Da Lei de Concessões ao Decreto de AIR: o tortuoso (será?) caminho da regulação econômica no Brasil

Elvino de Carvalho Mendonça

Muito se tem falado a respeito da importância da Análise de Impacto Regulatório (AIR) nas agências reguladoras. Um dos reclames da sociedade sobre a condução da regulação econômica via agências reguladoras estava centrado na grande quantidade de regramentos que acabavam por representar verdadeiras barreiras à entrada regulatórias e, nesse caso desmoronavam a missão precípua da regulação econômica que é a de mimetizar o ambiente concorrencial onde existem falhas de mercado instransponíveis para a economia de mercado.

Antes da Constituição Federal de 1988, os setores econômicos que hoje são conduzidos pelas agências reguladoras eram “regulados” pelos Ministérios do Poder Executivo. Nesse formato, havia a influência direta das questões do governo central e a política era menos de Estado e mais de governo.

Com a promulgação da Constituição de 1988, o art. 174 previu a possibilidade de constituição de agências reguladoras como agente normativo e regulador da atividade econômica com as finalidades de fiscalização, incentivo e planejamento determinante para o setor público e indicativo para o setor privado,[1] permitindo maior autonomia, privilegiando a técnica. Por outro lado, no art. 175, também previu que os serviços públicos poderiam ser concedidos ou permitidos a iniciativa privada mediante a realização de processos licitatórios, por prazo longo e mediante contrapartidas das empresas vencedoras[2].

Dada essa condução, a decisão foi a de privatizar as empresas estatais que prestavam serviços públicos, que eram monopólios naturais (ex. eletricidade e telefonia) e criar marcos regulatórios com agências independentes operacional e financeiramente para a gestão das empresas, segundo métodos tradicionais de regulação econômica, como, por exemplo, o regime de preço-teto.

O desafio dos marcos regulatórios era o de selecionar uma empresa por meio de processo licitatório que viesse a ofertar a melhor combinação de tarifa/qualidade da prestação serviço para o contribuinte e recursos para a União. Com esse marco regulatório vieram as regulamentações e com estas as normas, portarias e resoluções.

Várias experiências se sucederam após a criação dos marcos regulatórios dos onze setores regulados no Brasil, mas foi somente com a publicação da Lei das Agências (Lei nº 13.848/2019) e da Lei de Liberdade econômica (Lei nº 13.874/2019) e do Decreto de AIR (Decreto nº 10.411/2020) que a análise de impacto regulatório se tornou uma realidade exigível não somente para as agências reguladoras, mas também para toda a elaboração de atos normativos da administração pública direta, não obstante, aqui e ali, algumas agências já fizessem análises de impacto regulatório.

Os mencionados diplomas legais, sobretudo o Decreto de AIR, disciplinaram o rito do AIR e os métodos para se obterem medidas quantitativas e qualitativas dos atos normativos sobre os regulados e a sociedade como um todo. Salvo para as exceções, toda norma deve ser precedida de AIR e deve ser transformada em relatório, que será submetido ao escrutínio da participação social (tomadas de subsídio, consultas públicas e audiências públicas).

Está claro, portanto, que a regulação econômica no Brasil seguiu as premissas dos bons manuais de regulação econômica ao redor do mundo, pois privatizou empresas estatais deficitárias, criou agências reguladoras, elaborou marcos regulatórios e agora institucionalizou a prática do AIR em todas as agências.      

A ausência de instrumentos que medissem a intervenção do Estado por meio da regulação talvez seja o ponto mais negativo da regulação econômica no Brasil nesses últimos 26 anos. Antes da entrada em vigor da lei das agências, da lei de liberdade econômica e do Decreto de AIR, o Estado era soberano na elaboração de normas, o que fazia dos seus atos uma intervenção ativa no domínio econômico, com efeitos, muitas vezes, não muito positivos para a segurança jurídica dos regulados e dos investidores privados.

É inescapável que a instituição do AIR veio para atribuir poder a sociedade no balanço de forças com o Estado, na medida em que algumas normas anticompetitivas e/ou excessivas regulatoriamente tendem a ser eliminadas no processo de análise de impacto regulatório. Mas fica uma dúvida: qual é a medida certa?

Se é certo que a ausência de barganha de forças com o Estado acabou por gerar normas, muitas vezes, excessivas que acabaram gerando barreiras à entrada para o mercado, por outro lado, também é certo que é fundamental que o Estado tome a condução de diretrizes, ao menos, mínimas em mercados onde são visíveis as falhas de mercado, evitando o abuso do poder de mercado.

A medida correta é a de controlar o abuso, seja do Estado (abuso de poder regulatório) ou abuso do mercado (abuso do poder de mercado).

