico, devendo ser um compromisso a ser assumido por todos os magistrados[4]. Ressalte-se que, considerando que a linguagem simples pressupõe a acessibilidade, a Pacto dispõe também sobre outras formas de aprimoramento da inclusão, como o uso, sempre que possível, da Língua Brasileira de Sinais (Libras), da audiodescrição, dentre outras medidas.

De acordo com o Pacto, a atuação dos tribunais é articulada por meio de cinco eixos[5] [6] [7], abaixo especificados. De modo a estimular a utilização da linguagem simples pelos tribunais, o CNJ instituiu o Selo da Linguagem Simples, que será concedido anualmente, sempre em outubro, mês em que se comemora o Dia Internacional da Linguagem Simples (no dia 13).

  • Primeiro: diz respeito ao uso da linguagem simples e direta nos documentos judiciais, deixando de lado expressões técnicas desnecessárias, assim como à criação de manuais e guias com objetivo de orientar a população sobre o significado de expressões técnicas indispensáveis nos textos jurídicos;
  • Segundo: incentiva a utilização de versões resumidas de votos nas sessões de julgamento, maior brevidade de pronunciamento em eventos do Judiciário e a criação de protocolos para eventos, que evitem formalidades excessivas;
  • Terceiro: formação (inicial e continuada) dos magistrados (as) e servidores (as) no sentido de utilizar a linguagem simples, assim como promoção de campanhas de amplo alcance visando a conscientização aceca da importância do acesso à justiça;
  • Quarto: incentivo no desenvolvimento de plataformas com interfaces intuitivas e informações claras, assim como a utilização de recursos de áudio, vídeos explicativos e traduções para facilitar a compreensão dos documentos e informações do Judiciário.
  • Quinto: promoção de articulação interinstitucional e social por meio de diversas ações, como criação de uma rede de defesa dos direitos de acesso à Justiça com comunicação simples e clara; compartilhamento de boas práticas e recursos de linguagem simples; criação de programas de treinamento conjunto de servidores para a promoção de comunicação acessível e direta; e estabelecimento de parcerias com universidades, veículos de comunicação ou influenciadores digitais para cooperação técnica e desenvolvimento de protocolos de simplificação da linguagem.

No mesmo sentido que o CNJ e o STF, e antes mesmo do lançamento do Pacto, medidas de acessibilidade foram adotadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)[8], tais como, (i) em 2020, sessões do STJ passaram a ser transmitidas pelo Youtube, com tradução simultânea dos julgamentos para Libras e, atualmente, há a possibilidade de habilitação de legendas; (ii) em 2021, criação do balcão virtual, aperfeiçoado em 2023 com a adoção de recursos de linguagem acessível à pessoas com deficiência; (iii) em 2022, criação do Glossário STJ, que explica, de forma rápida e simples, o significado de expressões jurídicas utilizadas nos textos do noticiário. De acordo com o titular da Secretaria Judiciária do STJ, Augusto Gentil, no que concerne ao balcão virtual “a iniciativa representa dignidade para os usuários com deficiência, que passam a poder usufruir do serviço público e buscar informações sobre o próprio processo com independência e autonomia“. No mesmo sentido, entendemos que compreender aquilo que está ocorrendo no processo, ou, ainda, o que está sendo dito ou escrito, também é uma maneira de garantir a dignidade à população como um todo.

Desta maneira, a linguagem simples deverá estar em todos os documentos, comunicados e decisões proferidas pelo judiciário. Estas medidas, ao nosso ver, devem servir de norte para a simplificação da linguagem utilizada, também, em outras esferas, como a administrativa, na qual há autarquias especializadas, cujo uso da linguagem técnica, por vezes, afasta a compreensão por pessoas leigas, assim como por todos os operadores do direito.