Não é difícil perceber que a quantidade de atos normativos que são necessários para a boa regulação é muito superior à capacidade de análise das agências reguladoras. Obviamente que um grande percentual desses atos não possui qualquer prejuízo para os setores regulados, a exemplo do que acontece com os 80% de atos de concentração submetidos ao CADE não possuem qualquer problema de natureza concorrencial.

 Esse é um desafio que o CADE e grande parte das agências de defesa da concorrência ao redor do mundo resolveram a partir da elaboração de critérios para separar os casos que realmente eram problemáticos daqueles que não o eram. A solução de triagem com publicidade ao público por meio da publicação de atos simples no DOU deu celeridade ao processo decisório, reduziu a insegurança jurídica e transformou o CADE em uma das melhores agências das Américas.

No entanto, nem sempre foi assim para o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Quem não se lembra do duplo trabalho na elaboração de pareceres pela então Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) e pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) antes da entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência)? Foram precisos alguns bons anos para que o SBDC identificasse que o modo como o sistema funcionava era disfuncional e gerava custos amplos tanto para o erário quanto para o setor privado.

Não obstante o Decreto de AIR tenha trazido os métodos para calcular o impacto regulatório, que nem sempre é uma boa solução devido ao engessamento da autoridade regulatória, não trouxe qualquer critério de triagem. A exemplo do que se viu com a experiência do SBDC, a eliminação do que não é relevante abre espaço para a aplicação de métodos sofisticados em casos que realmente merecem ajustes. Importante lembrar que há diferenças consideráveis entre as operações no CADE e os atos normativos das agências e a principal delas está no fato de que o órgão antitruste é um examinador externo das condições de concorrência que são geradas pela ação de duas ou mais empresas, ao passo que a AIR é elaborada por um examinador interno, que transforma a decisão diretamente conectada à vontade da agência.

Portanto, como criar um fast track para algo que está permeado por interferência direta? É importante lembrar que a AIR é um ônus da prova da agência para publicar um novo normativo e o julgamento é feito pela sociedade por meio da participação social (consulta pública, audiências públicas etc).

Há quem diga que a obrigatoriedade de realização da AIR inibe a produção de normas ruins do ponto de vista regulatório e concorrencial, pois há uma alta probabilidade de que esses normativos não sejam publicados na forma como foram propostos ou que sequer sejam produzidos, em razão da necessidade de produção de um trabalhoso AIR. Nesse caso, o entendimento seria de que somente seriam submetidas para AIR normativos que fossem relevantes e o problema do fast track estaria resolvido.

No primeiro caso, não há o comando da aprovação, ao passo que no segundo, o fast track no CADE, está baseado no tamanho das empresas que fazem as operações (faturamento bruto e participação de mercado).

Mais do que dizer que método utilizar é importante excluir aquilo que não gera preocupação e dar publicidade para a sociedade, pois, do contrário, é como “matar uma formiga utilizando uma bomba atômica”.


[1] Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.         (Vide Lei nº 13.874, de 2019)

[2] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

IV – a obrigação de manter serviço adequado.

De Montesquieu a Boushey: qual é o papel das leis nas sociedades capitalistas?

Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça

Qual é o papel das leis nas sociedades capitalistas e como o teor das leis criadas pelo Parlamento podem influenciar na construção de uma sociedade mais ou menos desigual? Por que há países mais iguais e outros com uma desigualdade social, cultural e econômica extrema? O que o teor das leis tem a ver com isso?

Sabe-se que o regime capitalista, fruto da Revolução de 1789 na França, teve seus primeiros firmes passos dados com a a promulgação da Lei dos 2 -17 de Março de 1791, cujo teor assegurou a liberdade do comércio e da indústria. Georges Ripert narra que “o legislador não entendia declarar apenas um princípio; queria destruir alguma coisa[1], destruir o regime antigo e, para isso, o papel da lei foi fundamental para assegurar “[a] propriedade individual, livre e sagrada, a convenção livremente formada e tendo foros de lei, como as duas bases que vão permitir a criação da nova ordem[2].

Para essa breve reflexão, voltamos a origem da estruturação do poder e vemos que Montesquieu, em “[o] espírito das leis” ao propor a teoria dos três poderes desenhou o exercício das atividades do Estado em três poderes: Legislativo, Judiciário e Executivo, cujas funções principais seriam a de criar regras de conduta, julgar os conflitos de interesses e administrar o Estado,  respectivamente, tudo em observância as leis vigentes em cada espaço temporal.

Em toda a sua narrativa, o filósofo francês do século XVII (1689-1755) registra grande preocupação com a desigualdade social, denotando o importantíssimo papel que o legislador tem para não só criar regras de condutas, mas para pautar-se pela justiça e igualdade no desenvolvimento de sua atividade fim, para o bem da democracia.

Dois exemplos ilustram bem a preocupação do filósofo com a igualdade que deveria reger as leis criadas. Ao tratar da divisão igualitária de terras pelos antigos legisladores Licurgo e Rômulo, Montesquieu asseverou que “se quando o legislador efetuar tal divisão, ele não criar leis para mantê-la, não terá feito mais do que uma constituição passageira; a desigualdade entrará pelo lado que as leis não tiverem protegido e a república estará perdida.”[3] (g.n)

Em outra passagem, Montesquieu aduz que:

assim como a igualdade das riquezas mantem a frugalidade, a frugalidade mantém a igualdade das riquezas. Estas coisas, embora diferentes, são tais que não podem subsistir uma sem a outra; cada qual é a causa e o efeito, e quando uma delas é retirada da democracia e outra sempre a segue.

É verdade que quando a democracia está baseada no comércio pode muito bem acontecer que alguns particulares possuam grandes riquezas e os costumes não estejam corrompidos. É que o espírito do comércio traz consigo o espírito da frugalidade, de economia, de moderação, de trabalho, de sabedoria, de tranquilidade, de ordem e de regra. Assim, enquanto subsiste este espírito, as riquezas que ele produz não têm nenhum mau efeito. O mal acontece quando o excesso das riquezas destrói este espírito de comércio; assistimos subitamente ao nascimento das desordens da desigualdade, que ainda não haviam aparecido.

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“…falta muito para que o mundo inteligente seja tão bem governado quanto o mundo físico. Pois, embora aquele também possua leis que, por sua natureza, são invariáveis, ele não obedece a elas com ao mesma constância com a qual o mundo físico obedece as suas. A razão disto é que os seres particulares inteligentes são limitados por sua natureza e, portanto, sujeitos ao erro; e, por outro lado, é de sua natureza que eles atuem por si mesmos. Eles não obedecem, portanto, suas leis primitivas; e aquelas mesmas leis que dão a si mesmos, não obedecem a elas sempre.”[4]

Nessa toada, cerca de um século mais tarde, outro francês Claude Fréderic Bastiat, ao escrever a obra “A lei” (1850) tratou da mesma preocupação de Montesquieu ao aduzir que “a perversão da lei causa conflito” e que se “desviada de seu propósito, ela pode violar os direitos de propriedade em vez de garanti-los, então, qualquer pessoa quererá participar fazendo leis, seja para proteger a si próprio contra a espoliação, seja para espoliar os outros.[5]

É fato que 170 anos após Bastiat, Heather Boushey no livro Unbound: How Inequlity Constricts Our Economy and What We Can Do About it” torna ao mesmo ponto para chamar à atenção de que “a desigualdade obstrui o crescimento econômico e a regular dinâmica dos mercados[6].

Desse modo, a arquitetura jurídica dos mercados como um produto de criação das leis e das reais forças de poder influenciam diretamente na maior ou menor desigualdade social, cultural e econômica de um país, cabendo aos policymakers a criação de leis e políticas públicas que possam produzir maior igualdade entre os indivíduos, não só por uma questão humanitária, mas também por uma questão estratégica de país, na medida em que quanto mais pessoas capacitadas puderem produzir riqueza, maior será o resultado para o crescimento do país e para a melhora de sua condição de país em desenvolvimento para país, de fato, desenvolvido.

Sobre esse ponto, Heather Boushey diz que

“a desigualdade obstrui o crescimento econômico e a regular dinâmica dos mercados” e que “a extrema desigualdade que estamos vivenciando é decorrência da subversão das instituições públicas, de forma que o policymaking process necessário para dar apoio à economia foi afastado do interesse público e direcionado para promover o rent seeking de agentes econômicos privilegiados, permitindo-lhes obter mais lucros e rendas do que conseguiriam em um mercado realmente competitivo”.[7]

Desse modo, as leis que beneficiam, desmedidamente, mais o capital que o trabalho, sob a escusa de que é preciso “crescer o bolo para depois dividi-lo”, como concessão de benefícios fiscais, desonerações e financiamentos para grandes grupos econômicos detentores do capital precisam ser repensadas pelos nossos legisladores para que a real “liberdade econômica” tanto defendida possa ser, de fato, implementada. Liberdade econômica com subvenções do Estado não traduz o conceito da  “liberdade” que se postula.

Por outro lado, educar o seu povo não é só uma questão de justiça, mas também de estratégia de país para que os cidadãos brasileiros possam melhor contribuir para o crescimento do PIB do país. 

Seja por Montesquieu, Bastiat, Ripert ou Boushey é fato que ao longo dos séculos, desde o surgimento do capitalismo como uma nova ordem econômica, os autores identificam que o conteúdo da lei é fundamental para gerar uma sociedade mais igual, social, cultural e economicamente e, portanto, as práticas de rent seeking e logrolling, devem ser evitadas ou, minimamente, balanceadas para que a lei possa exercer, de fato, a sua grande função que é a de produzir normas de conduta abstratas e gerais beneficiando a todos os seus cidadãos e não só a parcela mais rica da sociedade, detentora das reais forças de poder.  A reflexão que se propõe, pois, é a de que pensemos, sobre o papel das leis e de seu conteúdo.