As medidas para simplificação da linguagem, são fatores de empoderamento e inclusão social, reduzem as desigualdades, garantem igualdade de oportunidades, já que eliminam políticas e costumes que confrontam com estes objetivos. Além disso, o entendimento da tramitação do processo, gera a crença e a aproximação da população em relação ao Judiciário, fortalecendo a instituição. No mais, ainda, a compreensão das decisões, tanto judiciais, quanto administrativas, garante sua maior efetividade, na medida em que entendendo aquilo que foi decidido e a sua extensão, mais fácil será para a pessoa cumprir o comando nela emanado, ou discordar dele. Como cumprir ou obedecer, ou ainda, questionar aquilo que não se compreende?

Há de se considerar, que cada ciência possui sua própria terminologia, de modo a dar aos seus enunciados maior precisão e certeza. No entanto, este propósito pode também ser alcançado, com maior amplitude, optando-se por palavras de mais fácil compreensão, zelando, sempre, pelos seus significados, e mantendo-se, desta forma, seu caráter de instrumento de comunicação.

Bibliografia:

CNJ. Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples. Disponível em:

https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/11/pacto-nacional-do-judiciario-pela-linguagem-simples.pdf. Acesso 02.08.2024.

CNJ. Portaria Nº 351 de 04/12/2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5378#:~:text=I%20%E2%80%93%20simplifica%C3%A7%C3%A3o%20da%20linguagem%20nos,t%C3%A9cnicas%20indispens%C3%A1veis%20nos%20textos%20jur%C3%ADdicos. Acesso 02.08.2024.

SOUZA, José Barcelos de. Linguagem jurídica. Disponível em:

https://www.migalhas.com.br/depeso/12908/linguagem-juridica. Acesso em 02.08.2024.

STF. Presidente do STF e do CNJ lança Pacto Nacional pela Linguagem Simples no Judiciário. Publicado 05.12.2023. Disponível em:

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=521404&ori=1#:~:text=Selo%20Linguagem%20Simples&text=Sua%20finalidade%20%C3%A9%20reconhecer%20e,comunica%C3%A7%C3%A3o%20geral%20com%20a%20sociedade. Acesso em 02.08.2024.

STJ. Notícias STJ: STJ na luta contra o juridiquês e por uma comunicação mais eficiente com a sociedade. Publicado 24.03.2024. Disponível em:

 https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/24032024-STJ-na-luta-contra-o-juridiques-e-por-uma-comunicacao-mais-eficiente-com-a-sociedade.aspx. Acesso 02.08.2024.


[1] Instituto Nacional do Seguro Social.

[2] SOUZA, José Barcelos de. Linguagem jurídica. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/12908/linguagem-juridica . Acesso em 02.08.2024.

[3] In Presidente do STF e do CNJ lança Pacto Nacional pela Linguagem Simples no Judiciário. Publicado 05.12.2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=521404&ori=1#:~:text=Selo%20Linguagem%20Simples&text=Sua%20finalidade%20%C3%A9%20reconhecer%20e,comunica%C3%A7%C3%A3o%20geral%20com%20a%20sociedade . Acesso em 02.08.2024.

[4] “Todos os tribunais envolvidos assumem o compromisso de, sem negligenciar a boa técnica jurídica, estimular as juízas e os juízes e setores técnicos a: a. eliminar termos excessivamente formais e dispensáveis à compreensão do conteúdo a ser transmitido; b. adotar linguagem direta e concisa nos documentos, comunicados públicos, despachos, decisões, sentenças, votos e acórdãos; c. explicar, sempre que possível, o impacto da decisão ou do julgamento na vida de cada pessoa e da sociedade brasileira; d. utilizar versão resumida dos votos nas sessões de julgamento, sem prejuízo da juntada de versão ampliada nos processos judiciais; e. fomentar pronunciamentos objetivos e breves nos eventos organizados pelo Poder Judiciário; f. reformular protocolos de eventos, dispensando, sempre que possível, formalidades excessivas; g. utilizar linguagem acessível à pessoa com deficiência (Libras, audiodescrição e outras) e respeitosa à dignidade de toda a sociedade.” – In Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, pág. 4. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/11/pacto-nacional-do-judiciario-pela-linguagem-simples.pdf . Acesso 02.08.2024.