[1] RIPERT, Georges. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno. São Paulo: AM2 Editora, 2021, p. 25.

[2] Idem.

[3] MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 56.

[4] MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 12.

[5] BASTIAT, Claude Fréderic. A lei. 3. Ed. São Paulo: Ludwig, von Mises Brasil, 2010, p. 18.

[6] FRAZÃO, Ana. Novas perspectivas para a regulação jurídica dos mercados: o que ainda temos a aprender com o livro de Heather Boushey, especialmente diante do cenário de crise da Covid 19. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/novas-perspectivas-para-a-regulacao-juridica-dos-mercados-parte-vi-0 8042020 em 11/05/2022.

[7] BOUSHEY, Heather. Unbound: How Inequlity Constricts Our Economy and What We Can Do About it. Cambridge: Harvard University Press, 2019, p. 85-86.

ADI 5422: por um dia das mães mais feliz

Vanessa Vilela Berbel

Os casamentos no Brasil estão tendo menor duração média, caindo, de 2010 a 2020, de 17,5 anos para 13,8 anos. Não só a duração ficou menor, mas também a taxa de nupcialidade, principalmente para casais do mesmo sexo. Essa queda possui relação com fatores sócio-culturais – como se observa do aumento de 464% das uniões estáveis[i], mas também com os múltiplos arranjos familiares da atual sociedade brasileira, que escapam aos números dos registros públicos e sentenças judiciais.

Ainda que grande parte das mulheres esteja fora dos dados Estatísticos do Registro Civil do IBGE, as informações contidas na pesquisa podem lançar luzes sobre o perfil das pessoas que se divorciam e os desafios sociais e econômicos que a alta taxa do rompimento dos arranjos familiares pode promover.

O perfil dos casais que se divorciaram em 2019 era composto por homens com idade média de 43 anos e mulheres de 40 anos de idade. Ainda, em 2020, dos 331,2 mil divórcios concedidos no país, aproximadamente 56,5% dos divórcios judiciais ocorreram entre pessoas que tinham filhos menores de idade[ii].

Apesar da boa notícia de que, entre 2014 a 2020, a guarda compartilhada passou de  7,5% para 31,3% dos casos, como reflexo do advento da Lei 13.508/2014, dados do IBGE a respeito das sentenças de divórcio proferidas em primeira instância mostram que, em 2020, dos 140.218 casos julgados, 80.315 tiveram a guarda atribuída apenas às mulheres[iii]. Deve-se anotar, ainda, que guarda compartilhada não é guarda alternada, de modo que, na maioria dos casos, a criança ainda mora quase que na integralidade do tempo com um dos genitores, em regra a mãe, mesmo que conviva com ambos.

Deste modo, se pegarmos o perfil padrão das estatísticas, temos que, após dez anos de casamento, caso ocorra o divórcio, haverá uma mulher de 40 quarenta anos, credora do custo de manutenção da prole que com ela habitará e, do outro lado da equação,  um homem de 43 anos, o pai, a quem competirá seu ressarcimento.

Levada a relação jurídica obrigacional cível para o campo tributário, o quadro se inverte. Agora a mãe, apesar de ter recebido a pensão como forma de ressarcimento de despesas da prole, terá que declarar os valores em seu imposto de renda. Isso mesmo: ela cuida, dispõe do seu tempo – já falamos aqui do obscurantismo econômico do cuidado doméstico, muitas vezes reduz suas horas no mercado de trabalho para se dedicar às atividades domésticas – mesmo em muitos casos esteja no auge de sua carreira, lembre-se: ela está com quarenta anos, e, no final, paga a renda pela pensão.  Não só, o genitor poderá deduzir o valor pago de seu imposto de renda. Injusto? Obviamente, mas, alguns membros da Corte Suprema entendem que essas mulheres podem esperar mais algum tempo para ter um feliz dia das mães.

Isso pois, a ADI 5422, que discute a constitucionalidade do imposto de renda sobre os valores recebidos a título de pensão alimentícia no âmbito do direito de família estava com desfecho demarcado para 11/02/22, mas teve seu julgamento retornado à estaca zero. Pois é, com placar de seis a zero para conhecer em parte da ação direta e, no mérito, julgá-la procedente, com proposta de fixação da seguinte tese de julgamento: “É inconstitucional a incidência de imposto de renda sobre os alimentos ou pensões alimentícias quando fundados no direito de família”, um pedido de destaque do Ministro Gilmar Mendes, fez com que a recontagem dos votos seja reiniciada.

Então, cara leitora, se você já preencheu seu imposto de renda e colocou os rendimentos da pensão alimentícia como tributáveis, eu lhe desejo, em 2023, um melhor dias das mães.

Referências

IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais. Estatísticas do Registro Civil 2010-2019. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9110-estatisticas-do-registro- civil.html?edicao=17071&t=downloads


[i] Vide o informativo Secretaria Nacional da Familia. Fatos e números: casamentos e uniões estáveis no Brasil, Brasil: 2021. https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/observatorio-nacional-da-familia/fatos-e-numeros/FatoseNmerosCasamento.pdf

[ii] O percentual justifica-se também pelo fato de ser vedado o acesso ao divórcio extrajudicial aos casais que possuam filhos menores

[iii] Dados obtidos em Pesquisa Estatísticas do Registro Civil – 2020, IBGE. https://sidra.ibge.gov.br/tabela/5936#resultado

Stock vs. Campari: a proteção do Know-How segundo o STJ

Eduardo Molan Gaban

Apesar de o termo “know-how” não ser utilizado em textos legais ou em normativas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, a sua tutela é de extrema importância no contexto das normas de proteção à propriedade industrial, uma das facetas de proteção à propriedade intelectual.

Traduzido como “saber fazer alguma coisa”, ou “saber fazer alguma coisa que não é de domínio público”, o know-how é protegido na medida em que se refere aos conhecimentos, tecnologias, dados ou métodos técnicos passíveis de valoração econômica dotados por alguma pessoa específica.

Não é novidade que aquele que detém técnicas e tecnologias do negócio se destaca no mercado. Por isso, a Lei de Propriedade Intelectual (Lei nº 9.279/96) protege as informações e os segredos industriais que não são de conhecimento público ou evidentes para um técnico no assunto, e sanciona a conduta de quem utiliza, sem autorização, o know-how a que teve acesso durante a relação contratual[1].

Na prática, isso quer dizer que está sujeito às penas de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa quem praticar alguma das ações descritas no caput do artigo 195 da LPI. Porém, até que ponto pode-se considerar que houve apropriação indevida de know-how obtido no âmbito da relação contratual?

Esta foi a controvérsia discutida no Recurso Especial nº 1.727.824, no qual figurou como recorrente a Campari Do Brasil LTDA. (“Campari”) e como recorrida a Distillerie Stock Do Brasil LTDA. (“Stock”).

No caso, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e, por unanimidade, rejeitou o pedido de indenização feito pela Stock em razão de suposto uso indevido de seu know-how pela Campari.

Na ação de indenização que deu origem ao recurso, a Stock argumentou que manteve contratos para distribuir no Brasil a bebida fabricada pela Campari, a qual, após 30 anos de relacionamento comercial, decidiu não renovar o acordo, causando-lhe prejuízos. A Stock alegou ainda que a Campari, ao passar a fazer ela mesma a distribuição de seu produto no país, teria se apropriado de informações sobre organização de vendas e cadastro de clientes que integravam o know-how da antiga distribuidora, o que caracterizaria concorrência desleal.

Alegou, assim, que foi vítima de atividade lesiva por parte da Campari, a qual teria se apropriado de sua organização de vendas e de seu cadastro de clientes, impondo condições comerciais injustificáveis, com abuso de direito e abuso de poder econômico. O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau, sob o fundamento de que não foi demonstrado nenhum abuso nos contratos, os quais foram devidamente assinados pelas partes.

Após apelação por parte da Stock, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) entendeu que a Campari utilizou, de forma não autorizada e sem a devida remuneração, o know-how desenvolvido pela Stock.

Posteriormente, o TJSP determinou também o retorno dos autos à origem para que identificassem os elementos integrantes do know-how, qualificados como secretos e originais, que teriam sido supostamente apropriados pela Campari, a fim de se determinar se estes se incluem ou não em eventual proteção legal ou contratual.

O TJSP, mesmo assim, apenas reafirmou que o know-how supostamente apropriado estaria centrado, simples e genericamente, nos conhecimentos em vendas e na atividade de distribuição exercida pela Stock. Ou seja, a decisão deixou de identificar, pontualmente, qual a técnica de distribuição de produtos que seria original e/ou eventualmente secreta, ou seja, que ultrapassasse dos conhecimentos e informações já conhecidas em função do exercício legítimo do seu poder de controle na qualidade de fornecedor sobre o seu distribuidor exclusivo.

O STJ, por sua vez, decidiu que não foi possível identificar apropriação indevida de segredo industrial diante da ausência de delimitação pelo TJSP dos elementos de know-how da Stock que teriam sido utilizados indevidamente pela Campari.

O Ministro Relator do voto condutor, Ricardo Villas Bôas Cueva, decidiu que o Tribunal de origem não identificou nenhum elemento ou técnica distintiva original ou protegida por sigilo, legal ou contratualmente, a indicar apropriação indevida de know-how, de tal forma que a organização de lista de clientes ou a dinâmica de vendas transferida contratualmente não tem o condão de embasar pedido indenizatório.