[5] In Presidente do STF e do CNJ lança Pacto Nacional pela Linguagem Simples no Judiciário. Publicado 05.12.2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=521404&ori=1#:~:text=Selo%20Linguagem%20Simples&text=Sua%20finalidade%20%C3%A9%20reconhecer%20e,comunica%C3%A7%C3%A3o%20geral%20com%20a%20sociedade . Acesso em 02.08.2024.

[6] CNJ. Portaria Nº 351 de 04/12/2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5378#:~:text=I%20%E2%80%93%20simplifica%C3%A7%C3%A3o%20da%20linguagem%20nos,t%C3%A9cnicas%20indispens%C3%A1veis%20nos%20textos%20jur%C3%ADdicos. Acesso 02.08.2024.

[7] CNJ. Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, pág. 5 a 8. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/11/pacto-nacional-do-judiciario-pela-linguagem-simples.pdf . Acesso 02.08.2024.

[8] In Notícias STJ: STJ na luta contra o juridiquês e por uma comunicação mais eficiente com a sociedade. Publicado 24.03.2024. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/24032024-STJ-na-luta-contra-o-juridiques-e-por-uma-comunicacao-mais-eficiente-com-a-sociedade.aspx . Acesso 02.08.2024.


Pedro Zanotta. Advogado em São Paulo, com especialidade em Direito Concorrencial, Regulatório e Minerário. Formado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, em 1976. Foi titular dos departamentos jurídicos da Bayer e da Holcim. Foi Presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica – CECORE, da OAB/SP, de 2005 a 2009. Foi Presidente do Conselho e é Conselheiro do IBRAC. Autor de diversos artigos e publicações em matéria concorrencial. Sócio de BRZ Advogados.

Dayane Garcia Lopes Criscuolo. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Escola Paulista de Magistratura – EPM. Mestre em Cultura Jurídica pelas Universitat de Girona – UdG (Espanha), Università degli Studi di Genova – UniGE (Itália) e Universidad Austral de Chile – UAch (Chile). Aluna do Programa de Doutorado da Universidad de Buenos Aires – UBA (Argentina). Membro dos comitês de Mercados Digitais e Direito Concorrencial do Instituto Brasileiro de Concorrência, Relações de Consumo e Comércio Internacional (IBRAC). Pesquisadora REDIPAL – Red de Investigadores Parlamentarios en Línea de la Cámara de Diputados de México. Autora de diversos artigos relacionados ao Direito da Concorrência, Direitos Humanos e questões de gênero.


07.08.2024

Este é um informativo diário que traz para o(a) leitor (a) as decisões do CADE com relação a aprovação e movimentação de atos de concentração, ao arquivamento/condenação de processos administrativos de condutas anticompetitivas e as publicações do CADE.

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CADE aprovou a operação Deutsche Lufthansa/Italia Transporto Aereo

A operação em que Deutsche Lufthansa AG adquiriu participação minoritária do capital social da Italia Transporto Aereo S.p.A. foi aprovada pelo CADE nesta semana (ato de concentração nº 08700.003400/2024-77). Essa operação foi notificada à autoridade brasileira de defesa da concorrência no dia 18 de maio de 2024 e foi analisada pela Superintendência-Geral do CADE por meio do rito ordinário.

De acordo com o Parecer 13/2024/CGAA4/SGA1/SG/CADE, a operação envolveu sobreposição horizontal nos mercados relevantes de transporte aéreo regular de passageiros em várias rotas, entre elas, GRU-ZRH, ZRH-GRU, GRU-FCO, FCO-GRU e de carga nas rotas Europa-Brasil e Brasil-Europa, além de integrações verticais entre os mercados de transporte aéreo regular de passageiros e de carga e os mercados de serviços de MRO, TI e treinamento de voo.

A SG concluiu não haver problemas de natureza concorrencial em nenhuma rota, quer seja porque as participações de mercado das requerentes eram pequenas, quer seja porque havia rivalidade efetiva nos mercados mais concentrados.

Da mesma forma, a autoridade concluiu que as integrações verticais observadas entre os mercados relevantes de transporte aéreo de carga e de transporte aéreo regular de passageiros, a jusante, e os mercados de serviços de TI e de treinamento de voo, a montante, resultaram em participações de mercado após a Operação inferiores a 30%, a jusante e a montante, indicando ausência capacidade de fechamento de mercados.

Também concluiu que as potenciais integrações verticais entre os mercados relevantes de transporte aéreo de carga e de transporte aéreo regular de passageiros, a jusante, e o mercado de MRO, a montante; a baixa representatividade da carga transportada (inferior a 5% do total) e dos voos de ITA e DLH (inferior a 1% do total de decolagens) nos aeroportos de Guarulhos e do Galeão demonstram a ausência de capacidade de fechamento dos mercados de transporte aéreo de carga e de passageiros para os demais ofertantes de MRO. Reciprocamente, a limitada atuação da DHL e o fato de a ITA não atuar com MRO permitem afastar os riscos de fechamento do mercado do MRO para os demais demandantes desse serviço no país.


Da Redação

WebAdvocacy – Direito e Economia


Aquisição no mercado OSV. Maersk na mira.

A DOF Offshore Holding Denmark ApS – DOF apresentou proposta de aquisição de 100% das ações representativas do capital social da Maersk Supply Service S/A – MSS, empresa que atualmente pertence a Maersk Supply Service Holding ApS – MSSH e que atua no mercado relevante de embarcações de apoio marítimo offshore – OSV. A operação também envolve a aquisição pela MSSH de 25% da DOF sem direito a voto (Ato de concentração nº 08700.005201/2024-01).

O mercado relevante OSV se caracteriza pelo apoio logístico para as plataformas e unidades produtivas da indústria de petróleo e gás e é composto pela prestação de serviços como: montagem e lançamento de equipamentos e tubulações; manuseio de âncoras; apoio a serviços de manutenção em plataformas e estruturas submersas; transporte de equipamentos e pessoas; combate a incêndios e controle de poluição.

As requerentes alegam que a operação não resulta em problemas de natureza concorrencial. No entanto, a escolha da Superintendência-Geral do CADE – SG pelo análise da operação via rito ordinário indica que a autoridade tem dúvidas a respeito dos reais efeitos concorrenciais no território nacional, o que significa dizer que o convencimento da SG passará pelo aprofundamento da análise a sua decisão poderá demorar de 75 dias a 120 dias a depender se o caso é de média complexidade ou de alta complexidade, respectivamente.


Da Redação

WebAdvocacy – Direito e Economia


06.08.2024

Este é um informativo diário que traz para o(a) leitor (a) as decisões do CADE com relação a aprovação e movimentação de atos de concentração, ao arquivamento/condenação de processos administrativos de condutas anticompetitivas e as publicações do CADE.

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Um conselho ao Conselho Federal de Medicina

Vanessa Vilela Berbel

Depois de sua desastrosa atuação durante a pandemia do Covid-19, o Conselho Federal de Medicina (CFM) investe, agora, nas pautas conservadoras, causando desconforto inclusive entre os membros da classe representada.

A Comissão Parlamentar de Inquérito do Covid-19 afirmou que a postura do CFM quanto à época era “temerária, criminosa e antiética”. Durante o período pandêmico, o CFM atuou para afastar qualquer condenação ética a médicos e médicas que prescreveram cloroquina e hidroxicloroquina, atuando inclusive para legitimar a prática, como se viu do Parecer nº 04/2020, no qual o Conselho estabeleceu critérios e condições para a prescrição dos medicamentos em pacientes com diagnóstico confirmado da doença. Essas atitudes, no mínimo irresponsáveis, levaram ao pedido de indiciamento do então presidente da entidade, Mauro Luiz de Britto Ribeiro.

Incansável em levar adiante sua pauta ideológica, o Conselho Federal de Medicina também colocou em sua página na internet uma enquete para aferir a opinião de médicos sobre a vacinação contra a Covid-19 em crianças, valendo-se de um relatório que pareceu mais desenhado para lançar dúvidas sobre a imunização e estimular a recusa paterna, do que para a coleta de opinião.

Não creio que a atuação do Conselho Federal de Medicina quanto aos direitos das mulheres nos últimos anos possa ter adjetivação menos severa do que a conferida pela CPI da Covid.