Na sua fundamentação, aduziu que “a formação de clientela está normalmente associada às estratégias de marketing utilizadas pelo fabricante, à qualidade do produto e à notoriedade da marca, e não ao esforço e à dedicação do distribuidor”, mencionando um outro precedente da Terceira Turma sobre o mesmo tema (REsp nº 1.605.281/MT).

Em conclusão, o STJ decidiu, unanimemente, que não é devida indenização pela alegada apropriação indevida de know-how por não se verificar fato que escape a essa regra, vez que as informações alegadamente utilizadas estão dispostas em contrato celebrado entre as partes, por meio do qual a Stock se obrigou expressamente a fornecê-las.

Da análise do caso, observa-se que a decisão do STJ foi pautada em três principais pontos: (i) ausência de identificação, pelo Tribunal de origem, dos elementos ou técnicas distintivas originais ou protegidas por sigilo a indicar apropriação indevida de know-how; (ii) disposição das informações supostamente utilizadas indevidamente no contrato celebrado entre as partes, por meio do qual a Stock se obrigou a fornecer; e (iii) formação de clientela associada às estratégias do fabricante, qualidade do produto e notoriedade da marca, não pelo esforço e dedicação do distribuidor.

Conforme doutrina utilizada pelo próprio ministro relator do caso, “O know-how pode ser compreendido como arte empresarial e como conhecimento técnico e dinâmico, mas o aspecto distintivo, para o direito, é a existência de um segredo, de modo que a tutela jurídica do know-how se dá não porque é know-how, mas porque é segredo”[2].

Assim, na prática, o relator, acompanhado pelos demais membros da Terceira Turma do STJ, debruçou-se sobre a existência ou não de violação de segredo de negócio – o qual, no caso específico, não se comprovou existir, uma vez que o contrato firmado entre as partes previa expressamente o compartilhamento das informações supostamente utilizadas indevidamente pela Campari.

Com esse resultado, que encerra quase duas décadas de litígio, a Campari não mais indenizará a Stock no valor de cerca de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) por contrato firmado na década de 70.


[1] Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (…) XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato (…).

[2] ROSSI, Juliano Scherner. Análise Econômica do Know-How, in: Direito e Economia I, ISBN: 978-85- 68147-73-3. Disponível em: https://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=075a0fee1ce99f7d. Acesso em: 25 de abril de 2022.

Defesa Comercial é sinônimo de Protecionismo?

Fernanda de Magalhães Furlan

Apesar da redução de barreiras ao comércio internacional ser condição necessária para diminuir o poder de mercado de oligopólios domésticos, não é condição suficiente quando há empresas com poder de mercado em nível mundial[1].

Neste contexto, é assente o importante papel desempenhado pela defesa comercial no esforço de combate às nocivas práticas internacionais de comércio desleal. Aliás, as medidas de defesa comercial impostas num ano pelo Brasil, bem como na maior parte dos países membro da OMC[2], correspondem historicamente a percentuais inferiores a um por cento (1%) das importações totais do país no período. Ou seja, o impacto das medidas de defesa comercial é irrelevante quando inseridas no contexto do total das importações brasileiras, ou de qualquer player relevante no comércio internacional.

Uma política eficaz para aumentar a inserção internacional do país e “abrir a economia” ao mercado externo seria, por exemplo, a redução de tarifas de importação, como, aliás, foi questão relevante da agenda econômica da disputa presidencial de 2018.  Isso porque as importações de bens e serviços pelo Brasil somaram apenas 15,5% do Produto Interno Bruto em 2020[3].

Parece, infelizmente, e com o devido respeito, haver uma visão distorcida em setores do Poder Executivo sobre os objetivos e a utilidade dos instrumentos de defesa comercial. Como visto, uma simples redução unilateral de tarifas melhor resolveria o problema da “agorafobia comercial”[4] do Brasil, do que um acinte retórico sobre mecanismos de defesa contra práticas desleais.

As importações nem sempre são uma ameaça. Na verdade, elas somente são sancionáveis quando realizadas a preços artificiais (dumping ou subsídios) e capazes de gerar dano/prejuízo à indústria doméstica. Ou seja, não são todas as importações que são atingidas pelos instrumentos de defesa comercial, mas somente aquelas em que há prática desleal de comércio (preços artificialmente baixos).

No Brasil, inclusive, há ainda a utilização obrigatória da lesser duty rule (regra do menor direito), que determina a aplicação do direito antidumping apenas em medida suficiente a eliminar o dano à indústria doméstica.

É sempre bom atentar para o fato de que, independentemente do poder de mercado da indústria nacional, a não aplicação de medidas de defesa comercial poderá significar, de outro modo, a consolidação de poder de mercado de oligopólios internacionais e, no longo prazo, o próprio desaparecimento da produção nacional.