A desastrosa atuação do órgão nos últimos eventos vem gerando polêmica diária nos noticiários e suas investidas conservadoras não parecem recuar, fato que  o tornou um dos principais atores na “guerra santa” travada pelo chamado conservadorismo de extrema direita contra a garantia e proteção das liberdades femininas.

Vale ressaltar que o Conselho não é um sindicato, mas sim uma autarquia federal que tem como papel regular a aplicação do Código de Ética Médica e os registros de medicina. Ele tem uma natureza híbrida. É, ao mesmo tempo, uma entidade que zela por interesses de classe e uma autarquia com poderes normativos.

Contudo, em sua atividade regulatória, o CFM não tem como missão preservar a autonomia irrestrita do médico, mas sim balizá-la pela ciência e as boas práticas. Essa é a função da entidade: criar as molduras nas quais deve se inserir a autonomia profissional, forjadas na cientificidade e não na polarização política e ideológica.

A isenção ideológica que se deve ter na pauta regulatória não se evidencia em algumas das atividades  recentes do CFM, cuja expressiva parcela de membros é filiada a partidos políticos, conforme levantamento realizado em 08 de fevereiro de 2021 por Leonardo Martins, do Intercept[1].

Dos membros analisados pelo Intercept, 10 continuam ativos no Conselho e são filiados a partidos políticos majoritariamente de direita ou centro-direita, como PSL, DEM, Solidariedade, Podemos e Novo. Dentre os membros filiados a partidos políticos ainda ativos no CFM, tem-se:

Donizetti Dimer Giamberardino Filho – conselheiro federal pelo estado do Paraná e 1º vice-presidente – PV

Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti – conselheiro federal pelo estado de Alagoas e 3º vice-presidente – PSL

José Hiran da Silva Gallo – conselheiro federal pelo estado de Rondônia e tesoureiro – MDB

Salomão Rodrigues Filho – conselheiro federal pelo estado de Goiás e 2º tesoureiro – DEM

Florentino de Araújo Cardoso Filho – conselheiro federal pelo estado do Ceará – NOVO

Maria Teresa Renó Gonçalves – conselheira federal pelo estado do Amapá – Democracia Cristã

Júlio Cesar Vieira Braga – conselheiro federal pelo estado da Bahia  – NOVO

Jeancarlo Fernandes Cavalcante – conselheiro federal pelo estado do Rio Grande do Norte – Solidariedade

Ricardo Scandian de Melo – conselheiro federal pelo estado de Sergipe – NOVO

Estevam Rivello Alves – conselheiro federal pelo estado do Tocatins – Podemos

Atualmente, dos 28 Conselheiros do CFM, apenas 08 são mulheres, ou seja, menos de 30%. Aparentemente, nenhum negro, nenhum representante trans ou membro da comunidade LGBTQIA+. O grupo que hoje titulariza as cadeiras da entidade é majoritariamente branco e hétero, pertencente a uma classe econômica privilegiada.

Sem falar, ainda, de membros notoriamente polêmicos, como o ginecologista Raphael Câmara Medeiros Parente, tido como integrante da ala ideológica do governo de Jair Bolsonaro, que acumulava o cargo de conselheiro do CFM e de secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde.

Não à toa, foi ele, Raphael, o relator da Resolução do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro, o Cremerj, de número 296/2019, que obrigava a notificação dos estupros atendidos por médicos aos órgãos policiais, dificultando o acesso de mulher que optam por não denunciar a agressão naquele momento. Vale lembrar que denunciar um estupro não é tão simples quanto parece; em muitos casos a vítima não possui condições de abrigamento, não conta com serviços públicos ou rede de apoio para que possa estar segura de eventuais investidas do agressor, muitas vezes seu pai, irmão ou membro familiar.

A posição ideológica de membros do Conselho filiados a partidos políticos ou declaradamente alinhados à pauta conservadora, acena como explicação plausível para algumas das posições retrógradas adotadas pela entidade no último biênio. Relembro alguns dos episódios mais marcantes de 2023-2024.