A participação do CADE e da SEAE/ME nas discussões de comércio exterior[5], no âmbito institucional da CAMEX, é bem-vinda. Ela serve para contribuir com informações e dados que possam resultar no aumento da competitividade da economia brasileira. Porém, não deve ser uma participação de mão única, ou seja, o CADE também deve instar as autoridades de comércio a atuar para o bom funcionamento do mercado interno e para a saúde da concorrência[6] no Brasil.

A opinião dos integrantes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (CADE e SEAE/ME) nas análises de interesse público em defesa comercial é construtiva, contudo, sua participação também na própria análise de dano e nexo causal parece ser dispensável e até invasiva.

Infelizmente, a ofensiva contra os instrumentos de defesa comercial é perene, como se eles incorporassem a própria essência do mal, chamado protecionismo. Pois o Ministério da Economia, vem publicando regulamentações que dispõem sobre questões afetas à defesa comercial e, em especial, ao antidumping, que inovam onde não haveria espaço para tanto, consideradas as leis atualmente em vigor.

Tais propostas contêm disposições que extrapolam parâmetros do Acordo Antidumping da OMC[7]. Elas concebem critérios inovadores de análise e aplicação de direitos antidumping, sem amparo no Acordo da OMC e que não são adotados por qualquer outro país membro da organização, enfraquecendo posições negociadoras do Brasil e diminuindo, na sua própria essência, os atuais instrumentos de defesa comercial contra práticas desleais de comércio, fruto de extensas negociações no seio do GATT/OMC.

Além disso, as regras da OMC foram internalizadas no Brasil por meio da Lei nº 9.019/95 e Decreto nº 1.355/94, não podendo ser alteradas por simples portarias do Ministério da Economia. As competências das secretarias do Ministério da Economia são de regulamentar os procedimentos relativos às investigações de defesa comercial e às avaliações de interesse público, desde que, naturalmente, não extrapolem ou contrariem o estabelecido em legislação de hierarquia superior.

A Lei da Concorrência (Lei 12.529/11), por exemplo, em seu artigo 119, dispõe não ser ela aplicável “aos casos de dumping e subsídios de que tratam os Acordos Relativos à Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, promulgados pelos Decretos nº 93.941 e 93.962[8], de 16 e 22 de janeiro de 1987, respectivamente”.

Não parece legítimo, portanto, que se busquem, de forma enviesada, os mesmos efeitos proibidos pelo legislador. Ou seja, ao aplicar conceitos e, em especial, parâmetros de análise, típicos da investigação antitruste, aos processos e procedimentos de defesa comercial, estaríamos desobedecendo a própria Lei Antitruste.

De acordo com o artigo 3.4 do Acordo Antidumping, da OMC, o exame do impacto das importações a preços de dumping sobre a indústria nacional correspondente deverá incluir a avaliação de todos os fatores e índices econômicos relevantes que tenham relação com a situação da referida indústria, inclusive queda real ou potencial das vendas, dos lucros, da produção, da participação no mercado, da produtividade, do retorno dos investimentos ou da ocupação, da capacidade instalada, fatores que afetem os preços internos, a amplitude da margem de dumping, efeitos negativos reais ou potenciais sobre o fluxo de caixa, estoques, emprego, salários, crescimento, capacidade para aumentar capital ou obter investimentos. Tais fatores, contudo, não são exaustivos, nem poderão, isoladamente ou em conjunto, ser tomados necessariamente como indicação decisiva.

Contudo, parece haver alguma confusão quando passam a se utilizar parâmetros de investigação antitruste, em investigações de defesa comercial, ao invés de simplesmente considerar um (participação de mercado), entre vários critérios de análise de dano. Ao se socorrer de parâmetros[9] de análise antitruste para as investigações de dano, em defesa comercial, a autoridade competente está utilizando premissas invertidas.

Ao não aplicar direitos antidumping, comprovadamente cabíveis, a um setor da indústria nacional, simplesmente por considerá-lo concentrado ou porque esteja sendo investigado por comportamento anticompetitivo; a autoridade governamental, com todo o respeito, está promovendo uma intromissão desnecessária e ilegítima, pois, tal controle de concentração de mercado deve ser prévio e realizado pelo CADE e qualquer punição/sanção às empresas deve se dar dentro do processo respectivo e não fora dele.

Não há dúvidas dos avanços que vem sendo feitos pelo Ministério da Economia, por meio da Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público (SDCOM) em relação à processualidade[10] e à transparência, tanto nas investigações de defesa comercial, quanto nas análises de interesse público.

Tais avanços não devem ser obscurecidos por ofensivas deliberadas sobre os instrumentos de defesa comercial, como se fossem medidas ilegítimas e protecionistas, tanto mais quando se utilizam para tanto, parâmetros estranhos à tradicional análise de dumping/subsídios, dano e nexo causal.


[1] MATTOS, César. Harmonização das Políticas de Defesa da Concorrência e Comercial: Questões Teóricas e Implicações para o Mercosul, Alca e OMC. Disponível em: http://www.iadb.org/intal/intalcdi/PE/2008/01184.pdf. Acessado em: 26/02/2014.

[2] Na União Europeia, por exemplo, todas as medidas antidumping e compensatórias em vigor no final de 2006 correspondiam a somente 0,6% do volume total de importações do bloco. Apud MUELLER, Wolfgang et al. EC and WTO Anti-Dumping Law: A Handbook. 2a ed. Oxford. 2009.

[3] Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NE.IMP.GNFS.ZS?name_desc=false. Acesso em: 30/01/2022.

[4] A agorafobia é caracterizada por sintomas como medo e ansiedade de viver situações que fogem do controle e causam constrangimento em meio a locais abertos, reunião de pessoas e multidões. O termo “agorafobia comercial” indica o receio de um país em abrir a sua economia ao mercado externo.

[5] O artigo 22, inciso VIII, da Constituição Federal dispõe competir privativamente à União legislar sobre comércio exterior.

[6] O artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal elege a livre concorrência como princípio geral da atividade econômica.

[7] Aprovado pelo Decreto Legislativo nº 30/94 e promulgado pelo Decreto no 1.355/94, bem como o disposto na Lei nº 9.019/95, na parte que dispõe sobre a aplicação das medidas previstas no Acordo Antidumping.

[8] De acordo com o artigo 49 da Constituição Federal, compete ao Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados”, por meio de processo legislativo próprio, que culmina com a publicação de decretos do presidente da República, que insere os tratados na legislação brasileira, no nível de lei federal (exceto para tratados sobre Direitos Humanos, cuja estatura é de emenda constitucional).

[9] Parâmetros são princípios e regras a serem considerados na estruturação ou equacionamento de um dado problema, sistema de problemas ou situação.

[10] A processualidade é a instrumentalidade metodológica construída a partir dos conflitos existentes na sociedade para se chegar ao processo e procedimento adequados para solucioná-los, de modo a obter a tutela processual e de direitos, em caráter efetivo e justo. 

A força do conceito de vantagem comparativa para o comércio internacional

Segunda-feira| 25 de abril de 2022

O comércio internacional é algo que interessa ao ser humano desde os mais remotos tempos. A transição do feudalismo para o mercantilismo representa o período de ampliação e importância desta atividade. Foi neste período que o comércio se fez presente e deu origem a Estados Nação que colocaram em prática aquilo que conhecemos por comércio entre nações.

A teoria econômica em matéria de comercial internacional evoluiu sobremaneira a partir de então. Foi neste período que se definiu o conceito de vantagem comparativa elaborado por David Ricardo, em sua obra The Principles of Political Economy and Taxation[1], que, em apertada síntese, significa o benefício natural que um país tem em produzir e exportar um determinado produto em relação às demais nações do mundo.

Os livros textos de economia sempre trazem como exemplo para definir vantagem comparativa o clássico exemplo apresentado por David Ricardo dos vinhos produzidos por Portugal e dos têxteis produzidos e pela Inglaterra, respectivamente.

No exemplo trazido à baila, Portugal deveria exportar vinho para a Inglaterra e importar produtos têxteis do país anglo-saxão. De acordo com David Ricardo, Portugal aferia mais riqueza investindo o seu capital na produção de vinho Portugal do que investindo parte na produção de vinho e de tecidos e, da mesma forma, a Inglaterra aferia mais riqueza investindo na produção de tecidos do que em ambos os produtos.

O conceito trazido por David Ricardo é relevante que a teoria econômica deu origem a importante modelos, dentre os quais, vale mencionar o clássico modelo de Heckscher-Ohlin e o Teorema de Rybczynski.
De acordo com o modelo de Heckscher-Ohlin, os países têm diferentes dotações de fatores de produção (capital e trabalho), de maneira que países com abundância de trabalho em relação a capital exportarão bens intensivos em trabalho e países com abundância de capital em relação a trabalho exportação bens intensivos em capital.
O Teorema de Rybczynski parte do modelo de Heckscher-Ohlin (fatores fixos de produção) e verifica que tudo o mais constante (coeteris paribus), o aumento de um fator em relação aos outros eleva a produção dos bens intensivos neste fator. Esse teorema é muito útil para explicar os efeitos do investimento em capital, da imigração e da emigração nos países.
Estes resultados são muito atuais nos dias de hoje e sempre o serão, pois os fatores de produção, sobretudo o trabalho, sempre se movimentarão voluntaria ou involuntariamente entre as nações.

[1] RICARDO, David. the Principles of Political Economy and Taxation. London: John Murray, 1821. Third edition. First published: 1817