Em novembro de 2023, o CFM realizou o Simpósio “Violência Obstétrica”, no auditório das sua sede em Belo Horizonte, durante o qual, dentre outras questões polêmicas, condenou o uso termo por entender que, nas palavras do coordenador Victor Hugo, “estigmatiza procedimentos operatórios, discriminando a obstetrícia praticada por médicos”.

Na mesma linha, a coordenadora jurídica do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), Vanessa Lima Andrade, afirmou que a expressão “violência obstétrica” é inadequada pois criminaliza o ato obstétrico, o que se contrapõe ao princípio jurídico da presunção de inocência. As falas, travestidas da discussão de nomenclatura, objetivam,  em verdade, reforçar a a postura histórica do CFM sobre o tema, que equipara a violência obstétrica à violência contra o obstetra. Em síntese, a mulher-paciente, de vítima, se torna a agressora.

Não se trata de negar o saber do profissional da medicina para prescrever o correto tratamento e método a ser empregado no parto. O que se questiona aqui é a postura do CFM de  usar o tema da violência obstétrica de forma enviesada, como um mote para a defesa irrestrita da autonomia do médico e, até, para o endosso de outras pautas conservadoras.

O tema da violência obstétrica já havia sido empregado pelo CFM de forma enviesada para a defesa do chamado “estatuto do embrião humano” em 2018, quando da edição do Parecer CFM nº 32/2018, referente ao Processo-consulta CFM nº 22/2018, no qual o órgão respondeu a uma consulta originária do CRM-DF sobre a suposta “proliferação” de leis sobre “violência obstétrica”.

Sobre o tema, Sérgio Rego, médico e pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) fez minuciosa analise do Parecer em artigo publicado em 28/12/2018 no site da Fiocruz. Longe do objetivo de discutir a atenção à parturiente, o documento surpreendeu, nas palavras de Rego, pelo “descompasso entre o que está sendo defendido neste Parecer e o que esperamos de uma instituição tão relevante como é o CFM, que se supõe esteja em sintonia com o seu tempo e as necessidades sociais representadas pelas mudanças contemporâneas”.[2]

Em 2024, novas polêmicas envolvem o CFM e os direitos das mulheres. Em abril, o CFM emitiu uma resolução que veta o uso de assistolia fetal em abortos resultantes de estupro após a 22ª semana de gravidez. A medida foi alvo de uma ação do PSOL no Supremo Tribunal Federal e foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes.

Há  pouco mais de um mês, o CFM volta a se envolver em polêmicas. Desta vez, José Hiran da Silva Gallo, presidente do Conselho de Federal de Medicina (CFM), após encontro com o Ministro Alexandre de Moraes, na saída do Supremo Tribunal Federal falou a jornalistas: “O procedimento da assistolia fetal é cruel para o feto. Nós viemos explicar para ele [Moraes] como é essa técnica. Essa técnica é feticídio”.

José Hiran já havia se envolvido em polêmica ao afirmar que a “autonomia da mulher” deve ser limitada quando se fala em aborto legal após a 22ª semana. “A autonomia da mulher esbarra, sem dúvida, no dever constitucional imposto a todos nós, de proteger”, foram as palavras do Presidente do CFM, como relembrou matéria da CartaCapital.[3]

O médico Arruda Bastos, coordenador da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD), critica a série de posições do presidente do CFM, protagonizando a oposição ao conservadorismo que ele denominou de “resgate do Conselho”.

Trazemos esse tema para relembrar os leituras da indispensável atenção à eleição dos Conselheiros do CFM, que acontecerá em agosto e terá a capacidade de renovar, por meio da eleição, seus quadros. É fundamental que o órgão reflita a diversidade cultural e ideológica da sociedade brasileira, formada por pessoas que vão muito além das classes sociais atualmente representadas.

Contudo, com as barreiras de entrada ainda existentes para que um jovem ou uma jovem negra ou trans possa ter acesso aos cursos de medicina deste país, aparentemente a ausência de alinhamento do Conselho com as políticas públicas necessárias à melhoria da saúde e direitos das mulheres e meninas parece  ser uma realidade que perdurará.


[1] Leonardo Martins. https://www.intercept.com.br/2021/02/08/raphael-camara-secretario-de-pazuello-e-elo-entre-bolsonarismo-e-cfm/

[2] Rego, Sérgio. Violência obstétrica, 28/12/2018. In: https://agencia.fiocruz.br/violencia-obstetrica

[3] Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-podemos-aceitar-a-resposta-de-medicos-progressistas-ao-presidente-do-cfm/.


Vanessa Vilela Berbel. Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (2006), mestrado em Filosofia Teoria Geral Direito pela Universidade de São Paulo (2012) e doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2018). Atualmente é professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, disciplina de Direito Civil. Atuou, durante os anos de 2022 a 2024, como servidora na Procuradoria Federal Especializada do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), colaborando com o enfrentamento às infrações à ordem econômica e com a proteção da defesa da concorrência. Coordenou, em nível nacional, a política pública de enfrentamento à violência contra a mulher, Ligue 180, ocupando cargo nível DAS 1.04 (2020 a 2022). Ex-professora adjunta do Instituto Federal do Paraná, Faculdade de Direito – Campus Palmas, tendo sido aprovada em primeiro lugar no concurso de provas e títulos. Possui experiência como advogada em escritório de expressão nacional e internacional. Autora de artigos, capítulos de livro e palestras. Suas pesquisas abordam os temas: desenvolvimento econômico, regulação, gênero e concorrência.


A Airlines Group S.A. desiste da aquisição do controle da Air Europa Holding S.L.

Segundo a declaração da Comissão Europeia do dia 02 de agosto de 2024, a Airlines Group S.A. (IAG) desistiu de adquirir o controle de 80% da Air Europa Holding, S.L. (AIR Europa) e de suas subsidiárias. Essa operação foi notificada a Comissão Europeia em 11 de dezembro de 2023.

A Comissão Europeia investigou os potenciais efeitos anticoncorrenciais advindos desta operação e em 26 de abril deste ano publicou a declaração de objeção da operação. Nas palavras da vice-presidente da Comissão Europeia Margrethe Vestager:

A IAG e a Air Europa são companhias aéreas líderes na Espanha. De seus hubs em Madri, elas são as principais provedoras de conectividade dentro da Espanha e entre a Espanha, o resto da Europa e as Américas.

Analisamos atentamente o impacto da transação na concorrência, especialmente nas rotas em que voos alternativos são limitados. Nossa análise aprofundada indicou que a fusão teria afetado negativamente a concorrência em um grande número de rotas domésticas, de curta distância e de longa distância dentro, para e da Espanha nas quais as duas companhias aéreas competem de perto.

Estávamos preocupados que a transação pudesse ter levado a efeitos adversos para os passageiros — clientes empresariais e consumidores — em termos de aumento de preços ou redução da qualidade dos serviços. A IAG ofereceu soluções, mas levando em consideração os resultados do teste de mercado, as soluções apresentadas não abordaram totalmente nossas preocupações com a concorrência.

Esta é a segunda vez que a Comissão foi solicitada a avaliar a aquisição da Air Europa pela IAG sob as regras de controle de fusões da UE, após a primeira tentativa ter falhado em 2021 devido às preocupações com a concorrência da Comissão. A Air Europa está em uma posição mais forte hoje do que em 2021, então o desafio de identificar soluções adequadas foi ainda maior do que em 2021.

O Departamento de Justiça dos EUA também se manifestou a respeito da desistência da operação pela IAG. Na declaração do Procurador-Geral Adjunto Michael Kades do USDOJ:

A Divisão Antitruste está comprometida em proteger a concorrência na indústria de companhias aéreas. Como resultado desse abandono, os viajantes entre os Estados Unidos e a Europa se beneficiarão de uma rivalidade na indústria que reduz os preços, aumenta a qualidade e promove a escolha. Sou grato ao nosso parceiro de execução, a Comissão Europeia, por sua colaboração próxima e construtiva com nossa equipe neste importante assunto para salvaguardar a concorrência.


Da Redação

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